Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3233/23.8T8LSB.L1-2
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: INDEFERIMENTO LIMINAR
FALTA DE TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, deve recusar-se a aplicação do n.º 4 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de agosto, relativamente a contrato de mútuo celebrado pela Caixa Geral de Depósitos, como mutuante, após a entrada em vigor da Lei n.º 41/2013.
II. Em consequência, instaurada execução exclusivamente com base em tal contrato, deve o requerimento executivo ser liminarmente indeferido, por manifesta falta de título.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
RELATÓRIO.
Nesta execução comum para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, em que é Exequente a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA., e é executado DM, fundado em contrato de mútuo celebrado em 16.07.2021 e, designadamente, no disposto no artigo 9.º, n.º 4, do Decreto-Lei 287/93, de 20.08, a Exequente veio deduzir execução quanto à quantia de €17.637,06, acrescida de juros e imposto de selo. 
Concluídos os autos, o Juízo de Execução de Lisboa, invocando o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 670/2019, retificado pelo Acórdão n.º 710/2019 do mesmo Tribunal, proferiu decisão do seguinte teor:
“(…) decide-se:
a) Recusar a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do artigo 13.º da Constituição, da norma do n.º 4 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de agosto, segundo a qual se revestem de força executiva os documentos que, titulando ato ou contrato realizado pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., prevejam a existência de uma obrigação de que essa entidade bancária seja credora e estejam assinados pelo devedor, sem necessidade de outras formalidades; e, consequentemente,
b) Indeferir liminarmente a presente execução”.
Inconformada, a Exequente recorreu daquela decisão, apresentando as seguintes conclusões que:  
“1. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo que decidiu negar força executiva ao título executivo que o ora recorrente deu à execução, por violar o princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa a interpretação do normativo do n.º 4 do art.º 9º do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de agosto, segundo o qual se revestem de força executiva os documentos que, titulando ato ou contrato realizado pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., prevejam a existência de uma obrigação de que essa entidade bancária seja credora e estejam assinados pelo devedor, sem necessidade de outras formalidades e, consequentemente, indeferiu liminarmente o requerimento executivo.
2. Dispõe o n.º 4 do art.º 9º do Decreto-Lei n.º 287/93 de 20 de Agosto que “Os documentos que, titulando acto ou contrato realizado pela CGD, prevejam a existência de uma obrigação de que a CGD seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades.”
3. O referido diploma não se mostra revogado pelo art.º 4º da Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, nem foi derrogado pelo espírito da lei, donde resulta que, mantendo-se em vigor, e resultando do contrato de empréstimo dado à execução a assinatura do mutuário, o mesmo reveste natureza de título executivo, cabendo, em consequência, na previsão da al. a) do n.º 1 do art.º 703º do CPC.
4. Veja-se neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 26-01-2015, no âmbito do processo n.º 1162/14.5T8PRT.P1, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 16-02-2017, no âmbito do processo n.º 2673/16.3T8CBR.C1 ou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17-06-2021, proferido no âmbito do processo nº 2633/14.9T8SNT.L1-6, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
5. Se fosse intenção do legislador retirar força executiva a este tipo de documentos, tê-lo-ia feito expressamente, o que não sucedeu, pelo que mantém em vigor o regime excepcional previsto no nº 4 do art.º 9 do D.L. n.º 287/93, de 20 de Agosto.
6. Entendeu o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 670/2019, retificado pelo Acórdão nº 710/2019, e no qual o Tribunal a quo também fundamentou a sua posição, que a norma aqui em causa, o n.º 4 do art.º 9º do D.L. n.º 287/93, de 20 de Agosto, é inconstitucional por violar o princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa.
7. O recorrente não pode conformar-se com tal entendimento, e considera que o mesmo é manifestamente simplista e redutor face ao que aqui se encontra em causa.
8. O n.º 4 do art.º 9º do D.L. n.º 287/93, de 20 de Agosto não foi revogado nem o espírito da lei foi derrogado.
9. Ao manter a sua vigência, o legislador permitiu que os intervenientes, nomeadamente a recorrente, mantivessem a sua convicção que “Os documentos que, titulando acto ou contrato realizado pela CGD, prevejam a existência de uma obrigação de que a CGD seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades.”, criando, deste modo, legítimas e válidas expectativas que os mesmos constituiriam título válido e suficiente.
10. Os títulos executivos encontram-se previstos no art.º 703º do CPC e nos termos da al. d) do seu n.º 1 podem servir de base à execução “Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.”
11. A entrada em vigor do diploma que aprovou o CPC em nada colide com o regime jurídico previsto no n.º 4 do art.º 9º do D.L. n.º 287/93, de 20 de Agosto, interpretação esta que decorre do previsto n.º 3 do art.º 7º do Código Civil que estipula o princípio lex generalis specialis non derrogai, a lei geral não revoga a lei especial.
12. Por tudo quanto ficou dito, entende, pois, o recorrente, que a decisão recorrida deve ser substituída por outra que considere válido o título dado à execução, determinando-se, consequentemente, o prosseguimento da execução.
Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença ora recorrida por outra que considere válido o título dado à execução, determinando-se, consequentemente, o prosseguimento da execução”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pela Recorrente, não havendo questões de conhecimento oficioso a apreciar, está em causa apreciar e decidir tão-só se a Exequente, aqui Recorrente, dispõe de título executivo.
Assim.
III.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A factualidade a considerar na motivação de direito é a que consta do relatório deste acórdão que aqui se dá por integralmente reproduzida.
IV.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Nos termos do artigo 10.º, n.º 5, do CPCivil, na redação da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, entrado em vigor em 1 de setembro de 2013, “[t]oda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”.
O artigo 703.º do referido diploma legal na apontada redação elenca as “espécies de títulos executivos”, explicitando que “apenas” podem ter tal natureza os indicados nas suas diversas alíneas.
2. Neste contexto, em matéria de títulos executivos vigoram, pois, os princípios da legalidade e tipicidade.
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume II, página 16, “[n]o campo da formação dos títulos executivos regem os princípios de legalidade e da tipicidade: só podem servir de base a um processo executivo documentos a que seja legalmente atribuída força executiva. Apesar do cariz tendencialmente restritivo e taxativo do art.º 703º, não impede que outras normas de valor idêntico ou superior, confluam no sentido de conferir exequibilidade a certos documentos, preenchendo a verdadeira norma em branco que é a al. d) do seu nº 1. Por conseguinte, não rege nesta matéria, a liberdade contratual ou a consensualidade; quando os particulares pretendam enveredar pela exigência coerciva de obrigações têm de se sujeitar às normas que regem o acesso à ação executiva, só o podendo fazer quando estejam na posse de documento a que a lei reconheça força executiva”.
 3. Com a reforma processual civil de 2013 deixaram de constituir título executivo “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes (…)”, conforme artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do CPCivil na redação do Decreto-Lei n.º 226/2009, de 20.11.
 Num declarado propósito de restringir o elenco dos títulos executivos em matéria de documentos particulares, a reforma processual civil de 2013 limitou-os aos “títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo”, conforme alínea c) do n.º 1 do artigo 703.º do atual CPCivil.
4. A reforma processual civil de 2013 manteve, contudo, a possibilidade de servir de base à execução “documentos a que, por disposição legal, seja atribuída força executiva”, conforme referido artigo 703.º, n.º 1, alínea d), que corresponde ao artigo 46.º, n.º 1, alínea d), do CPCivil na sua redação anterior.
Naquela categoria de documentos podem integrar-se “[o]s (…) que, titulando acto ou contrato realizado pela Caixa [Geral de Depósitos], prevejam a existência de uma obrigação de que a Caixa seja credora”, desde que “estejam assinados pelo devedor (…), sem necessidade de outras formalidades”, conforme artigo 9.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20.08.
Sem colocar em crise a vigência daquela norma, embora bem sabendo tratar-se de questão controversa[1], importa antes aqui equacionar ora da sua conformidade com o princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado no artigo 13.º da nossa Constituição, pois foi tal que justificou o indeferimento liminar da execução.
5. Segundo o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, “[t]odos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, sendo que “[n]inguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.
No que aqui releva, o princípio da igualdade, numa perspetiva negativa, obsta à existência de privilégios e discriminações infundadas ou proporcionalmente desajustadas no caso e, numa vertente positiva, impõe que situações substancialmente iguais sejam tratadas da mesma forma, bem como situações materialmente desiguais assim sejam tratadas de forma diversa, sempre na justa medida do caso e conforme os valores constitucionais em apreço, na racionalidade intrínseca do sistema normativo.
Como refere Jorge Miranda, Direitos Fundamentais, edição de 2020, páginas 314 a 316,
“O sentido primário do princípio [da igualdade] é negativo: consiste na vedação de privilégios e de discriminações. (…)”.
“Privilégios são situações de vantagens não fundadas e discriminações situações de desvantagem”.
“(…) Mais complexo vem a ser o sentido positivo:
a) Tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de situações semelhantes), embora não em puros termos matemáticos e abstraindo de diferenciações razoáveis no contexto do ordenamento jurídico (…);
b) Tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objetivamente desiguais - «impostas pela diversidade das circunstâncias ou pela natureza das coisas» (…) – e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador (…);
c) Tratamento em moldes de proporcionalidade de situações iguais ou desiguais (…) – ou seja, sem sacrifícios excessivos e sem satisfação excessiva de qualquer sujeito;
d) Tratamento das situações não apenas como existem, mas também como devem existir, de harmonia com os padrões da Constituição material (acrescentando-se, assim, uma componente ativa ao princípio e fazendo da igualdade perante a lei uma verdadeira igualdade através da lei)”.
6. Equacionado assim o princípio da igualdade, temos por materialmente inconstitucional o artigo 9.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20.08, na medida em que confere à Caixa Geral de Depósitos uma vantagem injustificada face a outras instituições bancárias e coloca os seus devedores numa situação desvantagem infundada relativamente a devedores de outras instituições bancárias.
Com efeito, a aplicar-se o apontado normativo, diversamente do que sucede com outras instituições bancários, após a indicada reforma processual-civil de 2013 a Caixa Geral de Depósito poderia executar documento particular, assinado pelo devedor, que titulasse obrigação de que a Caixa fosse respetiva credora.
Por outro lado, com o incumprimento, os devedores da Caixa Geral de Depósitos ver-se-iam confrontados com uma execução e, pois, perante a penhora do seu património, assim como a necessidade de discutir os seus direitos em embargos de executado, diversamente do que ocorre com os devedores de outras instituições bancárias após a apontada reforma processual-civil de 2013, os quais podem discutir os seus direitos em ação declarativa, sem execução imediata do seu património, na qualidade de réus e com regras do ónus da prova manifestamente mais vantajosas.
Ora, tal privilégio da Caixa e aquela discriminação dos seus devedores, com dívida titulada nos termos indicados, não se configura minimamente fundada, ou seja, não é de todo em todo razoável, termos em que viola o princípio da igualdade nos termos indicados.
Com o Decreto-Lei n.º 287/93, de 20.08, a Caixa deixou de ser uma pessoa coletiva de direito público e passou a ser uma sociedade anónima, pelo que não se justifica conferir à Caixa prerrogativas que outras instituições de crédito não têm, como seja a força executiva conferida pelos documentos assinados pelo devedor «que, titulando acto ou contrato realizado pela Caixa, prevejam a existência de uma obrigação de que a Caixa seja credora (…), sem necessidade de outras formalidades».
Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 670/2019, de 13 de novembro, ratificado pelo acórdão do mesmo Tribunal n.º 710/2019, de 04 de dezembro:
“Atenta a natureza que” o referido Decreto-Lei 287/93 atribuiu à Caixa, “aproximando-a das demais instituições de crédito, submetendo-a a regras de direito privado e aplicando ao seu pessoal o regime do contrato individual de trabalho, nada justifica a conclusão de que os documentos abrangidos pelo artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de agosto, possuem um grau diferenciado de idoneidade de acertamento dos créditos neles representados”.
Na matéria, “(…) decisiva não é a finalidade prosseguida pela” Caixa, “mas a forma escolhida para o efeito; sob esse ponto de vista, nada distingue os documentos a que se refere o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de agosto, de documentos particulares homólogos detidos por outras instituições de crédito, e aos quais o legislador processual civil veio a negar, com a aprovação do «novo código», força executiva”.
“Sublinhe-se, por último, que os documentos aqui em causa carecem da força probatória que decorreria do reconhecimento de uma especial fé pública em que estivessem investidos os funcionários da” Caixa “que os outorgam – fé pública essa que poderia justificar uma analogia com os documentos autênticos ou autenticados referidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 703.º do Código de Processo Civil, dado que a exequibilidade destes, por comparação com os equivalentes documentos particulares simples constitutivos de obrigações e assinados pelo devedor, aos quais atualmente não é reconhecida exequibilidade, radica precisamente numa especial qualidade do sujeito que os outorga ou que os certifica”.
“Ora, para que se pudesse falar de fé pública – ou qualidade equivalente – seria indispensável que a mesma integrasse o estatuto dos funcionários da” Caixa. “Não é esse o caso: o estatuto dos trabalhadores da” Caixa “não os distingue, nos termos da lei, dos trabalhadores das instituições de crédito privadas. Do facto de a “Caixa”, enquanto sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, estar adstrita à prossecução do interesse público, não se segue que os seus funcionários, designadamente aqueles que intervêm na outorga dos documentos a que se refere o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de agosto, gozem de uma qualquer fé pública, suscetível de comunicar aos contratos abrangidos pela norma sindicada um grau de acertamento do direito exequendo que justifique a sua exequibilidade imediata, em contraste com contratos da mesma natureza celebrados por outros credores, designadamente as demais instituições de crédito”.
“Por tudo quanto se disse, resta concluir que a norma sindicada nos presentes autos é inconstitucional, por violar o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição”, termos em que se decidiu “[j]ulgar inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição, a norma do n.º 4 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de agosto, segundo a qual se revestem de força executiva os documentos que, titulando ato ou contrato realizado pela” Caixa, “prevejam a existência de uma obrigação de que essa entidade bancária seja credora e estejam assinados pelo devedor, sem necessidade de outras formalidades”.
Tal inconstitucionalidade foi igualmente declarada nas decisões sumárias do Tribunal Constitucional n.ºs  710/2021, de 23 de novembro, e 351/2022, de 10 de maio.
Os Tribunais da Relação têm também declarado tal inconstitucionalidade material – é caso, entre outros, dos acórdãos deste Tribunal da Relação de Lisboa de 27.09.2022, processo n.º 18485/21.0T8LSB.L1-7, e processo n.º 1648/22.8T8OER.L1-7, do Tribunal da Relação de Guimarães de 17.12.2018, processo n.º 2438/17.5T8GMR-A.G1, e do Tribunal da Relação de Évora de 25.02.2021, processo n.º 134/14.4T8ENT.E1.
7. Na situação vertente.
Está em causa um alegado incumprimento de um contrato de mútuo celebrado em 16 de julho de 2021 entre a Caixa Geral de Depósitos, na qualidade de mutuante, aqui Exequente/Recorrente, e DM, na qualidade de mutuário, ora Executado/Recorrido, sendo que tal contrato serve de título à execução, fundando-se a execução nos apontados artigos 703.º, n.º 1, alínea d), do CPCivil e 9.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 287/93.
Ora, sendo materialmente inconstitucional a norma decorrente daquela última disposição legal nos termos apontados, por violação do princípio da igualdade, a execução aqui em causa carece de título executivo, termos em que a mesma deve ser liminarmente indeferida, por manifesta falta de título, conforme disposto no artigo 726.º, n.º 2, alínea a), do CPCivil e determinado na decisão recorrida.
Diga-se ainda que tendo o contrato de mútuo aqui em causa sido celebrado em 16 de julho de 2021 e, pois, em data posterior à entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, não é aplicável à situação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2015, de 23.09, publicado no DR, Série I, de 14.10.2015, o qual, com força obrigatória geral, declarou “a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição)”.
Em suma, improcede o recurso, mantendo-se, pois, a decisão recorrida.
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Quanto a custas:
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o recurso é considerado um «processo autónomo» para efeito de custas processuais, sendo que a decisão que julgue o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu improcede a pretensão da Recorrente.
Na relação jurídico-processual recursiva a Recorrente configura-se como parte vencida, pois a improcedência do recurso é-lhe desfavorável.
Nestes termos, as custas do recurso devem ser suportadas pela Recorrente, incluindo naquelas tão-só as custas de parte, conforme artigos 529.º, n.º 4, e 533.º do CPCivil, assim como 26.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais.
V. DECISÃO  
Pelo exposto,
1. Por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, recusa-se a aplicação do artigo 9.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de agosto, na interpretação segundo a qual revestem de força executiva os documentos emitidos após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2013 que, titulando ato ou contrato realizado pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., prevejam a existência de uma obrigação de que essa entidade bancária seja credora e estejam assinados pelo devedor, sem necessidade de outras formalidades;
2. Julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas, na vertente de custas de parte, pela Recorrente.

Lisboa, 14 de dezembro de 2023
Paulo Fernandes da Silva
Laurinda Gemas
Orlando Nascimento
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[1] No sentido de que a apontada norma cessou a sua vigência, vejam-se, por exemplo, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, volume II, edição de 2014, páginas 192 e 193, bem como o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 03.05.2016, processo n.º427/13.8TBPTS-B.L1.
Em sentido oposto, defendendo a vigência da norma, veja-se, também a título exemplificativo, o acórdão deste Tribunal de Relação de Lisboa de 06.12.2018, relatado pela aqui 1.ª Adjunta, processo n.º 4930/17.2T8FNC.L1-2, e a demais jurisprudência aí referida.