Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
344/23.3T8RGR.L1-8
Relator: TERESA SANDIÃES
Descritores: DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO POR DIVÓRCIO
INVENTÁRIO SUBSEQUENTE A DIVÓRCIO
ACORDO QUANTO À PARTILHA
ASSUNÇÃO DE PAGAMENTO INTEGRAL DO PASSIVO
EFICÁCIA PERANTE O CREDOR
INCUMPRIMENTO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: O acordo que consiste na assunção por um dos ex-cônjuges da obrigação de pagamento integral do passivo relacionado em inventário subsequente a divórcio, sem qualquer declaração de aceitação da transmissão da dívida e exoneração do outro ex-cônjuge pelos credores, apenas é vinculativo entre as partes.
A exoneração do devedor apenas pode ser efetuada pelo credor.
Assim, o codevedor que assume o pagamento integral das dívidas comuns, eximindo o outro devedor do seu pagamento, na ausência de qualquer conduta ilícita e culposa que conduza a que o credor não proceda à exoneração, não responde por danos eventualmente sofridos pela não exoneração e que não se prendam diretamente com as dívidas.
É que não vinculando o credor o acordo efetuado entre devedores, aquele que foi eximido do pagamento pelo codevedor continua a responder perante o credor pelo pagamento. Se efetuar o pagamento, por exigência do credor, tem direito de regresso sobre aquele que assumiu o pagamento.
(sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7 do CPC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

CC intentou ação declarativa contra HH, tendo formulado os seguintes pedidos:
“1. Ser o Réu condenado no pagamento à Autora dos danos patrimoniais, no valor de 12.362,00€ (doze mil trezentos e sessenta e dois euros), acrescidos de juros vencidos e vincendos até ao pagamento integral dos mesmos, por incumprimento contratual, ao abrigo do disposto no art.º 798.º, n.º 1, do CC.
2. E ainda, no pagamento dos danos não patrimoniais, no valor de 20.000,00€ (vinte mil euros), acrescidos de juros vincendos desde a data de citação para contestar a presente ação até ao pagamento integral e efetivo dos mesmo.”
Alegou, em síntese, que no dia 24/04/2018, a Autora e o Réu casaram sob o regime de comunhão de adquiridos. Adquiriram em 22/02/2019, o prédio urbano composto por uma casa de rés-do-chão, 1º e 2º andar, destinada a habitação, situado na …. Para financiamento dessa aquisição, a Autora e o Réu, celebraram com o Banco … um contrato de mútuo com hipoteca sobre o imóvel em causa. No dia 25 de outubro de 2021, o casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença transitada em julgado a 24 de novembro de 2021. No âmbito do processo de inventário que a A. instaurou realizou-se a conferência de interessados, tendo a A. e o R. chegado a acordo quanto à forma da partilha, nos seguintes termos:
“a) Reconhecimento por ambos os interessados da dívida ao Banco …, no valor de 59.187,25€, e aos credores reclamantes FF e PP do crédito reclamado no processo n.º 000 acrescido das previsíveis custas de parte, tudo no valor de 12.312,75€;
b) Adjudicação, pelo valor de 88.500,00€, ao cabeça de casal do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de … com o número … e inscrito na matriz predial do mesmo concelho com o art.º …;
c) Assunção pelo cabeça de casal, HH, perante o Banco … da dívida no valor de 59.187,25€ e perante os credores reclamantes da dívida de 12.312,75€, com exoneração, em ambos os casos, da interessada CC de qualquer responsabilidade pelo pagamento destas dívidas;
d) Pagamento pelo cabeça de casal a CC, a título de tornas, do valor de 8.500,00€, a quantia a pagar através de transferência bancária para a conta bancária com o IBAN …, do Banco …, até ao dia 14 de dezembro de 2022.”
Mais alegou que no dia 14/11/2022 a partilha foi homologada por sentença transitada em julgado no mesmo dia. Apesar de o R. ter assumido a dívida perante o Banco … e bem assim, de desonerar a A. da responsabilidade pelo pagamento da referida dívida, nada fez. No dia 21/12/2022, a A. enviou um email ao R., solicitando que se dirigisse à referida instituição bancária, a fim de proceder à desoneração da A. do passivo, dado que, caso o R. assim não procedesse, a A. iria perder o negócio de aquisição de um imóvel por indeferimento do pedido de concessão de crédito para habitação. Por carta de 12 de junho de 2023, remetida pelo Banco X, S.A., a A. foi informada que “Na sequência da Proposta de Crédito apresentada por V. Exa., lamentamos informar que, após análise detalhada, não foi possível considerá-la favoravelmente, uma vez que a mesma não se enquadra nos nossos atuais critérios de concessão de crédito. Nomeadamente, consultando a Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, constatamos que V. Exa. apresenta as situações em anexo que, consideradas as análises da operação, determinaram o não seguimento da proposta”, referindo-se ao passivo perante o Banco … de 58.535,68€, que o Réu assumiu por acordo de partilha. No dia 1 de agosto de 2023, a A. interpelou, novamente, o R. para que o mesmo cumprisse o disposto do referido acordo, reiterando que a sua conduta omissiva lhe estava a impedir de adquirir outro imóvel.
Como consequência direta e necessária do incumprimento do acordo de partilha pelo Réu, a Autora sofreu danos patrimoniais, a título de lucros cessantes, no montante de 9.950,00€, decorrentes de ter apresentado uma proposta, no valor de 180.000,00€, para aquisição de um imóvel que estava à venda por 189.950,00€, e ter perdido o negócio pretendido, por falta de concessão de crédito pelo Banco X, S.A. Suportou, ainda, os danos emergentes com os gastos em apoio jurídico, no valor de 612,00€ de custas e 1.500,00€ em honorários; e com deslocações acrescidas e dias de trabalho perdidos, que computou em 300,00€. E sofreu danos não patrimoniais, pois sentiu-se desgostosa e frustrada por não conseguir levar por diante um projeto de aquisição de imóvel para habitação com o seu novo cônjuge e, bem assim, refazer a sua vida, o que ainda perdura até aos dias de hoje. Sentiu-se envergonhada perante o vendedor do mesmo imóvel por haver sido dado sem efeito o negócio em consequência de não conseguir obter o crédito bancário, e por, na localidade onde vive, ver o seu nome associado à impossibilidade de obtenção de crédito. Além disso sente sobressalto permanente pela possibilidade de ser chamada a pagar as prestações de mútuo perante o Banco …. Pugna pela indemnização de € 20.000.
O R. apresentou contestação por exceção e por impugnação. Alegou, em síntese, que a A. confunde institutos distintos: exoneração do passivo com desvinculação contratual. No primeiro, uma das partes dispensa a outra (devedora solidária) do pagamento do passivo assumindo-o na integra. Noutra, (desvinculação contratual) o credor desiste relativamente a um dos codevedores das garantias de que é titular na exequibilidade de um crédito. A desvinculação contratual, que constitui a causa de pedir, não pode ser assacada ao R. pois não possui poderes para liberar a A. do contrato do empréstimo para habitação o que, exclusivamente, é poder da instituição credora Banco …. O R. não assumiu qualquer condição e/ou obrigação de desvinculação contratual da A., nem podia fazê-lo. A recusa do financiamento não resulta da existência do empréstimo contraído com a A. mas por esse empréstimo segundo a Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal se encontrar em litigio judicial. Informação desatualizada e errada que cabia à A. ter corrigido.
Conclui pela procedência das exceções de ineptidão da petição inicial e ilegitimidade, bem como pela improcedência da ação.
A convite do tribunal a A. pronunciou-se sobre as exceções pugnando pela sua improcedência.
Realizada audiência prévia foi proferido despacho saneador, julgadas improcedentes as exceções de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade ativa da A. Foi delimitado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Após realização da audiência de julgamento foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
“Nos termos e com os fundamentos supra expostos, julga-se a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência,
 i. Condena-se o réu HH a pagar à autora CC a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal dos juros civis desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
ii. Condena-se o réu HH a pagar à autora CC a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal dos juros civis desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
iii. Absolve-se o réu HH do demais peticionado.
Custas por Autora e Réu, na proporção dos respectivos decaimentos – cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil. Valor: € 32.362,00€ (trinta e dois mil trezentos e sessenta e dois euros) – cf. despacho saneador.”
O R. interpôs recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1. Ao contrário da interpretação do Tribunal recorrido em sede de conferência de interessados do inventário n.º … não foi assumida pelo recorrente a obrigação de desvincular contratualmente a A. do empréstimo bancário para aquisição do imóvel para habitação pois que tal não lhe era possível por obrigar a intervenção duma entidade terceira (o banco).
2. O que ficou escrito e sentenciado judicialmente – pontos 5 e 6 dados por assentes da decisão recorrida – e o que recorrente assumiu foi a liquidação integral do passivo perante a instituição bancária e credores relativamente eximindo a A. desses pagamentos pelo que, por inexistência de qualquer comportamento ilícito e violação do disposto no art.º 496º do C. civil, deverá a decisão recorrida ser revogada,
4. E na hipótese teórica (e só assim) de ser devido à A. qualquer verba de danos extrapatrimoniais os juros de mora apenas são devidos após a prolação da decisão condenatória e não, como decretou a decisão recorrida após a citação, devendo neste particular, ser revogada a decisão recorrida que condena nesses juros de mora por atentatórios da jurisprudência superior pacifica e do art.º 805º e 806º, n.º 1 do C. Civil.
5. A A. contactou uma única vez em Dezembro de 2022 - poucos dias após o trânsito em julgado da sentença proferida pelo Juízo de Família e Menores - o Banco X, SA. E não mais contactou a instituição tendo sido elaborado por este Banco X um documento em data posterior e exclusivamente destinado a instaurar a presente acção ( doc. 6 junto aos autos) o que, permite afirmar que, é inexistente o nexo de causalidade do prejuízo da A. e o (putativo) comportamento ilícito do recorrente com a consequente revogação da decisão recorrida por omissão dos pressupostos exigíveis à responsabilização contratual e violação do disposto no art.º 483º do C. Civil.
7. O recorrente agiu de boa – fé e diligentemente na tentativa de desvinculação contratual da A. do empréstimo perante o Banco … visto que, logo que interpelado para efectuar essa desvinculação em 1 de Agosto de 2023 contactou a instituição bancária para esse efeito em 9 de Agosto de 2023, conforme factos assentes em 10 e 27 da decisão recorrida, devendo desta forma a decisão recorrida ser revogada por falta de um outro elemento (volitivo) exigível à sua condenação.
8. Dos factos dados por assentes em 2 da decisão recorrida suportada em prova documental autêntica – certidão de registo predial – é evidente que no imóvel sobre o qual existia uma hipoteca para garantir o pagamento do empréstimo de que a A. se pretendia desvincular, à data da propositura da acção, aquele imóvel encontrava-se em nome da A. e recorrente e apenas foi registado a favor do réu quando este tinha sido citado e contestado os presentes autos.
9. Como resulta documentalmente que a A. e seu marido quando foram solicitar uma simulação de um crédito para aquisição de outro imóvel sobre a casa adjudicada ao recorrente incidia uma penhora que só foi cancelada meses após essa simulação, factos que o tribunal decidiu ignorar por entender que não foram alegados oportunamente na contestação.
10. Ao recusar-se a conhecer esses factos com suporte documental autêntico, violou a decisão recorrida o disposto no art.º 6º e 7º, e 602º, n.º 1 todos do C. P. Civil (justa composição do litígio) e que a prova destes factos pelo recorrente era oportuna e legitimou, pois, visavam contrapor o alegado pela A. em 10, 11, 19 e 20 da petição inicial.
12. E mesmo acompanhando a tese do Tribunal recorrido que esta matéria era uma excepção certo é que, por impedir ou extinguir o efeito jurídico dos factos articulados pela A. corresponde a uma excepção peremptória, nos termos do art.º 576º, n.º 3, excepção que o Tribunal deveria conhecer oficiosamente, à luz do art.º. 579º ambos do C. P. Civil cabendo, pois, a decisão recorrida ser revogada porquanto, do mencionado ponto 2 dos factos dados por assentes e da certidão predial junta aos autos é evidente a impossibilidade absoluta do recorrente cumprir com a desvinculação contratual pretendida pela A.
Termos em que e nos melhores do Direito doutamente a suprir deverá a decisão recorrida ser revogada absolvendo-se o recorrente do peticionado”.
A A. apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
“a) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância que decidiu julgar a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência: condenou o réu HH a pagar à autora CC a quantia de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal dos juros civis desde a data da citação até efetivo e integral pagamento; condenou o réu HH a pagar à autora CC a quantia de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal dos juros civis desde a data da citação até efetivo e integral pagamento; absolveu o réu HH do demais peticionado.
b) Salvo o devido respeito, não merece qualquer provimento o recurso interposto pois, face à prova produzida, o Tribunal decidiu de forma correta, articulada e superior que assiste razão à ora recorrida.
c) Em primeiro lugar vem o recorrente referir que “Ao contrário da interpretação do Tribunal recorrido em sede de conferência de interessados no inventário n.º … não foi assumida pelo recorrente a obrigação de desvincular contratualmente a A. do empréstimo bancário para aquisição do imóvel para habitação pois que tal não lhe era possível por obrigar a intervenção duma entidade terceira (o banco)”. A este respeito, importa referir que,
d) não obstante o ato de desoneração se encontrar fora da capacidade decisória do recorrente uma vez que o mútuo é caracterizado por uma relação tripartida, cabendo apenas ao banco, enquanto credor, a faculdade de desonerar um dos devedores,
e) a verdade é que, o recorrente incumpriu com a sua obrigação por não ter assumido um comportamento proativo, revelador se seriedade e empenho na prossecução da finalidade de encetar esforços tendentes à desoneração da recorrida do contrato de mútuo.
f) De salientar que, pelo menos desde a comunicação remetida a 21 de dezembro de 2023 pela recorrida por correio eletrónico – Doc. 4 junto com a petição inicial, que não foi impugnado – o recorrente ficou a saber que a recorrida tinha a necessidade de se ver desonerada do crédito habitação em causa por se encontrar em vias de adquirir nova habitação.
g) O que torna pouco compreensível que só se tenha deslocado ao Banco … pela primeira vez em 5 de Agosto de 2023, quase 9 (nove) meses após a data do Acordo de Partilha, mais de 7 (sete) meses após ter recebido a primeira interpelação da recorrida e – presumivelmente – só após ter recebido a segunda comunicação escrita por parte daquela, remetida a 1 de agosto de 2023.
h) Sendo certo que, na sua resposta datada de 22 de agosto de 2023 – Doc. 3 junto com a contestação – remetida a 7 de setembro de 2023 e recebida pela recorrida a 12 de setembro de 2023, o recorrente não logra alegar nenhum motivo justificativo para tão retardada atuação junto do Banco ….
i) O que se repetiu aquando da contestação apresentada a 16 de outubro de 2023.
j) Pelo que, dúvidas não poderão existir que o recorrente incumpriu com os deveres que assumiu aquando da realização a 14 de Novembro de 2022 com a recorrida do Acordo de Partilha efetuado nos autos que sob o n.º ….
k) Mais veio referir o recorrente que os juros de mora por danos extrapatrimoniais apenas são devidos após a prolação da decisão condenatória e não, como decretou a decisão recorrida após a citação, devendo neste particular, ser revogada a decisão recorrida que condena nesses juros de mora.
l) A este respeito, reitera-se o explanado pelo Tribunal de Primeira Instância: “Quanto ao pedido de pagamento de juros de mora (vincendos), dispõe o art.º 804.º do Código Civil que “a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor” e que “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido”. Por seu lado, estipula o art.º 805.º, n.º 1 do Código Civil que “o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”, sendo que a citação deverá ser considerada interpelação judicial para o cumprimento. Uma vez que se encontra em causa o cumprimento de uma obrigação pecuniária, a indemnização corresponderá aos juros legais a contar do dia da constituição em mora, em conformidade com o disposto no art.º 806º do Código Civil. O art.º 559.º do Código Civil preceitua que “os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são fixados em portaria conjunto dos Ministros da Justiça, das Finanças e do Plano”, sendo que ao caso é aplicável a taxa de juro civil”.
m) Assim, assiste à recorrida o direito de receber juros de mora sobre as quantias que lhe forem atribuídas, desde a data da citação do recorrente da presente ação até efetivo e integral pagamento.
n) Por último, vem o recorrente alegar que “resulta dos factos elencados no ponto 2 da matéria dada por assente da decisão recorrida que à data em que a sentença proferida no Juízo de Família e Menores de … foi proferida o imóvel encontrava-se penhorado por determinação do processo executivo nº 000. Que o cancelamento dessa penhora apenas aconteceu em 2023/02/21 enquanto somente, em 28 de Novembro de 2023 é que o imóvel foi registado a favor do recorrido.
Ou seja, quando a acção foi interposta (4 de Setembro de 2023) o imóvel não estava, ainda, registado, em nome do recorrente continuando em nome daquele e da A. o que é sinónimo de impossibilidade absoluta do recorrente desvincular a recorrida como aquela que pretendia e da manifesta falta de pressupostos conducentes condenatórios da decisão recorrida”.
o) Factos estes que advieram ao conhecimento do Tribunal através do depoimento da testemunha FF.
p) Contudo, conforme bem referiu o douto Tribunal a este respeito: “No que toca à factualidade transmitida pela testemunha FF aos autos, a mesma não poderá ser, em grande parte, tida em consideração para a decisão sobre a matéria de facto. Com efeito, O que a mesma carreou para os autos traduz-se, em síntese, na afirmação que o Réu não poderia cumprir o que acordou no Acordo de Partilha celebrado a 14 de Novembro de 2022 porquanto, para a (eventual) exoneração da Autora do crédito habitação vigente junto do Banco … tornava-se necessária a realização de uma série de procedimentos/actos prévios à negociação para o efeito com aquela instituição bancária, junto às Finanças, ao processo executivo em curso, à Conservatória do Registo Predial, ao ponto de só quando o ora Réu teve o registo de propriedade averbado em seu nome na Conservatória do Registo Predial no que toca ao prédio sito na …, sem qualquer penhora averbada – o que sucedeu apenas em Novembro de 2023 – é que se poderia contactar o Banco …, no sentido de procurar a exoneração da ora Autora do crédito habitação.
Tal factualidade, e seus efeitos – a serem verdadeiros – constituiria matéria de excepção, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 571º, nº 2 do Código do Processo Civil, por se tratar de matéria de facto impeditiva ou modificativa do direito da Autora, no sentido de que pelo menos até Novembro de 2023 (e a presente acção foi apresentada em Juízo a 1 de Setembro de 2023) o Réu não se encontraria sequer em mora no cumprimento das obrigações que assumiu no Acordo de Partilha. Só que tal (conforme exposto supra) não foi a posição assumida pelo Réu aquando da apresentação da sua contestação – a qual baliza a sua defesa quanto à acção, nos termos dos princípios da preclusão e da concentração da defesa a que nos referimos supra.
A este propósito, prescreve o art.º 573º do Código do Processo Civil que “1- Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado. 2 – Depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente”. Ora,
q) A factualidade transmitida pela testemunha FF é absolutamente autónoma do que o réu HH alegou na contestação que apresentou nos autos.
r) Razão pela qual não poderia ser considerada pelo Tribunal “a quo”.
s) Assim, face à prova produzida, não poderia o Tribunal de Primeira Instância ter decidido de outra forma.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, sempre contando com o douto suprimento de V. Exas., não deverá ser dado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.”

A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
1. CC (doravante, a “Autora”) e HH (doravante, o “Réu”), contraíram entre si matrimónio civil no dia 24 de Abril de 2018, no regime supletivo de comunhão de adquiridos.
2. Encontra-se inscrita no registo predial, no que toca ao prédio urbano sito na …, inscrito na matriz com o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial competente sob o nº …, no que ao presente interessa:
• Pela AP. 1863 de 2019/02/22 a aquisição, por compra, a favor de CC e HH, casados entre si;
• Pela AP. 1864 de 2019/02/22 a hipoteca voluntária, a favor do Banco …, sendo sujeitos passivos CC e HH;
• Pela AP. 937 de 2022/02/16 penhora, a favor de FF e PP, casados entre si, efectuada no processo executivo Nº 000, em que aqueles são exequentes e HH e CC são executados;
• Pela AP. 3160 de 2023/02/24 o cancelamento da penhora referida no ponto anterior;
• Pela AP. 2159 de 2023/11/28 a aquisição, por partilha subsequente a divórcio, a favor de HH, sendo sujeito passivo CC.
3. O matrimónio entre Autora e Réu foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 25 de Outubro de 2021, transitada em julgado a 24 de Novembro de 2021.
4. Correu termos processo de inventário em que foi requerente a Autora e cabeça de casal o Réu.
5. No referido processo, e em conferência de interessados decorrida no dia 14 de Novembro de 2022 foi dito pelos interessados terem chegado a acordo de partilha, nos seguintes termos:
a) Reconhecimento por ambos os interessados da dívida ao Banco …, no valor de 59.187,25€, e aos credores reclamantes FF e PP do crédito reclamado no processo n.º 000 acrescido das previsíveis custas de parte, tudo no valor de 12.312,75€;
b) Adjudicação, pelo valor de 88.500,00€, ao cabeça de casal do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de … com o número … e inscrito na matriz predial do mesmo concelho com o art.º …;
c) Assunção pelo cabeça de casal, HH, perante o Banco … da dívida no valor de 59.187,25€ e perante os credores reclamantes da dívida de 12.312,75€, com exoneração, em ambos os casos, da interessada CC de qualquer responsabilidade pelo pagamento destas dívidas;
d) Pagamento pelo cabeça de casal a CC, a título de tornas, do valor de 8.500,00€, a quantia a pagar através de transferência bancária para a conta bancária com o IBAN PT50…227, do Banco …, até ao dia 14 de dezembro de 2022.”
6. Foi nesse momento proferida decisão, da qual consta “Assim, homologo pela presente sentença a partilha acordada pelos interessados, adjudicando ao cabeça de casal, pelo valor de 88.500,00€, o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de … com o número … e inscrito na matriz predial do mesmo concelho com o art.º …, e condenando o cabeça de casal no pagamento de tornas à interessada no valor de 8.500,00€, e ainda no pagamento ao Banco … do valor de 59.187,25€ e aos credores reclamantes FF e PP do crédito reclamado no processo nº 000 acrescido das previsíveis custas de parte, tudo no valor de 12.312,75€. (…) Uma vez que todos os presentes prescindiram do prazo de recurso, considera-se transitada em julgado a sentença de partilha que antecede.”
7. No dia 21 de Dezembro de 2022 a Autora remeteu ao Réu a comunicação electrónica constante de Doc. 4 com a petição inicial – cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido.
8. O Réu não respondeu a tal comunicação da Autora.
9. O Banco X, S.A., emitiu a comunicação dirigida à Autora com data de 12 de Junho de 2023 constante de Docs. 5 e 6 com a petição inicial – cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido.
10. A Autora remeteu ao Réu a comunicação datada de 1 de Agosto de 2023 constante de Doc. 7 com a petição inicial – cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido.
11. O Réu remeteu à Autora a comunicação datada de 22 de Agosto de 2023 constante de Doc. 3 com a contestação – cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido – que foi remetida a 7 de Setembro de 2023 e recebida pela Autora a 12 de Setembro de 2023.
12. A Autora e o seu actual marido, VV, apresentaram uma proposta, no valor de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros), para aquisição de um imóvel que estava à venda no site da …, por € 189.950,00 (cento e oitenta e nove mil novecentos e cinquenta euros)
13. Tal imóvel é o prédio urbano de casa alta destinada a habitação, com garagem e quintal, sito na …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número … e inscrito na matriz sob o artigo ….
14. A Autora e VV não obtiveram a concessão de crédito à habitação para efeitos de aquisição do imóvel referido no ponto anterior junto ao Banco X, S.A..
15. O Banco Banco X, S.A, não concedeu o pretendido crédito habitação porquanto do registo da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal referente à Autora constava o crédito à habitação outorgado pela mesma e pelo Réu com o Banco ….
16. O imóvel identificado no ponto 13 supra foi, a 19 de Agosto de 2023, objecto de “CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA” e a 30 de Novembro de 2023, objecto da escritura pública de “COMPRA E VENDA” – documentos juntos aos autos com referência citius 5538013
17. A Autora e VV suportaram gastos de € 612,00 de taxa de justiça.
18. A Autora e VV contactaram outras instituições bancárias, o que obrigou a Autora a deslocações e dias de trabalho perdidos.
19. A Autora sentiu-se desgostosa e frustrada por não conseguir levar por diante um projeto de aquisição de imóvel para habitação com o seu novo cônjuge e, bem assim, refazer a sua vida, o que ainda perdura até aos dias de hoje.
20. A Autora sentiu-se envergonhada perante o vendedor do mesmo imóvel por haver sido dado sem efeito o negócio em consequência de não conseguir obter o crédito bancário.
21. A Autora sente sobressalto permanente pela possibilidade de ser chamada a pagar as prestações de mútuo perante o Banco ….
22. Pelo menos desde a celebração do acordo de partilha, o Réu sabia que era essencial para a Autora que fosse desonerada do passivo do contrato referido em 3 perante o Banco ….
23. E foi nesse pressuposto que a Autora acordou na partilha nos termos em que ocorreu.
24. CC e VV contraíram matrimónio a 13 de Agosto de 2022, sem convenção antenupcial.
25. O Banco …, emitiu Declaração com data de 15 de Janeiro de 2022 onde fez constar, entre outros, que “(…) de acordo com o solicitado pelo nosso cliente HH, contribuinte nº …, que no dia 09/08/2023, solicitou informação/documentação necessárias a uma eventual desvinculação contratual do Crédito Habitação nº … do qual é titular.
26. O Banco …, emitiu Declaração com data de 5 de Março de 2024 da qual consta, entre outros que “(…) aceita a transmissão da dívida efectuada entre HH e CC conforme decisão do Tribunal, celebrada em catorze de novembro de dois mil e vinte e dois no(a) Processo de Inventário e Partilha nº …, resultante do empréstimo concedido pelo Banco, celebrado em vinte e dois de fevereiro de dois mil e dezanove, por escritura pública celebrada no CRP de …, processo …, cujo montante em dívida, é, na presente data de 58.123,32€ (Cinquenta e oito mil, cento e vinte e três euros e trinta e dois cêntimos). Que o Banco declara, e de acordo com o solicitado pelo(a) mutuário(a) HH, e na sequência da transmissão da dívida ora efetuada que /a mesmo(a) ficará como único(a) devedor(a) do já identificado contrato de mútuo com hipoteca. (…)” – cf. documento com referência citius 57067752 cujo teor, por brevidade, se dá por reproduzido.
27. O Banco …, emitiu com data de 17 de Abril de 2023 informação – documento com referência citius 5686334 cujo teor, por brevidade, se dá por reproduzido – na qual fez constar, entre outros, que “Quanto à pretensão apresentada,, e após solicitação da informação pretendida por V. Exas., fomos informados que os primeiros contactos tidos com o HH foram 09/08/2023 e que o processo de alteração de garantias do CH … por Processo de Inventário e Partilhas nº … com a exoneração da CC, o mesmo deu entrada nos nossos serviços em 05/02/2024, foi aprovado em 07/02/2024 e concluído com entrega da Declaração de Exoneração à CC em 12/03/2024.” ***
A sentença recorrida considerou como não provada a seguinte matéria de facto:
“A. Que a Autora tenha despendido a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) em honorários a Advogado.
B. Que a Autora, com contactos com outras instituições bancárias, deslocações e dias de trabalho perdidos tenha tido prejuízos no montante de € 300,00 (trezentos euros).
C. Que a Autora, na localidade onde vive, viu o seu nome associado à impossibilidade de obtenção de crédito.”
*
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do CPC).
Previamente importa precisar que o apelante insurge-se contra o segmento da sentença que não considerou a factualidade dada a conhecer pela testemunha FF, por se tratar de matéria de exceção e não ter sido alegada na contestação apresentada. O apelante discorda, sufragando o entendimento de que a prova da existência dessa factualidade visou contraditar o vertido em 10, 11, 19 e 20 da petição inicial, segundo a qual o empréstimo não teria sido concedido por não ter sido desvinculada contratualmente, pelo que cabia ao julgador valorá-los. Aduzindo que ainda que configurasse uma exceção tratam-se de factos que impedem e extinguem o efeito jurídico de factos articulados pela A. e, por isso, constituem uma exceção perentória, nos moldes em que é qualificada pelo art.º 576º, n.º 3 com conhecimento oficioso do tribunal à luz do art.º 579º, ambos do CPC, ignorando a impossibilidade do exercício do direito invocado pela A. por à data da interposição da ação o imóvel encontrar-se ainda em nome de ambos.
A referida matéria mencionada pela testemunha, sumariada pelo apelante, é do seguinte teor: “o Réu não poderia cumprir o que acordou no Acordo de Partilha celebrado a 14 de Novembro de 2022 porquanto, para a (eventual) exoneração da Autora do crédito habitação vigente junto do Banco …, tornava-se necessária a realização de uma série de procedimentos/actos prévios à negociação para o efeito com aquela instituição bancária, junto às Finanças, ao processo executivo em curso, à Conservatória do Registo Predial, ao ponto de só quando o ora Réu teve o registo de propriedade averbado em seu nome na Conservatória do Registo Predial no que toca ao prédio sito na …, sem qualquer penhora averbada – o que sucedeu apenas em Novembro de 2023 – é que se poderia contactar o Banco …, no sentido de procurar a exoneração da ora Autora do crédito habitação”.
 “A oficiosidade na apreciação de certas exceções perentórias não contraria a regra segundo a qual os factos que as integram devem ser alegados pelas partes. A oficiosidade intervém num momento posterior, ou seja, na averiguação dos factos que tiverem sido alegados e na apreciação dos respetivos efeitos jurídicos.” [1]
In casu, ainda que se considerasse constituir exceção perentória, de conhecimento oficioso, sempre se imporia a alegação e prova dos factos que a integram, isto é: para a exoneração da A. tornava-se necessária a realização de uma série de procedimentos/actos prévios à negociação para o efeito com aquela instituição bancária, junto às Finanças, ao processo executivo em curso, à Conservatória do Registo Predial, ao ponto de só quando o ora Réu teve o registo de propriedade averbado em seu nome na Conservatória do Registo Predial no que toca ao prédio sito na …, sem qualquer penhora averbada – o que sucedeu apenas em Novembro de 2023 – é que se poderia contactar o Banco …, no sentido de procurar a exoneração da ora Autora do crédito habitação. Esta materialidade não foi alegada nos autos.
Ora, independentemente da qualificação como exceção ou factos complementares, o apelante não impugnou a decisão de facto, nos termos do art.º 640º do CPC, pelo que não será apreciada tal questão, sem prejuízo da valoração jurídica dos factos provados (concretamente sob o ponto nº 2).
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Da não assunção pelo R. da obrigação de desvincular contratualmente a A. do empréstimo bancário para aquisição do imóvel para habitação
2. Dos juros de mora
1. Da não assunção pelo R. da obrigação de desvincular contratualmente a A. do empréstimo bancário para aquisição do imóvel para habitação
A. e R. contraíram casamento entre si em 24/04/2018, no regime de bens de comunhão de adquiridos, tendo este sido dissolvido por divórcio decretado em 25/10/2021.
A A. intentou processo de inventário para partilha dos bens comuns, tendo na conferência de interessados, realizada em 14/11/2022, A. e R. acordado na partilha, nos seguintes termos:
“a) Reconhecimento por ambos os interessados da dívida ao Banco …, no valor de 59.187,25€, e aos credores reclamantes FF e PP do crédito reclamado no processo n.º 000 acrescido das previsíveis custas de parte, tudo no valor de 12.312,75€;
b) Adjudicação, pelo valor de 88.500,00€, ao cabeça de casal do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de … com o número … e inscrito na matriz predial do mesmo concelho com o art.º …;
c) Assunção pelo cabeça de casal, HH, perante o Banco … da dívida no valor de 59.187,25€ e perante os credores reclamantes da dívida de 12.312,75€, com exoneração, em ambos os casos, da interessada CC de qualquer responsabilidade pelo pagamento destas dívidas;
d) Pagamento pelo cabeça de casal a CC, a título de tornas, do valor de 8.500,00€, a quantia a pagar através de transferência bancária para a conta bancária com o IBAN …, do Banco …, até ao dia 14 de dezembro de 2022.”
De seguida foi proferida sentença homologatória, transitada na mesma data, do seguinte teor: “(…) Assim, homologo pela presente sentença a partilha acordada pelos interessados, adjudicando ao cabeça de casal, pelo valor de 88.500,00€, o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de … com o número … e inscrito na matriz predial do mesmo concelho com o art.º …, e condenando o cabeça de casal no pagamento de tornas à interessada no valor de 8.500,00€, e ainda no pagamento ao Banco …. do valor de 59.187,25€ e aos credores reclamantes FF e PP do crédito reclamado no processo nº 000 acrescido das previsíveis custas de parte, tudo no valor de 12.312,75€. (…)”
Defende o apelante que não assumiu qualquer obrigação de desvincular a A. perante o banco credor, nem o podia fazer já que tal ato dependia da intervenção de terceiro, o banco; e que apenas assumiu perante o Banco … e os credores relacionados a responsabilidade pelo pagamento das dividas, eximindo a A. do mesmo.
Nos termos do disposto no art.º 1688º do CC “as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento (…)”.
“Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património” (art.º 1689º, nº 1 do CC).
Estabelece o art.º 1730º, nº 1 do CC que “os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso.”
A assunção pelo R./apelante da obrigação de pagamento das dívidas do casal, teve como contrapartida a adjudicação do imóvel ao R. e o pagamento de tornas à A.
A assunção das dívidas, nos termos em que foi efetuada, sem qualquer declaração dos credores, mormente do Banco …, apenas é vinculativa entre as partes, pois a relação jurídica envolve um terceiro, o credor.
Para que o acordo firmado fosse vinculativo para o banco credor tinha este que dar o consentimento expresso da transmissão da dívida apenas para um dos ex-cônjuges, in casu, o R., com exoneração do outro, a A. – o que não ocorreu em sede de conferência de interessados. E a sentença homologatória condenou o R. no pagamento do passivo aos respetivos credores, sem efetuar qualquer referência à exoneração ou desvinculação da A.
O acordo firmado entre os interessados traduz-se numa transmissão singular de dívida.
Preceitua o art.º 595º do CC, sob a epígrafe “assunção de dívida”:
“1. A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se:
a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor;
b) Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.
2. Em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.”
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, in C. Civil Anotado, vol. I, pág. 579-580: “Daí o exigir a alínea a) do nº 1 que o contrato entre os devedores seja ratificado pelo credor. Este pode, portanto, aceitar ou não a mudança do devedor. Tal mudança nunca lhe poderá ser imposta (…). …o número 2 estabelece, ainda, como medida de proteção do credor, que este, não exonerando expressamente o antigo devedor, pode exigir o cumprimento da obrigação de qualquer deles. Os devedores são solidários (cfr. Artºs 512 de 518º e segs.). (…)
Verdadeira assunção (liberatória) de dívida existe no caso de o antigo devedor ser exonerado e ficar apenas vinculado o novo devedor.”
“Quanto à assunção liberatória, a lei não se contenta mesmo com o consentimento do credor; no próprio interesse dele e da segurança das relações jurídicas, exige o consentimento expresso (art.º 595º, 2). Não havendo declaração expressa do credor no sentido da liberação do devedor haverá uma assunção cumulativa (…).” [2]
O acordo quanto à partilha realizado na conferência de interessados constitui transmissão da dívida que era comum, da A. para o R., passando este a ser o único responsável pelo respetivo pagamento. Tal acordo não exonera a A. da sua responsabilidade perante os credores, pois para tal era necessária a declaração expressa destes nesse sentido.
“Ora, dúvidas não existem de que o assim acordado no que se refere à assunção do passivo por parte do apelante, no confronto com o credor hipotecário (Banco 1..., S.A.), para ter efeitos em relação ao mesmo era necessário que este desse o consentimento expresso da transmissão da dívida hipotecária apenas para um dos ex-cônjuges, com exoneração do outro.
Caso contrário, inexistindo qualquer modificação subjetiva do devedor do crédito hipotecário nas relações externas ao julgado, mesmo que a responsabilidade da dívida, assumida pelo ex-cônjuge a quem o bem seja adjudicado, seja expressamente homologada por sentença, o trânsito desta apenas produz consequências jurídicas nas relações intra-meeiros (os ex-cônjuges), não vinculando, no âmbito externo, tal credor, ou seja, se o credor não ratifica um acordo para pagamento do passivo, esse acordo não é oponível nas relações entre esses interessados e o credor.
Portanto, sem a autorização referida, os devedores podem acordar que apenas um fica responsável pelo pagamento da dívida, porém tal acordo não pode ser oponível ao credor, podendo apenas ser oponível entre tais devedores.
Na verdade, para que haja transmissão singular de dívida, com eficácia perante o credor, de forma a exonerar o antigo devedor, a lei exige a existência de uma declaração expressa (que não se resume à simples ratificação) por parte deste em consentir na referida transmissão.
Sem essa expressa exoneração, o credor pode exigir o cumprimento da obrigação a qualquer deles, continuando estes como devedores solidários (artigos 512.º e 518.º e ss. CCivil), sem prejuízo de, posteriormente, um deles exercer o direito de regresso contra o outro, no âmbito exclusivo das relações internas.”  [3]
Para se aquilatar do âmbito da obrigação assumida pelo R. impõe-se proceder à interpretação do acordo firmado em conferência de interessados, para o que há que convocar as normas hermenêuticas dos artºs 236º a 238º do CC.
Dispõe o art.º 236º do CC que “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.”
Tratando-se de um contrato formal, nos termos do disposto no art.º 238º, nº 1 do CC “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”, salvo “se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade” (nº 2 do citado preceito); prevalecendo, em caso de dúvida, o sentido que conduza ao maior equilíbrio das prestações (art.º 237º do CC).
Reportando-se aos artºs 236º e 238º do CC pode ler-se no acórdão do STJ de 22/09/2015 [4], “como refere P. Mota Pinto, "há que imaginar uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este concretamente conheceu e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo".
O sentido assim apurado sofre, contudo, nos negócios formais, de uma limitação de índole objectiva: esse sentido não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência no texto do documento.
Nos negócios formais, a letra do negócio constitui o primeiro elemento com que o interprete se confronta. Esse elemento literal, porém, não é mais do que a base ou ponto de partida da interpretação. Por mais claros ou unívocos que pareçam, os termos utilizados não dispensam essa tarefa de interpretação, por forma a confirmar ou contrariar essa aparência, considerando outros elementos ou circunstâncias atendíveis, como o comportamento das partes, anterior ou posterior ao negócio, as precedentes relações negociais entre as mesmas partes, o próprio tipo negocial e a finalidade prática prosseguida pelas partes.
Por outro lado, o intérprete não deve quedar-se na sua apreciação por expressões ou cláusulas isoladas, mas antes estender a sua análise, atentando no conjunto ou na totalidade da declaração, numa "interpretação complexiva" dessas expressões e cláusulas.
Invoca-se, a este propósito, o princípio da interpretação sistemática e contextual, segundo o qual o negócio deve ser visto no seu todo, considerando as expressões utilizadas no contexto e nas circunstâncias em que foram proferidas. Ou seja, "a cláusula negocial deve ser interpretada no seu contexto, à luz do micro-sistema regulatório que o negócio constitui, levando em consideração outras circunstâncias relevantes, e tendo em conta o fim prosseguido".
A interpretação que, em obediência aos comandos dos artºs 236º a 238º do CC, se coaduna com o texto é a de que o R. assumiu a responsabilidade pelo pagamento das dívidas que havia contraído com a A.. A expressão “com exoneração, em ambos os casos, da interessada CC de qualquer responsabilidade pelo pagamento destas dívidas” reforça o sentido da primeira parte, de ser apenas o R. o responsável por tal pagamento e, consequentemente, de eximir a A. de tal responsabilidade. Se “exonerar” tivesse sido usado em sentido próprio, de ficar a A. liberada pelos credores, traduzir-se-ia em obrigação cujo cumprimento não estava na disponibilidade do R., pois apenas os credores podem exonerar o devedor, mediante declaração expressa (art.º 595º do CC).
Dele não resulta ter o R. assumido a obrigação de a A. vir a ser exonerada pelos credores das referidas dívidas, o que se afigura consentâneo com o regime da assunção de dívida, conforme supra exposto. Nem sequer o R. se obrigou a efetuar o pagamento das dívidas em circunstâncias específicas, pois nada foi consignado quanto a datas, prazos, montantes parcelares ou totais.
E também não resulta do texto que o R. se tenha obrigado a diligenciar pela obtenção da exoneração junto dos credores, que estiveram representados na conferência de interessados, como resulta da respetiva ata que integra a certidão extraída do processo de inventário, junta aos autos como documento nº1 com a petição inicial, na qual o tribunal a quo fundou os factos provados sob os pontos 4 a 6, e que não declararam exonerar a A. do respetivo pagamento, o que podiam ter feito naquele ato, caso fosse essa a sua vontade e intenção. A ausência de declaração de exoneração terá certamente o significado de que não pretenderam fazê-lo, não se afigurando plausível que, no referido circunstancialismo, o R. tivesse querido assumir tal obrigação.
Como se refere no Ac. RL de 11/12/2014 [5], relativo a escritura de partilha após divórcio: “A Requerente, recorde-se, peticionou a fixação de prazo para o Requerido “desonerar a Requerente do crédito mutuário contraído junto do Banco ...garantido por hipoteca sobre o imóvel” àquele adjudicado em escritura de partilhas em consequência do divórcio decretado entre ambos, “deixando a Requerente de constar como mutuária do contrato de crédito e de ser responsável pelo pagamento das respectivas prestações”.
Ora, e desde logo, se é certo que “nos termos declarados na escritura pública em causa, o Requerido obrigou-se ao pagamento exclusivo do crédito contraído junto do ...”, já não é verdade ser “suposto”, “nos termos” dessa mesma escritura, “que o aqui Requerido procedesse à alteração do contrato de mútuo (…). Passando (…) a figurar como único titular do sobredito crédito hipotecário”, leia-se, como o único mutuário/devedor, no mesmo contrato, vd. art.ºs 8º e 9º do requerimento inicial). (…)
O que tudo, iniludivelmente, afasta qualquer temeridade hermenêutica no sentido do assumir, por um dos outorgantes na referida escritura, da obrigação de alterar o contrato de mútuo, de modo a passar a figurar nele como único mutuário/ devedor, o outro outorgante.
Diga-se ainda, e a propósito, que uma tal, descartada, obrigação – implicando a imposição ao credor, da exoneração liberatória da co-mutuária, aqui Requerente, melhor do que a “transmissão” a título singular de uma dívida, e posto que sendo aquela e o Requerido originais devedores solidários, no confronto do credor – redundaria em negócio com objeto contrário à lei, cujos princípios fundamentais repudiam essa unilateral desvinculação no confronto do credor, do originário devedor ou codevedor, como resulta do disposto no art.º 406º, n.º 1 do Código Civil, e aflora, no citado art.º 595º, n.º 2, mas também no art.º 424º, igualmente daquele compêndio normativo.”
Na carta a que alude o facto provado nº 10, em resposta a interpelação da A. para proceder à exoneração, enviada pelo R. à A., datada de 22/08/2023, foi comunicado o seguinte:
“Foi com a maior perplexidade e estupefação que recebi a V/ interpelação respeitante ao assunto identificado em epígrafe.
Em primeiro lugar porquanto, negando o conteúdo da interpelação ora em resposta nunca V.Excia solicitou a desoneração pretendida.
Em segundo lugar, na data da conferencia de interessados V.Excia não exigiu qualquer desoneração do Banco … instituição que, aliás, naquela diligência foi inequívoca na afirmação de que não abdicava das garantias que incidiam sobre o imóvel e não desvincularia os intervenientes no contrato de mutuo que incide sobre o prédio.
Assentes estes factos, porém, comunica-se a V.Excia que me encontro a diligenciar pela desoneração por V.Excia pretendida o que se espera, pois depende da instituição bancária envolvida, acontecer no terceiro / quarto trimestre de 2023 consignando o signatário não admitir quaisquer responsabilidades no facto de V.Excia não aceder ao crédito bancário tanto mais que o documento que anexou à interpelação não esclareceu os motivos da recusa.”
Sendo o acordo vinculativo apenas entre as respetivas partes, o mesmo assume relevância no caso de o R. não efetuar o pagamento dos referidos créditos, assim incumprindo a obrigação que assumiu, e de vir a A. a ser confrontada com a reclamação do respetivo pagamento por parte dos credores. Nesse caso, e se a A. viesse a efetuar o pagamento das dívidas, assistir-lhe-ia o direito de regresso sobre o R. (art.º 524º do CC).
Não foi isto que sucedeu.
A indemnização atribuída em 1ª instância à A. reporta-se a danos patrimoniais, decorrentes de não ter obtido empréstimo bancário para aquisição de habitação, bem como danos não patrimoniais. Entendeu-se existir nexo de causalidade entre a conduta do R., reputada de incumpridora do acordo firmado, concretamente quanto à obrigação de diligenciar no sentido da exoneração da A. do crédito habitação junto do credor Banco … e tais danos.
O pedido de exoneração da A. foi aprovado em 07/02/2024 e concluído com entrega da declaração de exoneração à A. em 12/03/2024, a pedido do R.
Não foram consignados factos que permitam sustentar que tal só veio a suceder nessa data por o R. apenas ter apresentado o respetivo pedido em 05/02/2024 (sendo que em 09/08/2023 o R. havia solicitado informação junto do banco quanto ao procedimento para exoneração da A.) nem que a A. não conseguiu obter (diretamente) a exoneração junto do Banco … por causa imputável ao R. ou sequer que tenha a própria diligenciado nesse sentido.
Nenhum obstáculo se vislumbra em a A. tomar a iniciativa de apresentar no Banco … o acordo de partilha e respetiva sentença homologatória solicitando a sua exoneração. E caso o credor entendesse que era necessário algum documento ou declaração do R. devia este ser instado a entregá-lo. Se não o fizesse, então estaria a obstaculizar a pretendida exoneração e esta sua conduta poderia eventualmente desencadear responsabilidade por danos que dela adviessem a resultar para a A..
 Acresce que se desconhecem as condições que o banco entendia necessárias para exonerar a A. da dívida, não sendo de olvidar que sobre o imóvel dado de garantia ao Banco …, por via de hipoteca, incidia também uma penhora a favor dos credores FF e PP, registada em 16/02/2022, a qual veio a ser cancelada no registo predial em 24/02/2023 e que a aquisição, por partilha subsequente a divórcio, a favor de HH, sendo sujeito passivo CC, foi registada em 18/11/2023 (cfr. factos provados sob o ponto 2).
Em suma, não se provaram factos essenciais ao preenchimento dos pressupostos cumulativos da responsabilidade civil contratual imputada ao R., concretamente não se demonstrou qualquer incumprimento pelo R. do acordo de partilha nem nexo de causalidade com os danos considerados provados e objeto da condenação, pelo que sobre o R. não impende a obrigação de indemnizar a A.
Fica prejudicada a apreciação da questão da contagem dos juros de mora.
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida e, em consequência, absolve-se o R. dos pedidos.
Custas do recurso a cargo do apelado.

Lisboa, 19 de dezembro de 2024
Teresa Sandiães
Marília dos Reis Leal Fontes
Cristina Lourenço
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[1] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, CPC Anotado, Almedina, 2º edição, vol I, pág. 683
[2] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 4ª edição, vol. II, pág. 363
[3] Ac. RP 18/03/2024, proc. nº 6596/18.3T8CBR.P1, in www.dgsi.pt
[4] proc. nº 852/12.1TBPTM-A.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[5] proc. nº 1669/13.1TVLSB.L1-2, in www.dgsi.pt