Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2438/17.5T8GMR-A.G1
Relator: HEITOR GONÇALVES
Descritores: EMBARGOS À EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
MÚTUO BANCÁRIO
DEC-LEI 287/93
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator)

1. O artigo 2º do Dec-Lei DL nº 48 953, de 05.04.1969 definia o Banco A como “uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, com património próprio, competindo-lhe o exercício das funções de instituição de crédito do Estado e a administração das instituições a que se referem os artigos 4º e 6º”, incumbindo-lhe, “como instituto de crédito do Estado”, “colaborar na realização da política de crédito do Governo e, designadamente, no incentivo e mobilização da poupança para o financiamento do desenvolvimento económico e social, na ação reguladora dos mercados monetário e financeiro e na distribuição seletiva do crédito” (Art. 3º).

2. Com a transformação operada pelo DL 287/93, o Banco A deixou de constituir uma pessoa colectiva de direito público e passou a reger-se pelas regras do direito privado, i.é., não subsistem desde então os fundamentos que justificavam a atribuição ao Banco A de especiais e prerrogativas que as demais instituições de crédito não tinham, como a força executiva conferida aos documentos que, titulando acto ou contrato realizado pelo Banco A, prevejam a existência de uma obrigação de que o Banco A seja credora e estejam assinados pelo devedor, sem necessidade de outras formalidades.

3. E como a força executiva desses actos ou contratos previstos no nº4 do artigo 9º do referido Dec-Lei 287/93 dispensa o processo declarativo com vista o reconhecimento do direito e permite desde logo medidas coercivas para cobrança dos créditos, os devedores do Banco A são colocados em condições mais desfavoráveis relativamente aos devedores doutras instituições de crédito que tenham celebrado contratos da mesma natureza, sem que exista razão objetiva que justifique a desigualdade de tratamento.

4. Assim, deve ser negada força executiva o título dado à execução, por violar o princípio da igualdade do artigo 13º, nº1, da Constituição da República Portuguesa a interpretação do normativo do nº4 do artigo 9º do DL nº. 287/93, de 20.08, segundo a qual se revestem de força executiva os documentos que, titulando acto ou contrato realizado pelo Banco A S.A, prevejam a existência de uma obrigação de que essa entidade bancária seja credora e estejam assinados pelo devedor, sem necessidade de outras formalidades.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A. Por apenso aos autos de execução movidos pelo Banco A, SA, com base num contrato de empréstimo de consolidação de dívida resultante de operações de crédito pessoal ao consumo, o executado J. C. deduziu estes embargos de executado, alegando que o título não tem força executiva e a violação do direito de informação relativamente à cláusula geral de renúncia ao benefício de excussão prévia, o que determina a sua exclusão nos termos dos artigos 6º e 9º do RCCG aprovado pelo DL 446/85, de 25-10.

A embargada contestou, alegando que o contrato dado à execução se reveste de força executiva nos termos do artigo 9º do DL 287/93, de 20.08, cabendo na previsão da al. d) do nº1 do artº 703º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, e que as cláusulas inseridas no contrato de empréstimo foram objecto de discussão entre os intervenientes e explicitado o seu conteúdo.

B. Ultimado o julgamento – no âmbito do qual o embargante suscitou a inconstitucionalidade material e orgânica do disposto no artigo 9º, nº 4, do Decreto-Lei nº 287/93, de 20.08- foi produzida sentença final a julgar improcedente a oposição, determinando o prosseguimento dos termos da execução.

C. O embargante recorre dessa sentença, terminando com as seguintes conclusões:

I. A presente execução tem por base documento que titula mútuo celebrado entre a exequente Banco A e os executados.
II. A respectiva exequibilidade funda-se no artigo 9º, nº 4, do DL 287/93, de 20.8, o qual concede um regime especial ao Banco A, ao estabelecer que “Os documentos que, titulando o acto ao contrato realizado pelo Banco A, prevejam a existência de uma obrigação, de que o Banco A seja credora e esteja assinado pelo Devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades”.
III. Ora, no entendimento do ora recorrente, o dito artigo 9º, nº 4, do DL 287/93, de 20.8, está ferido de inconstitucionalidade, material e orgânica, questão essa que levantou em sede de audiência de discussão e julgamento, ao abrigo do artigo 3º, n.º 4, do CPC.
IV. Na verdade, aquela norma é não só materialmente inconstitucional, por violar claramente o princípio da igualdade, plasmado no artigo 13º da CRP, como é organicamente inconstitucional, por desrespeito das regras impostas à sua criação.
V. Assim não entendeu o Tribunal a quo que justificou a sua douta Decisão com o facto de tal privilégio estar também atribuído a outras entidades bancárias.
VI. Acontece que não só não foram identificadas na Douta Sentença quaisquer outras entidades bancárias abrangidas por tal privilégio, como entendemos que esse não é argumento bastante que possa afastar os vícios supra invocados.
VII. Com efeito, a exequente é uma pessoa coletiva de direito privado.
VIII. Nessa qualidade é igual perante a lei, não lhe sendo devido qualquer regime excecional na matéria em questão.
IX. O elenco dos títulos executivos previsto no artigo 703º e seguintes, do CPC, aplica-se a todas as pessoas, de igual modo, não podendo existir qualquer regime que beneficie especialmente o Banco A.
X. Pelo que, o sobre dito artigo 9º, n.º 4, do Decreto-Lei 287/93, ao pretender fazê-lo viola o princípio constitucional da igualdade, plasmado no artigo 13º da CRP.
XI. Por outro lado, tal norma está igualmente ferida de inconstitucionalidade por via do respectivo processo de criação.
XII. Com efeito, tal Decreto-Lei foi decretado pelo Governo, nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 201.º, da Constituição.
XIII. Ora, o sobre citado artigo 9º, n.º 4, contende com o normativo processual civil, regulado na Lei 41/2013.
XIV. Acontece que a respectiva matéria é da competência da Assembleia da República, nos termos do artigo 161º, n.º 1, alínea c), da CRP.
XV. Logo, a matéria em análise está vedada à regulamentação pelo Governo, pois não cabe na sua competência legislativa, prevista no artigo 198º, da CRP.
XVI. Assim, artigo 9º, n.º 4, do Decreto-Lei 287/93, é materialmente inconstitucional, por violar o princípio constitucional da igualdade, plasmado no artigo 13º da CRP, e, simultaneamente, organicamente inconstitucional, por ter sido decretado pelo Governo fora das suas competências legislativas constitucionais, em violação à competência legislativa conferida à Assembleia da República.
XVII. Assim, o artigo 9º, n.º 4, do Decreto-Lei 287/93, de 20.08 deverá ser julgado inconstitucional, com as inerentes consequências, por violação dos artigos 13º, 201º, n.º 1, alínea a), da Constituição.

Acresce que,

XVIII. O recorrente entende que, mesmo afastando-se a questão supra, o actual regime processual civil derroga o regime de especialidade conferido pelo dito artigo 9º, n.º 4, compatível com o correspondente artigo 46º, anterior à reforma de 2013, mas incompatível com o elevado grau de exigência formal do atual artigo 703º, do CPC.
XIX. Esta maior exigência claramente pretendeu conferir um maior rigor na assunção de obrigações com configuração executiva, impondo, concomitantemente, que para esse fim as partes celebrantes necessitem de estar auxiliadas e protegidas por uma entidade externa ao ato, investida de fé pública (notário ou entidade equiparada), que possa assessorar e assegurar a conformidade da vontade dos celebrantes com a respectiva materialização.
XX. Ora, o grau de exigência do atual regime legal e a sua ratio não é compatível com um regime normativo que dispense especialmente aqueles que assumam obrigações creditícias com o Banco A.
XXI. Assim, consideramos que o atual artigo 703º, 1, b), do CPC, claramente derrogou o carácter de especialidade atribuído pelo mencionado artigo 9º, n.º 4, do Decreto-Lei 287/93.
XXII. Conclui-se, pelas razões supra, que o título dado à presente execução não goza de exequibilidade.-

A embargada pugna nas contra-alegações pela manutenção do julgado, concluindo:

O documento particular junto aos autos de execução é título executivo, nos termos do Art. 9.º, n.º 4 do DL n.º 287/93, de 20 de Agosto.

Por não ter sido este preceito legal objecto de revogação expressa pelo Art. 4.º da Lei 41/2013, de 26/06, é revestido de força executiva, sem necessidade de qualquer outra formalidade.

Tendo as Leis e os Decretos-Lei igual valor - Art. 112.º da Constituição da República Portuguesa, poderia a Assembleia da República, se assim o tivesse entendido, revogar o Art. 9.º, nº 4 do DL n.º 287/93, de 20 de Agosto, o que não aconteceu.

A proibição de discriminações, na vertente de violação do Principio da Igualdade – Art. 13.º da Constituição da República Portuguesa, não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações nem proíbe diferenciações de tratamento.

Havendo outros documentos particulares para além dos previstos no Art 703.º do C.P.C. nas suas alíneas a), b) e c), que por disposição especial seja atribuída força executiva, nomeadamente, os do Art. 9.º, n.º 4 do DL n.º 287/93, de 20 de Agosto, não se vislumbra onde é que poderá aqui se verificar a violação do Princípio da Igualdade.

D. Factos provados.

- O Banco A intentou acção executiva contra M. P. e o embargante, para destes haver o pagamento da quantia de € 10.060,04, acrescida de juros de mora vencidos até integral pagamento.
- A exequente deu à execução o documento de fls. 4. e seguintes dos autos principais, respeitante a um contrato de empréstimo para consolidação de dívida resultante de operações de crédito pessoal ao consumo, constando como contraentes M. P., J. C. e Banco A, SA., cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido.
- Consta do contrato que o empréstimo, no montante de € 8150,00, se destina à consolidação da dívida dos clientes perante o Banco A, sendo o prazo de amortização 96 meses.
- Mais consta, na cláusula 21, com a epígrafe “Garantias”.“a) As pessoas identificadas para o efeito no início do contrato constituem-se Fiadores solidários e principais pagadores de todas e quaisquer garantias que sejam ou venham a ser devida ao Banco A pelos Clientes no âmbito do contrato de empréstimo, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos e dão antecipadamente o seu acordo a prorrogações do prazo e a moratórias que forem convencionadas entre o Banco A e os Clientes; b) Os fiadores renunciam ao benefício do prazo estipulado no art. 782º do Código Civil e ao exercício das excepções previstas no artigo 642º do mesmo Código”.
- A exequente instaurou a execução em 03.05.2017, alegando para o efeito, “No âmbito da sua actividade, em 19/11/2013, a Exequente celebrou com o executado M. P., um Contrato de Empréstimo para a consolidação de dívida resultante de operações de crédito pessoal ao consumo, por meio do qual a Exequente lhe concedeu um empréstimo no montante de € 8.150,00 (Oito Mil, Cento e Cinquenta Euros), com o prazo de amortização de 8 (Oito) anos, como se alcança da Pública Forma adiante junta como Doc. nº 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
- Tal quantia foi, efectivamente, entregue ao Executado que a recebeu e a destinou exclusivamente, à consolidação, no âmbito do DL nº 227/2012 de 25/10, da divida do Executado perante a Exequente, resultante de contratos de crédito pessoal ao consumo e de outras formas de concessão de crédito.
- No âmbito do acima referido contrato, o executado J. C., constituiu-se fiador e principal pagador, responsabilizando-se, solidariamente, como principal pagador de todas as obrigações resultantes do supra referido contrato (Cfr. Doc. nº 1).
- Por força do referido contrato, os Executados confessaram-se devedores da quantia emprestada e assumiram, entre outras obrigações, as de restituir à Exequente a quantia emprestada através do pagamento de prestações mensais e sucessivas, do capital e juros dos contratos celebrados.
- Todos os pagamentos a que os Executados ficaram obrigados por força do referido contrato, seriam efectuados através de débitos na conta de depósitos à ordem associada, que o executado M. P. deveria manter, obrigatoriamente, com provisão para esse efeito (Cfr. Doc. nº 1).
10º - Porém, quer o Executado M. P., quer o executado/fiador J. C. não cumpriram com as obrigações do mencionado contrato, nomeadamente, não pagaram nas datas dos respectivos vencimentos, nem posteriormente, não obstante as diligências efectuadas nesse sentido pela Exequente, as prestações a que se obrigaram a realizar para reembolso do capital e juros.
11º - Incumprimento esse que, tendo ocorrido, desde 19/09/2014, determinaram o vencimento de todas as prestações acordadas, como resulta da Nota de Débito que se junta como Doc. nº 2 e que aqui se dá por reproduzido.
12º - Assim e no que concerne ao empréstimo de € 8.150,00 (Doc. nº 1), assiste à Exequente o direito de reclamar dos Executados o pagamento do capital vencido no montante de € 7.623,29, juros moratórios no montante de € 2.007,75, despesas e comissões no montante de € 429,00, tudo no montante global de € 10.060,04 (cfr. Doc. 2 já junto).
13º - A partir de 05.04.2017, exclusive, a operação/dívida referente ao contrato referido em 1º, será agravada diariamente em € 2,63, encargo correspondente a juros calculados à taxa de 12,0240000%, acrescida da sobretaxa de 3,000 % a título de cláusula penal de harmonia com o artº 8º do DL nº 58/2013, de 8 de Maio e das despesas extrajudiciais que a Exequente efectue da responsabilidade dos Executados, agravamento que será devido e contado até efectivo e integral pagamento. (cfr. Doc. nº 2)”, conforme requerimento executivo junto na execução apensa.
14º - As cláusulas do contrato foram elaboradas pela embargada e apresentadas em formulário pré-impresso, sem prévia negociação com o embargante.
15º - O embargante rubricou as folhas e apôs a sua assinatura no contrato, sendo que as assinaturas, quer do mutuário, quer do fiador, foram conferidas presencialmente, por dois funcionários do Banco A.
Da prova produzida em audiência de julgamento, resultou ainda demonstrado que “quando assinou o contrato, o embargante sabia que se constituía como fiador e principal pagador.

D. Cumpre apreciar e decidir.

As questões que ressuma das conclusões de recurso:

1ª. O título oferecido pelo Banco A tem força executiva à luz das disposições conjugadas da alínea d), do nº1, do artigo 703º do CPC, e nº4 do artigo 9º do DL 287/93, de 20.08?
2ª. O nº4 do artigo 9º do Dec-lei 287/93, de 22.08 criado pelo Governo ao abrigo do artº 201º, nº1, al. a) da Constituição está ferido de inconstitucionalidade orgânica por versar matéria da competência da Assembleia da República, e de inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade?

1ª - Da exequibilidade do contrato de mútuo dado à execução pelo Banco A.

O contrato de empréstimo dado à execução pela exequente/embargada foi celebrado em 19 de novembro de 2013, em plena vigência do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº. 41/2013, de 26 de junho, que no elenco das espécies de títulos executivos inclui «os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva» - alínea d), do nº1 do artigo 703º.

Estabelecia o nº 1 do artigo 61º da Lei Orgânica do Banco A aprovada pelo DL nº 48 953, de 05.04.1969, que “a cobrança coerciva de todas as dívidas de que seja credora o Banco A e suas instituições anexas é da competência dos tribunais de 1.ª instância das contribuições e impostos, servindo de títulos executivos as escrituras, títulos particulares, letras, livranças ou qualquer outro documento apresentado pela instituição exequente, incluindo as certidões extraídas dos livros da sua escrita” (o itálico é da nossa autoria).

Essa lei orgânica foi revogada pelo DL 287/93, de 20.08, o qual transformou o Banco A em Sociedade Anónima de capitais exclusivamente públicos, mas manteve o normativo que conferia executiva aos documentos que, titulando acto ou contrato realizado pelo Banco A, prevejam a existência de uma obrigação de que o Banco A seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades» - cfr. artigo 9º, nº4.

Assim sendo, é de concluir que nº4 do artigo 9º do Dec-Lei 287/93, de 20 de agosto, é uma das disposições especiais previstas pela alínea d), do nº1, do artigo 703º, do CPC, que confere força executiva ao contrato de mútuo dado à execução. É o entendimento da jurisprudência das Relações: v.g. Ac. do TRP de 26 de Janeiro de 2015, Ac. do TRL de 25 de junho de 2015; e acs do TRC de 16 de Fevereiro de 2017, e de 17 de Abril de 2017, e a posição defendida por Lebre de Freitas, in Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª ed. pág. 80, e por Marco Carvalho Gonçalves, in Lições de Processo Civil Executivo, 2016, pág. 120.

Mas essa interpretação enferma de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade ínsito no artigo 13º, nº1, da Constituição da República Portuguesa.

O artigo 2º do Dec-Lei DL nº 48 953, de 05.04.1969 definia o Banco A como “uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, com património próprio, competindo-lhe o exercício das funções de instituição de crédito do Estado e a administração das instituições a que se referem os artigos 4º e 6º”, incumbindo-lhe, “como instituto de crédito do Estado”, “colaborar na realização da política de crédito do Governo e, designadamente, no incentivo e mobilização da poupança para o financiamento do desenvolvimento económico e social, na ação reguladora dos mercados monetário e financeiro e na distribuição seletiva do crédito” (Art. 3º).

Em função desse estatuto e interesses públicos que visava prosseguir, tal como refere o citado acórdão do TC nº. 65/2009 não se mostrava “abusivo, arbitrário ou manifestamente desproporcionado, que, simultânea e diferentemente do que se passa relativamente às outras entidades bancárias, a tenha aliviado de certos encargos processuais com a cobrança dos créditos com que, pelo menos em parte, satisfazia essas necessidades públicas. De resto, a atribuição dessas prerrogativas processuais não deixa de constituir, precisamente, uma expressão de afirmação da subordinação constitucional do poder económico ao poder político, na medida em que elas representam uma contrapartida pelo prosseguimento por parte do Banco A dos interesses públicos que são predeterminadamente definidos pelo legislador, em concretização de valores que a Constituição de 1976 não deixou de igualmente assumir como direitos sociais ou como injunções constitucionais (cf., artºs 65º e 101º, da CRP, na versão actual).”

Com a transformação operada pelo Dec-Lei 287/93, o Banco A deixou de constituir uma pessoa colectiva de direito público e passou a reger-se pelas regras do direito privado, i.é., não subsistem desde então os fundamentos que justificavam a atribuição ao Banco A de especiais e prerrogativas que as demais instituições de crédito não tinham, como a força executiva conferida aos documentos que, titulando acto ou contrato realizado pelo Banco A, prevejam a existência de uma obrigação de que o Banco A seja credora e estejam assinados pelo devedor, sem necessidade de outras formalidades.

E a força executiva desses actos ou contratos previstos no nº4 do artigo 9º do referido Decreto-Lei 287/93, dispensa o processo declarativo tendo em vista o reconhecimento do direito e permite desde logo medidas coercivas para cobrança dos créditos, v.g. a penhora de bens, ou seja, os devedores são colocados em condições manifestamente mais desfavoráveis relativamente aos devedores doutras instituições de crédito que tenham celebrado contratos da mesma natureza, sem que exista razão objectiva que justifique essa desigualdade de tratamento de situações substancialmente iguais.

Ademais, a revisão do elenco dos títulos executivos operada pelo regime introduzido pela Lei nº. 41/2013, de 26 de Junho, como refere no seu preâmbulo, é precisamente o de reduzir o risco de execuções injustas “risco esse potenciado pela circunstância de as últimas alterações legislativas terem permitido cada vez mais hipóteses de a execução se iniciar pela penhora de bens do executado, postergando-se o contraditório”.

Resta referir que, no entanto, não enferma de inconstitucionalidade orgânica o nº 4 do artº 9º do DLei 287/93, de 22.08, criado pelo Governo ao abrigo do art. 201º, nº1, al. a) da CRP (Constituição da República Portuguesa).

O que o Dec-Lei 287/93 não introduziu qualquer inovação jurídica sobre a matéria, apenas manteve o estatuído no DL 48 953, de 05.04.1969 sobre a força executiva dos contratos celebrados pelo Banco A que prevejam a existência de uma obrigação e estejam assinados pelo devedor.

Como refere o acórdão do Tribunal Constitucional nº 65/2009, de 10 de fevereiro de 2009, que apreciou a questão da inconstitucionalidade orgânica do nº5 do artigo 9º do referido Dl 287/93, «o Tribunal Constitucional tem-se pronunciado, firme e reiteradamente, no sentido de que, ainda que se comprove a ausência da autorização legislativa parlamentar, não se verifica qualquer inconstitucionalidade orgânica sempre que o Governo se limite a, no exercício da função legislativa que lhe compete, proceder à reprodução de normatividade já existente. Tal entendimento remonta à Comissão Constitucional que em vários pareceres se pronunciou no sentido da não verificação de inconstitucionalidade orgânica sempre que as normas em análise não ostentavam carácter inovatório (cfr. Pareceres n.ºs 2/79 e 17/82, publicados, respectivamente, nos Pareceres da Comissão Constitucional, 7.º volume e 10.º volume)».

Decisão.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar força executiva ao título que a exequente deu à execução, por mor de violar o princípio da igualdade do artigo 13º, nº1, da CRP (Constituição da República Portuguesa) a interpretação do normativo do nº4 do artigo 9º do DL nº. 287/93, de 20.08, segundo o qual se revestem de força executiva os documentos que, titulando acto ou contrato realizado pelo Banco A S.A, prevejam a existência de uma obrigação de que essa entidade bancária seja credora e estejam assinados pelo devedor, sem necessidade de outras formalidades.

Consequentemente, dando-se procedência à apelação, revoga-se a sentença recorrida e julga-se extinta a execução de que dependem os embargos de executado.
Custas pela recorrida.
TRG, 17 de Dezembro de 2018

Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade
Maria da Conceição Bucho