Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RUI MANUEL PINHEIRO DE OLIVEIRA | ||
Descritores: | EXECUÇÃO DECURSO DO PRAZO PARA OPOSIÇÃO PRECLUSÃO PROPOSITURA DE ACÇÃO DECLARATIVA RESTITUIÇÃO DO MONTANTE COBRADO NA EXECUÇÃO ADMISSIBILIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/05/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | Sumário (da responsabilidade do relator): I – A oposição à execução não deve ser perspectivada como uma contestação ao pedido executivo, pelo que não lhe é aplicável o artigo 573.º do CPC; III – O decurso do prazo para a oposição à execução tem efeitos, apenas, dentro do processo, inexistindo fundamento legal para que se entenda que a respectiva preclusão produz efeitos fora do mesmo; III – Por isso, a não dedução de oposição à execução não impede o executado de propor acção declarativa para obter a restituição do pagamento que, no âmbito da anterior execução, haja efectuado, indevidamente, ao ali exequente. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO 1.1. J intentou acção declarativa, com processo comum, contra Banco, S.A., na qual formulou os seguintes pedidos: «a) Declarar-se que a divida do A. ao R, reclamada por este nos autos de execução que correm termos com o n.º …., pelo Juízo de Execução de …, venceu juros à taxa de juros comerciais, que correspondem à taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, nos termos do § 3.º do artigo 102.º do Código Comercial, até à data do preenchimento da livrança dada à execução, ou seja, até 20 de Março de 2015; b) Declarar-se que, à data do preenchimento da livrança, 15 de Março de 2015, a divida do A. ao R. indicada na alínea anterior, tinha o valor de 58.507,23 € (cinquenta e oito mil quinhentos e sete euros e vinte e três cêntimos), correspondendo ao capital a quantia de 30.917,99 € (trinta mil novecentos e dezassete euros e noventa e nove cêntimos); c) Declarar-se que a divida do A. ao R., indicada na alínea a) deste pedido, e que deu origem à execução aí identificada, se encontra paga deste 28 de Fevereiro de 2023; d) Condenar-se o R. a reembolsar o A. na quantia de 456,74 € (quatrocentos e cinquenta e seis euros e setenta e quatro cêntimos), que recebeu em excesso na execução supra identificada, acrescida das quantias nela que vier a receber, por penhora ao património do A; e) Condenar-se o R. a pagar ao A. juros de mora, à taxa de 4%, sobre as quantias que receber do A., após 28 de Fevereiro de 2023, data da liquidação da divida, desde os recebimentos até à data da devolução das mesmas». Alegou, para tanto e em síntese, que: - o ora R. instaurou contra si a execução n.º …, que corre termos pelo Juízo de Execução de …, e que tem como título executivo uma livrança preenchida com o valor € 111.949,11, subscrita pelo ora A. na qualidade de avalista; - tal valor corresponde ao capital de € 30.917,99 (relativo ao montante pago, em 24.02.2006, pelo ora R. ao Instituto…, em virtude uma garantia bancária que havia prestado a favor da sociedade N, Lda., de quem o ora A. era sócio e gerente), a € 77.914,54 de juros vencidos, à taxa de 27,4%, desde 24.02.2006 e 20.03.2015 (data do preenchimento da livrança), e a € 3.116,58, relativos a imposto de selo; - o ora A. foi citado para a referida execução em 15.06.2015 e não deduziu oposição, tendo sido penhorada a sua reforma e tendo já sido recebido nos autos, por essa via, o valor de 47.684,12 €; - sucede que entre as partes não foi contratualizada a referida taxa de juros, pelo que a remuneração do capital em dívida deveria ter sido feita à taxa supletiva dos juros comerciais, o que, entre 24.02.2006 e 20.03.2015, perfaz a quantia de € 24.472,66; - por isso, a livrança dada à execução deveria ter sido preenchida pelo valor de € 58.507,23, a que acrescem os juros legais, à taxa de 4%, sobre o capital de € 30.917,99, desde a citação do ora A. naqueles autos; - até ao dia 01.03.2023, foi já penhorada na execução a quantia de € 66.067,96, pelo que a dívida do A. ao R., reclamada nos autos de execução, encontra-se integralmente paga desde 28.02.2023, tendo o R. recebido em excesso € 456,74. Conclui, defendendo que a não oposição à execução não preclude o direito do A. de recorrer à acção declarativa para conhecer da taxa de juros aplicada pelo R. aquando do preenchimento da livrança referida. 1.2. O R. contestou, arguindo a excepção da “preclusão do direito de defesa”, que qualificou de peremptória, pronunciando-se pela sua absolvição do pedido, porquanto, não tendo deduzido embargos de executado na execução referida, o A. não pode fazer-se valer de uma nova acção para obter um efeito a que teria direito, ou não, no caso de os haver devidamente deduzido naquela instância. 1.3. O A. respondeu por escrito, pronunciando-se pela improcedência da referida excepção. 1.4. Com dispensa da audiência prévia, foi proferido despacho, que declarou «procedente a invocada exceção de preclusão e absolve-se a ré Banco S.A. da presente instância movida pelo autor J». 1.5. Inconformado apelou o A., pedindo que tal decisão seja revogada e que o processo prossiga para julgamento, formulando, para tanto, as seguintes conclusões: «I - Em Julho de 2015, o recorrente foi citado para a execução n.º…, que corre termos pelo Juízo de Execução de …., não tendo deduzido embargos; II – Na petição inicial dos presentes autos, o recorrente veio alegar que o recorrido preencheu incorrectamente a livrança, título executivo da execução referida na antecedente conclusão, tendo considerado na liquidação da quantia exequenda uma taxa de juros não contratualizada, pedindo que este seja condenado a devolver os valores que recebeu, ou venha a receber, em excesso, por via da errada contabilização dos juros; III – O ora recorrente alegou a inexistência de contratação, pelas partes, da taxa de juro considerada pelo recorrido quando do preenchimento da livrança, afirmando não ter sido outorgado documento que permitisse tal cobrança de juros, que é abusiva, pelo que arguiu a existência de erro no preenchimento da livrança; IV - Em sede de embargos, tal alegação seria matéria de excepção, porque configura facto impeditivo do direito alegado pelo exequente na acção executiva; V - Pede, nesta acção, o recorrente, a restituição, pelo recorrido, do valor cobrado em excesso, ou seja, a repetição do indevido. VI – Entendeu, o Meritíssimo Juiz “a quo”, que a não oposição à execução, por embargos, faz precludir o direito do executado de discutir noutra sede – em acção declarativa – o título ou a obrigação exequenda; VII – Entendeu, o Senhor Juiz “a quo”, não ser discutível, em processo comum declarativo, a substância do direito, estabelecida que está em sede de processo comum executivo a preclusão da possibilidade de o fazer, por não dedução de embargos de executado no momento próprio; VIII – É, pois, entendimento do Tribunal “a quo” que a preclusão intraprocessual, decorrente da não oposição por embargos no prazo para o efeito é, também, uma preclusão extraprocessual, que impede a discussão do título executivo, ou da obrigação exequenda, em posterior acção declarativa; IX – Face a este entendimento, o tribunal recorrido, na douta sentença, deu como procedente a excepçãp da preclusão arguida pelo R. /recorrido, absolvendo-o do pedido; IX – Não tem razão o Meritíssimo Juiz “a quo”, a não dedução de embargos só impede que, nessa execução, se ponha em causa o título ou a obrigação exequenda - é a preclusão intraprocessual; X – A petição de embargos não é uma contestação, mas uma verdadeira petição inicial, não havendo cominação para a sua não apresentação, nem estando o executado nela obrigado à concentração; XI – Pelo que, ainda que haja apresentação de embargos, nada impede que, em futura acção declarativa, se discuta a obrigação de pagamento decorrente do título executivo, desde que a causa de pedir e os fundamentos não sejam idênticos aos arguidos em sede de embargos; XII – Por maior razão, nada impede o executado, que não deduziu embargos, de vir, em acção declarativa, invocar meios de defesa que poderia ter articulado em sede de embargos; XIII –Não se aplica, à não apresentação de embargos, a regra dos art.ºs 576, n.º 1, 573° n.º e 574.º, n.ºs 1 e 2, todos do C.P.C; XIX – Ao decidir, como decidiu, o meritíssimo “Juiz a quo”, aplicou erradamente a lei, nomeadamente aplicando in caso, o disposto nos art,ºs 567, n.º 1, 573° n.º e 574.º, n.ºs 1 e 2, todos do C.P.C; XX – Pelo que, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a decisão recorrida, devendo o processo prosseguir para julgamento». 1.6. O R. contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida, com base nas seguintes conclusões: «1. Tomando por base os que considerou serem os “elementos relevantes dos autos”, o Tribunal a quo concluiu ser claro que as obrigações que o Apelante pretende discutir nestes autos são as mesmas que são objeto de cobrança coerciva no âmbito do processo executivo n.º …, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de …; 2. Mais entendeu o Tribunal a quo que o ora Apelante pretende pôr em causa a licitude da obrigação decorrente da emissão de garantia bancária, a qual tem como acessório o título dado à execução, designadamente, no que concerne a licitude do cômputo de juros efetuado pelo aqui Apelado (que incorporou na obrigação pecuniária principal aquando do preenchimento do titulo); 3. Não restaram dúvidas, por um lado, de que se encontra verificada uma «preclusão intraprocessual» em sede da própria execução, traduzida na impossibilidade de pôr em causa o título ou a obrigação exequenda nessa instância, porquanto o aqui Apelante não deduziu embargos de executado, nos termos do disposto nos artigos 139.º, n.º 3 e 728.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante CPC); 4. E, consequentemente, também se mostra verificada uma «preclusão extraprocessual»; 5. Nas palavras de TEIXEIRA DE SOUSA: “A preclusão intraprocessual torna-se uma preclusão extraprocessual quando o que não foi praticado num processo anterior também não pode ser realizado num processo posterior. Importa salientar um aspecto essencial: a preclusão intraprocessual e a preclusão extraprocessual não são duas modalidades alternativas da preclusão (no sentido de que a preclusão é intraprocessual ou extraprocessual), mas duas manifestações sucessivas de uma mesma preclusão: primeiro, verifica-se a preclusão da prática do acto num processo pendente; depois, exactamente porque a prática do acto está precludida nesse processo, torna-se inadmissível a prática do acto num processo posterior. Portanto, a preclusão começa por ser intraprocessual e transforma-se em extraprocessual quando se pretende realizar o acto num processo posterior.”; 6. No caso destes autos que a matéria em discussão é precisamente a referente à obrigação exequenda e, naquilo que o não é, trata-se de matéria relativa à própria tramitação executiva (penhoras realizadas, valores entregues à ali exequente e cálculo de juros). Quer isto dizer que, além de tal preclusão processual, poderá até existir matéria pretendida trazer para discussão nestes autos declarativos que é objeto processual da execução em curso; 7. É de relevar que o Apelante tinha ao seu dispor o mecanismo de oposição à execução, com os fundamentos mais amplos oferecidos pelo legislador, em consignação com o disposto no artigo 731.º do CPC e, também, com base na al. e) do artigo 729.º do mesmo código; 8. Sucede que, em instâncias de execução foi total a inércia do aqui Apelante; 9. É inconcebível que o Apelante pretenda discutir “os valores já penhorados na ação executiva e dos pagamentos efetuados”, suscitando dúvidas quanto às transferências efetuadas pelo Agente de Execução que, sendo objeto de discórdia, deviam ter sido suscitadas no processo executivo; 10. Com a agravante do Apelante requerer que por via desta ação se reconheça que a dívida peticionada pelo Apelado no processo executivo se encontra liquidada, tendo aquele direito a um eventual reembolso. 11. Em concordância com o que acabou de se referiu veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 15-12-2020, no âmbito do processo 20509/19.1T8LSB.L1-7, Juiz Relatora Carla Câmara; 12. No mesmo sentido, atente-se no plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 16-12-2021, no âmbito do processo 327/20.5T8CBT.G1, Juiz Relator Maria dos Anjos Nogueira; 13. Sublinhe-se que existe um ónus de concentração na oposição à execução, pelo que se deve concluir pela inadmissibilidade de invocação das exceções extintivas da obrigação exequenda que poderiam ter sido invocadas na dita oposição e o não foram; 14. Valendo tal afirmação dentro ou fora do processo executivo em causa, pois só assim se cumprirá verdadeiramente a função de estabilização reconhecida à preclusão; 15. Como argumento a favor desta orientação invoca-se o facto de nos termos do artigo 716.º, n.º 4 do CPC, o executado ser citado para contestar a liquidação em oposição à execução, com a cominação de que, na falta da dedução dessa oposição, a obrigação se considera fixada nos termos do requerimento executivo; 16. Como tal, não se compreenderia que, por falta de dedução desses embargos, a quantia ficasse liquidada no montante indicado no requerimento executivo e que, uma vez finda a execução, o exequente pudesse vir a argumentar que a dívida exequenda nem sequer existe. O efeito cominatório da liquidação só é compreensível se a não oposição à execução (com fundamento, por exemplo, na inexistência, invalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda) tiver um efeito preclusivo; 17. A eventual inexistência do referido efeito «preclusivo extraprocessual» não é compatível com a fixação de um prazo perentório para a dedução de embargos de executado com base em factos supervenientes (cf. artigo 728.º, n.º 2 do CPC). Se a omissão da oposição à execução não tem nenhum efeito preclusivo, cabe perguntar o que justifica que se fixe um prazo perentório para a apresentação dessa oposição com fundamento num facto superveniente; 18. Não atender ao efeito «preclusivo extraprocessual» significa beneficiar o executado que, por negligência ou até por estratégia, não deduz embargos, deixando intacta a possibilidade de futuramente deduzir, com os fundamentos que nos embargos poderia ter invocado, mas não invocou, ação contra o exequente – com a insegurança jurídica por tal possibilidade gerada; 19. A tudo isto acresce o facto de, no âmbito da ação executiva fundada em título extrajudicial, o documento que corporiza a obrigação exequenda encontrar-se dotado de certeza suficiente que permite o imediato recurso a ação executiva, passando-se desde logo à realização coerciva da prestação, sem necessidade de que declare previamente a validade e exigibilidade da obrigação, cabendo, ao executado, caso pretenda usar de tal faculdade, o ónus de impugnar a validade de tal documento ou de, independentemente dessa impugnação, afastar a presunção legal que dele decorre; 20. A estrutura da ação executiva não difere, pois, daquela que tem uma ação declarativa, pois, não sendo deduzida oposição tem-se por admitido o que consta no requerimento inicial da execução, nem sendo necessário, por força da suficiência do título, apreciar a obrigação que nele consta e prosseguindo-se, de imediato, com a realização coerciva dessa obrigação; 21. Assim, mesmo no que tange à solução a dar à questão quando não tenha havido qualquer oposição, inexistindo uma sentença proferida em ação de estrutura declarativa na qual os elementos da instância tenham sido objeto de apreciação jurisdicional de mérito, cremos ficar ultrapassada pela aceitação, nos termos preconizados por TEIXEIRA DE SOUSA, da eficácia da preclusão “per se” em conformidade com o exposto; 22. Também MARCO CARVALHO GONÇALVES, in Lições de Processo Civil Executivo, págs. 261 e 262, referindo-se ao preceituado no n.º 5 do art.º 732.º do CPC, entende que: “(…) se o executado não deduzir oposição à execução, não pode, posteriormente, intentar acção declarativa de condenação contra o primitivo exequente, pedindo a condenação deste na repetição do indevido, com fundamento na existência de um vício no título que serviu de base à execução”, dando como exemplo de jurisprudência nesse sentido o Acórdão da Relação de Évora, de 08-06-2017 (Relator - Rui Moura). 23. Por fim, o motivo que possa justificar o facto do Apelante não ter deduzido embargos é por completo alheio ao Apelado; 24. Neste quadro, é indubitável que não existem razões nem fundamentos para que o recurso apresentado mereça deferimento, devendo a decisão proferida pelo Tribunal a quo manter-se». 1.7. Colhidos os vistos, importa decidir. II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Decorre do disposto nos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, que as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Assim, atendendo às conclusões supra transcritas, a questão essencial a decidir consiste em saber se a não dedução de oposição à execução preclude ou não o direito do aí executado de, em acção declarativa posterior, discutir a obrigação exequenda. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A decisão recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto: «1. Por requerimento inicial instaurado a 15/5/2015, Banco, S.A., ré nestes autos, instaurou execução contra N, Lda; JB; P; A; J (o aqui autor) e JL; 2. Nessa execução a exequente, ora ré, indicou como valor a cobrar o de 112.111,75 € (cento e doze mil cento e onze euros e setenta e cinco cêntimos); 3. Diz, em síntese, nesses autos, para sustentar a pretensão de cobrança o seguinte: A empresa Executada efectuou um pedido de garantia bancária ao Exequente e para garantia das obrigações assumidas, os Executados subscreveram e avalizaram, uma livrança emitida a 04.02.2002, e que, atento o incumprimento por facto imputável aos devedores, veio a ser preenchida pelo montante de € 111.949,11 (…), correspondendo € 30.917,99 a capital, € 77.914,54 e juros devidos desde 24.02.2006 à taxa de 27,40% e € 3.116,58 de imposto selo devidos sobre juros. A livrança venceu-se em 20.03.2015. (…) apresentado o título a pagamento o mesmo não foi pago na data do seu vencimento, nem posteriormente. 4. Apresentou como título executivo um escrito onde consta, no anverso, além do mais, o dizer livrança e no verso uma série de assinaturas ilegíveis junto de dizeres manuscritos por bom aval à firma subscritora; 5. O autor apôs, pelo seu punho, uma das assinaturas constantes do escrito, antes referidas; 6. O aqui autor foi citado em sede de processo executivo por carta registada com aviso de receção, tendo tal aviso sido assinado por terceira pessoa no dia 15/6/2015 (juntada eletrónica ao processo executivo do dia 18/6/2015); 7. O aqui autor não deduziu oposição à execução; 8. Conforme de auto de 4/11/2015, junto à execução a 5/11/2015, foi realizada penhora sobre a pensão do executado aqui autor, do valor, à data de €487,11». IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO O presente recurso não tem por objecto a reapreciação da decisão relativa à matéria de facto, nem se vislumbram motivos para, oficiosamente, alterá-la, razão pela qual se tem a mesma por consolidada. Conforme se referiu, a questão a decidir consiste em saber se o executado deve deduzir toda a sua defesa, nomeadamente, quanto à existência, validade e montante da obrigação exequenda, em oposição/embargos à execução e se, caso o não faça, pode ainda instaurar acção declarativa para discutir essas questões, por forma a ser restituído do que foi (mal) prestado no âmbito daquela execução. Está, portanto, em causa saber se na execução vigora, também, o princípio da preclusão e da concentração da defesa. Como é consabido, este princípio, em termos gerais, obsta a que o réu venha alegar, depois da contestação, factos não alegados e questões não suscitadas (art.º 573.º, n.º 1 do CPC), impedindo que tais factos possam servir de causa de pedir em acções cujo desfecho possa conduzir a uma decisão contrária à já proferida. Com efeito, por força do princípio da concentração da defesa, tem-se afirmado, a propósito do réu, o efeito preclusivo, sendo certo que na doutrina não é pacífica quanto a saber se o mesmo deve ser integrado no caso julgado ou tratado com autonomia. A doutrina maioritária integra, contudo, no âmbito do caso julgado todas as excepções que o réu poderia ter alegado na primeira acção, pelo que tal efeito preclusivo é normalmente inserido pela doutrina no caso julgado. Conforme decidiu o Ac. do STJ de 06.12.2016, in www.dgsi.pt, «o princípio da preclusão ou da eventualidade é um dos princípios enformadores do processo civil e o facto de não constar expressamente de nenhum preceito processual civil decorre da formulação da doutrina e encontra acolhimento no instituto da litispendência e do caso julgado – art.º 580º, nº2, do Código de Processo Civil – e nos preceitos de onde decorre o postulado da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito – art.º 552º, nº1, d) – e das excepções, quanto à defesa – art.º 573º, nº1 do Código de Processo Civil». Sobre este princípio, escreveu-se no Acórdão do STJ de 08.04.2010, www.dgsi.pt, que «embora o conhecimento das excepções não adquira por princípio força de caso julgado material (n.º 2 do artigo 96º do Código de Processo Civil), o trânsito em julgado de uma decisão de mérito faz precludir a possibilidade de, em acção subsequente, poderem vir a ser utilizados para a contrariar questões que, na primeira acção, poderiam ter sido invocados como meios de defesa. Assim resulta do princípio da concentração da defesa, expressamente definido no n.º 1 do artigo 489º do Código de Processo Civil: se nem como oposição a uma eventual execução (cfr. al. g) do nº 1 do artigo 814.º) podem ser utilizados, muito menos podem servir de causa de pedir em acções cujo desfecho possa conduzir à referida contradição», sendo certo que «este regime tanto vale para os meios de defesa que efectivamente foram invocados (…) como para os que não foram». De acordo com Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, II, Almedina, Coimbra, 2015, p. 626., «este ónus de concentração da defesa na contestação, cominado no n.º 1 do art.º 573.º, vale para todos os fundamentos defensórios, designadamente para todas as excepções peremptórias oponíveis à pretensão do demandante, pelo que qualquer excepção não invocada – como, por exemplo, a invalidade do negócio ou o pagamento da dívida – se considera definitivamente precludida». Quando referida a factos, a preclusão é correlativa não só de um ónus de alegação, mas também de um ónus de concentração: de molde a evitar a preclusão da alegação do facto, a parte tem o ónus de alegar todos os factos relevantes no momento adequado. A correlatividade entre o ónus de concentração e a preclusão significa que, sempre que seja imposto um ónus de concentração, se verifica a preclusão de um facto não alegado, mas também exprime que a preclusão só pode ocorrer se e quando houver um ónus de concentração. No caso dos autos, não está, contudo, em causa a contestação ou a falta dela, mas sim a falta de oposição à execução. Ora, desde logo, a oposição à execução não equivale a uma contestação de uma acção declarativa. Conforme ensina Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, Coimbra, 6.ª ed., 2014, p. 212 e 213, «diversamente da contestação da ação declarativa, a oposição à execução, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à ação executiva, toma o caráter duma contra-acção tendente a obstar produção dos efeitos do título executivo e (ou) da ação que nele se baseia». Este é, também, o entendimento de Rui Pinto, in Manual da Execução e Despejo, Coimbra, 1.ª ed., 2013, p. 392 e 393: «Na acção declarativa o direito de defesa corporiza-se num acto, quase sempre articulado: a contestação. A contestação, em sentido próprio, é a dedução de um pedido de absolvição do réu, da instância ou do pedido, fundado seja na impugnação, seja na dedução de factos. Esta defesa por contestação integra o próprio procedimento de produção da sentença final. No final a sentença ditará procedência ou improcedência do pedido da parte ativa (o autor), mas não da procedência do pedido do réu: o caso julgará versará apenas e só sobre a pedido do autor (…). Na acção executiva o direito de defesa corporiza-se numa petição inicial do executado de extinção da execução tendo por fundamento novamente a impugnação de factos ou a afirmação de factos, seja sobre a instância, seja sobre a dívida. Assim, se percebe como, na execução de título diverso de sentença além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 814.º = art.º 729.º nCPC, na parte em que sejam aplicáveis, possam ser alegados quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração (art.º 816.º = art.º 731.º nCPC). Estruturalmente esta defesa do executado não integra o procedimento de execução, sendo autónoma no seu objecto e procedimento, correndo como acção declarativa incidental – fisicamente, por apenso - à execução. Uma contra-acão no dizer de ANSELMO DE CASTRO e de alguns arestos. Aqui no final a sentença ditará a procedência ou improcedência do pedido do autor-executado (parte passiva da execução). Em conclusão: a oposição à execução apresenta-se como uma acção declarativa funcionalmente acessória da acção executiva porquanto justificada pela oposição de uma defesa à dedução de uma pretensão executiva: sem execução não há oposição». Não se estando em face de uma contestação, a falta de dedução de oposição à execução não tem os efeitos cominatórios da falta de contestação (arts. 567.º, n.º 1 e 573.º do CPC). Neste sentido, escreve Lebre de Freitas, Ob. Cit., p. 214, «constituindo petição duma ação declarativa e não contestação duma ação executiva, a dedução da oposição à execução não representa a observância de qualquer dos ónus cominatórios (ónus da contestação, ónus da impugnação especificada) a cargo do réu na ação declarativa: nem a omissão de oposição produz a situação de revelia nem a omissão de impugnação dum facto constitutivo da causa de pedir da execução produz qualquer efeito probatório, não fazendo sentido falar, a propósito, de prova de título executivo, o qual continua, após o decurso do prazo para a oposição como até aí, a incorporar a obrigação exequenda, com dispensa, em princípio, de qualquer indagação prévia sobre a sua real existência. Mas, na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo. A não observância do ónus de excecionar, diversamente da não observância do ónus de contestar ou do de impugnação especificada, não acarreta uma cominação, mas tão-só a preclusão dum direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso. Com uma diferença, porém, relativamente ao processo declarativo: enquanto neste o efeito preclusivo se dissolve, com a sentença, no efeito geral do caso julgado (…), tal não acontece no processo executivo, em que não há caso julgado (…), pelo que nada impede a invocação duma exceção não deduzida (que não respeite à configuração da relação processual executiva) em outro processo. A decisão neste subsequentemente proferida não tem eficácia no processo executivo, mas pode conduzir à restituição ao executado da quantia conseguida na execução, pelo mecanismo da restituição do indevido» (sublinhado nosso). Também Carlos Oliveira, in O Caso Julgado na Acção Executiva, Themis, ano IV, n.º 7, 2003, A Reforma da Acção Executiva, p. 243 e segs., refere que «O decurso dos prazos processuais para a prática da oposição à execução tem apenas efeitos dentro do processo; impede, dentro desse processo, a prática do acto. Mas não existe fundamento legal para que se possa entender que essa preclusão produz efeitos fora do processo». Por isso, para este autor, numa situação em que, na acção executiva, o executado não deduz oposição à execução e o crédito exequendo vem a ser satisfeito, pode o executado intentar uma acção declarativa para restituição do indevido, com fundamento na existência de uma causa extintiva da obrigação exequenda que poderia ter alegado em oposição à execução, não podendo o caso julgado servir de fundamento à defesa do réu na acção declarativa. A jurisprudência dos nossos tribunais superiores, mormente, do STJ, tem perfilhado idêntico entendido, vindo a decidir que o executado não está submetido a um ónus de concentrar nos embargos à execução toda e qualquer defesa, podendo discutir em acção posterior um fundamento que podia ter suscitado na oposição à execução, quer tenha deduzido oposição por outro fundamento, quer não tenha deduzido em absoluto qualquer oposição. Vejam-se, neste sentido, os seguintes acórdãos, todos disponíveis em www.dgsi.pt: - da RL de 07.02.2013: «o executado pode defender-se em ação declarativa, visando a restituição do indevido, mediante a invocação do que podia ter sido fundamento de oposição, sendo que só as decisões transitadas que incidam sobre o mérito da causa (ou seja, que apreciem a relação material controvertida que se discute na ação) adquirem a força de caso julgado material e têm a virtualidade de poder ter força obrigatória fora do processo em que foram proferidas»; - da RC de 21.01.2014: «o resultado de um processo executivo não goza, via de regra, da irrevogabilidade análoga à do caso julgado material, não obstando, em princípio, à propositura pelo executado de uma ação de restituição do indevido, uma vez que, não representando a oposição à execução uma contestação da ação executiva (e não estando por isso sujeita aos ónus de contestação, de impugnação especificada e de preclusão), esta (a ação de restituição do indevido) se deve ter sempre como admissível e acessível ao executado que, mesmo por negligência, não deduziu qualquer oposição». Para este acórdão, só assim não poderá ser se a falta de causa da deslocação patrimonial (produzida na execução) invocada na acção de restituição do indevido tiver a ver com a mesma situação jurídica que foi invocada na oposição deduzida à execução, que aí foi alvo de decisão de mérito (naturalmente, de improcedência) e que por isso fez caso julgado material e que não pode voltar a ser discutida entre as partes; - do STJ de 04.07.2017: «De acordo com entendimento doutrinário corrente (assim, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 4ª ed., pp. 190 e 191; Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª ed., pp. 303 a 305; e, de certa forma, Castro Mendes, Acção Executiva, p. 54), o executado não está sujeito a qualquer ónus de oposição à execução (aliás, não é citado ou notificado sob qualquer cominação para o caso de não deduzir oposição), e daqui que, não deduzindo oposição, tal não acarreta uma cominação, mas tão só a preclusão, no processo executivo, de um direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso, mas sem que se possa falar de caso julgado a impor-se noutra ação posterior ou de um efeito preclusivo para além do próprio processo executivo. Nesta medida, será de entender (e é o que, no fundo, significam os dois supra citados autores) que deixando o executado de deduzir oposição, nada impedirá que venha depois a invocar em outro processo (isto com vista à restituição da quantia injustamente recebida pelo exequente na execução) os fundamentos (exceções) que podia ter invocado na oposição. É esta também a visão, entre outra vária jurisprudência, do acórdão da RP de 6 de fevereiro de 2007 (processo nº 0720269, relator Vieira e Cunha, disponível em www.dgsi.pt), onde se sustenta que o decurso do prazo para a oposição à execução tem apenas efeitos dentro do processo, não existindo fundamento legal para que se possa entender que a respetiva preclusão produz efeitos fora do mesmo, e daqui que a não dedução de oposição à execução não impede o executado de propor ação declarativa que vise a repetição do indevido (no mesmo sentido a doutrina e jurisprudência aí citadas). Este ponto de vista assume toda a lógica desde que, como parece dever ser o caso, se encare a oposição à execução, não como uma contestação ao pedido executivo (e, assim, não se lhe aplica a regra do n.º 1 do art.º 573.º do CPCivil), mas como uma petição de uma ação declarativa autónoma cujo objeto é definido pelo executado (valendo cada um dos fundamentos materiais invocados como verdadeiras causa de pedir). Diferentes serão as coisas se o executado enveredar pela dedução de oposição à execução, e a oposição for objeto de decisão de mérito. Pois que nos termos do n.º 5 do art.º 732.º do CPCivil atual (que veio consagrar um princípio que já correspondia a uma corrente de opinião bem estabelecida; v. a propósito Jorge de Almeida Esteves, Themis, nº 18, pp. 47 e seguintes), a decisão de mérito proferida na oposição constituirá, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda (…)»; - do STJ de 19.03.2019: «I - Na oposição à execução o embargante tem o ónus de concentrar na sua petição todos os fundamentos que podem justificar o pedido por ele formulado (isto é, que podem justificar a concreta exceção deduzida). A inobservância deste ónus de concentração implica a preclusão dos fundamentos não alegados nessa petição. II - Porém, deixando de invocar um qualquer fundamento (exceção) contra a execução, não poderá falar-se de um efeito preclusivo para além do próprio processo executivo, de modo que nada impedirá que o executado venha depois a invocar num outro processo o fundamento (a exceção) omitido e que sempre podia ter invocado na oposição. III - Tendo o réu proposto ação executiva contra os autores com base em certa livrança e tendo estes deduzido oposição à execução, mas não tendo invocado como fundamento dessa oposição qualquer simulação ou qualquer reserva mental subjacentes à sua vinculação como avalistas, nada impede, à luz da figura da preclusão, que venham agora discutir a simulação e a reserva mental com vista a verem-se livres da responsabilidade de avalistas que justificou a sua demanda na execução. IV - O mesmo se diga dos fundamentos/pedidos da ação relativos à nulidade do aval prestado por violação do disposto no n.º 2 do art.º 75.º da LULL, à resolução do negócio jurídico de aval por alteração das circunstâncias e à redução do aval, que não constituíram, em si mesmos, fundamento de oposição à execução»; - da RL de 15.12.2020: «i) Pretendendo os executados impedir a prossecução da execução e obstar a que a mesma realize os seus fins, cabe-lhes cumprir o ónus de deduzir oposição à execução por embargos. Não o fazendo, a tutela declarativa passível de ser requerida pelos AA. e que não se mostra precludida, é aquela que não contenda com os fins próprios da oposição à execução e, assim, que não fica precludida pela não dedução de embargos. ii) Não tendo os executados deduzido oportunamente embargos de executado ou, tendo-os deduzido, não tendo invocado todos os fundamentos de oposição à execução, tal não o impede de, em acção autónoma, invocar factos impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação exequenda que não chegou a invocar, mas tal invocação só pode ser efectuada em acção que vise a repetição do indevido e não em qualquer acção declarativa comum. iii) Tendo a acção executiva por base um título executivo e apresentando-se o crédito delimitado pelos termos constantes do título, não sendo deduzidos embargos, a execução prossegue os seus termos até que o crédito exequendo seja satisfeito. iv) Nesta medida, destinando-se a acção executiva a assegurar o cumprimento coercivo da obrigação exequenda, não sendo deduzidos embargos, o direito exequendo mantêm-se nos exactos termos consubstanciados pelo título executivo, prosseguindo a tramitação executiva com a penhora, venda e pagamento subsequentes. Deduzida que seja acção declarativa, poderá o executado que não embargou, peticionar a declaração da inexistência do crédito accionado na execução e a restituição do valor que o exequente recebido pelo exequente na execução» (sublinhado nosso); - do STJ de 24.05.2022: «I. O executado, ao deduzir oposição à execução/embargos de executado, não está obrigado a concentrar nos embargos toda e qualquer defesa, ao contrário do se impõe ao réu quando apresenta contestação numa ação declarativa. II. A oposição à execução não deve ser perspetivada como uma contestação ao pedido executivo, pelo que não lhe será aplicável a norma prevista no artigo 573.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. III. Ao entendermos a oposição à execução como uma petição de uma ação declarativa autónoma, em que o seu objeto é definido pelo executado, cada um dos fundamentos que invoca são verdadeiras e autónomas causas de pedir. IV. O decurso do prazo para a oposição à execução tem apenas efeitos dentro do processo, não existindo fundamento legal para que se possa entender que a respetiva preclusão produz efeitos fora do mesmo, e daqui que a não dedução de oposição à execução não impede o executado de propor ação declarativa». - do STJ de 03.05.2023: «I- Julgados improcedentes embargos opostos a uma execução, o ali executado pode, em processo posterior, vir invocar meios de defesa que podia ter invocado (e não invocou) nos embargos que opôs à anterior execução e, a partir daqui, obter a restituição do pagamento que, no âmbito da anterior execução, haja efetuado ao ali exequente. II- Efetivamente, não existe no CPC um qualquer preceito legal que estabeleça o ónus de embargar e tal ónus também não é extraível, por interpretação, dos artigos 728.º/1 e 2 e 732.º/6, ambos do CPC, o que significa, não estando consagrado tal ónus de embargar, que não ficam precludidos os fundamentos não invocados (e que não há preclusão decorrente da não dedução de embargos). III- O sentido do atual art.º 732.º/6 do CPC é o de deixar claro que uma decisão de mérito proferida nos embargos é dotada da força geral do caso julgado material em relação à causa de pedir e aos fundamentos que ali foram invocados (não impedindo nova ação de apreciação baseada em outra causa de pedir), ou seja, o caso julgado que se constitui é restrito à causa de pedir invocada e, em consequência, não há preclusão em relação ao que não foi invocado/discutido nos embargos». - do STJ de 10.04.2024: «I. É admissível a dedução de ação declarativa, após a dedução de oposição à execução, desde que com fundamentos (exceção) diversa da apresentada no processo executivo. II. A causa eficiente do pedido indemnizatório nestes autos formulado - em brevíssima síntese, o incumprimento, pelo recorrido, da pactuada obrigação de obter a prestação de aval por parte de um terceiro e o consequente dano patrimonial - não constitui, como bem se percebe, um fundamento dotado de eficácia extintiva (parcial ou integral) - recorde-se que, como resulta do n.º 4 do artigo 732.º do Código de Processo Civil, essa é a única finalidade dos embargos de executado - da execução que corre termos no Juízo de Execução». No supra citado acórdão do STJ de 24.05.2022 (que, aliás, revogou o acórdão da RG de 16.12.2021, referenciado pelo Recorrido nas suas contra-alegações), o executado, contrariamente ao que afirma o recorrido, não havia deduzido qualquer oposição à execução, estando-se em face de uma situação semelhança à dos presentes autos. Extraíram-se nesse aresto as seguintes conclusões, em tudo aplicáveis ao caso dos autos: «- o executado, ao deduzir oposição à execução/embargos de executado, não está obrigado a concentrar nos embargos toda e qualquer defesa, ao contrário do se impõe ao réu quando apresenta contestação numa ação declarativa. Na ação executiva, o executado ao ser citado/notificado para deduzir oposição, não lhe é feita qualquer cominação, pelo que o efeito preclusivo da falta de oposição ou da não dedução de todos os fundamentos, ocorre apenas no processo executivo. Conforme se aduz no citado Ac. do STJ de 19-03-2019, não representando a oposição à execução uma contestação da ação executiva (e não estando por isso sujeita aos ónus de contestação, de impugnação especificada e de preclusão), esta (a ação de restituição do indevido) se deve ter sempre como admissível e acessível ao executado que, mesmo por negligência, não deduziu qualquer oposição; - a oposição à execução não deve ser perspetivada como uma contestação ao pedido executivo, pelo que não lhe será aplicável a norma prevista no artigo 573.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Ao entendermos a oposição à execução como uma petição de uma ação declarativa autónoma, em que o seu objeto é definido pelo executado, cada um dos fundamentos que invoca são verdadeiras e autónomas causas de pedir; - o artigo 732.º, n.º 6, do Código de Processo Civil (anterior 732.º, n.º 5), prevê que a decisão de mérito ocorrida numa oposição à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda, mas não coloca qualquer óbice à dedução de ação declarativa em diferente causa de pedir, pois tão só as decisões transitadas em julgado e que incidam sobre o mérito da causa, através da apreciação da relação material controvertida discutida na ação é que são suscetíveis de adquirir força de caso julgado material e, como tal de adquirir força obrigatória fora do processo em que foram proferidas, cf. artigos 619.º, 620.º e 621.º do Código de Processo Civil, o direito da Autora não se mostra afastado por força da preclusão, nem por força de caso julgado material na ação executiva». No citado acórdão do STJ de 03.05.2023, teceram-se as seguintes considerações, também, inteiramente válidas para a situação que nos ocupa: «Percebemos que se contraponha – como faz o Conselheiro Abrantes Geraldes, in CPC Anotado Volume II, Almedina, páginas 80 e 81 – que é “dificilmente compreensível a razoabilidade de um modelo processual que, nos termos da primeira tese referida [a tese de que a não utilização dos meios de defesa na execução não preclude a posterior invocação noutra ação das exceções não opostas ao direito exequendo]…., conferisse ao executado a possibilidade de questionar, em ação autónoma, com basenum alegado enriquecimento sem causa do exequente, o direito de crédito que este invocou na ação executiva e que, no entanto, oexecutado não questionou ou não questionou de forma completa quandoteve a oportunidade de deduzir embargos”. Assim como percebemos que se observe – como faz o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in Blog do IPPC (em comentário ao Ac. deste STJ de 19/03/2019) – que “qualquer leigo terá enorme dificuldade em aceitar que essa solução [que se traduz, primeiro, num pagamento do executado ao exequente e, depois, numa restituição por este do que anteriormente tenha recebido daquele mesmo executado] possa corresponder a um bom e normal funcionamento da justiça”. Sucede – é o ponto – que não existe no CPC um qualquer preceito legal que estabeleça o ónus de embargar e também não nos parece que se possa/deva afirmar que tal ónus é extraível, por interpretação, dos artigos 728.º/1 e 2 e 732.º/6 ambos do CPC. Tanto mais que, numa tal tarefa interpretativa não pode perder-se de vista, como o TC vem considerando, que, “num processo equitativo, não podem aceitar-se efeitos preclusivos intensos sobre direitos essenciais das partes com base em regras pouco claras. Ou, dito de outro modo, quanto mais intenso é o efeito preclusivo (intensidade medida pela centralidade do direito afetado), mais exigente deve ser o intérprete com a clareza da regra na qual esse efeito se baseia, clareza que se há de buscar, antes de mais, na própria letra da lei, regra que visa evitar que o risco interpretativo seja desproporcionadamente alocado à parte, com sacrifício dos seus direitos processuais, e injustificadamente aliviado do lado do legislador, que tem o dever de sinalizar com clareza os efeitos desfavoráveis, principalmente a supressão de direitos processuais de grande importância. E começamos por acentuar este aspeto – sobre a não consagração na lei processual dum ónus de embargar – por a solução a que se chegue ter que ser idêntica quer para o caso de, tendo-se deduzido embargos, não se haverem neles deduzido os meios de defesa que agora se vêm invocar quer para o caso de nem sequer se haverem deduzido embargos; e por, naturalmente, tal identidade de solução ser a consequência da existência dum ónus de embargar. E se, em relação à 1.ª hipótese, ainda poderá ser invocado/interpretado o disposto no art.º 732.º/6 do CPC – isto é, pode ser invocado que foi proferida uma decisão de mérito nos embargos e que a mesma constitui, segundo a interpretação que possa ser feita de tal preceito, caso julgado quanto a tudo o que diga respeito à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda – outro tanto não acontece em relação à 2.ª hipótese, em que, não tendo sido deduzido embargos, não existe uma qualquer decisão de mérito proferida nos embargos a que seja atribuída força de caso julgado material e que possa servir de fulcro e alicerce ao raciocínio segundo o qual todos os meios de defesa e tudo o que diga respeito à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda (por não terem sido deduzidos embargos) não pode mais ser deduzido e discutido. (…) não existe no CPC um preceito legal que estabeleça o ónus de embargar e, como o TC vem sustentando, de regras pouco claras não podem/devem retirar-se efeitos preclusivos intensos, como seria o caso se dos arts. 715.º/4, 716.º/4, 728.º/1 e 732.º/6 do CPC se extraísse, por interpretação, a existência do ónus de embargar. E a existência ou não dum ónus de embargar será sempre, a nosso ver, a chave da solução da questão sub judice, uma vez que é a partir da consagração de tal ónus de embargar que ocorre a preclusão dos fundamentos não invocados (ou a preclusão decorrente da não dedução de embargos), o que significa que, não existindo ónus de embargar, não ficam precludidos os fundamentos não invocados. Em conclusão: Decorre do que se acaba de expor que o resultado dum processo executivo não é imutável, que o ato satisfativo do credor (pagamento) na execução não goza de irrevogabilidade análoga à do caso julgado material; que o desfecho da execução não surte eficácia fora do processo executivo, obstando, é certo, a uma nova ação executiva, mas não impedindo a propositura, pelo executado, duma ação de restituição do indevido com um fundamento não discutido ou apreciado nos embargos opostos à ação executiva» (sublinhados nossos). Ora, como resulta da factualidade provada, o ora R. propôs acção executiva contra o ora A. (e outros) com base numa livrança, por este avalizada. O ora A. não deduziu oposição à execução, não invocando, nomeadamente, o preenchimento abusivo da livrança quanto aos juros vencidos. No âmbito da execução, não foi, pois, proferida qualquer decisão relativa a esta questão, pelo que não se formou sobre ela caso julgado material. É nosso entendimento que nada impede, à luz da figura da preclusão citada na decisão recorrida, que o ora A. venha discutir aquela questão em acção declarativa, tendo em vista restituir-se das quantias que, na execução, pagou a mais e que não eram devidas. Saliente-se que, ao contrário do que o recorrido argumenta nas suas contra-alegações, não está em causa a mera liquidação da obrigação exequenda, no que concerne ao cálculo dos juros. De acordo com a alegação do A./recorrente e da forma como o mesmo configura a relação material controvertida, que é o que releva, o que está em causa é o preenchimento indevido/abusivo da livrança dada à execução, por feito, quanto aos juros, em violação dos acordos das partes. De igual forma, o A./recorrente não pretende discutir a legalidade ou desproporcionalidade das penhoras efectuadas na execução ou das transferências do produto das mesmas feitas pelo agente de execução, mas sim reaver o que, de acordo com a sua tese, prestou a mais, por ser inferior o montante, efectivamente, devido ao aí exequente. Os pedidos que na acção o A./recorrente deduz sob as als. a), b) e c), são, obviamente, o pressuposto necessário para a pretendida repetição do indevido: só obtendo o reconhecimento de que era outra a taxa de juros aplicável e que, portanto, era inferior o montante da quantia a apor, válida e legitimamente, na livrança exequenda, logrará o A. ver acolhida a tese de que tal montante já se encontra satisfeito e que tudo o mais recebido pelo exequente no âmbito da execução, ou que este venha aí a receber, não tem qualquer causa justificativa e constitui um locupletamento injustificado à custa do A. Destarte, impõe-se revogar a decisão recorrida e substituí-la por outra que julgue não verificada a excepção “de preclusão” e que ordene o normal prosseguimento do processo na 1.ª Instância. Procede, desta forma, o recurso, cujas custas ficarão a cargo do recorrido, por ter ficado vencido (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC). V – DISPOSITIVO Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar totalmente procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, julgando-se improcedente a excepção da preclusão e determinando-se o normal prosseguimento dos autos. Custas pelo recorrido. Notifique. * Lisboa, 05.12.2024 Os Juízes Desembargadores, Rui Oliveira Vítor Ribeiro Carla Matos |