Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16602/20.6T8LSB.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: CONTRATO DE MANDATO
ADVOGADO
HONORÁRIOS
EXIGIBILIDADE
RETENÇÃO
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Cumprido o mandato (ou quando lhe seja solicitado pelo cliente), o advogado fica obrigado à elaboração da nota de honorários, da qual deve constar a discriminação dos serviços prestados e a respectiva valorização pecuniária, segundo o critério previamente estipulado pelas partes por escrito, se existir, ou com relação à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades assumidas pelo advogado e aos demais usos profissionais.
2. Caso omita tal elaboração dessa nota de honorários, não é exigível pelo advogado qualquer pagamento, a título de compensação económica adequada a que tem direito pelos serviços que prestou, nem tão pouco pode o advogado reter alguma quantia do seu cliente que se encontre licitamente em seu poder, para garantia do pagamento dessa compensação (e bem ainda das despesas geradas pelos serviços que prestou).
3. A compensação é o meio que o devedor dispõe de se livrar da obrigação por extinção simultânea do crédito equivalente de que dispõe sobre o seu credor.
4. Podendo a compensação ser legal ou voluntária, esta última opera ao abrigo da autonomia privada e sujeita à disciplina geral dos contratos, mas não aos requisitos da compensação legal, previstos nos art.º 847º e seguintes do Código Civil.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
H., Ld.ª intentou acção declarativa com processo comum contra V. – Sociedade de Advogados, RL (1ª R.) e JF. (2º R.), pedindo a condenação solidária dos RR. no pagamento da quantia de €231.299,88, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos e perfazendo os vencidos a quantia de €60.049,25.
Para sustentar o seu pedido alega, em síntese, que:
· Dedica-se ao comércio imobiliário e faz parte de um grupo de sociedades designado por H.;
· Contratou a prestação dos serviços jurídicos da 1ª R. e conferiu mandato forense ao 2º R. para a assessorar juridicamente e a representar em juízo, bem como as restantes sociedades que integram o grupo;
· No âmbito de tal relação contratual o 2º R. foi constituído mandatário forense da A. no âmbito do processo de expropriação n.º 217/2001, que correu os seus termos pelo 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Gondomar;
· Por despacho datado de 8/7/2013 a indemnização atribuída foi fixada no valor final de € 254.319,69;
· O Tribunal Judicial de Gondomar procedeu ao pagamento do montante de €256.299,88 por meio de três depósitos autónomos realizados entre 29/11/2013 e 28/1/2014;
· Aquando da fixação de indemnização o 2º R. apresentou requerimento no processo de expropriação, indicando o NIB da 1ª R. para concretização dos pagamentos devidos, acompanhado de NIF da A., requerimento que veio a repetir posteriormente;
· Com tal comportamento induziu o tribunal em erro, levando a que os pagamentos fossem realizados para conta bancária da 1ª R.;
· A A. não mandatou qualquer um dos RR. para receber quantias em seu nome;
· Do valor recebido os RR. não prestaram contas nem entregaram algum montante à A.;
· Em Julho de 2011, em razão da crise económica e financeira posterior a 2008 e que atingiu as sociedades do grupo H., A. e RR. acordaram suspender a avença relativa à prestação de serviços que existia, mantendo-se, todavia, a representação em alguns processos pendentes, que apenas aguardavam decisão, entre os quais a referida expropriação;
· Nessa altura existiam valores em dívida da A., relativos à avença, ficando acordado que as contas seriam acertadas com o resultado dos proveitos obtidos nos processos que se mantinham a correr;
· Quando a A. soube do recebimento pela 1ª R. da indemnização paga no processo de expropriação contactou o 2º R., tendo em 1/8/2014 a 1ª R. confirmado que havia recebido o valor da indemnização e que o usou para se fazer pagar dos valores em dívida da avença e de despesas e de honorários, sendo que o remanescente foi processado como provisão para despesas e honorários dos processos ainda em curso;
· Os RR. não haviam emitido qualquer nota de honorários ou factura relativa a tais pagamentos, sendo o crédito da 1ª R. sobre a A. no valor de €754,50;
· Em 26/12/2014 a 1ª R. entregou à A. a quantia de €25.000,00, por transferência bancária;
· Os RR. retiveram ilicitamente a quantia devida à A., causando à A. um prejuízo correspondente ao montante que não lhe foi entregue.
Os RR. apresentaram contestação conjunta, aí alegando em síntese que:
· A 1ª R. entregou à A. o valor total de €57.000,00, entre Dezembro de 2014 e Maio de 2015;
· Os RR. prestaram serviços jurídicos a VD. e às suas empresas durante mais de 20 anos, e as relações entre ambos sempre se pautaram pela correcção, respeito, reconhecimento, confiança, amizade e gratidão, sendo os valores envolvidos e as mais-valias asseguradas do valor de muitos milhões de euros;
· A A. integra um grupo de empresas constituído por dezenas de empresas em Portugal, no Brasil e nos Estados Unidos da América, proprietário de milhares de imóveis no valor de dezenas de milhões de euros;
· Entre 2011 e final de 2014/início de 2015 os RR. continuaram a representar a A. (ou sociedades do grupo) em diversos processos judiciais e não apenas na expropriação referida, ficando acordado que as contas se acertariam entre as partes e que os valores em dívida seriam pagos quando tais processos gerassem liquidez;
· Os RR. continuaram a prestar serviços jurídicos à A. e ao grupo noutras pastas e assuntos extrajudiciais, designadamente junto de entidades administrativas;
· Na sequência de contactos entretanto mantidos, os RR. perceberam que se a A. recebesse o valor da indemnização fixada no processo de expropriação em causa não pagaria os valores das facturas que se encontravam por pagar pela actividade desenvolvida até Junho de 2011, bem como o valor  relativo aos honorários por actividades desenvolvidas pelos RR. desde Julho de 2011;
· A 1ª R. indicou o seu NIB para receber a indemnização pela expropriação face ao acordo no sentido de serem compensados os créditos recíprocos;
· Em 2013/2014, num contexto da grave crise económica, decorriam obras nas instalações da 1ª R. e esta tinha que assegurar o cumprimento das suas obrigações, sejam por tais obras, sejam as relativas a despesas correntes com duas secretárias, oito advogados e pagamento de renda, não podendo correr o risco de ficar quatro ou cinco anos, correspondente ao tempo de um processo judicial, a aguardar o pagamento das dívidas da A. para consigo;
· Os juros reclamados, na parte que excede cinco anos, mostram-se prescritos.
Concluem pela improcedência da acção e bem ainda pela condenação da A. como litigante de má fé, em multa e indemnização aos RR. no valor de €2.000,00.
A A. respondeu ao incidente de litigância de má fé, aí invocando o lapso na indicação da quantia de €25.000,00, em vez de €57.000,00, e requerendo a correspondente redução do pedido, mais se pronunciando sobre a excepção da prescrição de juros e sobre a restante matéria susceptível de integrar excepção peremptória.
Na sequência de convite os RR. apresentaram contestação aperfeiçoada onde deduziram reconvenção, tendo em vista a extinção da sua obrigação por compensação de créditos, e pedindo que:
a) seja declarada a inexistência do direito da A. à devolução pela 1ª R. do valor de €199.300, (i) pelo facto desse direito ter sido extinto pela compensação extrajudicial operada pela 1ª R. com o seu crédito sobre a A. do mesmo valor; (ii) se assim não se entender, pelo facto desse direito ter sido extinto pela compensação acordada entre as partes relativamente aos créditos em causa; (iii) se assim não se entender, pelo facto desse valor retido pela 1ª R. dever ser tido como forma de pagamento do seu crédito sobre a A. do mesmo valor;
b) Se assim não se entender, que seja declarado o direito da 1ª R. à compensação de créditos em causa: os €199.300,00 que a 1ª R. deveria transferir para a A. pelos €199.300,00 que a A. deve à R.;
c) Se ainda assim não se entender, que seja declarado o direito da 1ª R. a fazer como seus os €199.300,00 que reteve à A., como forma de pagamento do seu crédito sobre esta pelo mesmo valor.
Em réplica a A. manteve a improcedência do incidente de litigância de má fé e a improcedência da excepção da prescrição de juros, mais impugnando a factualidade alegada pelos RR. em sede de reconvenção e concluindo pela improcedência dos pedidos reconvencionais.
Em audiência prévia foi proferido despacho saneador tabelar, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Após realização da audiência final, com sessões em 26/5/2023 e em 23/6/2023, foi proferida sentença em 8/11/2023, com o seguinte dispositivo:
Face ao exposto, decidindo:
a) Declara-se compensação do crédito indemnizatório da autora e do crédito de honorários dos réus, autorizando-se a ré a fazer suas as quantias retidas, nos termos abaixo liquidados;
b) Declara-se parcialmente procedente, por provada, a acção e condenam-se solidariamente os réus no pagamento à autora do valor de €21.600 (vinte e um mil e seiscentos euros), não objecto de compensação, quantia a que acrescem de juros de mora devidos para as obrigações civis desde a citação e até integral pagamento;
c) Declara-se parcialmente procedente, por provada, a reconvenção e condena‑se a reconvinda a pagar aos reconvintes o montante constante da nota de honorários por si emitida e enviada, deduzida do valor supra referido, num total de €130.200 (cento e trinta mil e duzentos euros), no que concerne a actos praticados entre Julho de 2011 e Julho de 2014, acrescida do valor de €48.500 (quarenta e oito mil e quinhentos) relativos à dívida relativa a contrato de avença vencida até Julho de 2011, e juros vencidos sobre este valor, montantes integralmente compensados pelos réus-reconvintes.
Custas na proporção do decaimento, dispensando-se às partes o pagamento de taxa remanescente e fixando-se à causa o valor de €490.649,13”.
A A. recorre desta sentença, sendo que na sua alegação invoca que as conclusões do recurso são aquelas que constam dos 159 pontos que aqui se reproduzem integralmente:
1. Na douta sentença ora recorrida, foi julgado como provado o facto n.º 16: “Nesse momento existia um atraso, não concretamente apurado, na liquidação à dos valores devidos pela avença, num montante global também não concretamente apurado;”.
2. Os factos provados têm de consubstanciar realidades certas, determinadas, que resultem, evidentemente, da prova produzida nos autos, o que não é o caso do facto n.º 16, pois o Tribunal a quo parece nada ter concluído da prova produzida quanto ao tempo de atraso na liquidação aos Recorridos, do apuramento dos valores devidos.
3. O facto n.º 16 tem, assim, um carácter genérico, indeterminado, e impreciso, não logrando considerar como provada qualquer realidade concreta com fundamento na prova produzida nos presentes autos, pelo que deve ser removido da factualidade dada como provada.
4. Na douta sentença ora recorrida foram julgados como provados os factos n.º 21, 22 e 23, que em síntese concluem que no período compreendido entre 28/07/2011 e 01/08/2014, os Recorridos prestaram serviços à Recorrente (e a outras sociedades do grupo V.) nos processos judiciais referidos no documento n.º 9 da contestação, mais concretamente os reproduzidos no facto n.º 21, bem como nos procedimentos administrativos e processos judiciais referidos no facto n.º 22.
5. O Tribunal a quo remete a convicção que formou sobre o facto n.º 21 para o documento n.º 9 da contestação, que identifica exclusivamente: (i) o número interno de cliente; (ii) o nome do cliente – que não a Recorrente; (iii) o número da pasta; (iv) identificação da parte contrária.
6. E não faz qualquer referência aos serviços prestados nessas “pastas”, designadamente a data, o tipo de serviço, o tempo gasto, a complexidade do assunto, o valor/hora ou o valor global de cada serviço ou “pasta”, ou qualquer outro elemento que pudesse constituir um referencial para a cobrança de um serviço cuja prestação não está sequer minimamente indiciada, quanto mais provada.
7. E que não aconteceu.
8. O facto n.º 21 dado como provado pelo Tribunal a quo, não reproduz – ao contrário do que ali se afirma – o documento n.º 9 da contestação.
9. Vai muito além sem que se perceba, do facto ou da respectiva fundamentação, a fonte do conhecimento e da convicção deste facto provado que vai para lá do que sinteticamente refere o documento n.º 9 da contestação.
10. Os autos contêm até prova objectiva que contraria frontalmente o facto provado de que “após 28/7/2011 os réus continuaram a prestar serviços à autora e a outras sociedades do grupo” nas pastas identificadas no documento n.º 9 da contestação.
11. Pois que, no documento n.º 6 da contestação – comunicação electrónica de 28/07/2011 enviada pelo Recorrido (…) ao Dr. PD. – o Recorrido declara que enviará ao novo advogado da Recorrente, Dr. PM., todos os processos, “pastas”, e que continuaria exclusivamente a tratar daqueles com os quais tinham “especiais conexões”, e que identifica como sendo: “Lima 5 Porto, Moita NOPQ, Novo Mercado FF, Expropriação Gondomar, Ocupação/Expropriação Barreiro, Quinta dos Lóios Taxas”.
12. Ao que a Recorrente anuiu – cfr. documento n.º 6 da contestação.
13. Mas nem desses há qualquer prova, indício sequer da realização de qualquer trabalho, serviço ou diligência minimamente circunstanciada.
14. O Tribunal a quo dá como provado que os Recorridos continuaram a prestar serviços à Recorrente em processos que aquele declarou que iria remeter, logo em 28/07/2011, a um novo advogado para que deles se encarregasse.
15. No facto n.º 22 e 23, o Tribunal a quo dá como provado que os Recorridos também prestaram serviços à Recorrente nos «assuntos descritos nos dossiers internos referidos na comunicação de 28/7 e procedimentos administrativos e processos judiciais a estes referidos. - “Lima 5, Porto”, “Moita, NOPQ”, “Novo Mercado, Figueira da Foz”, “Expropriação Gondomar”, “Ocupação/Expropriação Barreiro”, “Quinta dos Loios”», o que sucedeu até 01/08/2014.
16. Reforça-se que não foi produzida prova sobre os concretos serviços que os Recorridos prestaram em cada um dos processos em que o Recorrido (…) era mandatário judicial de 28/07/2011 em diante, e nem a data em que foram prestados, ou sequer referência ou alegação da sua natureza, do tempo gasto, do valor, ou complexidade.
17. Pelo que, face à inexistência de prova da prestação de qualquer serviço que não foi sequer alegado, a questão que se coloca não é até quando foram prestados, mas se o foram, porque de facto não foram.
18. Com excepção, apenas, do processo n.º 217/2001 (processo de expropriação), onde se provou que o Recorrido foi notificado de uma decisão de recurso, apresentou dois requerimentos para se pagar da indemnização da cliente e recebeu efectivamente o valor que era destinado a esta.
19. Acresce que, o próprio documento n.º 9 da contestação corresponde a uma listagem interna elaborada pelos próprios Recorridos, pelo que todos os dados ali introduzidos são da sua inteira responsabilidade, e a Recorrente jamais os admitiu.
20. Não obstante, tal listagem jamais pode considerar-se uma nota de honorários ou sequer descrição de serviços prestados, capaz de fundar um qualquer crédito por honorários, pois não enumera os actos concretamente praticados em cada um dos processos, quando foram praticados, o tempo gasto, a complexidade, o valor, a sua natureza.
21. A inexistência de outros documentos juntos aos autos que façam menção a tais informações, juntamente com a falta de alegação de prestações concretas de serviços, não pode senão conduzir à presunção natural de que não foram prestados serviços, pois que, se o próprio advogado, detentor de uma tal informação e interessado na produção de tal prova não os junta, não os alega sequer, é porque não os prestou.
22. Não existe sequer qualquer alegação, referência ou prova de comunicações do advogado à cliente sobre a prática de tais actos e as respectivas consequências, nomeadamente resultados e decisões, o que reforça a convicção da inexistência de actos praticados.
23. Esta conclusão é reforçada pela prova testemunhal produzida nos autos, pois na impossibilidade de descrição dos serviços prestados, o Recorrido (…) (nos termos acima transcritos, cfr. Ficheiro diligencia_16602-20.6T8LSB_2023-06-23_12-08-16, minutos 00:31:39 a 00:34:29) e a testemunha CP. (nos termos acima transcritos, cfr. Ficheiro diligencia_16602-20.6T8LSB_2023-06-23_10-37-49, minuto 00:06:09), refugiaram-se em considerações genéricas, conclusivas, vazias, sem concretizar qualquer serviço concreto.
24. Na douta sentença, o próprio Tribunal a quo conclui que os Recorridos não apresentaram “uma alegação minimamente descritiva do trabalho efectivamente realizado (aludindo apenas, genericamente, aos processos e dossiers em que incidiu).
25. A posição assumida pelo Tribunal a quo na sentença recorrida é, assim, contraditória, pois se por um lado dá como provado a prestação de serviços pelos Recorridos à Recorrente entre 28/07/2011 e 01/08/2014 nos processos descritos nos factos provados n.º 21, 22 e no documento n.º 9 da contestação, por outro acaba por concluir que os Recorridos não alegaram minimamente a prestação de tais serviços, esgotando-se a sua alegação numa referência genérica às pastas.
26. Perante a dúvida que expressamente manifestou na sentença recorrida, o Tribunal a quo não podia considerar como provados factos que ele próprio reconhece que não foram minimamente alegados nos presentes autos.
27. Face ao exposto, impõe-se que os factos n.º 21, 22 e 23 sejam considerados como não provados, por não ter sido produzida prova relativamente à matéria de facto ali indicada.
28. No facto n.º 26, o Tribunal a quo considerou como provado que “por cartas registadas datadas de 19/12/2014 e 18/1/2015, enviadas pela e que a autora recebeu, foi comunicada nota de honorários por serviços prestados, junta como documento n.º 8 à contestação e aqui dada por integralmente reproduzida, desta constando um valor a pagar equivalente a € 146.775,92 (cento e quarenta e seis mil setecentos e setenta e cinco euros e noventa e dois cêntimos)”.
29. O documento n.º 8 da contestação é constituído por uma carta de 19/12/2014, que informa a Recorrente, entre o mais, do tratamento dado à indemnização por expropriação que os Recorridos receberam pela Recorrente (com o teor supra transcrito), e por uma carta de 18/01/2015 através da qual os Recorridos enviaram à Recorrente os seguintes documentos: a) Factura n.º 2015001/1 e recibo n.º 2015001/2; b) Listagem de “despesas de expediente” no valor de 4.930,02€, anexa à factura identificada em a); c) Factura n.º 2015001/2 e recibo n.º 2015001/3; e) Nota de débito n.º 2015001/1 e recibo n.º 2015001/1.
30. Uma nota de honorários implica a enumeração e discriminação dos serviços prestados, devendo os honorários ser separados das despesas e encargos, e sendo todos os valores especificados e datados.
31. As referidas cartas e os documentos anexos não contemplam qualquer enumeração e discriminação dos serviços prestados, com indicação da respectiva data em que foram executados e o seu valor.
32. Aliás, resultou provado que os Recorrentes nunca enviaram uma nota de honorários à Recorrida, nem qualquer outro documento com semelhante teor, do depoimento do Recorrido (…) no seu depoimento (nos termos acima transcritos, cfr. ficheiro diligencia_16602-20.6T8LSB_2023-06-23_12-08-16, minutos 00:31:39 a 00:35:16), e do representante legal da Recorrente (nos termos acima transcritos, cfr. ficheiro diligencia_16602-20.6T8LSB_2023-05-26_11-01-47, minutos 00:11:56 a 00:12:50).
33. O documento n.º 8 da contestação não consubstancia uma nota de honorários, mas antes uma simples carta a interpelar para o pagamento de um valor, apurado sem critério, como esclarece a representante legal da Recorrida (nos termos acima transcritos, cfr. Ficheiro diligencia_16602-20.6T8LSB_2023-05-26_11-23-37, minutos 00:18:24 a 00:18:41).
34. A lista de “despesas de expediente” é genérica, sem qualquer referência a processos judiciais ou extrajudiciais.
35. Face ao exposto, o facto n.º 26 deverá ser considerado não provado.
36. A inexistência de uma nota de honorários (com a discriminação dos serviços prestados) enviada pelos Recorridos à Recorrente não permite comprovar a liquidação e a interpelação para pagamento dos valores de honorários que os Recorridos se arrogam devedores, bem como dos serviços que efectivamente prestaram à Recorrente, reforça que os Recorridos não alegaram e não provaram os factos de onde emerge o crédito que afirmam ter.
37. O Tribunal a quo considerou, ainda, não provado “- Que o réu sabia que a autora nunca aceitaria que o mesmo indicasse uma conta bancária que não da titularidade da autora para o recebimento de quaisquer valores da sociedade”.
38. Sucede que, no seu depoimento em sede de audiência de julgamento, o Recorrido (…) admitiu que se tivesse comunicado tal intenção à Recorrente, tinham-lhe dito “proíbo-o de fazer isso” (nos termos acima transcritos, cfr. Ficheiro diligencia_16602-20.6T8LSB_2023-06-23_12-08-16, minuto 00:19:36).
39. Face ao exposto, este facto deverá ser dado como provado.
40. Do novo facto n.º 7.1.: Por email datado de 28/07/2011 (documento n.º 6 da contestação), o Recorrido (…) propôs à Recorrente terminar o regime de avença mensal até então em vigor (com efeitos imediatos), o que a Recorrente aceitou por email de 10/08/2011 (cfr. documento n.º 6 da contestação).
41. No período imediatamente anterior ao envio do referido email pelo Recorrido, o valor da avença mensal em vigor era de 1.000,00€ (mil euros), como resulta do depoimento da testemunha CP. (nos termos acima transcritos, cfr. ficheiro diligencia_16602-20.6T8LSB_2023-06-23_10-37-49, minutos 00:32:31 a 00:33:54).
42. Atento o exposto, deverá ser dado como provado o seguinte: 7.1. No período imediatamente anterior a 28/07/2011, o valor da avença mensal era de 1.000,00€ (mil euros).
43. Do novo facto n.º 14.1.: Conforme resulta dos factos provados n.º 12, 13 e 14, o Recorrido (…), na qualidade de mandatário judicial da Recorrente, apresentou dois requerimentos no processo de expropriação aqui em apreço (processo n.º 217/2001), onde indicou para pagamento da indemnização devida o NIPC da Recorrente, e o IBAN da Recorrida.
44. Resultou igualmente provado nos presentes autos que a Recorrente nunca autorizou o Recorrido (…) a indicar o IBAN da Recorrida no processo de expropriação para assim receber do Tribunal a indeminização que era ali devida à Recorrente, conforme resulta do depoimento do representante legal da Recorrente (nos termos acima transcritos, cfr. ficheiro diligencia_16602-20.6T8LSB_2023-05-26_11-01-47, minutos 00:09:59 a 00:10:13), depoimento da representante legal da Recorrida (nos termos acima transcritos, cfr. ficheiro diligencia_16602-20.6T8LSB_2023-05-26_11-23-37, minutos 00:08:33 a 00:09:01), e do Recorrido nos termos acima transcritos, cfr. ficheiro diligencia_16602-20.6T8LSB_2023-06-23_12-08-16, minuto 00:19:36).
45. E fê-lo consciente e expressamente contra a vontade da mandante, para aproveitar sub-repticiamente a oportunidade de se pagar pelas próprias mãos, como revela o depoimento da testemunha CP. (nos termos acima transcritos, cfr. ficheiro diligencia_16602-20.6T8LSB_2023-06-23_10-37-49, minutos 00:26:50 a 00:27:43).
46. Face ao exposto, deverá ser dado como provado o seguinte (já alegado no artigo 17 da petição inicial e no artigo 26 da réplica de 29/06/2021): 14.1. A Autora não autorizou o Réu a indicar ao Tribunal de Gondomar, no âmbito do processo de expropriação, o NIB da conta bancária titulada pela sociedade para efeitos de pagamento da indemnização por expropriação.
47. Do novo facto n.º 31.1: Na fundamentação da sua convicção quanto aos factos provados e na fundamentação de direito, o Tribunal a quo concluiu que não iria colocar em causa o critério utilizado pelos Recorrentes para definir os honorários cobrados pelo período de 28/07/2011 em diante, uma vez que a Recorrente não o havia contestado, não se compreendendo como alcançou essa conclusão, porque não o explica.
48. Contrariamente à convicção do Tribunal a quo, a Recorrente contestou o valor dos honorários e a forma como foram quantificados, pois por email datado de 26/09/2014 a Recorrente opor-se expressamente à pretensão dos Recorridas manifestada no email de 01/08/2014 – cfr. documento n.º 7 da petição inicial – o que confirmou no seu depoimento em sede de audiência de discussão e julgamento (nos termos acima transcritos, cfr. ficheiro diligencia_16602-20.6T8LSB_2023-05-26_12-18-50, minutos 00:08:08 a 00:08:52).
49. Esta falta de acordo quanto à determinação do critério para definir os honorários a pagar foi corroborada pelo depoimento da legal representante da Recorrida (nos termos acima transcritos, cfr. ficheiro diligencia_16602-20.6T8LSB_2023-05-26_11-23-37, minutos 00:23:50 a 00:24:07) e pelo depoimento do Recorrido (…) (nos termos acima transcritos, cfr. ficheiro diligencia_16602-20.6T8LSB_2023-06-23_12-08-16, minutos 00:24:31 a 00:25:36).
50. Deste modo, deverá ser dado como provado o seguinte (já alegado no artigo 30 da réplica de 29/06/2021): 31.1. Por correio electrónico enviado no dia 26/09/2014, a Autora respondeu que não concordava com o os critérios e o processamento dado pelos Réus ao valor da indemnização que estes receberam por conta da Autora no processo de expropriação.
51. Do novo facto 31.2.: É através do email de 01/08/2014, que os Recorridos dão pela primeira vez conhecimento à Recorrente dos valores que consideraram serem-lhes devidos a título de honorários e de despesas do período de 28/07/2011 em diante, as quais se fez pagar pela indemnização indevidamente recebida.
52. Até então, os Recorridos nunca reclamaram junto da Recorrente o pagamento de quaisquer serviços prestados ou despesas, nem a Recorrente recusou pagar o quer que fosse.
53. Pelo que até à recepção daquele email, a Recorrente desconhecia que valores estariam em dívida e a que título, conforme resulta do depoimento do representante legal da Recorrente (nos termos acima transcritos, cfr. ficheiro diligencia_16602-20.6T8LSB_2023-05-26_11-01-47, minutos 00:10:45 a 00:11:53).
54. Face ao exposto, resultou provado que no período compreendido entre 28/07/2011 e 01/08/2014 os Recorridos nunca interpelaram a Recorrente para pagamento dos eventuais valores que fossem devidos a título de honorários e das despesas incorridas após o término do regime de avença.
55. Assim, deverá ser dado como provado o seguinte (já alegado nos artigos 29 e 30 da petição inicial e no artigo 29 da réplica de 29/06/2021): 31.2. Por correio electrónico enviado 01/08/2014, os Réus informaram pela primeira vez a Autora dos valores que consideravam ser devidos a título de honorários e despesas incorridas após o término do regime de avença a 28/07/2011.
56. Do novo facto 31.3.: De acordo com o documento n.º 7 da contestação, que consubstancia uma listagem elaborada pelos próprios Recorridos (junto aos presentes autos por requerimento de 03/12/2023, referência citius 27893039), a Recorrente era devedora das seguintes facturas: 1) Factura n.º 001/00892, datada de 30/11/2010, no valor de 535,50€; 2) Factura n.º 001/201100004, datada de 28/02/2011, no valor de 204,00€; 3) Factura n.º 001/201100024, datada de 16/05/2011, no valor de 15,00€.
57. O que perfaz um valor global em dívida de 754,50€ (setecentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta cêntimos).
58. As restantes parcelas dizem respeito às sociedades H. Centro, Lda. e H. Norte, Lda., como decorre do referido documento, que não podem ser cobradas à Recorrente porquanto esta é uma sociedade dotada de personalidade jurídica, e distinta das outras sociedades que integram o grupo de empresas V.
59. Tal valor consta, igualmente, na conta corrente extraída da contabilidade da Recorrente junto aos presentes autos sob o documento n.º 8 da petição inicial, que respeita ao período compreendido entre 01/01/2014 e 31/12/2019, e foi reconhecido no depoimento da testemunha PD. (nos termos acima transcritos, cfr. ficheiro diligencia_16602-20.6T8LSB_2023-05-26_12-18-50, minutos 00:08:57 a 00:09:03).
60. Resulta, assim, provado nos presentes autos que à data dos factos em apreço (designadamente nos dias 01/08/2014 e 19/12/2014) a Recorrente devia à Recorrida o montante de 754,50 € (setecentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta cêntimos).
61. Face ao exposto, deverá ser dado como provado o seguinte (já alegado no artigo 32 da réplica de 20/11/2020): 31.3. No dia 01/08/2014 e no dia 19/12/2014, a Autora devia à o valor de 754,50 (setecentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta cêntimos).
DO DIREITO
A– DA RESPONSABILIDADE CIVIL
62. Entre a Recorrente e o Recorrido (…), foi celebrado um contrato de mandato forense, contrato atípico sujeito ao regime especial do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA) e, subsidiariamente, o regime civilístico do mandato previsto nos artigos 1157º e seguintes do Código Civil.
63. Na relação estabelecida entre advogado e cliente, há dois princípios basilares: i) a relação deve fundar-se na confiança recíproca; ii) o advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas (artigo 97º do EOA).
64. O artigo 1161º, alíneas a), b) e e) do Código Civil prevê obrigações do mandatário, designadamente seguir as instruções do mandante, prestar as informações que este lhe peça, e entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato.
65.Nos presentes autos é discutido o mandato forense conferido pela Recorrente ao Recorrido (…) no processo de expropriação n.º 217/2001, que correu termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Gondomar.
66. O douto Tribunal a quo concluiu que o Recorrido (…) confessou nos presentes autos que, no exercício do referido mandato forense: i) indicou NIB da em requerimento dirigido ao tribunal para efeitos de processamento dos pagamentos devidos em processo de expropriação (incluindo o teor dos requerimentos em causa, com indicação de número de identificação fiscal da expropriada, aqui Recorrente); ii) recebeu e reteve as quantias transferidas; iii) não comunicou o recebimento imediatamente, tendo-o feito meses mais tarde, na sequência de contacto feito pela Recorrente; iv) destinou as quantias recebidas à satisfação de necessidades da própria Recorrida sociedade, sendo estas referidas ao pagamento de despesas extraordinárias (relativas a obras que realizava nas instalações) e ordinárias (relativas a pagamentos a funcionários e advogados, ao pagamento de rendas e a outros pagamentos).
67. Da prova produzida, resultou igualmente provado que a Recorrente não autorizou o Recorrido (…) a indicar o NIB da Recorrida sociedade ao Tribunal de Gondomar para efeitos de pagamento da indemnização por expropriação.
68. No seu depoimento em sede de audiência de julgamento, o Recorrido (…) reconheceu que não comunicou à Recorrente que iria indicar o NIB Recorrida e assumiu que, se o tivesse comunicado, a Recorrente ter-lhe-ia dito: “proíbo-o de fazer isso”.
69. Ou seja, o Recorrido (…) agiu à revelia da Recorrente, com a plena consciência de que o acto que iria praticar nunca seria consentido por esta, por quem lhe conferiu o mandato forense.
70. De forma premeditada, voluntária e absolutamente consciente, o Recorrido (…) violou o mandato forense que lhe tinha sido conferido pela Recorrente quando indicou, por duas vezes, o NIPC da Recorrente, mas o NIB da Recorrida.
71. Face ao exposto, o Recorrido violou grosseiramente o mandato forense que lhe foi conferido pela Recorrente no âmbito daquele processo judicial, pois agiu à sua revelia, com a consciência que tal acto era contrário à vontade da Recorrente e que nunca seria por ela autorizado, e agiu em persecução dos seus próprios interesses e não nos da cliente.
72. Pelo que o comportamento do Recorrido (…) para além de um ilícito disciplinar, consubstancia um ilícito civil, o que aliás a sentença recorrida reconhece.
73. A sentença conclui que, não obstante demonstrada a ilicitude do comportamento do Recorrido (e consequentemente da Recorrida), não há lugar a responsabilidade contratual por não se verificar um efectivo prejuízo na esfera jurídica da Recorrente, pois “o prejuízo efectivo que resulta para a autora, decorrente do comportamento dos réus, será apenas referente à diferença entre o valor retido e o valor dos honorários a pagar”.
74. Como resulta do teor da comunicação electrónica enviada pelo Recorrido à Recorrente em 28/07/2011 (transcrita no facto provado n.º 19), as partes acordaram relegar o pagamento das facturas já emitidas até àquela data (referentes ao regime de avença em vigor até então), e o pagamento dos serviços que entretanto viessem ser prestados para o momento em que a Recorrente recebesse alguma receita dos processos judiciais em que o Recorrido continuava mandatado, altura em que então “fariam contas”.
75. Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2013, e no dia 14/11/2013, o Recorrido apresentou no processo de expropriação os referidos requerimentos onde indicou o NIPC da Recorrente mas o NIB da Recorrida para efeitos de pagamento da indemnização ali devida à Recorrente.
76. Os pagamentos da indemnização por expropriação foram (indevidamente) efectuados para a conta bancária da Recorrida em 29/11/2013 e 28/01/2014,
77. E só no dia 01/08/2014 é que os Recorridos comunicam à Recorrente as suas contas, estabelecidas de forma unilateral e sem o prévio acordo como havia sido estabelecido entre as partes em 2011.
78. Note-se que, até então, os Recorridos nunca tinham interpelado a Recorrente para efectuar o pagamento de qualquer valor que consideravam ser-lhes devido, o mesmo é dizer que nunca tinham “feito contas”.
79. Nunca os Recorridos tinham prestados contas do mandato que afirmam ter cumprido à Recorrente, e mesmo nos presentes autos os Recorridos não lograram provar qualquer prestação de serviços no período que se seguiu ao término da avença, o momento da sua prática, o seu valor, a sua complexidade, nem as despesas que alegadamente incorreram.
80. Portanto, na data da prática dos factos – data da submissão dos referidos requerimentos pelo Recorrido – a Recorrente não era devedora de qualquer quantia, fosse a que título fosse, pelo que não podia o Tribunal a quo dar como provado que o valor cobrado pelos Recorridos a título de honorários e despesas era efectivamente devido pela Recorrente.
81. Os Recorridos sabiam, ainda, que no período em apreço, estava em curso o Processo Especial de Revitalização (PER) da Recorrente – cfr. carta de 19/12/2014, junta sob o documento n.º 8 da contestação – tinham, por isso da situação financeira frágil em que a Recorrente se encontrava, e das consequências nefastas de privarem a Recorrente de receberem tal valor indemnizatório.
82. Atento o exposto, existe efectivamente um prejuízo para a Recorrente, que corresponde à diferença entre o valor indevidamente recebido e retido pelos Recorridos e o valor posteriormente devolvido, ou seja, 199.299,88€ (cento e noventa e nove mil duzentos e noventa e nove euros e oitenta e oito cêntimos).
83. Pelo que estão preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil dos Recorridos nos presentes autos, tendo o douto Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento.
B DO DIREITO DE RETENÇÃO
84. O direito de retenção é um direito real de garantia e consiste na faculdade que tem o detentor de uma coisa de não a entregar a quem lha pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele.
85. O direito de retenção por advogado sobre valores do seu cliente é regido pela conjugação do regime geral previsto nos artigos 754º e seguintes do Código Civil, com o regime específico previsto no artigo 101º, n.º 3 do EOA.
86. Nos termos do regime geral (previsto no artigo 754º do Código Civil), para que exista direito de retenção é necessário: i) que o respectivo titular detenha licitamente uma coisa que deva entregar a outrem; ii) que, simultaneamente, seja credor daquela a quem deve a restituição; iii) que entre os dois créditos haja uma relação de conexão nas condições definidas naquele artigo.
87. Prevê o artigo 756º, alínea a) do Código Civil que não direito de retenção “a favor dos que tenham obtido por meios ilícitos a coisa que devem entregar, desde que, no momento da aquisição, conhecessem a ilicitude desta”.
88. Por provado, ficou assente na sentença ora recorrida que a indicação pelos Recorridos do NIB da Recorrida para efeitos de pagamento da indemnização por expropriação, contra a vontade da Recorrente e à sua revelia, consubstancia um comportamento ilícito,
89. E que o Recorrido conhecia e tinha consciência de que o acto que estava a praticar era ilícito – como o próprio reconheceu no seu depoimento em sede de audiência de julgamento, quando refere que se comunicasse seria proibido pela Recorrente de o fazer – o que não o coibiu de praticar tal acto, por duas vezes.
90. Ou seja, a indemnização da expropriação (coisa a entregar) foi obtida pelos Recorridos de forma ilícita, e estes tinham plena consciência da ilicitude no momento em que indicaram o NIB da Recorrida, como confessado nos autos.
91. Mais, naquela data, os Recorridos não eram credores de qualquer valor sobre a Recorrida, pois não tinham interpelado a Recorrente para pagamento do que quer que fosse.
92. Deste modo, os Recorridos não tinham o direito de reter a indemnização por expropriação indevidamente recebida na conta bancária da Recorrida, pelo que a retenção executada pelos Recorridos é ilícita, ao abrigo do disposto no artigo 756º, alínea a) do Código Civil.
Caso assim não se entenda,
93. O regime específico, consagrado no artigo 101º, n.º 3 do EOA, prevê requisitos adicionais àqueles previstos no artigo 754º do Código Civil, designadamente a obrigatoriedade de o advogado apresentar nota de honorários e de despesas ao cliente antes de exercer o direito de retenção.
94. De acordo com o previsto no artigo 105º, n.º 2 do EOA, na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados, tratando-se esta de uma formalidade que se destina a demonstrar a liquidação do crédito de honorários e, simultaneamente, a interpelação para o seu pagamento.
95. Ou seja, o direito de retenção apenas surge após apresentação da nota de honorários, como decorre do disposto artigo 101º, n.º 3 do EOA (não estando consentido aos advogados recorrerem à compensação, ou seja, a pagarem-se pelas suas próprias mãos), o que constitui um pressuposto formal imprescindível ao exercício do direito de retenção pelo advogado, sem o qual essa mesma retenção tem de ser considerada ilícita, por violação de lei.
96. Deve, ainda, ser clara a recusa do pagamento da nota de honorários e de despesas pelo cliente.
97. No caso em apreço, resultou provado que em data não concretamente apurada mas em 2013, e no dia 14/11/2013, o Recorrido apresentou no processo de expropriação dois requerimentos onde indicava o NIPC da Recorrente e o NIB da Recorrida para efeitos de pagamento da indemnização por expropriação pelo Tribunal de Gondomar, que tinha ali sido atribuída à Recorrente por decisão judicial (cfr. documento n.º 2 e 3 da petição inicial).
98. Que, nos dias 29/11/2013 e 28/01/2014, o Tribunal de Gondomar efectuou o pagamento da referida indemnização para a conta bancária titulada pela Recorrida, no valor global de 256.298,00 € (cfr. documentos n.º 4 e 5 da petição inicial), data em que se verificou e efectivou a retenção daquele valor pelos Recorridos.
99. Que só por email datado de 01/08/2014, e após diversas interpelações da Recorrente nesse sentido, é que os Recorridos comunicaram à Recorrente que a indemnização por expropriação tinha sido paga para a conta bancária da Recorrida (cfr. documento n.º 7 da petição inicial).
100. Neste mesmo email, os Recorridos informaram a Recorrente do “processamento” que tinham dado aquele valor, apresentando pela primeira vez valores de honorários e de despesas que perfaziam o valor global de 256.406,00€, com o qual a Recorrente discordou expressamente (cfr. documento n.º 7 da petição inicial).
101. Por carta datada de 19/12/2014, os Recorridos informaram a Recorrente, entre o mais, do novo processamento que tinham dado ao valor que receberam do Tribunal de Gondomar por conta da Recorrente, apresentando valores de honorários e de despesas alegadamente incorridas no montante global de 199.299,88€, propondo devolver apenas 57.000,00€.
102. Por carta datada de 18/01/2015, os Recorridos enviam à Recorrente as facturas e recibos nos valores e pelas parcelas indicadas na carta anterior, e uma lista com as alegadas despesas de expediente em que incorreram, valores e documentos que a Recorrente nunca aceitou.
103. Face ao exposto, os Recorridos em primeiro lugar efectuaram a retenção do valor que era devido à Recorrente e que foi indevidamente creditado na conta bancária da Recorrida, e só depois (em 19/12/2014) é que enviaram uma comunicação à Recorrente onde indicam o processamento dado ao valor retido, apresentando valores de honorários e de despesas que consideravam ser devidos,
104. Que, aliás, não constitui uma nota de honorários, pelo facto de não discriminar que serviços foram concretamente prestados à Recorrente, a data, o seu valor, a sua complexidade, a sua natureza,
105. Nem o documento anexo à carta de 18/01/2015 constitui uma nota de despesas, porquanto é genérica, não sendo possível determinar em que processo é que as mesmas foram incorridas, e com que finalidade.
106. No que respeita às facturas em dívida emitidas até Junho de 2011 (pelo regime de avença em vigor até 28/07/2011), as partes tinham acordado expressamente em suspender o pagamento das mesmas, e que mais tarde fariam contas, não tendo os Recorridos interpelado a Recorrente para pagamento de tais facturas até ao dia 01/08/2014, e nunca tendo a Recorrente recusado o seu pagamento.
107. Razões pelas quais se conclui que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quando decidiu que a retenção é lícita, uma vez foi enviada e não paga nota de honorários por serviços prestados.
108. A lei é clara: o advogado só pode exercer o direito de retenção após a apresentação da nota de honorários e de despesas ao cliente, e tem de haver uma clara recusa do pagamento da mesma que faça surgir a necessidade de retenção pelo advogado.
109. O que não se verificou no caso em apreço.
110. Na verdade, ao fazer suas as quantias indevidamente recebidas a título de indemnização por expropriação e que pertenciam à Recorrente, sua cliente, antes de lhe ser remetida a nota de honorários com os serviços discriminados e nota de despesas discriminada, e mesmo antes de lhe ser peticionado o pagamento das facturas já emitidas até Junho de 2011, os Recorridos pagaram-se pelas suas próprias mãos, ou seja, recorreram à compensação (artigo 847º do Código Civil), o que também não podiam.
111. Atento o exposto, não resultou provado que os Recorridos sejam efectivos credores da Recorrida pelo montante retido, uma vez que não apresentaram nota de honorários com discriminação dos serviços prestados, nem nota de despesas explícita, e porque não resultou provada a prestação de quaisquer serviços, ou de despesas incorridas.
112. Atendendo que resultou provado que os Recorridos incumpriram o disposto no artigo 101º, n.º 3 do EOA, o exercício do direito de retenção pelos Recorridos é ilícito, incorrendo assim o Tribunal a quo em erro de julgamento.
C– DA COMPENSAÇÃO
113. A conduta dos Recorridos consiste, na verdade, no recurso à compensação, uma vez que se pagaram pelas suas próprias mãos da indemnização por expropriação que foi indevidamente creditada na conta bancária da Recorrida pelo Tribunal de Gondomar.
114. E tanto pagaram-se que os Recorridos confessaram que a utilizaram tal indemnização para pagar as obras que se encontravam a realizar à data nas suas instalações, ou seja, em proveito próprio.
115. Uma coisa é o direito de retenção, cujo exercício por parte do advogado é permitido uma vez verificados os pressupostos do artigo 101º, n.º 3 do EOA conjugado com os artigos 754º e seguintes do Código Civil, outra completamente distinta é a compensação, sendo que o advogado nunca pode deduzir ao valor das verbas que tem de entregar ao cliente o valor das despesas e honorários, fazendo‑se pagar pelas suas próprias mãos.
116. Assim, à luz da lei especial aplicável ao caso – EOA – a compensação operada pelos Recorridos é ilícita por não ser legalmente admissível.
117. Ao abrigo da lei civil, os Recorridos também não podiam ter compensado os créditos.
118. A compensação, prevista nos artigos 874º e seguintes do Código Civil, consiste numa forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como sub-rogado dele, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor, e depende: i) da existência de créditos recíprocos; ii) fungibilidade das coisas objecto das prestações e identidade do seu género; iii) exigibilidade do crédito que se pretende compensar.
119. Resultou provado nos presentes autos que a Recorrente só tem um crédito sobre os Recorridos por causa exclusivamente imputável ao comportamento ilícito destes – indicação pelo Recorrido (…) do NIB da Recorrida ao Tribunal de Gondomar para efeitos de pagamento da indemnização por expropriação, devida à Recorrente, tudo assim em violação do mandato que lhe foi conferido, e à revelia da Recorrente.
120. Resultou igualmente provado que, no momento da prática do facto, o Recorrido tinha consciência da sua ilicitude, e quis praticá-lo.
121. O crédito que a Recorrente tem sobre os Recorridos é, assim, proveniente de um facto ilícito doloso praticado pelos Recorridos.
122. Pelo que estava, desde logo, impedida a compensação do crédito da Recorrente com o alegado crédito dos Recorridos, nos termos do disposto no artigo 853º, n.º 1, alínea a) do Código Civil.
123. Caso assim não se entenda, sempre se dirá que no caso concreto a compensação operou relativamente a dois créditos que os Recorridos consideram existir: i) Facturas emitidas até Junho de 2011; ii) Honorários e despesas referentes ao período de 28/07/2011 em diante.
124. No que respeita ao primeiro período, as partes tinham acordado no dia 28/07/2011 que mais tarde fariam contas relativamente aos valores que se encontravam em dívida até então.
125. O que sempre excluiria qualquer direito a juros, porquanto o diferimento desse pagamento ocorreu por acordo das partes sem qualquer convenção de juros, que na ausência de mora (porque consensual), jamais seriam devidos.
126. No período compreendido entre este acordo e o dia em que os Recorridos deram conhecimento à Recorrente da compensação (01/08/2014), os Recorridos nunca interpelaram a Recorrente para pagamento de tais quantias e, por isso, a Recorrente nunca se recusou pagar.
127. Mais, a Recorrente só era devedora do valor de 754,50€ (setecentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), sendo o remanescente devido pelas outras sociedades do grupo V., pelo que não lhe podiam ser sequer cobradas.
128. Razões pelas quais os Recorridos não poderiam ter efectuado a compensação das referidas facturas.
129. Relativamente ao segundo período – de 28/07/2011 em diante – seria através da nota de honorários com discriminação dos serviços prestados e da nota de despesas que os Recorridos poderiam fixar o montante que consideravam ser-lhes devido pela Recorrente.
130. Até hoje, a Recorrente ignora genuinamente se foram prestados serviços pelos Recorridos nesse período, quais em concreto e o respectivo resultado prático, se o houve, o que só teria conhecimento através das notas de honorários.
131. Resulta da factualidade assente nos presentes autos que os Recorridos receberam indevidamente em primeiro lugar a indemnização por expropriação (em 29/11/2013 e 28/01/2014), nada reportando à Recorrente, e somente em 01/08/2014, depois de diversas insistências da Recorrente, é que os Recorridos comunicaram os recebimentos, e os valores que iriam ser cobrados a título de honorários e de despesas incorridas, deduzindo estes ao referido valor indemnizatório que haviam recebido, valores esses posteriormente corrigidos na carta datada de 19/12/2014, a que se seguiu o envio das facturas e respectivos recibos por carta de 18/01/2015.
132. Não existe nos presentes autos um título de cobrança dos honorários e das despesas de que os Recorridos se arrogam devedores, nem resultou provado que tais valores sejam efectivamente devidos.
133. Mais, ficou provado que o montante que os Recorridos consideram ser credores encontrava-se controvertido, como resulta das comunicações trocadas pelas partes – cfr. resulta do documento n.º 7 da petição inicial, e documento n.º 8 da contestação.
134. Desde logo porque na carta de 19/12/2014 (onde são indicados os valores definitivos), os Recorridos aplicaram o critério da avença mensal para calcular valor de honorários que seria devido, multiplicando “44 meses a um valor médio de €2.600/mês”, a que depois acrescia o IVA – cfr. documento n.º 8 da contestação –com o qual a Recorrente nunca concordou.
135. Relativamente a este critério, o Tribunal a quo considerou que os Recorridos conseguiram provar que o trabalho no período pós 28/07/2011 foi semelhante ao do período em que vigorou o regime de avença (até 28/07/2011).
136. O mesmo Tribunal que, na mesma sentença, considerou que os Recorridos não apresentaram “uma alegação minimamente descritiva do trabalho efectivamente realizado (aludindo apenas, genericamente, aos processos e dossiers em que incidiu).
137. O iter cognoscitivo do Tribunal a quo é absolutamente contraditório, pois por um lado considera que os Recorridos não alegaram minimamente os serviços que terão prestado no período de 28/07/2011 em diante, e por outro considera demonstrado que os serviços prestados são em volume equivalente àquele que existia no período da avença.
138. Se os Recorridos não provaram que serviços foram prestados, não pode considerar‑se provado que estes o foram em volume semelhante ao período da avença.
139. Os serviços efectivamente prestados pelos Recorridos à Recorrente são o pressuposto para a cobrança de honorários e de despesas, e sem a definição destes, não é possível determinar qual o valor que seria devido pela Recorrente.
140. Não pode o Tribunal a quo substituir-se às partes, presumindo declarações de vontade tendentes à celebração de um novo contrato de avença (porque o anterior cessou consensualmente), quando nenhuma das partes alegou sequer ter tido a vontade expressa ou tácita de celebrar novo contrato com as mesmas ou diferentes condições do anterior.
141. O Tribunal a quo concluiu, ainda, pela equidade do valor de honorários obtido pelos Recorridos através da aplicação do critério da avença para este período, nos termos do disposto no artigo 1158º, n.º 2 do Código Civil e do artigo 105º, n.º 3 do EOA, o que não podia.
142. Atento o teor do artigo 4º do Código Civil, e que no caso em apreço não existe acordo das partes ou cláusula compromissória, a equidade só podia ser aplicada por via de disposição legal que o permitisse.
143. Do artigo 1158º, n.º 2 do Código Civil (que a sentença recorrida refere), resulta que a lei só admite a aplicação da equidade pelos Tribunais para determinar a retribuição do mandatário como ultima ratio, por via última subsidiária, e na falta de ajuste das partes, tarifas profissionais ou usos.
144. Ora, se é certo que não ocorreu ajuste das partes no caso em apreço, é igualmente certo que as tarifas profissionais são aquelas previstas no artigo 105º, n.º 3 do EOA, e os honorários são fixados por referência a essa norma, que constitui igualmente os usos profissionais.
145. Se a determinação dos honorários não foi possível, tal é exclusivamente imputável à ausência de uma nota de honorários elaborada de acordo com as regras e usos profissionais por parte dos Recorridos, e suprir essa omissão beneficia os infractores com a quantificação por via de uma equidade legalmente não admitida, é fazer entrar pela janela aquilo que a lei não admite que entre pela porta.
146. É premiar o infractor, sendo que nem o juízo de equidade permite dispensar a prova concreta do que se pretende remunerar, concretizada pelos actos praticados, tempo gasto, complexidade, e valor, pelo menos.
147. Tudo por absoluta ausência de prestação de contas à Recorrente, e nos presentes autos por omissão total de alegação de qualquer acto profissional praticado que pudesse fundamentar um direito de honorários, cuja remuneração pudesse ser equitativamente fixada.
148. Para além de a lei não permitir o recurso pelo Tribunal a quo à equidade, sempre se diria que o critério da avença aplicado não é equitativo,
149. Porquanto resultou provado que, por acordo das partes, o regime de avença terminou no dia 28/07/2011, que o Recorrido (…) só ficaria como mandatário judicial em seis processos, sendo os restantes (e a grande maioria) entregue a outro advogado, e que no período que imediatamente antecedeu este novo acordo, a avença tinha diminuído para o valor de 1.000,00€ (mil euros) por mês.
150. Resultou, igualmente, provado que no dia 28/07/2011, as partes concordaram que o valor dos honorários deste período seria determinado por acordo das partes, e nunca de forma unilateral como sucedeu.
151. Mas já não resultou provada a prática de quaisquer serviços pelos Recorridos.
152. Não obstante ter aplicado o critério de avença – que a Recorrente nunca aceitou – os Recorridos não estavam dispensados de apresentar uma nota de honorários com a discriminação dos serviços prestados e de uma nota de despesas completa, uma vez que o regime de avença terminou em 28/07/2011 por acordo das partes.
153. Atento o exposto, quando os Recorridos fizeram suas as quantias indevidamente recebidas a título de indemnização por expropriação, sem nada reportar à Recorrente, e fizeram operar a compensação de créditos, não estavam reunidos os pressupostos legais para a mesma, designadamente a reciprocidade e exigibilidade dos créditos,
154. Pois, a Recorrente não tinha dado qualquer autorização para os Recorridos receberem aquele valor por sua conta no processo de expropriação, nem os Recorridos tinham até então exigido à Recorrente o pagamento de qualquer quantia que fosse a título de honorários ou de despesas.
155. Os Recorridos efectuaram a compensação de um crédito que não alegaram e não provaram nos presentes autos serem deles credores.
156. Face ao supra exposto e à prova produzida nos presentes autos, a compensação de créditos levada a cabo pelos Recorridos trata-se, na verdade, de um procedimento cautelar de arresto encapotado, baseado no receio de não virem a receber os eventuais honorários e despesas que lhes fossem devidos.
157. Os Recorridos aproveitaram a oportunidade para recorrer à acção directa e, assim, pagar-se de uma indemnização que bem sabiam não ser sua, e por valores que não eram sequer exigíveis.
158. A douta sentença recorrida incorreu, assim, em erro de julgamento, pelo que a compensação operada pelos Recorridos deverá ser considerada ilícita, por não verificação dos pressupostos legais.
159. Atento o exposto, smo, mal andou o Tribunal recorrido ao decidir nos termos da sentença ora colocada em crise, impondo-se a sua substituição por douto acórdão que condene solidariamente os Recorridos a pagarem à Recorrente o valor de 199.299,88€, acrescido de juros de mora contados desde a data do seu recebimento e até efectivo e integral pagamento.
Os RR. apresentaram alegação de resposta e aí requereram a ampliação do âmbito do recurso, sem que hajam formulado quaisquer conclusões, e antes terminando tal alegação pela seguinte forma:
Nestes termos,
Pelas razões que ficaram expostas e pelas que este Tribunal doutamente suprirá, deverá o recurso sub judice ser julgado improcedente, devendo ser confirmada a douta Sentença recorrida.
A exposição das razões que suportam a improcedência deste recurso ficaram sistematizadas nos seguintes termos:
I. A relação controvertida – contexto e enquadramento – e a Sentença recorrida
II. Os antecedentes processo penal e participação disciplinar na Ordem dos Advogados
III. Alguns essenciais desta acção judicial que relevam na decisão deste recurso
- O regime que se discute é o regime da responsabilidade civil contratual
- Esta acção não é uma acção de honorários
- A relação/serviços que se discutem neste processo envolve os Recorridos e o Grupo H. e não só, como a mesma pretende, a Recorrente individualmente considerada
- O ónus da prova quanto aos pedidos reconvencionais
IV. A ampliação do âmbito do recurso: a licitude do acto praticado pelo Recorrido (indicação do seu Nib no processo de expropriação) – art.º 636º, nº 1, do CPC
V. O recurso interposto pela Recorrente: impugnação da matéria de facto e Direito
Já depois da apresentação da sua alegação de recurso a A. apresentou um documento, correspondente à cópia de um acórdão proferido pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, mais justificando a sua junção aos autos por respeitar à mesma matéria em discussão na acção e no recurso e porque tal acórdão foi proferido já após a apresentação da sua alegação.
A A. veio ainda responder ao requerimento de ampliação do âmbito do recurso, sustentando a sua inadmissibilidade por falta de formulação de conclusões e, em todo o caso, pela improcedência da questão suscitada em sede de ampliação.
Os RR. vieram sustentar a admissibilidade da ampliação, sustentando, em síntese, que a conclusão que a A. aponta como estando em falta corresponde ao ponto IV. da sistematização apresentada na parte final da sua alegação.
Os RR. vieram ainda pronunciar-se quanto ao documento apresentado pela A., nada dizendo quanto à tempestividade da apresentação.
***
O objecto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, correspondendo as mesmas à indicação, de forma sintética, dos fundamentos pelos quais pede a alteração ou anulação da decisão.
Os 159 pontos da alegação da A. acima reproduzidos não correspondem à referida indicação sintética, mas antes à repetição quase total da argumentação expendida anteriormente.
Todavia, é possível identificar o conjunto de questões que emerge da argumentação apresentada pela A., sem necessidade de lançar mão do disposto no nº 3 do art.º 639º do Código de Processo Civil (desde logo porque se antevê a incapacidade de síntese que se pretende).
Já relativamente à ampliação do âmbito do recurso requerida pelos RR., torna-se patente que estes não cumpriram com o ónus de formulação de conclusões.
Com efeito, e como explica António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pág. 135), “em resultado do que consta do art.º 639º, nº 1, as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido, na petição inicial, ou à das excepções, na contestação”. Por isso, quando o recorrido pretenda ampliar tal área de intervenção do tribunal de recurso, de modo a prevenir a necessidade de apreciação de algum dos fundamentos da acção ou da defesa em que tenha decaído, e devendo requerê-lo na alegação de resposta (nos termos do nº 1 do art.º 636º do Código de Processo Civil), não está dispensado de formular conclusões nessa alegação de resposta (pelo menos relativamente à matéria a que respeita a pretendida ampliação). Isso mesmo se explica no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/11/2016 (relatado por Ribeiro Cardoso, disponível em www.dgsi.pt e referido pela A. na sua resposta ao pedido de ampliação do âmbito do recurso), aí se afirmando que as “conclusões são, não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também o elemento definidor do objecto do recurso e balizador do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem”, pelo que, “pese embora a ampliação do âmbito do recurso não configure um verdadeiro recurso, ainda assim, pelas razões apontadas, as exigências de forma são as mesmas, ou seja, tem a ampliação que ser requerida e os respectivos fundamentos constarem das alegações como dispõe o art.º 636º, nº 1, do CPC, sintetizadas, obviamente, nas conclusões (art.º 639º, nº 1), uma vez que, repete-se, sendo as conclusões que definem o objecto do recurso, têm que ser formuladas”. E este mesmo entendimento é aquele que vem sendo seguido pelos tribunais superiores, como nos casos igualmente identificados pela A.
Ou seja, e regressando ao caso concreto, de modo algum se pode qualificar a sistematização constante da parte final da alegação de resposta dos RR. como correspondendo às conclusões da mesma alegação. E concretamente no que respeita ao ponto IV. dessa sistematização, a referência à “licitude do acto praticado pelo Recorrido (indicação do seu Nib no processo de expropriação)” não corresponde a qualquer indicação, ainda que sintética, do fundamento da afirmada licitude.
Assim, e rejeitando-se a ampliação do âmbito do recurso requerida pelos RR., em consequência da falta de conclusões relativamente a tal questão, as questões objecto do recurso em questão prendem-se, tão só, com:
. A alteração da matéria de facto.
. A determinação da relação contratual entre as partes e o (in)cumprimento das obrigações daí emergentes, e suas consequências;
. A compensação das obrigações pecuniárias de cada uma das partes.
***
Previamente, porém, há que conhecer da admissibilidade da junção do documento apresentado pela A. após a apresentação da sua alegação.
Decorre do nº 1 do art.º 651º do Código de Processo Civil que com as alegações as partes apenas podem juntar documentos nas situações excepcionais a que se refere o art.º 425º, ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância. Já do disposto no nº 2 do art.º 651º do Código de Processo Civil resulta a faculdade de a partes juntarem pareceres de jurisconsultos, até ao início do prazo para a elaboração do projecto de acórdão.
A A. invoca que o documento que apresenta é superveniente, porque foi produzido já depois de ter sido proferida a sentença (e mesmo depois de ter apresentado a sua alegação). Ou seja, por esta via pode-se afirmar que o documento em questão é objectivamente superveniente, porque tem data posterior à data em que foi proferida a sentença recorrida.
Todavia, e mesmo que se possa afirmar que se trata de documento processualmente superveniente, a sua apresentação só ocorre após a apresentação da alegação da A.
Como resulta da conjugação do nº 1 com o nº 2 do art.º 651º do Código de Processo Civil, a apresentação de documentos supervenientes apenas pode ocorrer até ao momento da apresentação das alegações, não prevendo a lei a possibilidade da sua apresentação em momento ulterior, ao contrário do que sucede com os pareceres de jurisconsultos, que podem ser juntos aos autos até ao início da elaboração do projecto de acórdão.
Ou seja, no caso concreto do documento apresentado pela A. após a apresentação da sua alegação de recurso está-se perante uma apresentação extemporânea, o que determina a inadmissibilidade da junção do documento em questão, assim se indeferindo a mesma, e mais havendo que condenar a A. em multa processual, que se mostra adequado fixar em 1 UC, nos termos dos art.º 443º do Código de Processo Civil e 27º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais.
***
Na sentença recorrida considerou-se como provada a seguinte matéria de facto (corrigem-se as referências processuais):
1. A A., anteriormente designada “V., Lda.”, é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de compra e venda e revenda de imóveis e promoção imobiliária, integrada num grupo económico que inclui diversas sociedades de construção civil e comércio imobiliário.
2. O grupo económico em causa é proprietário de número não apurado de imóveis em Portugal, Brasil e noutros países, atingindo o seu volume de negócio nos melhores períodos económicos a ordem de milhões de euros anuais, não concretamente apurado.
3. A 1ª R. é uma sociedade de advogados e o 2º R. é advogado e sócio da 1ª R.
4. Em data não apurada, anterior ao ano 2000, por contacto pessoal entre VD., gestor da A. e da generalidade das sociedades do grupo H., e o 2º R., foi acordado que, por meio de avença, a 1ª R. prestaria serviços de consulta e representação jurídica às sociedades de grupo, contra pagamento de um correspectivo mensal fixo, acrescido de despesas.
5. Mais ficou acordado que, no âmbito do funcionamento de tal avença, o 2º R. seria constituído mandatário forense de qualquer sociedade do grupo económico que carecesse de representação em tribunal.
6. Nesse âmbito, o 2º R. foi constituído mandatário forense da A. para a representar no processo de expropriação n.º 217/2001, que correu os seus termos pelo 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Gondomar.
7. Entre 2011 e 2014 o grupo económico V./H. encontrava-se em situação económica muito difícil, estando as sociedades em situação de insolvência, ou à beira desta, o que o 2º R. conhecia.
8. No processo de expropriação identificado em 6. foi fixada indemnização à A. pela expropriação de uma parte do prédio rústico de sua propriedade, sito no Lugar de (…), sendo entidade expropriante o ICOR – Instituto para a Construção Rodoviária.
9. Em tal processo foi fixada a indemnização de €179.786,88, a atribuir à A. pela expropriação, com referência à data de declaração de utilidade pública, a actualizar até respectiva liquidação.
10. Por despacho proferido em tal processo, no dia 8/7/2013, a indemnização foi actualizada para o valor de €254.319,69.
11. Até concretização do pagamento a quantia em causa foi objecto de nova actualização, concretizando-se aquele pelo valor de €256.299,88, por meio de três depósitos autónomos dos montantes, respectivamente, de €868,51, €210.056,97 (ambos a 29/11/2013) e de €46.242,91 (a 28/1/2014).
12. O 2º R., na qualidade de mandatário judicial da A., apresentou um requerimento no processo de expropriação no qual, designadamente, além de solicitar actualização do valor da indemnização, declarou que a fim agilizar a disponibilização da referida quantia indemnizatória, indica-se, desde já, o seguinte NIB: xxxx xxxx xxxxxxxxxxx xx, sob o Millennium BCP (o nº de contribuinte da Expropriada é o seguinte: xxx xxx xxx) – nos demais termos constantes da certidão que faz documento n.º 3 da petição inicial, dados por reproduzidos.
13. Por novo requerimento dirigido ao processo identificado em 6., datado de 14/11/2013, o 2º R., na qualidade de mandatário judicial da A., declarou nesses autos que relembra-se mais uma vez o NIB para o qual deverá ser ordenada a referida disponibilização indemnizatória: xxxx xxxx xxxxxxxxxxx xx, sob o Millennium BCP (o nº de contribuinte da Expropriada é o seguinte: xxx xxx xxx).
14. O número de identificação bancária referido em tais requerimentos corresponde a conta bancária titulada pela 1ª R., tendo sido para essa conta que o Tribunal de Gondomar concretizou as transferências bancárias de pagamento.
15. Em data não apurada do ano de 2011, anterior a 28 de Julho, VD. deslocou-se ao escritório do 2º R. e sede da 1ª R. informando que, em razão da crise económica, não estava em condições de manter a avença contratada.
16. Nesse momento existia um atraso, não concretamente apurado, na liquidação à 1ª R. dos valores devidos pela avença, num montante global também não concretamente apurado. (alterado, nos termos adiante decididos)
17. Na sequência, entre VD. (em representação de todas as sociedades do grupo económico H., incluindo a A.) e o 2º R. (em nome próprio e em representação da 1ª R.), foi estabelecido um acordo verbal segundo o qual este continuaria a prestar serviços de consulta jurídica e representação processual às sociedades em causa em alguns processos e procedimentos que tinha atribuídos nessa data, sem lugar a qualquer pagamento fixo.
18.Mais ficou acordado que os RR. seriam pagos pelos serviços já prestados e não pagos e pelos serviços a prestar em data posterior a essa pelo produto líquido que viesse a ser recebido nos processos judiciais a correr, entre os quais o processo de expropriação supra referido.
19.Na sequência de tal reunião, o 2º R. enviou comunicação de correio electrónico dirigida a PD., filho de VD. e director da A., datada de 28 de Julho de 2011, que este recebeu, declarando, designadamente:
Assunto: RE: pagamento e rescisão contratual
Dr. PD.,
(…)
Presto serviços ao Eng. VD. há mais de 17 anos e não serão as vossas dificuldades financeiras conjunturais (como já não foram num passado recente) que determinarão o contrário.
Assim, propomos o seguinte regime de colaboração:
a) abandonamos o regime da avença mensal, a H. não se preocupa, para já, com o pagamento das facturas já emitidas e a V. – Sociedade de Advogados, RL não emite mais facturas no futuro imediato;
b) enviaremos ao Dr. PM. alguns processos e continuaremos com os restantes (que iniciámos e com os quais temos especiais conexões): Lima 5 Porto, Moita NOPQ, Novo Mercado FF, Expropriação Gondomar, Ocupação/Expropriação Barreiro, Quinta dos Lóios Taxas;
c) Dado que alguns dos processos que ficarão connosco gerarão receita em meados do próximo ano ou em 2012 (outros só posteriormente), nessa altura, quando a H. receber, faremos contas relativamente às facturas já emitidas por liquidar (até Junho 2011) e à actividade desenvolvida/resultados obtidos a partir de Julho 2011.
Penso que desta forma ficam devidamente acautelados os legítimos interesses das duas partes, desonerando-os dos encargos de uma avença fixa mensal: a V. – Sociedade de Advogados, RL só recebe quando a H. também receber nos nossos processos”.
20. Em resposta, PD. enviou correio electrónico no dia 10/8/2011 dirigido ao 2º R., e que este recebeu, declarando, designadamente: - Caro Dr. (…), Aceito a sua proposta.
21. Após 28/7/2011 os RR. continuaram a prestar serviços à A. e a outras sociedades do grupo, incluindo não apenas os processos e procedimentos referidos na comunicação electrónica antes referida, mas também nos processos judiciais referidos no documento n.º 9 da contestação, dado por reproduzido e, concretamente:
- Processo nº xxx/98 (pasta 152.001), que corria termos pelo Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Coimbra,
- Processo nº xxx/2000 (pasta 152.001), que corria termos pelo TAC de Coimbra, com recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA),
- Processo nº xxx/2001 (pasta 152.001), que corria termos pelo TAC de Coimbra, com recurso para o STA,
- Processo nº xxx/2001 (pasta 152.033), que corria termos pelo 1º Juízo do Tribunal de Gondomar, com Recurso para o Tribunal da Relação do Porto,
- Processo nº xxxx/10.5TBBRR (pasta 152.035), que corria termos pelo 3º Juízo Cível do Tribunal da Comarca do Barreiro, com Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ),
- Processo nº xxx/02 (pasta 152.040), que corria termos pelo TAC de Coimbra,
- Processo nº xx/2002 (pasta 152.046), que corria termos pelo Tribunal Judicial da Marinha Grande, com recurso para o STJ,
- Processo nº xxxx/07.2 (pasta 152.037), a correr termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, com recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte. (eliminado, nos termos adiante decididos)
22. E prestaram serviços de consulta e representação jurídica nos assuntos descritos nos dossiers internos referidos na comunicação de 28/7 e procedimentos administrativos e processos judiciais a estes referidos. - “Lima 5, Porto”, “Moita, NOPQ”, “Novo Mercado, Figueira da Foz”, “Expropriação Gondomar”, “Ocupação/Expropriação Barreiro”, “Quinta dos Loios”. (eliminado, nos termos adiante decididos)
23. Estes serviços foram prestados até 1 de Agosto de 2014. (eliminado, nos termos adiante decididos)
24. Após Julho de 2011, a A. ou qualquer outra sociedade do grupo económico não efectuou qualquer pagamento aos RR. pelos serviços prestados.
25. Na altura em que foram efectuados os pagamentos da indemnização pelo Tribunal de Gondomar (entre Dezembro de 2013 e Janeiro de 2014) o representante da A. e principal responsável do grupo económico, VD., encontrava-se a residir no Brasil.
26. Por cartas registadas datadas de 19/12/2014 e 18/1/2015, enviadas pela 1ª R. e que a A. recebeu, foi comunicada nota de honorários por serviços prestados, junta como documento n.º 8 à contestação e aqui dada por integralmente reproduzida, desta constando um valor a pagar equivalente a €146.775,92. (alterado, nos termos adiante decididos)
27. Os RR., após recebimento das quantias relativas a indemnização por expropriação em conta bancária da 1ª R., nada informaram a A.
28. Tendo a A., na pessoa de PD., tomado conhecimento, por via própria, do pagamento da indemnização, enviou mensagem de correio electrónico ao 2º R., no dia 18/7/2014, declarando, designadamente, que “tive a boa notícia que já tem na sua posse o dinheiro da expropriação, podia-me confirmar o montante, o nib para transferência?”.
29. Não tendo havido resposta a tal comunicação, a A., na pessoa de PD., remeteu nova mensagem de correio electrónico ao 2º R., no dia 23/7/2014, declarando: “Boa tarde Dr. (…) - Como está este assunto da transferência do dinheiro recebido da expropriação?”.
30. O 2º R. respondeu, por correio electrónico enviado no dia 1/8/2014, declarando confirmar ter recebido o montante de €256.298.
31. Nessa comunicação mais declarou o 2º R. que “este valor foi processado nos seguintes termos:
- Pagamento das facturas que se encontravam por liquidar desde 2010 e 2011 (€39.089,85 que, actualizados de acordo com a taxa de juro comercial, nos conduz a um valor de €48.666);
- Despesas entretanto suportadas na condução dos processos nestes 3/4 anos: €7.545 que, com IVA, nos conduz a um valor total de €9.280;
- Honorários pela condução dos vários processos que nos estão confiados, designadamente o da expropriação que gerou o valor recebido. Estes honorários foram calculados adoptando o valor da avença (€3.300/mês) aos 37 meses que decorreram desde a emissão da última factura (factura nº 2011/00031 referente ao mês de Junho de 2011). Assim, 37 x €3.300 = €122.100 que, com IVA, nos conduz ao valor total de €150.183;
- O restante valor (€39.250, acrescido de iva = €48.277) é processado como provisão para despesas e honorários nos processos que continuam a seguir os seus termos, que será descontada nos honorários/despesas finais dos mesmos.
(e o mais que consta do teor da comunicação integrada como documento n.º 7, anexo à petição inicial, aqui dado por integralmente reproduzido).
32. Pela retenção e não entrega das quantias em causa a A. enviou participação disciplinar à Ordem dos Advogados do comportamento do 2º R. e comunicou o facto ao Ministério Público, com vista a instauração de processo criminal.
33. Por despacho proferido no dia 12/11/2018 pelos serviços do Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca de Lisboa, Departamento de Investigação e Ação Penal– 10ª Secção de Lisboa, foi decidido proceder ao arquivamento do procedimento criminal instaurado (processo nº xxx/15.4TDLSB), nos termos do despacho com cópia junta com documento n.º 13 à contestação, dado por reproduzido.
34. A A. requereu abertura de instrução e, subsequentemente, recorreu para o Tribunal da Relação de despacho de não pronúncia do 2º R., naquela fase proferido (nos termos do documento anexo ao requerimento apresentado a 20/11/2020, dado por integralmente reproduzido).
35. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/3/2021 foi decidido negar provimento ao recurso interposto pela A. do despacho de não pronúncia do 2º R., mantendo-se a decisão recorrida (nos demais termos da certidão apresentada pelos réus por requerimento de 11/6/2021, aqui dada por integralmente reproduzida).
36. No âmbito do procedimento disciplinar o 2º R. apresentou defesa, nos termos do documento com cópia junta, também constante dos autos criminais referidos, constante do requerimento apresentado pela autora nos autos a 7/12/2020, aqui dado por reproduzido.
37. Os RR. utilizaram o montante da indemnização da expropriação para pagamento das despesas com obras nas instalações da 1ª R., que estavam em curso, bem como para suportar o normal funcionamento do escritório de advogados, onde trabalhavam duas secretárias e oito advogados, tendo despesas com pagamento de renda do espaço e com diversos fornecedores.
38. Das quantias recebidas da expropriação a 2ª R. devolveu à A., por meio de transferências bancárias, o valor total de € 57.000,00 nas seguintes datas e valores:
- €25.000,00, no dia 26/12/2014;
- €15.000,00, no dia 30/1/2015;
- €17.000,00 no dia 15/5/2015.
***
Na sentença recorrida considerou-se como não provada a seguinte matéria de facto:
a) O 2º R. sabia que a A. nunca aceitaria que o mesmo indicasse uma conta bancária que não da titularidade da A. para o recebimento de quaisquer valores da mesma; (eliminado, nos termos adiante decididos)
b) Aquando da suspensão da avença, não havia mais trabalho jurídico a desenvolver, havendo apenas que aguardar a prolação das decisões finais nos processos entregues pela A. aos RR.;
c) Aquando da suspensão da avença ou no ano 2016, a A. tinha em dívida à 1ª R. o valor de €754,50;
d) À data do acordo verbal concomitante à suspensão da avença, a A. devia à 1ª R. o valor de €39.089.85. (eliminado, nos termos adiante decididos)
***
Da alteração da matéria de facto
Decorre da conjugação dos art.º 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 640º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que estão errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respectiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão.
A respeito do disposto no referido art.º 640º do Código de Processo Civil, refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pág. 196-197):
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou incongruente”.
E, mais adiante, afirma (pág. 199-200) a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, designadamente quando se verifique a “falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto”, a “falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados”, a “falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou neles registados”, a “falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda”, bem como quando se verifique a “falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, concluindo que a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Por outro lado, e impondo-se a especificação dos pontos concretos da decisão que estão erradamente julgados, bem como da concreta decisão que deve ser tomada quanto aos factos em questão, há-de a mesma reportar-se, em primeira linha, ao conjunto de factos constitutivos da causa de pedir e das excepções invocadas. É que, face ao disposto no nº 1 do art.º 5º do Código de Processo Civil, a decisão da matéria de facto tem por objecto, desde logo, os factos essenciais alegados pelas partes, quer integrantes da causa de pedir, quer integrantes das excepções invocadas. Todavia, e porque do nº 2 do mesmo art.º 5º resulta que o tribunal deve ainda considerar os factos instrumentais, bem como os factos complementares e concretizadores daqueles que as partes hajam alegado, e que resultem da instrução da causa, daí decorre que na decisão da matéria de facto devem esses factos ser tidos em consideração.
Tal não significa, no entanto, que a decisão da matéria de facto (provada e não provada) deve comportar toda a matéria alegada pelas partes e bem ainda aquela que resulte da prova produzida, já que apenas a factualidade que assuma juridicidade relevante em razão das questões a conhecer é que deve ser objecto dessa decisão.
Isso mesmo enfatizam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 721),  quando explicam que o juiz da causa deve optar “por uma descrição mais ou menos pormenorizada ou concretizada, de acordo com as necessidades do pleito, desde que seja assegurada uma descrição natural e inteligível da realidade que, para além de revelar o contexto jurídico em que se integra, permita a qualquer das partes a sua impugnação”. E mais explicam (pág. 722) que “o regime consagrado no CPC de 2013 propugna uma verdadeira concentração naquilo que é essencial, depreciando o acessório, sendo importante que o juiz consiga traduzir em linguagem normal a realidade apreendida, explicitando, depois, os motivos que o determinaram, com destaque para a explanação dos factos instrumentais que o levaram a extrair as ilações ou presunções judiciais”.
Assim, e como tal delimitação deve estar igualmente presente na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto (neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/5/2017, relatado por Fernanda Isabel Pereira e disponível em www.dgsi.pt, quando conclui que “o princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo”, e bem ainda que “nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir”), só há lugar à apreciação dos pontos indicados como impugnados na medida em que, não só devam constar do elenco de factos provados e não provados, no respeito pelo disposto no art.º 5º, nº 1 e nº 2, al b), do Código de Processo Civil, mas igualmente correspondam a factos com efectivo interesse para a decisão do recurso.
Por outro lado, e a respeito da enunciação dos factos instrumentais, decorre do nº 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil que os mesmos não carecem de ser discriminados no elenco de factos provados, mas apenas referidos na medida das ilações que forem tiradas dos mesmos, para a demonstração dos factos essenciais alegados pelas partes.
Isso mesmo explicam igualmente António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 718‑719), afirmando a necessidade de enunciação dos “factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as excepções, e de outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a acção ou a excepção proceda”, bem como a necessidade de “enunciação dos factos concretizadores da factualidade que se apresente mais difusa” (e sendo que “a enunciação dos factos complementares e concretizadores far-se-á desde que se revelem imprescindíveis para a procedência da acção ou da defesa, tendo em conta os diversos segmentos normativos relevantes para o caso”), mas afirmando igualmente que, quanto aos factos instrumentais, “atenta a função secundária que desempenham no processo, tendente a justificar simplesmente a prova dos factos essenciais, para além de, em regra, não integrarem os temas da prova, nem sequer deverão ser objecto de um juízo probatório específico”, já que “o seu relevo estará limitado à motivação da decisão sobre os restantes factos, designadamente quando a convicção sobre a sua prova resulte da assunção de presunções judiciais”.
Revertendo tais considerações para o caso concreto, há que afirmar que a A. deu cumprimento ao ónus de especificação a que alude o art.º 640º do Código de Processo Civil, não só porque nas conclusões da sua alegação concretiza os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e qual a decisão que os mesmos devem merecer, mas igualmente porque especifica os meios de prova que conduzem ao resultado pretendido e, no que respeita à prova gravada, identifica as passagens das gravações que entende conduzirem às alterações pretendidas, correspondentes à eliminação dos pontos 16, 21 a 23 e 26 dos factos provados, bem como ao aditamento ao elenco dos factos provados do ponto a) dos factos não provados e dos seguintes pontos (entre parênteses consta a numeração proposta pela A.):
· (7.1) No período imediatamente anterior a 28/07/2011 o valor da avença mensal era de €1.000,00;
· (14.1) A A. não autorizou o 2º R. a indicar ao Tribunal de Gondomar, no âmbito do processo de expropriação, o NIB da conta bancária titulada pela 1ª R. para efeitos de pagamento da indemnização por expropriação;
· (31.1) Por correio electrónico enviado em 26/9/2014 a A. respondeu que não concordava com os critérios e o processamento dado pelos RR. ao valor da indemnização que estes receberam por conta da A. no processo de expropriação;
· (31.2) Por correio electrónico enviado em 1/8/2014 os RR. informaram pela primeira vez a A. dos valores que consideravam ser devidos a título de honorários e despesas incorridas após o término do regime de avença a 28/7/2011;
· (31.3) Em 1/8/2014 e em 19/12/2014 a A. devia à 2ª R. o valor de €754,50.
Pelo que é quanto à matéria em questão, e apenas relativamente a esta, que há lugar ao conhecimento da impugnação da decisão de facto, mas tão só na medida em que cada uma das alterações pretendidas não se apresente como irrelevante e/ou não vise a inclusão de factualidade instrumental no elenco de factos provados.
***
Relativamente à eliminação do ponto 16, sustenta a A. que o mesmo tem um carácter genérico e indeterminado, pelo que não expressa qualquer realidade certa e determinada, emergente da prova produzida.
É certo que o tribunal recorrido deu como provado que o atraso no pagamento dos valores devidos pela avença era de montante global concretamente não apurado, do mesmo modo não estando apurada a medida desse atraso.
Todavia, não se pode afirmar que a referência ao atraso no pagamento dos valores devidos pela avença não é uma realidade factual certa e determinada. Com efeito, os RR. invocaram a existência de valores por pagar, relativos à avença em questão (art.º 10º da contestação), tendo em resposta a A. aceitado (ponto 25 do requerimento de 20/11/2020) a existência de “facturas já emitidas até Julho de 2011” e que não seriam pagas de imediato. O que é o mesmo que dizer que tais facturas, titulando os valores mensais da avença que eram devidos até Julho de 2011, estavam por pagar (ou, se se quiser, estavam em atraso). Por outro lado tal falta de pagamento das facturas que titulavam os valores mensais da avença que eram devidos até Julho de 2011 resulta igualmente da troca de declarações constante das mensagens de correio electrónico de 28/7/2011 e de 10/8/2011 (identificadas nos pontos 19 e 20), já que daí resulta o acordo da A. no sentido de existirem “facturas já emitidas por liquidar (até Junho 2011)” no âmbito do “regime da avença mensal”.
Assim, não obstante a indefinição temporal do atraso desse pagamento (compreensível, porque os RR. se limitaram a alegar que o valor das facturas emitidas e não liquidadas ascendia a €39.089,85 em 28/7/2011, mas sem concretizar o valor de cada factura, data de emissão e data de vencimento), ainda assim é de afirmar tal atraso, embora em dimensão não concretamente apurada. Do mesmo modo, e no que respeita ao montante global das facturas por pagar, a A. admitiu (ponto 33 do referido requerimento de 20/11/2020) que existiam facturas emitidas pela 1ª R. cujo valor ascendia a €39.089,85, embora invocando que as mesmas foram emitidas em nome de uma outra sociedade do grupo a que pertence, e não em seu nome, pelo que considerou não ser devedora de tal montante.
Todavia, estando em causa o valor das facturas que titulavam os montantes devidos pela avença, importa atentar que está demonstrado que a mesma avença respeitava aos serviços de consulta e representação jurídica às sociedades do grupo a que pertence a A. (ponto 4 dos factos provados), o que não mereceu qualquer impugnação da A. Ou seja, ainda que as facturas estivessem emitidas em nome de outra sociedade do grupo, não deixavam de respeitar aos montantes da avença. Pelo que se deve afirmar que os valores devidos pela avença que estavam em atraso, em Julho de 2011, ascendiam aos referidos €39.089,85, titulados pelas facturas em questão.
Assim, não só não assiste qualquer razão à A. quanto à pretendida eliminação do ponto 16, como deve o mesmo ponto ser alterado oficiosamente por este Tribunal da Relação, face ao acordo das partes emergente das posições assumidas nos articulados e por força do disposto conjugadamente nos art.º 662º, nº 1, 663º, nº 2 e 607º, nº 4, todos do Código de Processo Civil, para passar a contemplar a indicação do montante global dos valores mensais devidos pela avença e não liquidados, reportados a Julho de 2011.
Do mesmo modo, e para não criar qualquer potencial ambiguidade factual, há que eliminar o ponto d) do elenco de factos não provados, igualmente oficiosamente e ao abrigo dos referidos preceitos legais.
Assim, elimina-se o ponto d) dos factos não provados e altera-se a redacção do ponto 16 dos factos provados, nos seguintes termos:
16. Nesse momento existia um atraso de dimensão não concretamente apurada na liquidação à 1ª R. dos valores devidos pela avença, perfazendo estes o montante global de €39.089,85.
***
Relativamente à eliminação dos pontos 21 a 23, sustenta a A. que o documento 9 junto com a contestação (a partir do qual o tribunal recorrido afirmou a formação da sua convicção quanto à verificação de tal factualidade) corresponde a uma relação que não concretiza que serviços terão sido prestados pelos RR., pois que apenas identifica “pastas”, e sendo que a troca de declarações constante das mensagens de correio electrónico de 28/7/2011 e de 10/8/2011 (identificadas nos pontos 19 e 20) demonstra que os RR. apenas continuariam a prestar serviços nos processos aí concretamente identificados (que são aqueles reproduzidos no ponto 22), e não na totalidade das “pastas” identificadas no referido documento 9.
Do mesmo modo, invoca a A. que não se consegue retirar do teor do referido documento 9 que nos processos em questão tenham sido prestados quaisquer serviços (com excepção dos serviços que constam provados relativamente ao processo de expropriação identificado em 6 dos factos provados), nem em que momento, designadamente até 1/8/2014.
Do mesmo modo, invoca ainda a A. que o tribunal recorrido reconhece e conclui que os RR. não apresentaram “uma alegação minimamente descritiva do trabalho efectivamente realizado (aludindo apenas, genericamente, aos processos e dossiers em que incidiu)”, e sendo que através dos depoimentos prestados pelo 2º R. e pela testemunha CP. mantém-se a afirmação conclusiva, genérica e vaga dos processos e do trabalho desenvolvido em cada um deles.
Torna-se manifesta a razão que assiste à A., nesta parte.
Com efeito, e como ficou a constar da sentença recorrida, os RR. não vieram alegar ou pedir “ao tribunal que faça uma avaliação da correcção do valor de honorários por si fixados, não apresentando também uma alegação minimamente descritiva do trabalho efectivamente realizado (aludindo apenas, genericamente, aos processos e dossiers em que incidiu)”.
E essa alusão genérica a processos e dossiers repete-se nas declarações prestadas pelo 2º R. e no depoimento da testemunha CP., e esgota-se na remissão para o teor do referido documento 9 junto com a contestação que, como bem refere a A., corresponde tão só a uma listagem interna de “pastas” efectuada pelos RR., mas sem que seja possível daí retirar, para além do óbvio (a existência de uma qualquer questão jurídica reflectida na descrição dada a cada uma das “pastas”), qual a questão concreta que se colocou e o caminho seguido pelos RR. para a solucionar, ou sequer a janela temporal em que cada uma das “pastas” esteve em aberto (ou seja, o tempo que demorou a dar solução à questão correspondente).
Por outro lado, se se atentar ainda na referida troca de mensagens de correio electrónico, a partir da qual ficou determinado o serviço a prestar pelos RR. às sociedades do grupo a que pertence a A. (incluindo a A.), após Julho de 2011, e que se esgota em seis questões de natureza jurídica (ou “pastas”, se se quiser), relativamente às quais os RR. tinham “especiais conexões”, logo se alcança da impossibilidade de afirmar que as 67 “pastas” elencadas no referido documento 9 (ou, pelo menos, 61 das mesmas, se se excluir as referidas seis questões) correspondem a outras tantas questões relativamente às quais os RR. ficaram a prestar os seus serviços, após Julho de 2011.
Ou seja, afastada a eficácia probatória do referido documento 9, e tendo presente que tal falta de eficácia não foi suprida pela restante prova prestada na audiência final, relativamente a esta questão (face ao carácter vago e genérico, já acima mencionado, dos depoimentos que sobre ela incidiram), logo se alcança que o tribunal recorrido não podia dar como provada a factualidade que consta dos pontos 21 a 23, nos termos que aí ficaram a constar, já que apenas fica demonstrado que após 28/7/2011 e até 1/8/2014 (data da comunicação identificada em 30 e 31) foram prestados os serviços a que respeitam os pontos 8 a 13 dos factos provados (e que, por isso, não carecem de autonomização meramente repetitiva).
Sustentam os RR., é certo, que o ónus da alegação e prova de que os serviços não foram prestados caberia à A.
Mas sem razão, porque é sobre os RR. que recai o ónus da alegação e prova dos factos constitutivos do crédito que invocam (e que pretendem ver compensado com o crédito invocado pela A.), correspondente ao montante devido pelos serviços prestados nas seis situações acima referidas, e melhor identificadas na mencionada troca de mensagens de correio electrónico.
Ou seja, era aos RR. que competia demonstrar que serviços foram prestados, após Julho de 2011, e não o contrário.
E sendo manifesto que a prova produzida a esse respeito é insuficiente para dar como provada a matéria que consta dos referidos pontos 21 a 23, tal como já ficou referido, importa eliminar tais pontos do elenco dos factos provados, assim procedendo a impugnação da A., nesta parte.
***
Relativamente ao ponto 26, sustenta a A. não se poder afirmar que os RR. enviaram à A. qualquer nota de honorários, desde logo a partir das cartas de 19/12/2014 e de 18/1/2015, e na medida em que nenhum dos documentos que acompanha a segunda carta em questão representa qualquer nota de honorários. Pelo que conclui não se poder dar como provada a factualidade constante desse ponto 26, no sentido de a 1ª R. ter comunicado à A. uma nota de honorários com um valor a pagar equivalente a €146.775,92.
Contrapõem os RR. com a irrelevância da pretensão da A., dado que o tribunal recorrido entendeu que as cartas em questão correspondiam a uma prestação de contas que encerrava uma nota de despesas e honorários, e sendo uma questão de direito a afirmação de que tal nota de despesas e honorários respeitava os requisitos legais a que devia obedecer.
Recuperando o teor da carta de 19/12/2014, com o assunto “Serviços jurídicos prestados pela V. – Sociedade de Advogados, RL Vossa Carta de 01.12.2014”, a 1ª R. (através do 2º R.) declara aí à A. (para além do mais que neste ponto não releva) que:
(…) na altura em que precisou, em que invocava não ter capacidade financeira para suportar os custos pelos nossos serviços jurídicos, não nos inibimos de, durante 5 anos continuar a tratar e a servir os seus interesses em várias dezenas de pastas/assuntos (com relevantes mais-valias asseguradas e tratadas) sem recebermos qualquer remuneração pelos serviços prestados e pelas muitas despesas suportadas.
(…)
Como sabemos, recebi a quantia de €256.300. Este valor será tratado da seguinte forma: (i) €48.500, correspondem ao valor das 36 faturas de 2010‑2011, com juros de mora até à data em recebemos do Tribunal o valor em causa (Dezembro de 2013); (ii) €150.800 correspondem aos honorários pelos serviços prestados, considerando os resultados obtidos ou em vias de serem decretados, e às despesas suportadas, que se encontram por liquidar no período 2011-2014; e (iii) €57.000 serão devolvidos para o NIB que indicam.
O referido valor de €150.800 resulta da soma de dois parciais: (i) €9.800 correspondem às despesas suportadas nesse período de 2011-2014 (as despesas de expediente já com iva) e (ii) €141.000, já com iva, aos honorários desse período.
Este valor de €141.000, por sua vez, é determinado considerando a manutenção da avença neste período de 2011-2014, que envolve, a partir de Julho de 2011 (a última factura emitida referiu-se a Junho de 2011), 44 meses a um valor médio de €2.600/mês (inferior ao que se praticava até 2010 e que abrange os serviços do subscritor, da Dra. CP., do Dr. PA. e demais advogados que estiveram sempre envolvidos nas pastas H.), acrescido de iva (44 x €2.600 x 1,23)”.
Quanto à carta de 18/1/2015, com o assunto “Envio de documentos contabilísticos”, a 1ª R. declara à A. que:
Relativamente ao assunto acima referido, enviamos em anexo os seguintes documentos:
1) Factura nº 201500111 e Recibo nº 2015001/2 correspondentes às despesas de expediente e honorários, com incidência de IVA, a que se refere a nossa carta de 18‑12-2014, no valor total de €146.775,92 assim discriminado:
          4 930,02€     Despesas de expediente (anexo discriminativo)
          4 400,00€     Honorários
         7 445,90€     IVA
     146 775,92€
2) Factura nº 2015001/2 e Recibo nº 201500113 correspondentes às despesas documentadas, sem incidência de IVA, a que se refere a nossa carta de 18‑12‑2014, no valor total de €4.024,08 (com anexo discriminativo e respectivas despesas).
3) Nota de Débito nº 2015001/1 e Recibo nº 2015001/1 correspondentes a mora no pagamento no valor de €9.410,03 (com anexo discriminativo).
Estes valores encontram-se pagos pela H. através do montante de €210.056,97 recebido no nosso Banco, em Dezembro de 2013, do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça (IGFIJ)”.
Ou seja, do conteúdo de cada um das cartas em questão (e documentos que acompanham a segunda delas) torna-se manifesto não se poder afirmar que a 1ª R. comunicou à A. qualquer “nota de honorários por serviços prestados”, entendida a mesma nos termos do art.º 105º do Estatuto da Ordem dos Advogados actualmente em vigor, com a mesma redacção do art.º 100º do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados, em vigor à data dos factos (ou seja, como uma conta dos valores devidos a esse título, contendo a discriminação dos serviços prestados e a sua valorização pecuniária, segundo o previamente acordado ou as regras constantes desse preceito legal, e que não se confunde com a indicação das despesas efectuadas). Aliás, esse mesmo entendimento foi o que utilizou o 2º R. nas declarações que prestou, já que quando inquirido sobre se alguma vez foi elaborada qualquer nota discriminativa dos actos praticados em cada um dos processos correspondentes às seis “pastas” acima identificadas, ou mesmo das decisões proferidas nos mesmos, ou com referência ao resultado obtido, respondeu peremptoriamente que nunca foi feita qualquer nota dessa natureza, do mesmo modo que nunca foi enviada qualquer nota dessa natureza.
Assim, importa alterar o ponto 26 dos factos provados para que o mesmo corresponda à realidade aí expressada, relativa ao envio das cartas em questão e ao respectivo conteúdo, e expurgando do mesmo ponto 26 o teor meramente valorativo correspondente à afirmação da comunicação de uma “nota de honorários por serviços prestados”.
Nestes termos o ponto 26 passa a ter a seguinte redacção (dividida por dois subpontos, cada um deles correspondente à carta respectiva):
26. Por cartas registadas datadas de 19/12/2014 e 18/1/2015, enviadas pela 1ª R. e recebidas pela A., aquela declarou a esta:
a. Na carta de 19/12/2014, para além do mais, que “(…) recebi a quantia de €256.300. Este valor será tratado da seguinte forma: (i) €48.500, correspondem ao valor das 36 facturas de 2010-2011, com juros de mora até à data em recebemos do Tribunal o valor em causa (Dezembro de 2013); (ii) €150.800 correspondem aos honorários pelos serviços prestados, considerando os resultados obtidos ou em vias de serem decretados, e às despesas suportadas, que se encontram por liquidar no período 2011-2014; e (iii) €57.000 serão devolvidos para o NIB que indicam.
O referido valor de €150.800 resulta da soma de dois parciais: (i) €9.800 correspondem às despesas suportadas nesse período de 2011-2014 (as despesas de expediente já com iva) e (ii) €141.000, já com iva, aos honorários desse período.
Este valor de €141.000, por sua vez, é determinado considerando a manutenção da avença neste período de 2011-2014, que envolve, a partir de Julho de 2011 (a última factura emitida referiu-se a Junho de 2011), 44 meses a um valor médio de €2.600/mês (inferior ao que se praticava até 2010 e que abrange os serviços do subscritor, da Dra. CP., do Dr. PA. e demais advogados que estiveram sempre envolvidos nas pastas H.), acrescido de iva (44 x €2.600 x 1,23)”.
b. Na carta de 18/1/2015 que “(…) enviamos em anexo os seguintes documentos:
4) Factura nº 201500111 e Recibo nº 2015001/2 correspondentes às despesas de expediente e honorários, com incidência de IVA, a que se refere a nossa carta de 18‑12-2014, no valor total de €146.775,92 assim discriminado:
  4.930,02€     Despesas de expediente (anexo discriminativo)
       114.400,00€     Honorários
         27.445,90€     IVA
       146.775,92€
5) Factura nº 2015001/2 e Recibo nº 201500113 correspondentes às despesas documentadas, sem incidência de IVA, a que se refere a nossa carta de 18‑12‑2014, no valor total de € 4.024,08 (com anexo discriminativo e respectivas despesas).
6) Nota de Débito nº 2015001/1 e Recibo nº 2015001/1 correspondentes a mora no pagamento no valor de €9.410,03 (com anexo discriminativo).
Estes valores encontram-se pagos pela H. através do montante de €210.056,97 recebido no nosso Banco, em Dezembro de 2013, do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça (IGFIJ)”.
***
Relativamente à inclusão do ponto a) dos factos não provados no elenco de factos provados, sustenta a A. que a matéria em questão está demonstrada a partir das declarações prestadas pelo 2º R., já que o mesmo confirmou que não tinha autorização da A. para indicar o NIB da titularidade da 1ª R. para efeitos de recebimento da indemnização no processo de expropriação identificado em 6., e mais confirmando que se tivesse comunicado previamente à A. que o iria fazer, receberia em resposta da A. que não autorizava tal indicação. Do mesmo modo, e a partir das mesmas declarações prestadas pelo 2º R. (bem como pelas declarações do representante da A. e pelo depoimento da testemunha Patrícia F.), sustenta a A. a necessidade da inclusão de um novo ponto no elenco de factos provados, relativo à referida falta de autorização da A. para o 2º R. indicar ao Tribunal de Gondomar o NIB da conta bancária da titularidade da 1ª R., para aí ser depositada a indemnização devida à A.
O tribunal recorrido motivou a não verificação do facto elencado no referido ponto a) afirmando que “não pode deixar de se relevar que a autora não foi capaz de apresentar qualquer documento anterior à denúncia criminal do ano 2015 que atestasse uma declaração expressa de discordância com a retenção de quantias”, e nada mais dizendo quanto à circunstância de o 2º R. ter confirmado saber, quando pediu ao Tribunal de Gondomar que a quantia indemnizatória fosse transferida para conta bancária da 1ª R., que não tinha autorização para tanto e que a A. não aceitaria tal procedimento.
Torna-se evidente, a partir da audição das declarações prestadas pelo 2º R. na audiência final, que não pode subsistir a decisão do tribunal recorrido, nesta parte, pois que o 2º R. afirmou expressamente que indicou o NIB da 1ª R. sem “nenhuma autorização expressa” da A., mais confirmando ter a consciência de que seria proibido pela A. de fazer tal indicação, se lhe tivesse comunicado previamente que o iria fazer.
Ou seja, importa também aqui dar provimento à pretensão da A. e eliminar do elenco dos factos não provados o referido ponto a), aditando ao elenco de factos provados um novo ponto que condensa a matéria do ponto a) e a matéria relativa à falta de autorização (enumerada pela A. como ponto 14.1), e com a seguinte redacção:
39. A A. não autorizou o 2º R. a indicar ao Tribunal de Gondomar outra conta bancária que não fosse da titularidade da A., para efeitos de pagamento da indemnização por expropriação, sabendo o 2º R. que a A. nunca aceitaria que o mesmo efectuasse a indicação referida em 12 e 13.
***
Relativamente à inclusão de um novo ponto no elenco de factos provados, relativo ao valor mensal da avença identificada em 4, no período imediatamente anterior à troca de mensagens de correio electrónico referidas nos pontos 19 e 20, sustenta a A. que tal facto resulta do depoimento da testemunha CP., que confirmou a redução do valor da avença para tal montante mensal, em “finais de 2008/2009”.
Contrapõem os RR. que tal facto se apresenta como irrelevante, porque está demonstrado qual o valor ainda não pago pelos serviços prestados até Julho de 2011, e que é correspondente aos €39.089,85 identificados no ponto 16.
Com efeito, se o que está em causa é, desde logo, o apuramento das obrigações pecuniárias emergentes do relacionamento contratual mantido com os RR., e se tais obrigações se expressam no pagamento do valor dos serviços prestados, quer até Julho de 2011, quer posteriormente a tal momento, é patente que o apuramento do valor dos serviços prestados no primeiro desses momentos dispensa outras considerações factuais, porque está apurado que tal valor ainda não satisfeito é de €39.089,85. O que equivale a afirmar a irrelevância de dar como provado que o valor mensal da avença ascendia a €1.000,00, por ter sido assim acordado entre as partes, em momento anterior a Julho de 2011. E mesmo que se entendesse ser necessário apurar a composição parcelar do valor global ainda não satisfeito, tal só serviria como instrumento factual para a determinação do valor dos serviços prestados até Julho de 2011 e que ainda não foi pago aos RR. Pelo que, ainda que por esta segunda, via, continuaria a não ser necessário aditar tal facto ao elenco de factos provados, face ao que acima ficou afirmado quanto à consideração dos factos instrumentais.
Improcede assim a pretensão da A. de aditar ao elenco de factos provados a matéria factual em questão, que a mesma enumerou como ponto 7.1.
***
Por último, e relativamente à inclusão de três novos pontos na matéria de facto, relativos à troca de mensagens de correio electrónico de 1/8/2014 e de 26/9/2014 e ao valor em dívida nesse momento pela A., sustenta esta que, ao contrário do afirmado na motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida, a A. contestou o critério utilizado pelos RR. “para definir os honorários cobrados pelo período de 28/07/2011 em diante”, como resulta claro da posição que assumiu na referida mensagem de 26/9/2014, no sentido de não concordar que o montante desses honorários devesse ser calculado com recurso ao valor mensal da avença, tal como vigorava antes de Julho de 2011. Do mesmo modo, entende que resulta de tais mensagens que até 1/8/2014 os RR. nunca interpelaram a A. para pagar o que quer que fosse a título de honorários e despesas, pelos serviços prestados após Julho de 2011, e que até essa data era tão só devedora do valor de €754,50, porque correspondente ao valor das facturas emitidas em seu nome, estando todos os demais valores em falta titulados por facturas emitidas em nome de outras sociedades do grupo a que pertence.
Começando pela afirmação de que em 1/8/2014 (e também em 19/12/2014) a A. devia à 2ª R. tão só o valor de €754,50, torna-se evidente que se está perante uma conclusão, que se há-de retirar (ou não) da qualificação e quantificação do crédito dos RR. perante a A., em decorrência da aplicação do direito aos factos provados.
Ou seja, tal afirmação do valor em dívida da A. não encerra em si um facto, mas uma consideração de direito, a reservar para o local próprio, quando se apreciarem as demais questões objecto do presente recurso.
Quanto ao teor das duas mensagens de correio electrónico (de 1/8/2014 e de 26/9/2014), o teor relevante da primeira delas consta dos pontos 30 e 31.
Já quanto à resposta da A. a tal mensagem de 1/8/2014 (que corresponde à mensagem de 26/9/2014), a factualidade apurada é completamente omissa relativamente ao aí declarado pela A. E se é certo que a A. não alegou na P.I. qual foi a resposta que deu a tal mensagem, juntou cópia da mesma (documento 7 junto com a P.I.) e considerou o seu teor integralmente reproduzido (art.º 31º da P.I.).
Tendo presente a troca de mensagens de correio electrónico mencionadas em 19 e 20, logo se alcança que a posição da A., relativamente à pretensão do 2º R. expressa na mensagem de 1/8/2014, apresenta-se como relevante para a determinação do direito de cada uma das partes, emergente da relação contratual iniciada antes de Julho de 2011 e mantida desde então, nos termos das referidas mensagens mencionadas em 19 e 20.
Dito de outro modo, tal como o teor da mensagem do 2º R. de 1/8/2014 consta do elenco de factos provados, também o teor da mensagem da A. de 26/9/2014 deve constar do elenco de factos provados, por se apresentar com relevância para a decisão das restantes questões suscitadas no âmbito do presente recurso.
Todavia, a afirmação de que foi pela mensagem de 1/8/2014 que os RR. informaram a A., pela primeira vez, dos valores que consideravam ser devidos pelos serviços prestados após Julho de 2011, apresenta-se como meramente conclusiva e valorativa e, nessa medida, insusceptível de figurar no elenco de factos provados.
Com efeito, face às mensagens referidas em 19 e 20, de onde resulta a manifestação de vontade dos RR. (aceite pela A.) no sentido de fazerem contas com a A. “relativamente às facturas já emitidas por liquidar (até Junho 2011) e à actividade desenvolvida/resultados obtidos a partir de Julho 2011” quando algum dos processos que ficaram a cargo dos mesmos gerassem “receita”, e não havendo notícia de outra “receita” dos processos em questão, para além daquela que emerge do processo de expropriação identificado em 6, era aos RR. que cabia o ónus de alegar que teria havido outra “receita” anterior, a despoletar uma informação anterior de valores devidos pela A. e as consequentes “contas relativamente às facturas já emitidas por liquidar (até Junho 2011) e à actividade desenvolvida/resultados obtidos a partir de Julho 2011”. Mas essa é uma afirmação valorativa que deve integrar a questão da determinação do (in)cumprimento de cada uma das partes do programa contratual (e da subsequente determinação qualitativa e quantitativa das obrigações pecuniárias daí emergentes).
Em suma, não há que aditar ao elenco de factos provados os três novos pontos propostos pela A., mas apenas um novo ponto, nos seguintes termos:
40. A A. respondeu à mensagem de correio electrónico identificada em 30 e 31 através de mensagem de correio electrónico de 26/9/2014, com o seguinte teor:
Não posso concordar com o que expõe, porque estamos a falar de empresas diferentes e situações diferentes.
O seu escritório ficou com vários processos, e vai receber a medida que vai tendo resultado em cada processo, o normal é receber entre 10 a 15% do valor recebido, assim, neste caso, sugiro que seja neste caso ficamos num meio de 12.5% sobre o valor recebido, e pomos esse critério para os outros processos, sendo assim o valor a descontar 256.298,00x12.5%= 32.037,25 €+IVA= 39.405,81€, assim deve emitir a factura e o recibo desse valor e transferir a diferença.
O valor que está em dívida é da construção centro, que deverá ser líquida por esta, a quando do desfecho, que esperemos favorável dos processos desta empresa.
Recordamos que a empresa está em per, e eu tenho que prestar contas do dinheiro recebido ao administrador de insolvência, por isso agradeço a transferência do dinheiro em causa menos os 39.405,81€ (com o envio da factura), e a agradeço também o envio da documentação de suporte do recebimento dos 256.298,00€, porque esse dinheiro nunca devia ter sido retido.
O conta para devolver é a afecta ao PER a PT50 xxxx xxxx xxxxxxxxxxx xx em nome da H.
Agradeço o envio o quanto antes, visto que a empresa está com bastantes dificuldades”.
***
Em síntese, na parcial procedência da impugnação da decisão de facto há lugar à alteração dos pontos 16 e 26 do elenco de factos provados, à eliminação dos pontos 21 a 23 do elenco de factos provados e dos pontos a) e d) do elenco de factos não provados, e ao aditamento de dois novos pontos (39 e 40) ao elenco de factos provados, e mantendo-se em tudo o mais a factualidade provada e não provada que consta da sentença recorrida.
***
Da relação contratual e do (in)cumprimento das obrigações daí emergentes
Na sentença recorrida ficou referido que “está assente que a sociedade de advogados ré foi contratada para representar um conjunto de sociedades comerciais integrado no que apelidam de grupo económico V., posteriormente grupo económico H.”, pelo que “a contratação de serviços jurídicos é mais ampla subjectivamente que a estrita discussão que se faz nestes autos entre a autora (…), uma das integrantes do aludido grupo, e a ré sociedade”, não causando tal “discrepância subjectiva” “qualquer perturbação à decisão da questão, na medida que é pacificamente admitido que os serviços em causa estão completamente compreendidos no conjunto dos serviços contratados pelo grupo económico com a sociedade ré, dando lugar, quando necessária representação forense, à outorga de procurações a favor do advogado réu (como sucedeu no caso do processo expropriativo de onde emergiu o pagamento da indemnização cujo equivalente é objecto dos autos)”.
Nesta medida conclui-se igualmente na sentença recorrida pela inconsistência de uma “eventual invocação de pluralidade de avenças, correspondentes às diferentes sociedades do grupo, sendo claro que os serviços eram prestados de forma unitária e os pagamentos também eram realizados sem discriminação da sociedade concreta que seria beneficiária dos mesmos”, caracterizando-se a relação contratual em questão como “uma prestação de serviços remunerada entre um conjunto de entidades e uma sociedade de advogados, perfeitamente compreendido na autonomia privada e sem qualquer limitação de natureza imperativa”. Apela-se, todavia, ao interesse contratual que enforma tal relação contratual, caracterizando-a como essencialmente económica, já que “a álea do contrato de avença, que é o risco reciprocamente assumido, é o de desproporção entre os pagamentos fixos e os serviços a prestar, algo que, consequentemente, pode onerar o contratante ou o prestador, ainda que se espere que a la longue as prestações se vão equilibrando na economia do contrato”.
As considerações em questão podem ter-se por correctas no que respeita ao relacionamento mantido entre as partes até Julho de 2011.
Com efeito, está demonstrado que ainda antes do ano 2000 o 2º R. havia acordado com o gestor da A. e da generalidade das sociedades do grupo empresarial a que a mesma pertence que, através da 1ª R., seriam prestados os serviços de consulta e de representação jurídica das sociedades desse grupo, contra o pagamento de uma retribuição mensal fixa e o reembolso das despesas que tais serviços gerassem, e sendo que qualquer representação das referidas sociedades por mandatário seria assegurada pelo 2º R.
Está igualmente demonstrado que foi assim que o relacionamento entre as partes foi decorrendo, até Julho de 2011.
E mais está demonstrado que nessa altura, tendo presente a situação económica difícil em que o grupo empresarial se encontrava, com as sociedades integrantes do mesmo em situação de insolvência ou próxima desta, existiam já valores em dívida à 1ª R., num montante global que ascendia a €39.089,85.
Ou seja, o equilíbrio contratual deixava de se verificar, porque ao fluxo constante de serviços que os RR. proporcionavam às sociedades do grupo empresarial em questão (incluindo a A.) não correspondia o fluxo pecuniário proporcionado aos RR., e sendo que a estabilidade recíproca de tais fluxos representava a base do negócio.
Assim, e como igualmente decorre da factualidade apurada, tal relação contratual foi alterada, por acordo das partes intervenientes na mesma.
Com efeito, tais intervenientes (nas pessoas do referido responsável da A. e das demais sociedades do grupo, VD., e do 2º R.) acordaram que continuariam a ser prestados serviços em alguns processos e procedimentos que já estavam atribuídos aos RR., sem haver lugar a qualquer pagamento fixo à 1ª R., mas antes na medida dos serviços que viessem a ser prestados.
Tal acordo foi formalizado através da proposta escrita que o 2º R. enviou à A. (na pessoa do director desta, filho do referido VD.), e que esta declarou por escrito que aceitava, nos precisos termos em que lhe foi apresentada.
Assim, e nos termos desse acordo de vontades, foi abandonado o “regime da avença mensal” e o mesmo foi substituído por um outro tipo de relacionamento contratual, em que os RR. continuavam a prestar os seus serviços de advocacia em seis “processos” devidamente identificados (os tais que já lhes estavam atribuídos), e sendo remunerados pela “actividade desenvolvida/resultados obtidos” a partir de Julho de 2011.
Ou seja, não mais havia que falar na existência de uma “avença mensal”, mas antes num típico mandato com representação conferido para seis questões (ou processos ou procedimentos, segundo a nomenclatura escolhida pelas partes) carecidas de serviços de advogado, e que seria remunerado de acordo com a actividade desenvolvida (pelos RR.) e em razão dos resultados obtidos.
Na sentença recorrida também se afirma que “as partes acordaram pôr termo à avença em Julho de 2011, procedendo ao respectivo distrate ou revogação”.
E também se reconheceu que, como “os réus continuariam a realizar trabalho jurídico para a autora, necessariamente que este teria que ser pago por outra forma, abandonada que foi a estrutura jurídica que consolidava a relação das partes. Como seriam calculados os pagamentos é algo que as partes não acordaram nesse momento, deixando a questão completamente em aberto”.
Todavia, torna-se evidente que, ao contrário do afirmado na sentença recorrida, as partes acordaram quanto à forma de remunerar os serviços prestados pelos RR., após Julho de 2011, no sentido de os mesmos serem remunerados em razão da actividade desenvolvida e dos resultados obtidos.
Do mesmo modo (agora ao contrário do que sustenta a A.), resulta demonstrado que competia à A. a obrigação de pagamento de tal remuneração, já que ficou estipulado que a mesma seria devida quando a A. “também receber nos nossos processos”, o que inculca a ideia que as partes quiseram colocar na esfera jurídica da A. os direitos e obrigações emergentes deste contrato de mandato, independentemente de as questões não dizerem eventualmente respeito à A., mas a um outra sociedade do grupo.
Ultrapassada a questão da determinação de cada uma das fases do relacionamento contratual entre as partes, estando assente que na segunda fase (ou seja, a partir de Julho de 2011) estava em vigor um contrato de mandato, e estando igualmente assente que a A. estava obrigada a pagar a retribuição dos serviços prestados no âmbito desse mandato, quando dos mesmos resultasse qualquer quantia a receber pela A., e de acordo com a actividade desenvolvida pelos RR. e os resultados obtidos, importa então verificar quais as obrigações correspectivas que emergiam para os RR.
Assim, resulta do disposto no art.º 1161º do Código Civil que os RR. estavam obrigados:
a) A praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções da A.;
b) A prestar as informações que a A. lhes pedisse, relativas ao estado da gestão dos seis processos compreendidos no mandato;
c) A comunicar à A., com prontidão, a execução do mandato;
d) A prestar contas à A., findo o mandato ou quando esta as exigisse;
e) A entregar à A. o que haviam recebido em execução do mandato ou no exercício deste, desde que não o tivessem despendido normalmente no cumprimento do contrato.
Por outro lado, e estando em causa um mandato conferido para o exercício de actos próprios da actividade de advogado, importa ainda convocar o disposto nos art.º 97º e seguintes do Estatuto da Ordem dos Advogados actualmente em vigor, com a mesma redacção dos art.º 92º e seguintes do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados, em vigor à data dos factos, daí resultando (para além do mais que aqui não releva) a obrigação de os RR. darem a aplicação devida aos valores que lhes fossem confiados, bem como prestar conta à A. de todos os valores da mesma que tivessem recebido, qualquer que fosse a sua proveniência, a par do dever de apresentar nota de honorários e despesas, logo que tal lhes fosse solicitado pela A., e de restituir à A. os valores da mesma que se encontrassem em seu poder, assim que cessasse a representação (art.º 101º do Estatuto da Ordem dos Advogados actualmente em vigor, com a mesma redacção do art.º 96º do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados, em vigor à data dos factos). Correspectivamente, assistia aos RR. o direito a reterem os valores da A. em poder dos mesmos, para garantia do pagamento dos honorários e reembolso das despesas que lhes fossem devidos pela A., desde que tais valores não tivessem chegado à sua detenção por forma ilícita, conhecendo os RR. tal ilicitude (al. b) do art.º 756º do Código Civil), e desde que tivesse sido apresentada a nota de honorários e despesas (nº 3 do referido art.º 101º do Estatuto da Ordem dos Advogados actualmente em vigor, com a mesma redacção do nº 3 do art.º 96º do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados, em vigor à data dos factos).
Assim, conjugando este conjunto normativo que constitui a fonte dos direitos e obrigações contratuais dos RR. decorrentes da celebração do contrato de mandato, e aplicando o mesmo ao caso concreto da actuação dos RR. relativa ao recebimento da indemnização identificada em 11 dos factos provados, logo se deve afirmar que tal actuação representa o incumprimento da obrigação de praticar os actos do mandato segundo as instruções da A.
Com efeito, resulta demonstrado que o 2º R. sabia não estar autorizado pela A. a indicar uma conta bancária que não fosse da titularidade desta, para o recebimento da indemnização em questão, mais sabendo que a A. nunca aceitaria a indicação da conta bancária da titularidade da 1ª R. para o recebimento em causa. O que é o mesmo que afirmar que o 2º R. sabia que no âmbito das instruções conferidas pela A. para a execução do mandato lhe estava vedado o recebimento da indemnização em questão numa conta bancária da 1ª R.
Todavia, o 2º R. actuou em desconformidade com tais instruções da A., pois que providenciou pelo depósito da indemnização numa conta bancária da titularidade da 1ª R., mesmo sabendo da oposição da A. a tal actuação.
Do mesmo modo, tendo sido recebida tal indemnização por essa forma, os RR. não cuidaram de informar a A. de tal recebimento, só o fazendo depois de solicitados para tanto pela A., e por duas vezes. E, do mesmo modo, os RR. não cuidaram de entregar à A. o valor da indemnização que foi transferida para a conta bancária da 1ª R.
Ou seja, também nesta parte há que concluir que os RR. incumpriram com as suas obrigações emergentes do contrato de mandato celebrado com a A.
E nem se afirme que à face do disposto no nº 3 do art.º 101º do Estatuto da Ordem dos Advogados actualmente em vigor, com a mesma redacção do nº 3 do art.º 96º do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados, em vigor à data dos factos, era permitido aos RR. manterem em seu poder tal valor da indemnização, em garantia do pagamento dos honorários e do reembolso das despesas que lhes era devido. É que o surgimento de tal direito de garantia na esfera jurídica dos RR. tinha por pressuposto que tal valor não tivesse chegado à detenção dos mesmos por meio ilícito, como foi o caso (porque em violação das instruções da A.).
Recuperando o ensinamento de Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, volume I, 4ª edição revista e actualizada, 1987, pág. 779), “a detenção da coisa só justifica o direito de retenção quando seja legítima. E é ilegítima quando foi obtida conscientemente, por meios ilícitos, ou seja, (…) por acto ilícito doloso”.
Como já se referiu, o 2º R. actuou em desconformidade com tais instruções da A., pois que providenciou pelo depósito da indemnização numa conta bancária da titularidade da 1ª R., mesmo sabendo da oposição da A. a tal actuação. Ou seja, o acto ilícito é praticado pelo 2º R. conscientemente (ou se se quiser, com culpa grave).
Assim, tendo a detenção do valor da indemnização sido obtida por meio de acto conscientemente ilícito, não é a mesma apta ao surgimento do referido direito de garantia na esfera jurídica dos RR. O que é o mesmo que dizer que a falta de entrega de tal valor indemnizatório à A. não se mostra justificada nos termos pretendidos pelos RR., antes representando o incumprimento culposo das obrigações dos RR. emergentes do contrato de mandato celebrado com a A. (e sendo que a culpa sempre se presumiria, à face do disposto no art.º 799º do Código Civil). Nessa medida, tal incumprimento conduz ao surgimento da obrigação de indemnizar os prejuízos sofridos pela A., que se reconduzem à restituição do montante da indemnização de que a A. se viu privada, acrescido de juros de mora desde o momento em que tal montante entrou indevidamente na posse dos RR. (ou seja, desde 29/11/2013, quanto ao valor de €210.056,97, e desde 28/1/2014, quanto ao valor de €46.242,91).
Ainda quanto à ilicitude da conduta dos RR., não entregando à A. o valor da indemnização pela expropriação, deixa-se em aberto na sentença recorrida a possibilidade de as circunstâncias que enformaram o relacionamento entre as partes autorizarem a percepção de um justo receio de perda da garantia patrimonial do direito de crédito dos RR., correspondente à retribuição pelos serviços prestados (e bem ainda ao reembolso das despesas efectuadas). Mas afirma-se também que tais “circunstâncias, em si consideradas, não permitem considerar justificado o comportamento dos réus, designadamente por um putativo recurso a acção directa (cf. art.º 336.º do CC), tendo os réus ao seu dispor os meios jurisdicionais de tutela, designadamente cautelar, que poderiam ter accionado, ante o risco de dissipação da garantia (sendo que a invocação de necessidade de utilização dos montantes para satisfação de necessidades imediatas não é razão suficiente para alterar esta conclusão)”.
Todavia, mesmo afirmando a ilicitude do acto dos RR., conclui-se na sentença recorrida que inexiste qualquer demonstração de um dano emergente do acto ilícito (e culposo) praticado pelos RR., porque se entendeu que “estando a autora/reconvinda obrigada ao pagamento de honorários e devendo dar pagamento preferencial àquela concreta obrigação (sendo também certo que nada foi alegado relativamente a outras obrigações que devesse satisfazer, privilegiadas ou comuns, aludindo-se apenas, de forma genérica, a uma situação económica difícil), tem que se concluir que o prejuízo efectivo que resulta para a autora, decorrente do comportamento dos réus, será apenas referente à diferença entre o valor retido e o valor dos honorários a pagar”.
Ora, face ao que já se deixou afirmado, não se pode acompanhar tal raciocínio, que se mostra contraditório nos seus próprios termos.
Com efeito, é porque se conclui pela ilicitude da actuação dos RR., correspondente ao recebimento indevido do valor indemnizatório devido à A. e sua não entrega à A., que se afasta o direito dos RR. a reter tal valor, para se fazerem pagar da retribuição pelos serviços prestados através de tal valor, negando-se-lhes a qualidade de titulares dessa garantia especial de satisfação do seu crédito.
Nessa medida, nunca se poderia afirmar que a A. nunca sofreu qualquer prejuízo quando foi impedida de receber tal valor indemnizatório, já que estaria obrigada a utilizar tal valor para satisfazer o crédito pecuniário dos RR., e só se podendo assim considerar a medida do prejuízo na medida da diferença entre o valor retido e o valor devido aos RR. (como na sentença recorrida). Pelo contrário, porque a actuação dos RR. conduz directamente à diminuição da situação patrimonial da A. (recorde-se que o valor da indemnização era da titularidade da A., na sua qualidade de expropriada), essa é que é a medida do dano sofrido pela A., e não qualquer outra.
Em suma, há que afirmar a obrigação dos RR. a pagar à A. o montante de €210.056,97, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde 29/11/2013, bem como o montante de € 46.242,91, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde 28/1/2014. Mas, do mesmo modo, importa considerar que os RR. já entregaram à A. os montantes de €25.000,00 (em 26/12/2014), de €15.000,00 (em 30/1/2015) e de €17.000,00 (em 5/5/2015). Pelo que importará imputar tais entregas nos valores em dívida.
Regressando ao relacionamento contratual entre as partes e às obrigações daí emergentes para a A., disse-se já que a relação que vinha sendo mantida foi alterada por acordo, resultando desse acordo que a A. ficou obrigada a pagar aos RR. a retribuição dos serviços prestados pelos mesmos no âmbito do mandato então conferido relativamente às seis questões identificadas, de acordo com a actividade desenvolvida pelos RR. e os resultados obtidos na resolução dessas questões, e quando de tal actividade resultasse qualquer quantia a receber pela A.
Todavia, importa não esquecer que na primeira fase do relacionamento contratual (ou seja, antes da referida alteração) vigorava um regime de avença nos termos do qual era paga aos RR. uma quantia mensal fixa.
Do mesmo modo, emerge da factualidade apurada que os valores dessa retribuição mensal fixa não estavam todos liquidados, pois que em Julho de 2011 existiam valores em dívida cujo montante global ascendia a € 39.089,85.
Relativamente a tal obrigação pecuniária, resulta dos termos da proposta apresentada pelo 2º R. e aceite pela A. (pontos 19 e 20) que a A. “não se preocupa, para já, com o pagamento das facturas já emitidas” (ou seja, as facturas que titulavam o referido montante global em dívida de €39.089,85) e que quando alguma das questões a resolver pelos RR. gerasse receita, “nessa altura, quando a H. receber, faremos contas relativamente às facturas já emitidas por liquidar (até Junho 2011) e à actividade desenvolvida/resultados obtidos a partir de Julho 2011”.
Mais resulta que essa proposta do 2º R. (reduzida a escrito) e subsequente aceitação da A. (por escrito) surge na sequência de uma reunião onde as partes alcançaram um acordo verbal, nos termos do qual os RR. seriam pagos pelos serviços já prestados e não pagos e pelos serviços a prestar em data posterior à do acordo pelo produto líquido que viesse a ser recebido nos processos judiciais a correr, entre os quais o processo de expropriação em que a A. figurava como expropriada (identificado em 6).
Assim, e interpretando tais declarações de vontade com recurso ao disposto no art.º 236º do Código Civil, aquilo que se deve concluir é que as partes estipularam que, no que respeita ao montante global em dívida de €39.089,85, o mesmo só seria devido pela A. à 1ª R. nos mesmos termos da retribuição devida pelos serviços prestados a partir de Julho de 2011, isto é, quando desses serviços resultasse qualquer quantia a receber pela A.
Nessa medida uma primeira conclusão se impõe, no sentido de as partes terem consolidado o valor em dívida ao tempo desse acordo e terem estipulado que o pagamento do mesmo só era exigível quando surgisse o referido incremento patrimonial da A. O que é o mesmo que afirmar que a dívida em questão só se considerava vencida com a verificação da referida condição. Pelo que não se pode falar no cômputo de juros de mora sobre tal montante de €39.089,85, enquanto não surgisse tal “receita” da A. gerada por qualquer uma das seis situações para cuja resolução eram prestados os serviços de advocacia pelos RR.
E como está demonstrado que só em 29/11/2013 surge tal “receita”, só a partir daí passou a A. a estar em mora com a satisfação de tal montante, daí emergindo a correspondente obrigação de pagamento de juros moratórios à taxa legal.
O que é mesmo que afirmar a obrigação da A. a pagar aos RR. o referido montante de €39.089,85, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde 29/11/2013.
Já quanto à retribuição devida pelos serviços prestados a partir de Julho de 2011, viu-se já que a valorização pecuniária dos mesmos era feita de acordo com a actividade desenvolvida pelos RR. e os resultados obtidos na resolução das questões a que respeitavam os serviços em causa.
Todavia, tal retribuição só se torna exigível na medida em que seja apresentada a respectiva nota de honorários (a “conta de honorários com discriminação dos serviços prestados”, na expressão do nº 2 do art.º 105º do Estatuto da Ordem dos Advogados actualmente em vigor, com a mesma redacção do nº 2 do art.º 100º do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados, em vigor à data dos factos).
Mas é manifesto que tal nota de honorários nunca foi elaborada pelos RR. e apresentada à A.
Com efeito, e como já se referiu aquando do conhecimento da pretendida alteração da decisão de facto, é a partir do disposto no referido art.º 105º do Estatuto da Ordem dos Advogados actualmente em vigor, com a mesma redacção do art.º 100º do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados, em vigor à data dos factos, que se alcança qual o conteúdo que um documento deve ter, para ser considerado uma nota de honorários.
Aliás, é por isso (regressando aos pressupostos do direito à retenção de valores do cliente em poder do advogado) que o nº 3 do art.º 101º do Estatuto da Ordem dos Advogados actualmente em vigor, com a mesma redacção do nº 3 do art.º 96º do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados, em vigor à data dos factos, dispõe que só se justifica a retenção dos valores do cliente que o advogado está obrigado a restituir‑lhe na medida em que tenha sido apresentada a nota de honorários e despesas.
É que sendo a partir da mesma que é possível apreender a valorização pecuniária dos serviços prestados pelo advogado e compreendidos no mandato, o que passa pela discriminação desses serviços e pela indicação do valor de cada um dos mesmos, seja por reporte ao que foi previamente e validamente acordado, seja segundo as regras constantes do referido art.º 105º, logo se alcança que a omissão da elaboração de tal nota de honorários torna inexigível a retribuição devida ao advogado como correspectivo dos serviços prestados. Não é que o mesmo não tenha direito a tal retribuição. Simplesmente não pode exercitar tal direito de crédito enquanto não cumprir com o seu dever acessório de elaborar a nota de honorários, para efeitos de poder exigir o pagamento da retribuição que lhe é devida. E, por isso, não pode fazer-se pagar dessa retribuição a partir dos valores do seu cliente que tenham ficado em seu poder, no âmbito do cumprimento do mandato.
Dito de forma mais simples, cumprido o mandato (ou quando lhe seja solicitado pelo cliente) o advogado fica obrigado à elaboração da nota de honorários, da qual deve constar a discriminação dos serviços prestados e a respectiva valorização pecuniária, segundo o critério previamente estipulado pelas partes por escrito, se existir, ou com relação à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades assumidas pelo advogado e aos demais usos profissionais. Caso omita tal elaboração dessa nota de honorários, não é exigível pelo advogado qualquer pagamento, a título de compensação económica adequada a que tem direito pelos serviços que prestou, nem tão pouco pode o advogado reter alguma quantia do seu cliente que se encontre licitamente em seu poder, para garantia do pagamento dessa compensação (e bem ainda das despesas geradas pelos serviços que prestou).
Ora, como no caso concreto dos autos não resulta demonstrado que os RR. hajam elaborado e entregue à A., em qualquer momento, um documento que revista as características acima referidas, fica por demonstrar a elaboração e entrega de nota de honorários relativa aos serviços prestados entre Julho de 2011 e 1/8/2014.
Por outro lado, torna-se evidente que a ausência da elaboração e entrega da nota de honorários pelos RR. não pode ser suprida nos termos defendidos pelos mesmos, e que foram acompanhados na sentença recorrida.
Com efeito, os RR. defenderam, quer na mensagem de correio electrónico de 1/8/2014 (pontos 30 a 31), quer na carta de 19/12/2014 (ponto 26), quer na sua contestação, que os honorários devidos aos mesmos pelos serviços prestados entre Julho de 2011 e 1/8/2014 são determinados através da aplicação do valor mensal da avença extinta ao lapso de tempo em questão. Mas não foi esse o critério estipulado pelas partes para tal determinação, antes tendo sido estipulado um critério em tudo semelhante ao que emerge do nº 3 do art.º 105º do Estatuto da Ordem dos Advogados actualmente em vigor, com a mesma redacção do nº 3 do art.º 100º do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados, em vigor à data dos factos, a justificar a elaboração e entrega de nota de honorários nos termos já acima referidos.
Pelo que, para além de não haver que falar no surgimento do direito dos RR. a reter o valor da indemnização (o que se apresenta como irrelevante, porque já se afirmou que tal direito lhes está vedado em razão da detenção do valor em questão ter ocorrido por acto conscientemente ilícito), do mesmo modo não se pode afirmar serem os RR. credores da A. do valor de honorários de €150.183,00 mencionado na mensagem de correio electrónico de 1/8/2014, ou sequer do valor de honorários de €141.000,00 mencionado na carta de 19/12/2014.
Dito de forma mais simples, como a obrigação da A. de pagar honorários aos RR. pelos serviços prestados entre Julho de 2011 e 1/8/2014 só se torna certa e exigível quando os RR. cumprirem a sua obrigação acessória de elaborar e entregar à A. a nota de honorários respectiva, elaborada nos termos acima referidos, a afirmação da existência da obrigação da A. a pagar aos RR. qualquer montante, a este título, só pode surgir se e quando os RR. derem cumprimento a tal obrigação acessória.
Todavia, e no que respeita às despesas devidas aos mesmos pelos serviços prestados depois de Julho de 2011, não há qualquer razão para não concluir que o valor das mesmas é devido pela A., nos termos indicados pela 1ª R., através da carta de 18/1/2015.
Com efeito, nessa carta foi comunicado à A. que as despesas em questão ascendiam a €4.930,02, com IVA de 23% (o que perfaz €6.063,92), e a €4.024,08, sem IVA (por se tratarem de despesas não sujeitas a IVA)
Do mesmo modo, com tal carta foi apresentada à A. a relação discriminada das despesas em questão, apurando-se que as mesmas respeitam a gastos com correios e telecomunicações, com material de escritório, fotocópias e digitalizações, com um alojamento do 2º R. em unidade hoteleira da cidade do Porto, e com despesas judiciais.
Do mesmo modo, ainda, as mesmas têm por referência temporal o mesmo período dos serviços em questão (depois de Julho de 2011) e estão indexadas a apenas nove referências de “pastas”, assim deixando antever que respeitarão às seis situações acima mencionadas.
Por último, quer os valores unitários aí inscritos, quer as quantidades de actos que conduzem aos valores globais em questão, apresentam-se como adequados ao lapso temporal em questão e à previsível dimensão judicial e extrajudicial das seis situações em apreço (recorde-se que dos descritivos das “pastas” respectivas se retira a existência de, pelo menos, duas expropriações, bem como de uma referência a um equipamento público, previsivelmente autárquico).
Ou seja, é de afirmar que, no que respeita às despesas realizadas pelos RR., os mesmos justificaram-nas cabalmente perante a A., porque de forma individualizada e discriminada. Pelo que se torna forçoso concluir que, quanto aos montantes em apreço, assiste à A. a obrigação de pagar os mesmos aos RR., desde que lhe foram comunicados.
Pelo que aos referidos valores de €6.063,92 e de €4.024,08, devidos aos RR. e em falta, acrescem juros de mora à taxa legal contados desde a data em que a carta de 18/1/2015 foi recebida pela A.
***
Em síntese, os RR. estão obrigados a pagar à A.:
. €210.056,97, acrescidos de juros de mora à taxa legal contados desde 29/11/2013;
. €46.242,91, acrescidos de juros de mora à taxa legal contados desde 28/1/2014.
Mas tendo presente que em 26/12/2014 os RR. entregaram o montante de €25.000,00 à A., e imputando tal entrega à satisfação parcial da dívida mais onerosa para os RR, porque de maior valor e vencida há mais tempo (art.º 784º, nº 1 do Código Civil), daí resulta que o valor em dívida em 26/12/2014 foi reduzido de €219.080,79 (correspondente à soma do capital em dívida com os juros contados até 26/12/2014) para € 194.080,79.
Do mesmo modo, como em 30/1/2015 os RR. entregaram o montante de €15.000,00 à A., e imputando tal entrega à satisfação parcial da mesma dívida, daí resulta que o valor em dívida em 30/1/2015 foi reduzido de € 194.825,21 (correspondente à soma do capital em dívida com os juros contados entre 26/12/2014 e 30/1/2015) para € 179.825,21.
Do mesmo modo, como em 5/5/2015 os RR. entregaram o montante de €17.000,00 à A., e imputando tal entrega à satisfação parcial da mesma dívida, daí resulta que o valor em dívida em 5/5/2015 foi reduzido de €181.697,36 (correspondente à soma do capital em dívida com os juros contados entre 30/1/2015 e 5/5/2015) para €164.697,36.
Assim, e após a imputação dos montantes entregues, os RR. continuam  obrigados a pagar à A.:
· €164.697,36, acrescidos de juros de mora à taxa legal contados desde 5/5/2015;
· €46.242,91, acrescidos de juros de mora à taxa legal contados desde 28/1/2014.
Já a A. está obrigada a pagar aos RR.:
· €39.089,85, acrescidos de juros de mora à taxa legal contados desde 29/11/2013
· €10.088,00, acrescidos de juros de mora à taxa legal contados desde a data em que a carta de 18/1/2015 foi recebida pela A.
***
Da compensação
Não sofre qualquer controvérsia a natureza da compensação, enquanto forma de extinção das obrigações em lugar do cumprimento.
E também não sofre controvérsia a possibilidade de compensação parcial, quando se estiver perante dívidas de montante distinto, operando a compensação na parte correspondente e subsistindo em dívida o remanescente não extinto por compensação.
Todavia, entende a A. que a sua dívida perante os RR. não pode ser extinta por compensação com a dívida dos RR., porque assim o proíbe o disposto na al. a) do nº 1 do art.º 853º do Código Civil.
Com efeito, e como resulta de tal preceito legal, não podem extinguir-se por compensação créditos provenientes de factos ilícitos dolosos.
Como explicam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, volume II, 3ª edição revista e actualizada, 1986, pág. 145), “a alínea a) do nº 1 refere-se aos créditos provenientes de factos ilícitos dolosos. Assim, por ex., se alguém furta ao seu devedor uma quantia em dinheiro, não pode o autor do furto compensar a obrigação de entregar a quantia furtada com o crédito de que dispõe contra ele”. E explicam igualmente que “atenta a ratio legis do preceito, a compensação deve ser igualmente excluída, na hipótese de o crédito do compensante provir também dum facto ilícito doloso. Mas já nada impedirá a compensação, no caso de o compensante ser o credor (e não o devedor) da indemnização pelo dano proveniente do facto ilícito doloso”.
No caso dos autos o crédito da A. corresponde à reparação do dano causado pelo facto conscientemente ilícito praticado pelo 2º R.
Já o crédito dos RR. corresponde às prestações pecuniárias devidas aos mesmos decorrentes do relacionamento contratual mantido com a A., seja na primeira fase do mesmo (o denominado “regime da avença mensal”), seja na segunda fase do mesmo (quando foi substituído pelo típico mandato com representação).
Tendo a A. demandado os RR. para ser ressarcida do referido dano, contrapuseram estes a extinção do invocado crédito da A. por compensação com o seu crédito emergente do referido relacionamento contratual.
Parece assim, numa primeira abordagem, que está preenchida a previsão legal em apreço, a determinar a impossibilidade de os RR. poderem obter a extinção (ainda que parcial) do crédito da A., por compensação com o seu contra-crédito, na medida em que foi a actuação conscientemente ilícita dos mesmos que fez surgir o crédito da A. O que significaria, como no exemplo acima referido, que os RR. não podem libertar-se da obrigação de indemnizar a A. operando a sua compensação com a obrigação da A. emergente do contrato que celebrou com os RR.
Sucede que, apesar de aparentar que a compensação emerge do exercício de um direito potestativo dos RR. previsto legalmente, na realidade a compensação emerge da vontade conjunta das partes.
Com efeito, há que ter em atenção que a relação contratual mantida entre as partes, depois de Julho de 2011, não se esgotou na celebração do contrato de mandato stricto sensu, mas antes teve em atenção a existência do relacionamento contratual anterior e a circunstância de, nos termos do mesmo, a A. estar obrigada a pagar determinados montantes, não estando cumprida atempadamente tal obrigação pecuniária.
Assim, nos termos do acordo alcançado pelas partes (aquele que modifica o relacionamento contratual que se vinha verificando) ficou estipulada não só a manutenção da relação contratual, agora com respeito por distintas regras (designadamente no que respeita à obrigação de pagamento dos serviços prestados pelos RR., por um lado, e à configuração de tais serviços, por outro lado), mas igualmente ficou determinada uma forma de satisfação das prestações em atraso da A., estipulando-se um período em que as mesmas deixavam de ser devidas, e mais se estipulando, não só o momento em que se voltavam a considerar devidas, mas igualmente o modo como seriam satisfeitas, por referência aos montantes da titularidade da A. que assim resultassem por força dos serviços de advocacia prestados pelos RR.
Recuperando o que as partes deixaram formalizado a partir do encontro de vontades, “dado que alguns dos processos (…) gerarão receita em meados do próximo ano ou em 2012 (outros só posteriormente), nessa altura, quando a H. receber, faremos contas relativamente às facturas já emitidas por liquidar (até Junho 2011) e à actividade desenvolvida/resultados obtidos a partir de Julho 2011”.
E se dúvidas existissem quanto à interpretação a dar à expressão “faremos contas”, elas resultam dissipadas pela circunstância de as partes terem dialogado previamente e terem chegado ao entendimento de que os RR. seriam pagos pelos valores devidos pelos serviços já prestados e não pagos e pelos valores devidos pelos serviços a prestar, através do produto líquido que viesse a ser recebido nos processos judiciais a correr, entre os quais o processo de expropriação identificado em 6.
Ou seja, a A. aceitou privilegiar os RR. na satisfação dos créditos dos mesmos emergentes do mandato desempenhado por estes, através da entrega do que viesse a receber nos processos judiciais que se encontravam a correr, designadamente a expropriação em questão.
Pelo que, verificando tal intenção da A. e associando-a à utilização da expressão “faremos contas”, tal só pode ter o significado de a A. pretender pagar aos RR. com o valor da indemnização que viesse a receber do processo de expropriação. Do mesmo modo, não ficou convencionado que tal forma de satisfação recíproca dos créditos de cada uma das partes ficava dependente do estrito cumprimento do programa contratual, designadamente no que respeita ao modo como os RR. detivessem valores pecuniários da titularidade da A.
Assim, pode-se afirmar que as partes visaram a compensação dos créditos que sabiam deter reciprocamente, não nos termos legais, mas nos termos das condições que estipularam, prescindido da limitação a que respeita a al. a) do nº 1 do art.º 853º do Código Civil.
Repare-se que não se trata de afirmar, em aparente contradição relativamente ao acima afirmado, que as partes estipularam a possibilidade de os RR. reterem quantias da titularidade da A., para se fazerem pagar “pelas próprias mãos” (a expressão é da A.) dos honorários pelos serviços prestados. Com efeito, para tanto teriam os RR. de comunicar à A. a existência dos valores de indemnização devidos à mesma, no âmbito dos processos em que prestaram os seus serviços, do mesmo modo apresentando a nota de honorários respectiva, elaborada nos termos já acima referidos, e, do mesmo modo, apresentando as “contas” respectivas para serem aprovadas pela A.
Do que se trata é de constatar que, não obstante ser de concluir pela ilicitude da retenção do valor da indemnização da titularidade da A., ainda assim se constata o acordo das partes no sentido de tal valor servir para satisfazer os créditos dos RR. emergentes dos serviços prestados à A., através de tal “encontro de contas”, que mais não significa que o pagamento dos créditos dos RR. através dos valores de indemnização devidos à A., ainda que os mesmos estivessem em poder dos RR., em violação do acordado entre as partes.
É esta forma de compensação de créditos convencionada pelas partes que se assume como válida, porque emergente da vontade das mesmas, e a ditar o afastamento das regras de sinal contrário decorrentes dos art.º 847º e seguintes do Código Civil, segundo o princípio da autonomia privada e da correspondente liberdade contratual que decorre do art.º 405º do Código Civil.
Isso mesmo explicam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, volume II, 3ª edição revista e actualizada, 1986, pág. 137), quando referem que a “compensação a que se refere este artigo 847º é aquela que pode ser imposta por uma das partes à outra. Nada obsta, porém, a que, por convenção entre ambas, se compensem créditos, independentemente da verificação dos requisitos deste artigo. É a chamada compensação voluntária ou contratual, que está sujeita à disciplina geral dos contratos e não à desta secção”. E mais explicam que “essencial [para que se possa falar de compensação voluntária] é que cada um deles possa dispor do crédito e que ambos acordem na extinção recíproca das obrigações”.
Do mesmo modo, no acórdão de 29/10/2015 do Supremo Tribunal de Justiça (relatado por Orlando Afonso e disponível em www.dgsi.pt), e perante um caso em que as partes discutiam a compensação de créditos correspondente a um acerto de contas acordado no âmbito do relacionamento contratual entre elas, ficou afirmado que a “compensação é o meio que o devedor dispõe de se livrar da obrigação por extinção simultânea do crédito equivalente de que dispõe sobre o seu credor, podendo a mesma ser legal ou voluntária, sendo que esta última pode operar, ao abrigo do princípio da autonomia privada, independentemente da verificação de algum dos requisitos exigidos para a primeira”.
Do mesmo modo, ainda, no acórdão de 25/6/2015 do Supremo Tribunal de Justiça (relatado por Hélder Roque e disponível em www.dgsi.pt), ficou afirmado que “para além da compensação legal, (…) onde se inclui a compensação judicial, subordinada a uma decisão constitutiva do tribunal, admite-se, igualmente, a compensação convencional, baseada no acordo dos interessados, em que se prescinde de alguma ou algumas das exigências fixadas para a compensação legal, mas, mesmo assim, «dentro dos limites da lei», fixados para a liberdade negocial, a que se reporta a parte introdutória do artigo 405º, nº 1, do CC, ou seja, da existência de quaisquer razões de interesse e ordem pública que sejam, forçosamente, violadas por semelhante convenção”.
Regressando ao caso concreto dos autos, logo se antevê que o estipulado “encontro de contas” mais não representa que uma compensação voluntária dos créditos emergentes do relacionamento contratual entre as partes, sem que se distinga se tais créditos emergem do cumprimento pontual do clausulado contratual, ou se emergem do incumprimento de alguma das obrigações assumidas por qualquer uma das partes.
Dito de forma mais simples, na economia do acordo efectuado as partes não limitaram o pretendido “encontro de contas” aos valores correspondentes às prestações pecuniárias emergentes do contrato, com exclusão de valores devidos pelo incumprimento contratual.
Assim, também para efeitos desse “encontro de contas” deve ser considerado o montante que os RR. estão obrigados a restituir à A. em consequência da detenção conscientemente ilícita do mesmo, porque assim o quiseram as partes, ao abrigo da sua autonomia privada, e sem que tal compensação voluntária dos créditos de cada uma das partes atente contra quaisquer razões ou interesses de ordem pública.
Em suma, há que admitir a extinção das obrigações pecuniárias acima identificadas de cada uma das partes, não na sua totalidade, mas na parte correspondente ao seu igual montante.
Já quanto ao momento a considerar para a compensação, torna-se patente que só em sede judicial os RR. exerceram essa faculdade estipulada no âmbito do acordo de 2011.
Com efeito, e não obstante a comunicação de correio electrónico de 1/8/2014 e as cartas de 19/12/2014 e de 18/1/2015, a circunstância de subsequentemente (em 30/1/2015 e em 5/5/2015) os RR. terem entregue à A. montantes destinados a satisfazer parcialmente a sua obrigação (correspondente à restituição do valor indemnizatório em poder dos mesmos), impede a afirmação da existência do “encontro de contas” com aquele intuito compensatório, o qual só é exercitado nos termos da defesa apresentada na contestação (mais concretamente por via da reconvenção).
Assim, é por referência à data da apresentação da contestação (27/10/2020) que importa considerar a compensação das obrigações pecuniárias de cada uma das partes que acima foram identificadas, e que nessa data se devem considerar liquidadas nos seguintes montantes (já considerando os juros de mora à taxa legal incidentes sobre as mesmas):
a) No que respeita às prestações devidas pelos RR.:
· €200.831,51 (correspondente ao capital de €164.697,36, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde 5/5/2015);
· €58.728,61 (correspondente ao capital de €46.242,91, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde 28/1/2014);
b) No que respeita às prestações devidas pela A.:
· €49.902,21 (correspondente ao capital de €39.089,85, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde 29/11/2013);
· €12.415,15 (correspondente ao capital de €10.088,00, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde a data em que a carta de 18/1/2015 foi recebida pela A.).
Nesta medida, apura-se que em 27/10/2020 a obrigação da A de pagar aos RR. a quantia global de €62.317,36 ficou extinta na sua totalidade, por compensação com as referida obrigação dos RR., na parte correspondente, e subsistindo assim a obrigação dos RR. de pagar à A. a quantia de €197.242,76, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde 27/10/2020 e até integral pagamento.
***
Ou seja, na parcial procedência das conclusões do recurso da A. não pode subsistir o decidido pela sentença recorrida, antes devendo ser julgada parcialmente procedente a acção e a reconvenção, compensando-se os créditos reciprocamente detidos pela A. e pelos RR. e condenando-se os RR. a pagar à A. a referida quantia de €197.242,76, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde 27/10/2020 e até integral pagamento.
***
DECISÃO
Em face do exposto julga-se procedente o recurso e revoga-se a sentença recorrida, que se substitui por esta outra decisão que, na parcial procedência da acção e da reconvenção, declara verificada a compensação dos créditos reciprocamente detidos pela A. e pelos RR. e condena os RR. a pagar à A. a quantia de €197.242,76 (cento e noventa e sete mil duzentos e quarenta e dois euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde 27/10/2020 e até integral pagamento.
Vai ainda a A. condenada na multa processual de 1 (uma) UC, pela não admissão da junção do documento apresentado em 19/2/2024.
Custas por A. e RR. na proporção do decaimento, em ambas as instâncias, e mantendo-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça.

6 de Junho de 2024
António Moreira
Arlindo Crua
Higina Castelo