Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LAURINDA GEMAS | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO JUÍZO DE VALOR PRINCIPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA-CONTRATUAL LIBERDADE DE EXPRESSÃO VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE DIREITO AO BOM NOME DIREITO À HONRA E CONSIDERAÇÃO SOCIAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC) I – Não devem constar da decisão da matéria de facto as alegações de direito, nem as meras conclusões sobre conjuntos de factos que envolvam juízos de valor a formular também com base em regras jurídicas, improcedendo, pois, a impugnação da decisão da matéria de facto que visa a reformulação de um ponto no sentido de ficar a constar que pelo facto (este não questionado) de o Autor ser uma figura da vida política da República de Angola e segunda figura do Estado de Angola “pode ser do interesse público a publicação de notícias que sejam afetas a condutas indiciantes de práticas contrárias ao bom uso do poder político”. II – Está vedado ao Tribunal, mormente por força do princípio da economia processual, conhecer de matéria que, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, se mostra irrelevante para a decisão de mérito, impondo-se o princípio dispositivo e do princípio da economia processual ao juiz da 1.ª instância, aquando da seleção da matéria de facto provada / não provada na sentença, mas também na 2.ª instância, na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. No caso dos autos, tendo em atenção os factos provados, mormente no que concerne ao conteúdo do livro da autoria do Réu (e editado pela Ré), não configura um facto substantivamente relevante, a aditar ao elenco dos factos provados, que «A notícia veiculada pelo Club-K sobre a aquisição de um vestido de noiva por “duzentos mil euros” consubstanciou “fake news” devidamente desmentida pelo Autor». III – Não obstante o teor do título e subtítulo desse livro seja “O País do Dinheiro A História dos Super-ricos e Corruptos Que Estão a Roubar o Mundo e a Destruir a Democracia”, e Angola seja referida na sinopse, não se pode, sem mais, considerar que o Autor, um político angolano, figura nessa obra como um dos “super-ricos e corruptos que estão a roubar o mundo e a destruir a democracia”, ao ser visado, bem como a sua filha (ora Autora), no referido livro, em particular num capítulo em que é feita a descrição, em tom crítico, do evento (divulgado num episódio do programa televisivo “Say Yes To the Dress”) da compra dos vestidos e outros produtos para o casamento da Autora. IV – No contexto fáctico apurado, embora a Autora tenha ficado angustiada pela publicação de notícias e comentários relacionados com a sua participação no referido programa de televisão, incluindo o constante daquela obra, isso não significa que o Réu não pudesse escrever sobre o assunto nos termos em que o fez, descrevendo factos que até já eram do domínio público e manifestando a sua opinião a esse respeito, nem que à Ré estivesse vedado publicar o livro com o referido conteúdo. V – Pese embora a opinião crítica que o Réu expressou possa ser passível de crítica, isso não torna o seu comentário ilegítimo ou ilícito, pois entender o contrário seria negar o direito à liberdade de expressão que lhe assiste, consagrado, além do mais, no art. 37.º da CRP, não se podendo, pois, considerar que os direitos de personalidade à honra, ao bom nome e consideração social dos Autores tenham sido lesados por causa de um facto ilícito praticado pelos Réus, o que significa que não lhes pode ser assacada a responsabilidade civil extracontratual em que se funda a pretensão indemnizatória daqueles. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados I - RELATÓRIO A … e B … interpuseram o presente recurso de apelação da sentença que julgou improcedente a ação declarativa que, sob a forma de processo comum, intentaram contra C …, LDA., atualmente designada C …, LDA.. Na Petição Inicial, apresentada em 11-08-2021, os Autores peticionaram: 1) A condenação solidária dos Réus no pagamento de uma indemnização no valor de 500.000,00 € (quinhentos mil euros) ao 1.º Autor e de 250.000,00 € (duzentos e cinquenta mil euros) à 2.ª Autora, quantias acrescidas de juros de mora, calculados à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento; Ou caso assim não se entenda: A condenação do 1.º Réu no pagamento ao 1.º Autor da quantia de 350.000,00 € (trezentos e cinquenta mil euros) e à 2.ª Autora de 175.000,00 € (cento e setenta e cinco mil euros), bem como a condenação da 2.ª Ré no pagamento da quantia de 150.000,00 € (cento e cinquenta mil euros) ao 1.º Autor e de 75.000,00 € (setenta e cinco mil euros) à 2.ª Autora; 2) A condenação do 1.º Réu a: (i) Apresentar, através de plataformas que considere necessárias, mensagem em que, de modo claro, destacado e percetível e sem quaisquer reservas ou ambiguidades, se retrate dos juízos de valor tecidos e imagem que pretendeu imprimir dos Autores na obra intitulada por “O País do Dinheiro: A História dos Super-ricos e Corruptos Que Estão a Roubar o Mundo e a Destruir a Democracia”, publicada e comercializada em Portugal pela 2021 VOGAIS, chancela da 20|20 EDITORA; (ii) Retirar de circulação e venda/comercialização os exemplares da obra “O País do Dinheiro: A História dos Super-ricos e Corruptos Que Estão a Roubar o Mundo e a Destruir a Democracia”, publicada e comercializada em Portugal pela 2021 VOGAIS, chancela da 20|20 EDITORA que contenham referências aos Autores e/ou a supostos factos a ele alusivos, e ficar proibido de vender e/ou de comercializar exemplares da obra ou extratos da mesma que contenham referência aos Autores e/ou a supostos factos da obra ou a eles alusivos; (iii) Recolher todos os exemplares da referida obra juntos de todas as livrarias físicas ou locais de venda dos mesmos, bem como a cessação de sua venda/comercialização online e publicitação enquanto não forem suprimidas todas as partes da Obra referentes aos Autores, referências, factos ou outros aspetos referentes aos Autores no mesmo; 3) A condenação da 2.ª Ré a: (i) Retirar a publicitação à Obra do site “www.vogais.pt”, e não mais publicitar a mesma enquanto todas as partes, referências ou aspetos da obra relativos aos Autores não forem suprimidos; (ii) Cessar a impressão, a venda da referida obra no site www.2020.pt ou em quaisquer outros, bem como cessar de a vender, ceder ou por qualquer forma a transmitir ou transmitir direitos de impressão venda e/ou comercialização da mesma a qualquer distribuidor, agente ou terceiro até supressão de todas as partes, referências ou aspetos da obra relativos aos Autores; (iii) Retirar de circulação e venda/comercialização os exemplares da obra “O País do Dinheiro: A História dos Super-ricos e Corruptos Que Estão a Roubar o Mundo e a Destruir a Democracia”, publicada e comercializada em Portugal pela 2021 VOGAIS, chancela da 20|20 EDITORA que contenham referências aos Autores e/ou a supostos factos a ele alusivos, e ficar proibido de vender e/ou de comercializar exemplares da obra ou extratos da mesma que contenham referência aos Autores e/ou a supostos factos da obra ou a eles alusivos; (iv) Recolher todos os exemplares da referida obra juntos de todas as livrarias físicas ou locais de venda dos mesmos, bem como a cessação de sua venda/comercialização online e publicitação enquanto não forem suprimidas todas as partes da obra referentes aos Autores, referências, factos ou outros aspetos referentes aos Autores no mesmo; (v) Publicar uma declaração, em que, de modo claro, destacado e percetível aos leitores e sem ambiguidades ou reservas, se retratem da publicação e venda da referida obra, indicando que no capítulo 14 da mesma se utiliza informação inverídica e ofensiva da honra, consideração e bom nome dos Autores. Para tanto e em síntese, alegaram, que: - O 1.º Autor é um cidadão de nacionalidade angolana que desempenha atualmente funções como Vice-Presidente da República de Angola; - A 2.ª Autora é uma cidadã de nacionalidade angolana e portuguesa, empresária e filha do 1.º Autor; - O 1.º Réu é um jornalista do País de Gales, autor, entre outros, do livro “O País do Dinheiro: A História dos Super-ricos e Corruptos Que Estão a Roubar o Mundo e a Destruir a Democracia”; - A 2.ª Ré é uma sociedade por quotas, cujo objeto social corresponde à edição, comércio por grosso e a retalho de livros e outras publicações, impressos, em forma eletrónica, via internet e em forma áudio; - Em novembro de 2019, a 2.ª Ré publicou e comercializou a referida obra da autoria do 1.º Réu, na qual os Autores são visados no Capítulo 14 da mesma, associando o 1.º Autor a uma governação imputada como corrupta, obscura e pouco transparente atribuída ao anterior Presidente da República de Angola; - Para tanto o 1.º Réu vem perpassar a ideia de que a aquisição dos vestidos de noiva e respetivos adornos da 2.ª Autora e vestidos de cerimónia e respetivos adornos da sua mãe e madrinhas, todos referidos no programa televisivo “Say Yes to the Dress”, é reveladora de falta de idoneidade, integridade, corrupção e mau uso do poder público que o 1.º Autor detém enquanto governante, personificando o 1.º Autor como um dos “super-ricos e corruptos que estão a roubar o mundo e a destruir a democracia” e recorrendo a vários pensamentos hipotéticos e presuntivos, sem qualquer adesão à realidade ou baseado em factos concretos e objetivos; - Na sinopse da obra, publicada no site da 2.ª Ré, e por isso da sua inteira responsabilidade, esta caracteriza de forma deliberada o 1.º Autor como um dos “novos cleptocratas e criminosos globais”, como líder de um “País pobre em que o dinheiro público é roubado” e de uma “instituição que se está a transformar em operação de lavagem de dinheiro” indicando ainda “Angola” como o primeiro país onde tal alegadamente acontece; - Estas afirmações são graves e atentatórias para a honra, bom nome, imagem e crédito público dos Autores, tendo o 1.º Autor sempre exercido as suas funções visando a cabal prossecução do interesse público, nunca tendo praticado quaisquer ilegalidades, contrariamente ao que lhe é dirigido pelos Réus; - A conduta dos Réus sujeitou os Autores a uma considerável descredibilização em face da opinião pública e do seu círculo pessoal e profissional, culminando no evitar de contactos sociais da 2.ª Autora e na redução de contactos sociais, políticos e diplomáticos do 1º Autor; - Abatendo-se um quadro de depressão e ansiedade sobre os Autores, em função da descredibilização gerada pelas afirmações dos Réus, os quais são responsáveis pelos danos que a sua conduta voluntária causou àqueles. Citados os Réus, vieram apresentar Contestação, em que se defenderam por exceção e por impugnação, alegando, em síntese, que: - A presente ação é infundada tanto factual como legalmente, sendo um exemplo do fenómeno internacional intitulado “SLAPP – Strategic Litigation Against Public Participation”, ou seja, a instrumentalização de ações judiciais para desincentivar ou intimidar ativistas, jornalistas, autores e outras pessoas que falem, escrevam e atuem em nome do interesse público contra os poderes instalados; - Os Autores ficaram incomodados por terem sido mencionados num livro publicado em Portugal e em língua portuguesa, apesar de o mesmo apenas conter o relato de factos que são públicos e verdadeiros, bem como a legítima opinião do seu autor sobre alguns desses factos, não incluindo quaisquer ofensas aos direitos de personalidade dos Autores; - A liberdade de expressão e de imprensa dos Réus deve prevalecer sobre o incómodo e o desagrado dos Autores, pelo que a ação terá necessariamente de improceder; - O 1.º Réu não tem qualquer responsabilidade pela publicação da obra em Portugal, tendo cedido os seus direitos de autor à editora britânica Profile Books, pelo que se verifica a exceção perentória inominada da ilegitimidade substantiva quanto ao 1.º Réu; - Desconhecem o alegado pelos Autores relativamente aos alegados danos morais sofridos; - Todas as afirmações de facto proferidas pelo 1.º Réu têm base de evidência documental, sendo perfeitamente destrinçável, ao longo do texto, as partes que são afirmações de facto e as que, por outro lado, são apenas a sua mera opinião com base nesses factos; - Da sinopse elaborada pela 2.ª Ré não decorre qualquer ofensa para os Autores; - A conduta dos Réus é lícita, pela prevalência, in casu, do princípio da liberdade de expressão e do direito a informar e a ser informado. Pedem os Réus a condenação dos Autores como litigantes de má-fé, afirmando, em síntese, que: a conduta processual dos Autores é ético-juridicamente censurável, tendo intentado uma ação “SLAPP”, que deve ser reconduzida, no ordenamento jurídico-processual português, ao instituto da litigância de má-fé, porquanto se trata de uma instrumentalização abusiva de uma ação judicial, num abuso do direito de acesso à justiça dos Autores, com vista a silenciar um jornalista e uma editora literária, aqui Réus. Concluem pela procedência da exceção perentória inominada de ilegitimidade substantiva e pela absolvição do 1.º Réu de todos os pedidos e, em qualquer caso, pela improcedência da ação, com a consequente absolvição dos Réus de todos os pedidos contra si formulados pelos Autores, e pela condenação destes últimos, enquanto litigantes de má-fé, no pagamento de multa processual e de indemnização a liquidar. Os Autores vieram apresentar articulado de Resposta, em que pugnaram pela improcedência da exceção perentória inominada de ilegitimidade substantiva do 1.º Réu, bem como pela improcedência do pedido de condenação como litigantes de má fé; mais procederam à redução dos pedidos formulados em ii) e iii) contra o 1.º Réu, requerendo que aqueles pedidos apenas sejam julgados por referência à 2.ª Ré, conforme igualmente peticionado nas alíneas iii) e iv) do pedido contra esta formulado. Na sequência da Resposta, vieram os Réus apresentar Requerimento arguindo a incompetência internacional dos tribunais portugueses para julgar a ação contra o 1.º Réu. No exercício do contraditório, os Autores pugnaram pela improcedência dessa exceção. Foi realizada audiência prévia, no decurso da qual foi: proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a exceção dilatória de incompetência internacional deste Tribunal e relegado para final o conhecimento da exceção perentória inominada de ilegitimidade passiva do 1.º Réu; foi fixado o valor da ação em 750.000 €; foi ainda proferido despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova. Realizou-se a audiência de julgamento (em várias sessões), com a prestação de depoimentos de parte pelo Réu e pelo legal representante da Ré, bem como de depoimentos/declarações de parte pelos Autores (1.ª sessão) e depoimentos das testemunhas arroladas pelas partes. Em 08-02-2023, após a 1.ª sessão da audiência de julgamento, os Réus vieram requerer a junção aos autos de três documentos (cópia de duas notícias em arquivo e respetiva tradução). Em 23-02-2023, os Autores apresentaram requerimento, pronunciando-se a respeito dessa junção documental, defendendo que deverão os Réus juntar cópias dos originais das notícias em causa e tradução certificada, mais se pronunciando sobre a relevância probatória de tais documentos. No seguimento de despacho (datado de 24-03-2023), os Réus vieram apresentar, em 11-04-2023, requerimento em que, além do mais, juntaram “documentos pdf das notícias em causa extraídos diretamente da plataforma Factiva, bem como a sua tradução certificada”. Em 09-01-2024, foi proferida a Sentença recorrida, cujo segmento decisório tem o seguinte teor: “Pelo exposto e no mais de direito, julgo a presente ação totalmente improcedente por não provada e consequentemente, absolvo os RR. C …, LDA. e C …, LDA. dos pedidos contra eles formulados. Absolvo os AA. do pedido de condenação como litigantes de má-fé. Absolvo a 2ª R.. do pedido de condenação como litigante de má-fé. Custas pelos AA.. Registe e notifique.” É com esta decisão de improcedência da ação que os Autores não se conformam, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação constam as seguintes conclusões (que reproduzimos, com a retificação dos lapsos de escrita detetados): A. O presente Recurso de Apelação vem interposto da Sentença proferida em 09.01.2024, pelo douto Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, que julgou a presente Ação totalmente improcedente por entender que não se encontrava verificado o requisito da ilicitude decorrente da violação ilegítima, quer individual, quer solidária dos Recorridos perante os direitos de personalidade dos Recorrentes. B. A presente decisão é passível de Recurso e os Recorrentes têm legitimidade e encontram-se em tempo por o presente Recurso ter por objeto também a reapreciação da prova gravada, tudo nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 627.º, 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 635.º, n.º 2 e 3, 637.º, 638.º, n.º 1 e 7, 644.º, n.º 1, alínea a); 645.º, n.º 1, alínea a); e 647.º, n.º 1, do CPC. C. Em concreto, demonstrou-se que os Factos n.º k), m) n), o), u), z), tt), não deveriam ter sido julgados como provados, e que os factos descritos 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 25, é que o deveriam ter sido. D. Demonstrou-se que o Facto o) comporta juízos conclusivos reconduzíveis a matéria de direito, que, por isso, não deveriam constar do rol de “factos provados”, mas antes na subsunção jurídica, no que diz respeito à efetiva “existência” de “manifesto interesse público” na publicação de todas e quaisquer noticias “que possam estar afetas a condutas indiciantes” do 1.º Recorrente enquanto Vice Presidente. E. Nos termos dos artigos 640.º, n.º 1, alínea c), e 662.º, n.º 1, do CPC deve antes dar-se como provado que: “o) o 1.º A. é uma figura da vida política da República de Angola e segunda figura do Estado de Angola, e, por isso, pode ser do interesse público a publicação de notícias que sejam afetas a condutas indiciantes de práticas contrárias ao bom uso do poder político”. F. Em função do depoimento de parte do 1.º Recorrido (min. 134:57 a 142:43), e do alegado pelos Recorridos no artigo 11.º, da Contestação), deve antes dar-se por provado, relativamente ao Facto u), que: “u) O livro “Moneyland” trata-se de uma obra de não-ficção, sobre a desigualdade de distribuição de riqueza pelo mundo, os mecanismos jurídico-fiscais de planeamento fiscal, nomeadamente, as offshores, táticas de corrupção e dinâmicas de poder das pessoas mais ricas do mundo, pretendendo demonstrar ao leitor que coexistem dois sistemas: um para o cidadão comum, dentro da legalidade, e outro para os Super-Ricos que vivem no seu próprio País o “País do Dinheiro”, onde as regras são contornadas, a riqueza é acumulada, e onde não existem consequências para o incumprimento da lei.” G. Tal alteração da matéria de facto tem importantes consequências ao nível da subsunção dos factos à matéria de direito, porquanto conforme resulta do depoimento do 1.º Recorrido este inclui o 1.º Recorrente na lista dos “Super-ricos” que descreve no seu livro (cf. min. 12:25 a 18:05 e 35:31, do seu depoimento). H. De facto, de uma leitura do Capítulo 14 temos claro que o exemplo ilustrativo do “Super-Rico”, que vive no «“País do Dinheiro”, onde as regras são contornadas, a riqueza é acumulada e não existem consequências para o incumprimento a lei», (designadamente, da Lei de Branqueamento de Capitais), ali retratado, é, sem dúvida o 1.º Recorrente, e, por inerência a sua filha, aqui 2.ª Recorrente, e tal também resultou claro dos Docs. 6 e 7, juntos à Contestação e que consubstanciam os e-mails remetidos pelo 1.º Recorrido à loja e ao programa TLC a alegar que iria escrever sobre a 2.ª Recorrente e a sua compra. I. No mais, e fora 2 (duas) referências ao facto de a loja não ter feito a verificação da origem do dinheiro, nenhuma referência existe ao incumprimento de qualquer Lei de Branqueamento de Capitais, ou dado qualquer outro exemplo onde a Loja não tivesse também verificado a origem do dinheiro, o que seria suposto (diz-nos a experiência comum) se o capítulo fosse de facto uma critica à loja. J. De facto, da leitura do Capítulo temos antes claro que a contextualização da situação político-social de Angola surge depois da narrativa do episódio onde se alude à 2.ª Recorrente, e é feita antecipadamente e/ou a título introdutório da descrição do protagonista (ou “Super-Rico”) do Capítulo 14, que é o 1.º Recorrente, e, por inerência, a 2.ª Recorrente, sua filha. K. Em fls. 272 a 277, temos claro que 1.º Recorrido pretendeu primeiro contextualizar um alegado “enriquecimento” dos “associados”, “políticos”, “acólitos empresariais” e “elite”, que alegadamente se encontrariam “próximos” e/ou a “rodear” o anterior Presidente da República de Angola, “Líder do MPLA”, e, em especial o próprio MPLA, para depois alegar que o 1.º Recorrente “fazia parte do politburo do MPLA desde a década de 1980”, e que dirigiu fação no parlamento”, tendo-se tornado Ministro da Administração Interna, e depois Vice-Presidente, e daí fazer insinuações sobre os seus rendimentos e o tempo que demoraria a pagar o valor dos vestidos, das viagens para participação no programa, e da festa de casamento. L. E isto, com recurso a pensamentos hipotéticos e presuntivos, sem qualquer adesão à realidade, nem a factos concretos e objetivos, pelo que o Facto 1 dado como não provado deveria ter sido dado como provado como se demonstrou. M. Demonstrou-se que tal facto não poderia ter sido dado não como provado, porquanto o mesmo decorre dos Depoimentos de Parte dos Recorrentes e do 1.º Recorrido, dos Depoimentos das Testemunhas D …, E …, F … e G …, do Documento 4 da Contestação apresentada pelos Recorridos, da interpretação do capítulo 14 e do Requerimento com a referência n.º …, apresentado em 23.02.2023, pelos Recorrentes (cf. artigos 144.º a 192.º, das presentes alegações). N. Demonstrou-se relativamente ao parágrafo 11.º, que não se reporta a factos concretos e objetivos verídicos, não sendo verdade que a 2.ª Recorrente tenha gastado 200 mil dólares na Loja Kleinfeld Bridal aquando da compra dos seus vestidos como se provou. O. Como também se provou, a menção ao antigo Presidente de Angola, J … e à sua filha, L … parágrafos 14.º e 19.º, não é inocente e despiciendo, mas antes para contextualizar um alegado “enriquecimento” dos “associados”, “políticos”, “próximos” ao anterior Presidente da República de Angola, e integrantes do próprio MPLA, partir para insinuações sobre os rendimentos do 1.º Recorrente. P. Relativamente ao descrito no parágrafo 20.º, provou-se que não era verdade que o 1.º Recorrente tenha ido a uma rádio condenar o trabalho da ONG como parte de uma campanha anti-Angola e muito menos para “defender J …” e/ou para “para insistir que os seus responsáveis eram honestos”. Q. Por conseguinte, e relativamente ao descrito no parágrafo 22.º do Capítulo 14, não se pode concordar com a posição do Tribunal a quo, uma vez que como se demonstrou a notícia do Club K não era “cuidadosamente neutra”, quando, na realidade, resulta do Depoimento de Parte dos Recorrentes e dos Documentos 4 e 5 da Contestação, que a notícia do Club K tinha um título com uma afirmação falsa, a de que o vestido de noiva da 2.ª Recorrente tinha custado 200 mil dólares. R. Por conseguinte, e a propósito do que vem descrito no parágrafo 23.º, também não se pode concordar com o douto Tribunal a quo, pois que, o 1.º Recorrido omitiu deliberadamente, que a crítica feita pelo 1.º Recorrente, e que o mesmo caracterizou de “mentira grosseira e artificial” (a tal “fake new”), se prendeu com a afirmação de que teria sido comprado um único vestido de 200 mil dólares. S. Por conseguinte, e relativamente ao descrito nos parágrafos 24.º a 28 do capítulo 14, não se concorda com a posição tomada pelo Tribunal a quo, pois que são vários pensamentos hipotéticos e presuntivos, sem qualquer adesão à realidade ou baseado em factos concretos e objetivos, e de que servem de exemplo os descritos no artigo 180.º, das presentes alegações. T. Pensamento hipotético esse, que pretendeu levantar uma suspeição sobre a licitude do dinheiro usado para custear os vestidos, associando o 1.º Recorrente a práticas desonestas, tendo em conta o background político angolano, em especial, as práticas corruptivas do anterior Presidente J … e da sua filha L …. U. O próprio Tribunal a quo vem reconhecer que onde se lê “pode bem ser que (...) que este segmento “corresponde a um pensamento hipotético”, e que o “discurso hipotético do primeiro segmento serve para o autor da obra dele retirar a ideia que procura demonstrar no capítulo, a (cf. fls. 30 da Sentença recorrida). V. Nos termos dos artigos 640.º, n.º 1, alínea c), e 662.º, n.º 1, do CPC deve antes dar-se como provado que: “1 - No capítulo 14, referido em f) dos factos provados, o 1.º R. recorre a pensamentos hipotéticos e presuntivos, sem qualquer adesão à realidade, ou factos concretos e objetivos. W. Por conseguinte, do depoimento de parte do 1.º Recorrido (cf. min. 121:08 a 123:28), e da leitura integral da obra, temos que único País da CPLP a que o 1.º Recorrido faz referência, além de Angola, é à Guiné-Equatorial no “Capítulo 8 – Mau como as Cobras”, pelo que errou o douto Tribunal a quo ao dar como provado em Facto z) que na Obra se “faz referência a vários países da CPLP” e que isso “despertaria a atenção do público falante de língua portuguesa”. X. Nos termos dos artigos 640.º, n.º 1, alínea c), e 662.º, n.º 1, do CPC deve antes dar-se como provado que: “z) Na obra “O País do Dinheiro – A História dos Super-ricos e Corruptos que Estão a Roubar o Mundo e a Destruir a Democracia” apenas se faz referência a 2 (dois) países da CPLP, Angola e Guiné Equatorial.” Y. Neste sentido, e da leitura dos vários capítulos da Obra (supra resumidos) temos claro que o único Capítulo onde o País de Angola vem retratado é o capítulo 14, sendo que as menções a “Angola” e à “Eng. L …” (cf. fls. 21 e 22), consubstanciam menções genéricas, e a menção no capítulo 16 é também por referência ao exemplo da compra da 2.ª Recorrente. Z. Dos Docs. 6 e 7, juntos à Contestação também resulta que era intenção do 11.º Recorrido era incluir no livro uma referência sobre a 2.ª Recorrente e a sua compra, já que foram levantadas questões em Angola sobre “como ela obteve tanto dinheiro, considerando que o pai é um político profissional desde os anos 80.” AA. Também se provou à data da publicação do livro estava em voga o escândalo do Luanda Leaks (cf. reconhecido por M …, min. 00:30 e 00:31), sendo natural que a 2.ª Recorrida tenha feito essa menção na sinopse aludindo aquele Capítulo 14 como forma de despertar o interesse da compra pelos leitores portugueses, e mesmo angolanos ou de língua portuguesa (e/ou sua próxima). BB. E tanto é assim, que se provou que a Obra foi comprada por um comentador político português, Dr. N …, que sustentou afirmações que fez sobre este episódio, na sua rede social facebook e depois no programa CMTV ao ser chamado a comentar o escândalo Luanda Leaks. CC. O que também é passível de contrariar o entendimento do douto Tribunal a quo ao dar como não provados os Factos 4, 5, 6, 7, 8, 11, e 20, do rol de Factos não provados, como se demonstrou. DD. Nos termos dos artigos 640.º, n.º 1, alínea c), e 662.º, n.º 1, do CPC deve antes dar-se como provado que: “tt) O exemplo ilustrativo do País de Angola como um dos países pobres em que o dinheiro público é roubado e investido num país rico, e as personalidades responsáveis por atos dessa natureza, vem retratado com exclusividade no Capítulo 14, tendo como protagonistas os aqui Recorrentes.” EE. Da leitura do capítulo, do depoimento do 1.º Recorrido (min. 67:00 a 100:00), das declarações de parte do 1.º Recorrente (min. 15:00 a 22) e do depoimento da Testemunha Q … (min. 15:00 a 58:00), resultou provado que por referência ao capítulo 14, o 1.º Recorrido apenas terá procurado entrar em contacto com a 2.ª Recorrente via facebook, e que não terá obtido resposta, tendo-se bastado com o exercício de resposta do 1.º Recorrente em facebook à notícia do Club K. FF. Nos termos dos artigos 640.º, n.º 1, alínea c), e 662.º, n.º 1, do CPC deve antes dar-se como provado que: “17- O 1º R. não precedeu a elaboração da obra referida em e) de qualquer investigação sobre as fontes de rendimentos dos AA., ou sobre a origem do dinheiro e contornos da compra, e nem tão pouco procedeu a qualquer confirmação dos factos relatados no episódio e dos factos que pretendia relatar naquele capítulo, junto dos AA.” GG. Ou, caso assim não se entenda, deve julgar-se provado que “o 1º R. não precedeu a elaboração da obra referida em e) de qualquer investigação sobre as fontes de rendimentos dos AA., ou sobre a origem do dinheiro e contornos da compra”, e que “o 1.º Réu só enviou um pedido de comentário à 2.ª Autora através do facebook, não tendo procurado qualquer confirmação por parte do 1.º Autor, nem mesmo na ausência de resposta da 2.ª Autora” (o que também contribui para a prova do Facto 1, dado como não provado, como se demonstrou). HH. A propósito deste último facto provou-se que, ao contrário do alegado pelo 1.º Recorrido em fls. 275, a notícia veiculada pelo website angolano Club K não “era cuidadosamente neutra”, e tratava-se antes de uma “fake new” por no título se fazer referência a que “A Filha de ministro angolano compra vestido de USD 200 mil”, quando o corpo da notícia até fazia alusão a compra dos demais vestidos e adereços e à parceria para abertura de loja em angola. II. Sendo que foi precisamente sobre essa “mentira grosseira e artificial” que o 1.º Recorrente se veio insurgir em sede de facebook, ao contrário do alegado pelo 1.º Recorrido de que teria ido só “troçar da maior parte das críticas que tinha recebido, bem como das exigências de demissão” (o que também contribui para a prova do Facto 1, dado como não provado, como se demonstrou). JJ. Pata tal prova contribuíram as declarações de parte do 1.º Recorrente (min. 05:00 a 08:00, 14:00 a 17:00, 28:00 a 30:00, 40:00 a 41:00), e o teor dos Documentos n.ºs 4 e 5, juntos com a Contestação. KK. Nos termos dos artigos 640.º, n.º 1, alínea c), e 662.º, n.º 1, do CPC deve antes dar-se como provado que: “Que a notícia veiculada pelo Club-K sobre a aquisição de um vestido de noiva por “duzentos mil euros” consubstanciou “fake news devidamente desmentida pelo Autor”. LL. Mais se provou que não só o valor pago pela aquisição dos vestidos não corresponde ao que passou no programa televisivo (pois que, foram realizados vários descontos pelo volume da compra e parceria realizada), como também não foi todo liquidado pelos Recorrentes. MM. Para tal contribuíram as Declarações de Parte do 1.º Recorrente (min. 52:00 a 55), e da 2.ª Recorrente (min. 71:00 a 73:00, 84:00 a 85:00), e os depoimentos de E … (min. 11:00 a 12:00, 20:00 a 22:00) e D … (min. 1:28:00 a 01:30:00, 01:35:00 a 01:36:00); os Docs. 4 e 5 juntos à Contestação, e Doc. 4 junto ao Requerimento Probatório dos Recorrentes de Ref.ª …. NN. Nos termos dos artigos 640.º, n.º 1, alínea c), e 662.º, n.º 1, do CPC deve antes dar-se como provado que: “25 - Os valores indicados como preço dos vestidos e acessórios ao longo do episódio do programa “Say Yes to the Dress” referido em dd) não correspondam à realidade, e que não foram todos pagos pelos AA. OO. Quanto aos Factos k), m) e n), demonstrou-se que os comentários e perguntas feitas aos Recorrentes não foram só efetuados nos seus círculos próximos, e nem o sentimento de angústia da 2.ª Recorrente se deveu apenas às notícias e comentários sobre a sua participação no programa sem relação com a publicação do livro onde tal vem igualmente retratado. PP. A propósito dos danos da 2.ª Recorrente, designadamente para prova dos Factos 9, 10, 16 (constava 116, o que desde já se retificou, considerando tratar-se de lapso de escrita ), 22, 23 e 24, do rol de factos não provados, relevaram as Declarações de Parte da 2.ª Recorrente (cf. min. 92:19 a 94:04, 94:35 a 95:32, 96:00, 97:37, 99:00 100:53), e os depoimentos de D … (min. 00:25:00 a 00:28:00, 01:25:00 a 01:29:00), G … (min. 11:00 a 112:00, 18:00 a 19:00), de X … (min. 04:00 a 09:00, 16:00 a 118:00, 20:00 a 21:00). QQ. A propósito dos danos do 1.º Recorrente, designadamente para prova dos Factos 9, 10, 16 (consideramos que se trata de outro lapso de escrita e que os Apelantes pretendiam indicar os pontos 11 e 12), 22, 23 e 24, do rol de factos não provados, relevaram as Declarações de Parte do 1.ª Recorrente (min.14:00 a 16:00, 22:00 a 50:58), e os depoimentos de X … (min. 13:00 a 115:00, 21:00 a 26:00), E … (min. 12:00 a 26:00), F … (min. 25:00 a 29:00, 33:00 a 37:00, 45:00 a 47:00, 1:01:00 a 1:05:00). RR. Danos esses, essencialmente trazidos num sentimento de embaraço, ansiedade e estado clínico depressivo, e, consequente evitar/redução de contactos sociais e/ou políticos e diplomáticos, frutos de uma descredibilização em face quer da opinião pública, quer do seu círculo pessoal e profissional, também esta consubstanciando um dano para o bom nome, reputação e imagem dos Recorrentes. SS. No mais, diz-nos a experiência os danos descritos como sofridos pelos Recorrentes são comuns aos danos sofridos por qualquer homem médio colocado na posição dos Recorrentes que sofra uma violação do seu direito ao bom nome, reputação e imagem. TT. O que não é da experiência comum é pensar-se que um assunto que é novamente trazido a público não levante toda uma onda de novos comentários, notícias e artigos sobre isso, ainda para mais quando vem a público sob a forma de livro sobre os “novos cleptocratas e super-ricos” escrito por um autor estrangeiro premiado; UU. Ou pensar-se que factos e notícias sobre Angola não têm impacto em Portugal, ou que o que sai em imprensa em Portugal sobre Angola, não chega imediatamente a Angola; ou que não seja verossímil que fotos do capítulo, capa e contracapa tenham andado a circular por e-mail e nas redes socais como whatsapp e facebook, quando estamos em plena “Era” da transmissão eletrónica e respetivas redes sociais; ou que o “livro não tem mercado em angola”. VV. Para prova da difusão da obra contribuíram as Declarações de Parte dos Recorrentes, e das Testemunhas por si arroladas, bem como pelas Testemunhas arroladas pelos Recorridos, O … (min. 00:03:00 a 00:04:00, 00:22:00 a 23:00), e P … (min. 00:47:00 a ), que confirmaram que a 2.ª Recorrida enviou exemplares a jornalistas para que pudessem escrever criticas sobre o livro, e por esta (min. 00:41:00 a 00:47:00) e pelo Sr. M … (min. 32:00 a 35:00), que corroboraram a necessidade de uma 2.ª edição por falta de stock físico, bem como a sua venda por e-book (online), não sabendo, porém quantificar essas vendas. WW. Por conseguinte, e nos termos dos artigos 640.º, n.º 1, alínea c), e 662.º, n.º 1, do CPC devem os factos m), n), 9, 10, 116, 22, 23 e 24, serem dados como provados nos termos dos artigos 307.º a 324.º, das presentes alegações. XX. E os Factos 4, 5, 6 e/ou 8, 7, 9, 10, 11, 14, 15, 20, serem dados como provados nos termos dos artigos 325.º a 396.º, das presentes alegações. YY. E os Factos 3, 11, e 13, serem dados como provados nos termos dos artigos 397.º a 410.º, das presentes alegações. ZZ. Quanto à fundamentação da matéria de direito demonstrou-se que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao julgar não verificado o requisito básico da ilicitude decorrente da violação ilegítima de direitos de personalidade dos Recorrentes. AAA. Com efeito, e quanto ao primeiro requisito da responsabilidade civil, demonstrou-se que o 1.º Recorrido confessou a autoria da obra “Moneyland”, retratando os Recorrentes no capitulo 14 (fls. 269 a 277) e a 2.ª Recorrente também no capitulo 16 (fls. 299), e que a 2.ª Recorrida foi responsável pela elaboração da imagem e dizeres da capa e contracapa, e pela publicação e venda da obra em Portugal. BBB. Provou-se que da leitura da obra e depois do Capítulo 14, em consonância com o título, subtítulo, crítica na capa, e sinopse na contracapa, resulta evidente que estes são, desde logo, suscetíveis de violar de forma grave, abrupta e infundada os direitos de personalidade Recorrentes visados naquele capitulo. CCC. Pois que, são os “Super-Ricos, Corruptos, Bandidos internacionais, Políticos, Nomes Poderosos, Novos Cleptocratas, Criminosos Globais” retratados no Capítulo 14, tendo a “história” do casamento da 2.ª Recorrente sido utilizada para ilustrar uma conduta de roubo de dinheiro público (por parte do 1.º Recorrente enquanto Ministro) em país pobre (Angola) e lavagem desse dinheiro em país rico (concretamente na cidade de Nova Iorque), e consequentemente de corrupção. DDD. Quanto ao segundo requisito, relativo à ilicitude, demonstrou-se que a retração dos Recorrentes através de suspeições infundadas, pensamentos hipotéticos e presuntivos, sem qualquer adesão à realidade, nem a factos concretos e objetivo, é passível de ofender o direito a honra`, consideração e imagem da 2.ª Recorrente enquanto cidadã e empresária, e do 1.º Recorrente enquanto cidadão e (à data) Vice-Presidente da República de Angola (cf. artigos 1.º, 25.º e 26.º, da CRP e 70.º e 79.º do CC), de acordo com a sã opinião da generalidade das pessoas de bem e da jurisprudência que tem vindo ser proferida pelo TEDH e pelos nossos Tribunais. EEE. A mais elementar das experiência comum diz-nos que uma pessoa que venha retratada num livro cujo titulo é “O País do Dinheiro – A História dos Super-ricos e Corruptos que estão a roubar o mundo e a destruir a democracia”, e que se apresenta como “uma viagem ao mundo oculto dos novos cleptocratas e criminosos globais”, se sinta imediatamente ofendida na sua honra, bom nome e imagem, e isto, mesmo que na obra venham retratadas de forma abonatória, pois que, também nos diz a nossa experiência comum, que as pessoas julgam imediatamente a obra pela “capa”. FFF. E tal torna-se ainda mais evidente quando se faz menção a um Vice-Presidente de um País, que se apresenta como bandeira pública de combate à corrupção, e por isso mesmo é eleito, como foi o caso do 1.º Recorrente, num livro que trata de “super-ricos e corruptos que estão a roubar o mundo democracia e a destruir a democracia”, “bandidos internacionais”, “cleptocratas e criminosos globais”. GGG. E tanto é assim que o 1.º Recorrido prestou garantia de responsabilidade perante a editora britânica e todas as editoras que viessem a possuir uma sublicença (como é o caso da 2.ª Recorrida), por qualquer dano ou prejuízo resultante de qualquer Ação judicial por a sua Obra conter afirmações caluniosas e difamatórias (como é o caso da presente Ação) (cf. Clausula 4.ª, do Contrato junto como Doc. 1, à Contestação). HHH. Tendo a obra sido (alegadamente) revista esta foi revista pelo editor Q … em conjunto com o autor 1.º Recorrido e por um Advogado por se tratar de uma obra sobre assuntos controversos de pessoas concretas (cf. min. 25:00 a 27:00, do depoimento da Testemunha Q …). III. Também se provou que a referência a “Angola” na sinopse se deveu a (alegada) questão geográfica do livro e proximidade com a língua portuguesa, e porque à data estava em voga o escândalo do Luanda Leaks (cf. reconhecido pela Testemunha M … em min. 00:30 e 00:31, do seu depoimento), tendo sido feita essa menção para despertar o interesse da compra pelos leitores portugueses, angolanos ou de língua portuguesa (e/ou sua próxima). JJJ. E tanto é assim que se provou que a Obra foi comprada por um comentador político português, Dr. N …, e serviu de sustento (nas palavras do próprio) as afirmações que o mesmo fez sobre os Recorrentes na sua rede social facebook e depois no programa CMTV, neste último quando chamado a comentar o escândalo Luanda Leaks, e que foi tema numa conferência em Angola sobre os poderes do Vice-Presidente de Angola. (cf. Doc. 5 junto à PI, e depoimento da Testemunha F …, min. 26:00 a 33:00 e 1:01:00 a 1:04:00 do seu depoimento). KKK. Resultou explicito que neste caso se deve considerar extrapolado o limite da proteção da liberdade de expressão, já que se atingiu o reduto minino da dignidade e bom nome dos Recorrentes, numa conduta que jamais se poderia enquadrar na esfera da “atipicidade” do “recuo da tutela da honra inerente à discussão politico partidária ou como situação de exclusão de ilicitude ou de causa de não punibilidade” (v.g. Ac. TRP de 07.04.2010, Proc. 334/08.6GAVNF.P1). LLL. Sendo importante recordar que tem vindo a ser entendido pela nossa jurisprudência, na esteira da jurisprudência do TEDH, que o “direito à liberdade de expressão”, não é ilimitado, e não pode prevalecer sobre os direitos fundamentais dos cidadãos ao bom nome e reputação, quando a ofensa seja susceptível de invadir o núcleo essencial destes outros direitos fundamentais de forma desmedida, desproporcional e sem motivo atendível. MMM. Nestes termos deve ter-se por verificado o requisito da ilicitude nos termos preconizados nos artigos 437.º a 563.º, das presentes alegações, ao contrário do preconizado pelo Tribunal a quo em claro erro de julgamento. NNN. O 1.º Recorrido agiu com “culpa”, na modalidade de dolo directo, pois que, quis deliberadamente retratar, como retratou, os Recorrentes no capítulo 14, e a 2.ª Recorrente ainda no capitulo 16, sem qualquer prévia investigação ou confirmação junto dos Recorrentes, ou preocupação na demarcação dos factos e da opinião e respeito pela imagem, honra, consideração e bom nome dos mesmos. OOO. E a 2.ª Recorrida agiu também com “culpa” na modalidade de dolo direto ao perpetuar tal conduta através da publicitação e comercialização da obra em Portugal, tendo sido responsável pela elaboração dos dizeres da capa e da contracapa, designadamente da referência a “Angola” na sinopse alusiva ao único capítulo onde tal país vem retratado tendo por referência duas personalidades concretas, os Recorrentes. PPP. Não obstante, mesmo que não se entendesse existir dolo directo, sempre existira eventual dos Recorridos, ou então negligência ou mera culpa que tanto basta para o dever de indemnizar nos termos dos artigos 483.º e 484.º, do CC, como se demonstrou. QQQ. Quanto ao requisito dos “danos”, este já se encontra verificado em função dos Factos k) e l), do rol, dados como provados. RRR. Mais se demonstrou quanto aos Factos k), m) e n), que os comentários e perguntas feitas aos Recorrentes não foram só efetuados nos seus círculos próximos, e nem o sentimento de angústia da 2.ª Recorrente se deveu apenas às notícias e comentários sobre a sua participação no programa sem relação com a publicação do livro onde tal vem igualmente retratado. SSS. Resultou das Declarações de Parte dos Recorrentes e depoimentos de Testemunhas por si arrolados (supra transcritos em artigos 307.º a 410.º das presentes alegações) que os Recorrentes vivenciaram sentimentos de embaraço, ansiedade e estado clínico depressivo, tendo evitado/reduzido os contactos sociais e/ou políticos e diplomáticos, em consequência clara da descredibilização em face quer da opinião pública, quer do seu círculo pessoal e profissional. TTT. Estes danos sempre resultam dos Factos m), n), 24, 9, 10, 16, 22, 23, 4, 5, 6 e/ou 8, 7, 9, 11, 14, 15, 20, 3, 11, 13, nos termos reapreciados e devidamente provados pelos Recorrentes em artigos 307.º a , das presentes alegações. UUU. Provou-se ainda existir uma relação de causalidade adequada entre os factos e os danos sofridos pelos Recorrentes nos termos demonstrados em artigos 307.º a 410.º, destas alegações. VVV. Em face do preenchimento dos 5 (cinco) requisitos cumulativos da responsabilidade civil, deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que julgue a presente Ação procedente, condenando o Recorrido nos termos peticionados em sede de Petição Inicial. WWW. Sem prejuízo, deve a Sentença recorrida ser quanto a custas, dispensando-se a totalidade do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, conforme requerido a final nas presentes alegações. XXX. Tal dispensa tem por fundamentos: a ponderação entre custo/utilidade do serviço efectivamente prestado às Partes pelo sistema público de Administração da Justiça; a simplicidade decisória dos autos, e a conduta positiva de cooperação das Partes em juízo, nos termos demonstrados em artigos 506.º a 527.º, destas alegações. Terminaram os Apelantes pugnando pela procedência do recurso, com a revogação da sentença recorrida e sua substituição por acórdão que julgue a ação procedente, condenando os Réus/Apelados nos termos peticionados em sede de Petição Inicial, mais requerendo que seja deferido o pedido de dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça devida na 1.ª e 2.ª instâncias, e/ou reduzido substancialmente o seu valor. Foi apresentada alegação de resposta, em que os Réus defenderam que o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a decisão recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** II - FUNDAMENTAÇÃO Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC). Identificamos as seguintes questões a decidir: 1.ª) Se deve ser modificada a decisão da matéria de facto no tocante: - aos factos vertidos em k), m) n), o), u), z), tt) (julgando-os como não provados); - e aos factos descritos nos pontos 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 25 (dando-os como provados); 2.ª) Se estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (a ilicitude da atuação dos Réus, a sua culpa, os danos sofridos pelos Autores e o nexo de causalidade entre tal conduta e os danos), e, por isso, devem ser condenados nos pedidos formulados na Petição Inicial; 3.ª) Se devem os Autores ser dispensados do pagamento do valor remanescente da taxa de justiça. Dos Factos Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos (assinalámos com asterisco os factos impugnados; acrescentámos o que consta de f), entre parenteses retos, para melhor compreensão, estando plenamente provado – cf. art. 662.º, n.º 1, do CPC; retificámos o lapso de escrita em rr)): a) O 1.º Autor A … é um cidadão de nacionalidade angolana, que desempenha atualmente funções como Vice-Presidente da República de Angola, tendo anteriormente desempenhado, entre outros, o cargo de Ministro da Administração do Território da República de Angola. b) A 2.ª Autora, B …, é uma cidadã de nacionalidade angolana e portuguesa, empresária e filha do 1.º Autor. c) O 1.º Réu, C …, LDA, é jornalista de investigação e autor de livros de não-ficção, do País de Gales, Reino-unido colaborador regular do jornal diário nacional britânico independente “The Guardian”; da revista mensal sobre moda, estilo e cultura, “GQ”; e autor, entre outros, do livro “O País do Dinheiro: A História dos Super-ricos e Corruptos Que Estão a Roubar o Mundo e a Destruir a Democracia”. d) A 2.ª Ré, 20|20 Editora é uma sociedade por quotas, cujo objeto social corresponde à edição, comércio por grosso e comércio a retalho de livros, revistas, jornais, dicionários, enciclopédias, brochuras, mapas, atlas e cartas geográficas e opúsculos, impressos, em forma eletrónica (CD e similares), via internet e em forma áudio, contando, de entre o seu catálogo de chancelas, com a marca VOGAIS, dedicada à publicação no sector da “não ficção”. e) Em novembro de 2019, a 2.ª Ré publicou, distribuiu e comercializou, através da sua chancela VOGAIS, a obra de autoria do 1.º Réu, intitulada por “O País do Dinheiro: A História dos Super-ricos e Corruptos Que Estão a Roubar o Mundo e a Destruir a Democracia”, f) Na qual, os Autores são visados, em pp. 269 a 277, no Capítulo 14, designado por “DIZ SIM AO DINHEIRO”, e referenciado como “um trocadilho com o nome do programa de televisão nele citado, Say Yes To the Dress (Diz que sim ao Vestido)”, e em pp. 299 e 301, no capítulo 16, da 1.ª edição, de novembro de 2019, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [sendo o teor do capítulo 14 o seguinte (acrescentámos, entre parênteses retos, as notas de rodapé e, entre parênteses curvos, o n.º do respetivo parágrafo na obra): 14 DIZ SIM AO DINHEIRO* [O título deste capítulo é um trocadilho com o nome do programa de televisão nele citado, Say Yes to the Dress (Diz Sim ao Vestido). Em Portugal, o programa é exibido com o título original inglês, sem tradução; optou-se aqui por traduzir o título do capítulo.] (§ 1.º) O programa televisivo Say Yes to the Dress começou a ser transmitido nos pequenos ecrãs americanos em 2007, e se nunca o viu não sabe o que está a perder. Acompanha uma procissão de mulheres – geralmente três par episódio – que visitam a loja Kleinfeld Bridal em Nova Iorque para comprar os seus vestidos de casamento. De certa maneira, é o formato perfeito da reality television: um cenário infinitamente reprodutível, no qual se podem colocar mulheres de todas as etnias, idades, formas corporais, classes sociais, antecedentes, sexualidades, pelo que o drama está sempre garantido. E há quase sempre um final feliz: as noivas ficam lindíssimas de branco. O programa deu origem a inúmeras séries e variações e transformou a Kleinfeld Bridal – anteriormente uma loja de boa reputação, mas discreta, na West 20tb Street – no fornecedor mais afamado de vestidos para a futura noiva exigente. (§ 2.º) A 22 de maio de 2015, perto do final da 13.ª temporada do programa, os espetadores tiveram uma surpresa. Num episódio chamado V. I. S …, viram a designer de moda israelita S …, criar vestidos especiais para «três noivas VIP» com orçamentos ilimitados, enquanto o resto da loja estava fechada. S …,, que tem cabelo louro que cai muito abaixo dos seus ombros e lábios carnudos, era pouco conhecida antes conter a aparecer no programa, mas tomou-se desde então numa celebridade reconhecida, talvez porque o seu estilo nada subtil, passe bem na televisão. Se não conhece o seu trabalho, as suas criações parecem ter classe do mesmo modo que a decoração de interiores de R …, também parece ter, e ela nunca ouviu falar da palavra «discrição». S … especializa-se em vestidos semitransparentes, com decotes generosos, adornados com ondas de cristais, completados por véus e acessórias igualmente incrustados com coisas brilhantes. «Vivo para o para o Bling* [Gosto por brilhantes, que se manifesta de modo ostensivo, excessivo.], mas o Bling é caro. Uma noiva com um orçamento ilimitado é o meu sonho, porque posso concentrar-me em tornar o vestido perfeito, qualquer que seja o custo», declara S … frente à câmara. (§ 3.º) O episódio inicia-se com uma profusão genérica de preparativos, centrados à volta de T …, a diretora da loja. T … tem cabelo comprido, os lábios pintados de vermelho e ostenta um ar bastante incomodado, acentuado por sobrancelhas permanentemente elevadas e uma testa enrugada. «A filha de um ministro do governo angolano está prestes a chegar. Ela e a sua família vieram de avião de África para experimentar nove vestidos que ela comprou à S …», explica, ofegante. (§ 4.º) A cliente B … chega num vasto utilitário Chevrolet, com o cabelo-afastado do rosto, os olhos muito abertos por trás de óculos de aros vermelhos. Fala um inglês perfeito, com um ligeiro sotaque e um ar agradável. «Sempre sonhei ter um vestido da S …. Os vestidos dela são muito glamorosos, com muitos cristais, e adoro-os. Quero parecer uma princesa, uma rainha», diz para a câmara sem esconder o entusiasmo. «Vou ter um grande casamento com 800 pessoas. Quero que o meu casamento seja maior e melhor do que todos os outros que já vi». (§ 5.º) Para atingir esse objetivo ela vai precisar de vários vestidos. Primeiro haverá a cerimónia de assinatura da certidão de casamento. Será urna ocasião modesta, com a presença apenas dos familiares, mas ela quer parecer bem vestida na mesma e está a gastar 30 mil dólares num vestido justo ao corpo com alças adornadas com cristais que parecem. Granizo. Feito de um tule de seda especial, tem um profundo decote em concha nas costas e está bordado com milhares de cristais Swarovski. Personalizar o vestido acaba por custar mais 5500 dólares. (os preços são expostos no ecrã, para que os espetadores possam ir fazendo as contas) e um «véu de gaiola» são mais 500. (§ 6.º) «Oh, meu Deus», diz B … ao ver-se ao espelho. «Estou tão linda». (§ 7.º) B …, vai precisar de outro modelo para a cerimónia principal do casamento, obviamente, e esse vai ser um vestido de baile, com uma cauda de talvez dois metros. S … explica que são precisas cerca de 300 horas de trabalho para fazer um vestido como este e ela afasta as mãos uns bons 30 cm para explicar o tamanho da lupa que a costureira vai ter de usar para verificar a qualidade do trabalho. A mãe e as amigas de B … suspendem a respiração quando a noiva sai do provador. O corpete inclui uma caraterística típica de um vestido S …: uma fita de tecido transparente entre os seios, prolongando-se quase até ao umbigo. (§ 8.º) E então surge a revelação: a enorme saia rodada é levantada sobre a cabeça para mostrar – por baixo -, um vestido évasé justo ao corpo, com uma explosão de folhos junto aos pés. «A B … é praticamente realeza no seu país. Não lhe podia fazer apenas um vestido normal, pelo que criei este com uma saia-surpresa que pode ser retirada para o copo d´água», explica S …, antes de revelar um véu que se estende por dois metros no chão, atrás das costas da noiva. «Um véu destes exige pelo menos três dias de trabalho. As rendas foram feitas de propósito em França e bordadas a mão com centenas de cristais Swarovski. É um modelo único.» (§ 9.º) O véu custa 5000 dólares. (§ 10.º) «Estou tão feliz», confessa B …. «Não tenho palavras.» (§ 11.º) O floreado final do episódio é dado por I …, diretor de moda da Kleinfeld Bridal e a estrela-revelação de Say Yes to the Dress. BB …, gloriosamente pedante, intervém para aconselhar as noivas bem como para explicar para a câmara algo que seja mais preciso. O seu resumo do papel principal de B … em V.I. S … é ainda mais eufórico do que o habitual. «A B …, gastou mais do que qualquer outra noiva na história da Kleinfeld, levando um total de nove originais S …, uma saia-surpresa, personalização e acessórios num total de mais de 200 mil dólares.» (§ 12.º) O episódio foi exibido nos Estados Unidos com o acolhimento habitual, tendo os espetadores ficado impressionados com o que os ricos são capazes de gastar quando querem tornar as coisas perfeitas, e em geral murmurando como B … e as noivas de orçamento ilimitado estavam bonitas. (§ 13.º) E depois o episódio passou em Angola. (§ 14.º) Angola é um país da África Ocidental que se tornou independente de Portugal em 1975 e quase imediatamente mergulhou numa guerra civil particularmente sórdida, exarcebada por intervenções de ambos os lados da Guerra Fria. (…) (§ 15.º) O líder do MPLA, J …, tornou-se presidente em 1979 e foi, até renunciar ao cargo em 2017, o segundo líder africano que mais tempo esteve no cargo, a seguir a U …, na Guiné Equatorial. Embora tenha estudado na União Soviética, e o seu governo tenha nominalmente continuado a ser socialista, isso não impediu os seus associados mais próximos de se tornarem extremamente ricos. L …, a filha de J …, é a mulher mais rica de África, com uma fortuna estimada pela revista Forbes em mais de três biliões de dólares. Tem passaporte britânico, um extenso império imobiliário na zona ocidental de Londres e participações acionistas importantes em empresas de telecomunicações, media, retalho, hotelaria e finanças. Em 2016, o seu pai nomeou-a presidente da Sonangol, a companhia petrolífera estatal angolana, que é a espinha dorsal da economia do país. Ela perdeu o cargo quando ele renunciou. (§ 16.º) Os benefícios da indústria petrolífera angolana não têm sido partilhados equitativamente. Luanda, a capital, é considerada a cidade mais cara do mundo para os expatriados, enquanto dois em cada três angolanos vivem com menos de dois dólares por dia. Segundo o FMI, cerca de 32 biliões de dólares pura e simplesmente desapareceram do orçamento do Estado entre 2007 e 2010 (o FMI atribuiu a perda a «operações aparentemente fiscais levadas a cabo pela petrolífera estatal»). Investigadores britânicos e americanos têm acusado repetidamente empresas ocidentais de subornarem altos responsáveis da Sonangol e, em 2017, a Halliburton pagou 30 milhões de dólares para chegar a acordo num caso levado a tribunal nos EUA ao abrigo da Lei de Práticas Corruptas Externas. Em 2002, o governador do banco central tentou transferir 50 milhões de dólares do dinheiro do governo para a sua própria conta nos Estados Unidos. E quando o pedido foi bloqueado pelos banqueiros ocidentais ele voltou a tentar. Angola é, em resumo, um caso de estudo quase perfeito da cleptocracia transnacional contemporânea. (§ 17.º) Alguns dos primeiros relatórios da ONG Global Witness detalhavam a ligação entre a corrupção e o conflito em Angola, com a UNITA a lucrar com os «diamantes de sangue» e o MPLA a dominar a indústria petrolífera. A investigação de 1999 da ONG – intitulada «A Crude Awakening»* [Um Despertar Brutal». O título inglês faz um trocadilho entre «crud», brutal, e a «crude», petróleo em bruto.] – descrevia como as empresas de energia internacionais estavam a subornar o governo, pactuando assim com a espoliação do país e a miséria do seu povo. «A corrupção começa no chefe de Estado, rodeado por uma clique de políticos e de acólitos empresariais», declarava o relatório. A corrupção penetra em todos os setores do sistema angolano, do acesso aos medicamentos, até ao fornecimento de livros escolares.» Segundo as fontes dessa ONG, (…) (§ 18.º) O país produzia à época três quartos de milhão de barris de petróleo por dia, o que equivalia a 7% das importações de petróleo dos EUA, mas o dinheiro apenas servia para enriquecer a elite, prosseguir com o conflito e tornar horrível a vida dos angolanos comuns. O habitante médio do país tinha uma esperança média de vida de apenas 42 anos; 82,5% da população viviam em pobreza; um quarto das crianças morria antes de fazer 5 anos; a subnutrição infantil estava no seu maior valor em 25 anos. (§ 19.º) O governo de Angola tinha anteriormente mostrado alguma satisfação com a Global Witness, graças a um relatório publicado no ano anterior que tinha detalhado o modo como a UNITA financiava as suas operações com o comércio de diamantes, e por isso viu «A Crude Awakening» como uma traição. (…) (§ 20.º) Em Luanda, um político importante foi à rádio condenar o trabalho da ONG como parte de uma campanha anti-Angola concebida para privar o governo da sua capacidade de se defender, para defender J …, e para insistir que os seus responsáveis eram honestos. Esse político chamava-se A …. Fazia parte do politburo do MPLA desde a década de1980, e na altura dirigia a sua fação no parlamento. Advogado de formação, viria a escrever a nova Constituição. Depois de abandonar o parlamento tornou-se ministro da Administração do Território e ganhou assim a responsabilidade de compilar o registo eleitoral: um cargo importante e influente em qualquer país. (§ 21.º) A …, é o pai de B …, o «ministro do governo angolano» que tanto empolgou T … no início do episódio de Say Yes to the Dress. (§ 22.º) Depois de V. I. S … ir para o ar, S … colocou uma foto no Instagram que mostrava B … e o seu novo marido a descer a coxia sob uma tempestade de confetes, pérolas a brilhar no corpete e no véu da noiva, com um ramo de lírios na mão esquerda. Um website angolano chamado Club K fez uma notícia sobre o episódio, com a informação adicional de B … ter sido nomeada «embaixatriz da marca» de S …, que tinha aberto uma nova loja em Luanda. A notícia era cuidadosamente neutra, mas os comentários que surgiram. Por baixo não o eram: «Para onde vai este país? Há quem se gabe de tanta riqueza, enquanto outros vivem de arroz e peixe. Deus deu este país à gente errada»; «Um pais onde 90% das pessoas não tem água nem luz, não sabem o que vão comer no dia a seguir, lixo, esgotos, sofrimento. E algumas, pessoas vivem desumanamente sem se preocuparem como bem-estar do povo!!!» (§ 23.º) A …, ficou furioso. Foi ao Facebook troçar da maior parte das críticas que tinha recebido, bem como das exigências de demissão. «As pessoas nem olham para o lado positivo de trazer para o nosso país uma designer internacionalmente reconhecida, que assim põe Angola na cena GLOBAL da moda, ao lado de Nova Iorque, aumenta o prestígio de Angola e fornece opções de elevada qualidade às noivas angolanas sem elas terem de gastar dinheiro em viagens ao estrangeiro», escreveu. Não era um argumento convincente, em grande parte porque os dois terços de angolanos que vivem em pobreza teriam tido de poupar cada cêntimo que ganhassem durante quase nove milênios para terem dinheiro para os vestidos que a sua filha escolheu na Kleinfeld Bridal, quer tivessem de viajar para o estrangeiro para os comprar quer não. Destemidamente, S... continuou a insistir que os seus rendimentos oficiais do governo eram mais do que suficientes para cobrir as despesas do casamento da filha, i que qualquer sugestão em contrário era urna afronta. «Quem devia demitir-se era quem publicou enganosamente uma tal mentira grosseira e artificial», escreveu. (§ 24.º) Não se sabe quanto A … ganha, mas o salário do presidente, em 2014, era aproximadamente de 6000 dólares por mês. Isto, significa que no improvável caso de o ministro ganhar tanto quanto o seu patrão, precisaria de poupar durante mais de dois anos e meio para poder pagar os vestidos da sua filha. Além disso, teria de pagar os voos para Nova Iorque e o alojamento na América, bem como a festa de casamento para 800 convidados em Luanda. Independentemente do custo total, é difícil não concluir que o dinheiro poderia ter sido usado mais produtivamente. Os cerca de 200 mil dólares que dependeu nos vestidos de casamento da filha não teriam resolvido por si só os problemas de saúde do país, mas poderiam comprar medicamentos antirretrovirais para mais de 166 pessoas durante um ano, o não é um mau ponto de partida. (§ 25.º) (A propósito: o escândalo não fez mal algum à carreira de S.... Em 2017, quando L … renunciou ao cargo, tomou-se vice-presidente). (§ 26.º) Pode bem ser que S... tenha realmente ganhado o dinheiro honestamente, que B …, tivesse a sua própria e secreta carreira empresarial de sucesso, ou que tenha encontrado outro patrocinador (ela não respondeu aos meus pedidos de comentário que enviei através do Facebook), mas o extraordinário é que ninguém na produtora de televisão parece ter pensado em perguntar isso. Nem a Kleinfeld Bridal nem a TLC, a empresa produtora responsável por Say Yes to the Dress, responderam às minhas perguntas sobre se tinham verificado a origem do dinheiro. Num depoimento, V …, o diretor de operações de S …, disse que a empresa protegia a privacidade dos seus clientes. «Apenas mantemos relações profissionais com os nossos clientes e não nos envolvemos nas suas questões pessoais», rezava o depoimento enviado por e-mail. É questionável; certamente que S … não se teria referido a B …, no programa como «praticamente realeza no seu país» se não se tivesse envolvido com ela enquanto mais do que uma simples cliente, mas era tudo o que … estava preparado para dizer. (§ 27.º) Talvez ainda mais notável do que a falta de interesse ou de preocupação com a origem do dinheiro seja o facto de B …, não parecer ter compreendido que era, em primeiro lugar, de mau gosto aparecer na televisão a gastar 200 mil dólares em roupas, sobretudo quando o pai ajuda a governar um país com a oitava pior taxa de mortalidade infantil do mundo. Ela não tinha sido apanhada num golpe de jornalismo investigativo com uma câmara oculta; ela concordou em participar num reality show, sabendo que seria discriminado o valor exato que iria gastar em nove vestidos extremamente vulgares. Ela denunciou-se a si própria. Foi como se CC … tivesse publicado um panfleto detalhando precisamente quanto dinheiro estava a gastar em cisnes assados e depois se mostrasse ofendida porque os sans-culottes não tinham apreciado o seu investimento em tecnologia culinária. (§ 28.º) Para ser honesto, ninguém sai bem visto desta história de bling e de excesso. Mas ela serve como metáfora perfeita para o papel que ir às compras tem no País do Dinheiro. Quando há muito dinheiro em jogo, ninguém faz muitas perguntas. O dinheiro offshore inflacionou o preço de casas, de arte, de bom vinho, de iates. Derramou-se sobre o mercado de relógios caros, de carros de luxo, de roupas e de sapatos. Existe agora tanto dinheiro a flutuar por aí à procura de algo divertido em que possa ser gasto que criou todo um novo campo de estudos económicos, a que um analista bancário chama «plutonomia». E a ideia da plutonomia explica muito sobre como o País do Dinheiro se manifesta no mundo real. Mas antes de chegarmos a isso vamos ver casas. Constando do capítulo 16 designadamente o seguinte: «Numa plutonomia não existe algo como “o consumidor americano” ou “o consumidor do Reino Unido” ou sequer “o consumidor russo” escreveu Kapur. «Existem consumidores ricos, em pequeno número, mas desproporcionados na gigante fatia de rendimentos e consumo que representam. (…) Era um fenómeno novo, com possibilidades lucrativas para um investidor astuto. Se encontrássemos maneira de investir nas empresas que fabricam o tipo de produtos favorecidos por B … (a «princesa» angolana recém-casada com os vestidos de 200 mil dólares) ou EE … (o magnata ucraniano com uma estação de metropolitano em Londres), então podíamos lucrar com a desigualdade e talvez, com tempo, tornarmo-nos, nós próprios, plutonomistas. Nem tudo na análise de Kapur resistiu ao tempo. (…) Mas a sua abordagem económica era rigorosa. Identificou uma carteira de ações que beneficiavam com o tipo de compras favorecidas pelos residentes do País do dinheiro (…) «Os empreendedores/plutocratas de mercados emergentes (oligarcas russos, milionários chineses de imobiliário e fabrico, magnatas indianos do software, barões latino-americanos do petróleo e da agricultura), beneficiando desproporcionadamente da globalização, estão logicamente a diversificar para os mercados de ativos da plutonomias desenvolvidas», escreveu (…) as elites dos mercados emergentes gostam muitas vezes de gastar e de investir em plutonomias desenvolvidas em vez de o fazerem em casa». (…) Se os clientes de Kapur continuarem a investir nessas ações podem continuar a ganhar dinheiro com a subida da desigualdade, que poderão gastar em artigos de luxo, que vão fazer subir essas ações, que vão aumentar mais a desigualdade, pelo que vão vender-se mais artigos de luxo que vão fazer subir essas ações e por aí fora. Era um círculo virtuoso para quem tivesse a astúcia de investir nele. A mensagem básica era a mesma aprendida pela loja de vestidos de noiva de S …, ou pelos agentes imobiliários da zona ocidental de Londres: há muito dinheiro a ganhar por aqueles que não fizerem muitas perguntas sobre a origem do dinheiro.] g) A sinopse da citada obra publicada no site da 2.ª Ré, da autoria e responsabilidade desta, tem o seguinte teor: “A história dos super-ricos e corruptos que estão a roubar o mundo e a destruir a democracia. A democracia está a consumir-se a si própria, as desigualdades estão a aumentar e o sistema está a colapsar. Porquê? Porque em 1962 alguns banqueiros londrinos tiveram uma ideia que mudou o mundo. Essa ideia chamava-se offshore e significava que, pela primeira vez, os ladrões podiam sonhar em grande — podiam roubar tudo. Este livro é a estonteante história da riqueza e poder no século XXI — é uma viagem ao mundo oculto dos novos cleptocratas e criminosos globais, passando pelos países pobres em que o dinheiro público é roubado e pelos países ricos onde é investido. De Angola à Ucrânia, do Reino Unido a Malta, O País do Dinheiro denuncia as instituições que se estão a transformar em operações de lavagem de dinheiro. É também um alerta para a forma como a manipulação das leis de uns países afeta as fundações de outros, incluindo alguns dos países mais estáveis do mundo. O cenário é negro, mas ainda há tempo para resgatar a democracia das garras da corrupção.” h) O 1.º Autor foi indigitado como candidato e subsequentemente eleito para o cargo de Vice-Presidente da República de Angola, em setembro de 2017, por ser conhecido como um reformista e um homem da modernidade, de pensamento liberal e apoiante da política de luta contra a corrupção, num governo que tem esse objetivo como um dos seus principais. i) Para além disso, o 1.º Autor é conhecido advogado e professor universitário. j) O 1.º Autor sempre exerceu as suas funções, enquanto Ministro da Administração do Território e agora como Vice-Presidente da República de Angola, de forma íntegra, justa e prudente, como lhe é reconhecido, visando sempre a prossecução do interesse público. *k) O conhecimento da publicação da obra referida em e), em Portugal, levou a alguns comentários e perguntas de pessoas de círculos mais próximos dos Autores. l) Os Autores manifestaram sentimentos de ansiedade e angústia, junto das pessoas do seu círculo mais próximo, após o conhecimento da publicação da obra referida em e), em Portugal. *m) A publicação de notícias e comentários relacionados com a sua participação no programa de televisão “Say Yes To the Dress (Diz que sim ao Vestido)”, tem provocado sentimentos de angústia na 2.ª Autora. *n) E tem sido causa de desgaste do estado emocional da 2.ª Autora, refletindo-se na sua vida familiar e profissional, que aos dias de hoje, se encontra a tentar restabelecer. *o) O 1.º Autor é uma figura da vida política da República de Angola e segunda figura do Estado de Angola existindo manifesto interesse público na publicação de notícias que possam estar afetas a condutas indiciantes de práticas contrárias ao bom uso do poder público. p) A 2.ª Autora, filha do 1.º Autor, participou num programa televisivo. q) Os Autores são pessoas de bem, vistas pelos seu pares, familiares, amigos e conhecidos como pessoa sérias e honestas. r) O 1.º Réu estudou História na Universidade de Oxford, tendo, no início da sua carreira, trabalhado como jornalista na Rússia e noutros países da antiga União Soviética, entre 1999 e 2006, colaborando com vários órgãos de comunicação social locais e, mais tarde, com a agência Reuters. s) Atualmente, na qualidade de jornalista freelancer, o 1.º Réu prestando serviços para o jornal britânico “The Guardian”, para a revista “GK”, para o “New York Times”, para a “BBC”, entre outros órgãos de comunicação social britânicos, participando também em conferências internacionais sobre criminalidade financeira e corrupção. t) A obra “Moneyland: Why Thieves And Crooks Now Rule The World And How To Take It Back”, da autoria do 1.º Réu, foi publicada em 2018, em língua inglesa, no Reino Unido. *u) O livro “Moneyland” trata-se de uma obra de não-ficção, sobre a desigualdade de distribuição de riqueza pelo mundo, os mecanismos jurídico-fiscais de planeamento fiscal, nomeadamente, as offshores, táticas de corrupção e dinâmicas de poder das pessoas mais ricas do mundo. v) A obra “Moneyland” foi muito bem acolhida pela imprensa britânica e internacional, tendo sido indicada, em 2018, como Livro do Ano sobre Negócios pelo Sunday Times, como Livro do Ano sobre Política e Temas Atuais pelo Economist, bem como o Livro do Ano pelo Daily Mail, para além de ter sido nomeada para o Prémio Orwell, em 2019. w) A obra “Moneyland” foi considerada pela crítica britânica como uma obra relevante de jornalismo de investigação sobre corrupção e sobre a desigualdade na distribuição da riqueza mundial. x) O livro “O País do Dinheiro – A História dos Super-ricos e Corruptos que Estão a Roubar o Mundo e a Destruir a Democracia” é a versão em língua portuguesa do livro “Moneyland: Why Thieves And Crooks Now Rule The World And How To Take It Back”. y) A “Vogais” é uma chancela da 2.ª R. especializada na publicação de não-ficção e ensaio para o grande público adulto, eminentemente virada para a sociedade contemporânea e abrangendo os géneros de Biografia/Memórias, Ciências, Economia e Gestão, História, Temas Atuais e Política. *z) Para além do mais, a obra “O País do Dinheiro – A História dos Super-ricos e Corruptos que Estão a Roubar o Mundo e a Destruir a Democracia” faz referência a vários países da CPLP, o que também desperta a atenção do público falante de língua portuguesa. aa) Em maio de 2016, o 1.º Réu celebrou um contrato com a editora britânica Profile Books, à qual conferiu direitos exclusivos para comercializar o seu livro “Moneyland”, de forma independente e autónoma, em todo o mundo. bb) A Profile Books celebrou um contrato com a 2.ª Ré, conferindo direitos para a publicação e venda do livro “Moneyland” em língua portuguesa, exclusivamente em Portugal e não exclusivamente em qualquer outra parte do mundo, exceto no Brasil. cc) O capítulo 14 do livro “O País do Dinheiro”, referido em f) inicia-se com uma descrição do episódio 16, intitulado “V.I. S …”, da temporada 13 do programa televisivo “Say Yes to the Dress”, exibido em 22 de maio de 2015. dd) A 2.ª Autora escolheu ser protagonista de um episódio especial do programa “Say Yes to the Dress”, que está no ar desde 2007 até aos dias de hoje e que conta com milhões de espectadores em todo o mundo, sendo originalmente divulgado no canal de televisão norte-americano TLC e também na plataforma de streaming Netflix. ee) O episódio “V.I. S …” foi dedicado a três noivas da alta-sociedade internacional, com “orçamentos ilimitados”, entre elas, a 2.ª Autora, que tiveram, nesse dia, acesso exclusivo à loja Kleinfeld Bridal em Manhattan, Nova Iorque, nos Estados Unidos da América, para um encontro privado e prova de vestidos com a designer israelita S …. ff) Ao longo do episódio, o narrador afirma que B …, comprou 9 vestidos, entre eles, 2 vestidos de noiva, 6 vestidos para as damas de honor e 1 vestido para sua mãe, para além de acessórios, joias e personalizações adicionais. gg) Durante a sua participação no programa a 2.ª Autora afirma “eu vou ter um casamento grande com 800 pessoas”. hh) De seguida, a 2.ª Autora surge a experimentar o seu primeiro vestido de noiva, para a cerimónia mais pequena, onde só estará a sua família, dizendo a estilista S … “e o preço deste vestido são 30 mil dólares”; e um pequeno véu, sendo indicado como preço do véu 500 dólares. ii) A 2.ª Autora experimenta, depois, o segundo vestido de noiva, para a cerimónia principal, sendo indicado como preço o valor de 25 mil dólares, com uma “saia-surpresa” para a qual é indicado como preço 10 mil dólares, um véu sendo indicado como preço 5 mil dólares e que contou com personalizações no valor indicado de 5 mil e 500 dólares. jj) Segue-se a prova do vestido da mãe da noiva, aqui 2.ª Autora, dizendo a estilista S … “o vestido da mãe da B …, custa 30 mil dólares”. kk) Os valores acima referidos são divulgados no episódio à medida que é feita a prova dos vestidos. ll) No decurso do episódio estilista S … afirma “a B …, comprou 6 vestidos de dama de honor, por 15 mil dólares cada”. mm) No final do episódio, o apresentador e designer de moda, I …, afirma: “A B … gastou mais hoje do que qualquer outra noiva na história da Kleinfeld. Saindo daqui com um total de nove originais S …, uma saia-surpresa, personalização e acessórios, num total de 200 mil dólares”. nn) No episódio é ainda feita referência à circunstância de a 2.ª Autora ter voado de África para vir até à loja de vestidos de noiva em Nova Iorque e “ser praticamente realeza no seu país”. oo) Em 19 de junho de 2015, o website angolano denominado Clube K publicou a notícia com o teor do doc. 4 junto com a Contestação cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. pp) O 1.º Autor publicou, em 25 de junho de 2015, na rede social Facebook um texto em resposta à notícia do Clube K, com o teor do doc. 5 junto com a Contestação cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. qq) A reação do 1.º Autor foi publicada pela página “Observador Político” na rede social Facebook e reproduzida pela Rede Angola. rr) Em julho de 2007 [trata-se de lapso de escrita – leia-se 2017], previamente à publicação da obra em causa nos autos, o 1.º Réu trocou correspondência com V …, diretor de operações da marca S …, com o teor do doc. 6 junto com a Contestação cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. ss) Na mesma data e circunstancialismo, 1.º Réu, contactou com o canal TLC, enviando a … a comunicação com o teor do doc. 7 junto com a contestação cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, à qual nunca obteve resposta. *tt) Angola não é referida na obra em causa nos autos exclusivamente com referência aos Autores. Na sentença recorrida foram considerados não provados os seguintes factos (a numeração foi acrescentada neste Tribunal da Relação; assinalámos com asterisco os pontos impugnados): *1 – Não se provou que no capítulo 14, referido em f) dos factos provados, o 1.º Réu recorre a pensamentos hipotéticos e presuntivos, sem qualquer adesão à realidade, nem em factos concretos e objetivos. 2 – Nada se provou quanto às fontes de rendimento do 1.º Autor, nem à declaração de bens pelo mesmo apresentada junto das competentes autoridades angolanas. *3 – Não se provou que a conduta dos Réus sujeitou os Autores a uma considerável descredibilização em face da opinião pública e do seu círculo pessoal e profissional. *4 – Não se provou que o conhecimento da publicação da obra referida em e), em Portugal, levou a comentários e perguntas de pessoas de círculos mais afastados dos Autores sobre o porquê das acusações. *5 – Não se provou que o conhecimento da publicação da obra referida em e), em Portugal, sujeitou os Autores a comentários nos círculos políticos e sociais de Angola, mas também a juízos de caráter em redes sociais em Angola e em Portugal. *6 – Não se provou que o conhecimento da publicação da obra referida em e), em Portugal, levou a que os Autores vissem escritos sobre si múltiplos artigos de imprensa e opinião que davam como facto assente a origem ilegal dos fundos para os vestuários e acessórios para a cerimónia e, portanto, práticas de corrupção e desvio de fundos, umas vezes mais explícitos, outras vezes menos. *7 – Não se provou que o conhecimento da publicação da obra referida em e), em Portugal, levou a que os Autores tivessem de dar explicações sobre tais factos. *8 – Não se provou que o conhecimento da publicação da obra referida em e), em Portugal, levou a uma avalanche de comentários expressos ou velados que davam conta do uso indevido de fundos do Estado para custear uma cerimónia privada. *9 – Não se provou que a 2.ª Autora tivesse evitado contactos sociais, nem que o 1.º Autor tivesse reduzido contactos sociais, políticos e diplomáticos, sempre que tal lhe foi possível, num período imediatamente subsequente à publicação do livro em Portugal, e consequente nova onda de comentários sobre os alegados factos aí retratados. *10 – Não se provou que existiu um quadro de depressão e ansiedade que se abateu sobre os Autores, em particular sobre a 2.ª Autora, seja por aquilo que de si diziam, seja pela circunstância de afetar a imagem de seu pai, enquanto governante. *11 – Não se provou que a publicação da obra, em Portugal, sujeitou o 1.º Autor a uma descredibilização social e política, em face da opinião pública de Portugal, mas também de Angola. *12 – Não se provou que tal descredibilização tem vindo a assombrar o 1.º Autor com um enorme sentimento de tristeza, nem que o sujeitou a uma elevada perda de consideração social, que o mesmo, aos dias de hoje, ainda se encontra a tentar restabelecer. *13 – Não se provou que a conduta dos Réus sujeitou os Autores a uma considerável descredibilização em face da opinião pública e do seu círculo pessoal e profissional. *14 – Não se provou que o 1.º Autor chegou a experienciar momentos de angústia extrema quando o interrogaram sobre a sua idoneidade e sobre os objetivos a que se propôs no seu mandato, como se de um “criminoso” se tratasse. *15 – Não se provou que a publicação da obra, em Portugal, tenha tido consequências nefastas para a carreira política do 1.º Autor. *16 – Não se provou que a 2.ª Autora, após a publicação da obra em Portugal, passou a ser alvo de notícias e pedidos de esclarecimentos sobre o seu casamento, a sua parceria com a estilista S … e a gestão política do seu pai, o 1.º Autor. *17 – Não se provou que o 1.º Réu não tivesse precedido a elaboração da obra referida em e) de qualquer investigação e/ou confirmação junto dos Autores. 18 – Nada se provou quanto ao reconhecimento dos Autores na sociedade portuguesa e na sociedade angolana. 19 – Não se provou que o 1.º Réu celebrou um contrato com a 2.ª Ré, para efeitos de tradução, publicitação, distribuição e venda da obra referida em e) em Portugal. *20 – Não se provou que foi através da publicação e venda da obra referida em e), em território português, que os Autores tiveram conhecimento do seu teor. *21 – Não se provou que as notícias sobre a aquisição de um vestido de noiva por “duzentos mil euros” consubstanciaram “fake news”. *22 – Não se provou que a 2.ª Autora assista com extremo pesar e angústia às consequências nefastas que o “tema do seu casamento” tem vindo a trazer para a carreira política do seu pai, e para o seu desgaste emocional e físico, em decorrência e na sequência da publicação e venda da obra referida em e), em território português e na língua portuguesa. *23 – Não se provou que a 2.ª Autora tenha, com um sentimento de embaraço e humilhação, passado a ser alvo de notícias e pedidos de esclarecimentos sobre o seu casamento, a sua parceria com a estilista S …, e a gestão política do seu pai, o 1.º Autor, em decorrência e na sequência da publicação e venda da obra referida em e), em território português e na língua portuguesa. *24 – Não se provou que a situação emocional vivida pela 2.ª Autora referida em m) e n) dos factos provados tivesse surgido surja em decorrência e na sequência da publicação e venda da obra referida em e), em território português e na língua portuguesa. *25 – Não se provou que os valores indicados como preço dos vestidos e acessórios ao longo do episódio do programa “Say Yes to the Dress” referido em dd) não correspondam à realidade. Da modificação da decisão da matéria de facto Alínea o) Foi considerado provado que: O 1.º Autor é uma figura da vida política da República de Angola e segunda figura do Estado de Angola existindo manifesto interesse público na publicação de notícias que possam estar afetas a condutas indiciantes de práticas contrárias ao bom uso do poder público. Na sentença constam a este respeito (e de outros factos tidos por plenamente provados) a seguinte motivação: “No julgamento da matéria de facto atendeu o Tribunal à matéria aceite pelos RR. na sua contestação julgando assim provada a relação de parentesco entre os AA., não obstante não ter sido junta aos autos prova documental quanto à mesma, nomeadamente, certidão do assento de nascimento da 2ª A., tendo em conta que tal facto é tão só instrumental relativamente à causa de pedir. Por ter sido aceite pelos RR., o Tribunal julgou igualmente provada a matéria relativamente aos cargos políticos exercidos pelo 1º A.. Aceitaram igualmente os RR. os factos alegados pelos AA. respeitantes à profissão do 1º R. e atividade desenvolvida pela 2ª R. e os relativos à publicação e autoria da obra em causa nos presentes autos, bem como à autoria da sinopse imputada à 2ª R.. Por seu turno, os AA. aceitaram igualmente os factos alegados pelos RR. respeitantes, respetivamente à sua formação, profissão e atividade; bem como à publicação da obra em língua inglesa e à data em que tal ocorreu. Com este fundamento o Tribunal julgou provada a matéria das alíneas a) a j); o) a u), x) e y) dos factos provados.” Os Apelantes defendem que deverá dar-se como provado que: “O 1.º Autor é uma figura da vida política da República de Angola e segunda figura do Estado de Angola, e, por isso, pode ser do interesse público a publicação de notícias que sejam afetas a condutas indiciantes de práticas contrárias ao bom uso do poder político”. Argumentam, em síntese, que: a matéria constante da segunda parte da referida alínea o) comporta juízos conclusivos reconduzíveis a matéria de direito, que não deveriam constar do rol de “factos provados”, mas antes na subsunção jurídica, no que diz respeito à efetiva “existência” de “manifesto interesse público” na publicação de todas e quaisquer notícias “que possam estar afetas a condutas indiciantes” do Apelante enquanto Vice-Presidente. Os Apelados discordam, defendendo, em síntese, que não existe qualquer erro de julgamento que justifique a alteração em apreço, porque, de facto, será sempre do interesse público qualquer notícia sobre os titulares sobre titulares de cargos políticos que indiciem práticas contrárias ao bom uso do poder público. Vejamos. É sabido que na decisão da matéria de facto, o Tribunal apenas pode considerar, elencando-os como provados ou não provados, os factos substantivamente relevantes, isto é, os factos essenciais que integram a causa de pedir e as exceções (incluindo as contra exceções) alegados pelas partes, bem como os factos complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa (cf. artigos 5.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC). Isto significa que não devem ser elencados nessa sede as alegações de direito e/ou as meras conclusões sobre conjuntos de factos quando envolvam juízos de valor acerca dos mesmos “para cuja formulação é necessário fazer apelo a regras jurídicas ou à sensibilidade e intuição do jurista”; tais alegações ou conclusões não se confundem com os factos propriamente ditos ou “juízos (puros) de facto” (isto é, ocorrências concretas da vida real, incluindo as realidades puramente psicológicas), nem com os “juízos de valor acerca dos factos” baseados unicamente em critérios próprios do homem comum (nas palavras impressivas do sumário do acórdão do STJ de 01-07-1999, no proc. n.º 99B582, disponível em www.dgsi.pt). Com efeito, uma alegação de facto corresponde a uma realidade objetiva passível de ser apreendida por um qualquer meio de prova, distinguindo-se das conclusões jurídicas, cuja resposta é dada por via da interpretação e aplicação das regras de direito aos factos considerados como provados. Aliás, quanto a estas regras, independentemente de impugnação da decisão da matéria de facto no recurso (que quanto à alínea em apreço até existiu), o Tribunal superior não está vinculado ao que foi decidido na sentença (cf. art. 5.º, n.º 3, do CPC). A jurisprudência tem mesmo vindo a entender que tudo se passa como se tais conclusões, que no fundo são a resposta a questões jurídicas, fosse de considerar não escrita. Neste sentido, veja-se o acórdão da Relação do Porto de 07-10-2013, proferido no proc. n.º 488/08.1TBVPA.P1, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança do respetivo sumário: “Na vigência do Código de Processo Civil anterior, mas igualmente após 1.09.2013, ocasião em que passou a vigorar a Lei 41/2003, de 26 de junho (NCPC) a matéria de facto à qual há que aplicar o direito tem de cingir-se a verdadeiros factos e não a questões de direito ou a meros juízos conclusivos. Neste sentido, a revogação do artigo 646, n.º 4 do anterior CPC, não significa que o princípio nele estabelecido haja sido alterado.” Veja-se ainda o acórdão do STJ de 07-05-2014, proferido no proc. n.º 39/12.3T4AGD.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt, designadamente a seguinte passagem do respetivo sumário: “I - Compete ao Supremo Tribunal de Justiça, por tal constituir matéria jurídica, apreciar se determinada asserção – tida como “facto” provado – consubstancia na realidade uma questão de direito ou um juízo de natureza conclusiva/valorativa, caso em que, sendo objeto de disputa das partes, deverá ser julgada não escrita.” Numa outra perspetiva, com resultado equivalente, se pronuncia Paulo Ramos de Faria, no seu artigo “Escrito ou não escrito, eis a questão! (A inclusão de proposições de direito na pronúncia de facto)”, publicado na Revista Julgar Online, novembro de 2017, em que o autor explica a razão de ser do preceito constante do art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC, concluindo que “é manifestamente errada a inclusão de proposições de direito na pronúncia de facto. Sinalizado o erro, tais proposições devem ser tidas por imprestáveis, inúteis ou irrelevantes – vale qualquer predicação que evidencie a sua inidoneidade para, no lugar de um facto, servir de premissa ao silogismo judiciário –, mas nunca por inexistentes ou não escritas.” No caso em apreço, entendemos que a circunstância de existir ou poder ser do “interesse público a publicação de notícias que possam estar afetas a condutas indiciantes de práticas contrárias ao bom uso do poder público” não constitui nenhum facto, mas uma consideração que apenas tem cabimento em sede de fundamentação de direito, pelo que não deve constar do elenco dos factos provados. Assim, elimina-se a parte impugnada da alínea o), passando esta a ter o seguinte teor: o) O 1.º Autor é uma figura da vida política da República de Angola e segunda figura do Estado de Angola. Alínea u) Foi dado como (plenamente) provado, em u), com a motivação acima citada, que o livro “Moneyland” trata-se de uma obra de não-ficção, sobre a desigualdade de distribuição de riqueza pelo mundo, os mecanismos jurídico-fiscais de planeamento fiscal, nomeadamente, as offshores, táticas de corrupção e dinâmicas de poder das pessoas mais ricas do mundo. Os Apelantes, invocando o alegado no art. 11.º da Contestação e o depoimento de parte do Réu, defendem que deverá ser acrescentado o seguinte: «pretendendo demonstrar ao leitor que coexistem dois sistemas: um para o cidadão comum, dentro da legalidade, e outro para os Super-Ricos que vivem no seu próprio País o “País do Dinheiro”, onde as regras são contornadas, a riqueza é acumulada, e onde não existem consequências para o incumprimento da lei.» Os Apelados discordam, defendendo que a pretensão dos Autores serve o propósito ilegítimo de manipular as palavras do Réu C … Lda. de forma a tentar descortinar uma ofensa que, simplesmente, não existe. Vejamos. Desde já adiantamos que foi ouvida na íntegra, neste Tribunal da Relação, a gravação da prova produzida em audiência de julgamento, incluindo o referido depoimento de parte. Em bom rigor, os Apelantes não questionam a matéria vertida na alínea u), não impugnando a decisão de facto a esse respeito, apenas clamam pelo aditamento de matéria supostamente alegada no art. 11.º da Contestação. Nesse artigo da Contestação, foi alegado que o livro demonstra “ao leitor que coexistem, atualmente, dois sistemas: um, feito de regras apertadas e taxação efetiva, ao qual a maioria das pessoas está sujeita, e outro, dos multimilionários e poderosos, em que as regras são contornadas, a riqueza é acumulada, e onde não existem grandes consequências para o incumprimento da lei”. Ora, isto, em nosso entender, não constitui um facto substantivamente relevante, mas uma conclusão – sem interesse para o caso - apenas passível de ser (ou não) retirada da leitura e análise do livro, no seu conjunto. Parece-nos que o objetivo dos Apelantes ao pugnarem pelo aditamento em apreço, é, conforme resulta das considerações que fazem (por vezes confundindo questões de facto e questões de direito), convencer o Tribunal de que o Réu quis incluir o Autor na lista dos “Super-ricos” e corruptos a que alude no seu livro. Porém, não foi alegado no referido art. 11.º da Contestação [do qual emerge a matéria vertida na referida al. u)], que o Réu, autor da obra, pretendia demonstrar isso com a mesma. Aliás, não está sequer alegada a intenção do Réu ao escrever o livro (muito menos a que subjaz à edição do mesmo – traduzido – em Portugal, pela Ré). Neste contexto, saber se o livro demonstra ou não o que os Apelantes ora afirmam (sendo certo que um livro nada pode pretender e quanto muito será o seu autor que pretende ou não demonstrar um ponto de vista) é um exercício que nada tem a ver com a (re)apreciação da prova, mas com uma análise ou interpretação da própria obra, em particular do Capítulo 14. Julgamos, pois, que o Tribunal recorrido entendeu (e bem) que não deveria dar como provada esta parte da alegação, improcedendo as conclusões da alegação de recurso a este respeito. Alínea z) Foi dado como provado em z) que “Para além do mais, a obra “O País do Dinheiro – A História dos Super-ricos e Corruptos que Estão a Roubar o Mundo e a Destruir a Democracia” faz referência a vários países da CPLP, o que também desperta a atenção do público falante de língua portuguesa”. Na motivação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida refere-se a este respeito que: “Provaram (os Réus) igualmente os factos assim julgados em v), w) e z) dos factos provados, referindo-se amplamente a testemunha …, sobre a repercussão do livro particularmente junto do publico britânico e anglo-saxónico, bem como aos prémios a que foi indicado e referindo-se a testemunha M … aos motivos que levaram a tomar a decisão de pulicar a obra em Portugal.” Os Apelantes, invocando o depoimento de parte do Réu e a leitura integral da obra, defendem que deveria ser dado como provado que: Na obra “O País do Dinheiro – A História dos Super-ricos e Corruptos que Estão a Roubar o Mundo e a Destruir a Democracia” apenas se faz referência a 2 (dois) países da CPLP, Angola e Guiné Equatorial.” Os Apelados discordam, alegando que não se vislumbra diferença essencial entre “vários” e “dois”, verificando-se ao longo da obra a pluralidade de referências a países da CPLP, pelo que inexiste qualquer erro de julgamento. Vejamos. O facto de a referência a países da CPLP na obra em apreço despertar a atenção do público falante de língua portuguesa quedou demonstrado, face ao que foi dito pelas partes e pelas testemunhas, sendo, aliás, perfeitamente normal que numa obra publicada em língua portuguesa possa chamar mais a atenção dos leitores aquilo que é afirmado a respeito dos países que integram a CPLP, pelo que apenas importa verificar se os países mencionados são apenas os ora indicados pelos Apelantes. No seu depoimento de parte, o Réu nada referiu, antes pelo contrário, que justifique a alteração pretendida, tanto assim que, conforme consta da transcrição do seu depoimento (traduzido), o Réu disse achar que “não se faz referência a todos os países da CPLP. Só faz referência a dois. Angola e Brasil”, desculpando-se porque “não conhece exatamente quais são os países que fazem parte da CPLP. Admite que possa haver outros que ele desconheça”. Lido na íntegra o livro em apreço (e consultado o índice remissivo da obra), verificámos que não assiste razão aos Apelantes. Na verdade, além das referências a Angola e à Guiné Equatorial, encontram-se referências a “tantas ex-colónias” e “novas nações de África”, não se podendo excluir, pois, excluir que incluam outros países africanos da CPLP. Além disso, existem várias referências ao Brasil e a funcionários brasileiros, designadamente nas páginas 238, 280, 291 e 343. Assim, mantem-se inalterada neste particular a decisão da matéria de facto. Alínea tt) Foi dado como provado que: Angola não é referida na obra em causa nos autos exclusivamente com referência aos Autores. Os Apelantes pretendem que seja dado como provado que: “tt) O exemplo ilustrativo do País de Angola como um dos países pobres em que o dinheiro público é roubado e investido num país rico, e as personalidades responsáveis por atos dessa natureza, vem retratado com exclusividade no Capítulo 14, tendo como protagonistas os aqui Recorrentes.” Alegam, para tanto e em síntese, que da leitura dos vários capítulos da Obra resulta que o único Capítulo onde o País de Angola vem retratado é o capítulo 14, sendo que as menções a “Angola” e à “Eng. L …” (cf. fls. 21 e 22), consubstanciam menções genéricas, e a menção no capítulo 16 é também por referência ao exemplo da compra da Autora. Invocam ainda, sublinhando que Angola é mencionada na sinopse da obra, como “suporte probatório” da caraterização que fazem desse país (“um dos países pobres em que o dinheiro público é roubado e investido num país rico, e as personalidades responsáveis por atos dessa natureza”), os depoimentos das testemunhas P … e M …, bem como o documento 5 junto com a Petição Inicial. Por seu turno, defendem os Apelados a falta de razão dos Apelantes, já que, no capítulo 14, não consta a afirmação de que “o dinheiro público é roubado e investido num país rico” nem tão pouco se alude a “personalidade responsáveis por atos dessa natureza”. Apreciando. Não pode ser acolhida a pretensão dos Apelantes. De salientar que o facto vertido em tt) foi alegado pelos Réus (cf. 102.º da Contestação). Os Apelantes não se limitam a pugnar agora, na sua alegação recursória, pela eliminação do mesmo do elenco dos factos, antes aproveitam para o “transfigurar” numa nova alegação de facto, atinente a matéria que não alegaram na Petição Inicial, o que nos parece inaceitável (cf. art. 5.º do CPC). Além disso, da simples leitura do capítulo 14 resulta evidente que Angola não é aí referida “exclusivamente com referência aos Autores”, sendo descabido qualificar como “genéricas” as menções feitas a esse país e a L …. Pelo contrário, nesse capítulo são feitas referências concretas a J … e à sua filha L …, não se compreendendo que os Autores não admitam que possam ser estes (e eles próprios) os visados pelo subtítulo do livro. Aliás, tanto Angola, como L …, são visados noutras partes do livro, sem qualquer referência aos Autores, designadamente na sinopse e nas págs. …, …, …, … e …, merecendo destaque a pág. 22, onde se refere designadamente que: “isto é típico de muitos países em vias de desenvolvimento que têm sido destruídos pela corrupção. A filha do presidente que mais tempo esteve em exercício em Angola tornou-se na mulher mais rica de África, pavoneando-se pelo Ocidente como uma celebridade, enquanto a sua nação tenta sobreviver no que é, na prática, um Estado falhado”. O documento 5 junto com a Petição Inicial é uma fotocópia de acusação particular e despacho do Ministério Público a acompanhá-la, no âmbito de processo crime, em que era arguido … e os Autores assistentes, não tendo nenhuma relevância probatória para o caso. Em parte alguma dos seus depoimentos é afirmado pelas aludidas testemunhas aquilo que os Apelantes agora pretendem ver aditado ao elenco dos factos provados, improcedendo, neste particular, as conclusões da alegação de recurso. Ponto 1 Foi dado como não provado que, no capítulo 14, referido em f) dos factos provados, o 1.º Réu recorre a pensamentos hipotéticos e presuntivos, sem qualquer adesão à realidade, nem em factos concretos e objetivos. A motivação que da sentença consta a este respeito é designadamente a seguinte: «Tendo em conta o caráter conclusivo e subjetivo da generalidade das alegações feitas pelos AA., no que à qualificação do teor dos escritos produzidos pelos RR. na obra em causa respeita, as mesmas, naturalmente serão objeto de apreciação em sede de fundamentação jurídica e não fática, tendo em conta os factos aceites no que respeita ao conteúdo e autoria dos escritos. Ainda assim, poderemos nesta sede desde já afirmar que os AA. não lograram provar que o 1º R. recorreu a pensamentos hipotéticos e presuntivos, sem qualquer adesão à realidade, nem em factos concretos e objetivos no capítulo 14 da obra em causa. Com efeito, ainda que a alegação dos AA. ao referirem-se a pensamentos hipotéticos e presuntivos, sem qualquer adesão à realidade, também contenha um juízo valorativo e conclusivo, extraímos factualmente desta alegação, a imputação da falta de correspondência do alegado a factos concretos e objetivos. Ora, não lograram os AA. provar que o 1º R. no capítulo 14 da sua obra, não se tivesse baseado em factos concretos e objetivos. Vejamos: No que respeita à identificação dos AA. e à sua relação de parentesco, provou-se por aceitação dos AA., que o 1º R. se recorreu a factos concretos e objetivos, o mesmo se dizendo quanto ao cargo político exercido pelo A. à data dos factos. Quanto à participação da 2ª A. no episódio do programa “Say Yes to the Dress” reproduzida no capítulo em causa, tal facto foi confessado pela mesma em sede de depoimento de parte, tendo-se procedido à respetiva assentada, estando igualmente demonstrado pelo teor do documento de vídeo junto aos autos pelas RR. com a sua contestação. Diga-se, desde já, que com este fundamento julgou o Tribunal provados os factos indicados nas alíneas cc) a nn) dos factos provados. Procuraram os AA. provar nos autos que os valores indicados no episódio do programa televisivo em causa, e que foi reproduzido pelo 1º R., não correspondiam aos valores efetivamente pagos pelos vestidos adquiridos, porém sem sucesso. Da assentada feita na sequência do depoimento de parte da 2ª A. extrai-se: “no que respeita aos valores indicados nem todos correspondem aos valores efetivamente pagos pelos vestidos, por não corresponder ao preço de custo dos mesmos, quer por ter sido feito um desconto ao preço de custo inicialmente indicado”, não obstante esta declaração, não conseguiu a 2ª A. indicar qualquer concreto valor que correspondesse ao montante efetivamente pago pelos vestidos adquiridos. Também o 1º A. nas suas declarações de parte negou que o valor pago pelos vestidos fosse o publicitado no referido programa televisivo, sem conduto indicar qual o valor concretamente pago. No mesmo sentido foi o depoimento das testemunhas D … e E …, respetivamente madrinha e prima e dama de honra da 2ª A. no seu casamento, as quais afirmando que o valor publicitado não correspondia ao valor pago pelos vestidos, não conseguiram indicar, nem sequer aproximadamente, o valor que efetivamente foi pago pelos mesmos, pelo 1º A. e/ou pelos seus familiares, nomeadamente, pela madrinha da noiva. Da apreciação dos documentos juntos aos autos pelos AA. com o req. Refª. …, os quais consubstanciam documentos contabilísticos, não resulta igualmente provada a alegada falta de conformidade entre os valores publicitados e os valores pagos. Com efeito, as notas de encomenda respeitam a 7 vestidos de noiva, quando a 2ª A. confessou que adquiriu um total de 9 vestidos, a fratura proforma é por si só ininteligível dado que se refere a 52 vestidos de noiva, 11 vestidos de noite e 18 acessórios, o que não tem qualquer correspondência com os demais factos provados nos autos, sendo que, nenhum dos documentos juntos se reporta a montantes efetivamente pagos para a aquisição dos vestidos. Por outro lado, quanto às notícias vindas a público em Angola através do website Club K e da resposta dada pelo 1º A. à data na rede social Facebook, confessou o 1º A. ter escrito o conteúdo da resposta, estando a notícia do Clube K provada através do teor do doc. 4 junto aos autos com a contestação. Com este fundamento julgou o Tribunal provados os factos indicados nas alíneas oo) a qq) dos factos provados. Quanto às afirmações feitas pelo 1º R. relativas à situação financeira e patrimonial do 1º A., nenhuma prova produziu o mesmo em juízo, no sentido da sua efetiva capacidade financeira, nenhuma prova tendo produzido quanto aos seus efetivos rendimentos. Por último, as referências feitas pelo 1º R. à situação económica de Angola, estão indicadas as fontes pelo 1º R., não produzindo os AA. qualquer prova no sentido de as mesmas serem falsas. Com este fundamento julgou o Tribunal não provado que o 1º R. não (trata-se de lapso de escrita este “não”) tivesse recorrido a factos concretos e objetivos, nenhuma prova os AA. tendo feito no sentido da falsidade das fontes indicadas pelo 1º R..» Os Apelantes pretendem que seja dado como provado o facto vertido no ponto 1, invocando designadamente os depoimentos de parte dos Autores e do Réu, bem como os depoimentos das testemunhas D …, D …, F … e G …, o Documento 4 da Contestação, a “interpretação do capítulo 14”, o Requerimento que apresentaram em 23-02-2023, aludindo ainda às cópias de duas notícias datadas de 1999 juntas pelos Réus com o seu Requerimento de 08-02-2023; argumentam, em síntese, não corresponder à verdade o que é afirmado nos parágrafos 11.º (não ser verdade que a Autora tenha gastado 200 mil dólares na Loja Kleinfeld Bridal aquando da compra dos seus vestidos); não serem inocentes as referências feitas nos parágrafos 15.º e 16.º (ao Presidente de Angola, J …, e à sua filha, L …); não ser verdade que o Autor tenha ido a uma rádio condenar o trabalho da ONG como é referido no parágrafo 20.º (antes foi uma estação de rádio que convidou o Autor para uma entrevista sobre a sua recente nomeação como Líder Parlamentar do Partido do Governo, tendo aproveitado para incluir esse tópico), tendo o Réu, com a menção feita, como objetivo único fazer a associação do Autor ao anterior regime governativo e às alegadas práticas de corrupção e branqueamento de capitais do anterior Presidente J … e da sua filha L …; não ser puramente factual, descritivo e rigoroso o que consta dos parágrafos 22.º a 28.º. Os Apelados discordam, defendendo, em síntese, que: os Autores não lograram demonstrar qual foi o preço efetivamente pago pelas compras, sendo divulgado no episódio de “Say Yes to the Dress”, ao que tudo indica sem contestação por parte da Autora, que o valor gasto foi “mais de 200 mil dólares”; o Réu fez uma análise sobre os factos descritos no programa e articulou a sua opinião informada sobre os mesmos, não lhe estando vedado, a partir desses factos, formular hipóteses e presunções baseadas na experiência comum, como é próprio das obras de não ficção destinadas a estimular o pensamento crítico do leitor. Vejamos. Parece-nos que foi com alguma benevolência que o Tribunal recorrido considerou que se poderia ver um facto na afirmação genérica vertida no ponto 1 em apreço, pois, em bom rigor, o que importava era que os Autores tivessem, logo na sua Petição Inicial, identificado todas as afirmações feitas no capítulo que reputavam como falsas, isto é, “sem qualquer adesão à realidade”, ou seja, as concretas passagens do capítulo que consideravam visá-los, tendo em vista demonstrarem que não eram verdadeiras. Na sua alegação recursória, os Apelantes procuraram concretizar essa afirmação genérica, referindo-se ao conteúdo de alguns parágrafos do capítulo, mas não cuidaram de propor uma redação alternativa que permitisse concretizar o que, de tão vago, se torna substantivamente irrelevante. Tanto assim que, em várias passagens da sua alegação, os Apelantes vêm defender que a prova de outros factos (por exemplo, os vertidos nos pontos 21, 25) também releva para a prova de que o douto Tribunal a quo errou ao julgar não provada esta alegação (genérica). Aliás, até nos parece que o Tribunal recorrido adotou essa formulação por razões práticas, em ordem a motivar a sua decisão quanto ao elenco dos factos não provados (que não numerou), tecendo um conjunto alargado de considerações, ao invés de optar por uma fundamentação direcionada especificamente a cada um dos diferentes pontos (ou grupos de pontos). Desde já adiantamos que os elementos probatórios que os Apelantes ora indicam não nos permitiram formar a convicção de que o Réu tenha, no aludido capítulo, vertido ou recorrido a pensamentos hipotéticos e presuntivos, sem qualquer adesão à realidade, nem em factos concretos e objetivos. Contrariamente ao que defendem, é manifesto, pela simples leitura da obra em apreço, que na mesma, em particular no aludido capítulo, é feita a descrição de factos concretos e objetivos - além de veiculada uma opinião crítica a esse respeito -, bem como das fontes consultadas. Tais factos e fontes não foram inventadas pelo Réu, como resulta claríssimo do conjunto da prova produzida, em particular das declarações prestadas pelas partes, do depoimento da testemunha … e dos documentos 3 e 4 (vídeo do programa “Say Yes to the dress” e impressão de publicações feitas no Club-K, respetivamente) juntos com a Contestação. É evidente que a principal “fonte de inspiração” do capítulo é o episódio da série da TLC “Says yes to the dress” – cuja existência está demonstrada e foi até confessada pelos Autores, tendo sido visionado por este Tribunal o vídeo junto como doc. 3 com a Contestação, sendo certo que estão provados um conjunto de factos a esse respeito - cf. alíneas dd), ee), ff), gg), hh), ii), kk), ll), mm), nn). Do referido capítulo 14 consta uma descrição, em jeito de crítica, desse episódio do programa que contou com a participação da Autora (e respetivas acompanhantes, uma das quais a mãe), em que são mencionados, por um funcionário da loja Kleinfeld Bridal, os preços dos nove vestidos (dos quais dois vestidos de noiva) que foram comprados para o casamento da Autora e que a compra dos mesmos ascendeu a 200 mil dólares. Do visionamento do vídeo desse episódio televisivo, resulta, sem dúvida, para qualquer “espetador médio”, a impressão de que a Autora foi considerada (uma noiva) VIP por o seu pai ser um alto dignatário angolano cujo elevado estatuto sócio económico permitia proporcionar à sua filha a concretização do sonho de celebrar um casamento com 800 convidados, indo a Nova Iorque, com um pequeno grupo de pessoas - pelo menos em duas ocasiões, a da escolha/encomenda e a da prova dos vestidos -, para comprar, na loja Kleinfeld, os seus dois vestidos de noiva e os vestidos dos suas damas de honor, todos da estilista S …. Se porventura isso não corresponde à realidade dos factos, daí não resulta que tenha sido o Réu a efabular a esse respeito - quanto muito, terá sido o programa, em que se baseou, que foi pouco rigoroso. Além disso, parece-nos indesmentível que o Réu também se socorreu de outras fontes, designadamente: - Da notícia e respetivos comentários constantes do website angolano Club-K (doc. 4 junto com a Contestação) a propósito da abertura da loja da estilista S … em Luanda depois de B …, ter estado na Kleinfeld, aquando da filmagem do episódio especial do programa “Say yes to the dress”, intitulado “V.I. S …” (veja-se o que consta de oo)]; de novo, se os factos aí descritos porventura não corresponderem à realidade isso não significa que o Réu os tenha inventado, pois limitou-se a descrever o que era relatado na fonte citada; a circunstância de o título dessa notícia ser “Filha de ministro angolano compra vestido de USD 200 mil” e isso ter sido criticado pelo Autor no Facebook (como o próprio declarou ter feito), é irrelevante para o caso, já que, não só nessa notícia é explicado que a compra foi de “nove vestidos, uma compra superior a USD 200 mil, segundo o apresentado I …”, como, no capítulo 14 do livro, é descrito que a compra foi de nove vestidos e outros artigos; - Das publicações constantes do Facebook (doc. 5 junto com a Contestação), sendo que o próprio Autor, no depoimento de parte que prestou, confessou ter escrito no Facebook a passagem citada no capítulo 14 (pág. 275) como sendo da sua autoria – veja-se o que consta de pp) e qq); - Dos relatórios da ONG Global Witness – tendo sido juntas pelos Réus, nos seus requerimentos de 08-02-2023 e 11-04-2023, as cópias e respetiva tradução de duas notícias em arquivo, datadas de 07-12-1999, divulgadas por uma agência noticiosa de Angola e outra da China, em que o Autor veio publicamente criticar o trabalho daquela ONG, sendo feita referência na primeira a declarações prestadas pelo Autor a uma rádio de Luanda. É também claro, mormente pelo teor dos documentos 6 e 7 com a Contestação que o Réu tentou, sem êxito, obter mais informações por email, um junto da estilista S … e outro do canal televisivo, tendo apenas obtido uma resposta do chefe de operações V … da empresa da estilista – aliás, a este respeito, veja-se o que consta de rr) e ss). Além do que se irá referir a propósito do ponto 25, salientamos que as afirmações feitas pelos Autores a respeito dos gastos com as compras efetuadas na Kleinfeld foram pouco convincentes, por serem vagas e sem um suporte documental claro. Mesmo que possam ter um fundo de verdade, sendo complementadas pelos documentos que os Autores juntaram com o seu requerimento de 11-10-2022 (doc. 4 – que, embora em língua inglesa, se percebe serem ordens de encomenda e faturas proforma), não permitem concluir pela falta de adesão à realidade do que consta do capítulo 14 a respeito da compra dos vestidos. Efetivamente, das declarações da Autora não resultou que tivesse sido ela a pagar (com dinheiro seu) os vestidos, não tendo sido capaz de precisar quanto foi gasto, limitando-se a dizer que houve descontos, que alguns preços estão corretos e outros não. O Autor, nas suas declarações, afirmou que, devido à parceria oferecida à filha pela estilista S …, o preço dos vestidos foi inferior, mas percebe-se que não foi ele a realizar os pagamentos na loja, o que já se pressupunha pelo visionamento do programa, pois o Autor, pai da noiva, não estava entre o grupo de pessoas que a acompanharam à Kleinfeld. A testemunha D …, disse ser madrinha de batismo e de casamento da Autora, tendo participado no programa, incluindo na escolha do vestido, mas nunca ter ouvido falar taxativamente do valor de 200.000 dólares e que achava que não tinha sido tanto, mas não mostrou ter conhecimento desse facto. O mesmo se diga da testemunha …, sobrinha do Autor e prima da Autora, que disse, de forma vaga, conhecer os preços da loja, porque também ela adquiriu os vestidos do seu casamento na mesma loja, não revelando conhecer com um mínimo de rigor os factos em apreço. De qualquer modo, mesmo admitindo que o valor total despendido possa ter sido inferior ao “número redondo” indicado no programa, não vemos motivo para considerar que o vertido a esse respeito no capítulo 14 possa ser considerado um pensamento hipotético e presuntivo, sem qualquer adesão à realidade, nem em factos concretos e objetivos. Na verdade, a ideia com que um “espetador médio” que assista ao programa em apreço fica é a de que foram gastos 200.000 dólares em compras na Kleinfeld para um casamento que, nas palavras da própria Autora no programa, esta pretendia que fosse maior e melhor do que qualquer outro onde já tivesse estado presente, envolvendo a compra de dois vestidos de noiva, bem como dos vestidos das damas de honor, além das despesas com as viagens aéreas desde Angola e a estadia em Nova Iorque. Os Apelantes também se insurgem de forma veemente contra a afirmação feita no parágrafo 26.º (“Pode bem ser que S... tenha realmente ganhado o dinheiro honestamente”), vendo na mesma a sugestão de que o Autor é uma pessoa corrupta (que roubava o dinheiro do povo), o que reputam como sendo falso e ofensivo da sua honra e consideração, pretendendo demonstrar isso mesmo por via de prova testemunhal, designadamente os depoimentos das testemunhas D …, E …, F … e G …. Porém, não é pela circunstância de estas testemunhas poderem ter interpretado nesses termos a dita passagem que a mesma poderá, sem mais, ser caraterizada como um pensamento hipotético e presuntivo sem qualquer adesão à realidade nem em factos concretos e objetivos. Na verdade, o Réu refere no capítulo um facto que parece ser objetivo, indicando o salário do Presidente da República de Angola, para concluir, com alguma razoabilidade, que o salário do Vice-presidente deve ser inferior, mais admitindo que o Autor possa ter ganho honestamente o dinheiro que foi despendido no evento descrito. Não podemos ainda deixar de referir o que foi dito pela testemunha M …, quanto ao sentido da frase, explicando que a tradução portuguesa pode não ter sido a mais feliz, já que, no original em inglês, a frase começa “It may well be that”, o que pode significar, no caso, qualquer coisa como “acredito que ele tenha ganho o dinheiro honestamente”, “não ponho isso em causa”. Essa perspetiva não pode ser ignorada, sendo, aliás, a que também foi dada pela testemunha Y …, que disse ter lido o livro na íntegra e não ter considerado que no capítulo 14 em apreço se afirmava ou sugeria que o Autor era corrupto. Também este Tribunal da Relação, após leitura integral da obra, constatou que nem todas as pessoas visadas no mesmo são aí consideradas “cleptocratas” ou “super-ricos e corruptos”. Mais nos pareceu que, no referido capítulo, o Réu pretendeu veicular a ideia de que, independentemente de o Autor ter ou não ganhado o seu dinheiro de forma honesta, era estranho e criticável que ninguém se tivesse preocupado em indagar da proveniência do dinheiro gasto de forma tão ostensiva num programa de televisão, crítica que é reiterada noutras partes da obra, mormente na pág. 301, capítulo 16: “(…) podem continuar a ganhar dinheiro com a subida da desigualdade, que poderão gastar em artigos de luxo, que vão fazer subir essa ações, que vão aumentar mais a desigualdade, pelo que vão vender-se mais artigos de luxo que vão fazer subir essas ações e por aí fora. Era um círculo vicioso para quem tivesse a astúcia de investir nele. A mensagem básica era a mesma aprendida pela loja de vestidos de noiva de S …, ou pelos agentes imobiliários da zona ocidental de Londres: há muito dinheiro a ganhar por aqueles que não fizerem muitas perguntas sobre a origem do dinheiro”. Além disso, é claro que o Réu direcionou a sua crítica para o facto de a Autora ter aceitado participar no dito programa nos termos em que o fez, ostentando um certo nível de riqueza (face ao valor das compras efetuadas), o que o Réu considerou ser de mau gosto, atendendo à situação de pobreza generalizada da população em Angola e ao facto de o pai daquela ser um político do regime. Portanto, objetivamente, no aludido capítulo, o Réu não se pronunciou sobre a proveniência do dinheiro despendido, para afirmar ou dar a entender, por via de conjeturas sem suporte fáctico, que esse dinheiro foi obtido através da prática pelo Autor de atividades criminosas, antes criticou o que considera ser o esbanjamento de dinheiro por pessoas (ou seus familiares próximos) “politicamente expostas” (com responsabilidades governativas) de um país pobre, em parte por causa dos níveis de corrupção. Dito de outro modo, o Réu fez uma crítica, em tom quase de sátira, ao comportamento dos Autores, em especial da Autora, por esta não compreender que era (na opinião do Réu) de mau gosto aparecer na televisão a gastar 200.000 dólares em vestidos e acessórios de casamento, numa loja em Nova Iorque, quando o seu pai era governante de um país em que a população se debatia com problemas tão graves como uma elevada taxa de mortalidade infantil e o mais que descrevera. Trata-se de uma opinião do Réu que muitos poderão considerar preconceituosa e própria de alguém que não percebe a realidade cultural de Angola ou de outros países africanos a respeito do casamento (onde pode ser considerado aceitável despender uma quantia desproporcionalmente elevada de dinheiro num tal evento). Mas não se trata, em nosso entender, de um pensamento hipotético e presuntivo, sem qualquer adesão à realidade, nem em factos concretos e objetivos. O mesmo se diga do mais constante no capítulo, mormente nos parágrafos visados pelos Apelantes, já que, repete-se, as afirmações aí feitas correspondem a factos apurados por via das aludidas fontes e a críticas baseadas nos mesmos. Assim, mantem-se inalterada a decisão da matéria de facto neste particular. Ponto 17 Foi considerado não provado que: O 1.º Réu não tivesse precedido a elaboração da obra referida em e) de qualquer investigação e/ou confirmação junto dos Autores. Os Apelantes defendem que deve dar-se como provado que: O 1.º Réu não precedeu a elaboração da obra referida em e) de qualquer investigação sobre as fontes de rendimentos dos Autores, ou sobre a origem do dinheiro e contornos da compra, e nem tão pouco procedeu a qualquer confirmação dos factos relatados no episódio e dos factos que pretendia relatar naquele capítulo, junto dos Autores. Ou, caso assim não se entenda, deve julgar-se provado que: O 1.º Réu não precedeu a elaboração da obra referida em e) de qualquer investigação sobre as fontes de rendimentos dos Autores, ou sobre a origem do dinheiro e contornos da compra; o 1.º Réu só enviou um pedido de comentário à 2.ª Autora através do Facebook, não tendo procurado qualquer confirmação por parte do 1.º Autor, nem mesmo na ausência de resposta da 2.ª Autora. Invocam, para tanto e em síntese, a leitura do referido capítulo, o depoimento do Réu, as declarações de parte do Autor e o depoimento da Testemunha Q …. Os Apelados discordam, argumentando designadamente que: os Autores alegaram, na sua Petição Inicial, que o Réu elaborou a obra “Moneyland” sem qualquer investigação e/ou confirmação junto dos Autores; como os Réus provaram o contrário, pretendem agora os Apelantes que seja dado como provado que o Réu C …, Lda. não investigou “as fontes de rendimentos dos Autores”, “a origem do dinheiro e contornos da compra”, os “factos relatados no episódio” e “os factos que pretendia relatar naquele episódio”; porém, o capítulo 14 centra-se na demonstração de riqueza que a Autora escolheu fazer ao participar no programa “Say Yes to the Dress”, onde figura comprando vários vestidos por mais de 200 mil dólares, conforme é narrado pelo apresentador do programa, no contexto de um casamento de luxo, para várias centenas de convidados, e em que é apelidada de “realeza” do seu país, o que teve um impacto mediático – de resto, inteiramente compreensível – junto da opinião pública angolana, considerando a carreira política do seu Pai, o Autor, à época Vice-Presidente de Angola; o Réu investigou os factos que descreveu de forma isenta e objetiva, incluindo a remuneração do Presidente de Angola, não sendo exigível, face ao ângulo que foi analisado no capítulo 14, investigações de factos laterais e acessórios, como aqueles que foram referidos pelos Apelantes. Vejamos. Desde já adiantamos que não assiste razão aos Apelantes, que, de novo, tentam trazer para a discussão da causa factos que não alegaram oportunamente e que até nos parecem ser substantivamente irrelevantes, considerando o teor do capítulo 14 e as fontes de que o Réu dispunha e indicou nesse capítulo, bem como o tipo de obra em causa nos autos (que não é, em bom rigor, uma peça jornalística). Com efeito, conforme acima referido a propósito do ponto 1 (remetemos, por economia, para essas considerações), ficou amplamente demonstrado, mormente pelas declarações do Réu e do Autor, que o Réu efetuou pesquisa ou investigação para elaborar o livro, em particular o capítulo 14, tendo, além do mais, visionado o programa televisivo, cuja descrição fez, e consultado as declarações feitas pelo Autor através do Facebook. Os Apelantes entendem que o Réu deveria ter feito uma investigação mais apurada e obtido confirmação junto dos Autores, mas não indicam em que consistiria essa investigação, nem da viabilidade da mesma, tão pouco alegando que se tivessem sido contactados teriam disponibilizado ao Réu toda a informação relevante, designadamente indicando quais eram, à data dos factos, as suas fontes de rendimentos e a origem do dinheiro gasto nas compras feitas, nas viagens realizadas para o efeito e na festa de casamento para 800 convidados. Não se pode olvidar que a única investigação que ao caso interessaria seria a respeito dos factos afirmados no livro sobre os Autores, não tendo sentido falar numa investigação relativamente a (supostos) factos que os Apelantes nem sequer dizem na presente ação quais são. Sempre se dirá ter sido referido pela testemunha V … que o Réu usou citações do Autor (do Facebook) e contactou a Autora, a qual não quis responder ao pedido de contacto. Neste contexto, e tratando-se da mesma família (pai e filha), não deixou de ter existido uma tentativa de confirmação junto dos Autores. Tudo ponderado, e no que ora importa, entendemos ter sido feita contraprova do facto em apreço, pelo que se mantem inalterada a decisão da matéria de facto. Ponto 21 Foi considerado não provado que: As notícias sobre a aquisição de um vestido de noiva por “duzentos mil euros” consubstanciaram “fake news”. Os Apelantes defendem que deve dar-se como provado que: A notícia veiculada pelo Club-K sobre a aquisição de um vestido de noiva por “duzentos mil euros” consubstanciou “fake news” devidamente desmentida pelo Autor. Invocando as declarações de parte do Autor e os documentos 4 e 5 juntos com a Contestação, argumentam, em síntese, que: ao contrário do afirmado no capítulo em apreço, a notícia veiculada pelo website angolano Club K não “era cuidadosamente neutra”, e tratava-se antes de uma “fake new” porque no título se fazia referência a que “A Filha de ministro angolano compra vestido de USD 200 mil”, quando o corpo da notícia até fazia alusão à compra dos demais vestidos e adereços e à parceria para abertura de loja em Angola; foi por isso que o Autor se veio insurgir em sede de Facebook. Os Apelados defendem a improcedência da pretensão dos Apelantes, argumentando, em síntese, que as Declarações de Parte do autor não têm a virtualidade de estabelecer a natureza falsa do teor da notícia do Club-K, ainda para mais quando está em causa um facto do domínio das finanças pessoais dos Recorrentes – ou, no limite, só da Autora – que poderia ter sido facilmente demonstrado documentalmente, juntando os comprovativos de pagamento dos vestidos comprados naquele episódio de “Say Yes to the Dress”, o que os Autores não quiseram fazer. Apreciando. Reiteramos que na decisão da matéria de facto, o Tribunal apenas pode considerar os factos essenciais que integram a causa de pedir e as exceções (incluindo as contra exceções) alegados pelas partes, bem como os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa, e os factos de que tem conhecimento por via do exercício das suas funções (art. 5.º do CPC); daí resulta, em conjugação com o princípio da limitação dos atos consagrado no art. 130.º do CPC, estar vedado ao Tribunal conhecer de matéria que, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, se mostra irrelevante para a decisão de mérito. Efetivamente, os princípios dispositivo e da economia processual impõem-se ao juiz da 1.ª instância aquando da seleção da matéria de facto provada / não provada na sentença, mas também na 2.ª instância, no tocante à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Assim, conforme referido no acórdão da Relação de Lisboa de 27-11-2018, proferido no proc. n.º 1660/14.0T8OER-E.L1, a jurisprudência dos Tribunais superiores vem reconhecendo que “a reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meio para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da causa, pelo que sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil – seja porque a decisão sobre matéria de facto proferida pela primeira instância já permite sustentar a interpretação do direito aplicável ao caso nos termos sustentados pelo recorrente, seja porque ainda que proceda a impugnação da matéria de facto, nos termos requeridos, a decisão da causa não deixará de ser a mesma – a reapreciação sobre matéria de facto não deve ter lugar, por constituir um ato absolutamente inútil, contrariando os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º, e 138.º do CPC).” Neste sentido, além dos acórdãos aí citados (acórdãos da Relação de Guimarães de 10-09-2015, no proc. 639/13.4TTBRG.G1, e 11-07-2017, no proc. n.º 5527/16.0T8GMR.G1, da Relação do Porto de 01-06-2017, no proc. n.º 35/16.1T8AMT-A.P1, e do STJ de 13-07-2017, no proc. 442/15.7T8PVZ.P1.S1) -, destacamos ainda os acórdãos (todos disponíveis em www.dgsi.pt, embora com omissão de algumas passagens), da Relação do Porto de 07-05-2012, no proc. n.º 2317/09.0TBVLG.P1, da Relação de Coimbra de 12-06- 2012, no proc. 4541/08.3TBLRA.C1, do STJ de 17-05-2017, no proc. n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1, do STJ de 14-10-2021, no Proc. 5985/13.4TBMAI.P1.S1, da Relação de Lisboa de 24-09-2020, no proc. n.º 35708/19.8YIPRT.L1, em cujo coletivo também interveio a ora Relatora. Ora, no contexto dos factos provados, é evidente que a matéria cujo aditamento é requerido não consubstancia um facto substantivamente relevante, desde logo porque, em parte alguma dos capítulos em apreço, se refere uma tal notícia nesses termos. De qualquer modo, sempre se dirá que, se com as (supostas) notícias sobre a aquisição de um vestido de noiva por “duzentos mil euros” os Autores se pretendiam referir à notícia do website Club-K intitulada “Filha de ministro angolano compra vestido de USD 200 mil”, a verdade é que, conforme resulta manifesto da leitura da mesma (cf. doc. 4 junto com a Contestação), o seu conteúdo está, ao que tudo indica, correto, já que aí se dá conta do episódio especial emitido pela TLC em que estilista S … recebeu três clientes VIP, intitulado “V.Pi. S …”, que contou com a participação da Autora B …, o que “foi destaque, inclusive, porque a Kleinfeld fez a maior venda da sua história. A filha de A … saiu da loja com nove vestidos, uma compra superior a USD 200 mil, segundo o apresentador I …”. Pese embora a circunstância de, no capítulo 14 do livro, ter sido mencionada uma tal notícia (sem aquele título, sublinhe-se), o certo é que toda a descrição feita nesse capítulo, permite perceber de forma clara que não foi comprado um vestido por 200.000 dólares, antes se tratando da compra de nove vestidos, uma saia surpresa, personalização e acessórios (como o véu). Nem a singela referência a esse acontecimento feita no capítulo 16 deixa margem para confusão a esse respeito. Mantem-se inalterada a decisão da matéria de facto. Ponto 25 Foi considerado não provado que: Os valores indicados como preço dos vestidos e acessórios ao longo do episódio do programa “Say Yes to the Dress” referido em dd) não correspondam à realidade. Motivou-se o assim decidido nos termos acima citados a propósito do ponto 1. Os Apelantes pretendem que se dê como provado que: Os valores indicados como preço dos vestidos e acessórios ao longo do episódio do programa “Say Yes to the Dress” referido em dd) não correspondem à realidade, e que não foram todos pagos pelos Autores. Invocaram, para tanto e em síntese, as declarações de parte dos Autores e os depoimentos das testemunhas E … e D …, bem como os documentos 4 e 5 juntos com a Contestação e o documento 4 junto com o Requerimento Probatório dos Autores Ref.ª …, sustentando resultar da prova produzida que não só o valor pago pela aquisição dos vestidos não corresponde ao que passou no programa televisivo (pois que, foram realizados vários descontos pelo volume da compra e parceria realizada), como também não foi todo liquidado pelos Autores. Os Apelados discordam, pugnando pelo acerto da sentença a este respeito. Apreciando. Já acima referimos e reiteramos, ao analisar o ponto 1, que não ficámos convictos quanto à falsidade do valor global das compras feitas para o casamento da Autora que é referido no programa televisivo “Say yes to dress”, nem quanto ao facto de os Autores não terem efetuado o pagamento do preço mencionado (também no livro) por tais compras. Impressiona que os Autores, afirmando não corresponder à verdade o valor global indicado, não tenham vindo indicar os valores dos vestidos e acessórios que assumem ter sido comprados e pagos, por referência aos documentos que juntaram, designadamente como doc. 4 junto com o requerimento probatório de 11-10-2022, cuja tradução foi junta com o requerimento de 07-11-2022 (este com a Ref.ª Citius …), os quais, por si só, não são suficientemente esclarecedores, não evidenciando que tenham existido descontos, respetivos montantes e motivos. Os Autores limitaram-se a aludir de forma vaga a descontos (sem os precisarem minimamente) e as referidas testemunhas não tinham conhecimento direto ou indireto sobre os montantes que foram efetivamente pagos, não se descortinando motivo sério para considerar falsa a informação veiculada no programa televisivo, conforme vídeo junto aos autos (doc. 3 junto com a Contestação). De referir que embora os documentos relativos às compras tenham sido emitidos em nome da Autora, esta não assumiu nunca ter sido ela a pagar, com dinheiro seu (dos seus rendimentos) fosse o que fosse, nem indicou que, na loja, as despesas tivessem sido pagas por outras pessoas, identificando-as. De qualquer forma, se porventura a Autora usou para pagar tais despesas dinheiro que lhe foi dado pelo pai ou por uma terceira pessoa (por exemplo, uma madrinha) ou se foi a Autora ou outra pessoa quem pagou parte das despesas, é matéria que não foi oportunamente alegada na Petição Inicial, nem se reveste, em nosso entender, de relevância decisiva para o caso, já que, como referimos e se percebe pela descrição que é feita no livro, a perceção com que um “espetador médio” fica, ao assistir ao programa, é a de que foi o pai da noiva a custear as despesas. Portanto, nem os Autores, nem as aludidas testemunhas vieram indicar com o mínimo de rigor, com referência aos documentos juntos aos autos, quanto custaram todos os produtos adquiridos e como foram pagos, não existindo prova convincente de que os factos cujo aditamento é requerido se tenham verificado [isto é, que os valores indicados como preço dos vestidos e acessórios ao longo do episódio do programa “Say Yes to the Dress” referido em dd) não correspondam à realidade e que os Autores não os tenham pago na totalidade]. Mantem-se inalterada a decisão de facto neste particular. Alíneas k), m) e n) e Pontos 9, 10, 16, 22 e 23 e 24 Lembramos que foi considerado provado que: k) O conhecimento da publicação da obra referida em e), em Portugal, levou a alguns comentários e perguntas de pessoas de círculos mais próximos dos Autores. m) A publicação de notícias e comentários relacionados com a sua participação no programa de televisão “Say Yes To the Dress (Diz que sim ao Vestido)”, tem provocado sentimentos de angústia na 2.ª Autora. n) E tem sido causa de desgaste do estado emocional da 2.ª Autora, refletindo-se na sua vida familiar e profissional, que aos dias de hoje, se encontra a tentar restabelecer. Foi considerado não provado que: 9 – A 2.ª Autora tivesse evitado contactos sociais e o 1.º Autor tivesse reduzido contactos sociais, políticos e diplomáticos, sempre que tal lhe foi possível, num período imediatamente subsequente à publicação do livro em Portugal, e consequente nova onda de comentários sobre os alegados factos aí retratados. 10 – Existiu um quadro de depressão e ansiedade que se abateu sobre os Autores, em particular sobre a 2.ª Autora, seja por aquilo que de si diziam, seja pela circunstância de afetar a imagem de seu pai, enquanto governante. 16 – A 2.ª Autora, após a publicação da obra em Portugal, passou a ser alvo de notícias e pedidos de esclarecimentos sobre o seu casamento, a sua parceria com a estilista S … e a gestão política do seu pai, o 1.º Autor. 22 – A 2.ª Autora assista com extremo pesar e angústia às consequências nefastas que o “tema do seu casamento” tem vindo a trazer para a carreira política do seu pai, e para o seu desgaste emocional e físico, em decorrência e na sequência da publicação e venda da obra referida em e), em território português e na língua portuguesa. 23 – A 2.ª Autora tenha, com um sentimento de embaraço e humilhação, passado a ser alvo de notícias e pedidos de esclarecimentos sobre o seu casamento, a sua parceria com a estilista S …, e a gestão política do seu pai, o 1.º Autor, em decorrência e na sequência da publicação e venda da obra referida em e), em território português e na língua portuguesa. 24 – A situação emocional vivida pela 2.ª Autora referida em m) e n) dos factos provados tivesse surgido surja em decorrência e na sequência da publicação e venda da obra referida em e), em território português e na língua portuguesa. Na sentença, motivou-se o assim decidido designadamente nos seguintes termos: «Relativamente aos danos alegados não lograram igualmente os AA. nem provar a extensão, nem gravidade dos danos que alegaram. Desde logo não se provou que a conduta dos RR. sujeitou os AA. a uma considerável descredibilização em face da opinião pública, do seu círculo pessoal e profissional, nem a comentários e juízos de caráter em redes sociais em Angola e em Portugal. A este respeito a única prova produzida pelos AA. foram as suas declarações de parte e a prova testemunhal. Não foi junta qualquer prova documental que demonstrasse os alegados comentários em redes sociais, ou via whatsaap, na sequência da publicação do livro em causa nos autos em Portugal. As únicas provas relativas a referências em redes sociais, reportam-se à notícia do Club K, muito anterior à publicação aqui em causa. E da prova por declarações de parte e testemunhal extraiu o Tribunal que o capítulo da obra publicada em Portugal, em causa nos autos, e só este, não a obra no seu todo, foi conhecida e comentada em Angola tão só nos círculos pessoais próximos dos AA. e em decorrência do facto dos mesmos AA. terem dado a conhecer aos seus familiares próximos excertos desse mesmo capítulo. Não obstante a 2ª A. ter afirmado nas suas declarações de parte que os amigos começaram a “espalhar” via whatsaap fotos de paginas do livro e começaram a enviá-las a outras pessoas, e que tal afirmação tivesse sido corroborada inicialmente pela testemunha D …, no inicio do seu depoimento e pela testemunha E …, acabou a testemunha D … por afirmar que tomou conhecimento do capítulo 14 pelo próprio 1º A., o qual telefonicamente lhe leu o conteúdo do capítulo em causa. Igualmente as testemunhas X …, médico pessoal do 1º A. e DD …, sobrinho do A. afirmaram ter tido conhecimento do capítulo em causa pelo próprio 1º A.. Acresce que nenhuma das testemunhas referiu ter tido conhecimento do livro por intermédio de alguma pessoa concreta, que não o 1º A., nem ter adquirido qualquer exemplar do livro, nem o mesmo ter sido adquirido por qualquer familiar em Portugal, que o tivesse levado para Angola. Chegando a testemunha D …, a afirmar que o livro “não tem mercado em Angola. A maioria da população Angolana não lê livros”. Acresce que a testemunha X … disse expressamente que apenas alguns amigos lhe vieram perguntar o que se estava a passar e, a testemunha G … expressamente afirmou que em 2019 não houve comentários nas redes sociais relativamente ao livro, dizendo sim que muitas pessoas que conhecem a família dos AA. ficaram “chateadas” do assunto ter vindo à tona novamente, fazendo o paralelismo com as notícias que tinham vindo a público em 2015 relativas à aquisição do vestido de noiva da 2ª A., sua prima. Afirmando expressamente que em 2015 é que a notícia teve repercussão nas redes sociais e que em 2015 sim, as pessoas ofenderam os AA.. De igual modo nada se provou quanto aos efeitos destes comentários, do círculo próximo dos AA., na sua vida pessoal e/ou profissional. Ao contrário do alegado ficou por provar que a publicação da obra em causa, em Portugal, tivesse tido qualquer repercussão na vida politica e profissional do 1º A.. Para além das afirmações manifestamente genéricas feitas pelas testemunhas D … e E …, pronunciaram-se concretamente sobre esta matéria as testemunhas X … e F …. A testemunha X … médico pessoal do A., disse expressamente não ser do seu conhecimento qualquer constrangimento sofrido pelo A. do ponto de vista profissional (nem pessoal) em resultado da publicação do livro em Portugal; mais dizendo que dentro da área governamental o assunto não foi comentado. A testemunha F …, jornalista e responsável pelo gabinete de comunicação do Vice-Presidente de Angola entre 2017 e 2019, disse ter tido conhecimento de alguns excertos do livro, afirmando, porém, que os extratos que leu inicialmente foram em língua inglesa, dizendo que só depois de 2020 teve conhecimento dos excertos em língua portuguesa. Referiu-se a testemunha a comentários em Angola, relativamente a um livro publicado no estrangeiro, por um escritor inglês, em Inglaterra e a “acusações de corrupção feitas por um político português” ao 1º A., mas sem que tivesse alguma sido feita referência direta ao livro na sua publicação em Portugal e em língua portuguesa. Ora, não obstante a testemunha se referir a alterações na agenda do 1º A. entre os anos de 2019/2020, nunca referiu que tal alteração resultasse da repercussão da publicação em Portugal da obra em causa, mas sim das acusações feitas por um “politico português”, não obstante o livro estar na base dessas acusações. Porém, para além de eventuais alterações de agenda, nada mais se provou quanto a repercussões concretas na vida profissional do 1º A. e no exercício pelo mesmo das funções para que foi eleito. De igual modo, nada em concreto se provou quanto às repercussões na vida pessoal e profissional da 2ª A., sendo que as testemunhas que se referiram à mesma, fizeram-no de forma genérica e conclusiva. Assim sopesada a prova testemunhal produzida pelos AA. o Tribunal julgou tão só provado que os AA. manifestaram sentimentos de ansiedade e angústia, junto das pessoas do seu círculo mais próximo, após o conhecimento da publicação da obra em Portugal e não mais. O depoimento da testemunha X …, sopesado com a demais prova produzida e com as suas próprias declarações, não permitem ao Tribunal julgar provado que o 1º A. sofreu de depressão, doença que não é compatível com a inexistência de repercussões na vida profissional. Sendo que, esta mesma testemunha, afirmou não ter conhecimento bastante quanto à situação clínica da 2ª A. para se pronunciar sobre a mesma. Relativamente à 2ª A. provou-se que a publicação de notícias e comentários relacionados com a sua participação no programa de televisão “Say Yes To the Dress (Diz que sim ao Vestido)”, lhe tem provocado sentimentos de angústia e tem sido causa de desgaste do estado emocional da mesma, refletindo-se na sua vida familiar e profissional, que aos dias de hoje, se encontra a tentar restabelecer, nesse sentido foi o depoimento das testemunhas D … e E …, porém, do depoimento destas testemunhas não resulta que esse estado advenha da publicação em Portugal do livro em causa, mas sim da repercussão que em 2015 a sua participação em tal programa teve e do facto de reviver tais acontecimentos em função de subsequentes publicações. Com os fundamentos supra julgou o Tribunal provados os factos indicados nas alíneas k) a n) dos factos provados e não provados os demais factos alegados pelos AA. respeitantes aos danos por si sofridos em consequência do comportamento dos AA..» Pretendem os Apelantes que seja dado como não provado o vertido no ponto k) e ainda a seguinte factualidade: m) Em 2015 a publicação de notícias e comentários relacionados com a sua participação no programa de televisão “Say Yes To the Dress (Diz que sim ao Vestido)”, provocaram sentimentos de angústia na 2.ª Autora, que vieram a ser revividos por esta em 2019, ao presente, em decorrência e na sequência da publicação e venda da obra referida em e), em território português e na língua portuguesa; n) Tendo esse “reviver dos acontecimentos” e demais “repercussões” sido a causa de desgaste do estado emocional da 2.ª Autora, refletindo-se na sua vida familiar e profissional, que aos dias de hoje, se encontra a tentar restabelecer. 9 – A 2.ª Autora evitou contactos sociais, sempre que tal lhe foi possível, num período imediatamente subsequente à publicação do livro em Portugal, em consequente nova onda de comentários sobre os alegados factos aí retratados; 10 – Existiu um quadro de depressão e ansiedade que se abateu sobre os Autores, em particular sobre a 2.ª Autora, seja por aquilo que de si diziam, seja pela circunstância de afetar a imagem de seu pai, enquanto governante; 16 – A 2.ª Autora, após a publicação da obra em Portugal, passou a ser alvo de idas à sua loja com pedidos de esclarecimentos sobre o seu casamento, a sua parceria com a estilista S … e a gestão política do seu pai, o 1.º Autor; 22 – A 2.ª Autora assiste com extremo pesar e angústia às consequências nefastas que o “tema do seu casamento” tem vindo a trazer para a carreira política do seu pai, e para o seu desgaste emocional e físico, em decorrência e na sequência da publicação e venda da obra referida em e), em território português e na língua portuguesa; 23 – A 2.ª Autora sofreu um sentimento de embaraço e humilhação, passando a ser alvo de pedidos de esclarecimentos sobre o seu casamento, a sua parceria com a estilista S …, e a gestão política do seu pai, o 1.º Autor, em decorrência e na sequência da publicação e venda da obra referida em e), em território português e na língua portuguesa.” 24 – Assim, a situação emocional vivida pela 2.ª Autora referida em m) e n) dos factos provados surgiu em decorrência e na sequência da publicação e venda da obra referida em e), em território português e na língua portuguesa. Invocam os Apelantes, em síntese, para prova dos factos 9, 10, 16, 22, 23 e 24, do elenco dos factos não provados - que relacionam com os factos vertidos nas referidas alíneas k), m) e n) -, as declarações de parte dos Autores, os depoimentos de D …, G …, X …, E … e F …, regras de experiência comum e a difusão que a obra teve, reconhecida pelas testemunhas arroladas pelos Réus, O …, P … e M …. Os Apelados defendem o acerto da decisão recorrida, estribados na fundamentação da mesma constante. Apreciando. Quanto à alínea k), até nos parece que só por lapso os Apelantes defendem, mormente no art. 411.º da sua alegação, que o facto aí vertido [tal como os das alíneas m) e n)] deveria ser dado como não provado. Percebe-se que consideram insuficiente o que foi dado como provado, pois entendem que os comentários e as perguntas não foram apenas efetuados por pessoas dos seus círculos mais próximos. Porém, parece-nos que só teria sentido, nessa perspetiva, dar como não provado o vertido em k) se tivesse uma redação diferente, que excluísse a hipótese de terem existido comentários fora dos referidos círculos [por exemplo, se estivesse provado que o conhecimento da publicação da obra referida em e), em Portugal, apenas levou a alguns comentários e perguntas de pessoas de círculos mais próximos dos Autores]. Como não é esse o caso, sendo indubitável, ante a prova produzida, que, pelo menos, o aí descrito aconteceu, mostra-se descabida a eliminação dessa alínea. Quanto à restante matéria de facto e não obstante os esforços dos Apelantes para “reconfigurarem a causa de pedir”, desde já adiantamos que a prova produzida não se mostra suficiente e credível para nos convencer quanto à ocorrência dos factos acima descritos (salvo quanto a parte do vertido em 24 nos moldes que adiante explicitaremos), designadamente que a Autora tivesse evitado contactos sociais e o Autor reduzido contactos sociais, políticos e diplomáticos, sempre que tal lhe foi possível, num período imediatamente subsequente à publicação do livro em Portugal, e consequente nova onda de comentários sobre os alegados factos aí retratados. Aliás, nem foi produzida prova documental, que seguramente existiria, se tivesse existido toda uma suposta “nova onda de comentários” sobre as compras feitas na Kleinfeld, sendo certo que o doc. 5 junto com a Petição Inicial não tem a relevância probatória que os Apelantes lhe atribuem. Das declarações dos Autores e dos depoimentos das referidas testemunhas (que arrolaram) não resultou, antes pelo contrário, que a obra em apreço tenha tido um impacto digno de nota na sociedade angolana, tanto mais que não foi vendida nesse país, parecendo-nos que somente o dito capítulo circulou no círculo familiar e de amigos dos Autores, sobretudo por iniciativa destes. Efetivamente, as testemunhas arroladas pelos Autores reconheceram que nem sequer leram o livro, mas apenas parte do capítulo 14 e porque o seu teor foi comentado no seu círculo familiar ou de amigos, mormente por WhatsApp, tendo mesmo a testemunha D … dito que o Autor lhe emprestou o livro e a testemunha G …, dito que foi o Autor que lho deu a ler. Portanto, tal como entendeu o Tribunal a quo, apenas consideramos demonstrado que a publicação do livro deu origem a alguns comentários e perguntas de pessoas de círculos mais próximos dos Autores. De modo algum ficámos convencidos de que os Autores sofreram um quadro de depressão e ansiedade. Efetivamente, nem mesmo a testemunha X …, neurocirurgião que disse ser o “médico pessoal” do Vice-Presidente e ter-lhe prescrito medicação por considerar que ele estava a vivenciar ansiedade e síndrome depressivo, foi capaz de aprofundar as causas desse síndrome depressivo, reconhecendo que não viu então necessidade de encaminhar o Autor para um médico psiquiatra ou para psicólogo. De salientar que o seu depoimento foi vago, mormente quanto à medicação concretamente efetuada (duração, dosagens), não estado corroborado por prova documental (ficha clínica, receituário). Aliás, também nenhuma prova documental foi apresentada quanto à (alegada) depressão da Autora. De salientar que não foi feita nenhuma prova documental, como seria normal que existisse, quanto ao facto de (alegadamente) a Autora, após e em decorrência da publicação da obra em Portugal, ter passado a ser alvo de notícias e pedidos de esclarecimentos sobre o seu casamento, a sua parceria com a estilista S … e a gestão política do seu pai, daí que também não possamos considerar que esses (supostos) factos tenham levado a Autor a sentir embaraço e humilhação. De igual modo não estamos convictos de que, em decorrência da publicação e venda da obra referida em e), em território português e na língua portuguesa, tenham ocorrido as outras “consequências nefastas” descritas para a carreira política do Autor e saúde deste. Não significa isto que as vidas dos Autores, em especial a da Autora, não tenham sido impactadas negativamente. O que não podemos fazer é considerar que isso se tenha devido à publicação do livro, antes se nos afigurando que eles estavam apreensivos e desgastados com o anteriormente sucedido, ou seja, com a emissão do programa televisivo em 2015, a notícia do website Club-K e a onda de comentários que se seguiram, incluindo na rede social Facebook (cf. os documentos 4 e 5 juntos com a Contestação). A nosso ver, mostra-se bem mais provável que os sentimentos da Autora descritos em m) e n) tenham sido causados, em grande parte, pelos acontecimentos marcantes que são descritos no livro, ou seja, pela emissão do programa televisivo, que contou com a participação voluntária da Autora (e porventura terá sentido algum arrependimento) e as publicações feitas na altura. No entanto, tendo a angústia e o desgaste emocional vivenciados pela Autora sido devidos à publicação de notícias e comentários relacionados com a sua participação no programa de televisão “Say Yes To the Dress”, conforme referido nas alíneas m) e n), não podemos deixar de considerar que o livro em apreço se insere nesse conjunto de notícias e comentários, pelo que há que eliminar o ponto 24 (que não corresponde a uma alegação de facto autónoma feita na Petição Inicial, mas a uma restrição do vertido nessas duas alíneas). Assim, procedem parcialmente as conclusões da alegação de recurso, mas apenas com a eliminação do ponto 24, passando a redação da alínea m) a ser a seguinte: m) A publicação de notícias e comentários relacionados com a sua participação no programa de televisão “Say Yes To the Dress (Diz que sim ao Vestido)”, incluindo os constantes da obra referida em e), tem provocado sentimentos de angústia na 2.ª Autora. Pontos 4, 5, 6, 7, 8, 11, 14, 15 e 20 Foi considerado não provado que: 4 – O conhecimento da publicação da obra referida em e), em Portugal, levou a comentários e perguntas de pessoas de círculos mais afastados dos Autores sobre o porquê das acusações. 5 – O conhecimento da publicação da obra referida em e), em Portugal, sujeitou os Autores a comentários nos círculos políticos e sociais de Angola, mas também a juízos de caráter em redes sociais em Angola e em Portugal. 6 – O conhecimento da publicação da obra referida em e), em Portugal, levou a que os Autores vissem escritos sobre si múltiplos artigos de imprensa e opinião que davam como facto assente a origem ilegal dos fundos para os vestuários e acessórios para a cerimónia e, portanto, práticas de corrupção e desvio de fundos, umas vezes mais explícitos, outras vezes menos. 7 – O conhecimento da publicação da obra referida em e), em Portugal, levou a que os Autores tivessem de dar explicações sobre tais factos. 8 – O conhecimento da publicação da obra referida em e), em Portugal, levou a uma avalanche de comentários expressos ou velados que davam conta do uso indevido de fundos do Estado para custear uma cerimónia privada. 11 – A publicação da obra, em Portugal, sujeitou o 1.º Autor a uma descredibilização social e política, em face da opinião pública de Portugal, mas também de Angola. 14 – O 1.º Autor chegou a experienciar momentos de angústia extrema quando o interrogaram sobre a sua idoneidade e sobre os objetivos a que se propôs no seu mandato, como se de um “criminoso” se tratasse. 15 – A publicação da obra, em Portugal, tenha tido consequências nefastas para a carreira política do 1.º Autor. 20 – Foi através da publicação e venda da obra referida em e), em território português, que os Autores tiveram conhecimento do seu teor. A motivação da decisão é a que citámos supra, a respeito das alíneas k), m) e n). Os Apelantes, de forma muito confusa e repetitiva, sustentam que devem ser dados como provados os “factos 4, 5, 6 e/ou 8, 7, 9, 10, 11, 14, 15 e 20” (isto quando já antes haviam dedicado parte da sua alegação recursória aos pontos 9 e 10). Invocam, em síntese, as declarações que eles próprios prestaram, os depoimentos das Autores que arrolaram, em especial D …, F …, E …, X …, os documentos 4 e 5 junto com a Petição Inicial e os depoimentos das testemunhas Y …, P … e M …. Os Apelados discordam, alegando que os factos não provados 4, 5, 6, 7, 8, 11 e 20 resultam de afirmações formuladas na Petição Inicial que os Autores não lograram provar, seja documental, seja testemunhalmente, pelo que a sua qualificação como “não provados” não merece qualquer censura. Vejamos. Em primeiro lugar, quanto ao ponto 14, inexiste prova minimamente convincente de que o Autor, por causa do livro em apreço (e se foi por outras razões isso é irrelevante para a decisão da causa), tenha sido interrogado sobre a sua idoneidade e sobre os objetivos a que se propôs no seu mandato, como se de um criminoso se tratasse. Ademais, mesmo que o tivesse sido, não vemos que isso fosse motivo para levar um político angolano experiente, como o Autor revelou ser, a sentir “angústia extrema”. O mesmo se diga, na esteira do que acima já referimos, quanto ao facto vertido em 15, atinente às “consequências nefastas” da publicação da obra para a carreira política do Autor, inexistindo prova a esse respeito, até porque também não se provou que tenha ficado descredibilizado no plano social e político, incluindo no seu país. A testemunha V … limitou-se a dar conta de um episódio, que teve alguma dificuldade em situar no tempo, em que os jornalistas colocaram questões ao Autor e da preocupação em refazer a agenda do mesmo, enquanto Vice-Presidente, para fazer face ao “questionamento público”. Porém, ainda que tais factos possam ter ocorrido, não correspondem ao que foi alegado, não estando minimamente demonstrado, face ao que a testemunha relatou, que tenham sido motivados pela reação das pessoas em Angola à publicação do livro em Portugal. Não se discute, obviamente, que o livro esteve à venda no mercado português e foi lido por várias pessoas no nosso país - como resultou dos depoimentos prestados pelas testemunhas Z …, Y …, P … e M … -, mas inexiste prova convincente de que tenha sido através da publicação e venda da obra referida em e), em território português, que os Autores tiveram conhecimento do seu teor, tanto mais quando esta última testemunha até disse que começou por ler excertos do livro enviados por WhatsApp em língua inglesa. Os Apelantes alegaram que, por causa do conhecimento da publicação da obra em Portugal, existiram comentários e perguntas de pessoas de círculos mais afastados, incluindo círculos políticos, mas não arrolaram essas pessoas como testemunhas. Na verdade, todas as testemunhas que arrolaram lhes eram próximas, por razões profissionais, familiares ou de amizade, não tendo os seus depoimentos evidenciado, antes pelo contrário, uma tal onda de comentários por parte de pessoas estranhas aos Autores (lembramos que G …, trabalha para o Ministério da Administração de Angola e é sobrinho do Autor; E …, trabalha com o Presidente da República de Angola, sendo chefe de Departamento da Área Social da Presidência da República e é sobrinha do Autor e prima da Autora; D … é madrinha de batismo e de casamento da Autora). Ante a alegação de que existiram “múltiplos artigos de imprensa e opinião que davam como facto assente a origem ilegal dos fundos para os vestuários e acessórios para a cerimónia e, portanto, práticas de corrupção e desvio de fundos, umas vezes mais explícitos, outras vezes menos”, tudo por causa do “conhecimento da publicação da obra”, seria de esperar que os Autores tivessem juntado aos autos alguns desses artigos de imprensa e opinião, mas não o fizeram. O mesmo se diga quanto aos comentários nas redes sociais, pois se foi possível aos Réus juntarem comentários e resposta por parte do Autor na sequência da publicação da notícia pelo website Club-K (documentos 4 e 5 da Contestação), seguramente também os Autores poderiam ter cuidado de recolher esses comentários e eventuais explicações que pudessem ter dado, caso existissem, o que não fizeram. Acompanhamos, pois, inteiramente, o juízo probatório feito pelo Tribunal recorrido, que não queda abalado pelos argumentos aduzidos pelos Apelantes. Mantem-se inalterada a decisão da matéria de facto. Pontos 3, 12, 13 Foi considerado não provado que: 3 – A conduta dos Réus sujeitou os Autores a uma considerável descredibilização em face da opinião pública e do seu círculo pessoal e profissional. 12 – Tal descredibilização tem vindo a assombrar o 1.º Autor com um enorme sentimento de tristeza, nem que o sujeitou a uma elevada perda de consideração social, que o mesmo, aos dias de hoje, ainda se encontra a tentar restabelecer. 13 – A conduta dos Réus sujeitou os Autores a uma considerável descredibilização em face da opinião pública e do seu círculo pessoal e profissional (ponto igual ao 3). O Tribunal motivou o assim decidido juntamente com outros factos, conforme acima citado. Os Apelantes defendem que tais factos devem ser dados como provados (embora por lapso, numa dada passagem da sua alegação recursória, os Apelantes reproduzam o ponto 11, sobre o qual já antes se tinham pronunciado, parecendo-nos que pretendiam indicar o ponto 12), invocando designadamente as declarações de parte do Autor e os depoimentos das testemunhas X … e F …. Os Apelados discordam, pugnando pelo total acerto do decidido pela 1.ª instância. Vejamos. Na esteira do que acima referimos (na apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto quanto aos pontos 4, 5, 6, 7, 8, 11, 14, 15 e 20), não nos parece ter sido produzida prova convincente a respeito da (alegada) descredibilização dos Autores junto da opinião pública e do seu círculo pessoal e profissional por causa da conduta dos Réus. Na verdade, além da escassa divulgação da obra de que já demos conta, é de registar que as testemunhas arroladas pelos Autores, que pertenciam ao seu pessoal e profissional, se referiram aos Autores como pessoas honestas, não acreditando que estivessem envolvidos, em particular o Autor, em atividades criminosas como as referidas no subtítulo do livro. Nada do que foi dito nos levou a acreditar que os Autores tenham ficado afetados nos termos descritos por causa do livro escrito pelo Autor (em língua inglesa) e traduzido e editado pela Ré. Em particular, não foi identificado nenhum episódio revelador de perda de confiança política no Autor, nem tão pouco uma qualquer ambição política por parte do Autor que possa ter ficado por cumprir depois de tantos anos na área da governação de Angola, muito menos por causa do livro, editado em Portugal. De salientar que se trata de uma edição em língua portuguesa, que havia sido precedida de uma versão em língua inglesa, que já tinha circulado antes e foi até referida pela testemunha F …, como tendo sido essa a versão que leu inicialmente e que lhe chegou por WhatsApp. Sobretudo, não se podem olvidar os acontecimentos de anos anteriores, mormente o episódio televisivo e a notícia Club-K, com as críticas então feitas pela opinião pública em geral, já que não foi cabalmente identificada nenhuma pessoa do círculo pessoal e profissional dos Autores que os tivesse criticado ou descredibilizado por causa do livro. Acima de tudo o resto, terão sido esses acontecimentos a causar tristeza aos Autores, por se sentirem descredibilizados, dando azo a críticas, como a feita pelo Réu no seu livro, a par de outras. Mas ficou por demonstrar que os factos efetivamente praticados pelos Réus tenham ocasionado a alegada descredibilização dos Autores. Mantem-se inalterada a decisão da matéria de facto. Dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual Na fundamentação de direito da sentença, teceram-se, no que ora importa, as seguintes considerações: «Vêm os AA. demandar os RR., pedindo, além do mais, a condenação destes no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais alegadamente sofridos na sequência do comportamento dos RR.. Fundamentam o seu pedido na responsabilidade civil extracontratual emergente para os RR. dos factos voluntários e culposos, alegadamente, por estes praticados, lesivos da honra e bom nome dos AA. São pressupostos da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana: - A prática um facto ilícito imputável ao agente, a título doloso ou negligente - ou a violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios - O dano - O nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano O enquadramento jurídico de tais pressupostos subsume-se desde logo ao que dispõe o artigo 483º nº1 do Código Civil, nos temos do qual: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Especificamente no que à ofensa do bom nome respeita, dispõe o artigo 484.º do Código Civil: “Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.” No caso sub Júdice a alegada ofensa advém, na alegação dos AA., do teor do capítulo 14 da obra da autoria do 1º R. e publicada em Portugal pela 2ª R. e da sinopse da mesma da autoria da 2ª R.. Assim sendo, como é, no enquadramento jurídico da questão importa ainda atender ao disposto na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, ratificada para aplicação em Portugal pela Lei n.º 65/78, de 13 de outubro e, naturalmente, ao disposto nos artigos 8º, 26º e 37º da Constituição da República Portuguesa. Dispondo a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no seu artigo 10.º, sob a epígrafe “Liberdade de Expressão”: “1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia. 2. O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder.” Feito este enquadramento sintético, dado o facto do tema que nos ocupa neste decisório estar sobejamente tratado na doutrina e na jurisprudência numa perspetiva teórica, passemos a decidir as questões suscitadas pelo caso concreto supra enunciadas. Antes ainda importa referir que, não obstante do ponto da lei – cfr. artigo 608º do Código de Processo Civil, ser este o momento apreciado para decidir da matéria de exceção deduzida pelo 1º R., do ponto de vista da lógica da decisão, entendemos relegar o conhecimento da mesma para momento ulterior, caso não se venha a entender que a mesma se mostra prejudicada. * A verificação de um comportamento culposo dos RR. lesivo do direito à honra e bom nome dos AA. Está assente nos autos o conteúdo integral do capítulo 14 do livro “O País do Dinheiro – A História dos Super-ricos e Corruptos que Estão a Roubar o Mundo e a Destruir a Democracia”, tal como está aceite que o conteúdo do mesmo é integralmente da autoria do 1º R.. Está igualmente assente nos autos o conteúdo integral da sinopse do livro “O País do Dinheiro – A História dos Super-ricos e Corruptos que Estão a Roubar o Mundo e a Destruir a Democracia”, na sua versão em língua portuguesa, bem como que o conteúdo da mesma é integralmente da autoria do 2ª R.. Alegam os AA., em síntese, que o 1.º R. vem associar o 1.º A. a uma governação imputada como corrupta, obscura e pouco transparente atribuída ao anterior líder do MPLA e Presidente da República de Angola, Eng.º J …, e pela sua filha L …, perpassando a ideia que a de que a aquisição dos vestidos de noiva e respetivos adornos da 2.º A., filha do 1.º A., e vestidos de cerimónia e respetivos adornos da sua mãe e madrinhas, todos referidos no referido Programa Televisivo “Say Yes to the Dress”, é reveladora de falta de idoneidade, integridade, corrupção e mau uso do poder público que o 1.º A. detém enquanto governante, atualmente Vice-Presidente da República de Angola. Mais alegam que o 1.º R. personifica, naquele capítulo 14, o 1.º A., como um dos “super-ricos e corruptos que estão a roubar o mundo e a destruir a democracia”. E, ainda que o 1º R. produz estes juízos e imputações qualquer suporte probatório atendível e/ou razão, antes se fundamentando em meras conjeturas e suposições. Vejamos se assiste razão aos AA. e se os escritos dos RR. consubstanciam comportamentos lesivos ofensivos do direito à honra e ao bom nome dos AA.. Na apreciação da questão importa desde logo ter em conta de que ao contrário do alegado pelos os AA. o texto escrito pelo 1º R. assenta em factos concretos e objetivos, já anteriormente conhecidos pelo público e tornados do conhecimento do público por intervenção direta e voluntária dos próprios AA.. Tal como alegado pelos AA. e aceite pelos RR. as únicas referências aos AA. na obra da autoria do 1º R. surgem no Capítulo 14, designado por “DIZ SIM AO DINHEIRO”, e referenciado como “um trocadilho com o nome do programa de televisão nele citado, Say Yes To the Dress (Diz que sim ao Vestido)”, e em pp. 299 e 301, no capítulo 16, da 1.ª edição, de novembro de 2019, por referência ao mesmo Capítulo 14. Analisado o texto escrito pelo 1º R. podemos sem qualquer dúvida dizer que os onze primeiros parágrafos do identificado capítulo correspondem à descrição do episódio do programa televisivo Say Yes To the Dress, no qual a 2ª A. participou de forma voluntária, nos termos provados de dd) a nn) dos factos provados. Assim, toda a referência feita pelo 1º R. neste segmento do texto é puramente factual e descreve a participação voluntária da 2ª A. num programa televisivo, o qual à data da publicação do livro em Portugal havia sido já exibido, sendo o seu teor do integral conhecimento dos AA.. Diga-se, igualmente, desde já que os AA. não lograram provar que os valores indicados no referido programa televisivo como correspondentes ao preço dos referidos não correspondessem ao preço pago para aquisição dos mesmos. Assim, em face dos valores publicitados no programa televisivo em que a 2ª A. pessoalmente participou, da falta de resposta ao 1º R. nas interpelações que fez em julho de 2007, nos termos provados em rr) e ss) dos factos provados e da falta de prova de que esses valores não correspondem ao preço pagos pelos vestidos, teremos igualmente de concluir como factual e objetiva a referência feita pelo 1º R. aos valores pagos pelos AA., dado ser o único valor conhecido em face das fontes disponíveis e da prova feita pelos AA. nos presentes autos. No parágrafo 12º, o 1º R. apenas refere que o episódio foi exibido nos Estados Unidos com o acolhimento habitual, fazendo referência tão só ao facto de como os espectadores comentaram que a 2ª A. estava bonita; e no parágrafo 13º ao facto do episódio ter passado depois em Angola. Nos parágrafos 14º a 19º o 1º R. faz um retrato de Angola, situando-o no espaço, indicando a data da sua independência e descrevendo e documentando a sua situação política e económica, sem fazer qualquer referência a qualquer um dos AA.. A descrição feita pelo 1º R. de Angola nestes seis capítulos é factual, de conhecimento público, indicando o mesmo as fontes a que recorreu e citando as mesmas. Nenhuma prova foi produzida pelos AA. no sentido dos factos descritos pelo 1º R. nestes seis parágrafos não corresponderem a factos objetivos de conhecimento público. Nenhuma prova fizeram os AA. de que os factos descritos são falsos. Ao contrário, para além das fontes documentais indicadas no próprio texto posto em crise, os RR. produziram prova no sentido dos factos aí referidos corresponderem àquele que é o conhecimento difundido do sistema político-económico de Angola, à data a que o relato se reporta. A testemunha Z …, político português cujo currículo é de conhecimento público e que apenas por respeito à objetividade e mesmo simplicidade que empregou no seu depoimento nos escusamos aqui de enunciar, afirmou com notório conhecimento de causa que a descrição feita pelo 1º R. relativamente à realidade angolana, corresponde efetivamente à realidade politica e económica que o próprio teve ocasião de testemunhar nas deslocações que pessoalmente fez a Angola, no âmbito da representação do Estado Português e de organizações internacionais. Referindo a testemunha Z …, não conhecer pessoalmente nenhum dos AA., não teve dúvidas em afirmar que o retrato feito pelo 1º R. do regime político e económico angolano, correspondia à realidade do mesmo a essa data, afirmando mesmo que o retrato estava muito aquém do que poderia ter sido dito. Na ausência de qualquer prova dos AA, quanto à inveracidade da descrição feita ao sistema político e económico de Angola nos referidos parágrafos e em face quer das fontes indicadas, quer do depoimento da testemunha Z …, cuja razão de ciência do regime político angolano, para além de ter sido indicado pelo próprio ao longo do seu depoimento, é de conhecimento público, conclui o Tribunal que igualmente quanto à referência a esta factualidade o 1º R. baseou o seu escrito em factos objetivos e reais, indicando as suas fontes. No parágrafo 20º surge a primeira referência ao 1º A., também esta factual, reporta-se o 1º R. à participação política do 1º A. e aos cargos por si desempenhados à data a que os mesmos se reportam, contextualizando as suas afirmações, quer no tempo, quer no espaço. Nenhuma prova foi igualmente feita quanto à inverdade da descrição factual aí feita pelo 1ºR.. No parágrafo 21º o 1º R. identifica o 1º A. como pai da 2º A., fazendo uma vez mais referência textual e objetiva às afirmações feitas no episódio do programa Say Yes To the Dress, a que alude no início do capítulo. O parágrafo 22º é igualmente factual, traduz-se na descrição das notícias publicadas em Angola na sequência da exibição do episódio do programa Say Yes To the Dress a que vimos aludindo e tem igualmente o seu suporte documental no doc. 4 junto com a contestação. O parágrafo 23º descreve a posição manifestada pelo 1º A., na rede social Facebook, na sequência das notícias a que se alude no parágrafo anterior, cujo conteúdo e autoria foram confessados pelo 1º A. em audiência de julgamento. No mais os adjetivos utilizados pelo 1º R. para enquadrar a transcrição que faz, não têm conteúdo ofensivo. Afirmar que o 1º A. “ficou furioso” e que “foi troçar da maior parte das críticas que tinha recebido, bem como das exigências de demissão” não constitui ofensa à honra do 1º A., nem ao seu bom nome, limitando-se o 1º R. a adjetivar a resposta dada pelo 1º A. nas redes sociais, a qual reproduz neste parágrafo. A partir do parágrafo 24º, o capítulo 14 é sim, essencialmente, opinativo. O 1º R. partindo dos factos que anteriormente descreve, emite a sua opinião quanto ao facto da 2ª A., filha do 1º A., ministro do governo angolano, ter gasto os valores publicitados para a aquisição dos seus vestidos de noiva e acompanhantes, tendo em conta as condições de vida da generalidade do povo angolano. É essencialmente, quanto ao teor dos parágrafos 24º a 28º do capítulo 14, que os AA. se insurgem, pelo que, os iremos aqui reproduzir, dando desde já por assente que até este ponto o capítulo em causa não contém qualquer conteúdo ou afirmação que não seja factual e que por qualquer constitua violação à honra ou bom nome dos AA.. Escreve o 1º R. nos parágrafos seguintes: “(…)”, assim terminando o capítulo em causa nos autos. Ao contrário do alegado pelos AA. não prescruta o Tribunal nestes parágrafos qualquer conteúdo ofensivo da sua honra e consideração ou do seu bom nome. Com efeito, ao contrário do alegado pelos AA. não existe qualquer associação do 1º A. a, nas palavras dos AA., “uma governação imputada como corrupta, obscura e pouco transparente atribuída ao anterior líder do MPLA e Presidente da República de Angola, Eng.º J …, e pela sua filha L ….”. A única referência neste capítulo ao Eng.º J … e à sua filha L …, reporta-se ao enquadramento histórico e factual a que acima aludimos, sendo igualmente factual e objetivo que à data da gravação e exibição do episódio retratado pelo 1º R., o 1º A. exercia funções governamentais, como Ministro da Administração do Território da República de Angola e à data da publicação do mesmo de Vice-Presidente da República de Angola. Assim, não poderá ser considerado ofensivo da honra do 1º A. a referência a ter integrado o governo do falecido Presidente da República de Angola, Eng.º J …, dado que tal é um facto histórico. Nenhuma associação ou comparação tendo sido feita com os processos e indiciações que publicamente são feitas à governação do Eng.º J … e a conduta de qualquer dos AA.. Nem tal associação se pode retirar das expressões destacadas pelos AA.. O destaque feito, descontextualiza as mesmas. Desde logo, a alusão à utilização do dinheiro alegadamente gasto nos vestidos de casamento, na aquisição de medicamentos, não pode ser considerada como alusiva a má utilização de dinheiro público. O 1º R. não refere em momento algum, nem direta, nem indiretamente que o 1º A. utilizou dinheiro público na sua vida privada, limita-se a opinar sobre o que entende ser o melhor uso para aquela quantia monetária, num país que é identificado com elevados índices de pobreza, por um político desse mesmo país. Concorde-se ou não com a opinião do 1º R., o referido é tão somente a sua opinião crítica. A frase “pode bem ser que S... tenha realmente ganhado o dinheiro honestamente, ou que B …, tivesse a sua própria e secreta carreira empresarial de sucesso, ou que tenha encontrado outro patrocinador (ela não me respondeu aos meus pedidos de comentários que enviei através do Facebook), mas o extraordinário é que ninguém na produtora de televisão parece ter pensado em perguntar isso.” Corresponde no seu primeiro segmento a um discurso hipotético, sem conteúdo ofensivo da honra do 1º A. (o 1º R. até admite a hipótese de a 2ª A. ter tido um patrocinador); o discurso hipotético do primeiro segmento serve para o autor da obra dele retirar a ideia que procura demonstrar no capítulo, a de que, no que ele denomina, o País do Dinheiro, não se procura saber a origem do dinheiro que circula no mundo. Aliás foi integralmente neste sentido a prova produzida em audiência de julgamento. O 1º R., nas suas declarações esclareceu que a referência ao episódio do Say Yes to the Dress, serviu para ilustrar a falta de escrutínio pelas empresas comerciais da origem do dinheiro, quando estão em causa elevadas quantias, sendo esse o objetivo do capítulo em causa. Estas declarações feitas pelo autor da obra em causa, dão perfeitamente credíveis após a leitura integral da obra, percebendo o leitor destinatário o contexto em que o capítulo 14 surge, e o caráter metafórico ou ilustrativo do episódio retratado pelo 1º R. (a história da compra dos vestidos) independentemente de quem fossem os protagonistas da mesma. Linha de pensamento que mantém, no capítulo 15, ao referir-se à aquisição de imobiliário de luxo e que conclui depois no capítulo 16, sem que a as referências que aí faz aos AA. sejam igualmente suscetíveis de ofender a honra e bom nome dos mesmos. Por último as frases relativas à alegada postura da 2ª A. ao decidir participar no programa televiso Say Yes to the Dress, constantes do parágrafo 27 do aludido capítulo, não podem igualmente de ser qualificadas como meramente opinativas e não lesivas da honra e do bom nome da 2ª A.. Tal como dispõe o citado artigo 10º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem “qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras.” Ora, em face da prova produzida em audiência de julgamento o teor do capítulo em causa constitui o exercício legítimo da liberdade de expressão e da liberdade de opinião e de transmissão de informações e ideias por parte do 1º R., sem qualquer conteúdo ofensivo da honra e bom nome dos AA., pelo que entendemos que não existe sequer um conflito entre os dois direitos. É legitimo o desagrado dos AA. em verem novamente exposto um episódio que poderia ser somente da sua esfera privada e que foi sujeita a crítica pela opinião pública e no que ora releva pela opinião do 1º R.. Porém, no caso sub Júdice tal legitimidade surge algo mitigada. Com efeito, de forma voluntária a 2ª A. tornou do domínio público, aquilo que seria da sua esfera eminentemente privada, a cerimónia do seu casamento e os preparativos para a mesma, no que aos trajes respeita. Ora, sendo a 2ª A. uma figura pública, e filha de uma figura pública, o 1º A., é unanimemente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência portuguesa que, a sujeição ao escrutínio da sua vida pública (no caso tornada pública pela própria) é superior àquele a que se tem que sujeitar a pessoa que não tem tal qualificativa, sendo exigível aos visados que se conformem com esse elevado nível de escrutínio. Neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de outubro de 2019, Processo nº 4161/16.9T9LSB.L1-3, Relator Desembargador João Lee Ferreira, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl., que sendo prolatado no âmbito da jurisdição penal, faz no seu sumário uma síntese atualizada da posição atual da jurisprudência portuguesa maioritária sobre esta matéria. Aí se lendo: “Sumário: I–A concordância prática do direito à integridade moral, ao bom-nome e à reputação, por um lado, com o direito de cada um exprimir e divulgar livremente o seu pensamento através da palavra, da imagem ou qualquer outro meio, por outro, tem de se afirmar, não apenas pela interpretação e aplicação das normas constitucionais e legais internas, mas também pela aplicação das normas que integram as convenções internacionais a que Portugal está obrigado, com particular realce para a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), tal como vêm sendo interpretadas e aplicadas pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). II–Em sucessivos acórdãos incidindo sobre aplicação do artigo 10º da Convenção, o TEDH consolidou jurisprudência segundo a qual “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais das sociedades democráticas, e uma das condições primordiais do seu progresso e desenvolvimento”, enfatizando-se que o direito à liberdade de expressão vale para as ideias ou informações consideradas favoravelmente pelo conjunto da sociedade ou que sejam inofensivas ou indiferentes mas também para as que ferem, chocam ou inquietam, pelo que, em consequência, a possibilidade de admitir excepções à liberdade de expressão deve ser entendida sob interpretação restritiva e deve corresponder a uma imperiosa necessidade social. III–O TEDH tem sublinhado a necessidade de se proceder a uma valoração do conteúdo ou sentido das expressões em causa, integrando-as no contexto em que surgiram , considerando que mesmo os juízos de valor susceptíveis de reunirem indiscutivelmente apenas um conteúdo ofensivo, podem afinal merecer a protecção da liberdade de expressão, desde que sejam dotados de uma base factual mínima e de uma explicação objectivamente compreensível de crítica sobre realidades objectivas em assunto de interesse público ou em debate de natureza política. No campo restrito das comunicações sobre factos, ou seja, sobre acontecimentos da vida real, o Tribunal tem entendido que a protecção pela liberdade de expressão depende da veracidade desses mesmo factos ou, no limite, da ocorrência de fundamento bastante para que o agente, agindo de boa fé e com a informação disponível, acreditasse na veracidade desses mesmos factos.” Aqui chegados, poderemos desde já e sem mais concluir que as afirmações feitas pelo 1º R. no capítulo 14 do livro intitulado na sua versão portuguesa, “O País do Dinheiro: A História dos Super-ricos e Corruptos Que Estão a Roubar o Mundo e a Destruir a Democracia”, não são suscetíveis de prejudicar o crédito ou o bom nome dos AA., nos termos do disposto no artigo 484º do Código Civil, não revestindo assim conteúdo ilícito face ao direito português, antes se enquadrando no universalmente reconhecido direito à liberdade de expressão. Afastada que está a ilicitude do comportamento imputado ao 1º R. pela elaboração da obra, improcedem naturalmente todos os pedidos formulados pelos AA. e que tinham como fonte a alegada ilicitude. Com efeito, dada a natureza cumulativa dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, a não verificação de um deles, implica a improcedência dos pedidos formulados. No caso sub Júdice não se verifica desde logo a prática de um facto ilícito imputável ao agente, a título doloso ou negligente, nem a violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, no que ao conteúdo da obra da autoria do 1º R. respeita, pelo que o conhecimento dos demais requisitos da responsabilidade civil aquiliana dos RR. fica prejudicada, nesse sentido o Tribunal se abstém do conhecimento dos mesmos – artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil. Imputaram ainda os AA. à 2ª R. a responsabilidade autónoma pelo conteúdo da sinopse da obra publicada em Portugal e na sua versão portuguesa. Está assente e aceite que a sinopse da obra é da autoria da 2ª R. tendo sido elaborada pelos seus funcionários, no exercício das respetivas funções profissionais. Não cabe nesta sede sindicar de modo algum o processo intelectual de elaboração da sinopse, mas tão só aferir se o seu conteúdo é suscetível de ofender a honra e bom nome dos AA.. Tal como consta da matéria de facto provada a sinopse da obra elaborada pela 2ª R. tem o seguinte teor: “(…)” Desde logo se diga que na sinopse nenhuma referência é feita à pessoa dos AA. ou à de qualquer uma das outras pessoas públicas identificadas pelo 1º R. na obra. A única ligação direta que se pode identificas na sinopse à pessoa dos AA. decorre da referência a Angola. Sucede que na obra, as referências a Angola, não surgem apenas e tão só no capítulo 14, para que se possa dizer que há uma conexão entre “a história dos super-ricos e corruptos que estão a roubar o mundo e a destruir a democracia” e o episódio retratado neste capítulo. No livro, cuja sinopse constitui uma síntese, no caso confessadamente com objetivos comerciais, a primeira referência a Angola surge a páginas 21 e a segunda a paginas 22, sem qualquer referência à pessoa dos AA.; existindo, nomeadamente a páginas 66 e 97 outras referências ao continente africano, igualmente sem qualquer alusão aos AA.. Analisámos já o conteúdo da obra no que aos AA. respeita, concluindo pela inexistência de afirmações ilícitas, suscetíveis de violarem a honra ou o bem nome dos mesmos. Ora a outra conclusão não podemos chegar no que à sinopse respeita, na qual nenhuma referência é feita à pessoa dos AA.. Tal como disse afirmaram as testemunhas … e M …, a sinopse da versão portuguesa foi elaborada de forma generalista, com o propósito de cativar o potencial leitor para o livro e resultando das sinopses das versões do livro já anteriormente editadas. Esclareceram que a referência a “Angola” teve uma perspetiva comercial, dada a proximidade de Portugal e do povo português a esse país, negando qualquer intenção de com a mesma visar os AA.. Neste ponto foi de especial relevância o depoimento da testemunha M … ao afirmar que a sinopse não poderia visar o 1º A., porque o 1º A. não era uma figura publica e politica conhecida ou reconhecida pelo público português. Pelo que, desde logo em face do teor manifestamente genérico da sinopse e por outro lado em face da prova produzida quanto aos motivos subjacentes à sua elaboração, nos quais não foi sequer considerada a referência aos AA. no conteúdo da obra, se conclui igualmente pela inexistência de ilicitude na sinopse, não sendo o seu conteúdo objetivamente violador da honra e bom nome dos AA., nem direta, nem indiretamente. Ou seja, nem a sinopse individualmente considerada visa a honra e bom nome dos AA., nem a leitura da mesma, a par da obra, é violadora de tais direitos fundamentais, dado o conteúdo objetivo dos capítulos em que os AA. são visados. Do exposto, resulta que igualmente não se verifica a prática de um facto ilícito autonomamente imputável à 2ª R., a título doloso ou negligente, nem a violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, no caso o dos AA.. Como acima referimos, a falta de verificação deste requisito, implica que o conhecimento dos demais fique prejudicada. Concluindo o Tribunal que os RR. não praticaram individual e autonomamente qualquer facto ilícito pelo qual fossem suscetíveis de ser responsabilizados civilmente, não poderão, necessariamente, ser responsabilizados solidariamente pela prática de quaisquer atos ilícitos. Responsabilidade solidária essa que sempre ficaria afastada por falta de prova da existência de uma relação contratual entre o 1.º R., na qualidade de autor de Obra, e a 2.ª R. na qualidade de sua Editora, a qual não lograram os AA. provar, como lhes incumbia, antes logrando os RR. provar a inexistência da mesma. Por todo o exposto nada mais resta do que, sem necessidade de outros considerandos e prejudicadas que se mostram as demais questões suscitadas, julgar a ação integralmente improcedente por não provada, sendo os RR. absolvidos da totalidade dos pedidos contra si deduzidos, o que afinal se decidirá.» Os Autores/Apelantes discordam deste entendimento, argumentando, em síntese, que: - Da leitura da obra e depois do Capítulo 14, em consonância com o título, subtítulo, crítica na capa e sinopse na contracapa, resulta evidente que estes são suscetíveis de violar de forma grave, abrupta e infundada os direitos de personalidade dos Autores - o direito à honra, consideração e imagem da Autora enquanto cidadã e empresária, e o direito do Autor enquanto cidadão e (à data) Vice-Presidente da República de Angola (cf. artigos 1.º, 25.º e 26.º, da CRP e 70.º e 79.º do CC) -, sendo eles retratados como “Super-Ricos, Corruptos, Bandidos internacionais, Políticos, Nomes Poderosos, Novos Cleptocratas, Criminosos Globais”, tendo a “história” do casamento da Autora sido utilizada para ilustrar uma conduta de roubo de dinheiro público (por parte do Autor enquanto Ministro) num país pobre (Angola) e lavagem desse dinheiro num país rico (na cidade de Nova Iorque), e consequentemente de corrupção, retrato esse feito através de suspeições infundadas, pensamentos hipotéticos e presuntivos, sem qualquer adesão à realidade, nem a factos concretos e objetivos; - A referência a “Angola” na sinopse deveu-se a (alegada) questão geográfica do livro e proximidade com a língua portuguesa, e porque à data estava em voga o escândalo do Luanda Leaks, tendo sido feita essa menção para despertar o interesse da compra pelos leitores portugueses, angolanos ou de língua portuguesa (e/ou sua próxima); - Foi extrapolado o limite da proteção da liberdade de expressão, não se podendo enquadrar a conduta dos Réus na esfera da “atipicidade”, do “recuo da tutela da honra inerente à discussão político partidária ou como situação de exclusão de ilicitude ou de causa de não punibilidade”, pois, na esteira da jurisprudência do TEDH, o “direito à liberdade de expressão”, não é ilimitado, e não pode prevalecer sobre os direitos fundamentais dos cidadãos ao bom nome e reputação, quando a ofensa seja suscetível de invadir o núcleo essencial destes outros direitos fundamentais de forma desmedida, desproporcional e sem motivo atendível, devendo ter-se por verificado o requisito da ilicitude, ao contrário do preconizado pelo Tribunal a quo em claro erro de julgamento; - O Réu agiu com “culpa”, na modalidade de dolo direto ou, pelo menos, com negligência, pois quis deliberadamente retratar, como retratou, os Autores no capítulo 14, e a Autora ainda no capítulo 16, sem qualquer prévia investigação ou confirmação junto deles, ou preocupação na demarcação dos factos e da opinião e respeito pela imagem, honra, consideração e bom nome dos mesmos; - A Ré agiu também com “culpa” na modalidade de dolo direto ou, pelo menos, com negligência, ao perpetuar tal conduta através da publicitação e comercialização da obra em Portugal, tendo sido responsável pela elaboração dos dizeres da capa e da contracapa, designadamente da referência a “Angola” na sinopse alusiva ao único capítulo onde tal país vem retratado tendo por referência duas personalidades concretas, os Autores; - Também se verificaram danos, considerando os factos provados, existindo uma relação de causalidade adequada entre os factos e tais danos. Os Apelados, por sua vez, sustentam, em síntese, que: - Os factos descritos supra se reconduzem ao caso paradigmático do grau mínimo das restrições pacificamente aceites ao direito à honra e ao bom nome das pessoas politicamente expostas – isto é, a da necessidade de proteção da liberdade de expressão e da liberdade de impressa, exercida para escrutinar, analisar, criticar e informar o público sobre figuras públicas, relativamente à conduta que adotam no espaço público; - À luz da matéria de facto apurada e atentos os aludidos critérios de ponderação e o referido princípio da proporcionalidade, temos que o concreto exercício de liberdade de expressão, liberdade de opinião e direito a informar dos Réus, não colide com o bom nome e a honra dos Autores, sendo perfeitamente lícita a sua conduta numa sociedade democrática contemporânea, aberta e plural; - Em consequência do juízo de licitude da conduta dos Réus, não se encontram verificados os pressupostos necessários para que seja determinada a responsabilidade civil extracontratual dos Recorridos – pois se agiram licitamente ao abrigo da sua liberdade de expressão e liberdade de imprensa, não podem responder por alegados “danos morais” invocados pelos Autores; - As demais providências requeridas pelos Autores são manifestamente improcedentes, não tendo nenhum sentido num Estado de Direito democrático esse tipo de pretensões perante uma obra séria e rigorosa de jornalismo de investigação, internacionalmente conceituada e premiada. Passamos a apreciar o caso, fazendo o seu enquadramento jurídico. É fora de dúvida que a presente ação se funda na responsabilidade civil extracontratual, cujo princípio geral está consagrado no n.º 1 do art. 483.º do CC, nos termos referidos na sentença. Assim, para que alguém incorra em responsabilidade civil extracontratual, suportando a respetiva obrigação de indemnizar, é necessário que estejam verificados os seguintes pressupostos: a) o facto voluntário do agente, conduta humana (que pode traduzir-se numa ação ou numa omissão) dominada ou dominável pela vontade; b) a ilicitude desse facto, que pode revestir a modalidade de violação de direito alheio (direito subjetivo) ou de violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios; c) o nexo de imputação do facto ao lesante, ou culpa do agente, em sentido amplo, que se traduz num juízo de censura ou reprovação da sua conduta, e que pode revestir a forma de dolo ou de negligência; d) o dano ou prejuízo; e) o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima. Não se questionando a voluntariedade da atuação dos Réus, discute-se sim a ilicitude da mesma. Vem invocada pelos Autores a violação dos seus direitos de personalidade, mais precisamente o seu direito à honra, bom nome e consideração social. É sabido que a tutela legal desses direitos decorre, além do mais, do disposto no art. 70.º do CC, que, sob a epígrafe “Tutela geral da personalidade”, tem o seguinte teor: “1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. 2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.” Lembramos ainda a tutela constitucional decorrente do disposto no art. 26.º, n.º 1, da CRP, nos termos do qual “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação.” Os Réus defendem que a sua atuação encontra inteiro respaldo na liberdade de expressão e informação. É sabido que esta liberdade merece ampla consagração legal, desde logo ao nível constitucional, dispondo o art. 2.º da CRP que “(A) República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.” Em particular, estabelece o art. 37.º da CRP, sob a epígrafe “Liberdade de expressão e informação”, que: “1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações. 2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura. 3. As infrações cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respetivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei. 4. A todas as pessoas, singulares ou coletivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de retificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.” Também os instrumentos de direito internacional conferem proteção a esta liberdade, merecendo destaque: - O art. 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nos termos do qual: “1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia. 2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.” - O art. 11.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que, sob a epígrafe “Liberdade de expressão e de informação”, dispõe que: “1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras. 2. São respeitados a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social.” Aliás, no quadro do Direito da União Europeia, vem sendo reconhecida a necessidade de atribuir ao art. 11.º da Carta o significado e o âmbito do correspondente art. 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) sobre o direito à liberdade de expressão, na interpretação dada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), bem como de “eliminar os obstáculos à boa tramitação das ações cíveis, assegurando simultaneamente proteção às pessoas singulares e coletivas envolvidas na participação pública em questões de interesse público, em particular jornalistas, editores, organizações de comunicação social, denunciantes e defensores dos direitos humanos, bem como organizações da sociedade civil, ONG, sindicatos, artistas, investigadores e membros da comunidade académica, contra processos judiciais instaurados contra elas para as dissuadir da participação pública.” Isto mesmo vem afirmado nos considerandos 4 e 6 da DIRETIVA (UE) 2024/1069 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 11 de abril de 2024, relativa à proteção das pessoas envolvidas na participação pública contra pedidos manifestamente infundados ou processos judiciais abusivos («ações judiciais estratégicas contra a participação pública»)”. Pelo seu interesse para a compreensão do regime, citamos ainda os considerandos 7 a 10: “(7) O direito à liberdade de expressão é um direito fundamental que deve ser exercido com sentido de dever e responsabilidade, tomando em consideração o direito fundamental das pessoas a obterem informações imparciais e o respeito pelo direito fundamental à proteção da reputação, dos dados pessoais e da privacidade. Em caso de conflito entre estes direitos, todas as partes têm de ter acesso a tribunais, no devido respeito pelo princípio do processo equitativo. Para esse efeito, a presente diretiva deverá dar ao órgão jurisdicional ao qual foi submetida a questão a discricionariedade necessária para ponderar se a aplicação das garantias pertinentes é adequada num caso específico. Ao fazer uso dessa discricionariedade, o tribunal não deverá aplicar essas garantias, por exemplo, quando a participação pública não é feita de boa fé, como nos casos em que, através do ato de participação pública, o demandado tenha divulgado desinformação ou forjado alegações com o objetivo de prejudicar a reputação do demandante. (8) Os jornalistas desempenham um papel importante na facilitação do debate público e na transmissão e receção de informações, opiniões e ideias. Deverão poder exercer eficazmente e sem medo as suas atividades, de modo a garantir que os cidadãos tenham acesso a uma pluralidade de pontos de vista nas democracias europeias. O jornalismo independente, profissional e responsável, bem como o acesso à informação pluralista, constituem dois dos principais pilares da democracia. É essencial que os jornalistas disponham do espaço necessário para contribuir para um debate aberto, livre e justo e para combater a desinformação, a manipulação da informação e a ingerência, em conformidade com a ética do jornalismo, e que lhes seja concedida proteção quando agem de boa-fé. (9) A presente diretiva não apresenta uma definição de «jornalista», uma vez que o objetivo é proteger toda a pessoa singular ou coletiva em razão do seu envolvimento na participação pública. No entanto, importa sublinhar que o jornalismo é praticado por um vasto leque de intervenientes, nomeadamente repórteres, analistas, colunistas e bloguistas, bem como outras pessoas que participam em formas de autopublicação impressas, na Internet ou noutros meios. (10) Os jornalistas de investigação e as organizações de comunicação social, em particular, desempenham um papel central na exposição da criminalidade organizada, do abuso de poder, da corrupção, das violações dos direitos fundamentais e do extremismo, bem como no combate aos mesmos. O seu trabalho comporta riscos particularmente elevados, sendo cada vez mais alvo de ataques, assassinatos e ameaças, bem como intimidação e assédio. É necessário um sistema sólido de garantias e proteção, que permita aos jornalistas de investigação desempenhar o seu papel crucial de guardiões em questões de interesse público, sem medo de punições por procurarem a verdade e informarem o público.” É com frequência que os tribunais portugueses são chamados a pronunciar-se sobre casos em que, perante a alegação de ofensas à honra por parte do demandante (autor/assistente), vem o demandado (réu/arguido), em sua defesa, para justificar a licitude da sua conduta, invocar a liberdade de expressão, sendo vasta a jurisprudência nacional a esse respeito, registando-se em anos mais recentes uma certa evolução no sentido de se coadunar com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) que, em vários acórdãos, tem condenado o Estado Português em processos movidos por cidadãos que, tendo sido condenados judicialmente pela prática de crimes (como a difamação), vêm reclamar uma indemnização, alegando ter sido violado o seu direito à liberdade de expressão. Um exemplo paradigmático da jurisprudência nacional é o acórdão do STJ de 31-01-2017, proferido no proc. n.º 1454/09.5TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, de que citamos, pelo seu interesse, parte do respetivo sumário: “I - A liberdade de expressão e a honra conformam dois direitos fundamentais, que, dada a sua relevância, mereceram a consagração constitucional. II - Trata-se de direitos pertencentes à categoria dos direitos, liberdades e garantias pessoais, pelo que lhes é aplicável o seu regime específico, designadamente o previsto no nº2, do art.18º, da CRP. III - O citado nº2 deu, assim, expressa guarida constitucional ao princípio da proporcionalidade, também chamado princípio da proibição do excesso. IV - À luz da Constituição, a liberdade de expressão e a honra têm o mesmo valor jurídico, inviabilizando-se qualquer princípio de hierarquia abstracta entre si. V - Importa, assim, recorrer ao princípio da concordância prática ou da harmonização. VI - Todavia, revelando-se impossível alcançar uma solução de harmonização, para se obter uma solução justa para a colisão de direitos haverá que proceder a uma ponderação de bens, seguindo-se uma metodologia de balanceamento adaptada à especificidade do caso. VII - Razão pela qual a resolução do conflito não poderá deixar de assumir uma natureza concreta, esgotando-se em cada caso que resolve. VIII - A resolução concreta do conflito entre a liberdade de expressão e a honra das figuras públicas, no contexto jurídico europeu, onde nos inserimos, decorre sob a influência do paradigma jurisprudencial europeu dos direitos humanos. IX - O TEDH, interpretando e aplicando a CEDH, tem defendido e desenvolvido uma doutrina de protecção reforçada da liberdade de expressão, designadamente quando o visado pelas imputações de factos e pelas formulações de juízos de valor desonrosos é uma figura pública e está em causa uma questão de interesse político ou público em geral. X - Perante uma orientação jurisprudencial estabilizada junto do TEDH, como acontece em casos como o dos autos, os tribunais portugueses não poderão deixar de se influenciar pelo paradigma europeu dos direitos humanos. XI - Em sede de ponderação dos interesses em causa e seguindo-se uma metodologia de balanceamento adaptada à especificidade do caso, é de concluir ser a liberdade de expressão que, no caso concreto, carece de maior protecção. XII - Sendo que, no caso, atenta a matéria de facto apurada, o exercício da liberdade de expressão se conteve dentro dos limites que se devem ter por admissíveis numa sociedade democrática hodierna, aberta e plural, atentos os aludidos critérios de ponderação e o referido princípio da proporcionalidade, o que exclui a ilicitude da lesão da honra dos recorrentes.” Transpondo estas considerações para o caso dos autos, começamos por salientar que o livro em apreço não é uma peça jornalística (uma reportagem ou notícia), é uma obra, cujo autor é o Réu, tendo celebrado com uma empresa britânica um contrato de edição dessa obra. Embora o Réu seja jornalista, o conteúdo do seu trabalho visado na presente ação é uma obra literária, editada pela Ré, que não é uma empresa jornalística ou noticiosa, sendo que a pretensão dos Autores, que invocam a violação do seu direito à honra e bom nome, poderá contender com os direitos à liberdade de expressão e à informação. Muito embora os Autores se insurjam especificamente contra algumas passagens do capítulo 14, conjugadas com o título e o subtítulo da obra, e ainda com a sua sinopse, não deixam as Partes de fazer referência a todo o teor do livro, o qual, conforme acima referido, foi lido na íntegra neste Tribunal da Relação. Segundo os Apelantes, face ao teor do capítulo 14 do livro - intitulado “O País do Dinheiro” e com o subtítulo “A História dos Super-ricos e Corruptos Que Estão a Roubar o Mundo e a Destruir a Democracia” -, foi afirmado ou sugerido nessa obra que o Autor é um dos super-ricos e corruptos que estão a roubar o mundo e a destruir a democracia, mais precisamente que o dinheiro com o qual foram pagos os vestidos referidos no programa Say Yes to the Dress foi roubado. Alegam que isso é falso, pois o preço dos vestidos foi inferior ao que foi anunciado no programa e houve contributos de outras pessoas para os gastos do casamento, factos que não lograram provar. Não colhe a argumentação de que, face ao subtítulo do livro ou à sua sinopse (mormente porque nesta se menciona Angola), é forçoso concluir que o Réu estava, indiretamente, a referir-se aos Autores como super-ricos e corruptos. Essa é uma visão muito simplista da obra, que não podemos acompanhar. Efetivamente, nem Angola está entre os países que no livro são objeto de uma análise mais desenvolvida (como é o caso da Ucrânia, Nevis, a Suíça e os EUA), nem todas as pessoas visadas no livro são tidas por corruptas. Parece-nos importante salientar que no livro até se dá conta de muitas formas de adquirir riqueza que nada têm a ver com corrupção ou práticas desonestas desonestas, referindo-se, por exemplo, ser possível lucrar com a desigualdade, tornando-se plutonomista, ao “investir nas empresas que fabricam o tipo de produtos favorecidos por B … (a «princesa» angolana recém-casada com os vestidos de 200 mil dólares) ou (…)” (pág. 299 do capítulo 16) ou lucrar com negócios que minam as regulamentações de outros Estados (como o jogo), sendo muitos os exemplos de “residentes do País do Dinheiro” ou aspirantes a sê-lo, que vão para além da figura do estadista corrupto ou oligarca russo, abrangendo personalidades como milionários chineses de imobiliário e fabrico, magnatas indianos de software, barões latino-americanos do petróleo e da globalização (cf. pág. 300 do capítulo 16 e pág. 324 do capítulo 18). Desde já adiantamos que, lendo e relendo o aludido capítulo, não vemos aí imputada ao Autor, muito menos à Autora, a prática de atos do foro criminal em termos passíveis de serem considerados ofensivos da sua honra e consideração. Vemos sim um comentário crítico - que o Réu pretendeu fazer com alguma ironia ou um certo sentido de humor -, à circunstância (evidenciada pelos elementos citados no texto) de os Autores terem despendido uma avultada quantia de dinheiro no casamento desta última, em particular na aquisição de dois vestidos de noiva, sete vestidos das damas de honor e acessórios, numa loja em Nova Iorque. Contrariamente ao que sustentam os Apelantes, parece-nos fora de dúvida, ante os factos provados, que o Réu escreveu o referido capítulo do livro com base na informação que recolheu, incluindo a que consta do dito episódio televisivo. Não há notícia de que os Autores tenham reagido contra a produtora norte-americana do programa ou contra as pessoas que no mesmo veicularam tal informação, alegando que esta não correspondia à realidade. De salientar que se trata de um programa em que a Autora participou voluntariamente e que foi objeto de ampla divulgação num canal de televisão (e pela Internet), sendo, pois, legítimo que o Réu utilizasse, na sua obra, toda a informação que se pode retirar do visionamento desse programa. Ora, à parte as observações feitas pelo Réu, o conteúdo desse programa concreto, tal como resulta do relato feito no capítulo (cuja correção face ao afirmado no programa nem foi verdadeiramente posta em causa), veicula a ideia de que foram adquiridos (pelos Autores) para o casamento da Autora um total de nove vestidos (dois de noiva e 7 de damas de honor) e diversos acessórios numa despesa que, globalmente considerada, é na ordem dos 200.000 €. No dito programa menciona-se também que a festa do casamento seria para 800 pessoas e percebe-se que existiram pelo menos duas viagens - da Autora e acompanhantes - de Angola a Nova Iorque, uma primeira para escolher os vestidos e outra para a prova, sendo que o programa descrito no livro corresponde à prova na loja, em “ambiente VIP”, pelo atendimento proporcionado (que aconteceu durante a estadia da noiva e acompanhantes em Nova Iorque, que no episódio se diz ter a duração de três dias, sendo que tudo deveria ficar concluído para que pudessem levar os vestidos). Portanto, além da compra dos vestidos, é percetível que existiram duas viagens de um grupo de pessoas, incluindo passagens áreas e estadia, com as inerentes despesas. O Réu, no seu livro, dá conta destes acontecimentos, descrevendo o conteúdo essencial do programa televisivo para criticar o facto de alguém, num país como Angola (não discordando os Autores do que é dito sobre este país no livro), se dar ao luxo de organizar um casamento destes, com dinheiro cuja proveniência (lícita ou ilícita) não é referida, sem imputar ao Autor, muito menos à Autora, a prática de quaisquer atos criminosos, designadamente de corrupção ou roubo. Compreende-se que uma crítica como a feita pelo Réu (descrevendo o que diz ser uma “história de bling e de excesso” que “serve como metáfora perfeita para o papel que ir às compras tem no País do Dinheiro”) tenha incomodado os Autores. Aliás, está provado que a Autora vivenciou sentimentos de angústia com os comentários que foram feitos, incluindo pelo Réu, sendo natural que o Autor também possa ter ficado triste por ver a sua filha nesse estado. Porém, isso não significa que, no contexto fáctico apurado, uma tal crítica – no fundo, toda a abordagem que é feita ao “assunto do casamento” – possa ser considerada ilícita, por ofensiva da honra e consideração dos Autores, ou uma intromissão na sua vida privada, ou a divulgação de “desinformação” ou de alegações forjadas (“fake news”) com o objetivo de prejudicar a reputação daqueles. Efetivamente, foi a própria Autora quem, anos antes, optou por mostrar ao público os aspetos da sua vida privada (do seu casamento) relacionados com as compras feitas na Kleinfeld, em Nova Iorque, no programa da série da TLC “Say yes to the dress”, o qual, quando foi exibido, deu azo a notícias e comentários (públicos) e à reação pública por parte do Autor, que já então era uma “pessoa politicamente exposta” (com o sentido que essa expressão tem na Lei n.º 83/2017, de 18-08, de agosto, que, além do mais, estabelece medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, transpõe parcialmente as Diretivas 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, e 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de dezembro de 2016). Sendo o Autor, desde há alguns anos, uma figura pública da área política em Angola, e tendo a sua filha decidido expor a sua vida privada (no que ao casamento concerne) no referido programa televisivo, em que foi exibido um nível de despesas muito avultado em termos relativos (face ao nível de vida da maioria das pessoas daquele país), parece-nos que, independentemente da proveniência do dinheiro usado - nunca sendo afirmado no referido capítulo que havia sido obtido por via de corrupção ou roubo -, ficaram numa posição em que podiam ser alvo de críticas e comentários, em linha com o conhecido provérbio de que “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. Na leitura que fazemos do livro, em particular do capítulo 14 em que é abordado o “assunto do casamento”, o Réu claramente exprimiu a sua opinião crítica sobre o que podemos designar por “comércio do luxo” e a circunstância de o mesmo não conhecer fronteiras, recorrendo ao episódio televisivo para o ilustrar de forma que tentou fosse algo “pitoresca”, sem que, para isso, tenha afirmado que o Autor era corrupto. De salientar que o Réu não teve pejo algum em identificar no seu livro as personalidades que efetivamente considerou corruptas - fê-lo logo no primeiro capítulo, intitulado “A Caverna de Aladino”, em que se referiu a um anterior governante da Ucrânia, afirmando designadamente “Toda a gente sabia que AA … era corrupto, mas ninguém antes tinha visto a dimensão da sua riqueza. (…) Na Ucrânia, AA … e a sua clique governativa dirigiam na sombra uma segunda operação estatal, que funcionava em paralelo com o aparelho governamental oficial. Em vez de governarem, roubavam. Onde era suposto pagar-se impostos, aceitavam luvas para ajudar as pessoas a fugir-lhes. Onde se davam licenças, estas eram atribuídas aos amigos. Onde os negócios floresciam, eram enviados polícias para exigir dinheiro de proteção (…)”. Porém, no capítulo em causa nenhuma atuação criminosa é imputada aos Autores, tendo o Réu afirmado que era bem possível que o Autor tivesse ganho o seu dinheiro honestamente, não pondo isso em causa. Não se diga que o Réu quis dizer ou sugerir exatamente o contrário com a frase “Pode bem ser que S... tenha realmente ganhado o dinheiro honestamente, ou que B … tivesse a sua própria e secreta carreira empresarial de sucesso, ou que tenha encontrado outro patrocinador (ela na respondeu aos meus pedidos de comentário que enviei através do Facebook)”. Essa até pode ser a interpretação que os Autores fazem da referida frase, mas não corresponde ao que foi afirmado, parecendo-nos importante lembrar o que foi dito na audiência de julgamento: que, na sua versão original, em língua inglesa, essa frase começa com a expressão “It may well be that”, o que significa que se perspetiva algo afirmado como sendo possível e provável, algo em que se acredita. Tudo o resto que é dito no capítulo não justifica que se possa acreditar ou assumir como mais provável coisa diferente. É certo que com a referência ao salário do Presidente se poderá retirar do texto a sugestão de que o dinheiro despendido nas compras não terá sido inteiramente proveniente da remuneração auferida pelo Autor enquanto ministro. Mas isso acaba por ser inócuo, já que, além de não estar excluída a possibilidade de ele ter feito poupanças e investimentos com sucesso, no capítulo também se dá conta da longa carreira do Autor, advogado de formação, não havendo motivo para concluir que não poderia dispor de meios financeiros suficientes para proporcionar à sua filha um casamento “de sonho”, que a fizesse sentir-se como uma “princesa”. Em nosso entender, da leitura do livro (e não apenas do capítulo) resulta que o Réu não quis tomar nenhuma posição a respeito da origem (lícita ou ilícita) do dinheiro despendido com as compras feitas na Kleinfeld e as viagens a Nova Iorque (que, aliás, nem na presente ação os Autores quiseram revelar), até porque, na sua perspetiva, fosse qual fosse a proveniência desse dinheiro, o que mais lhe interessava era fazer uma descrição, em tom crítico, sobre os gastos, tidos por excessivos, com produtos e um estilo de vida de luxo e ostentação, em países onde a maior parte da população se debate com carências ao nível da alimentação e da saúde, ou seja, ao que considera ser uma forma pouco ética (pela inerente injustiça social) como uma certa elite das pessoas mais ricas gasta o dinheiro. De sublinhar que o Réu, no referido capítulo, não se limitou a criticar quem gasta assim o seu dinheiro, mas também quem ganha com isso, deixando como mensagem principal do capítulo a conclusão a que chega no parágrafo final, ao referir-se ao “papel que ir às compras tem no País do Dinheiro. Quando há muito dinheiro em jogo, ninguém faz perguntas”. Essa ideia é repetida no capítulo 16 (pág. 301), quando se afirma que a mensagem básica “aprendida pela loja de vestidos de noiva de S …, ou pelos agentes da zona ocidental de Londres” é a de que “há muito dinheiro a ganhar por aqueles que não fizerem muitas perguntas sobre a origem do dinheiro”. Admitimos que uma parte da crítica do Réu também possa estar relacionada com o facto de o Autor ter aceitado integrar o Governo da República de Angola sob a égide de J …, que, juntamente com sua filha, L …, bem como o governador do Banco Central de Angola, são, esses sim, referidos no capítulo 14 como tendo feito uma grande fortuna. Aliás, numa outra passagem do livro, L … é apontada como “(A) filha do presidente que mais tempo esteve em exercício em Angola tornou-se na mulher mais rica de África, pavoneando-se pelo Ocidente como uma celebridade, enquanto a sua nação tenta sobreviver no que é, na prática, um Estado falhado” (cf. pág. 22). Por isso, a ter de existir no capítulo uma ligação com o subtítulo da obra (como entendem os Apelantes), seria tão ou mais plausível que fossem essas personalidades, e não os Autores, os “super-ricos e corruptos”. Porém, ainda que o Autor possa ter ficado incomodado por se ver associado ao regime governativo de que fez parte nos termos descritos no livro, esse é um dado objetivo, como concretos e objetivos foram a generalidade dos factos descritos no capítulo, em que o Réu veiculou igualmente a sua opinião crítica a esse respeito, ao abrigo da sua liberdade de expressão, pelas razões explicadas na sentença recorrida que merecem a nossa inteira concordância e para as quais remetemos, pois seria despicienda a sua repetição. Reitera-se a compreensão deste Tribunal para o facto de a Autora ter ficado angustiada pela circunstância de o “assunto do seu casamento” ter vindo a ser comentado no livro, dando o mote a este tipo de críticas. Porém, isso não significa que o Réu não pudesse escrever sobre o assunto nos termos em que o fez, descrevendo factos que até já eram do domínio público e manifestando a sua opinião a esse respeito, nem que à Ré estivesse vedado publicar o livro com o descrito conteúdo, por ser (supostamente) ofensivo do direito à honra, ao bom nome e à consideração social dos Autores. Naturalmente, a opinião crítica que o Réu expressou é, em si mesma, passível de crítica, podendo haver quem entenda que ele pouco ou nada percebe sobre o assunto dos casamentos, em especial num país como Angola, e/ou que foi desagradável nas observações que fez sobre o episódio televisivo e as reações que se seguiram. Mas isso não torna o seu comentário ilegítimo ou ilícito, pois entender o contrário seria negar o direito à liberdade de expressão que lhe assiste, não se podendo, pois, considerar que os direitos à honra, ao bom nome e consideração social dos Autores tenham sido lesados por causa de um facto ilícito praticado pelos Réus. Em conclusão, não se descortina o invocado erro de julgamento de direito, a ação não pode deixar de improceder inteiramente, improcedendo as conclusões da alegação de recurso a este respeito, pelo que será negado provimento ao mesmo. Das custas processuais e dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça Vencidos os Autores-Apelantes, são os responsáveis pelo pagamento das custas processuais em ambas as instâncias (artigos 527.º a 529.º, ambos do CPC). Defendem os Autores que devem ser dispensados da totalidade do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida nos termos do art. 6.º, n.º 7, do RCP, invocando, em síntese, a ponderação entre custo/utilidade do serviço efetivamente prestado às partes pelo sistema público de Administração da Justiça, a simplicidade decisória dos autos e a conduta positiva de cooperação das partes em juízo. Vejamos. O valor da ação fixado no despacho saneador é 750.000 €, que também corresponde ao valor do presente recurso (cf. art. 12.º, n.º 2, do RCP). Preceitua o art. 6.º, n.º 7, do RCP que “Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.” Deste preceito legal resulta que, por via de regra, é devido o remanescente da taxa de justiça, podendo a especificidade da situação justificar a dispensa desse pagamento. No presente processo, parece-nos evidente que não se justifica, antes pelo contrário, a dispensa requerida pelos Apelantes. Efetivamente, tanto a ação como o recurso se revestem de complexidade acima da média e a conduta processual das partes, em particular a dos Autores/Apelantes, ainda que não mereça censura, também não é de enaltecer no que concerne à simplificação e agilização processual, considerando o número e a extensão dos articulados e requerimentos apresentados na ação, bem como o número de sessões da audiência de julgamento e a prova carreada para os autos (incluindo um livro de 399 páginas), bem como as alegações de recurso, em que avulta a extensão da alegação recursória dos Apelantes (com 253 páginas) e das respetivas conclusões, que são prolixas e em que foram suscitadas diversas questões, mormente no âmbito da impugnação da decisão da matéria de facto (improcedente na sua maior parte), cuja decisão implicou a reapreciação da prova produzida em audiência de julgamento e a análise de vários documentos, incluindo a leitura do referido livro. Assim, inexiste fundamento de facto e de direito para dispensar o pagamento do valor remanescente da taxa de justiça. *** III - DECISÃO Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida. Mais se decide condenar os Autores-Apelantes no pagamento das custas do recurso. D.N. Lisboa, 12-09-2024 Laurinda Gemas Carlos Castelo Branco Inês Moura |