Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLA MENDES | ||
Descritores: | CRÉDITO AO CONSUMO ENTREGA DE EXEMPLAR DO CONTRATO ABUSO DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/23/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | - Só com a entrega de um exemplar do contrato no momento da sua perfeição é que o consumidor pode inteirar-se do seu conteúdo, sopesar as vantagens e desvantagens do contrato, ajuizar da informação prestada pelo proponente, dissipar dúvidas e assegurar-se da transparência da negociação. - Esta omissão constitui nulidade atípica só invocável pelo consumidor. - A pretensão do aderente só deve ser desconsiderada nos casos em que a sua conduta for a todos os títulos censurável e injustificada, com grave prejuízo para a contraparte, a não ser assim, afastada está a invocação do abuso de direito por parte do proponente, uma vez que nas relações de consumo a regra é a da protecção do consumidor. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa C ... deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa intentada por Banco ..., concluindo pela extinção da execução com fundamento na falsidade da assinatura do contrato de mútuo/crédito e, caso assim se não entenda deverá ser declarada a nulidade deste contrato, por violação da legislação em vigor, restituindo-se à oponente todas as quantias que lhe foram penhoradas. Alegou, em síntese, que a execução tem como título executivo um contrato de crédito celebrado entre a oponente/executada e o Banco ..., como suporte de um contrato de compra e venda de serviços prestados pelo K... A opoente, em Julho de 2008, foi abordada por um representante do K..., informando-a de que estava habilitada para uma estada num hotel, solicitando-lhe o nome e o contacto. Posteriormente, foi contactada telefonicamente pelo K... de que tinha sido contemplada e teria que levantar um voucher no hotel ... Deslocou-se ao hotel onde assistiu a uma apresentação publicitária sobre as vantagens do cartão e como associada do K..., tendo sido informada de que tinha direito a um cartão de crédito por se associar. Foi informada que para usufruir das vantagens do cartão de crédito teria que assinar, naquele momento, um contrato de compra e venda, o que fez. Comunicaram-lhe que relativamente ao pagamento a opoente teria que pagar à K..., sem quaisquer juros, prestações mensais no valor de cerca de € 128,00. Não lhe foi entregue qualquer cópia do contrato assinado, não o facultaram para que pudesse ler, não lhe foi explicado o seu clausulado, nem que havia celebrado um contrato de crédito com o Banco/exequente, contrato este cuja existência era de todo desconhecida pela opoente até à instauração da execução. Impugna a letra e assinatura do contrato de crédito dado à execução encontrando-se o contrato rasurado. Jamais utilizou qualquer vantagem suportada pelos cartões de crédito que adquiriu com a K.... Na resposta, o Banco exequente concluiu pela improcedência da oposição concluindo pela prossecução da execução. Impugnou o alegado pela opoente, sustentando que a entidade fornecedora dos serviços ao efectuar a proposta oferecendo a possibilidade à opoente/executada de acesso a serviços hoteleiros a preços reduzidos e o acesso a outros benefícios, nomeadamente desconto no preço de compra de produtos aos estabelecimentos comerciais que utilizam a marca K..., informou-a de que deveria efectuar o pagamento integral da quantia de € 4.641,00 beneficiando de um voucher de desconto e, caso o não pudesse fazer, poderia recorrer a um financiamento junto de uma instituição financeira, opção essa tomada pela executada. Assim, na altura a executada/opoente assinou 2 contratos a saber: o contrato de aquisição de um serviço e o contrato de mútuo de financiamento do preço daquele. Subscrito o contrato de mútuo, escolheu a executada a opção C, i. é, suportaria, durante 48 meses, o pagamento do valor do financiamento, cuja prestação mensal era no valor de € 128,77. Acresce que a eventual nulidade do contrato consubstanciaria uma situação de abuso de direito uma vez que a executada, tendo assinado o contrato em Julho de 2008, sem que tenha solicitado à exequente quaisquer esclarecimentos só, em Janeiro de 2008, comunicar que pretende desvincular-se do contrato. Foi o requerimento de oposição liminarmente indeferido, por manifesta falta de fundamento, ex vi art. 732/1 c) NCPC. Foi proferido despacho saneador e elaborada a base instrutória – fls. 32 e sgs. Após julgamento foi prolatada sentença que julgou improcedente a oposição à execução. Não obstante ter considerado as cláusulas contratuais gerais excluídas do contrato por omissão do dever de informação, considerou válido o contrato de mútuo, ex vi art. 9 DL 446/85 de 25/10 – cfr. fls. 115 a 123. Inconformado, apelou a executada/opoente, formulando as conclusões que se transcrevem: 1ª. A questão a decidir nos autos seria a de avaliar se o contrato de aquisição do cartão K... e o contrato paralelo de financiamento celebrado com a recorrida, então exequente, eram, ambos válidos e eficazes. 2ª. Da matéria de facto assente ficou provado que a recorrente assinou um escrito designado “contrato de mútuo”, nas condições referidas nos factos provados de 9 a 12 e 15 e do qual consta, nomeadamente, que foi escolhida a opção “C”, referente à concessão de um crédito de € 4.664,32, a pagar em 48 prestações mensais de € 128,77cada, com juro de 14,00% e TAEG de 15,322%. 3ª. A sentença recorrida qualifica este contrato de crédito como sendo um contrato de adesão, pugna “(…) no que respeita ao contrato de crédito assinado com a exequente, ficou provado que a oponente assinou o contrato nos locais pré-estabelecidos, não tendo sido pela exequente provado ter dado cumprimento ao seu dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais que o integram”. 4ª. Com base na omissão deste dever de comunicação (por violação do art. 342/1 CC e art. 5/1 e 3 DL 446/85 de 25/10) a sentença recorrida concluiu “(…) pela inexistência jurídica das cláusulas contratuais gerais constantes do contrato de adesão celebrado com a exequente”. 5ª. Concluiu, igualmente, que esta inexistência das cláusulas contratuais gerais não implica a nulidade do contrato de mútuo assinado pela recorrente, à luz do princípio da conservação dos contratos singulares (art. 9 do DL 446/85 de 25/10) e, uma vez, que “(…) tendo ficado provado que a oponente assinou este clausulado, não pode haver dúvidas de que se desvinculou ao pagamento das aludidas mensalidades, sendo o objecto do contrato perfeitamente determinável ainda que nulas as cláusulas contratuais gerais constantes do seu verso”. 6ª. Andou mal o tribunal a quo. Vejamos, no caso vertente dos autos estamos perante um contrato inicial de aquisição do cartão K..., celebrado entre a recorrente e uma entidade e, um contrato de financiamento para essa aquisição, celebrado entre a recorrente e outra entidade, a recorrida, ambos os contratos celebrados nos moldes da matéria probatória assente e enumerada supra, segundo apurou o tribunal a quo, entendidos como contratos de adesão. 7ª. Mas, se o contrato de adesão celebrado entre a recorrente e a entidade promotora do cartão K..., aplicamos o regime do DL 446/85 de 25/10 em singelo, já ao contrato de financiamento, para apurar a sua validade, teremos de conciliar a aplicação do DL 446/85 de 25/10 (face aos moldes da contratação sob formulário) com o DL 133/2009, específica para a contratação do crédito ao consumo, a qual foi esquecida pelo tribunal a quo. 8ª. Da consonância destes dois diplomas legais apuramos que a contratação do mútuo está ferida de nulidade. 9ª. A recorrente não viu satisfeita pela recorrida, na data da contratação, quer do contrato de aquisição, quer do contrato de financiamento em causa dos autos, a obrigação do dever de comunicação, permitindo-nos concluir que também não terá sido cumprido o dever de informação (art. 6 DL 446/85 de 25/10) face à falta de cumprimento daquele outro, com o que, só a aposição da assinatura da recorrente não poderá ser sinónimo de que mesma ficou esclarecida e informada do teor e obrigações mutuárias ali contratadas. 10ª. O regime deste tipo de financiamento do DL 133/2009 com as sucessivas alterações, no qual se insere o contrato em apreço, obriga ao cumprimento pela entidade financiadora de vários requisitos e procedimentos, que não foram cumpridos pela recorrida, dada a forma de contratar explanada na matéria assente. 11ª. Obriga a que seja facultada uma cópia (exemplar) do contrato ao consumidor no momento da assinatura, e obriga a que sejam indicadas as condições em que a TAEG possa ser alterada, as condições de reembolso do crédito; a possibilidade de cumprimento antecipado e o método de custo; a descrição do bem; preço a contado, as garantias, incluindo as condições de utilização e o respectivo custo para o consumidor, entre outros prescritos pelo DL 133/2009 e suas alterações, que não foram cumpridas pela entidade financiadora, a recorrida. 12ª. A sentença recorrida violou o preceituado no art. 9 DL 446/85 de 25/10, a contrário e as disposições dos arts. 5, 6, 12 e 13 DL 133/2009 de 2/6. 13ª. Assim, a sentença recorrida deverá ser substituída por outra decisão que julgue procedente a oposição à execução. A exequente contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão sustentando que a invocação da nulidade do contrato constitui abuso de direito por parte da opoente. Factos apurados em 1ª instância: 1 – Correm termos neste Tribunal e Juízo uns autos de execução comum para pagamento de quantia certa, com o nº 85/10.1TBMTJ, em que são exequente o Banco ... e a executada C... 2 – Nesses autos, encontra-se junto, a fls. 7 e 8, um escrito designado “Contrato de Mútuo”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, do qual consta, nomeadamente, que foi escolhida a opção “C”, referente à concessão de um crédito de € 4.664,32, a pagar em 48 prestações mensais de € 128,77 cada, com juro de 14,00% e TAEG de 15,332%. 3 – Nos mesmos autos, a fls. 10, encontra-se um escrito cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e que consta de uma carta, com cabeçalho da exequente, endereçada à oponente, e datada de 26/5/2009, na qual se escreve: “Dirigimo-nos a V. Exas. Na condição de responsáveis pelo cumprimento das obrigações contratuais decorrentes do contrato em epígrafe. Face ao incumprimento do mencionado contrato, vimos notificá-los de que, caso V. Exas. não efectuem, no prazo de 8 dias, o pagamento do saldo em atraso, considera-se o contrato incumprido, vencendo-se todas as rendas previstas no referido contrato (…). 4 – Ainda nos mesmos autos, a fls. 9, encontra-se um escrito cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e que consta de uma carta endereçada à oponente e datada de 15/9/2009, na qual se escreve: “Na qualidade de advogados do Banco .., serve a presente para solicitar o pagamento da quantia de € 5.537,11, a que acrescerão os respectivos juros de mora desde a data do incumprimento (…)”. 5 – De fls. 23 e 243 dos presentes autos consta um escrito designado “Contrato de Associação” K..., no qual se encontra manuscrito o nome completo da oponente, e cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 6 – De fls. 26 dos presentes autos consta um escrito, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, com data de registo de aviso de recepção, dos CTT, de 27/1/2009, em que se encontra manuscrito o nome da oponente, e em que se escreve: “Exmos. Srs. Banco .... Eu C..., com o nº de associado 63000, residente (…) venho por este meio prescindir do contrato nº 6376393 – 71 (…) visto não corresponder à informação correcta dada pela entidade K... da qual fui contactada para me venderem um produto que nem corresponde à informação dada na altura em que me contactaram (…). 7 – Em Julho de 2008, a oponente foi abordada por um representante K..., na rua, informando-a de que estava habilitada a um sorteio para uma estada num Hotel, solicitando o nome e o contacto da oponente. 8 – A oponente facultou-lhe tais dados. 9 – A oponente recebeu, então, uma chamada telefónica do K... informando-a de que tinha sido contemplada e de que tinha de levantar o respectivo “voucher” no Hotel M...”. 10 – Ali, assistiu a uma apresentação publicitária das vantagens do cartão K.... 11 – Nessa ocasião, a oponente assinou vários documentos nos locais pré-estabelecidos. 12 – A letra e assinatura constante do escrito referido no ponto 2 “supra” foram apostas pela oponente. 13 – A oponente jamais usufruiu da qualquer serviço do cartão K... 14 – Os escritos referidos nos pontos 2 e 5 “supra” indicam como vencimento da oponente um vencimento superior. 15 – A oponente assinou o escrito mencionado no ponto 2 “supra” e, nessa ocasião, entregou os seus documentos. Colhidos os vistos, cumpre decidir. Atentas as conclusões da apelante que delimitam, como é regra, o objecto do recurso – arts. 684/3 e 685-B CPC – as questões a decidir consistem em saber se o contrato de mútuo é ou não nulo e se a actuação da opoente se enquadra no regime legal do abuso de direito por invocar a nulidade do contrato. Vejamos, então. Apurado ficou que entre a executada/opoente foram celebrados dois contratos, um deles de aquisição do cartão K... (prestação de serviços) e outro de financiamento com o Banco/exequente, ambos subscritos na mesma data – Julho de 2008. Com fundamento na omissão do dever de informação, as cláusulas contratuais gerais constantes do contrato de adesão/mútuo celebrado foram consideradas inexistentes – art. 8 DL 446/85 de 25/10. No entanto, ex vi do art. 9 DL 446/85 de 25/10, foi o contrato de mútuo considerado válido. A apelante pugna pela sua nulidade. O contrato de mútuo dos autos é um contrato de crédito ao consumo, definido no DL 391/91 de 21/9, em vigor ao tempo da sua outorga (cfr. art. 2/1 a). O contrato de crédito ao consumo deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura – art. 6/1 DL 359/91 (alterações constantes declaração de rectificação 119-B/91, in DR, I série –A, nº 218, Suplemento de 21/9/91, DL 101/2000 de 2/6, DL 82/2006 de 3/5 e DL 133/2009 de 2/6). Daqui se extrai que, o contrato de crédito ao consumo é um contrato formal e, como tal, deve ser entregue ao beneficiário do crédito, no acto da assinatura do contrato, um exemplar. Assim, a parte mais débil (consumidor) não só fica com a prova do contrato, como também fica com a possibilidade de se poder retratar (direito de retratação), ou seja, no período de reflexão (7 dias), pode revogá-lo – cfr. art. 8/1 DL 359/91. Outros requisitos obrigatórios do contrato são: a) TAEG; b) os elementos de custos referidos no art. 4 que não tenham sido incluídos no cálculo da TAEG, devam ser suportados pelo consumidor; c) as condições em que pode ser alterada a TAEG; f) o acordo sobre a reserva de propriedade. A inobservância destes requisitos presume-se imputável ao credor e a invalidade do contrato só pode ser invocada pelo consumidor – art. 4 DL cit. A entrega do exemplar do contrato, contendo a assinatura dos contraentes, constitui nulidade atípica, consubstanciando um direito potestativo que pode ser exercido “ad nutum”, imotivadamente, e está interligado com o direito à informação. Na verdade, só na posse do exemplar do contrato, no momento da sua perfeição é que o consumidor pode inteirar-se do seu conteúdo, sopesar as vantagens e desvantagens do contrato, ajuizar da informação prestada pelo proponente, dissipar dúvidas e assegurar-se da transparência da negociação. Tal não se compadece com a entrega posterior do exemplar do contrato, assinado pelo proponente que não consumidor, porquanto não cumpre o requisito legal da assinatura das partes no momento da celebração do contrato, uma vez que tal exigência, além de pressupor a vinculação recíproca que um contrato formal exige, desprotegeria o aderente, devendo considerar-se que, se o proponente não assina o contrato no momento em que o aderente o faz, incumprida fica a obrigação de informação, insanável a posteriori com o cumprimento da formalidade omitida, para além de violação do dever de reflexão – cfr. Ac. STJ de 28/4/2009, relator Fonseca Ramos www.dgsi.pt e Gravato Morais in “Contratos de Crédito ao Consumo” – 107. Este contrato é um contrato de adesão porquanto o consumidor subscreveu um contrato que, eventualmente, a par de cláusulas específicas que exprimem a particularidade de cada contrato, contém cláusulas previamente fixadas, de modo geral e abstracto, destinados à massa de consumidores e que não são passíveis de negociação. Neste tipo de contrato em que existe aceitação não negociada particularmente pelo aderente a lei, visando a sua protecção enquanto parte contratualmente mais fraca, impõe um “dever de informação” por parte do proponente. A lei protege o aderente relativamente ao proponente e, ainda que aquele não use da comum diligência para conhecer as cláusulas contratuais gerais adequadamente comunicadas pela contraparte, não fica inibido de invocar a nua nulidade substancial, decorrente das normas de proibição - cfr. Ac. STJ de 28/4/2009, já cit. e Joaquim Sousa Ribeiro, in “O problema do contrato – As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, Colecção Teses, Almedina – 372. Ora, tal como decidido na 1ª instância, tendo sido omitido pelo Banco exequente o dever de informação, as cláusulas contratuais gerais constantes do contrato de adesão/mútuo celebrado foram consideradas inexistentes – art. 8 DL 446/85 de 25/10. No entanto, não colhe o entendimento da 1ª instância no que concerne à validade do contrato de mútuo, alicerçada no art. 9 DL 446/85 de 25/10, cuja redacção é a seguinte: 1 – Nos casos previstos no art. anterior os contratos singulares mantém-se vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos. 2 – Os referidos contratos, são todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no nº anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa-fé. Este art., na esteira do princípio da redução – art. 292 CC – ao determinar que expurgado o contrato das cláusulas viciadas, é aplicável o regime próprio dos negócios jurídicos compagináveis com as cláusulas objecto de exclusão, salvaguarda a inexistência da nulidade do contrato, a menos que ocorra indeterminação insuprível do seu objecto ou desequilíbrio gravemente violador das regras de boa-fé. No entanto, este entendimento e esta regra não se aplicam ao caso em apreço. Na verdade, atento o supra explanado e os factos apurados, não tendo sido entregue, à opoente/consumidora, um exemplar do contrato no acto da assinatura do mesmo (não logrou o Banco exequente provar, de tal tendo o ónus), o contrato de mútuo é nulo, ex vi art. 7/1 DL 359/91 de 21/8 2 (nulidade atípica – cfr. Ac. STJ de 2/6/99, proc. 99B387). Afastada está a aplicação, in casu, do instituto do abuso de direito – art. 334 CC (excepção material de conhecimento oficioso). Para que haja abuso de direito, não é necessário que o titular do direito actue com a consciência de que excede os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social do direito. A lei considera verificado o abuso, prescindindo dessa intenção, bastando que a actuação do abusante, objectivamente, contrarie aqueles valores (concepção objectiva). Para que o exercício do direito seja abusivo é necessário que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder. É necessário que o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça – cfr. Prof. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 7ª ed. – 536. Compaginado o comportamento do Banco exequente, profissional do mercado de crédito, dispondo de um sem fim de meios logísticos, marketing e publicidade, e o quadro factual em que opoente/consumidora (parte mais fraca no contexto negocial) invocou a nulidade, não exprime abuso de direito, por não ser clamorosa e chocantemente violadora das regras de boa-fé. Destarte, o abuso do direito não tolhe, nem paralisa a pretensão da opoente, sendo certo que nas relações de consumo, conforme supra enunciado, a regra é a da protecção do consumidor, que só deve ser desconsiderada, em casos de conduta, a todos os títulos censurável e injustificada, com grave prejuízo para a contraparte o que, in casu, resulta à saciedade não ter sucedido. Acresce, que a pretensão da opoente, tendo em conta a conduta do do Banco exequente, evidenciando grosseira violação das regras de boa-fé, afastou a aplicação do instituto do abuso do direito. Assim, tal como referido supra, o contrato de mútuo é nulo e, como tal, a oposição à execução procede, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado/penhorado, ex vi do art. 289 CC. Concluindo: 1 – Só com a entrega de um exemplar do contrato no momento da sua perfeição é que o consumidor pode inteirar-se do seu conteúdo, sopesar as vantagens e desvantagens do contrato, ajuizar da informação prestada pelo proponente, dissipar dúvidas e assegurar-se da transparência da negociação. 2 – Esta omissão constitui nulidade atípica só invocável pelo consumidor. 3 – A pretensão do aderente só deve ser desconsiderada nos casos em que a sua conduta for a todos os títulos censurável e injustificada, com grave prejuízo para a contraparte, a não ser assim, afastado está a invocação do abuso de direito por parte do proponente, uma vez que nas relações de consumo a regra é a da protecção do consumidor. Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogando-se a sentença, julga-se procedente a oposição à execução - declara-se que a nulidade do contrato de mútuo, devendo ser restituído à opoente todas as quantias penhoradas, e a execução extinta. Custas pelo Banco apelado Lisboa, (Carla Mendes) (Octávia Viegas) (Rui da Ponte Gomes) |