Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1923/10.4TFLSB.L1-3
Relator: CRISTINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores: SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
PODER JURISDICIONAL ESGOTADO
CASO JULGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/24/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: O processo justo e equitativo não constituí uma via de sentido único para assegurar que a condenação dos autores de factos puníveis como crime ou como contraordenação acontece com respeito pela verdade material e pelos direitos fundamentais das pessoas visadas, ou seja, não vincula apenas o Tribunal a assegurar aos sujeitos processuais o direito à igualdade de armas e de tratamento, no processo, a respeitar proibição da indefesa e o direito ao contraditório, a garantir que todos têm assegurados os direitos à fundamentação das decisões, a que estas sejam proferidas em prazo razoável, a obterem conhecimento dos dados do processo, a terem acesso à prova e a um processo orientado para a prossecução da justiça material.
Este princípio constitucional também envolve vários deveres para os sujeitos processuais, a começar pelo de lealdade processual e pelo de abstenção de comportamentos que não servem qualquer interesse legítimo e antes são colocados ao serviço de um propósito de entorpecimento da acção da Justiça.

O abusivo exercício do direito de acção e ao recurso não é admissível. Havendo já decisões condenatórias, definitivamente proferidas não podem ser admitidos sucessivos pedidos sobre assuntos já decididos, sob pena de se ir contra a força vinculativa do caso julgado, protelando injusta e injustificadamente a execução das condenações.

Condição essencial da aplicação retroactiva da lei concretamente mais favorável é que a sucessão de leis se verifique nos limites da mesma incriminação ou da mesma norma que prevê uma determinada infracção de mera ordenação social, de seguida, que essa alteração legislativa se verifique na correspectiva descrição típica ou nos limites mínimo e máximo das coimas aplicáveis ou das sanções acessórias.

Assim se dessa sucessão de leis no tempo, se verificar que a lei nova é mais favorável, ou porque baniu da ordem jurídica aquela concreta infracção ou porque lhe fez corresponder menos sanções ou sanções mais brandas, será essa a aplicável.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO


Por decisão proferida em 25 de Abril de 2021, no recurso de contraordenação nº 1923/10.4TFLSB do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, Juiz 3 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa foram indeferidos os requerimentos de 05.06.2020 - ref. 6359403, de 08.06.2020, ref. 6371315 e de 09.06.2020, ref 6379748, apresentados pelos recorrentes FP_____, CB_____, e AMS_____, no sentido de ser aplicada no presente processo a nova redacção dada aos arts. artigos 399°-A n° 1 alínea b) e 420° n° 2 do CdVM pela Lei n° 28/2017 de 30 de Maio.

O recorrente AMS_____  interpôs recurso desta decisão, tendo, para o efeito, formulado as seguintes conclusões:
1.–No seu requerimento de 9 de junho de 2020 (Ref. 6379748) o Recorrente veio requerer o arquivamento dos autos por força da aplicação retroativa da lei mais favorável.
2.–Invocou, em síntese, que a redação atual do n.° 2 do artigo 420.° do CdVM, introduzida pela Lei 28/2017, determina que os factos puníveis nos termos das atuais alíneas a) e b) do n° 1 do artigo 399°-A do CdVM, correspondentes às infrações contraordenacionais dos artigos 388°/1/a) e 389°/1/a) na sua redação anterior à entrada em vigor da Lei 28/2017, apenas podem ser perseguidas criminalmente, quando imputadas ao mesmo agente e pelo mesmo título de imputação subjetiva.
3.–Deste modo, por limitar a punibilidade dos factos à infração criminal, a norma do artigo 420°/2 do CdVM é concretamente mais favorável ao Recorrente, devendo, como tal, ser-lhe aplicada de harmonia com o disposto no n.° 2 do artigo 3.° do RGCO.
4.– Com efeito, até à entrada em vigor do artigo 399.°-A do CdV, operada pela Lei 28/2017, a contraordenação de divulgação de informação ao mercado sem qualidade (artigo 389.°/1/a) do CdVM) sempre foi interpretada pela própria CMVM como um tipo residual, aplicável unicamente na ausência de norma sancionatória específica.
5.–Do confronto do objeto do processo criminal n.° 7327/07.9TDLSB - no que ao crime de manipulação de mercado concerne - com o objeto destes autos, resulta, com meridiana clareza, que o ilícito contraordenacional em apreço, tal como configurado pela decisão condenatória da CMVM e pelas decisões judiciais que a confirmaram e considerando ainda estarem aqui em causa os mesmos factos, se encontra numa situação de concurso aparente com o tipo de manipulação de mercado, pelo qual é agora consumido ex vi artigo 420.°/2 do CdVM. 
6.–Para o Tribunal a quo, a ocultação de prejuízos do BCP (resultantes de transações sobre ações próprias não reveladas ao mercado) na divulgação dos documentos de prestação de contas consolidadas relativos ao exercício de 2006 (a 28.06.2007), da informação referente à atividade, resultados e situação económica e financeira do BCP no 3.° trimestre de 2007 (a 06.11.2007) e no comunicado que confirma a informação prestada (a 23.12.2007) - correspondentes às contraordenações em causa nos presentes autos - são sempre idóneas a influir, de modo sensível, nas decisões dos investidores, dado que a informação financeira de um emitente (como era e é o caso do BCP) reflete-se sempre nos valores mobiliários e outros instrumentos financeiros por si emitidos (cf. os excertos da sentença proferida nestes autos a 18 de janeiro de 2013 transcritos em 2.8. da Motivação).
7.–Ou seja, em antecipação ao que viria a ser o tipo infracional consagrado em 2017, no artigo 399.°/1/b) por referência ao disposto no artigo 379.°, ambos do CdVM - divulgação de informação falsa incompleta, exagerada, tendenciosas ou enganosa idónea para alterar artificialmente o regular funcionamento do mercado de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros - o Tribunal a quo decidiu que a conduta do Recorrente era idónea para tal alteração por estar em causa (a divulgação de) informação financeira que sempre influi, de forma sensível, nas decisões dos investidores.
8.–Associando tal conduta, à data prevista e punida pelos citados artigos 389.°/1/a) (contraordenação) e 379.° (crime), à infração de perigo abstrato-concreto abrigada no novo artigo 399.°-A/1/b).
9.–Nestes termos, a ser vigente o artigo 399.°-A/1/b) do CdVM tal como atualmente existe, nas datas de abertura do procedimento contraordenacional e de julgamento do Recorrente, quer a decisão administrativa condenatória, quer as decisões judiciais que posteriormente a confirmaram, teriam julgado os visados (entre os quais o Recorrente) pela prática da contraordenação de manipulação de mercado aí prevista e não pela contraordenação prevista no artigo 389.°/1/a) do CdVM.
10.–Uma vez que a redação do artigo 420.°/2 do CdVM, introduzida pela Lei 28/2017, limita a punibilidade da conduta do Recorrente à infração criminal atenta a identidade dos bens jurídicos tutelados, excluindo a sua perseguição contraordenacional, a mesma encerra um regime concretamente mais favorável ao Recorrente, devendo, como tal, ser-lhe aplicado ex vi n.° 2 do artigo 3.° do RGCO (aplicável subsidiariamente nos termos do artigo 407.° do CdVM).
11.–O limite da aplicação retroativa de lei de conteúdo mais favorável situa-se na execução da sanção (cf. artigo 3.°/2/in fine do RGCO), pelo que o caso decidido da autoridade  administrativa ou o caso julgado da autoridade judicial não são obstáculo a tal aplicação retroativa.
12.–E, como sublinham, de modo uniforme, a Doutrina e Jurisprudência, a execução da sanção corresponde ao seu cumprimento voluntário ou coercivo e não ao momento em que se torna exigível o seu cumprimento, isto é, o do trânsito em julgado da respetiva decisão condenatória.
13.–Correspondendo o limite de apreciação da questão da aplicação retroativa de lei mais favorável à execução qua tale da sanção, tendo tal princípio consagração constitucional (artigo 29.°/4 da CRP) e sendo o mesmo aplicável a todo o Direito Sancionatório Punitivo, serão inconstitucionais todas as normas da lei ordinária que possam interpretar-se como afastando tal apreciação antes de verificado tal limite.

14.–Resulta dos excertos das decisões proferidas pelo Tribunal a quo e por esse Venerando Tribunal, transcritos em 2.15. e 2.16. da Motivação, que:
a.-A sentença de 8 de junho de 2018 não conheceu da expressamente suscitada questão da aplicação retroativa de lei mais favorável decorrente das sobreditas alterações ao CdVM introduzidas pela Lei 28/2017, (i) acobertando-se num irrelevante (para o efeito) caso julgado e num putativo esgotamento do poder jurisdicional do Tribunal, que se encontraria limitado "à reformulação do cúmulo jurídico" e (ii) discreteando sobre o tema da não caducidade da coima aplicada por efeito de decisão no processo criminal que, de todo, havia sido suscitado pelo Recorrente;
b.-O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de julho de 2019 ignorou a questão da aplicação retroativa de lei mais favorável, expressamente invocada pelo Recorrente, posto que nem sequer a arrolou tal nos "três grupos de questões" "suscitadas nestes Autos", escorando-se num trânsito em julgado de um Acórdão de 6 de março de 2014, obstativo da reapreciação de "questões já decididas", o qual obviamente nunca poderia bulir com a questão aqui em apreço, que apenas emergiu após a entrada em vigor da citada Lei 28/2017.

15.–Daqui resulta que a Decisão Recorrida sofre do mesmo vício herdado daquelas: decide não decidir sobre a questão aqui em apreço a coberto de um caso julgado (e de um inexistente esgotamento do poder jurisdicional) que, reitera-se, não releva para este efeito face ao disposto na parte final do n.° 2 do artigo 3.° do RGCO.
16.–Considerando o alcance do caso julgado definido pelo artigo 621.° do CPC, de acordo com o qual a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (...)" -, as decisões judiciais de 2018 e 2019, ao não se terem pronunciado, em concreto, sobre a questão da aplicação retroativa de lei mais favorável, não poderão constituir caso julgado em relação a tal questão, que, manifestamente, não apreciaram. Não há caso julgado dado que a matéria não foi julgada e pode ainda sê-lo.
17.–Assim, ao decidir não conhecer e decidir da questão que lhe era colocada pelo Recorrente, a Decisão Recorrida gerou uma situação de non liquet, o que acarreta a sua nulidade por omissão de pronúncia nos termos do artigo 379.°/1/c) do CPP, ex vi artigo 41.°/1 do RGCO, a qual se deixa expressamente arguida para todos os efeitos legais.
18.–Qualquer interpretação da alínea c) do n° 1 do artigo 379.° do CPP no sentido de admitir que o Tribunal a quo deixe de se pronunciar sobre a questão suscitada pelo Recorrente, ou que possa fazê-lo do modo em que o fez, será flagrantemente violadora do princípio da tutela jurisdicional efetiva plasmado no artigo 20.° da CRP, bem como dos direitos fundamentais de defesa do Recorrente que se acham garantidos no n° 10 do artigo 32.° da CRP.
19.–Ainda que assim não se venha a entender, o que de forma alguma se concede, a Decisão Recorrida fez uma incorreta interpretação e aplicação do Direito aplicável in casu, nomeadamente do disposto no artigo 3.°/2 do RGCO e no por si invocado artigo 613.°/1 do CPC.
20.–Posto que, mesmo que transitada em julgado a decisão de reformulação do cúmulo jurídico em apreço, a mesma não foi ainda executada, pelo que se impunha ao Tribunal a quo conhecer da questão da aplicação retroativa da lei mais favorável, reabrindo, se fosse caso disso, a audiência nos termos do artigo 371.°-A do CPP.
21.–A invocação na Decisão Recorrida do esgotamento definitivo do poder jurisdicional do Tribunal a coberto de um irrelevante artigo 613.°/1 do CPC, para além de igualmente postergar a tutela jurisdicional efetiva, vulnera o princípio constitucional da aplicação da lei sancionatória mais favorável expressamente consagrado no artigo 29.°/4 da CRP.
22.–Com efeito, a norma extraída por interpretação conjugada dos artigos 613.°/1 do CPC e 3.°/2 do RGCO no sentido em que a entrada em vigor, em momento posterior ao trânsito em julgado da decisão condenatória mas anterior à execução da sanção, de lei contraordenacional mais favorável não permite a apreciação de tal questão e a consequente aplicação retroativa da mesma, por alegado esgotamento do poder jurisdicional, é materialmente inconstitucional por violação do disposto nos artigos 20º/4, 32º/10 e 29º/1 e 4, todos da CRP. Inconstitucionalidade que se deixa invocada para todos os efeitos legais.

Nestes Termos:
Deve o presente recurso ser considerado procedente e provado e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida e, em consequência, declarar-se o arquivamento dos presentes autos, por força da aplicação retroativa de um regime legal mais favorável, tudo nos termos expostos.
Caso assim se não entenda, o que só por cautela de patrocínio de pondera, sempre deverá ser a douta decisão recorrida ser considerada nula, com as legais consequências.

O recorrente FP_____ também interpôs recurso de tal decisão, tendo apresentado as seguintes conclusões:
O presente recurso tem efeito suspensivo, nos termos do artigo 407.°, n.° 1 e n.° 2, al. b), e 408.°, n.° 3, ambos do Código de Processo Penal (CPP), ex vi artigo 74.°, n.° 4 do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), e nos termos do artigo 408.°, n.° 3 do Código de Processo Penal, ex vi artigo 74.°, n.° 4 do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), porquanto a eficácia do recurso depende do efeito suspensivo do mesmo, dado que se discute a aplicação da Lei mais favorável à situação do recorrente, e decorre directamente do artigo 3.°, n.° 2 do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), que a Lei mais favorável é aplicável aos casos em que a sentença, ainda que já transitada, não tenha sido executada.
II.–Sendo o presente recurso considerado procedente, como impõem os princípios da legalidade e da retroactividade da lei mais favorável, os actos subsequentes à sua procedência - nomeadamente o encerramento do processo sem execução da sanção aplicada, por aplicação de Lei mais favorável - só poderão ser concretizados caso a sentença não tenha sido executada, o que depende do efeito suspensivo deste recurso, pelo que tal efeito tem de ser decretado.
III.–Suscita-se a inconstitucionalidade, por violação do direito à tutela judicial efectiva, consagrado no artigo 20.°, n.° 1, da CRP, conjugado com o direito à aplicação da lei retroactiva mais favorável, consagrado no artigo 29.°, n° 4, da CRP, da norma segundo a qual o recurso de decisão sobre a aplicação de lei mais favorável em processo contra-ordenacional não tem efeito suspensivo da decisão que ordena o cumprimento da sanção. Norma extraída dos artigos 407.°, n.° 1 e n.° 2, al. b), e 408.°, n.° 3, do CPP, em conjugação com o artigo 3.°, n.° 2, do RGCO.
IV.–O despacho sindicado está ferido de erro de julgamento em matéria de Direito, nos termos do artigo 75.°, n° 1 do RGCO, como se explicitará.
V.–A decisão recorrida considerou erradamente que a questão da aplicação da Lei mais favorável suscitada pelo arguido por requerimento, e invocada nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 433/82 de 27 de Outubro, atenta a entrada em vigor da Lei n.° 28/2017 de 30 de Maio e a redacção dada pela mesma aos artigos 399.°-A, n.° 1, alínea a) e 420.°, n° 2, ambos do CdVM, tinha já sido apreciada na sentença de cúmulo jurídico de coimas proferida em 08.06.2018, concluindo não poder apreciar a questão relativa à aplicação da lei mais favorável, por a mesma ter já sido apreciada em momento anterior, e se encontrar esgotado o poder jurisdicional relativo àquela matéria.
VI.–Não é verdadeiro que a questão da aplicação da lei mais favorável tenha sido decidida em 08.06.2018 pelo Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa. Naquela sentença foi apenas apreciada e ponderada a aplicação do artigo 420.°, n.° 3 do CdVM à situação do arguido, nomeadamente a pertinência da aplicação do desconto das sanções principais e acessórias cumpridas no processo-crime 7327/07.9TDLSB e no processo contra-ordenacional n.° 1453/10.4TFLSB.
VII.–A decisão de 08.06.2018 expressamente recusou decidir sobre a aplicação do artigo 420.°, n.° 2, do CdVM, tendo decidido que ainda que se considerasse disposição mais favorável sujeita aos arts. 2.°, n.° 4, do CP, e 3.°, n.° 2, do RGCO, e art. 388.°, n° 6, do CVM, o trânsito em julgado da decisão condenatória em processo contra-ordenacional significava que a questão da lei mais favorável apenas se podia colocar ao nível da execução de sanções, mas não do procedimento penal ou contraordenacional (pp. 30-31 da decisão de 08.06.2018).
VIII.–Dizendo ainda inclusivamente que uma decisão judicial transitada em julgado num processo de contraordenação por valores mobiliários só pode ser alterada mediante recurso extraordinário de revisão, nos termos do art. 79.°, n.° 2, e 80.° e 81.° do RGCO, e que não é aplicável às decisões judiciais em processo de contraordenação a caducidade por sobrevir decisão pelos mesmos factos em processo criminal, prevista nos arts. 82.° e 90°. do RGCO (pp. 32-33 da decisão de 08.06.2018).
IX.–O requerimento apresentado pelo arguido para aplicação de Lei mais favorável não visa esta matéria, como resulta claramente do mesmo, não sendo a sua pretensão coincidente com o que foi naquela sentença ponderado e decidido. O requerimento apresentado pelo arguido visou a aplicação da redacção nova do artigo 399.°-A, n.° 1, al. b) do CdVM, cuja previsão e estatuição têm conteúdo mais favorável, se comparado com a redacção da Lei Antiga.
X.–Após a entrada em vigor da Lei n.° 28/2017, de 30 de Maio, tal como decorre do art. 399.°-A, n.° 1, al. b), do CdVM, a conduta imputada ao arguido deixou de ser punível como contraordenação, pois constitui crime. Esta norma é aplicável directamente por força do disposto no artigo 3.°, n.° 2, do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro (RGCO).
XI.–A aplicação do artigo 420.°, n.° 3 do CdVM - norma aplicada na sentença de 08.06.2018 - tem lugar apenas quando o mesmo facto der origem a uma pluralidade de infrações e de processos da competência de entidades diferentes.
XII.–Sendo os factos imputados ao arguido apenas são susceptíveis de originar um único processo crime, de acordo com a aplicação directa do art. 399.°-A, n.° 1, al. b), do CdVM, por via do artigo 3.°, n.° 2, do Decreto- Lei n° 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), não lhe pode ser aplicável o n.° 3 do artigo 420.°, pois este é aplicável apenas aos casos em que é permitida a coexistência de dois processos de natureza diferente.
XIII.–Acresce que no requerimento apresentado pelo arguido não consta qualquer menção ao artigo 420.°, n.° 3 do CdVM pois, de acordo com o invocado no mesmo, este não lhe pode sequer ser aplicável.
XIV.–A questão suscitada no requerimento do recorrente (aplicação directa do artigo 399.°-A, n.° 1 al. b) do CdVM), e a questão que foi decidida na sentença de 08.06.2018 (aplicação do artigo 420.°, n.° 3 do CdVM) são questões nitidamente distintas.
XV.– Se se considerar que a aplicação do artigo 399.°-A, n.°, al. b) do CdVM decorre do disposto no artigo 420.°, n.° 2 do CdVM, e não directamente da redacção do próprio artigo, nunca poderia a questão da aplicação do 420.°, n.° 3 ser coincidente com o objecto do requerimento do arguido, pois este número está pensado para os casos do n.° 1 do mesmo artigo, e não para os casos em que está em causa a aplicação do n.° 2, o que é o caso do arguido.
XVI.–O desconto das sanções só é equacionável nos casos em que realmente se permite a existência de dois processos distintos, e não nos casos em que os mesmos factos, sendo-lhes aplicável o artigo 399.°-A, n.° 1 al. b) do CdVM, podem apenas originar um único procedimento de natureza criminal, segundo a redacção da Lei Nova.
XVII.–É incorrecto o entendimento de que a decisão de 08.06.2018 decidiu já a questão invocada pelo recorrente no seu requerimento para aplicação da Lei mais favorável, tendo havido erro de julgamento em matéria de Direito, por não ter sido esgotado o poder jurisdicional, contrariamente ao considerado.
XVIII.–A Lei n.° 28/2017, de 30 de Maio, Lei Nova, veio introduzir alterações ao Código dos Valores Mobiliários (CdVM), na redacção dada pela Lei n° 52/2006 de 15 de Março (Lei Antiga, normativo que estava em vigor à data da prática dos factos).
XIX.–A Lei Nova introduziu o artigo 399.°-A ao CdVM que, comparado com a Lei Antiga, em particular o seu artigo 389.° do CdVM, tem conteúdo claramente mais favorável.
XX.–Em ambas as redacções legais (dadas pela Lei Nova e pela Lei Antiga), a conduta imputada ao Arguido constitui crime de manipulação de mercado, p. e p. no art. 379.° do CdVM.
XXI.–Antes da entrada em vigor da Lei n.° 28/2017, de 30 de Maio, por força do regime de concurso de infracções vigente no CdVM, a conduta imputada ao Arguido era simultaneamente punível como crime e contraordenação. Após a entrada em vigor da Lei n.° 28/2017, de 30 de Maio, tal como decorre do art. 399.°-A, n.° 1, al. b), do CdVM, a conduta imputada ao Arguidos deixou de ser punível como contraordenação, pois constitui crime e, nestes termos, é evidente que a redacção resultante da Lei Nova é mais favorável.
XXII.–Suscita-se para os devidos efeitos a inconstitucionalidade, por violação do direito à aplicação da lei retroactiva mais favorável, consagrado no artigo 29.°, n° 4, da CRP, da norma segundo a qual o trânsito em julgado da decisão judicial em processo de contraordenação esgota o poder jurisdicional do Tribunal impedindo a aplicação de lei posterior mais favorável.
XXIII.– Suscita-se ainda a inconstitucionalidade, por violação do direito à aplicação da lei retroactiva mais favorável, consagrado no artigo 29.°, n° 4, da CRP, da norma segundo a qual o trânsito em julgado da decisão judicial em processo de contraordenação esgota o poder jurisdicional do tribunal impedindo a aplicação de lei posterior mais favorável que precluda a instauração de processo por contraordenação quando exista processo criminal por factos idênticos ou intrinsecamente ligados.
XXIV.–Normas extraídas do artigo 3.°, n.° 2, do RGCO, conjugado com o artigo 613.°, n.° 1, do CPC, ex vi art. 4.° do CPP e 41.°, n.° 1, do RGCO.
XXV.–Reitera-se ainda a inconstitucionalidade da norma extraída do art. 3.°, n.° 2, do RGCO, quando interpretada no sentido de que em processo de contraordenação não é admissível a aplicação pelo Tribunal de primeira instância de lei despenalizadora de contraordenação, após o trânsito em julgado, mas antes da execução da sanção, por violação do art. 29.°, n.° 4, da CRP, e ainda por violação do art. 20.°, n.° 1, da CRP.
XXVI.–Do art. 29.°, n.° 4, da CRP, decorre que as leis penais e conteúdo mais favorável devem ser aplicadas retroactivamente, proibição aplicável independentemente do trânsito em julgado, sendo a protecção constitucional extensível às contraordenações, tendo em conta a natureza punitiva das mesmas.
XXVII.–O art. 20.°, n.° 1, da CRP, impõe a consagração de meios eficazes de tutela jurisdicional dos direitos individuais, decorrendo desta protecção constitucional que o legislador tem de consagrar meios legais que permitam ao indivíduo suscitar, e fazê-lo de forma a que possa obter resultado útil, a aplicação dos direitos que a lei e a Constituição lhe conferem.
XXVIII.–As normas cuja constitucionalidade é sindicada corporizam uma negação da aplicação retroactiva de leis contraordenacionais substantivas de conteúdo mais favorável e de tutela jurisdicional efectiva aos indivíduos condenados em processo contra-ordenacional que suscitem a aplicabilidade de regime contra-ordenacional substantivo mais favorável.
XXIX.–A Lei Nova é uma Lei penal material, em sentido amplo, que vem “despenalizar” a conduta contra-ordenacional, reflectindo um juízo legislativo de desnecessidade de punição de uma conduta como contra- ordenação quando a mesma constitua crime.
XXX.–A Lei Nova “despenalizadora” deve ser aplicada retroactivamente à situação do Arguido, mesmo que este tenha sido condenado por sentença já transitada em julgado, pois como decorre do artigo 3.°, n.° 2 do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), a Lei mais favorável é aplicável aos casos em que a sentença, ainda que já transitada, não tenha sido executada, o que é o caso.
XXXI.–A Lei mais favorável despenalizadora deve ser imediatamente aplicada, para que cessem a execução e os efeitos da sentença proferida ao abrigo da Lei Antiga (neste caso, de sentença proferida no âmbito de processo contra-ordenacional) dado que a conduta deixou de ser punida como contraordenação ao abrigo da Lei Nova.
Nestes termos, deverá ser admitido o presente recurso e revogada a decisão que julgou não apreciar a questão da aplicação de Lei mais favorável (ao abrigo do disposto no artigo 3.°, n.° 2 do RGCO, aplicável ex vi artigo 407.° do CdVM a Lei n.° 28/2017, de 30 de Maio), à situação do arguido FP_____, devendo esta ser substituída por decisão que determine a aplicação da Lei Nova, nomeadamente o disposto no artigo 399.°-A, n.° 1 al. b), encerrando-se o processo sem execução da sanção aplicada.

Admitidos os recursos, a CMVM apresentou a sua resposta, na qual concluiu:

1.–
Os recursos interpostos pelos arguidos são absolutamente infundados, não merecendo o despacho recorrido qualquer censura, porquanto: (i) a questão suscitada pelos arguidos já havia sido objeto de decisão anteriormente transitada em julgado, encontrando-se, pois, esgotado o poder jurisdicional do Tribunal quanto à mesma; (ii) a (alegada) lei nova mais favorável não tem aplicação aos presentes autos, por versar sobre uma infração diferente daquela em que foram condenados os arguidos.
2.–
O despacho recorrido respeitou escrupulosamente os poderes jurisdicionais do Tribunal nesta fase do processo. Com efeito, tendo a questão da (alegada) lei mais favorável, em virtude das alterações legislativas introduzidas pela Lei n° 28/2017, de 30 de maio, sido suscitada pelos arguidos em momento prévio à decisão sobre o cúmulo jurídico e conhecida na sentença que definiu o cúmulo jurídico, só poderia, nesta fase, o Tribunal decidir que se encontra esgotado o respetivo poder jurisdicional sobre aquela matéria.
3.–
Como bem refere a Mma. Juiz a quo no despacho recorrido, qualquer decisão em sentido contrário, violaria, de forma flagrante, os limites do poder jurisdicional do Tribunal, representando uma grosseira violação do caso julgado e sendo, portanto, juridicamente inexistente.
4.–
Ao contrário do que afirmam os arguidos nas suas alegações de recurso, o despacho recorrido não padece do vício de erro de julgamento. A questão que foi decidida na sentença que definiu o cúmulo jurídico é exatamente a mesma que agora voltou a ser suscitada pelos arguidos, e foi decidida de forma clara pelo Tribunal, pelo que bem andou a Mma. Juiz a quo ao considerar que a mesma se encontra já a coberto do caso julgado.
5.–
Ainda que o conhecimento da questão suscitada pelos arguidos não se encontrasse precludido por esgotamento do poder jurisdicional do Tribunal, sempre a mesma teria de ser indeferida por absoluta falta de fundamento, como, aliás, já decidiu o TRL, por acórdão de 13/04/2021, no âmbito de recurso de revisão de sentença interposto pelo arguido CB_____, que correu termos sob o n° 1923/10.4TFLSB-E, tendo já transitado em julgado.
6.–
A alteração legislativa introduzida pela Lei n° 28/2017, de 30 de maio, nada traz (nem poderia trazer) de novo aos presentes autos, por se referir à contraordenação de violação da proibição de manipulação do mercado, prevista nos arts. 197°-A e 399°-A, n° 1, alínea b), do CdVM, quando, nos presentes autos, os arguidos foram condenados pela contraordenação de divulgação ao mercado de informação sem qualidade, prevista nos arts. 7° e 389, n° 1, alínea a), do CdVM.
7.–
A contraordenação de divulgação ao mercado de informação sem qualidade, prevista nos arts. 7° e 389°, n° 1, alínea a), do CdVM, pela qual foram condenados os arguidos nos presentes autos, tem total autonomia (quer em razão dos seus elementos típicos quer em razão do seu fundamento) face à contraordenação de violação da proibição de manipulação do mercado, que foi aditada ao CdVM através da Lei n° 28/2017, mantendo- se em vigor sem ter sofrido qualquer alteração com a referida alteração legislativa.
8.–
Do que resulta que, ao contrário do que pretendem os Arguidos, com a entrada em vigor da Lei n° 28/2017, de 30 de maio, não se verificou qualquer desinfracionalização da conduta pela qual os Arguidos foram condenados nos presentes autos: a divulgação de informação sem qualidade continua a ser tipificada como contraordenação (com plena autonomia face à proibição de manipulação de mercado), pois que o legislador (naturalmente) continua a entender que ela é, em si mesma, desvaliosa - quer numa perspetiva de proteção dos investidores quer numa perspetiva de eficiência e regularidade de funcionamento dos mercados de instrumentos financeiros.
9.–
É, pois, inequívoco que o art. 399°-A, n° 1, alínea b), do CdVM, aditado pela Lei n° 28/2017, não constitui lei nova mais favorável aos arguidos no presente processo, porquanto não sanciona a infração pela qual os arguidos foram condenados, não tendo, pois, aplicação nos presentes autos o disposto no art. 3°, n° 2, do RGCO.
Termos em que deve ser negado provimento aos recursos dos Arguidos, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.

Por seu turno, o Mº. Pº. respondeu aos recursos, tendo concluindo que a decisão recorrida é formal e materialmente correta, devendo merecer inteira confirmação, não enfermando de qualquer omissão, nomeadamente no que concerne ao que veio impugnado, afigurando-se-lhe assim que o presente recurso não merece provimento.

Remetido o processo a este Tribunal da Relação, o Exmo, Sr. Procurador Geral da República Adjunto limitou-se a apor um visto.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência nos termos previstos nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir.

II–FUNDAMENTAÇÃO

2.1.–DO ÂMBITO DO RECURSO E DAS QUESTÕES A DECIDIR:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de  apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).

Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, em termos gerais, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Porém, tratando-se, como se trata, no caso, de um recurso de contraordenação, os poderes de cognição deste Tribunal da Relação ficam restringidos ao conhecimento da matéria de direito, nos termos do art. 75º nº 1 do RGCO.

Com esta limitação temática e atentas as conclusões, as questões a tratar são as seguintes:
Saber se a decisão recorrida gerou uma situação de non liquet, o que acarreta a sua nulidade por omissão de pronúncia nos termos do artigo 379.°/1/c) do CPP, ex vi artigo 41.°/1 do RGCO.
Saber se a decisão recorrida padece de erro de direito materializado na conclusão extraída da sentença de cúmulo jurídico proferida em 08.06.2018, segundo a qual a questão da aplicação da Lei mais favorável suscitada pelos arguidos por requerimento, e invocada nos termos do artigo 3º nº 2 do Decreto-Lei 433/82 de 27 de Outubro, atenta a entrada em vigor da Lei 28/2017 de 30 de Maio e a redacção dada pela mesma aos artigos 399°-A n° 1 alínea a) e 420° n° 2, ambos do CdVM, tinha já sido apreciada nessa mesma sentença de cúmulo jurídico.
Se se encontra esgotado o poder jurisdicional relativo àquela matéria.

2.2.–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos com relevo para a decisão do presente recurso são os seguintes:

Por decisão proferida pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, CMVM, nos autos n° 42/2008 - cfr. fls. 24 433 a 26 177, FP_____  e AMS_____  foram condenados pela prática das seguintes infracções, nas seguintes coimas e sanções acessórias:
O arguido FP_____, no pagamento de uma coima única de €800.000,00 (oitocentos mil euros) pela prática de seis contraordenações previstas e punidas pelos artigos 389° n° 1 alínea a) e 388° n° 1 alínea a), ambos do Código de Valores Mobiliários (CdVM) pela divulgação de informação não verdadeira a 31/03/2004, a 11/04/2005, a 20/04/2006, a 28/06/2007 e a 23/12/2007 - coimas parcelares de € 400.000,00 cada uma e uma coima de €100.000,00 pela divulgação de informação não verdadeira a 06/11/2007.
Foi, ainda, condenado na sanção acessória de interdição temporária do exercício da profissão ou da actividade a que a contraordenação respeita (artigo 404°, n° 1, alínea b) do CdVM) pelo período de 5 (cinco) anos e de inibição de funções de administração, direcção, chefia ou fiscalização e, em geral, de representação de quaisquer intermediários financeiros no âmbito de alguma ou de todas as actividades de intermediação em valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros - artigo 404°, n° 1, alínea c), do CdVM - pelo período de 5 (cinco) anos.

O arguido AMS_____, no pagamento de uma coima única de € 900.000,00 (novecentos mil euros) pela prática de seis contraordenações previstas e punidas pelos artigos 389°, n° 1, alínea a) e 388°, n° 1, alínea a), ambos do CdVM, pela divulgação de informação não verdadeira a 31/03/2004, a 11/04/2005, a 20/04/2006 e a 28/06/2007 - coimas parcelares de €450 000,00 cada uma, uma coima de €150 000,00 pela divulgação de informação não verdadeira a 06/11/2007 e uma coima de €400 000,00 pela divulgação de informação não verdadeira a 23/12/2007.
Foi, ainda, condenado na sanção acessória de interdição temporária do exercício da profissão ou da actividade a que a contraordenação respeita - artigo 404°, n° 1, alínea b) do CdVM) pelo período de 5 (cinco) anos e de inibição de funções de administração, direcção, chefia ou fiscalização e, em geral, de representação de quaisquer intermediários financeiros no âmbito de alguma ou de todas as actividades de intermediação em valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros - artigo 404°, n° 1, alínea c) do CdVM) pelo período de 5 (cinco) anos (certidão da sentença que conheceu da impugnação judicial com a referência Citius 30320042).
Esta decisão administrativa foi judicialmente impugnada, entre outros, pelos referidos recorrentes, a qual foi integralmente mantida por sentença proferida em 18.01.2013 (cfr. fls. 35 168 a 36 303) (certidão da sentença que conheceu da impugnação judicial com a referência Citius 30320042).
Da referida sentença foi interposto recurso para o Tribunal da Relação Lisboa, sendo proferido acórdão em 06.03.2014 - cfr. fls. 39 700 a 40 213 v/s - o qual transitou em julgado em 27.03.2015, conforme despacho de 23.10.2015 - cfr. fls. 41 685 a 41 704, também este transitado em julgado (certidão com a referência Citius 30322838).

No referido acórdão da Relação de Lisboa de 6 de Março de 2014, foi decidido, além do mais:
Declarar a prescrição das coimas reportadas aos factos de 31/3/2004 e 11/4/2005, julgando parcialmente providos os recursos dos arguidos FP_____, AMS_____, CB_____ e AH______, condenando os mesmos:

I–Arguido FP_____
a)-na coima de €400.000,00 (quatrocentos mil euros), nos termos dos artigos 389°, n° 1, alínea a) a) e 388°, n° 1, alínea a), ambos do CdVM (contra-ordenação muito grave punível com coima de € 25.000,00 a € 2.500.000,00) pela divulgação de informação não verdadeira a 20/04/2006;
b)-na coima de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), nos termos dos artigos 389°, n° 1, alínea a) e 388°, n° 1, alínea a), ambos do CdVM (contra-ordenação muito grave punível com coima de €25.000,00 a €2.500.000,00) pela divulgação de informação não verdadeira a 28/06/2007;
c)-na coima de € 100.000,00 (cem mil euros), nos termos dos artigos 389°, n° 1, alínea a) e 388°, n° 1, alínea a), ambos do CdVM (contra- ordenação muito grave punível com coima de € 25.000,00 a € 2.500.000,00) pela divulgação de informação não verdadeira a 06/11/2007;
d)-na coima de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), nos termos dos artigos 389°, n° 1, alínea a) e 388°, n° 1, alínea a), ambos do CdVM (contra-ordenação muito grave punível com coima de €25.000,00 a €2.500.000,00) pela divulgação de informação não verdadeira a 23/12/2007.
1)–Feito o cúmulo jurídico das coimas concretamente aplicadas, nos termos do artigo 19° RGCO, e atentas as circunstâncias do caso concreto, o arguido vai condenado na coima única de €700.000,00 (setecentos mil euros).

2)–Tendo em consideração disposto nos artigos 404° e 405°, ambos do CdVM e 21° do RGCO, o arguido vai condenado, cumulativamente com a coima supra referida, na sanção acessória de:
a)-interdição temporária do exercício da profissão ou da actividade a que a contraordenação respeita - artigo 404°, n° 1, alínea b) do CdVM), pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses;
b)-inibição do exercício de funções de administração, direcção, chefia ou fiscalização e, em geral, de representação de quaisquer intermediários financeiros no âmbito de alguma ou de todas as actividades de intermediação em valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros (artigo 404°, n° 1, alínea c) do CdVM), pelo mesmo período.

II–Arguido AMS_____
a)-na coima de €450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros), nos termos dos artigos 389°, n° 1, alínea a) e 388°, n° 1, alínea a) ambos do CdVM (contraordenação muito grave punível com coima de €25.000,00 a €2.500.000,00) pela divulgação de informação não verdadeira a 20/04/2006;
b)-na coima de € 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros), nos termos dos artigos 389°, n° 1, alínea a) e 388°, n° 1, alínea a), ambos do CdVM (contraordenação muito grave punível com coima de €25.000,00 a €2.500.000,00) pela divulgação de informação não verdadeira a 28/06/2007;
c)-na coima de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), nos termos dos artigos 389°, n° 1, alínea a) e 388°, n0 1, alínea a), ambos do CdVM (contraordenação muito grave punível com coima de €25.000,00 a €2.500.000,00) pela divulgação de informação não verdadeira a 06/11/2007;
d)-na coima de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), nos termos dos artigos 389°, n° 1, alínea a), alínea a) e 388°, n° 1, alínea a), ambos do CdVM - contraordenação muito grave punível com coima de €25.000,00 a €2.500.000,00) pela divulgação de informação não verdadeira a 23/12/2007.
1)–Feito o cúmulo jurídico das coimas concretamente aplicadas supra, nos termos do citado artigo 19° RGCO e atentas as circunstâncias do caso concreto, considera-se adequada a coima única de € 750.000, 00 (setecentos e cinquenta mil euros);
2)–Tendo em consideração o supra descrito e o disposto nos artigos 404° e 405°, ambos do CdVM e 21° do RGCO, condena-se, cumulativamente com a coima referida supra, na sanção acessória de:
a)-interdição temporária do exercício pelo infractor da profissão ou da actividade a que a contraordenação respeita (artigo 404°, n° 1, alínea b) do CdVM), pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses;
b)-inibição do exercício de funções de administração, direcção, chefia ou fiscalização e, em geral, de representação de quaisquer intermediários financeiros no âmbito de alguma ou de todas as actividades de intermediação em valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros (artigo 404°, n° 1, alínea c) do CdVM), pelo mesmo período (certidão com a referência Citius 30322838).

Os arguidos, concomitante e subsequentemente às arguições de irregularidade e nulidade do Acórdão da Relação de Lisboa de 6 de Março de 2014 (indeferidas pelo Acórdão da Relação de Lisboa, de 26 de Junho de 2014), interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional (TC) que, pela Decisão Sumária n.° 22/2015, rejeitou conhecer a maioria das questões de inconstitucionalidade suscitadas pelos vários arguidos - por inadmissibilidade legal do recurso - e, quanto às três questões conhecidas, por serem simples, negou imediatamente provimento aos recursos (certidões com a referência Citius 30322838, quanto ao acórdão da Relação de Lisboa de 06.03.2014, com a referência Citius 30323145, quanto ao Acórdão da Relação de Lisboa, de 26 de Junho de 2014, com a referência Citius 30323252 quanto à Decisão Sumária nº 22/2015).

Os arguidos apresentaram reclamação para a Conferência do Tribunal Constitucional, a qual no Acórdão n° 206/2015, confirmou integralmente a mesma Decisão Sumária (certidão com a referência Citius 30323260).

Os arguidos requereram a declaração de prescrição do procedimento contraordenacional pelas infrações consumadas (i) em 20 de abril de 2006, por violação do dever de qualidade de informação prestada ao mercado relativamente à divulgação das contas do Banco Comercial Português, S.A. respeitantes ao exercício de 2005; (ii) em 28 de junho de 2007, por violação do dever de qualidade de informação prestada ao mercado relativamente à divulgação das contas do Banco Comercial Português, S.A. respeitantes ao exercício de 2006 (certidão com a referência Citius 30323261).

Por despacho de 23 de Outubro de 2015, o Meritíssimo Juiz da Secção de Pequena Criminalidade da Instância Local da Comarca de Lisboa definiu, como data do trânsito em julgado da condenação, a data do trânsito do Acórdão do Tribunal Constitucional n° 206/2015, que ocorreu em 27 de Março de 2015, em função do disposto no n° 4 do artigo 80.° da LTC (certidão com a referência Citius 30323261).

O mesmo despacho declarou prescrita a infração praticada em 20 de Abril de 2006, mas não as restantes, relegando para momento posterior a decisão sobre o cúmulo jurídico das coimas e sobre as concretas sanções acessórias a aplicar aos arguidos (certidão com a referência Citius 30323261).

Os arguidos recorreram deste despacho para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão proferido na 5a Secção, em 4 de Outubro de 2016, negou provimento aos recursos interpostos e confirmou a decisão recorrida (certidão com a referência Citius 30337025).

Os arguidos interpuseram recurso deste acórdão da Relação de Lisboa para o Tribunal Constitucional que por decisão sumária n° 180/2017, de 4 de Abril de 2017, decidiu não conhecer dos recursos (certidão com a referência Citius 30337563).

Desta decisão houve reclamação para a conferência, que confirmou a decisão sumária por acórdão proferido em 3 de Outubro de 2017 (Acórdão n° 206/2015) (certidão com a referência Citius 30337711).

Na sequência desta decisão, no Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, foi proferida sentença em 8 de Junho de 2018, sobre o cúmulo jurídico das coimas e sanções acessórias a aplicar (certidão com a referência Citius 30341632).

Nesta sentença foi decidido, além do mais, condenar o Arguido FP____ numa coima única de € 480.000,00 e o Arguido AH_____ numa coima única de € 520.000,00, julgando extintas as sanções acessórias aplicadas a ambos os arguidos por força do disposto no art. 420°, n° 3, do CdVM, segundo a redacção que lhe foi dada foi dada pela Lei n° 28/2017 (certidão com a referência Citius 30341632).

Esta sentença de cúmulo jurídico proferida em 8 de Julho de 2018, também decidiu dois requerimentos apresentados em 4 de Abril de 2018, pelos arguidos ora recorrentes FP_____  e AMS_____, com o seguinte conteúdo:

«Questões prévias:
FP_____, recorrente nos presentes autos, veio nos termos e fundamentos do requerimento por si apresentando em 04.04.2018 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, requerer o imediato arquivamento dos mesmos ou, caso assim não se entenda, que seja suscitado o reenvio prejudicial perante o Tribunal de Justiça da União Europeia, sob pena de violação do artigo 267° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia - cff. fls. 42613 a 42633.

Alega, em síntese, que o trânsito em julgado das decisões finais proferidas nos processos crime 7327/07.9TDLSB que corre termos na Instância Central Criminal de Lisboa e contra-ordenacional 1453/10.4TFLS, que correu termos no nesta Instância Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, impõe como consequência o arquivamento imediato dos presentes, porquanto considera estar em causa nos três processos a mesma factualidade, pelo que qualquer interpretação do disposto no artigo 420°, n° 1 e 2 do CdVM, redacção vigente à data dos factos e 420°, n° 1, 2 e 3, do CdVM, conjugadamente com o disposto no artigo 399o-A, n° 1, alínea b) do CdVM, redacção actual, após a entrada em vigor da Lei n° 28/2007 de 30 de Maio, conjugadamente com o disposto nos artigos 3º, n° 2, 20°, do Decreto- Lei n° 433/82 de 27 de Outubro, 197°-A, 388°, n° 6, 399°-A, que permitisse o prosseguimento dos presentes autos, violaria o disposto nos artigos 4º, n° 1 do Protocolo n° 7 e Iº do Protocolo 1, à Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e 5º, n° 1 e 2, alínea a), 13° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 49°, n° 3, 50° e 52°, n° 2, todos do Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e 2o, 8o, n° 2, 18°, 2, 25°, n° 1, 26°, n° 1, 27°, n° 1 e 2, 29°, 4 e 5, 47°, n° 1, 58°, n° 1, 61°, n° 1 e 62°, n° 1, todos da C.R.P.. 

Mais fundamenta a sua pretensão na jurisprudência proferida quer pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos quer pelo Tribunal Justiça da União Europeia, nomeadamente Acórdão de 20.03.2018, proferido no processo n° C-537-16.

Vem, pois, o recorrente reclamar a aplicação do basilar princípio fundamental do direito penal “ne bis in idem”, consagrado quer no direito interno, artigo 29°, n° 5, da C.R.P., quer no direito europeu, artigos 4o, n° 1 do Protocolo n° 7 e Io do Protocolo 1, à Convenção Europeia dos Direitos Humanos e 50° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, aludindo a todas as suas vertentes.

Mais requer o recorrente, que caso assim não se entenda que se suscite o reenvio prejudicial perante o Tribunal de Justiça da União Europeia relativamente à coexistência dos presentes autos, do processo 7327/07.9TDLSB que corre termos na Instância Central Criminal de Lisboa e bem como do 1453/10.4TFLS que correu termos nesta Instância Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, sob pena de violação do já mencionado 267° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Nos termos e fundamentos do requerimento apresentado em 04.04.2018, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, veio o recorrente AH_____ requerer que sejam consideradas na decisão de cúmulo jurídico as decisões a si relativas proferidas nos aludidos processos 7327/07.9TDLSB que corre termos na Instância Central Criminal de Lisboa e 1453/10.4TFLS que correu termos nesta Instância Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, nos quais foi proferida decisão de não pronuncia e absolvição respectivamente - cfr. fls. 43 537 a 43 539.

Nos termos e fundamento do requerimento de 11.04.2018, cujo teor aqui se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, veio o recorrente AH______subscrever o requerimento apresentado pelo recorrente FP_____, atenta a sua também condenação nos processos a que este alude - cfir. fls. 43 549 a 43 550 (certidão com a referência Citius 30341632).

Sobre estas pretensões, a sentença de 8 de Junho de 2018, disse o seguinte (transcrição parcial):
Cumpre desde já referir que a entrada em vigor da Lei n° 28/2017 de 30 de Maio é posterior ao trânsito em julgado dos três acórdãos proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, transitados em julgado em 27.03.2015, nos presentes autos, em 14.06.2016 no processo crime 7327/07.9TDLSB e em 26.06.2015, no processo contra-ordenacional 1453/10.4TDLSB.

Nos termos e fundamentos do requerimento de 12.04.2018, cujo teor aqui se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, veio o recorrente AH_____ igualmente subscrever o requerimento apresentado pelo recorrente FP_____ no essencial e considerando que não foi pronunciado no supra referido processo e foi absolvido no processo de contra-ordenação instaurado pelo Banco de Portugal, requer que seja declarada a caducidade da decisão administrativa proferida nos presentes autos, invocando para tal e em síntese, estar em causa a mesma factualidade nos três já aludidos processos e o disposto nos artigos 29°, n° 5, do Constituição da República Portuguesa e artigos 82°, n° 2 e 90°, n° 3, ambos do Decreto-Lei n° 433/82 de 27 de Outubro - cfr. fls. 43 565 a 43 574 v/s.
A CMVM pugnou pelo indeferimento do requerido pelos recorrentes para os fundamentos da posição anteriormente assumida - cfr. acta de 14.05.2018.
O Ministério Público pronunciou-se nos termos da promoção de 02.05.2018, subscrevendo a posição assumida pela CMVM - cfr. fls. 43 579.

Cumpre decidir:
Nos presentes autos, por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 06.03.2014 - cfr. fls. 39 700 a 40 213 v/s - transitado em julgado em 27.03.2015, conforme despacho de 23.10.2015 - cfr. fls. 41 685 a 41 704, também este transitado em julgado, foi decidido:
Declarar a prescrição das coimas reportadas aos factos de 31/3/2004 e 11/4/2005, julgando parcialmente providos os recursos dos arguidos FP_____, AMS_____, CB_____ e AH_______, condenando os mesmos:

I–Arguido FP_____
a)- na coima de €400.000,00 (quatrocentos mil euros), nos termos dos artigos 389°, n° 1, alínea a) a) e 388°, n° 1, alínea a), ambos do CdVM (contra-ordenação muito grave punível com coima de €25.000,00 a €2.500.000,00) pela divulgação de informação não verdadeira a 20/04/2006;
b)- na coima de €400.000,00 (quatrocentos mil euros), nos termos dos artigos 389°, n° 1, alínea a) e 388°, n° 1, alínea a), ambos do CdVM (contra-ordenação muito grave punível com coima de €25.000,00 a €2.500.000,00) pela divulgação de informação não verdadeira a 28/06/2007;
c)-na coima de € 100.000,00 (cem mil euros), nos termos dos artigos 389°, n° 1, alínea a) e 388°, n° 1, alínea a), ambos do CdVM (contra- ordenação muito grave punível com coima de €25.000,00 a €2.500.000,00) pela divulgação de informação não verdadeira a 06/11/2007;
d)-na coima de €400.000,00 (quatrocentos mil euros), nos termos dos artigos 389°, n° 1, alínea a) e 388°, n° 1, alínea a), ambos do CdVM (contraordenação muito grave punível com coima de €25.000,00 a €2.500.000,00) pela divulgação de informação não verdadeira a 23/12/2007.
1)–Feito o cúmulo jurídico das coimas concretamente aplicadas, nos termos do artigo 19° RGCO, e atentas as circunstâncias do caso concreto, o arguido vai condenado na coima única de €700.000,00 (setecentos mil euros). 
2)–Tendo em consideração disposto nos artigos 404° e 405°, ambos do CdVM e 21° do RGCO, o arguido vai condenado, cumulativamente com a coima supra referida, na sanção acessória de:
a)-interdição temporária do exercício da profissão ou da actividade a que a contraordenação respeita - artigo 404°, n° 1, alínea b) do CdVM), pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses;
b)-inibição do exercício de funções de administração, direcção, chefia ou fiscalização e, em geral, de representação de quaisquer intermediários financeiros no âmbito de alguma ou de todas as actividades de intermediação em valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros (artigo 404°, n° 1, alínea c) do CdVM), pelo mesmo período.

II– Arguido AMS_____
a)-na coima de €450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros), nos termos dos artigos 389°, n° 1, alínea a) e 388°, n° 1, alínea a), ambos do CdVM (contraordenação muito grave punível com coima de €25.000,00 a €2.500.000,00) pela divulgação de informação não verdadeira a 20/04/2006;
b)-na coima de € 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros), nos termos dos artigos 389°, n° 1, alínea a) e 388°, n° 1, alínea a), ambos do CdVM (contraordenação muito grave punível com coima de €25.000,00 a €2.500.000,00) pela divulgação de informação não verdadeira a 28/06/2007; 
c)-na coima de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), nos termos dos artigos 389°, nº 1, alínea a) e 388°, n0 1, alínea a), ambos do CdVM (contraordenação muito grave punível com coima de €25.000,00 a €2.500.000,00) pela divulgação de informação não verdadeira a 06/11/2007;
d)-na coima de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), nos termos dos artigos 389°, n° 1, alínea a), alínea a) e 388°, n° 1, alínea a), ambos do CdVM - contraordenação muito grave punível com coima de €25.000,00 a €2.500.000,00) pela divulgação de informação não verdadeira a 23/12/2007.
1)–Feito o cúmulo jurídico das coimas concretamente aplicadas supra, nos termos do citado artigo 19° RGCO e atentas as circunstâncias do caso concreto, considera-se adequada a coima única de € 750.0, 00 (setecentos e cinquenta mil euros);
2)–Tendo em consideração o supra descrito e o disposto nos artigos 404° e 405°, ambos do CdVM e 21° do RGCO, condena-se, cumulativamente com a coima referida supra, na sanção acessória de:
a)-interdição temporária do exercício pelo infractor da profissão ou da actividade a que a contraordenação respeita (artigo 404°, n° 1, alínea b) do CdVM), pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses;
b)-inibição do exercício de funções de administração, direcção, chefia ou fiscalização e, em geral, de representação de quaisquer intermediários financeiros no âmbito de alguma ou de todas as actividades de intermediação em valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros 
(…)

***

Por despacho de 23.10.2015, transitado em julgado após interposição de recurso, foi declarada prescrita a contraordenação praticada pelos arguidos em 20.04.2006, e na sequência do mesmo, determinada a reformulação do cúmulo jurídico de coimas e sanções acessórias - cfr. fls. 41 685 a 41 704.

Aqui chegados, importa referir que, neste momento, está em causa apenas a reformulação do cúmulo jurídico de coimas e sanções acessórias nas quais os recorrentes se mostram condenados por decisão transitada em julgado em 27.03.2015, na sequência da declaração de prescrição dos factos ocorridos em 20.04.2006, não tendo sido alterados pelo supra referido acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 06.03.2014 os factos considerados provados na sentença proferida em primeira instância em 18.01.2013, mantendo antes tal factualidade.

No que concerne ao concretamente requerido pelo recorrente FP_____  e subscrito pelos restantes recorrentes ora em causa, importa desde já referir que o alegado relativamente ao arquivamento imediato dos presentes autos por violação do princípio “ne bis in idem” não é, quanto a nós, aplicável na presente fase processual de reformulação de cúmulo jurídico das coimas parcelares e sanções acessórias como pretendido, não sendo também de suscitar o requerido reenvio prejudicial perante o Tribunal de Justiça da União Europeia, desde logo atento o trânsito em julgado do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 06.03.2014, ocorrido em 27.03.2015.

A decisão condenatória dos recorrentes em coimas e sanções acessórias proferida nos presentes autos transitou em julgado em 27.03.2015, bem como todas as decisões finais proferidas nos processos contra-ordenacional 1453/10.4TFLSB instaurado pelo Banco de Portugal - cfr. CD fls. 43 540 e em suporte em papel a fls. 43634 a 44 042 - e processo crime, comum colectivo 7327/07.9TDLSB - CD junto a fls. 42 633 e em suporte em papel a fls. 42 915 a 43 262, relativas a cada um dos recorrentes, bem como a de não pronuncia alegada pelo recorrente AH... .

Porque assim é, pese embora a pertinência do alegado pelos recorrentes relativamente à similitude do caso sub judice com os em causa na jurisprudência alegada e proferida pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e mais concretamente pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, Acórdão de 20.03.2018, certo é que entre esta e o caso sub judice existe uma diferença que afasta, quanto a nós, a aplicação de tal jurisprudência nesta fase processual para efeitos da apreciação da mesma factualidade na perspectiva de aquilatar da compatibilidade de procedimentos e consequentemente, da procedência do requerido, mormente o arquivamento sem mais dos presentes autos ou mesmo necessidade de suscitar o reenvio prejudicial perante o Tribunal de Justiça da União Europeia.

No caso sub judice a decisão de mérito proferida nos presentes que apreciou os factos imputados aos recorrentes e condenou os mesmos em coimas e sanções acessórias, transitou em julgado em 27.03.2015, conforme despacho de 23.10.2015, também este transitado em julgado, sendo que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no processo crime 7327/07.9TDLSB transitou em julgado em 14.07.2016 e o proferido no processo 1453/10.4TFLSB transitou em julgado em 26.06.2015, sem prejuízo da decisão de não pronuncia do arguido AH_____, proferida em 27.07.2010, também transitada em julgado.

Assim sendo, verifica-se que todas as decisões de mérito que apreciaram os factos imputados aos recorrentes e condenaram os mesmos em coimas, sanções acessórias, penas principais, penas acessórias, não pronunciaram ou absolveram aqueles, proferidas nos presentes autos, no processo crime 7327/07.9TDLSB e no processo contra-ordenacional instaurado pelo Banco de Portugal 1453/10.4TFLSB, transitaram em julgado, circunstância que diferencia o caso sub judice dos apreciados na alegada jurisprudência proferida Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia, afastando a aplicação da mesma bem como a proferida pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos para efeito do requerido arquivamento imediato dos autos e interposição de reenvio prejudicial.

A tal acresce que a realização ou reformulação do cúmulo jurídico de coimas parcelares e sanções acessórias na sequência da declaração de prescrição proferida no despacho de 23.10.2015, transitado em julgado, não afasta de todo o caso julgado ocorrido 27.03.2015 nos presentes autos, uma vez que com este se estabilizaram os factos, a subsunção dos mesmos ao direito para efeitos de condenação/absolvição, as coimas parcelares e as sanções acessórias pelos quais os ora recorrentes se mostram condenados, encontrando-se nesta parte esgotado o poder jurisdicional, que ora se limita à aludida reformulação do cúmulo jurídico, não se encontrando em causa neste momento e ao contrário do alegado pelos recorrentes, qualquer procedimento criminal ou contra-ordenacional em curso, qualquer apreciação e submissão de factos a prova e/ou subsunção dos mesmos ao direito, com vista a prolação de condenação ou absolvição da prática de contraordenação, ou seja qualquer decisão de mérito relativamente a factos com vista a considerar os mesmos provados ou não provados, condenação ou absolvição.

Pelo contrário e conforme acima se referiu, está em causa neste momento a reformulação do cúmulo jurídico de coimas e sanções acessórias.

Assim sendo, na reformulação do cúmulo jurídico de coimas e sanções acessórias enquanto tal não está em causa a aplicação de qualquer das normas alegadas por qualquer dos recorrentes, não estando consequentemente em causa a sua interpretação em violação dos qualquer preceitos constitucionais, ou qualquer um dos plasmados na Convenção Europeia dos Direitos Humanos ou Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, mormente os 420°, n° 1 e 2 do CdVM, redacção vigente à data dos factos e 420°, n° 1 e 2 e 399°-A, n° 1, alínea b), ambos do CdVM, redacção actual e após a entrada em vigor da Lei n° 28/2007 de 30 de Maio, conjugadamente com o disposto nos artigos 3o, n° 2, 20°, do Decreto-Lei n° 433/82 de 27 de Outubro, 197°-A, 388°, n° 6, 399°-A, que permita concluir que o prosseguimento dos presentes autos, violaria o disposto nos artigos 4o, n° 1 do Protocolo n° 7 e Io do Protocolo 1, à Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e 5o, n° 1 e 2, alínea a), 13° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 49°, n° 3, 50° e 52°, n° 2, todos do Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e 2o, 8o, n° 2, 18°, 2, 25°, n° 1, 26°, n° 1, 27°, n° 1 e 2, 29°, 4 e 5, 47°, n° 1, 58°, n° 1, 61°, n° 1 e 62°, n° 1, todos da C.R.P., não se verificando, quanto a nós, qualquer violação neste momento, em sede de reformulação de cúmulo jurídico de coimas e sanções acessórias, do principio “ne bis in idem”, ao contrário do alegado.

A realização e reformulação de cúmulo jurídico, neste caso de coimas e sanções acessórias parcelares, visa determinar as coimas únicas e respectivas sanções acessórias nas quais os recorrentes devem ser condenados, perdendo as coimas parcelares autonomia, no sentido de que afasta a execução individual das mesmas ou das sanções anteriormente determinadas, mas em nada colide com a materialidade ou existência jurídica das mesmas, ou seja com o trânsito em julgado da decisão que apreciou os factos, subsumiu os mesmos ao direito e determinou as coimas parcelares e respectivas sanções acessórias. 

Ao invés do caso sub judice neste momento, no em causa no Acórdão proferido em 20.03.2018 pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, a questão prejudicial colocou-se antes do trânsito em julgado da decisão de mérito da entidade administrativa e em fase de recurso judicial para o Tribunal de Segunda Instância, enquanto último grau de recurso, fase processual na qual a interposição de questão judicial é entendida como obrigatória ao contrário do que acontece em primeira instância conforme resulta do disposto no artigo 267°, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (v.d. neste sentido também «Guia Prático do Reenvio Prejudicial», Carla Câmara, em colaboração científica de Maria José Rangel Mesquita, 2012,
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/GuiaReenvioPrejudicial/guia.pratico.reenv io.prejudicial.pdf, pág. 9) ou seja, tal questão foi suscitada quando ainda estava em causa o procedimento contra-ordenacional, ao contrário do que acontece nos presentes autos, onde o trânsito em julgado ocorreu em 27.03.2015.

Julgamos, pois que, neste momento, mesmo a admitir que nos presentes autos e no processo crime n° 7327/07.9TDLSB e processo contraordenacional n° 1453/10.4TFLSB estão em causa os mesmos factos ou pelo menos factos indissociavelmente ligados no tempo e no espaço, conforme, aliás consta do despacho de 28.02.2013, pág. 11 312, segundo parágrafo, proferido no aludido processo crime - cfr. fls. 43 280 dos presentes autos, - do qual se fez constar «os processos de Contra-Ordenação instaurados pela CMVM (processo n° 42/2008) e pelo Banco de Portugal (processo n° 24/07/CO) integram os presentes autos. Da análise desses processos, em particular da Acusação, relatório Final e Decisão, proferidos pelo Banco de Portugal, e Relatório elaborado pela CMVM, resulta, claramente, que os factos objecto desses autos são, igualmente, objecto dos presentes», e considerando o teor do facto 1035 da acusação proferida no processo crime 7327/07.9TDLSB e do facto 1023 e s/s da matéria de facto considerada provada do acórdão proferida no mesmo processo, nos quais consta expressa referência às comunicações em causa nos presentes autos - cfr. fls. 997 a 1005 do Acórdão proferido pelo 06.03.2014, certo é que nesta fase processual, não pode este tribunal afastar a força de caso julgado do aresto que ora se referiu transitado em julgado em 27.03.2015, por se encontrar nesta parte esgotado o poder jurisdicional relativamente à matéria de facto considerada provada, subsunção da mesma ao direito e fixação de coima parcelares e sanções acessórias determinadas.

Entendimento contrário ao que acima se deixou dito, importaria quanto, a nós, uma grosseira violação do caso julgado por este tribunal da decisão proferida em 06.03.2014, transitada em julgado em 27.03.2015.

Importa ainda referir que a valoração como um todo da factualidade considerada provada na decisão condenatória já proferida e transitada em julgado em 27.03.2015, conjuntamente com a personalidade dos agentes para efeitos de reformulação de cúmulo jurídico, não colide com o trânsito ou julgado da daquela nem importa qualquer violação dos princípios “ne bis in idem” ou da “proibição da dupla valoração”, uma vez o «objecto da valoração é distinto» (v.d. Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Paulo Pinto de Albuquerque, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, pág. 240, nota 5, e também entre muitos outros e apenas como um dos mais recentes Ac. S.T.J. de 15.02.2018, proferido no processo 7846/11.2TAVNG-B.S1, in http://www.dgsi.pt. embora relativo a crimes).

Assim sendo, importa referir que não se encontra, quanto a nós, neste momento em causa nos três aludidos processos - os presentes autos, processo crime 7327/07.9TDLSB e processo contra-ordenacional n° 1453/10.4TFLSB - qualquer procedimento crime ou contra-ordenacional pendente, mas sim e apenas a determinação das coimas únicas e sanções acessórias a determinar nos termos supra referidos.

Aqui chegados, importar considerar o preceituado nas normas que a seguir se transcrevem.

À data dos factos prescrevia o artigo 420°, n° 1 e 2 do CVM - versão dada pela Lei n° 52/2006 de 15 de Março:
«1-Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, o arguido é responsabilizado por ambas as infracções, instaurando-se processos distintos a decidir pelas autoridades competentes, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2-Nas situações previstas na alínea i) do n.° 1 do artigo 394.°, quando o facto que pode constituir simultaneamente crime e contra-ordenação seja imputável ao mesmo agente pelo mesmo título de imputação subjectiva, há lugar apenas ao procedimento de natureza criminal.».

Após a entrada em vigor da Lei n° 28/2017 de 30 de Maio prescreve o artigo 420°, n° 1, 2 e 3, do CVM:
«1-Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, o arguido é responsabilizado por ambas as infracções, instaurando-se processos distintos a decidir pelas autoridades competentes, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2-Nas situações previstas nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 399.°-A, quando o facto que pode constituir simultaneamente crime e contraordenação seja imputável ao mesmo agente pelo mesmo título de imputação subjetiva, há lugar apenas ao procedimento de natureza criminal.
3-Quando o mesmo facto der origem a uma pluralidade de infrações e de processos da competência de entidades diferentes, as sanções já cumpridas ou executadas em algum desses processos podem ser tidas em conta na decisão de processos ulteriores para efeitos de determinação das respetivas sanções, incluindo o desconto da sanção já cumprida e executada, se a natureza das sanções aplicadas for idêntica».

Por sua vez dispõe o artigo 20°, do Decreto-lei n° 433/82 de 27 de Outubro que:
«Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, será o agente sempre punido a título de crime, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para a contra- ordenação».

O artigo 79° n° 1 e 2 do Decreto-Lei n° 433/82 de 27 de Outubro prescreve que:
«O carácter definitivo da decisão da autoridade administrativa ou o trânsito em julgado da decisão judicial que aprecie o facto como contraordenação ou como crime precludem a possibilidade de reapreciação de tal facto como contraordenação.
2-O trânsito em julgado da sentença ou despacho judicial que aprecie o facto como contra- ordenação preclude igualmente o seu novo conhecimento como crime»

Por outro lado, prescreve o artigo 80°, n° 1,2 e 3, do Decreto-Lei n° 433/82 de 27 de Outubro que:
«A revisão de decisões definitivas ou transitadas em julgado em matéria contra-ordenacional obedece ao disposto nos artigos 449.° e seguintes do Código de Processo Penal, sempre que o contrário não resulte do presente diploma.
2-A revisão do processo a favor do arguido, com base em novos factos ou em novos meios de prova, não será admissível quando:
a)-O arguido apenas foi condenado em coima inferior a (euro) 37,41;
b)-Já decorreram cinco anos após o trânsito em julgado ou carácter definitivo da decisão a rever.
3- A revisão contra o arguido só será admissível quando vise a sua condenação pela prática de um crime».

O artigo 81°, n° 4 do Decreto-Lei n° 433/82 de 27 de prescreve que : 
«a revisão de decisão judicial será da competência do tribunal da relação, aplicando-se o disposto no artigo 451.° do Código de Processo Penal».

Nos termos do artigo 82°, n° 1, 2,3 e 4, do Decreto Lei n° 433/82 de 27 de Outubro que:
«a decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima ou uma sanção acessória caduca quando o arguido venha a ser condenado em processo criminal pelo mesmo facto.
2-O mesmo efeito tem a decisão final do processo criminal que, não consistindo numa condenação, seja incompatível com a aplicação da coima ou da sanção acessória.
3-As importâncias pecuniárias que tiverem sido pagas a título de coima serão, por ordem de prioridade, levadas à conta da multa e das custas processuais ou, sendo caso disso, restituídas.
4-Da sentença ou das demais decisões do processo criminal referidas nos n.os 1 e 2 deverá constar a referência aos efeitos previstos nos n.os 1,2 e 3..»

Dispõe o artigo 90°, n° 3, do Decreto-Lei n° 433/82 de 27 de Outubro que:
«Quando, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 82.°, exista decisão em processo criminal incompatível com a aplicação administrativa de coima ou de sanção acessória, deve o tribunal da execução declarara caducidade desta, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido».

Nos termos do artigo 29°, n° 4 e 5 da C.R.P. que:
«4.–Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido.
5.–Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.».

Dispõe o artigo 2º n°4 do CP dispõe que:
«1-As penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem.
2-O facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei nova o eliminar do número das infracções; neste caso, e se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais. 
3-Quando a lei valer para um determinado período de tempo, continua a ser punível o facto praticado durante esse período.
4-Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior».

Nos termos do artigo 3º, n° 1 e 3, do Decreto-Lei n° 433/82 de 27 de Outubro:
«3-A punição da contra-ordenação é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende».
«2-Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se- á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada».

Por último, prescreve o artigo 205°, nº 1, 2 e 3, do Constituição da República Portuguesa que:
«1.-As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
2.-As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades.
3.-A lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução».
Conforme resulta de que acima se deixou dito aquando da alteração da redacção do artigo 420° do Código de Processo Penal, por força da entrada em vigor da Lei n° 28/2017, de 30 de Maio, o qual introduziu o artigo 399º- A, do CdVM, o acórdão proferido pelo tribunal da Relação de Lisboa de 06.03.2014 encontrava-se já transitado em julgado desde 27.03.2015, mostrando-se os recorrentes condenados em coimas em coimas parcelares e sanções acessórias.

De igual modo, aquando da entrada em vigor da Lei n° 28/2017, de 30 de Maio, encontravam-se também transitadas em julgado as decisões finais proferidas nos processos crime 7327/07.9TDLSB que corre termos na Instância Central Criminal de Lisboa e contra-ordenacional 1453/10.4TFLS que correu termos nesta Instância Local de Pequena Criminalidade de Lisboa.

Por outro lado, mesmo a considerar que após a da entrada em vigor da Lei n° 28/2017, de 30 de Maio, estaria nos presentes autos a incriminação prevista no artigo 399º-A, n° 1, alínea b) do CdVM, redacção actual e que nos presentes autos e nos processos 7327/07.9TDLSB e 1453/10.4TFLS estariam em causa os mesmos factos ou pelo menos factos indissociavelmente ligados no tempo e no espaço e conexos entre si, conforme alegado pelos recorrentes, cumpre referir que o artigo 420°, n° 2, do CVM, redacção actual, respeita à fase de instauração de procedimento criminal, dando prevalência à punição a título de crime, o que se afigura ser ainda uma notória manifestação do princípio “ne bis in idem”, o qual terá de ser entendido como proibição de duplo julgamento e de dupla penalização.

Ora, ainda que se possa considerar esta norma como uma norma processual material e como tal sujeita ao princípio da aplicação da lei mais favorável nos termos do artigo 2º, n° 4, do Código Penal e 3º, n° 2, do Decreto-Lei n° 433/82 de 27 de Outubro e 388°, n° 6, do CdVM, transitada em julgado em 27.03.2015 que se mostra a decisão 06.03.2014 de condenação nos presentes autos, bem como as decisões finais dos aludidos processos 7327/07.9TDLSB que corre termos no Instância Central Criminal de Lisboa e contra-ordenacional 1453/10.4TFLS que correu termos no nesta Instância Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, a questão coloca-se já não ao nível do procedimento penal ou contra-ordenacional, mas sim em sede de execução das sanções, conforme também acima já se aludiu, não sendo quanto nós tal entendimento afastado por força da reformulação do cúmulo jurídico, o qual não afecta de qualquer modo o referido caso julgado.

Assim sendo, importa considerar que da análise do Código de Valores Mobiliários verifica-se a inexistência de qualquer norma relativa aos efeitos do caso julgado na vertente em causa nos presentes autos, impondo-se pois a aplicação da lei geral das contra-ordenações, vale dizer das normas previstas no Decreto-Lei n° 433/82 de 27 de Outubro.

Contudo, o regime de caducidade previsto no artigo 82° do Decreto-Lei n° 433/82 de 27 de Outubro, apenas tem lugar no caso da coima e/ou sanção acessória terem sido aplicadas por decisão administrativa e não quando está em causa um decisão judicial, mormente uma sentença, ou seja «no caso da coima ter sido aplicada ou mantida por decisão judicial, uma eventual condenação criminal pelo mesmo facto não fará caducar a primeira, só podendo ela desaparecer na sequência de um processo de revisão (arts. 79°, n°2 e 80°, n° 3, do RGCO)», (v.d. Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, 2011, pág. 616, neste sentido também Comentário do Regime de Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Paulo Pinto de Albuquerque, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2011, pág. 329 e 330).

Do mesmo modo, também em fase de execução não opera a suspensão ou caducidade prevista no artigo 90°, n° 2 e 3, do Decreto-Lei n° 433/82 de 27 de Outubro, quando está em causa um decisão judicial, mormente sentença e, mais uma vez, apenas quando está em causa uma decisão administrativa, uma vez que «todas as decisões dos tribunais transitadas em julgado têm idêntico valor (art°205° n°2 da CRP) e por isso não se pode sobrepor a decisão do tribunal competente para o crime à do tribunal que proferiu a decisão por contraordenação” (v.d. Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, 2011, pág. 642). 

Assim, julgamos que transitada que se mostra a decisão proferida nos presentes autos em 06.03.2014, anteriormente às decisões finais proferidas em nos aludidos processos crime 7327/07.9TDLSB, transitada em julgado a decisão final em 14.07.2016 e de não pronuncia anteriormente e 1453/10.4TFLSB, transitada em julgado a decisão final em 26.06.2015, inexiste fundamento legal para dar sem efeito a condenação proferida nestes autos ou suscitar o reenvio prejudicial neste momento, com vista ao arquivamento imediato dos presentes autos, sem prejuízo da ponderação da aplicação da redacção actual do artigo 420°, n° 3, do CdVM, por força do disposto no artigo 3º n° 2, do Decreto-lei n° 433/82 de 27 de Outubro, após determinação das coimas única e sanções acessórias a aplicar para efeitos de desconto das sofridas nos aludidos processo crime e contraordenacional instaurado pelo Banco de Portugal.

Por último e porque alegado oralmente na audiência de cúmulo jurídico, importa referir que, como acima se deixou dito, neste momento não está em causa a apreciação de qualquer procedimento contraordenacional instaurado contra os recorrentes, mas sim e apenas a reformulação de cúmulo jurídico de coima e sanções acessórias e, consequentemente, também não está em causa a apreciação neste momento de qualquer prescrição do procedimento contraordenacional, considerando o trânsito em julgado ocorrido em 27.03.2015 supra referido, encontrando-se neste momento a decorrer o prazo de prescrição de coimas e sanções acessórias.

Porque assim é, cumpre desde já referir que, ao contrário do alegado na audiência de cúmulo jurídico, tal prazo ainda não decorreu considerando que o trânsito em julgado da decisão ocorreu em 27.03.2015, e o prazo de prescrição das coimas e sanções acessórias é de 5 anos conforme decorre do disposto no artigo 418°, n° 5, do Código de Valores Mobiliários, prazo que ainda não decorreu desde a referida data, sem prejuízo do início de novo prazo de prescrição a iniciar-se com o trânsito em julgado do decisão que determinar as coimas e sanções únicas na sequência da reformulação do cúmulo jurídico efectuada no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 06.03.2014.

Assim, improcede a alegada prescrição de coimas e/ou sanções acessórias.

Pelo exposto, tudo visto e ponderado, decide-se:
-indeferir o requerido arquivamento dos autos por falta de fundamento legal;
-indeferir a requerido reenvio prejudicial perante o Tribunal de Justiça da União Europeia por falta de fundamento legal;
-julgar improcedentes as alegadas inconstitucionalidades, nomeadamente por violações do disposto nos artigos 4º n° 1 do Protocolo n° 7 e 1º do Protocolo 1, à Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e 5º, n° 1 e 2, alínea a), 13° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 49°, n° 3, 50° e 52°, n° 2, todos do Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e 2o, 8o, n° 2, 18°, 2, 25°, n° 1, 26°, n° 1, 27°, n° 1 e 2, 29°, 4 e 5, 47°, n° 1, 58°, n° 1, 61°, n° 1 e 62°, n° 1, todos da C.R.P..
-Julgar improcedente a alegada caducidade de qualquer decisão proferida nos presentes autos, por falta de fundamento legal; 
-Julgar improcedentes as alegadas prescrições das coimas, sanções acessórias ou procedimento criminal (certidão com a referência Citius 30341632).

Esta sentença de cúmulo jurídico proferida em 8 de Junho de 2018, foi integralmente confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em  de 11 de Julho de 2019 (certidão com a referência Citius 30342019).

Deste acórdão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional que o rejeitou por decisão sumária nº 249/2020 de 29 de Abril de 2020 (certidão com a referência Citius 30342930).

A qual, na sequência de reclamação para a Conferência, veio a ser confirmada através do acórdão do TC n° 587/2020, proferido em 5 de Novembro de 2020 (certidão com a referência Citius 30343959).

Em 05/06/2020 e 09/06/2020, os ora recorrentes apresentaram junto do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa requerimentos para aplicação da lei mais favorável, defendendo que, em virtude de ter sido aprovada uma lei nova mais favorável em momento posterior ao trânsito em julgado da decisão condenatória, concretamente a Lei deveria ser julgada extinta a condenação dos arguidos, por aplicação do art. 3°, n° 2, do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) (certidão com a referência Citius 408664050).

Em 5 de Junho de 2020, o arguido recorrente FP_____  apresentou o seguinte requerimento para aplicação de Lei mais favorável, o que faz com os seguintes fundamentos:

I–Da Lei Nova mais favorável
1.-A Lei n.° 28/2017, de 30 de Maio, doravante Lei Nova, veio introduzir alterações ao Código dos Valores Mobiliários (CdVM), na redacção dada pela Lei n° 52/2006 de 15 de Março (doravante Lei Antiga, normativo que estava em vigor à data da prática dos factos).
2.-Em particular, a Lei Nova introduziu o artigo 399.°-A ao CdVM que, comparado com a Lei Antiga, em particular o seu artigo 389.° do CdVM, tem conteúdo claramente mais favorável.

3.– Concretizando:
Artigo 399°-A do CdVM resultante da Lei Nova:
Abuso de Mercado
1–Constitui contraordenação muito grave:
a)-O uso ou transmissão de informação privilegiada, exceto se tal facto constituir também crime;
b)-A violação da proibição de manipulação de mercado,, exceto ae tal facto constituir também crime:
c)-A violação do regime de divulgação de informação privilegiada pelos emitentes de instrumentos financeiros;
d)-A violação do regime de divulgação de informação privilegiada pelos participantes no mercado de licenças de emissão;
e)-A violação do regime de divulgação de operações de dirigentes;
f)-A realização de operações proibidas por dirigentes de entidades emitentes de instrumentos financeiros.

Artigo 389 do CdVM. resultante da Lei Antiga:
Informação
1.-Constitui contra-ordenação muito grave a comunicação ou divulgação, por qualquer pessoa ou entidade e através de qualquer meio, de informação que não seja completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.
4.-Em ambas as redacções legais (dadas pela Lei Nova e pela Lei Antiga), a conduta imputada ao Arguido constitui crime de manipulação de mercado, p. e p. no art. 379.° do CdVM:

Artigo 379° n° 1 resultante da Lei Antiga:
Manipulação do mercado
1-Quem divulgue informações falsas, incompletas, exageradas ou tendenciosas realize operações de natureza fictícia ou execute outras práticas fraudulentas que sejam idóneas para alterar artificialmente o regular funcionamento do mercado de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros é punido com prisão até três anos ou com pena de multa.

Artigo 379º n° 1, resultante da Lei Nova:
Manipulação do mercado
1-Quem divulgue informações falsas, incompletas, exageradas, tendenciosas ou enganosas, realize operações de natureza fictícia ou execute outras práticas fraudulentas que sejam idóneas para alterar artificialmente o regular funcionamento do mercado de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa.

5.–Após a leitura das disposições supra indicadas, é possível chegar às seguintes conclusões:
6.–Antes da entrada em vigor da Lei n.° 28/2017, de 30 de Maio, por força do regime de concurso de infracções vigente no CdVM, a conduta imputada ao Arguido era simultaneamente punível como crime e contra-ordenação.
7.–Após a entrada em vigor da Lei n.° 28/2017, de 30 de Maio, tal como decorre do art. 399.°-A, n.° 1, al. b), do CdVM, a conduta imputada ao Arguidos deixou de ser punível como contraordenação, pois constitui crime (aliás, o arguido já foi condenado pela prática do crime em causa, e já cumpriu a pena principal (pena de prisão suspensa na sua execução, com obrigação de pagamento a instituição), bem como a pena acessória de publicação da condenação, estando em cumprimento da pena acessória de inibição, pelo período de quatro anos, de exercício de funções em instituições de crédito ou sociedades financeiras - cf. Doc. 1 que ora se junta).
8.–Nestes termos, é evidente que a redacção resultante da Lei Nova é mais favorável.

II–Da natureza da Lei Nova mais favorável
9.–A Lei Nova é uma Lei penal material, em sentido, que vem "despenalizar” a conduta contraordenacional, reflectindo um juízo legislativo de desnecessidade de punição de uma conduta como contraordenação quando a mesma constitua crime.

10.–Dispõe o art. 3.°, n.° 2 do RGCO:
Artigo 3°
Aplicação no tempo
1-A punição da contra-ordenação é determinada pela Lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende.
2-Se a Lei vigente ao tempo da prática do façto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a Lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada.
3-Quando a Lei vale para um determinado período de tempo, continua a ser punida a contra-ordenação pradeada durante esse período.

11.–Assim, a Lei Nova “despenalizadora" deve ser aplicada retroactivamente à situação do Arguido, mesmo que este tenha sido condenado por sentença já transitada em julgado, pois como decorre do artigo 3.°, n.° 2 do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), a Lei mais favorável é aplicável aos casos em aue a sentença, ainda aue iá transitada, não tenha sido executada, o que é o caso.
12.–A Lei mais favorável despenalizadora deve ser imediatamente aplicada, para que cessem a execução e os efeitos da sentença proferida ao abrigo da Lei Antiga (neste caso, de sentença proferida no âmbito de processo contra-ordenacional) dado que a conduta deixou de ser punida como contra- ordenação ao abrigo da Lei Nova.

III–O meio adequado para suscitar a questão da aplicação de Lei Nova mais favorável.
13.–O meio adequado para o arguido suscitar ao Tribunal a aplicação da Lei Nova mais favorável é a apresentação de um requerimento junto do Tribunal de Ia instância, entendimento adoptado pelo Tribunal da Relação de Évora no âmbito dos acórdãos n.° 205/05-2 de 22/02/2005 (disponível em http://www.clgsi.pt/Mre.nsf/1349 73db04f39bf2802579bf005f080b/97f24e396b22444b8025 7del0057474ç?QQenDocumMÉ) e n.° 519/05-2, de 19/04/2005, (disponível em http://www.dgsi.Pt/itre.nsf/-/0ACD8CC3EEFE60A880257D E100574788).

14.–Tal como entende o Tribunal da Relação de Évora:
"[...] a aplicação do disposto non° 2 do 3° do D,L? ser feito pelo mecanismo do recurso de revisão, pois que não é para essas situações que o mesmo está previsto. [...] Porém para fazer operar tal pr ao mecanismo do recurso de revisão, para o efeito a questão se suscite no processo e, salvo se estiver pendente em alguma de recurso ordinário à 1ª instância cabe conhecer da questão,."(realce nosso) (acórdão n.° 205/05-2 de 22/02/2005).

15.– Pelo exposto, requer-se a V. Exa., nos termos do n.° 2 do art. 3.° do RGCO, ex artigo 407.° do CdVM, a aplicação imediata do disposto no artigo 399.°-A, n.° 1, al. b) do CdVM, na redacção dada pela Lei n.° 28/2017, de 30 de Maio, à situação do arguido, encerrando-se o processo sem execução da sanção aplicada que deve ser declarada extinta.
16.–Desde já se suscita a inconstitucionalidade da norma extraída do art. 3.°, n.° 2, do RGCO, quando interpretada no sentido de que em processo de contra-ordenação não é admissível a aplicação pelo Tribunal de primeira instância de lei despenalizadora de contra-ordenação, após o trânsito em julgado, mas antes da execução da sanção, por violação do art. 29º n.° 4, da CRP, e ainda por violação do art. 20.°, n.° 1, da CRP.
17.–Do art. 29.°, n.° 4, da CRP, decorre que as leis penais e conteúdo mais favorável devem ser aplicadas retroactivamente, proibição aplicável independentemente do trânsito em julgado, sendo a protecção constitucional extensível às contra-ordenações, tendo em conta a natureza punitiva das mesmas.
18.–“De facto, a nova lei (no caso, as normas do citado Regime Jurídico respeitantes a contra- ordenações) - na medida em que deixou de qualificar como transgressões condutas que assim rotulava - é, em certo sentido, uma lei penal de conteúdo mais favorável, pois que "expulsou" do domínio penal factos que, antes, aí situava. Claro que isto só é assim quando se veja nas infracções fiscais ilícitos de natureza criminal, puníveis, embora, com sanções (criminais) especiais (cf., neste sentido, EDUARDO CORREIA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100°, páginas 289 e seguintes, sp. página 371). Pode, no entanto, argumentar-se que a nova lei não deve ser qualificada como lei penal, uma vez que, as infracções fiscais não integravam o domínio penal (cf., neste sentido, J. M. CARDODO DA COSTA, Curso de Direito Fiscal, Coimbra, 1970, páginas 100 e seguintes); e, depois, em direitas contas, o que ela talvez faz é, nuns casos (nos casos, dos artigos 28° a 40° do citado Regime Jurídico), tipificar como contra-ordenações condutas que, antes, eram tipificadas como transgressões e, noutros (nos casos previstos no artigo 3°, n° 1,do Decreto-Lei n° 20-A/90), equiparara contra-ordenações outras transgressões, que não converteu em crimes, nem tipificou como ilícitos de mera ordenação social. Se as coisas houverem de ser entendidas como por último se apontou, nem por isso haverá de ter-se o legislador por dispensado de observar o princípio constitucional da aplicação retroactiva da lei de conteúdo mais favorável, consagrado expressamente, no artigo 29°, n° 4, da Constituição, apenas para as leis penais. Tal princípio - o princípio da aplicação retroactiva da lei penal de conteúdo mais favorável -, na sua ideia essencial, há-de, com efeito, valer também no domínio do ilícito de mera ordenação social." (Acórdão do TC n.° 150/94, Proc. n.° 603/93)
19.–O art. 20.°, n.° 1, da CRP, impõe a consagração de meios eficazes de tutela jurisdicional dos direitos individuais, decorrendo desta protecção constitucional que o legislador tem de consagrar meios legais que permitam ao indivíduo suscitar, e fazê-lo de forma a que possa obter resultado útil, a aplicação dos direitos que a lei e a Constituição lhe conferem.
20.–“A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente: (a) o direito de acção, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada [...] (veja-se, entre outros, o Acórdão n.° 440/94)" (in Acórdão do TC n.° 839/2013, processo n.° 727/13.)
21.–A norma cuja constitucionalidade é sindicada corporiza uma negação da aplicação retroactiva de leis contra-ordenacionais substantivas de conteúdo mais favorável e de tutela jurisdicional efectiva aos indivíduos condenados em processo contra-ordenacional que suscitem a aplicabilidade de regime contra-ordenacional substantivo mais favorável.
Nestes termos, ao abrigo do disposto no artigo 3.°, n.° 2 do RGCO, aplicável ex vi artigo 407.° do CdVM, deverá ser aplicada a Lei Nova mais favorável (a Lei n.° 28/2017, de 30 de Maio), à situação do arguido FP_____, nomeadamente o disposto no artigo 399.°-A, n.° 1 al. b), encerrando-se o processo sem execução da sanção aplicada (certidão com a referência Citius 408664050). 

Por sua vez, o arguido recorrente AMS_____ requereu em 9 de Junho de 2020, o arquivamento do presente procedimento contraordenacional, por força da aplicação da lei mais favorável ao arguido, com as legais consequências, declarando-se sem efeito e, por isso, insuscetíveis de execução, as sanções aplicadas, tendo para o efeito, alegado, além do mais, o seguinte:  
Através da Lei n.° 28/2017, de 30 de Maio, foram introduzidas alterações ao Código de Valores Mobiliários, mormente a criação do artigo 399-A.
7o.
A alínea b) do n.° 1 deste novo artigo determina que constitui contraordenação muito grave "a violação da proibição de manipulação de mercado, exceto se tal facto constituir também crime."
8o.
A definição do que seja manipulação de mercado consta agora do disposto no artigo 379 do CdVM, sobretudo, quanto ao seu conceito e elementos, no n.° 1.
9o.
A conduta do Recorrente analisa-se na prática do crime de manipulação de mercado, pelo qual, aliás, veio a ser condenado.
10°.
Seja na redação do artigo 379, n.° 1, do CdVM, na sua redação atual, seja na redação anterior à Lei 28/2017.
11°.
Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 420, n.° 1, do CdVM, "se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contraordenação, o arguido é responsabilizado por ambas as infrações, instaurando-se processos distintos a decidir pelas autoridades competentes, sem prejuízo do disposto no número seguinte."

Porém: 
12°.
O número 2 deste mesmo artigo, exclui desta acumulação a prática da manipulação de mercado, que consta do artigo 399-A, n.° 1, al. b).  Pelo que:
13°.
Tendo o recorrente sido julgado e condenado pela prática do crime de manipulação de mercado, não poderá haver outro procedimento sancionatório que julgue os mesmos factos.
14°.
Sendo que a redação do artigo 420, n° 2, do CdVM foi introduzida pela Lei 28/2017, ela própria (muito) posterior à prática dos factos em apreço.
15°.
Com a entrada em vigor da Lei 28/2017, de 30 de maio, o Recorrente deixou de poder ser julgado em dois processos distintos.
16°.
O julgamento que teve lugar no processo criminal, esgotou, de forma inapelável, a malha sancionatória aplicável.
17°.
O que implica o arquivamento imediato dos presentes autos, tal como a final se requererá, por força da aplicação retroativa da lei mais favorável.
DA APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI MAIS FAVORÁVEL AO ARGUIDO/RECORRENTE.
18°.
Dispõe o artigo 407 do CdVM que "salvo quando de outro modo se estabeleça neste Código, aplica-se às contraordenações nele previstas e aos processos às mesmas respeitantes o regime geral dos ilícitos de mera ordenação social."
19°.
Porque de nenhum outro modo se estabelece no CdVM, tem aqui aplicação o disposto no artigo 3º n.° 2, do RGCO, que determina: "se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada."
20°.
O Recorrente entende que a decisão condenatória que foi aplicada neste processo, ainda não transitou em julgado, o que, porém, não tem sido assim entendido pelas instâncias.
21°.
Mas já não restam quaisquer dúvidas quanto ao facto de a referida decisão não ter sido ainda executada.
22°.
A este respeito ANTÓNIO DE OLIVEIRA MENDES e JOSÉ DOS SANTOS CABRAL referem o seguinte, em comentário ao artigo 3, n.° 2, do RGCO, ao aditar a expressão “e já executada", o legislador alargou, no sentido proposta pela referida doutrina e no respeito pelo texto constitucional a aplicação da lei mais favorável, para que a mesma seja aplicada aos casos em que, tendo ocorrido caso decidido ou trânsito em julgado, se não tenha ainda extinguido toda a responsabilidade contraordenacional (coima e sanções acessórias). É óbvio que a expressão "e mais executada" tem o sentido de já efetivamente cumprida, voluntária ou coercivamente.
23°.
Mediante a alteração operada no CdVM, os factos pelos quais o Recorrente for condenado neste processo, deixaram de poder ser punidos como contraordenação, por corresponderem, de forma indiscutível, àqueles pelos quais foi julgado no processo criminal, consubstanciando a prática do crime de manipulação de mercado.

Aliás:
24°.
Uma interpretação de acordo com a qual não se aplicaria ao caso o disposto no artigo 3, n.° 2, do RGCO, quando os factos foram praticados antes da entrada em vigor da Lei 28/2017, de 30 de maio e a sentença condenatória, além do mais, não está executada, tornaria a norma inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 20, n.°1, 29º n° 4 e 32º nºs 1 e 10, todos da CRP.
25°.
Sendo pacífica a aplicação retroativa da lei penal mais favorável no âmbito dos processos de contraordenação.  
26°.
Em anotação a este normativo referem MANUEL SIMAS SANTOS e JOÃO LOPES DE SOUSA: "Por maioria de razão rege o princípio da retroatividade da lei sancionatória favorável quando o facto deixa de ser punível, como está expressamente previsto no n.° 2 do artigo 2 do Código Penal e está ínsito no n.° 2 do presente art. 3º.
27°.
AUGUSTO SILVA DIAS converge com esta posição, quando ensina: "Também neste ponto a ratio da proibição vale apenas para a sucessão de leis contra-ordenacionais desfavoráveis ao arguido, vigorando, por isso, o princípio da aplicação retro e ultra-ativa de lei contra-ordenacional mais favorável. Este princípio de garantia, previsto no art. 29. n. 4. da CRP para a lei penal, é aplicável à lei contra-ordenacional por via do princípio do Estado de Direito vazado no art. 32. n,° 10. da Lei Fundamental e no art.. n,°2. do RGCO."
28°.
No mesmo sentido se pronuncia PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE. De acordo com este autor "o princípio da aplicação retroativa da lei de conteúdo mais favorável vale também no ilícito de mera ordenação social"  E acrescenta:
29°.
"O limite de aplicação retroativa da lei de conteúdo mais favorável é, no direito contra- ordenacional, a execução da sanção. A "execução da sanção" corresponde ao seu cumprimento voluntário ou coercivo. Não tendo sido executada a sanção, a decisão definitiva da autoridade administrativa e a sentença transitada em tribunal podem ser revistos ....... Portanto, nem o caso decidido da autoridade administrativa nem o caso julgado da autoridade judicial são obstáculo à aplicação retroativa da lei contra- ordenacional de conteúdo mais favorável (certidão com a referência Citius 408664050).  
Os referidos requerimentos foram julgados improcedentes por despacho de 25/04/2021, do qual vieram agora interpostos os recursos.

É o seguinte o conteúdo da decisão recorrida (transcrição parcial):
Requerimentos de 05.06.2020 - ref. 6359403, de 08.06.2020, ref. 6371315 e de 09.06.2020, ref 6379748, apresentados pelos recorrentes FP_____, CB_____, e AMS_____, recorrentes nestes autos de contraordenação, vieram nos termos e fundamentos dos supra identificados requerimentos, respectivamente, pugnar pela aplicação da lei mais favorável, nos termos do artigo 3°, n° 2, do Decreto-Lei n° 433/82 de 27 de Outubro, atenta a entrada em vigor da Lei n° 28/2017 de 30 de Maio e a redacção dada pela mesma aos artigos 399°-A, n° 1, alínea a) e 420°, n° 2, ambos do CdVM.

Mais pugnam pela inconstitucionalidade da interpretação do artigo 3°, n° 2, do Decreto-Lei n° 433/82 de 27 de Outubro, quando não aplicado nos presentes autos, atenta a entrada em vigor da Lei n° 28/2017 de 30 de Maio e a redacção dada pela mesma aos artigos 399°-A, n° 1, alínea b) e 420°, n° 2, ambos do CdVM.

O Ministério Público e a CMVM pronunciaram-se nos termos das respostas de 25.01.2021 e 28.01.2021, respectivamente, pugnando pelo indeferimento do requerido, por ter sido já apreciado nas decisões anteriores proferidas nestes autos, todas transitadas em julgado.

Cumpre decidir:
Compulsados os requerimentos, bem com as decisões anteriormente proferidas, nomeadamente a decisão de cúmulo jurídico proferida em 08.06.2018, a qual transitou em julgado, após interposição de Recursos pelos recorrentes para o Tribunal da Relação de Lisboa e posteriormente para o Tribunal Constitucional, concluiu-se que a ora suscitada questão de aplicação da lei mais favorável, nos termos do artigo 3°, n° 2, do Decreto-Lei n° 433/82 de 27 de Outubro atenta a entrada em vigor da Lei n° 28/2017 de 30 de Maio e a redacção dada pela mesma aos artigos 399°-A, n° 1, alínea a) e 420°, n° 2, ambos do CdVM, foi já apreciada na aludida sentença de cúmulo jurídico de coimas proferida em 08.06.2018, bem como as invocadas inconstitucionalidades.
Prescreve o artigo 613°, n° 1, do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” artigos 4°, do Código de Processo Penal e 41°, n° 1, do Decreto-Lei n° 433/8 de 27 de Outubro, que «proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa».
Assim sendo, encontra-se esgotado o poder jurisdicional deste tribunal no que concerne às questões ora suscitadas, não podendo delas mais conhecer, conforme resulta do disposto no artigo 613°, n° 1, do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” artigos 4°, do Código de Processo Penal e 41°, n° 1, do Decreto-Lei n° 433/8 de 27 de Outubro, sob pena de, tal como já referido na decisão de 08.06.2018, grosseira violação do caso julgado, sendo que uma nova decisão como ora pretendido sempre seria juridicamente inexistente.
A apreciação efectuada na sentença de 08.06.2018 da ora suscitada questão de sucessão de leis no tempo, entre outras, foi aliás invocada como fundamento pelos recorrentes no requerimento de prorrogação do prazo de recurso da mesma, conforme consta da respectiva acta.
Assiste pois razão ao Ministério Público e à CMVM.
Pelo exposto e nos termos do artigo 613°, n° 1, do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” artigos 4°, do Código de Processo Penal e 41°, n° 1, do Decreto-Lei n° 433/8 de 27 de Outubro, decide-se não apreciar o requerido por se encontrar esgotado o poder jurisdicional do tribunal.
Notifique.
Cumpra-se de imediato o trânsito em julgado da sentença de cúmulo jurídico - coimas e custas.
(…)
Lisboa, 25.04.2021 (Dom) (cumpra-se de imediato) (certidão com a referência Citius 30319346).

2.3.– APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO

Quanto à nulidade por omissão de pronúncia.
A fundamentação das decisões judiciais implica, em geral, um processo argumentativo de justificação da afirmação de que a determinados factos é aplicável uma determinada solução jurídica, através da enumeração e explicitação das razões de facto e de direito que conduziram a uma determinada subsunção jurídica dos factos e ao sentido da decisão.

Numa dimensão endoprocessual, a fundamentação serve propósitos de clareza e compreensão pelos seus destinatários, essenciais ao cumprimento da decisão e ainda de controlo da legalidade da actividade jurisdicional e do acerto e justiça da decisão, pelas autoridades judiciárias de recurso.

Numa vertente extraprocessual, as exigências de fundamentação assumem-se como um mecanismo de legitimação democrática dos próprios Tribunais e da administração da Justiça.

«A consagração constitucional do princípio da fundamentação das decisões judiciais é uma garantia do processo judicial, no sentido de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito. Mas é sobretudo o reconhecimento de que os tribunais, constitucionalmente investidos do poder de julgar, em nome do povo, têm que dar conta do modo como exercem esse poder através da fundamentação das suas decisões, assim se legitimando a sua própria função.» (Mouraz Lopes, “Gestão Processual: Tópicos para um incremento da qualidade da decisão judicial”, in Julgar, n.º 10, janeiro-abril 2010, p. 143. No mesmo sentido, Rogério Bellentani Zavarize, A Fundamentação das Decisões judiciais. 1 ed. – Campinas/SP: Millennium, 2004, p.123; Lenio Luiz Streck e Igor Raatz, O Dever de Fundamentação das Decisões Judiciais sob o Olhar da Crítica Hermenêutica do Direito, doi:10.12662/2447-6641oj.v15i20.p160-179.2017, Julho de 2017, https://www.researchgate.net/publication/322218024; Michele Taruffo, Il controllo di razionalità della decisione fra logica, retorica e dialettica  https://iris.unipv.it/handle/11571/210955?mode=full.47#record, Francesco Conte, Il Significato constituzionale dell´obblligo di motivazione. In: GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (Coord.) págs. 30-31, https://books.google.pt).

A independência e a imparcialidade do Juiz devem, pois, transparecer do apuramento objectivo dos factos da causa e da interpretação válida das normas de direito, em obediência ao espírito e à letra da lei.

O dever de fundamentação das decisões judiciais, seja qual for a jurisdição em que sejam proferidas, é, pois, um dos alicerces do Estado de Direito Democrático, na medida em que assegura que o processo seja justo e equitativo, de harmonia com o disposto no art. 20º nºs 4 e 5 da Constituição, em face da aptidão do princípio da motivação para impedir a arbitrariedade e a descriminação, bem assim, para conferir imparcialidade às decisões, assegurando, por esta via, o respeito pelos direitos liberdades e garantias fundamentais dos seus destinatários, em sintonia com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da proporcionalidade, nos termos dos arts. 2º; 13º e 18º da Constituição, respectivamente.

Em suma, o princípio da exigência de fundamentação assume-se como garantia da imparcialidade do juiz, do controle da legalidade da decisão, e da possibilidade de impugnação das decisões, a par da possibilidade de controle do exercício do poder judiciário fora do contexto processual, por parte do povo em nome de quem deve ser feita a administração da justiça, no contexto de uma concepção democrática do poder.

«(…) O dever de fundamentação transporta para o domínio do processo penal questões de ética relacionadas com a salvaguarda da liberdade pessoal e com a função estadual punitiva.
«No fundo, o dever de fundamentação abraça múltiplos princípios de densidade constitucional como o da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da imediação e da contraditoriedade, da presunção de inocência, do direito à tutela efectiva e da livre apreciação da prova» (José Tomé de Carvalho, Breves Palavras Sobre a Fundamentação da Matéria de Facto no Âmbito da Decisão Final Penal no Ordenamento Jurídico Português, In Julgar, nº 21, Setembro-Dezembro de 2013, p. 78).
Assim é que o dever de fundamentar uma decisão judicial é uma consequência da previsão contida no artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
«Tratando-se de um princípio fundamental no ordenamento jurídico nacional, a sua concretização normativa, nos vários ordenamentos, não pode deixar de concretizar as várias dimensões onde se sustenta: generalidade, indisponibilidade, completude, publicidade e concretização do duplo grau de jurisdição.» (Mouraz Lopes, “Gestão processual: tópicos para um incremento da qualidade da decisão judicial”, in Julgar, n.º 10, janeiro-abril 2010, p. 143).
Assim é que o dever de fundamentar uma decisão judicial é uma consequência da previsão contida no artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
Na vertente processual penal, este imperativo constitucional densifica-se em várias disposições legais, desde logo, no princípio geral consagrado no art. 97º nº 5 do CPP, quanto à exigência da especificação dos motivos de facto e de direito de qualquer decisão.
Mais especificamente, no que se refere à sentença, o artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal impõe, a propósito do requisito da fundamentação, que a mesma contenha a «exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
Acontece que a nulidade da omissão de pronúncia prevista no art. 379º nº 1 al. a) do CPP é exclusiva das sentenças, o que não é o caso da decisão recorrida que é um despacho interlocutório.
Não que este não possa ser atacado por nele não ter sido tomada posição expressa sobre alguma das questões que pretendia ou deveria apreciar, mas, em tal caso, a omissão constituirá uma mera irregularidade, conforme aos princípios da legalidade e da tipicidade das nulidades processuais, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 118º nºs 1 e 2; 119º; 120º e 123º do mesmo código (cfr., nesse sentido, Acs. da Relação do Porto de 21 de Janeiro de 2004, in CJ, XXIX, 1, pg. 204, e de 21 de Dezembro de 2015, in CJ, XXX, 5, pg. 234, de 11.04.2018, processo 3433/12.6TAVNG.P1 e da Relação de Lisboa de 13.02.2019, processo 324/14.0TELSB-CB.L1 e de 11.09.2019, processo 6/16.8ZCLSB-A.L1-3, in http://www.dgsi.pt).
Feito este ponto de ordem, a decisão recorrida não padece de irregularidade alguma, na medida em que tomou posição expressa sobre as questões suscitadas pelos recorrentes – que eram a da aplicação da lei mais favorável, nos termos do artigo 3°, n° 2, do Decreto-Lei n° 433/82 de 27 de Outubro atenta a entrada em vigor da Lei n° 28/2017 de 30 de Maio e a redacção dada pela mesma aos artigos 399°-A, n° 1, alínea a) e 420°, n° 2, ambos do CdVM e a da extinção do procedimento contraordenacional – tendo decidido o indeferimento das mesmas, por considerar que já tinham sido decididas por decisão judicial anterior transitada em julgado e por se encontrar esgotado o poder jurisdicional em tal matéria, invocando para o efeito, a sentença de cúmulo jurídico proferida em 8 de Junho de 2018, o trânsito em julgado da mesma e o disposto no art. 613º do CPC, o que pode não ser a pronúncia desejada pelos recorrentes, mas é, ainda assim, uma pronúncia dotada de uma argumentação de facto e de direito.

O recurso improcede, nesta parte.

Quanto ao erro de direito da decisão recorrida.

Os recorrentes AMS_____ e FP_____ começam por se insurgir contra o despacho recorrido, em virtude de lhe imputarem um erro de direito, materializado na afirmação de que com a prolação da sentença de cúmulo jurídico de 6 de Junho de 2018, ficou esgotado o poder jurisdicional, no que se refere a qualquer decisão em torno da escolha do regime jurídico que em concreto for o mais favorável, na sequência da entrada em vigor da Lei 28/2017 de 30 de Maio.

Nos termos do art. 613º do CPC, uma vez proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, ressalvando-se os casos de rectificação de erros materiais, que a lei considera lícito suprir (cfr. as normas contidas nos nºs 1 e 2 do preceito em conjugação com o art. 614º que autorizam a correcção, por simples despacho, de erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto).

Tal regime é aplicável aos despachos por força do n.º 3 do preceito e deixa, determinantemente, de fora do seu âmbito de aplicação, os erros de julgamento, em homenagem ao princípio da intangibilidade das decisões judiciais, mas admitindo-lhe desvios, embora apenas na estrita medida necessária e suficiente para garantir que a vontade declarada na sentença ou no despacho corresponda à vontade do juiz, por não fazer sentido «que subsista vontade diversa daquela que o juiz teve em mente incorporar na sentença ou despacho», quando seja notório e evidente que o juiz foi vítima de erro ou engano, tendo escrito uma coisa quando, sem sombra de dúvida, queria escrever outra (Alberto dos Reis, CPC anotado, vol. V, págs. 130 e 132).

Salvaguardadas a possibilidade de modificação oficiosa da sentença para colmatar erros materiais ou de cálculo, que sejam manifestos, ou as contempladas no art. 616º quanto a evidentes e inquestionáveis erros de julgamento resultantes de lapso, seja, na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos (al. a); seja, no caso de constarem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, por si só, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida (al. b), nestes dois casos, sendo a reforma da iniciativa exclusiva das partes e desde que da decisão não caiba recurso, um juiz não pode reapreciar o que já decidiu, nem «dar o dito por não dito», invertendo ou alterando decisão anteriormente tomada.

No processo penal, por aplicação do disposto no art. 380º do CPP, o Juiz pode, oficiosamente ou a requerimento, proceder à correção da sentença (i) quando não tenha sido integralmente observado o disposto no artigo 374º; (ii) e quando a sentença contenha erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.

A extinção do poder jurisdicional subsequente à prolação da decisão envolve, assim, dois efeitos incontornáveis: um positivo, que se materializa na vinculação do tribunal à decisão que proferiu e um negativo traduzido na impossibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar.

E tem também uma dupla justificação, doutrinária e pragmática. A «razão doutrinal: o juiz, quando decide, cumpre um dever – o dever jurisdicional – que é a contrapartida do direito de acção e defesa. (…) E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever pelo respectivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se. A razão pragmática consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional.(…)» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, 1981, volume V, p. 127, em anotação ao art. 666.º do CPC de 1939).

O princípio da extinção do poder jurisdicional, do qual decorre esta impossibilidade de o juiz, por sua iniciativa, alterar o sentido da decisão proferida dá concretização à necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional e, assim, evitar a desordem, a incerteza, a confusão.

Daí que prevalência da decisão que transitou em primeiro lugar, importe a ineficácia da decisão objecto de trânsito em julgado posterior, constituindo ainda fundamento de oposição à execução que venha a ser instaurada com base em tal decisão (art. 729º al. f) do CPC) (no sentido de que a sanção para a decisão contraditória com trânsito em julgado posterior é a sua ineficácia jurídica, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil, Anotado, Vol. I Almedina 2018, pág. 748 e Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Coimbra Editora, 2001, pág. 693. No sentido da inexistência jurídica da segunda decisão, entre outros, Acs. dos STJ de 06.05.2010, proc. 4670/2000.S1, de 12.03.2015, proc. 756/09.5TTMAI.P2.S1, Acs. da Relação do Porto de 13.02.2013, proc. 2193/10.0 TAMTS.P1, da Relação de Guimarães de 22.05.2014, proc. 7231/08.3YIPRT.B.G1, da Relação de Coimbra de 20.10.2015, proc. 231514/11.3YIPRT.C1, da Relação de Guimarães de 20.03.2018, proc. 911/17.4T8VNF-B.G1, da Relação de Lisboa de 09.03.2021, proc. 23822/17.9T8LSB-H.L1-7, in http://www.dgsi.pt).

Aparte a sua qualificação jurídica como ineficácia ou inexistência jurídica, o art. 625º do CPC estabelece, no nº1, que a inobservância do princípio em causa dá origem à existência de casos julgados contraditórios, seja no mesmo processo, seja em processo distinto, e que, para remover o conflito, a lei, baseando-se no princípio de prioridade, considera que, havendo duas decisões contraditórias, vale aquela que primeiramente tiver passado em julgado e o nº 2 acrescenta que este princípio da prioridade do trânsito em julgado vale igualmente para as decisões que, num mesmo processo, versem sobre a mesma decisão concreta da relação processual.

Efectivamente, a inobservância do princípio do esgotamento do poder jurisdicional, nos termos acabados de expor, traduz a violação do caso julgado.

O caso julgado é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso do Tribunal cuja finalidade é evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior e que implica a absolvição do réu da instância (arts. 577º al. i); 580º nºs 1 e 2; 581º e 628º do CPC).

A sua procedência obsta ao conhecimento do mérito da causa, como forma de assegurar a imodificabilidade da decisão transitada e, por essa via, salvaguardar o prestígio do sistema judicial, a segurança e a certeza nas relações jurídicas, exigindo-se que os Tribunais respeitem ou acatem a decisão anterior, não julgando de novo a mesma questão.

O caso julgado expressa os valores da segurança e certeza jurídicas e constituí uma exigência de eficácia e funcionalidade dos tribunais, de boa administração da justiça e de salvaguarda da paz social (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 568: no mesmo sentido, Alberto dos Reis, CPC Anotado, Volume III, p. 94, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 282 e 283; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, p. 309 e 310; Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Volume I, p. 38).

Traduz-se na propositura de uma acção idêntica a outra já decidida, por sentença transitada em julgado, conforme resulta das disposições legais contidas nos arts. 580º nº 1 e 581º do CPC.

Na base do caso julgado está um fenómeno de repetição de causas, se bem que ele preexista a essa repetição, na medida em que se forma, logo que a decisão judicial transite em julgado.

O trânsito em julgado verifica-se quando estejam esgotados os recursos ordinários ou a possibilidade de reclamação nos termos dos arts. 628º e 629º e, bem assim, quando a decisão nem sequer seja susceptível de recurso ordinário, nos termos do art. 629º do CPC.

Em suma, verifica-se logo que a decisão judicial, por alguma destas razões, se torne insusceptível de ser impugnada ou alterada.

A lei processual civil portuguesa reconhece duas espécies de caso julgado – o formal e o material.

Em ambos os casos, para que se verifique o caso julgado, é pressuposto que uma decisão tenha transitado em julgado e que as partes e a acção sejam as mesmas.

No caso julgado material, a identidade de acções é referida aos sujeitos, à causa de pedir e ao pedido, enquanto que, no caso julgado formal, a identidade de acções é apreciada, exclusivamente, através das peças processuais, numa mesma acção judicial.

Assim, a ofensa do caso julgado material depende de uma decisão contrariar uma outra, que lhe seja anterior, já transitada em julgado, proferida entre as mesmas partes, sobre o mesmo pedido, baseada na mesma causa de pedir (artigos 580º nºs 1 e 2 e 581º e 621º e 625º do CPC), ou seja, tendo por objecto a mesma relação material controvertida, noutra acção judicial.

Por seu turno, a ofensa do caso julgado formal verificar-se-á, se e quando, no mesmo processo, é proferida uma decisão contrária a outra sobre a relação processual, salvo se esta, por sua natureza, for insusceptível de recurso (artigo 620º do CPC).

O caso julgado formal envolve força obrigatória, mas apenas dentro do processo – art. 620º do CPC.

Visa, apenas, salvaguardar a ordem e disciplina, no âmbito restrito do processo em que uma decisão é proferida, através do fenómeno da preclusão.

«O caso julgado formal constitui-se numa sentença ou despacho de mera forma, que uma vez transitada obsta a que a questão por ele (ou ela) resolvida seja novamente suscitada no mesmo processo, não impedindo, contudo, que em nova acção sobre o mesmo objecto se profira decisão contrária. Trata-se de uma questão imutabilidade formal. Ou seja, o caso julgado formal pressupõe a repetição de qualquer questão sobre a relação processual dentro do mesmo processo judicial» (Ac. do STJ de 26.09.2002, in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Anselmo de Castro, in Direito Processual Declaratório, vol. 2º, pág. 14; Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pág. 139; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, pág. 308; Rodrigues Bastos, Notas ao CPC. Vol. III, p. 257).

Diversamente, o caso julgado material implica força obrigatória, no processo e fora dele (art. 619º nº 1 do CPC), pois que, uma vez proferida a sentença de mérito que conheça da relação jurídica substantiva, declarando os direitos e obrigações correspectivas de cada uma das partes na causa, seja qual for o seu conteúdo, ela adquire, uma vez transitada em julgado, além da eficácia intraprocessual, a força obrigatória própria do caso julgado material, traduzida na consequente virtualidade de adquirir carácter vinculativo noutro processo, diferente daquele em que foi proferida.

«O caso julgado material forma-se em relação à decisão judicial sobre uma relação ou situação jurídica material concreta, atribuindo-lhe o valor jurídico de vincular as partes, dentro e fora do processo em que foi proferida, impedindo uma nova e diversa apreciação - no mesmo ou em novo processo - sobre a mesma questão; É uma questão de imutabilidade substancial. Ou seja, por outras palavras, a decisão “recai sobre a relação material ou substantiva litigada”» (Ac. do STJ de 26.09.2002, in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. III, p. 96; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, pág. 308; Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pág. 138; Rodrigues Bastos, Notas ao CPC. Vol. III, p. 257; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 569).

Estas regras encerram princípios gerais de intangibilidade das decisões judiciais,   de segurança jurídica e de observância da autoridade específica do caso julgado e seus efeitos jurídicos vinculativos dentro do processo e fora dele, que são aplicáveis também em processo penal e em processo contraordenacional, por força do disposto no art. 4º do CPP e do art.74º nº 4 do RGCO e do art. 407º do CdVM (cfr. Ac. do STJ de 24.09.2015, proc. 213/12.2TELSB-F.L1.S1-5, in http://www.dgsi.pt) e por identidade de razões.

Ora, como resulta da simples comparação literal entre os requerimentos apresentados por cada um dos recorrentes AMS_____ e FP_____, em 4 de Abril de 2018 prévios à elaboração do cúmulo jurídico das coimas e à extinção das sanções acessórias através da sentença de 8 de Junho de 2018 e os requerimentos que os mesmos recorrentes apresentaram em 5 e 9 de Junho de 2020, as pretensões por ambos deduzidas naqueles dois diferentes momentos temporais são exactamente as mesmas: podem ter estilo literário ligeiramente diferente, mais ou menos citações doutrinárias, mas em substância, em argumentos de facto e de direito e em efeitos jurídicos pretendidos, que é o que releva, para este efeito, os dois conjuntos de requerimentos - os de 4 de Abril de 2018 e os que foram apresentados em 5 e 9 de Junho de 2020 - são, pelo menos, na parte atinente à aplicação do regime concretamente mais favorável resultante da entrada em vigor da Lei 28/2017 de 30 de Maio, que é a questão sobre a qual versou o despacho recorrido, exactamente iguais.

Tanto o arguido recorrente FP_____, como o arguido recorrente AMS_____ pretendem que lhes seja aplicada a Lei n° 28/2017, de 30 de Maio na redação dada pela mesma aos artigos 399°-A, n° 1, alínea a) e 420°, n° 2, ambos do CdVM, por considerarem que a mesma é mais favorável em concreto, na medida em que a sua aplicação implica a extinção da execução das coimas que lhes foram aplicadas nestes autos, porque:
Estão em causa, nestes autos, assim como no processo crime 7327/07.9TDLSB e no processo de contraordenacional n.° 74453/10.4TFLSB essencialmente os mesmos factos, os quais se encontram indissociavelmente ligados no espaço e no tempo e conexos entre si;
E desses factos, o que resulta é que os seus comportamentos são subsumíveis à manipulação de mercado, depois da entrada em vigor da Lei 28/2017 de 30 de Maio, tipificada como contraordenação pelo novo art. 399º A;
Através da Lei n.° 28/2017, de 30 de Maio, foram introduzidas alterações ao Código de Valores Mobiliários, mormente a criação do artigo 399-A, cujo nº 1 al. b) determina que constitui contraordenação muito grave «a violação da proibição de manipulação de mercado, exceto se tal facto constituir também crime».

Como a conduta dos Recorrentes integra a prática do crime de manipulação de mercado e após a entrada em vigor da Lei n.° 28/2017, de 30 de Maio, tal como decorre do art. 399.°-A, n.° 1, al. b), do CdVM, deixou de ser punível como contraordenação, pois constitui crime e porque, por um lado, a redação do artigo 420, n° 2, do CdVM introduzida pela Lei 28/2017, exclui da acumulação prevista no nº 1 a prática da manipulação de mercado, que consta do citado artigo 399-A, n.° 1, al. b) e, por outro lado,  é aplicável o princípio da aplicação retroactiva da lei concretamente mais favorável consagrado no art. 3º nº 2 do RGCO por efeito da remissão contida no art. 407º do CdVM e as coimas ainda não foram executadas, o procedimento contraordenacional terá de ser extinto, sob pena de violação do ne bis in idem, uma vez que se impõe a aplicação imediata do disposto no artigo 399.°-A, n.° 1, al. b) e do art. 420º nº 2 do CdVM, na redacção dada pela Lei n.° 28/2017, de 30 de Maio.

A primeira constatação a fazer é a de a esta questão já tantas vezes e tão obstinadamente suscitada, debatida e rebatida, a sentença que reformulou o cúmulo jurídico proferida em 8 de Junho de 2018 já lhe respondeu, já a apreciou e já a decidiu.
Com efeito, nos termos dessa decisão, tal como resulta da factualidade acima enumerada e do excerto transcrito da mesma que versa sobre os pedidos de 4 de Abril de 2018 de aplicação dos arts. 399°-A n° 1 al. b) e do art. 420º nº 2 do CdVM, na redacção dada pela Lei n.° 28/2017, de 30 de Maio, foi explicado aos mesmos recorrentes que a sua pretensão de que as infracções em que foram condenados, nestes autos, fossem qualificadas como manipulação de mercado à luz do referido art. 399º A do CdVM jamais poderia ter acolhimento, porque a sentença de 18 de Janeiro de 2013 que conheceu da impugnação judicial da decisão proferida pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, CMVM, nos autos n° 42/2008 e que as qualificou como infracções p. e p. pelos arts. 389º nº 1 al. a) e 388º nº 1 al. a) do CdVM já havia transitado em julgado, depois de negado provimento e/ou rejeitados todos os recursos que dela foram interpostos para o Tribunal da Relação de Lisboa e para o Tribunal Constitucional, o que aconteceu em 27 de Março de 2015.

Tal decisão, precisamente, porque estava em causa uma questão prévia cuja decisão, sendo um antecedente lógico da realização do cúmulo jurídico, importava dilucidar, pois poderia determinar a extinção do procedimento contraordenacional, analisou e explicou as razões de facto e de direito ao abrigo das quais decidiu indeferir, como indeferiu, os pedidos de aplicação imediata do disposto no artigo 399.°-A, n.° 1, al. b) e do art. 420º nº 2 do CdVM, na redacção dada pela Lei n.° 28/2017, de 30 de Maio, ex vi do art. 3º nº 2 do RGCO e do art. 407º do CdVM.

São particularmente expressivos os seguintes excertos da mesma sentença de 8 de Junho de 2018:
«No caso sub judice a decisão de mérito proferida nos presentes que apreciou os factos imputados aos recorrentes e condenou os mesmos em coimas e sanções acessórias, transitou em julgado em 27.03.2015, conforme despacho de 23.10.2015, também este transitado em julgado» e (…). «A tal acresce que a realização ou reformulação do cúmulo jurídico de coimas parcelares e sanções acessórias na sequência da declaração de prescrição proferida no despacho de 23.10.2015, transitado em julgado, não afasta de todo o caso julgado ocorrido 27.03.2015 nos presentes autos, uma vez que com este se estabilizaram os factos, a subsunção dos mesmos ao direito para efeitos de condenação/absolvição, as coimas parcelares e as sanções acessórias pelos quais os ora recorrentes se mostram condenados, encontrando-se nesta parte esgotado o poder jurisdicional, que ora se limita à aludida reformulação do cúmulo jurídico, não se encontrando em causa neste momento e ao contrário do alegado pelos recorrentes, qualquer procedimento criminal ou contraordenacional em curso, qualquer apreciação e submissão de factos a prova e/ou subsunção dos mesmos ao direito, com vista a prolação de condenação ou absolvição da prática de contraordenação, ou seja qualquer decisão de mérito relativamente a factos com vista a considerar os mesmos provados ou não provados (…).»

Inclusivamente, esta sentença de 8 de Junho de 2018, procedeu à aplicação da referida Lei 28/2007 de 30 de Maio, na parte em que a mesma era, realmente, mais favorável, em concreto, tanto assim, que, foi por essa exacta razão que as sanções acessórias em que os arguidos recorrentes haviam sido também condenados, neste processo, foram declaradas extintas, ao abrigo da redacção do artigo 420°, n° 3, do CdVM, resultante da mesma Lei 28/2007 de 30 de Maio, ex vi do artigo 3º n° 2, do Decreto-lei n° 433/82 de 27 de Outubro, após determinação das coimas única e sanções acessórias a aplicar, em resultado do desconto das sofridas no processo crime e no processo contraordenacional instaurado pelo Banco de Portugal, o tal processo crime 7327/07.9TDLSB e o tal processo de contraordenação 74453/10.4TFLSB.

Ora, com a prolação desta sentença, ficou, efectivamente, esgotado o poder jurisdicional quanto a esta temática.

E com a confirmação integral desta decisão cumulatória pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 11 de Julho de 2019, o que ali se decidiu, no sentido de não estarem verificados os pressupostos de facto e de direito que permitem a aplicação retroactiva da lei concretamente mais favorável, ganhou a força vinculativa própria do caso julgado material, porque o referido acórdão está ele próprio transitado em julgado desde 19 de Novembro de 2020.

O acerto do despacho recorrido é total, pois não seria lícito ao Juiz voltar a pronunciar-se sobre esta questão, uma vez que já a havia decidido, na sentença de 8 de Junho de 2018 e com trânsito em julgado.

E o que também não é lícito, correspondendo até a um manifestamente abusivo exercício do direito de acção e ao recurso (que só não é sancionável pela litigância de má-fé porque a natureza do presente processo não o permite), é que os sujeitos processuais confundam a sua dissidência quanto ao desfecho das decisões judiciais e dos recursos delas interpostos, resultante da penosidade que envolve o cumprimento das decisões  condenatórias já definitivamente proferidas nestes autos, com argumentos que só aparentemente são jurídicos, aproveitando-os para formularem insistentemente sempre os mesmos pedidos sobre assuntos já decididos e contra a força vinculativa do caso julgado, protelando injusta e injustificadamente a execução das suas condenações.

Não está, nem nunca esteve em causa que no processo contraordenacional, e mais precisamente neste processo, seja plenamente aplicável o princípio da aplicação retroactiva da lei que em concreto se mostre mais favorável, porque isso resulta expressamente dos arts. 3º nº 2 do RGCO e do art. 407º do CdVM.

 O princípio da legalidade em matéria criminal nas suas três perspectivas, de princípio da legalidade propriamente dito, que se reconduz quase integralmente à reserva de lei, na acepção de que só à lei compete para definir os crimes e as respectivas penas  (nullum crimen sine lege), de proibição de retroactividade (nullum crimen, nulla pena, sine lege praevia) e de princípio da tipicidade, cujas manifestações mais óbvias e mais importantes são a especificação clara e suficiente dos factos que constituem o tipo legal de crime e a proibição de analogia (cfr. Jorge Miranda, Os Princípios Constitucionais da legalidade e da aplicação da lei mais favorável em matéria criminal in O Direito, 1989, IV, p 685 e Gomes Canotilho e Vital Moreira Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 1ª edição brasileira, 4ª edição portuguesa, Coimbra Editora, p. 494), também tem como corolário o princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável consagrado, tanto na Constituição, como no Código Penal (arts. 29º da CRP e 2º nº 4 do CP).

Deles resulta que a lei não pode qualificar como crimes factos ocorridos em data anterior à do início da sua vigência, nem aplicar a crimes anteriormente praticados penas mais graves.

Em contrapartida, deixa de ser considerado crime o facto que lei posterior venha despenalizar e deixa de ser aplicável a lei que estiver em vigor ao tempo da prática do facto, se, por efeito de lei posterior, este passar a ser menos severamente punível.

São essencialmente dois os fundamentos da proibição de aplicação retroactiva da lei penal: a razão jurídico-política da garantia do cidadão face ao ius puniendi estatal e a função preventivo-geral de intimidação ou dissuasão imputada à pena.

Ora, os princípios da igualdade e da necessidade da pena também impõem a solução descriminalizadora, tal como a aplicação da lei penal mais favorável: «Se a lei penal posterior suprimir uma norma incriminadora, será injusto que agentes de factos idênticos mereçam tratamento radicalmente diferente (punição e não punição), conforme tais factos sejam perpetrados antes ou depois da revogação da norma» (Fernanda Palma, A aplicação da lei no tempo: a proibição da retroactividade in pejus in Jornadas sobre a revisão do Código Penal, Lisboa, AAFDL-1998).

Já a aplicação retroactiva da lei penal favorável (retroactividade in melius) constituí um princípio autónomo e não propriamente só uma excepção à irretroactividade da Lei Penal, estabelecendo o art. 29º nº 4, segunda parte, da CRP a sua obrigatoriedade, de harmonia não só com o princípio da igualdade, já que «se o legislador deixa de considerar criminalmente censurável uma determinada conduta, ou passa a puni-la menos severamente, então essa nova valoração legislativa deve aproveitar a todos, mesmo aos que já tenham cometido tal crime» Gomes Canotilho e Vital Moreira Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 1ª edição brasileira, 4ª edição portuguesa, Coimbra Editora, p. 496), mas também com os fins de prevenção geral e especial prosseguidos pelas penas e com um princípio da restrição mínima dos direitos fundamentais, próprio do Estado de Direito democrático, de acordo com o qual, perante uma nova avaliação do legislador penal acerca de que comportamentos devem ser penalizados ou despenalizados ou punidos com menor gravidade, esta deverá prevalecer, por ser a que melhor se coaduna com os fins das penas (cfr., também, Taipa de Carvalho, Lei Penal Intermédia, RPCC, Ano 2, nº 3, Julho-Setembro de 1992, p. 497 a 510).

Em matéria contraordenacional, vigora por imperativo constitucional e legal a regra da aplicação retroactiva da lei mais favorável – cfr. artigos 29º nº 4 da CRP, 2º nº 4 do Código Penal e 3º nº 2 do Decreto-Lei 433/82, aplicável “ex vi” artigo 407º do CdVM) – daí que o facto de em causa nos autos estarem contraordenações praticadas em data anterior à da entrada em vigor da Lei nova não constitui obstáculo a essa aplicação se esta lei se revelar mais favorável.

O problema, no caso vertente, é que não existe, nem nunca existiu, qualquer lei mais favorável a aplicar, como a simples leitura dos arts. 2º e 3º da Lei 28/2017 de 30 de Maio e o teor literal do dispositivo da sentença que conheceu da impugnação judicial da decisão administrativa e a confirmou, proferida em 18 de Janeiro de 2013, desde logo, elucidam.

Com efeito, aos recorrentes nunca foi aplicada neste processo qualquer coima pela prática de condutas integradoras de manipulação de mercado, nem como crime, nem como contraordenação, até porque, à data dos factos, assim como à data da prolação da sentença de 18 de Janeiro de 2013 que conheceu da impugnação judicial da decisão da CMVM que aplicou as coimas, do mesmo modo que à data do trânsito em julgado de tal sentença, ou seja em 27 de Março de 2015, nem sequer existia norma legal que previsse como ilícito de mera ordenação social a adulteração artificiosa das regras de funcionamento do mercado, mediante a divulgação de informação falsa, incompleta, exagerada ou tendenciosa, ou de operações de natureza fictícia ou outras práticas fraudulentas, sob a aparência de rigor ou idoneidade susceptíveis de determinar os investidores e demais operadores no mercado a tomarem decisões com base nessas manobras fraudulentas, pois este tipo de condutas apenas estava descrito como crime de manipulação de mercado, no art. 379º do CdVM, crime esse, pelo qual os arguidos foram julgados e condenados, num outro processo que é o processo 7327/07.9TDLSB.

Foi a Lei nº 28/2017 de 30 de Maio, que introduziu na ordem jurídica um novo tipo de infracção – precisamente o artigo 399º-A, do CdVM (cfr. art. 3º da citada Lei) que prevê comportamentos típicos de manipulação de mercado como contraordenações, a par da incriminação já constante do art. 379º do mesmo código, na sua anterior redacção.

Com efeito, nos termos do art. 399°-A, n° 1, alínea b), do CdVM, segundo a Lei n° 28/2017, de 30 de Maio, constitui «contraordenação muito grave: (...) b) A violação da proibição de manipulação de mercado, exceto se tal facto constituir também crime», previsão que não existia no CdVM antes da entrada em vigor daquela Lei 28/2017.  

É precisamente por força dos princípios da legalidade e da tipicidade em matéria criminal e também contraordenacional que jamais as condutas dos arguidos recorrentes que foram julgadas neste processo poderiam ter integrado a prática de uma infracção que só veio a ser tipificada em Junho de 2017, portanto, cerca de dez anos depois da última das infracções cometidas pelos recorrentes, a qual remonta já a 23 de Dezembro de 2007.

Com efeito, os ilícitos administrativos que lhes foram imputados são os previstos e puníveis pelos arts. 389º nº 1 al. a) e 388º nº 1 al. a) do CdVM e foi exclusivamente com base nestas normas jurídicas e no art. 7º do mesmo diploma, que foi efectuada a subsunção dos factos objecto deste processo ao Direito e realizado o correspondente enquadramento jurídico e foi exclusivamente destas mesmas normas jurídicas que foram retiradas as consequências sancionatórias, nelas previstas, quer ao nível do doseamento concreto das coimas parcelares, quer da escolha e determinação concretas das sanções acessórias.

Esse enquadramento jurídico foi exarado em decisões judiciais transitadas em julgado, especialmente a sentença proferida em 18 de Janeiro de 2013 que adquiriu a força vinculativa específica do caso julgado em 27 de Março de 2015, não podendo, pois, ser alterada, contrariamente ao que o recorrente AMS_____  pretende, nas conclusões sexta a nona do seu recurso, as quais carecem em absoluto de fundamento legal, quer por representarem uma ofensa clamorosa ao princípio da legalidade e da tipicidade, quer por afrontarem a força obrigatória e imutável do caso julgado.

O art. 389º nº 1 do CdVM contém a previsão legal da violação do dever de prestação de informação qualitativa, da entidade bancária, que embora se possa correlacionar com a manipulação de mercado, se reporta a um estágio muito anterior em que, independentemente de qualquer resultado, se pretende apenas assegurar a verdade e da transparência do mercado de valores mobiliários, portanto, desligada de qualquer manobra fraudulenta ou fictícia adequada ou efectivamente destinada a modificar as condições de formação dos preços, as condições normais da oferta ou da procura de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros ou as condições normais de lançamento e de aceitação de uma oferta pública, em suma, a adulterar artificiosamente as regras de funcionamento livre dos mercados que é a realidade que está tutelada no art. 379º e no art. 399º A do CdVM, em linha de correspondência com os considerandos da Directiva /2003/06/CE, em face da necessidade de garantir a integridade dos mercados financeiros e promover a confiança dos investidores, proibindo-se as práticas que coloquem em causa essa integridade.

Com efeito, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 52/2006 de 15 de Março do artigo 389º nº 1 do CVM, esta norma previa como contraordenação muito grave “a comunicação ou divulgação, por qualquer entidade ou através de qualquer meio, de informação relativa a valores mobiliários ou instrumentos financeiros que não seja completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”.

O art. 388º nº 1 al. a) fazia corresponder a tal contraordenação, uma coima entre os valores de € 25.000 e € 5.000.000.

Na sua actual redacção, que é que foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 52/2006 de 15 de Março (em vigor desde 30.03.2006), o art. 389º nº 1, alínea a), do CdVM, passou a prever como contraordenação muito grave, a comunicação ou divulgação, por qualquer pessoa ou entidade e através de qualquer meio de informação que não seja completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (al. a), a falta de envio de informação para o sistema de difusão de informação organizado pela CMVM (al. b), a prestação de informação à CMVM que não seja completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita ou a omissão dessa prestação (al. c).

Por sua vez, o artigo 388º, nº 1, alínea a), prevê a aplicação às contraordenações qualificadas como muito graves, de uma coima a fixar entre € 25.000 e € 5.000.000.

Estas normas não podem deixar de ser concatenadas com o art. 7º do CdVM, cuja redacção original dizia que:
1-Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.
2-O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.
3-O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.
4-À publicidade relativa a instrumentos financeiros e a actividades reguladas no presente Código é aplicável o regime geral da publicidade.

Porém por força da entrada em vigor, a 01.11.2007, do Decreto-Lei nº 357-A/2007 de 31 de Outubro, a mesma norma passou a ter a seguinte redacção no seu nº 1:
- “A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.”

Assim, enquanto que, na anterior redacção da norma citada apenas se aplicavam os requisitos de qualidade aí descritos, à informação que fosse susceptível de influenciar as decisões dos investidores, actualmente, tais requisitos são aplicáveis a toda e qualquer informação, convertendo, pois, a contraordenação tipificada nos arts 389º e 388º numa infracção de mera atividade, cujo preenchimento do tipo se esgota na realização da conduta proibida, independentemente de qualquer resultado.

Ora, «no âmbito do mercado de valores mobiliários uma tal antecipação da intervenção sancionatória de natureza contraordenacional justifica-se plenamente. A tutela dos valores em causa não se deve fazer por referência aos danos provocados ou às lesões de interesses efetivamente verificadas. Por um lado, porque neste tipo de mercado é muitas vezes difícil a identificação dos danos, na maior parte de natureza difusa; por outro lado, quando identificados os danos sobre o mercado eles são, em regra, já irreparáveis e incontroláveis; finalmente, porque com as práticas ilícitas se geram normalmente efeitos económicos em cadeia que transcendem o simples espaço de circulação dos valores em causa; por último, mas não menos importante, para um mercado tão rápido e sensível como este qualquer perigo é já um momento de danosidade efetiva, que nele permanece alimentando a desconfiança dos investidores. É pois compreensível, por exemplo, que o CdVM sancione a simples violação de deveres de informação ou a inexatidão desta» (Frederico Lacerda da Costa Pinto, “A tutela dos Mercados de Valores Mobiliários e o Regime do ilícito de mera ordenação social”, in AA.VV., Direito dos Valores Mobiliários, vol. I, Coimbra Editora, 1999, p. 300).

O bem jurídico tutelado pelo dever de prestação de informação qualitativa, subjacente a todo o direito dos valores mobiliários é a «(...) segurança do investimento e a confiança no mercado (…)” as quais são “condições essenciais ao regular funcionamento deste pois dela depende a decisão do investidor no sentido de aplicar, neste mercado, as suas poupanças» (Cfr. Sofia Nascimento Rodrigues in A Protecção dos Investidores em Valores Mobiliários, Coimbra, Almedina, 2001, pág. 26).

«É a existência de uma informação tão completa, verosímil e clara quanto possível que constitui a garantia essencial de funcionamento regular dos mercados» (Eduardo Paz Ferreira, “A informação no mercado de valores mobiliários”, in AA.VV., Direito dos Valores Mobiliários, Vol. III, Coimbra Editora, 2001, p. 145).

Cumpre ainda assinalar que a Lei 28/2017 de 30 de Maio nem sequer alterou os citados arts. 7º; 389º nº 1 al. a) ou 388º nº 1 al. a), como defluí com clareza do seu teor literal, mormente do seu art. 2º.

É completamente certo que com a entrada em vigor da Lei n° 28/2017 de 30 de Maio e por efeito da introdução do artigo 399°-A, n° 1, alínea b) e da redacção dada pela mesma ao art. 420° n° 2, ambos do CdVM, quando os factos integrem simultaneamente a contraordenação e o crime de manipulação de mercado, é legalmente impossível que o respectivo autor seja condenado simultaneamente por crime e por contraordenação.

A questão é que os recorrentes não se encontram nessa situação, porque os factos praticados pelos dois recorrentes FP_____ e AMS_____ pelos quais foram condenados, neste processo, não se subsumem, nem nunca se subsumiram à infracção prevista no art. 399º A nº 1 al. b) do CdVM que, de resto, nem se encontrava legalmente prevista às datas em que as infracções determinantes da condenação nestes autos, foram praticadas.

E é por esta simples razão que nem sequer há, nem alguma vez houve alguma lei concretamente mais favorável a aplicar, no presente processo, no que se refere ao tipo contraordenacional praticado pelos arguidos recorrentes nem sequer houve sucessão de leis no tempo e, portanto, mesmo que não houvesse impedimento legal decorrente da extinção do poder jurisdicional e consequente ofensa do caso julgado sempre se verificaria uma manifesta falta de fundamento legal para a pretensão  formulada, quer nos requerimentos de 4 de Abril de 2018, quer nos requerimentos de 5 e 9 de Junho de 2020 sobre os quais se pronunciou o despacho agora recorrido.

Por isso não faz qualquer sentido a invocação feita por ambos os recorrentes mas de que se citam, por ilustrativas as conclusões XIX e XX do recurso do arguido FP_____  de que «a Lei Nova introduziu o artigo 399.°-A ao CdVM que, comparado com a Lei Antiga, em particular o seu artigo 389.° do CdVM, tem conteúdo claramente mais favorável», nem a de que «em ambas as redacções legais (dadas pela Lei Nova e pela Lei Antiga), a conduta imputada ao Arguido constitui crime de manipulação de mercado, p. e p. no art. 379.° do CdVM», porque tal implica comparar duas infracções diversas, nos seus elementos constitutivos, nos bens jurídicos tutelados e nas sanções aplicáveis, portanto, incomparáveis entre si, ademais, sendo uma delas criada ex novo  e inexistente na ordem jurídica, quando os factos objecto deste processo foram praticados e permanecendo a outra (pré-existente aos factos e à qual estes se subsumem) inalterada pela entrada em vigor da Lei 28/2017 de 30 de Maio. 

Por isso também se torna despiciendo analisar toda a argumentação aduzida pelos recorrentes em torno dos princípios constitucionais sobre processo justo e equitativo e tutela judicial efectiva ou garantias de defesa, nos termos dos arts. 20, 29º nº 4, ou 32º nº 10 da CRP, perante a inexistência do pressuposto de base essencial à aplicação da retroactiva da lei concretamente mais favorável que é justamente a sucessão temporal de leis diferentes sobre a mesma infracção, a não ser para referir dois aspectos.

O primeiro sendo o de que o processo justo e equitativo não constituí uma via de sentido único para assegurar que a condenação dos autores de factos puníveis como crime ou como contraordenação acontece, mas com respeito pela verdade material e pelos direitos fundamentais das pessoas visadas.

A garantia constitucional do acesso a um processo justo e equitativo densifica-se em várias regras de que se destacam o direito à igualdade de armas e de tratamento, no processo, sendo proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias; a proibição da indefesa e o direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito, oferecer provas, controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras e, em geral, em condições de igualdade e ao longo de todo o processo, influenciarem as decisões a proferir, quanto aos factos e quanto à aplicação do direito, por forma a que nenhuma decisão seja tomada pelo tribunal sem prévia possibilidade de os intervenientes no processo a discutirem, contestarem e valorarem, o direito a prazos razoáveis de acção e de recurso, sendo proibidos os prazos de caducidade demasiado exíguos; o direito à fundamentação das decisões; o direito à decisão em prazo razoável; o direito de conhecimento dos dados do processo; o direito à prova e o direito a um processo orientado para a prossecução da justiça material (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, pág. 415 e 416, do vol. I, da 4.ª edição, da Coimbra Editora. No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, «A jurisprudência constitucional portuguesa e o direito processual civil», XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa, Coimbra Editora, 2008, p. 72; Guilherme Fonseca, «A defesa dos direitos - princípio geral da tutela jurisdicional dos direitos fundamentais», Boletim do Ministério da Justiça, n.º 344, 1985, p. 38; Lopes do Rego, «Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil», Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, p. 835 e Lopes do Rego, «Acesso ao direito e aos tribunais», Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Aequitas, 1993, p. 44; id., «O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil», Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, pp. 745 e 747; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 353/2008, 301/2009, 286/2011, 350/2012, 90/2013, 778/2014, 510/2015, 193/2016, 251/2017 e 675/2018, in https://www.tribunalconstitucional.pt).

Em contraponto, também, os sujeitos processuais estão vinculados a certos deveres, a começar pelo de lealdade processual e pelo de abstenção de comportamentos que não servem qualquer interesse legítimo e antes são colocados ao serviço de um propósito de entorpecimento da acção da Justiça.

No âmbito da relação jurídico-processual, «também as partes estão sujeitas aos mesmos princípios que vimos estarem subjacentes ao exercício da função jurisdicional — cabe-lhes exercerem os seus diversos poderes processuais segundo regras de “método lógico”. Neste sentido — neste sentido processual —, entre o exercício da função jurisdicional e a actuação dos sujeitos processuais deveria verificar-se uma plena “congruência”: cada resultado “adquirido”, legítimo e incontestado, não só auto-vincularia o tribunal, como vincularia, outrossim, os restantes sujeitos processuais. Isto conduziria a que a tutela decorrente do venire contra factum proprium, que se desenvolve no âmbito do processo jurisdicional, corresponderia não só a uma tutela “objectiva”, como também a uma tutela “subjectiva”, pessoalizada em cada uma das “partes”. (Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial, Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção Num processo de Estrutura Acusatória”, Porto, 2002, Publicações Universidade Católica, pág. 154).

«O processo penal deve configurar-se, também do ponto de vista da atuação processual dos arguidos, como um due process of law» (Ac. da Relação de Évora de 07.03.2017, proc. 366/05.6PATNV-D.E1, in http://ww.dgs.pt).

De nada adianta afirmar insistente e obstinadamente que os factos objecto deste processo integram a prática pelos arguidos recorrentes da contraordenação de manipulação de mercado, p. e p. pelo art. 399º A nº 1 al. b) do CdVM porque nem essa repetição terá a virtualidade de alterar a factualidade considerada provada, neste processo e o correspectivo enquadramento jurídico, muito menos, converter em certa uma premissa completamente errada, qual seja a de que as contraordenações cometidas pelos arguidos recorrentes que justificaram as suas condenações nestes autos passaram por efeito da entrada em vigor da lei 28/2017 de 30 de Maio a ser subsumíveis à previsão do art. 399º A do CdVM.

Condição essencial da aplicação retroactiva da lei concretamente mais favorável é que a sucessão de leis se verifique nos limites da mesma incriminação ou da mesma norma que prevê uma determinada infracção de mera ordenação social, de seguida, que essa alteração legislativa se verifique na correspectiva descrição típica ou nos limites mínimo e máximo das coimas aplicáveis ou das sanções acessórias.

Assim se dessa sucessão de leis no tempo, se verificar que a lei nova é mais favorável, ou porque baniu da ordem jurídica aquela concreta infracção ou porque lhe fez corresponder menos sanções ou sanções mais brandas, será essa a aplicável.

Mas isso não foi o que aconteceu, no caso.

As infracções não são sequer comparáveis entre si, nem por efeito da Lei 28/2017 de 30 de Maio, o art. 399º A substituiu a previsão contida nos arts. 389º nº1 al. a) e 388º nº 1 al. a) do CdVM, tratando-se ao invés, de dois ilícitos administrativos completamente distintos e autónomos, entre si. Os citados arts. 389º e 388º tinham a mesma redacção com que ficaram após a entrada em vigor da lei 28/2017 de 30 de Maio, a qual também não os revogou, mantendo-se em vigor até ao presente. O art. 399º A é uma norma inovadora que foi introduzida no CdVM precisamente pela Lei 28/2017 de 30 de Maio. 

E tudo isto já foi explicado aos recorrentes ad nauseam, nas múltiplas decisões que, desde 2013, decorridos que se mostram oito anos, quer o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, quer o Tribunal da Relação de Lisboa, quer o Tribunal Constitucional já tiveram de proferir sobre esta e outras questões.
O segundo aspecto é o de que, tendo os arguidos cometido infracções de falta de qualidade de informação p. e p. pelos arts. 389º nº 1 al. a) e 388º nº 1 al. a) do CdVM, em relação ao crime de manipulação de mercado p. e p. pelo art. 379º do mesmo código pelo qual também foram condenados, embora num outro processo, aplica-se de pleno, o princípio da acumulação entre responsabilidade penal e contraordenacional como expressamente admitido pelo art. 420º n° 1 do CdVM, que prevê que «se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contraordenação, o arguido é responsabilizado por ambas as infrações, instaurando-se processos distintos a decidir pelas autoridades competentes, (…)».

O recurso não merece provimento e pelas razões acima expostas, corresponde a um exercício completamente infundado e injustificado do direito ao recurso.


III–DISPOSITIVO

Termos em que decidem:
Negar provimento a ambos os recursos e, em consequência, manter na íntegra a decisão recorrida.
Ao abrigo das disposições conjugadas do art. 513º do CPP e do art. 8º do RCP e respectiva Tabela III anexa, condenar cada um dos recorrentes FP_____  e AMS_____  na Taxa de Justiça de 6 UCs.

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Tribunal da Relação de Lisboa, 24 de Novembro de 2021

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(Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelo Mmo. Juíz Adjunto).

                                  
Cristina Almeida e Sousa - Relatora -
                                                                                                
Alfredo Costa - Adjunto -
                                                                                                  -