Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25184/16.2T8LSB-A.L1-7
Relator: ALEXANDRA DE CASTRO ROCHA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
CUMPRIMENTO
PAGAMENTO
RETENÇÃO DE IRC
SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/04/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – Não se justifica a alteração da matéria de facto provada se, atentos os princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação, as provas produzidas não impuserem decisão diversa.
II – Sendo as prestações contratualmente fixadas, a pagar por um contraente ao outro, susceptíveis de integrar a categoria de rendimentos prediais e, consequentemente, de estar sujeitas a retenção na fonte em sede de IRC, a obrigação de pagamento deve considerar-se extinta, pelo cumprimento, se o valor daquelas prestações tiver sido entregue, em parte, ao credor e, na outra parte, à AT.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO:
F…, S.A., com sede no Uruguai, intentou acção executiva, para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, contra S…, L.da, pretendendo a cobrança coerciva de €230.928,26, sendo €181.378,00 de capital, €49.499,26 de juros de mora, a que acrescem juros vincendos, e €51,00 de taxa de justiça. Apresentou, como título executivo, um contrato intitulado de «Cessão Onerosa de Posição Contratual em Contrato de Licença de Utilização de Loja em Centro Comercial»,  datado de 12/12/2000, mediante o qual a sociedade D…, L.da, declarou ceder à executada a sua posição em contrato de utilização de determinado espaço comercial, tendo esta declarado obrigar-se a pagar àquela a quantia de Esc. 291.865.096$00 (correspondente a €1.455.816,96), acrescida de IVA, pagamento esse a realizar mediante uma prestação inicial de €513.088,45, acrescidos de IVA, e em prestações trimestrais de €15.712,13, acrescidos de IVA, sendo estas prestações actualizadas anualmente e de forma automática, de acordo com a taxa fixada pelo Governo para actualização das rendas comerciais para o respectivo ano. Alega a exequente que adquiriu à referida D..., L.da, aquele crédito, mediante contrato intitulado de cessão de créditos entre ambas celebrado em 17/1/2001. Refere, ainda, que a executada, a partir de Setembro de 2007, passou a pagar apenas parte das prestações devidas, encontrando-se em falta a quantia de capital de €181.378,00.
Por apenso àqueles autos, veio a executada deduzir oposição à execução, mediante embargos, referindo que os valores que a exequente afirma encontrarem-se em dívida dizem respeito a IRC incidente sobre rendimentos prediais, por aquela devido à AT e que à executada incumbiu reter na fonte e entregar ao Estado. Pretende, por um lado, que a apreciação da matéria em causa é da competência dos TAF e não dos tribunais judiciais. Por outro lado, defende que a exequente litiga de má fé, ao peticionar tais valores, atendendo a que bem sabe, por lhe ter sido comunicado, da existência das retenções na fonte.
Mais alega que, em processos que correram no Tribunal do Trabalho, foi condenada, solidariamente com a D..., L.da, a pagar a ex-trabalhadores desta a quantia de €57.926,56, que a executada  efectivamente pagou, tendo ainda incorrido em despesas judiciais no valor de €10.564,97. Pretende que lhe era lícito proceder à compensação dessas quantias com o crédito da exequente, tal como fez mediante comunicação que lhe dirigiu em 27/10/2014. Invoca, ainda, a prescrição dos créditos da exequente, quer quanto a capital, quer quanto a juros. Conclui que procedeu a todos os pagamentos a que estava obrigada, pelo que nada deve.      
A exequente contestou, pugnando pela total improcedência das excepções suscitadas (quanto à compensação, por prescrição do respectivo crédito) e, consequentemente, da oposição deduzida.
Realizou-se audiência prévia, após o que o processo foi saneado, tendo sido julgadas improcedentes as excepções de incompetência em razão da matéria, de prescrição do crédito exequendo, quanto ao capital, e de prescrição do crédito a compensar. Foi, ainda, julgada procedente a excepção de prescrição, quanto aos juros de mora que se venceram até 21/10/2011. Finalmente, foram fixados o objecto do litígio [«Do cumprimento do contrato, da compensação de créditos e da má fé da embargada»] e os temas da prova [«Dos pagamentos efetuados à embargada, com retenção na fonte; Dos pagamentos efetuados aos trabalhadores e despesas suportadas em consequência das condenações solidárias em ações judiciais; Da má fé da embargada»].
Realizou-se audiência final, tendo então sido proferida sentença, que julgou os embargos parcialmente procedentes, reduzindo o capital exequendo para €152.414,74, com fundamento na compensação do crédito da embargante sobre a embargada no montante de €28.963,26.
Não se conformando com a sentença, dela recorreu a embargante, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
«1. Entende a Apelante que o tribunal a quo não decidiu bem relativamente à matéria de facto dada como provada, pois face à prova produzida nos presentes autos, existem factos que o tribunal não podia considerar como não provados.
2. A par disso, entende o Apelante que o tribunal a quo não fez uma correta aplicação do direito.
3. A Exequente, ora Recorrida, intentou a ação executiva pedindo a condenação da Recorrente no pagamento da quantia de €181.378,00, alegando incumprimento contratual por parte da Recorrente, no âmbito do contrato de cessão onerosa de posição contratual em Contrato de Licença de Utilização de Loja em Centro Comercial, acrescida de juros de mora que contabilizou em €49.499,26 (sendo que o despacho saneador transitado em julgado já determinou a prescrição de todos os juros vencidos até 21.10.2011, o que também não se mostra claro na parte da sentença que contém a decisão de redução da quantia exequenda).
4. A Recorrente deduziu embargos de executado, rejeitando ser devedora de qualquer quantia, uma vez que o montante de €181.378,00, alegadamente em dívida, corresponde: à quantia entregue à Autoridade Tributária, por via da retenção na fonte que foi aplicada, e ao crédito de €68.491,53 que a Recorrente detinha sobre a Recorrida e cuja compensação licitamente fez operar.
5. A verdade é que a sentença recorrida apresenta uma deficiente fundamentação, sendo que a factualidade apurada impunha, necessariamente, outra decisão jurídica, devendo, por isso, ser revogada a sentença recorrida. Vejamos
6. No que concerne à impugnação da matéria de facto, o tribunal a quo considerou como não provado, de acordo com o ponto 19), da matéria dada como não provada, que “A Embargante pagou €10.564,97 em honorários a Advogado nos processos supra.”.
7. Ora, com o devido respeito, andou mal o tribunal a quo ao considerar o facto como não provado, pois como resulta da prova documental carreada aos autos anexos à missiva de 27.10.2014, esta constante de fls. 309v-310 e da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, infere-se, clara e expressamente, que tal quantia foi suportada pela Recorrente, inexistindo qualquer fundamento ou razão para dar tal facto como não provado; aliás, resultou inequívoco que não só foi paga a quantia de €10.564,97 como foi também liquidado o IVA correspondente e legalmente devido.
8. Tal resulta do depoimento das testemunhas SM e CD (depoimentos [20220919152344_4132025_2871357, a partir minuto 00.00:51 e 20220919145339_4132025_2871357, a partir do minuto 00:00:31) transcritos nas alegações, de onde se infere contexto de suporte das faturas de honorários com mandatário suportadas pela Recorrente.
9. Da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento conjugada com a prova documental carreada nos autos, é claro e evidente que a Recorrente suportou o pagamento de tais quantias, inexistindo qualquer razão para o tribunal considerar tal facto como não provado.
10. O ponto 19) da matéria de facto não provada deverá assim passar a integrar a matéria de facto provada.
11. A Recorrente igualmente não se conforma com a interpretação e subsunção jurídica quer da factualidade, quer da própria matéria de direito.
12. São dois os temas de fundo em que, no entendimento da Recorrente, o tribunal faz uma incorreta apreciação, subsunção e aplicação do direito.
13. Em primeiro lugar, apesar de o tribunal a quo considerar válida a compensação de créditos efetuada pela Recorrente, reconhecendo o seu direito de regresso, faz uma incorreta subsunção jurídica dos factos.
14. Desconsidera o direito de regresso sobre a quantia de €10.564,97 paga pela Recorrente a mandatário para patrocínio de ações movidas por ex-trabalhadores da D... (posição que foi ocupada pela Recorrida em virtude de Acordo de Cessão de Créditos celebrada entre esta e a D...). Sendo alterada a decisão sobre a matéria de facto quanto a esse ponto, dever-se-á ainda reconhecer o direito de regresso da Recorrente quanto a essa quantia.
15. O tribunal a quo apenas considera, para efeitos de direito de regresso a quantia paga pela Recorrente aos ex-trabalhadores, no valor de €57.926,56, o que terá de ser revertido por esta instância, acolhendo-se o crédito mencionado no ponto anterior.
16. Mas mais, o tribunal a quo para efeitos de direito de regresso, entende que a Recorrente e a Recorrida seriam devedoras na proporção de metade.
17. Olvida o convencionado entre as partes para efeitos de relação interna entre devedores solidários. Com efeito, através do contrato de cessão onerosa de posição contratual em Contrato de Licença de Utilização de Loja em Centro Comercial, celebrado entre a Recorrente e a D..., quer através do acordo de cessão de créditos em que a Recorrida assume o crédito e a posição da D... no contrato de cessão onerosa de posição contratual, instrumentos jurídicos esses aceites e não impugnados pelas partes e como tal todo o seu conteúdo admitido por acordo, a Recorrida assume a obrigação de reembolsar integralmente a Recorrente de “todas e quaisquer obrigações, dívidas, encargos e/ou responsabilidades relativos à atividade desenvolvida na Loja ou referentes ao estabelecimento ou empresa aí situado, mesmo que suscitadas posteriormente ao presente contrato, desde que fundadas em facto anterior à sua celebração, nomeadamente, encargos de natureza fiscal e de segurança social e, dívidas e responsabilidades com fornecedores, trabalhadores, anteriores ocupantes do espaço, proprietário, gestor e associação de lojistas de centro, bem como quaisquer terceiros” como claramente resulta da prova documental junta aos autos.
18. Quer isto dizer que as partes afastaram a presunção contida no artigo 516.º do CC em que no direito de regresso, ou seja, na relação interna entre devedores solidários.
19. Dispõe o artigo 516.º do CC que “Nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito.”
20. Resulta inequívoco que pelos instrumentos jurídicos celebrados entre as partes e aos quais as mesmas se vincularam (reitera-se: não impugnados) a Recorrida assumiu, para efeitos de direito de regresso, que assumiria sozinha o encargo da dívida, reembolsando a Recorrente.
21. Termos em que o tribunal a quo, face à prova documental carreada – e até à própria posição da Recorrida que não afastou a sua responsabilidade integral na relação interna entre devedores solidários, invocando somente não lhe ter sido comunicada a compensação, o que é falso face à matéria provada ponto 16 e 17 – nunca poderia ter considerado que o direito de regresso da Recorrente correspondia a metade da quantia paga, pois na relação interna entre devedores solidários a Recorrente não assumiu qualquer comparticipação.
22. Deste modo, deverá a sentença recorrida ser revogada, reconhecendo-se que para efeitos de direito de regresso a Recorrida é devedora da Recorrente da quantia de € 68.491,53 (incluindo a quantia paga pela Recorrente a mandatário pelo patrocínio das ações movidas à Recorrente e D...), tendo a Recorrente procedido válida, eficaz e legitimamente à compensação de tal crédito.
23. Termos em que o tribunal a quo fez uma incorreta subsunção do artigo 516.º CC ao caso concreto, tendo aplicação a segunda parte do artigo e não a presunção tida na primeira parte.
24. No que concerne ao segundo tema de fundo: a aplicação da retenção na fonte às prestações periódicas pagas pela Recorrente à Recorrida, considera a Recorrente que o tribunal a quo fez uma incorreta aplicação do direito.
25. Como vimos, a quantia total reclamada pela Recorrida - €181.378,00 – deverá ser deduzida a totalidade do crédito que a Recorrente detinha sobre a Recorrida, já devidamente compensado nas últimas prestações periódicas previstas no contrato de cessão onerosa de posição contratual em contrato de licença de utilização de loja em centro comercial.
26. Quanto à quantia remanescente - €112.886,67 – não houve qualquer incumprimento por parte da Recorrente. Com efeito, a Recorrente não se locupletou com tal quantia, tendo procedido à retenção na fonte e subsequente entrega da mesma junto da Autoridade Tributária, como resulta do ponto 15 e 16 da matéria de facto provada.
27. Considerou o tribunal a quo que não lhe incumbia aferir se a retenção na fonte era ou não devida, no entanto, considera que o parecer da Delloite obtido pela Recorrente não tem valor jurídico mas a informação vinculativa da Autoridade Tributária, e como tal não era devida retenção na fonte.
28. Mais considera que ainda que a informação da AT não se aplicasse o facto de a Recorrente aplicar a retenção na fonte configura uma alteração unilateral do contrato e como tal é ilícita (!).
29. A Recorrente não pode conformar-se com tão deficiente fundamentação!
30. E primeiro lugar, importa referir que a aplicação da tributação devida e da legislação fiscal vigente nunca poderá configurar uma alteração unilateral do contrato!
31. O estrito cumprimento da lei nunca poderá configurar uma alteração unilateral de um contrato, acordo ou qualquer outro instrumento jurídico, não podendo as partes a seu bel-prazer afastarem disposições normativas imperativas!
32. Em segundo lugar, uma informação vinculativa da AT nunca se sobreporia às normas legais imperativas.
33. Acresce que a informação vinculativa da AT carreada pela Recorrida não existe, o que foi suscitado junto do tribunal que tão pouco se pronunciou sobre a necessidade de aferição daquele documento inexistente.
34. A informação vinculativa, que veio a ser junta pela Autoridade Tributária, relativa ao processo número 1960/2017, sancionado por Despacho da Subdiretora Geral de 18 de julho de 2017, é referente à cessão de exploração de estabelecimento comercial,
35. Ora, o instituto jurídico em causa naquela nota vinculativa é relativo a uma cessão de estabelecimento comercial, o caso dos autos tem por base outro instituto é um contrato de cessão onerosa de posição contratual em contrato de licença de utilização de loja em centro comercial, termos em que se tratam de institutos jurídicos distintos.
36. Mas mais, a data da própria informação vinculativa (2017), sendo que o período de tempo que nos ocupa no caso concreto reporta-se a setembro de 2007 a setembro de 2015. Termos em que, ainda que se considerasse que a aludida nota teria relevância no caso em concreto – no que não se concede – a mesma apenas foi emitida e divulgada em 2017.
37. Acresce que, não existem quaisquer outras informações vinculativas que tenham sido proferidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira referentes ao artigo 94.º do CIRC que tenham qualquer aplicação no caso vertente nos presentes autos.
38. Termos em que não se poderia singelamente fundamentar a decisão com a pretensa aplicação de informação vinculativa da AT, sem sequer discorrer sobre a mesma, o que apenas revela uma deficiente análise e subsunção jurídica empregue pelo tribunal a quo.
39. E olvidando a análise e interpretação da legislação fiscal, designadamente o CIRC, para aferir se seria devida ou não a retenção na fonte (e não sendo quais seriam as consequências jurídicas – dado que não se pode olvidar que a retenção na fonte corresponde a uma antecipação cujo acerto é feito no ano seguinte; existindo meios – revisão de ato, reclamação graciosa, impugnação judicial – para a Recorrida reclamar da retenção na fonte (já que as quantias foram entregues à Autoridade Tributária).
40. Pois que, nos termos da alínea b), do n.º 3, do artigo 17 do Código do IRC, para efeitos de determinação do lucro tributável das pessoas coletivas, a contabilidade deve ser organizada de modo a refletir de forma adequada todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, sendo que na execução da contabilidade, devem todos os lançamentos estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário, nos termos da alínea b), do n.º 3, do artigo 115.º, do Código do IRC
41. Em razão do que as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a entidades não residentes submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, nomeadamente, quando o território de residência das mesmas constar da lista aprovada pela referida portaria – no caso em concreto, o Uruguai – não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerados, nos termos do n.º 1 e n.º 2, do artigo 59.º, do Código do IRC., sendo que estas despesas serão igualmente sujeitas a tributação autónoma, à taxa de 35 %, nos termos do n.º 8, do artigo 81.º, do Código do IRC.
42. Termos em que à luz dos normativos enunciados a Recorrente estava obrigada a aplicar – nos pagamentos efetuados à Recorrida – a retenção na fonte, entregando a quantia apurada após a respetiva retenção e entregando os valores relativos à retenção junto da Autoridade Tributária, o que fez.
Nestes termos e nos melhores de direito, cujo douto suprimento de V. Exa. se invoca, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência:
a. Ser reapreciada a prova gravada e considerar-se provada a matéria dada como não provada, prevista no ponto 19);
b. Ser revogada a sentença recorrida, substituindo-a por outra que reconheça, declare e julgue procedente o crédito da Recorrente sobre a Recorrida na quantia global de € 68.491,53 (decorrente do direito de regresso) e a compensação de créditos operada pela Recorrente;
c. Ser revogada a sentença recorrida, substituindo-a por outra que reconheça a validade da retenção na fonte operada pela Recorrente nas prestações periódicas pagas à Recorrida, reconhecendo-se que a Recorrente não é devedora de qualquer quantia, devendo ser totalmente absolvida dos pedidos contra si formulados;
d. Ou caso assim não se entenda (i.e., entendendo-se que não haveria lugar a retenção na fonte), deverá reconhecer-se e declarar-se que tendo a Recorrente entregue tais quantias à Autoridade Tributária, deverá ser esta a entidade responsável pela sua devolução à Recorrida e não a Recorrente.
Pois só assim é de direito e se fará a costumada JUSTIÇA!»
A exequente contra-alegou, aceitando a procedência do recurso naquilo que respeita à compensação integral da quantia paga aos seus ex-funcionários [€57.926,56 em vez dos €28.963,26 considerados na sentença] e, no mais, pugnando pela sua improcedência.
QUESTÕES A DECIDIR
Conforme resulta dos art.ºs 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, as quais desempenham um papel análogo ao da causa de pedir e do pedido na petição inicial. Ou seja, este Tribunal apenas poderá conhecer da pretensão e das questões [de facto e de direito] formuladas pela recorrente nas conclusões, sem prejuízo da livre qualificação jurídica dos factos ou da apreciação das questões de conhecimento oficioso (garantido que seja o contraditório e desde que o processo contenha os elementos a tanto necessários – art.ºs 3º nº 3 e 5º nº 3 do Código de Processo Civil). Note-se que “as questões que integram o objecto do recurso e que devem ser objecto de apreciação por parte do tribunal ad quem não se confundem com meras considerações, argumentos, motivos ou juízos de valor. Ao tribunal ad quem cumpre apreciar as questões suscitadas, sob pena de omissão de pronúncia, mas não tem o dever de responder, ponto por ponto a cada argumento que seja apresentado para sua sustentação. Argumentos não são questões e é a estes que essencialmente se deve dirigir a actividade judicativa”. Por outro lado, não pode o tribunal de recurso conhecer de questões novas que sejam suscitadas apenas nas alegações / conclusões do recurso – estas apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, salvo os já referidos casos de questões de conhecimento oficioso [cfr. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil”, Almedina, 2022 – 7ª ed., págs. 134 a 142].
São, assim, as seguintes as questões que cumpre apreciar:
- a impugnação da matéria de facto;
- a existência de erro de julgamento, relativamente à excepção de cumprimento;
- a existência de erro de julgamento, relativamente ao valor do crédito da embargante a compensar com o crédito da embargada.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão sob recurso considerou como provados os seguintes factos:
«1 - Em 26-X-99 ‘B… – Imobiliária e Gestão, S.A.’ e ‘D... – Restauração Limitada’ assinaram o “CONTRATO DE UTILIZAÇÃO DE LOJA EM CENTRO COMERCIAL” junto em 17-X-16 na execução (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
2 - Em 12-XII-00 ‘D... – Restauração Limitada’ e executada assinaram o “CONTRATO DE CESSÃO ONEROSA DE POSIÇÃO CONTRATUAL EM CONTRATO DE LICENÇA DE UTILIZAÇÃO DE LOJA EM CENTRO COMERCIAL” junto com o requerimento executivo (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
3 - Em 17-I-01 ‘D... – Restauração Limitada’ e exequente assinaram o “ACORDO DE CESSÃO DE CRÉDITOS” junto com o requerimento executivo (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
4 - Por sentença de 28-VII-04 no processo 510/01 (fls 41 a 62) ‘D... Restauração Lda’ e embargante foram condenadas solidariamente a pagar as seguintes quantias: 3.647,71€ (e juros), 2.494,00€ (e juros), 4.653,31€ (e juros), 2.494,00€ (e juros), 13.531,07€ (e juros); e 6.384,64€ (e juros).
5 - Em 23-XI-05 a embargante enviou à ‘deloitte.pt’ a ‘mensagem’ junta a fls 242 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
6 - Em 19-XII-05 a ‘deloitte.pt’ enviou à embargante a ‘mensagem’ junta a fls 232 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
7 - Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-III-06 no processo 508/01 (fls 144 a 156) ‘D... Restauraçao Lda’ e embargante foram condenadas a pagar as seguintes quantias: 1.384,67€ (e juros), 1.444,56€ (e juros), 2.003,58€ (e juros), 3.563,06€ (e juros), 301,57€ (e juros), 507,81€ (e juros), 2.494,00€ (e juros), e 3.990,40€ (e juros).
8 - Por acórdão do Tribunal da Relaçao de Coimbra de 20-IV-06 (fls 157 a 172) foi confirmada a sentença que condenou ‘D... Restauraçao Lda’ e embargante solidariamente no pagamento das seguintes quantias: 6.141,71€ (e juros), 7.747,31€ (e juros), e 19.915,71€ (e juros).
9 - Em 26-IV-06 (fls 319v-320) AF e JA declararam ter recebido da ora embargante as quantias de 5.996,06€ e 10.077,98€ (respectivamente).
10 - Em 25-V-06 (fls 318-319) EA, MA, e JD, declararam ter recebido da ora embargante as quantias de 7.716,24€, 25.130,32€, e 9.005,96€ (respectivamente).
11 - Em 14-VII-06 a ‘deloitte.pt’ enviou à embargante a ‘mensagem’ junta a fls 241 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
12 - Em 10-VIII-06 e 3-V-07 a embargante enviou à embargada as ‘mensagens’ juntas a fls 135 e 137 (cujos teores se dão aqui por reproduzidos).
13 - Em 6-III-07 a ‘deloitte.pt’ enviou à embargante a ‘mensagem’ junta a fls 233 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
14 - A embargante pagou à embargada: 16.005,80€ em IX-07 (fls 16); 16.437,95€ em XII-07; 16.437,95€ em III-08 (fls 16v); 16.437,95€ em VI-08 (fls 17); 16.694,08€ em IX-08 (fls 17v); 16.914,53€ em XII-08 (fls 18); 16.914,53€ em III-09 (fls 18v); 16.914,53€ em VI-09 (fls 19); 16.914,53€ em IX-09 (fls 19v); 17.388,14€ em XII-09 (fls 20); 17.388,14€ em III-10 (fls 20v); 17.388,14€ em VI-10 (fls 21); 17.081,29€ em IX-10 (fls 21v); 17.081,29€ em XII-10 (fls 22); 17.081,29€ em III-11 (fls 22v); 17.081,29€ em VI-11 (fls 23); 17.081,29€ em IX-11 (fls 23v); 17.132,53€ em XII-11 (fls 24); 17.132,53€ em III-12 (fls 24v); 17.132,53€ em VI-12 (fls 25); 17.132,53€ em IX-12 (fls 25v); 17.679,06€ em XII-12 (fls 26); 15.879,40€ em III-13 (fls 27); 15.879,40€ em VI-13 (fls 27); 15.879,40€ em IX-13 (fls 27v); 16.412,94€ em XII-13 (fls 36); 16.412,94€ em III-14 (fls 36v); 16.412,94€ em VI-14 (fls 37); 16.412,94€ em IX-14 (fls 37v); 14.933,07€ em XII-14 (fls 38); 22.100,57€ em III-15 (fls 38v); 22.100,57€ em VI-15 (fls 39); e 22.100,57€ em IX-15 (fls 39v).
15 - A embargante pagou à A.T.A. (fls 290 a 306): 2.824,55€ em 19-X-07; 10.245,32€ em 18-I-08; 2.900,82€ em 21-IV-08; 2.900,81€ em 18-VII-08; 2.946,01€ em 20-X-08; 2.984,92€ em 20-I-09; 2.984,92€ em 20-IV-09; 2.984,92€ em 20-VII-09; 3.068,49€ em 20-XI-09; 3.068,49€ em 20-I-10; 3.068,49€ em 20-IV-10, 3.068,49€ em 20-VII-10; 3.375,34€ em 20-X-10, 3.375,34€ em I-11, 3.375,34€ em 20-IV-11, 3.375,34€ em 20-VII-11, 3.375,34€ em 20-X-11, 3.385,47€ em 20-I-12, 3.385,47€ em 20-IV-12, 3.385,47€ em 20-VII-12, 3.385,47€ em 22-X-12, 3.493,47€ em 21-I-13, 5.295,13€ em IV-13, 5.293,13€ em VII-13, 5.293,13€ em 21-X-13, 5.470,98€ em 20-I-14, 5.470,98€ em 17-IV-14, 5.470,98€ em 18-VII-14, e 5.470,98€ em 20-X-14.
16 - Em 27-X-14 a embargante enviou à embargada a carta junta a fls 309v-310 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – e, em 31-X-14, emitiu, em nome da embargada, a factura junta a fls 311, no valor total de 68.491,53€.
17 - Em 4-VI-15 a executada recebeu a carta enviada pela exequente, junta com o requerimento executivo (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
18 - Em 2017 a A.T.A. emitiu a “INFORMAÇAO VINCULATIVA” junta a fls 75v e 271v-272 (cujo teor se dá aqui por reproduzido)».
Como matéria não provada, a sentença fixou a seguinte:
«19 - A embargante pagou 10.564,97€ em honorários a Advogado nos processos supra».
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Da impugnação da matéria de facto:
Nos termos do art.º 662º nº 1 do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
«Sem embargo da correcção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art.º 640º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência». A modificação deverá, ainda, ocorrer sempre que «o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de certo meio de prova» ou «quando for apresentado pelo recorrente documento superveniente que imponha decisão diversa» [1].
Note-se, no entanto, que «quando a apreciação da impugnação deduzida contra a decisão de facto da 1ª instância seja, de todo, irrelevante para a solução jurídica do pleito, ainda que a tal impugnação satisfaça os requisitos formais prescritos no art.º 640º nº1 do Código de Processo Civil, não se justifica que a Relação tome conhecimento dela, à luz do disposto no art.º 608º nº2 do Código de Processo Civil» (cfr. Ac. STJ de 23/1/2020, proc. 4172/16, disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt)[2]. Caso contrário, estaríamos a praticar um acto inútil, proibido à luz do art.º 130º, do mesmo diploma.
Há, ainda, que levar em consideração que, como se refere no Ac. RP de 21/6/2021[3], «mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância».
Balizadas que estão as regras que nos orientarão, passemos à apreciação da pretensão da recorrente, que é a de que seja eliminado o ponto 19 dos factos não provados [«a embargante pagou 10.564,97€ em honorários a Advogado nos processos supra»] e que tal matéria seja acrescentada aos factos provados.
Analisemos as provas produzidas a esse propósito.
De fls. 5 a 19 do documento junto aos autos em 8/9/2022 (ref. CITIUS 21715603) constam facturas emitidas pela Sociedade de Advogados «…», em nome da embargante, nos valores de €4.645,88 e de €8.137,75, facturas essas datadas de 18/9/2007 e acompanhadas de notas de honorários relativas a serviços prestados no âmbito dos processos nº509/2001 e 510/2001.
Quanto às testemunhas VO e RC, as mesmas nada referiram a este respeito. Por seu turno, a testemunha CD, supervisora de gestão de património na sociedade embargante, referiu que assinou a carta junta aos autos em 8/9/2022, dirigida à embargada, efectuando declaração de compensação de créditos, sendo certo que essa carta foi acompanhada da documentação de suporte desses créditos, aí se incluindo facturas relativas ao apoio jurídico nos processos movidos por ex-trabalhadores. Finalmente, a testemunha SM, directora de recursos humanos da sociedade embargante, disse ter acompanhado os processos que correram no Tribunal do Trabalho, no âmbito dos quais a embargante foi representada por um escritório de advogados, sendo as facturas que acompanham a carta junta aos autos em 8/9/2022 relativas a esses serviços.
Ora, mediante esta prova, não podemos chegar a conclusão diversa da obtida em primeira instância.
Com efeito, da simples emissão das facturas não resulta que as mesmas tenham sido pagas. Por outro lado, nenhuma das testemunhas inquiridas afirmou que os serviços de advocacia tenham sido pagos pela embargante. Finalmente, esta não juntou qualquer documento que corrobore o invocado pagamento, designadamente, recibo ou comprovativo de transferência bancária.
Não vemos, assim, quaisquer motivos para divergir da apreciação da prova efectuada, neste ponto, pelo tribunal a quo, pelo que deve manter-se o ponto 19 dos factos não provados, nessa medida improcedendo a impugnação da matéria de facto – o que se decide.
Do mérito da decisão recorrida:
A presente oposição tem por fim obstar à prossecução da acção executiva intentada pela exequente, que ali apresentou um contrato intitulado de «Cessão Onerosa de Posição Contratual em Contrato de Licença de Utilização de Loja em Centro Comercial», datado de 12/12/2000, tendo a embargante declarado obrigar-se a pagar à sociedade D..., L.da [substituída pela embargada, em razão de contrato intitulado de cessão de créditos] a quantia total de €1.455.816,96, acrescida de IVA, pela seguinte forma: €513.088,45, acrescidos de IVA, na data da celebração do contrato; 60 prestações trimestrais, durante os 15 anos seguintes, no valor, cada uma, de €15.712,13, acrescidos de IVA, sendo estas prestações sujeitas a actualizações anuais e automáticas, de acordo com a taxa fixada pelo Governo para a actualização das rendas comerciais para o respectivo ano.
Alega a exequente, no requerimento executivo, que a executada, a partir de Setembro de 2007, passou a pagar apenas parte das prestações devidas, encontrando-se em falta a quantia de €181.378,00.
Já a embargante pretende encontrar-se paga a totalidade daquelas prestações, quer por via da entrega, à AT, de quantias que reteve na fonte a título de IRC, quer por via da compensação de créditos.
Vejamos.
De acordo com o art.º 10º nº 5 do C.P.C., toda a execução tem por base um título.
Por seu turno, atenta a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art.º 703º nº1 b), do mesmo diploma, quando aplicado a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961 (cfr. Ac. TC nº 408/2015), haverá que aplicar ao caso dos autos aquele art.º 46º nº1 c), de acordo com o qual à execução podem servir de base os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto.
Ou seja, o contrato dado à execução constitui documento particular, que importa a constituição e reconhecimento de obrigações pecuniárias, pelo que constitui título executivo.
Segundo o disposto no art.º 731º do C.P.C., «não se baseando a execução em sentença (…), além dos fundamentos de oposição especificados no nº 1 do artigo 729º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração».
Assim sendo, e tendo também em consideração o teor do art.º 342º nº2 do Código Civil, constando do contrato dos autos que a embargante declarou obrigar-se a efectuar o pagamento de determinadas prestações pecuniárias, teria a mesma embargante de alegar e provar aqui factos impeditivos, modificativos ou extintivos da sua responsabilidade pelo pagamento do respectivo montante (cfr. art.º 406º nº1 do Código Civil).
A este respeito, veio a embargante invocar o cumprimento, mediante pagamento e retenção de IRC na fonte (e sua entrega à AT), bem como a compensação de créditos.
De acordo com o contrato exequendo, como dissemos, cabia à embargante efectuar o pagamento de 60 prestações trimestrais, de € 15.712,13 cada (acrescidas de IVA), sendo tais prestações anualmente actualizadas.
Compulsada a matéria provada, constata-se que a embargante, a partir da prestação vencida em Setembro de 2007, até à vencida em Setembro de 2015, entregou à embargada as seguintes quantias:
a) 16.005,80€ em IX-07;
b) 16.437,95€ em XII-07;
c) 16.437,95€ em III-08;
d) 16.437,95€ em VI-08;
e) 16.694,08€ em IX-08;
f) 16.914,53€ em XII-08;
g) 16.914,53€ em III-09;
h) 16.914,53€ em VI-09;
i) 16.914,53€ em IX-09;
j) 17.388,14€ em XII-09;
k) 17.388,14€ em III-10;
l) 17.388,14€ em VI-10;
m) 17.081,29€ em IX-10;
n) 17.081,29€ em XII-10;
o) 17.081,29€ em III-11;
p) 17.081,29€ em VI-11;
q) 17.081,29€ em IX-11;
r) 17.132,53€ em XII-11;
s) 17.132,53€ em III-12;
t) 17.132,53€ em VI-12;
u) 17.132,53€ em IX-12;
v) 17.679,06€ em XII-12;
w) 15.879,40€ em III-13;
x) 15.879,40€ em VI-13;
y) 15.879,40€ em IX-13;
z) 16.412,94€ em XII-13;
aa) 16.412,94€ em III-14;
bb) 16.412,94€ em VI-14;
cc) 16.412,94€ em IX-14;
dd) 14.933,07€ em XII-14;
ee) 22.100,57€ em III-15;
ff) 22.100,57€ em VI-15;
gg)  22.100,57€ em IX-15.
Tais entregas deveriam, no entanto, em conformidade com a previsão contratual e respectivas actualizações anuais[4], ter ascendido, respectivamente, a:
a) €18.830,00, encontrando-se em falta €2.824,20;
b) €19.414,00, encontrando-se em falta €2.976,05;
c) €19.414,00, encontrando-se em falta €2.976,05;
d) €19.414,00, encontrando-se em falta €2.976,05;
e) €19.414,00, encontrando-se em falta €2.719,92;
f) €19.900,00, encontrando-se em falta €2.985,47;
g) €19.900,00, encontrando-se em falta €2.985,47;
h) €19.900,00, encontrando-se em falta €2.985,47;
i) €19.900,00, encontrando-se em falta €2.985,47;
j) €20.457,00, encontrando-se em falta €3.068,86;
k) €20.457,00, encontrando-se em falta €3.068,86;
l) €20.457,00, encontrando-se em falta €3.068,86;
m) €20.457,00, encontrando-se em falta €3.375,71;
n) €20.457,00, encontrando-se em falta €3.375,71;
o) €20.457,00, encontrando-se em falta €3.375,71;
p) €20.457,00, encontrando-se em falta €3.375,71;
q) €20.457,00, encontrando-se em falta €3.375,71;
r) €20.518,00, encontrando-se em falta €3.385,47;
s) €20.518,00, encontrando-se em falta €3.385,47;
t) €20.518,00, encontrando-se em falta €3.385,47;
u) €20.518,00, encontrando-se em falta €3.385,47;
v) €21.173,00, encontrando-se em falta €3.493,94;
w) €21.173,00, encontrando-se em falta €5.293,60;
x) €21.173,00, encontrando-se em falta €5.293,60;
y) €21.173,00, encontrando-se em falta €5.293,60;
z) €21.884,00, encontrando-se em falta €5.471,06;
aa)  €21.884,00, encontrando-se em falta €5.471,06;
bb)  €21.884,00, encontrando-se em falta €5.471,06;
cc)  €21.884,00, encontrando-se em falta €5.471,06;
dd)  €22.101,00, encontrando-se em falta €7.167,93;
ee)  €22.101,00, encontrando-se em falta €0,43;
ff) €22.101,00, encontrando-se em falta €0,43;
gg)  €22.101,00, encontrando-se em falta €0,43.
Ou seja, no total, entre Setembro de 2007 e Setembro de 2015 deveriam ter sido entregues à embargada €682.446,00 e foram entregues €567.976,64, ou seja, menos €114.469,36.
Acontece que, como também resulta da matéria provada, a embargante entregou à AT as seguintes quantias, que reteve na fonte a título de IRC:
i. 2.824,55€ em 19-X-07;
ii. 10.245,32€ em 18-I-08;
iii. 2.900,82€ em 21-IV-08;
iv. 2.900,81€ em 18-VII-08;
v. 2.946,01€ em 20-X-08;
vi. 2.984,92€ em 20-I-09;
vii. 2.984,92€ em 20-IV-09;
viii. 2.984,92€ em 20-VII-09;
ix. 3.068,49€ em 20-XI-09;
x. 3.068,49€ em 20-I-10;
xi. 3.068,49€ em 20-IV-10,
xii. 3.068,49€ em 20-VII-10;
xiii. 3.375,34€ em 20-X-10,
xiv. 3.375,34€ em I-11,
xv. 3.375,34€ em 20-IV-11,
xvi. 3.375,34€ em 20-VII-11,
xvii. 3.375,34€ em 20-X-11,
xviii. 3.385,47€ em 20-I-12,
xix. 3.385,47€ em 20-IV-12,
xx. 3.385,47€ em 20-VII-12,
xxi. 3.385,47€ em 22-X-12,
xxii. 3.493,47€ em 21-I-13,
xxiii. 5.295,13€ em IV-13,
xxiv. 5.293,13€ em VII-13,
xxv. 5.293,13€ em 21-X-13,
xxvi. 5.470,98€ em 20-I-14,
xxvii. 5.470,98€ em 17-IV-14,
xxviii.5.470,98€ em 18-VII-14,
xxix. 5.470,98€ em 20-X-14.
Tais entregas perfazem um total de €114.723,59, o que significa que são até superiores [em €254,23] ao valor não entregue à embargada [€114.469,36].
Pretende, no entanto, a embargada que os valores que a embargante se encontrava obrigada a pagar-lhe em razão do contrato não se encontravam sujeitos a retenção na fonte em sede de IRC.
Vejamos.
Em 26/10/1999, a sociedade D..., L.da, celebrou com a sociedade B… – Imobiliária e Gestão, S.A., um contrato de utilização de loja em centro comercial. Mediante tal contrato, a Sonae declarou facultar à D..., pelo período de seis anos, com início em 6 de Outubro de 1999 e termo em 5 de Outubro de 2005, a utilização de uma loja no Coimbrashopping, com a área de 216 m2, no piso 2 do Centro Comercial, destinada à actividade de hamburgueria com o nome …. Por seu turno, a D... declarou obrigar-se, na exploração da loja, a proceder ao pagamento mensal de uma soma de duas parcelas – uma no valor de Esc. 525.944$00, actualizáveis anualmente de acordo com o índice total de preços ao consumidor, e outra calculada segundo uma percentagem de 6,5% sobre a sua facturação bruta.
Entretanto, mediante o contrato exequendo, em 12/12/2000, a D... declarou ceder à embargante, mediante o pagamento de uma primeira prestação fixa, seguida de 60 prestações trimestrais actualizáveis anualmente, a sua posição naquele contrato celebrado com a B…, destinando a embargante o espaço à instalação de um novo estabelecimento de restaurante …, sendo a loja entregue devoluta de pessoas e bens, e «não incluindo a cessão de posição contratual no contrato de utilização de loja a cessão de quaisquer obrigações, equipamentos ou bens da D... ou integrados no seu estabelecimento», não configurando o contrato «qualquer trespasse, cessão de exploração ou qualquer negócio relativo a qualquer estabelecimento».
Finalmente, por contrato de 17/1/2001, a sociedade D... declarou ceder à aqui embargada o crédito resultante dos pagamentos que lhe são devidos no contrato exequendo, declarando a embargada assumir «de forma expressa e inequívoca a posição contratual da D... no contrato de cessão onerosa de posição contratual em contrato de utilização de loja em centro comercial celebrado entre a S… e a D…, e, em particular, a F… assume de forma expressa e inequívoca solidariamente com a D... todos os compromissos e obrigações para esta emergentes daquele contrato».
Ora, é certo que a informação vinculativa da AT, a que alude o ponto 18 dos factos provados, refere que o contrato de cessão de exploração de estabelecimento, que se encontra regulado nos art.ºs 1109º e ss. do Código Civil, consistindo num negócio jurídico através do qual o titular do estabelecimento transfere para outrem, temporariamente e mediante retribuição, o gozo de um prédio ou parte dele em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial nele instalado, não está sujeito a retenção na fonte, considerando que o objecto da cessão não é o imóvel em si – caso em que configuraria um contrato de locação comercial e os rendimentos obtidos teriam a natureza de rendimentos prediais –, mas sim o estabelecimento como bem unitário.
No entanto, face aos termos dos contratos, supra resumidos, constata-se que mediante o contrato exequendo não foi transmitida a exploração de qualquer estabelecimento, mas apenas o gozo do imóvel (que foi entregue livre de pessoas e bens e sem transferência de quaisquer obrigações, equipamentos ou bens). Por outro lado, não sendo decisivo o nomen iuris (cessão da posição contratual) atribuído pelas partes, há que assinalar que as prestações trimestrais a pagar pela embargante à embargada não constituem um fracionamento puro e simples de um preço pré-fixado, antes incluindo uma contrapartida pelo gozo do imóvel, já que ficou a constar do contrato que o valor dessas prestações iria sofrendo (como sofreu) aumentos anuais automáticos, de acordo com a taxa fixada pelo Governo para actualização das rendas comerciais para o respectivo ano.
Assim sendo, por argumento a contrario retirado daquela informação da AT, e considerando que a embargada tem sede no Uruguai (país com regime de tributação privilegiada), atento o disposto nos art.ºs 1º, 3º nº1 d), 4º nº2 e 3 a), 59º nº2, 80º nº2 f) e 88º nº1 c), do CIRC [versão em vigor à data do início dos pagamentos, correspondendo aquele art.º 88º ao actual art.º 94º], com referência ao art.º 8º nºs 1 e 2 a) do CIRS e ao nº 79 da Portaria 150/2004 de 13-2, verifica-se que as prestações trimestrais a pagar pela embargante à embargada são susceptíveis de integrar a categoria de rendimentos prediais e, consequentemente, de estar sujeitas a retenção na fonte em sede de IRC[5].
E dizemos apenas que «são susceptíveis de (…) estar sujeitas a retenção na fonte», porque não cabe a este tribunal determinar, em definitivo, se sobre tais rendimentos incide, ou não, IRC e retenção na fonte. Como se refere nos Ac. STJ de 25/2/2009 e de 28/2/2019[6], «essa é uma questão a dirimir entre o sujeito passivo (autor/exequente) e a administração fiscal». É que, tal como consta do Ac. STA de 6/5/2020[7], «ocorre a figura da substituição tributária quando a prestação tributária, por imposição legal, é exigida a pessoa diferente do contribuinte, através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido (cfr. art.º 20, da L.G.T.), sendo essa a situação em causa nos presentes autos. Nos termos do art.º 34, da L.G.T., as entregas pecuniárias efectuadas por dedução nos rendimentos pagos ou postos à disposição do titular pelo substituto tributário devem ser efectuadas através do citado mecanismo de retenção na fonte. Encontramo-nos perante uma situação de substituição integral, a qual implica a extinção por cumprimento (por outrem) da dívida tributária incorrida pelo não residente, sendo que este facto envolve a responsabilização meramente secundária/subsidiária deste (substituído) pelas quantias não retidas, cabendo à entidade pagadora (substituta) a respectiva responsabilidade primária (cfr.artº.28, nºs.1 e 3, da L.G.T.; artºs.94, nºs.3 e 5, e 114, nº.5, do actual C.I.R.C.). II - Em sede de processo tributário o legislador consagra, em regra, a existência de reclamação graciosa necessária quando se verifica uma situação de substituição tributária integral, sendo o substituído que pretende impugnar o acto de retenção na fonte de imposto (cfr. art.º 132, nºs. 3 e 4, do C.P.P.T.). III - De harmonia com o que dispõem os n.ºs 3 e 4, do art.º 132, do C.P.P.T., o substituído que quiser sindicar a retenção de imposto na fonte a título definitivo dispõe do prazo de dois anos a contar do final do ano em que ocorreu a retenção para apresentar a necessária reclamação graciosa[8]
Deste modo, tendo a embargante procedido ao pagamento da totalidade das prestações devidas à embargada [em parte, por entrega directa e, na outra parte, por entrega, ao Estado, dos valores retidos na fonte a título de IRC, em cumprimento de obrigação legal, através do mecanismo da substituição tributária], encontra-se a sua obrigação perante a embargada extinta, pelo cumprimento (art.º 762º do Código Civil), pelo que não pode manter-se o decidido em primeira instância, devendo os embargos proceder integralmente.
Face a tal circunstância, fica prejudicada, nos termos do art.º 608º nº 2, aplicável por força do art.º 663º nº 2, do Código de Processo Civil, a apreciação da invocada compensação[9].
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, a qual se substitui por outra que, julgando os embargos integralmente procedentes, determina a extinção da execução.
Custas pela apelada – art.ºs 527º do Código de Processo Civil e 6º nº2, com referência à Tabela I-B, do Regulamento das Custas Processuais.

4/7/2023
Alexandra de Castro Rocha
Edgar Taborda Lopes
Micaela Marisa da Silva Sousa

_______________________________________________________
[1] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 333 e ss.),
[2] A este respeito pode ver-se, ainda, o Ac. RC de 27/5/2014 (proc. 1024/12, disponível em http://www.dgsi.pt): “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o (s) facto (s) concreto (s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente”.
[3] Proc. 2479/18, disponível em http://www.dgsi.pt.
[4] Cfr. o documento dado como reproduzido no ponto 17 dos factos provados.
[5] Note-se que a tal raciocínio não obsta a Convenção entre a República Portuguesa e a República Oriental do Uruguai para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento e sobre o património, publicada no DR, I Série, de 5/4/2011, já que o art.º 6º da referida convenção prevê expressamente que «os rendimentos que um residente de um Estado Contratante aufira de bens imobiliários (…) situados no outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado», aí se incluindo os rendimentos derivados do arrendamento ou de qualquer forma de utilização dos bens imobiliários.
[6] Proc. 08P2057 e 21568/16, disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[7] Proc. 01978/11, também disponível em http://www.dgsi.pt.
[8] Sublinhados nossos.
[9] Na realidade, a compensação foi invocada pela embargante para deixar de pagar parte da prestação devida em Dezembro de 2014 e a totalidade das prestações devidas em Março de 2015, Junho de 2015 e Setembro de 2015, conforme consta da carta dada por reproduzida no ponto 16 da matéria provada. No entanto, na sentença recorrida foi dado como provado que as referidas prestações devidas em Março de 2015, Junho de 2015 e Setembro de 2015 foram pagas (com uma diferença, em cada uma, de € 0,43), sendo certo que tal decisão não foi objecto de recurso, nessa parte, e, assim sendo, deixa mesmo de ter utilidade a invocação da compensação.