Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25108/16.7T8LSB.L1-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: DANO BIOLÓGICO
DANOS FUTUROS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – O dano biológico (ou dano corporal) poderá ter consequências de tipo patrimonial ou não patrimonial, não constituindo um dano autónomo, um tertium genus relativamente à dicotomia danos patrimoniais/danos não patrimoniais.
II – Na vertente patrimonial do dano biológico, no que concerne ao dano patrimonial futuro, a equidade é o critério fundamental para fixação da respectiva indemnização - a indemnização a arbitrar que será aferida por um critério de equidade, deverá ter em conta, designadamente, a percentagem da incapacidade e as características das sequelas sofridas, a idade do lesado, o tipo de actividade por ele exercida e as remunerações auferidas, a idade de reforma da vida laboral activa e a própria esperança média de vida da população.
III – No caso dos autos, o 1º A.,  agente da PSP que apenas contava 36 anos de idade quando do acidente, sofreu graves lesões na sua integridade física e psíquica que prejudicam a sua actividade – que não só a profissional/produtiva -  a sua situação e as relações da sua vida pessoal, ficando incapacitado para o trabalho habitualmente por si desenvolvido bem como para qualquer outra actividade dentro da sua área de preparação técnico-profissional; tendo em consideração os rendimentos de trabalho (líquidos) por ele auferidos, que poderia requerer a passagem à situação de aposentação aos 60 anos, a esperança média de vida, para os homens, afigura-se ajustada a indemnização arbitrada pelo Tribunal de 1ª instância.
IV – Os danos futuros são indemnizáveis desde que previsíveis - sendo previsíveis quando se pode prognosticar, conjecturar com antecipação ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência; os danos futuros previsíveis poderão ser certos ou eventuais, conforme a respectiva produção se apresente infalível ou apenas possível.
V - No caso dos autos atendendo às circunstâncias anteriores e à determinação do 1º A. relativamente ao seu futuro, existia uma elevada possibilidade daquele vir a realizar “serviços gratificados”; encontramo-nos  perante um dano patrimonial futuro indemnizável que não implica qualquer duplicação face à indemnização referida anteriormente, tratando-se, igualmente de caso em que não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos o tribunal haverá que julgar «equitativamente dentro dos limites que tiver por provados», devendo ser tomado por referência o princípio geral constante do art. 562 do CC – reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o acidente.
VI – No que respeita à necessidade de ajuda de terceira pessoa por um período de duas horas diárias e para o restante da vida do 1º A. estamos, igualmente, perante um dano patrimonial futuro previsível aqui não havendo que atender aos valores indicativos decorrentes da portaria 377/2008, de 26-5 (na redacção da portaria 679/2009, de 25-6) mas ao resultante dos factos efectivamente provados.
VII – Correspondendo o dano não patrimonial a todo aquele que afecta a personalidade moral nos seus valores específicos e não podendo aquele ser avaliado em medida certa, o montante da indemnização correspondente far-se-á segundo critérios de equidade.
VIII – Tendo em conta a gravidade das lesões corporais sofridas pelo 1º A., determinantes da sua sujeição a longos períodos de internamento, a sucessivas intervenções cirúrgicas, a inúmeras consultas e tratamentos, as dores por ele suportadas, as sequelas de que padece, o prejuízo da sua vida familiar, o prejuízo de afirmação pessoal e a repercussão nas actividades desportivas e de lazer, o dano estético, encontra-se amplamente justificado o valor da compensação por danos não patrimoniais que foi arbitrada, a qual não peca por exagero nem sofre por defeito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - Filipe …intentou acção declarativa com processo comum contra «Companhia…, SA».
Alegou o A., em resumo:
No dia 16 de Novembro de 2011, numa rua do Aeroporto de Lisboa, ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes o veículo ligeiro com a matrícula …-EE-18, segurado na ora R., e o motociclo com a matrícula …-IQ-35, conduzido pelo A. no exercício da sua atividade profissional de agente principal da Polícia de Segurança Pública. Tal acidente foi devido a culpa exclusiva do condutor do veículo EE.
Do acidente resultaram para o A. os danos corporais que descreve, tendo sido sujeito a diversas intervenções cirúrgicas, havendo sido acompanhado pelos serviços clínicos da R. até 12-2-2016, data definida como de consolidação das sequelas que indica.
O médico da R. atribuiu ao A. uma IPP de 53 pontos, com incapacidade definitiva para a profissão e necessidade de ajuda de terceiros, ajuda terapêutica e medicamentosa. Em Junta Médica pela PSP foi atribuída ao A. uma IPP de 59,8% com incapacidade absoluta para o trabalho habitual, necessidade de tratamentos de recuperação e canadianas.
O A. realizou diversas despesas como consequência única e directa do acidente, ficando por liquidar 424,70 €.
Acrescem os danos não patrimoniais, considerando o sofrimento físico e psíquico vivido, o tempo de internamento, as intervenções cirúrgicas, as circunstâncias de só deambular de canadianas e manter elevadas dores, tudo com prejuízo para a vida familiar que culminou em divórcio, a frustração da carreira.
Pediu o A. a condenação da R. a pagar-lhe:
a)  A quantia de € 420 424,70, acrescida do pagamento de juros legais, vencidos e vincendos;
 b) A quantia a remeter para liquidação referente a danos futuros, despesas, tratamentos, incapacidades, medicamentos e ajudas que venham a verificar-se necessários como consequência do acidente.
A R. contestou impugnando factualidade alegada pelo A. no que concerne aos danos invocados. Salientou ter indemnizado parcialmente o A., pagando-lhe diversas quantias e que o acidente foi considerado como acidente em serviço.
Concluiu pela parcial improcedência do pedido.
O processo prosseguiu, havendo sido determinada a realização pelo INML de perícia médica à pessoa do A..
Foi, entretanto, requerida a apensação a este processo de acção que o Ministério Público, em representação do Estado Português, havia intentado contra a R..
Esses autos (proc. nº …-18.4T8LSB) fundamentam-se no mesmo acidente de viação, considerado acidente em serviço, reclamando o Estado, valores pagos ao A. Filipe , sem qualquer contrapartida, a título de vencimentos, suplementos, abonos e subsídios, que entre 16 de Novembro e 8 de Julho de 2016 somaram 86.987,10 € e entre esta última data e o final de Fevereiro de 2018 somaram 32.329,13 €.
Reclamou, igualmente, despesas com tratamento médico no montante de 17.256,96 €, tudo somando 136.593,19 €.
Pediu o A. Estado a condenação do R. a pagar-lhe aquela quantia de 136.593,19 €, acrescida de juros vencidos e vincendos, bem como as quantias devidas a partir do mês de Fevereiro de 2018 a título de vencimentos, suplementos, abonos e subsídios que, entretanto, se vencerem até que o A. Filipe venha a ser desligado do serviço por efeitos de aposentação.
A R. contestou aquela acção, impugnando factualidade alegada pelo A. e invocando a excepção da prescrição do direito em que o A. pudesse estar sub-rogado (art. 498, nº 1, do CC), bem como defendendo que sempre estaria prescrito o direito de regresso do A. quanto a todas as quantias pagas mais de três anos antes do dia 17-5-2018, data da citação da R. para a acção (art. 498, nº 2 do CC).
Concluiu pela improcedência, pelo menos parcial, da acção.
O A. Estado apresentou a sua resposta, defendendo a improcedência da excepção.
A apensação foi admitida.
O primitivo A. requereu a ampliação do pedido no valor de 151.947,59 €, invocando no requerimento respectivo a realização de outras despesas, ampliação que foi admitida.
Foi proferida decisão julgando improcedente a excepção da prescrição.
O primitivo A. veio novamente requerer a ampliação do pedido desta vez no valor de em 543.158,31 € a qual, também, foi admitida.
Novo pedido de ampliação por parte do primitivo A. teve lugar, no valor de 538,84 €, igualmente admitido.
Decorrendo a audiência final outra ampliação do pedido foi formulada, no valor 583.328,92 €, também ela admitida.
Finda a audiência foi proferida sentença em que o Tribunal de 1ª instância decidiu nos seguintes termos:
«Atento o circunstancialismo factual assente e a fundamentação jurídica invocada, o Tribunal julga esta ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e a ação integrada no apenso A totalmente procedente, por totalmente provada; em consequência, decide nos termos seguintes:
1. Condena a Ré a pagar ao 1.º Autor a quantia global de € 9 051,73 (nove mil, cinquenta e um euros e setenta e três cêntimos), a título de despesas relacionadas com o acidente dos autos, acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4 %, vencidos e vincendos, desde a data da citação até integral pagamento;
2. Condena a Ré a pagar ao 1.º Autor a quantia, já atualizada, de € 410 000,00 (quatrocentos e dez mil euros), pelo dano funcional (patrimonial), acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4 %, desde a data da presente sentença até integral pagamento;
3. Condena a Ré a pagar ao 1.º Autor a quantia, já atualizada, de € 121 000,00 (cento e vinte e um mil euros), a título de serviços remunerados (dano patrimonial), acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4 %, desde a data da presente sentença até integral pagamento;
4. Condena a Ré a pagar ao 1.º Autor a quantia, já atualizada, de € 155 000,00 (cento e cinquenta e cinco mil euros), a título de necessidade de auxílio de terceira pessoa (dano patrimonial), acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4 %, desde a data da presente sentença até integral pagamento;
5. Condena a Ré a pagar ao 1.º Autor a quantia, já atualizada, de € 100 000,00 (cem mil euros), pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4 %, desde a data da presente sentença até integral pagamento;
6. Condena a Ré a pagar ao 1.º Autor a quantia que se remete para liquidação referente a futuras despesas, tratamentos, incapacidades, medicamentos e ajudas que venham a verificar-se necessários como consequência do acidente descrito nos presentes autos (cfr. artigos 358.º, n.º 2, 556.º, n.º 1, al. b), e 609.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil);
7. Absolve a Ré do restante peticionado pelo 1.º Autor;
8. Condena a Ré a pagar ao 2.º Autor a quantia de € 136 593,19 (cento e trinta e seis mil, quinhentos e noventa e três euros e dezanove cêntimos), acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4 %, vencidos e vincendos, desde a data da citação (no apenso A) até integral pagamento;
9. Condena a Ré a pagar ao 2.º Autor as quantias devidas, a partir do mês de fevereiro de 2018, a título de vencimentos, suplementos, abonos e subsídios que, entretanto, se vencerem até que o agente principal da PSP, Filipe … venha a ser desligado do serviço por efeitos de aposentação após decisão da Caixa Geral de Aposentações, e que venham a ser liquidadas, de acordo com o disposto nos artigos 358.º, n.º 2, 556.º, n.º 1, al. b), e 609.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil».
Apelou a R., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
1ª. A sentença recorrida ordenou a indemnização do 1.º Autor a título do que denominou por dano funcional em € 410.000,00 (quatrocentos e dez mil euros);
2.ª. Esta é uma verba que se peca é por excesso e não por defeito, porque, em primeiro lugar, se utilizarmos para cálculo deste dano a seguinte fórmula matemático-financeira seguida pelos Tribunais Superiores:
C = P {(1/j) – [(1 + j) / (1 + j)n x j] + [P x (1 + j) –n ] =
C = capital a determinar;
P = valor anual;
J = taxa de juro (3%);
n = número de anos;
• Factor de correcção (1%)
3.ª Obtemos, salvo erro, o valor global de 223.200,00 (duzentos e vinte e três mil e duzentos euros), nomeadamente se tivermos em consideração a idade da vítima (36 anos à data do acidente), o grau de incapacidade de que padece (60 %), o salário mensal líquido (€ 1.104,74), no valor global anual de € 15.466,36, o remanescente do tempo de vida laboral activa do lesado (24 anos / 60 - 36), as taxas de juro praticadas (entre 2 e 3%), o coeficiente de correcção (1%) e, finalmente, o facto de o demandante ir receber de uma só vez a indemnização arbitrada a título de virtual diminuição da capacidade aquisitiva;
4.ª Porquanto, no caso em apreço, e relacionado com a questão exposta, provou-se (entre o mais) que, à data do embate, o 1.º Autor auferia o salário base de € 1.108,62, acrescido de subsídios de refeição e fardamento, de suplementos serviço forças de segurança e fixo, e de gratificações, perfazendo, após os descontos legais, o valor líquido global de € 1 104,74. Num total anual (X 14) de € 15.466,36;
5.ª Além de que, de acordo com o Estatuto Profissional do Pessoal com Funções Policiais da Polícia de Segurança Pública, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19 de Outubro, um agente policial (no activo ou na pré-aposentação) poderá requerer a passagem à situação de aposentação depois de completados 60 anos de idade, sem redução de pensão (cfr. art.º 116.º, n.º 2, al. c), do referido Estatuto). Ou seja, a idade mínima de 60 anos consubstancia a possibilidade de reforma sem penalização para os agentes policiais, de acordo com a lei vigente;
6.ª Em segundo lugar, ao invés, e se nos seguirmos pelos “mal amados” critérios constantes das tabelas da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio de 2008, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 26 de Junho de 2009, mas aplicando-lhes as mesmas premissas, ou seja, a idade da vítima, o grau de incapacidade, o salário mensal líquido, o remanescente do tempo de vida laboral activa, as taxas de juro e o devido coeficiente de correcção, obtemos valores superiores, concretamente, um mínimo de € 318.531,98 (trezentos e dezoito mil, quinhentos e trinta e um euros e noventa e oito cêntimos) e um máximo de € 324.072,38 (trezentos e vinte e quatro mil e setenta e dois euros e trinta e oito cêntimos);
7.ª Partiu-se aqui também do salário líquido, considerando que os critérios constantes da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça são os de que na aplicação das fórmulas constantes tabelas da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio de 2008, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 26 de Junho de 2009, e/ou do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2007, deve atender-se ao rendimento líquido do lesado e que o resultado obtido da aplicação destas fórmulas deverá corrigir-se, considerando os critérios objectivos do caso concreto e a equidade (cfr. Ac. STJ de 21/03/2019, tirado por unanimidade no pr.º 1069/09.8TVLSB,L2.S2, in www.dgsi.pt/jstj).;
8.ª O princípio de que, na fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros, deverá atender-se ao rendimento líquido do lesado decorre dos princípios gerais dos art.ºs 562º segs. do Código Civil e, por consequência, deverá aplicar-se independentemente da regra do art.º 64º n.º 7, do Decreto-Lei n.º 291/2007, na redacção do Decreto-Lei n.º 153/2008;
9.ª Em súmula: ao liquidar a indemnização devida por danos patrimoniais futuros, o Tribunal deve considerar o rendimento líquido do lesado, uma vez que, ao contrário do que por vezes é falsamente alegado, a doutrina acolhida nos quatro Acórdãos do Tribunal Constitucional — n.º 383/2012, n.º 273/2015, n.º 565/2018 e n.º 221/2019, este último in Diário da República n.º 91/2019, Série I de 2019-05-13 — não determina que deva abandonar-se a referência ao rendimento líquido do lesado, em favor da referência ao rendimento bruto, para efeitos de cálculo da indemnização dos danos patrimoniais futuros;
10.ª Ponderando ainda o Tribunal para obtenção do resultado final indemnizatório no sentido de que lesado receberá de uma só vez um capital, devidamente corrigido, para ressarcir este dano e que se deve exaurir, no caso concreto, ao fim da previsível vida laboral activa do lesado nos termos do Estatuto Profissional do Pessoal com Funções Policiais da Polícia de Segurança Pública, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19 de Outubro, daí que, no cálculo da indemnização por danos patrimoniais futuros importa introduzir factores de correcção, sob pena de enriquecimento ilegítimo e injusto ou injustificado;
11.ª Ora, ponderando a incapacidade (IPP) de que o autor ficou a padecer, o referido “Rebate profissional” que, na prática, traduz o termo da carreira de agente policial, a idade demandante à data do sinistro (36 anos), o previsível tempo da sua vida activa (porventura, mais 24 anos contados a partir 2011, ou mais 16 anos desde 2019, aquando da segunda ampliação dos pedidos) e o previsível tempo – o restante da sua vida – por que irá suportar menor qualidade de vida, bem como o grau salarial e condição financeira média/baixa de que usufrui e a impossibilidade de progressão na carreira que abraçou, de acordo como o previsto no art.º 566º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil, na sua conjugação com o disposto na alínea a) do artigo 4º do mesmo Código, ao contrário do decido pelo Tribunal a quo, tem-se como proporcionado, equitativo e justo indemnizar o demandante lesado, pelo referido dano funcional (patrimonial), na quantia monetária global – e já actualizada – de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros);
12.ª Até porque, bem vistas as coisas, o 1.º Autor continua a receber do 2.º Autor todos os vencimentos, suplementos, abonos e subsídios, e assim se manterá até que haja uma decisão final da junta médica da Caixa Geral de Aposentações (conforme se verá infra). Donde, em rigor, o autor não se encontra numa situação de perda imediata, total ou parcial, de remuneração, não ocorrendo perdas de rendimentos, nem sequer existe prova de que tal poderá vir a ocorrer no futuro;
13.ª Dito de outro modo, em primeiro lugar, não se apurou a existência de um dano patrimonial futuro; Em segundo lugar, a incapacidade apurada não produz necessariamente a perda de rendimentos, não se repercutindo, por isso, de modo insofismável na esfera patrimonial do Autor. Em terceiro lugar, 1.º Autor, pese embora todas as suas limitações, não está impedido para o exercício de toda e qualquer profissão, o que significa que poderá, na realidade, vir a acumular a sua reforma e com a indemnização por IPP a arbitrar nos presentes autos e ainda rendimentos laborais no exercício de outro mister, porque não se crê que o demandante, ainda relativamente jovem, queira ficar inactivo até ao resto dos seus dias;
14.ª O que ocorre, outrossim, é uma situação de maior penosidade e um impedimento de desempenho da sua profissão habitual, mas que não se traduz directamente em perda de rendimento, o que, admite-se, não deixa de ser configurável como um dano que necessita de ser ressarcido e relevante, mas não excedendo os referidos € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros).
15.ª No respeitante ao montante fixado a título de putativa quebra de rendimentos por alegada impossibilidade de prestação de outros serviços remunerados, constitui o mesmo uma indisfarçável duplicação da indemnização pelo mesmo dano funcional e por serem indemnizações reportadas ao mesmo dano, não são cumuláveis;
16.ª Ademais, o autor não realizava serviços gratificados e/ou remunerados há cerca de 11 anos, mas o Tribunal entendeu que uma mera intenção era por si só suficiente para justificar que, sem sombra de dúvida, o demandante iria realizar estes serviços até ao final da sua carreira na PSP;
17.ª Também para o Tribunal recorrido bastou que colegas do autor tenham dito que estes serviços gratificados e/ou remunerados podem chegar a € 1.000,00 por mês, quando nenhuma prova fiscalmente idónea foi apresentada, nem o 1.º Autor demonstrou documentalmente que fez serviços remunerados e que se os fez alguma vez chegou sequer a ganhar € 1.000,00 / mês;
18.ª Acresce que os “serviços gratificados”, não se inserem no serviço habitual, não se enquadram no serviço obrigatório, regular, constante e permanente, podendo autor escolher efectuá-los, ou não, sendo inteiramente livre de, a qualquer momento, deixar de os desempenhar ou de participar na sua escala, isto na hipótese, falível, de existirem solicitações de particulares, entidades, ou empresas, para os realizar, mas muito menos plausível seria que os mesmos seriam realizados pelo Autor até ao final da sua carreira;
19.ª Ora, estando-se no domínio da completa incerteza, a prova de tal prejuízo é por isso uma ficção e mesmo que se possa admitir que este dano pudesse vir a ocorrer, o seu montante teria de ser englobado e de modo muito mitigado (com recurso a uma equidade ainda assim “criativa”) no já referido ressarcimento do dano funcional e/ou biológico que não deve exceder em caso algum os € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) já com o “tempero” da equidade, sem individualização do que não é distinto;
20.ª Tanto mais que o ora 1.º Autor estará prestes a reformar-se. A partir da decisão final da junta médica da Caixa Geral de Aposentações o ora recorrido passará a auferir uma reforma por invalidez. Reforma que cumulará sem qualquer desconto com a indemnização que irá receber da Ré a título de dano funcional e/ou biológico após decisão transitada em julgado nos presentes autos. Reforma com taxas de IRS mais “atractivas” face aos trabalhadores no activo;
21.ª Daí que, com elevado grau de probabilidade próximo da certeza, o 1.º Autor só não terá qualquer quebra patrimonial como, de facto, passará a ter à sua disposição rendimentos superiores aqueles que auferiria se se mantivesse em serviço;
22.ª O que torna, mais uma vez, salvo o devido respeito por opinião contrária, a indemnização de € 531.000,00 (quinhentos e trinta e um mil euros) arbitrada e correspondente ao somatório das duas parcelas elencadas supra e referentes, em rigor, ao mesmo dano, insólita, pese embora todas as lesões e sequelas de que ficou a padecer o 1.º Autor e que a ora apelante não se atreve a negar e que são significativas, por violadora das mais elementares regras da responsabilidade civil.
23.ª Quanto aos danos não patrimoniais, o nº. 3 do artº. 493º do Código Civil manda fixar o montante da indemnização equitativamente, tendo em conta as circunstâncias referidas no artº. 494º do mesmo código, entre as quais se contam, por exemplo, as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos;
24ª. Na determinação da indemnização por tais danos o Tribunal não se deve esquecer, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjectivismo, dos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, das flutuações do valor da moeda e a realidade sócio-económica;
25ª. Por este motivo, a verba de € 100.000,00 (cem mil euros) fixada em primeira instância mostra-se desproporcionada e desfasada da realidade jurisprudencial e sócio-económica portuguesa, não devendo a mesma ser firmada em mais de € 80.000,00 (oitenta mil euros);
26.ª Porquanto, como vem sendo sustentado pelo STJ, em matéria de danos não patrimoniais, a compensação deverá constituir um “lenitivo”, não devendo, portanto, ser miserabilista, devendo ser significativa e equilibrada, sem cair nos extremos, ou seja, não deve nem pode ser meramente simbólica, mas também não deve nem pode representar um negócio;
27.ª Em súmula: ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo não deu correcto cumprimento ao silogismo judiciário e violou por erro de interpretação o disposto nos artigos 4º, 342º, 483º, 494º, 496º nº. 1 e 3, 562º, 564º e 566º, todos do Código Civil, bem como o Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19 de Outubro, a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio de 2008, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 26 de Junho de 2009, assim como o art.º 64º n.º 7, do Decreto-Lei n.º 291/2007, na redacção do Decreto-Lei n.º 153/2008, em ainda os Acórdãos do Tribunal Constitucional — n.º 383/2012, n.º 273/2015, n.º 565/2018 e n.º 221/2019.
Também o 1º A. apelou, apresentando as seguintes conclusões:
I. A Sentença proferida encontra-se bem fundamentada e sustentada quanto à matéria de facto.
II. Porém, pretendendo a R. atacar a mesma cumpre ao ora recorrente realçar alguns reparos que considera pertinentes também na aplicação do Direito e que salvo melhor opinião devem merecer acolhimento.
III. Tais segmentos reportam-se aos pontos IV. V. VI e VII da aplicação de Direito na Sentença.
IV. Entendendo o recorrente, com o devido respeito, que a aplicação dos artigos 8º n.º 3, 483º, 496º, 562º, 563º e 564º do Código Civil à matéria de facto provada resultará na alteração dos montantes indemnizatórios fixados naqueles segmentos decisórios.
V. No que concerne à fixação da indemnização fixada a título do dano funcional, não foi contemplada a incapacidade permanente para a atividade habitual e qualquer outra dentro da área de formação profissional do lesado e qualquer outra que exija esforços físicos.
VI. Não podemos deixar de diferenciar a situação de um lesado que fica afetado de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 60 pontos, sendo de perspetivar ainda dano futuro, doutro lesado com essa mesma sequela e que ainda fique impedido permanentemente de exercer a sua atividade habitual e qualquer outra dentro da sua área de formação profissional.
VII. O tribunal a quo fixou uma indemnização de 410.000,00€ pelo dano funcional do A. sem atender à incapacidade permanente do exercício da atividade habitual, pelo que necessariamente ou essa factualidade importante e relevante em termos de gravidade é valorada autonomamente ou como parte integrante daquela.
VIII. Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 25- 09-2007 – Revista 2727/07 – 6ª Secção – Fonseca Ramos (Relator): II - A perda de capacidade de ganho - dano emergente e futuro - não deve ser calculada em termos indemnizatórios - com base em 25% de incapacidade permanente parcial geral -, quando se considerou provado que, para o exercício da profissão habitual “as lesões sofridas pelo Autor provocam um estado sequelar que determina uma incapacidade permanente absoluta para o exercício da sua profissão habitual de segurança de valores”.
IX. Concedendo uma ou outra solução, deve ser fixada ao A. uma compensação de 150.000,00€ pela IPATH e representativa daquilo que certamente e com grande grau de probabilidade o A. deixará de auferir, ou em alternativa, considerando aquela factualidade integrante do dano funcional, alterar o montante indemnizatório fixado de 410.000,00€ para 560.000,00€.
X. E na medida em que, ainda que seja verdade que a 2ª Autora esteja a processar os vencimentos, suplementos e abonos do recorrente, conforme facto provado no ponto 58. da matéria assente, a verdade é que também só o fará até que haja uma decisão final da junta médica da Caixa Geral de Aposentações (Vide Facto Provado no ponto 58.). Por conseguinte não pode o recorrente conformar-se com a não contemplação deste facto na medida em que representa um dano expectável e com elevado grau de probabilidade e certeza, n.º 2 do art.º 564º do Código Civil.
XI. A CGA e, portanto, o erário público, (todos nós!), estamos a liquidar os vencimentos do Autor quando deverá ser a R. a fazê-lo, sendo que aquela entidade apenas aguarda o pagamento final da indemnização pela R. ao A. para proferir decisão superior da junta médica e deixar de o fazer, n.ºs 3 e 4 do art.º 46º do DL n.º 503/99, de 20 de novembro.
XII. Se atendermos, como o faz o tribunal a quo na fundamentação para quantificar os serviços remunerados futuros, que a idade de reforma mínima para a aposentação seria de 60 anos, o que não é provável que aconteça, bem pelo contrário, é expectável que haja uma decisão da CGA bem antes atenta a alta em 2015 e a decisão nestes autos para 2020/2021, e que a idade média de vida ativa são os 71 anos, ou seja, que o A. continuaria a trabalhar até esta idade, o que resulta das regras da experiência comum, então teríamos uma perda de 208.266,41€ (11 anos x € 18 933,31), a título de remunerações futuras, porém atendendo ao recebimento antecipado do capital, considera-se justa e adequada a indemnização de 150.000,00€ por este dano.
XIII. Os serviços remunerados (gratificados) não são compensados pelos acidentes de serviço e por isso e bem, têm de ser compensados como o preconizou o tribunal a quo.
XIV. Na quantificação do dano a título de serviços remunerados o tribunal a quo introduz um fator de equidade, aplicando 50% ao valor que o A. e qualquer agente obtém em média, 1.000,00€ e ainda baliza aquela nos 60 anos de idade por referência à idade mínima de reforma. Sendo certo que o A. os poderia continuar a realizar e que a idade média de vida ativa e a experiência comum dita que tal data se situe nos 71 anos.
XV. Partindo do mesmo racional do tribunal a quo mas introduzindo um fator que consideramos mais justo, adequado e conforme com a realidade, os 71 anos de vida ativa, que assim de forma ficcionada repara efetivamente os danos sofridos e coloca o lesado na situação que existiria se não fosse o evento que obriga à reparação, art.º 562º C.C, deve o montante fixado a título de serviços remunerados ser alterado da quantia de 121.000,00€ para 181.500,00€, referentes a 11.000,00€ x 33 anos x 50%, já contemplando assim um juízo de equidade porquanto o A. assim como todos os agentes policiais fazem gratificados no valor mensal de 1.000,00€ e não 500.00€ - Facto Provado no ponto 82.
XVI. Conforme facto provado em 78. “O 1.º Autor necessita de ajuda de terceira pessoa por período não inferior a duas horas por dia, para o restante da sua vida, na realização da limpeza doméstica e compras para alimentação, com o valor médio de € 8,00/hora;”
 XVII. Os danos pela ajuda de terceira pessoa não consubstanciam uma vantagem que o A. ora lesado deixou de obter mas um custo e despesa que terá de suportar para concretizar fins comuns à vida quotidiana. Estando já provado que necessita desse auxílio e qual o valor que terá que despender.
 XVIII. A portaria n.º 377/2008 de 26 de maio determina valores mínimos para regularização extrajudicial de sinistros automóvel.
XIX. A portaria n.º 377/2008 de 26 de maio não derroga o princípio da reparação e indemnizatório que emana do art.º 562º do Código Civil.
XX. A portaria n.º 377/2008 de 26 de maio não vincula os tribunais.
XXI. Estando provado sob o facto 78 que o custo de uma hora para ajuda de terceira pessoa tem o valor de 8,00€, não tem aplicação os 6,16€ a que se reporta a citada portaria que estabelece valores mínimos em resolução extrajudicial.
XXII. Tratando-se de uma despesa futura e certa e não de uma vantagem que se deixou de obter, não deve haver lugar a qualquer subtração por antecipação de capital.
XXIII. Desta forma, partindo do mesmo racional do tribunal a quo mas atendendo ao valor hora provado em 78 e não concretizando nenhuma redução uma vez que se trata de um custo e não de um proveito de que foi subtraído, deve a indemnização fixada a título de ajuda de terceira pessoa em 155.000,00€ ser alterada para 216.080,00€, correspondente a 8,00€ x 2 horas x 365 dias x 37 anos (2052-2015).
XXIV. O A. sofreu danos corporais gravíssimos que justificam a bem da Justiça uma compensação superior à fixada pelo tribunal a quo de 100.000,00€ a título de danos não patrimoniais.
XXV. O A. foi vítima de um acidente de viação em que tripulava um motociclo e sofreu múltiplas fraturas no membro inferior direito, antebraço e coluna do qual teve que ser submetido a mais de 10 intervenções cirúrgicas com 402 dias de incapacidade absoluta internado e mais de 4 anos de tratamentos e consultas, tendo-se divorciado em consequência do seu estado pós-acidente, com um quantum doloris de grau 6 em, Dano Estético de grau 6 em 7, Prejuízo de Afirmação Pessoal de grau 5 em 7, Prejuízo Sexual de grau 5 em 7, para sempre dependente de terceiros, de medicamentos, de consultas, de acompanhamento, com um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 60 pontos, com Dano Futuro, impossibilitado para sempre de exercer a sua profissão ou qualquer outra dentro da sua área de formação ou que exija esforços físicos.
XXVI. Da séria e grave factualidade provada e da jurisprudência de casos menos gravosos, como o sejam dos Acórdãos do STJ de 09-01-2018, 24-02-2015, 26-05-2015 , 11-02-2016, 21-01-2016, 15-09-2016, 16-03-2017, justifica-se a bem da Justiça alterar o montante indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais para a quantia de 250.000,00€ e por isso significar a devida e justa compensação do lesado, art.º 496º C.C.
A R. contra alegou nos termos de fls. 698 e seguintes.
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II - São as conclusões da alegação de recurso, no seu confronto com a decisão recorrida, que determinam o âmbito da apelação, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo. Deste modo, face ao teor das conclusões de recurso apresentadas por ambos os apelantes, temos como questões que se colocam aspectos referentes aos valores que devem integrar a indemnização a satisfazer pela R. ao 1º A., concretamentte:
- Na apelação da R.: valor da indemnização pelo “dano funcional” (patrimonial) - que o tribunal de 1ª instância fixou em 410.000,00 € e a apelante entende dever corresponder a 350.000,00 € - e termos do cálculo daquela parcela da indemnização; eliminação do valor referente a quebra de rendimentos pela prestação de outros serviços remunerados  que o tribunal de 1ª instância fixou em 121.000,00 €; diminuição da compensação por danos não patrimoniais, fixada pelo tribunal de 1ª instância em 100.000,00 €.
- Na apelação do 1º A.: fixação de um montante (150.000,00 €) pela incapacidade permanente para o trabalho habitual, ou consideração de tal no montante do dano funcional, sendo a indemnização fixada a esse título no valor de 560.000,00 €; aumento do valor da parcela da indemnização referente à prestação de outros serviços remunerados  para o montante de 181.500,00 €; aumento do valor respeitante à ajuda permanente de terceira pessoa para 216.080,00 €; aumento do valor referente à compensação pelos danos não patrimoniais para 250.000,00 €.
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III – 1 - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
A. No dia 16 de novembro de 2011, pelas 09h00, na rua B do Aeroporto de Lisboa, concelho de Lisboa, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes, o motociclo de matrícula …-IQ-35, conduzido pelo 1.º Autor, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …-EE-18, conduzido por Francisco …
B. Na rua B a estrada é constituída por duas vias com dois sentidos, sem separador central, com limite de velocidade de 50 km/hora;
C. Na data e hora referidos em A., o estado do tempo era bom e com boa visibilidade;
D. O veículo EE circulava naquela estrada com sentido este/oeste, pretendendo mudar de direção à esquerda para entrar no parque privativo do Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC), ali existente;
E. O 1.º Autor circulava naquela estrada com sentido oeste/este, pretendendo seguir em frente, quando avistou o veículo EE que mudava repentinamente de direção à esquerda, sem efetuar a obrigatória perpendicular ao eixo da via e lhe embateu;
F. O 1.º Autor tentou evitar a colisão travando, mas sem sucesso; o embate deu-se entre a frente do veículo EE e a frente e lateral esquerda do motociclo IQ;
 G. Em consequência do embate, o 1.º Autor e o motociclo IQ foram projetados para uns metros à frente, obliquamente à direita;
H. Em consequência do embate, o 1.º Autor foi transportado para o Hospital de São José, em Lisboa, onde deu entrada nos serviços de urgência;
I. Aquando do embate, o 1.º Autor encontrava-se ao serviço como agente principal da Polícia de Segurança Pública (PSP), função que exercia;
J. A seguradora Ré aceitou a responsabilidade quanto ao sinistro a que se reportam os presentes autos;
K. Na data do embate, a responsabilidade civil referente ao veículo de matrícula …EE-18 encontrava-se transferida para a Ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice com o número …07574200000;
L. O 1.º Autor nasceu no dia 5 de dezembro de 1974;
M. O motociclo de matrícula …-IQ-35 era propriedade do Estado Português (Polícia de Segurança Pública – PSP), aqui 2.º Autor;
N. Desde 16 de novembro de 2011, o 1.º Autor não voltou a prestar ao 2.º Autor qualquer serviço, encontrando-se de baixa médica desde essa data até 8 de julho de 2016;
O. Em 8 de julho de 2016, através de exame final da Junta Superior de Saúde da PSP, foi atribuída ao 1.º Autor uma incapacidade permanente parcial de 59,80%, com incapacidade permanente para o trabalho habitual e com necessidade de tratamentos continuados;
P. Em virtude das lesões sofridas no acidente em causa nos autos, o 1.º Autor esteve impedido de exercer as suas funções enquanto agente principal da PSP entre o dia 16 de novembro de 2011 e o dia 8 de julho de 2016, inclusive;
1. No Hospital de São José, em Lisboa, o 1.º Autor foi observado em ortopedia e, em consequência do embate, apresentava traumatismo grave do membro inferior direito, bem como do antebraço e punho homolaterais, da coluna e fratura das vértebras D4, D5, D7 e D8;
2. As radiografias evidenciaram fraturas de ramo isquiopúbico direito, trocantérica direita, segmentar exposta da diáfise do fémur direito, do colo do perónio e bordo externo da tíbia, fratura distal do rádio direito, alterações sensitivo-motoras do pé, bem como ferida na região exposta da fratura; do embate em apreço resultou politraumatismo com fratura exposta do 1/3 distal da diáfise do fémur direito, fratura transtrocantérica direita, fratura do ramo isquiopúbico direito, fratura do colo do perónio e metáfise proximal da tíbia direitos, fratura da epífise distal do rádio direito, bem como fratura dos pratos superiores de D4, D5, D7 e D8;
3. No dia 17 de novembro de 2011, o 1.º Autor foi sujeito a intervenção cirúrgica osteotaxis para bloqueio articular do joelho, colocação de tração esquelética de 4 Kg para estabilização da fratura trocantérica e fez, ainda, imobilização do antebraço e punho direito com tala engessada;
4. Dadas as perdas hemáticas no pós-operatório, foi contactada a cirurgia plástica de urgência, tendo o 1.º Autor sido sujeito a nova intervenção para fasciotomia lateral do membro inferior direito (MID) desde a raiz da coxa até ao maléolo externo, por síndrome compartimental do membro inferior direito;
5. O 1.º Autor permaneceu internado naquele serviço de urgência até ao dia 29 de novembro de 2011, data em que foi transferido para o serviço de cirurgia plástica;
6. Ali permaneceu em repouso e com pensos até dia 2 de dezembro de 2011, em que se procedeu a redução da exsudação serosa, na face lateral da coxa;
7. Em 21 de dezembro de 2011, ele foi reintervencionado pela ortopedia, sendo submetido a osteossíntese com placa e parafusos das fraturas do rádio e punho direito;
8. O 1.º Autor foi tratado com pensos periódicos e a seu pedido foi transferido, em internamento, para o Hospital Militar Principal a 27 de dezembro de 2011;
9. No Hospital Militar Principal, o 1.º Autor foi sujeito, no dia 4 de janeiro de 2012, a osteossíntese das fraturas do fémur e revisão a 20 de abril de 2012;
10. O 1.º Autor manteve joelho com rigidez grave, e passou a deambular com canadianas;
11. Apesar de ter apresentado boa evolução radiológica, consolidação da fratura proximal do fémur direito, o 1.º Autor desenvolveu loca infetada, pelo que teve de manter reabilitação com fisioterapia;
12. O 1.º Autor teve alta clínica a 8 de agosto de 2012, com indicação para consulta de cirurgia plástica em setembro do mesmo ano, e ficou internado no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa (HCVP) a partir de 9 de agosto de 2012;
13. Foi a consulta no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa e, posteriormente, foi admitido para internamento novamente no Hospital Militar Principal a 13 de setembro de 2012, por incapacidade motora do membro inferior direito;
14. O 1.º Autor teve alta para domicílio a 21 de novembro de 2012, passando a ser acompanhado clinicamente no HCVP pelo Dr. João Paulo Goucha;
15. Em 18 de dezembro de 2012, o 1.º Autor realizou TAC do punho direito, revelando este as fraturas do mesmo com lesões específicas;
16. Em 6 de fevereiro de 2013, realizou RX, revelando este o encurtamento do membro inferior direito;
17. Em 14 de fevereiro de 2013, por consulta no HCVP, drenou-se dois fragmentos de osso de enxerto com cerca de 1 cm de diâmetro;
18. Dado o facto de, não obstante as sucessivas operações, o 1.º Autor não se encontrar curado, o mesmo procurou opiniões médicas distintas dos serviços clínicos da Ré, ou seja, do HCVP;
19. Em março de 2013, o 1.º Autor foi à consulta com o Dr. Eduardo Ávila, que lhe indicou que o tratamento que deveria adotar passaria por limpeza cirúrgica ao local de infeção da bactéria;
20. Em maio de 2013, foi internado no HCVP para nova intervenção cirúrgica para limpeza de uma infeção por bactéria desenvolvida;
21. O 1.º Autor foi mantendo os tratamentos de reabilitação com fisioterapia, uma vez que não se encontrava curado;
22. Em 8 de outubro de 2013, o 1.º Autor foi sujeito a nova intervenção cirúrgica no HCVP, na qual foi implantado osso no fémur, retirado da cristiliada, tendo ficado 10 dias internado;
23. As operações não apresentaram os resultados pretendidos, tendo-se verificado, em consulta com o Dr. Ricardo Varatojo no Hospital CUF Descobertas, que o enxerto não tinha resultado;
24. Em consequência, insistiu-se mais uma vez junto da Ré para o 1.º Autor ser operado pelo Dr. Ricardo Varatojo para nova limpeza da bactéria;
25. Em 17 de fevereiro de 2014, por consulta no centro de ortopedia do Hospital CUF Descobertas, o Dr. Ricardo Varatojo propôs cirurgia para extração do material de osteossíntese do fémur direito;
26. A Ré autorizou tal cirurgia;
27. Em 29 de maio de 2014, o 1.º Autor foi observado em ortopedia pelo Dr. Cassiano Neves e, em 27 de junho de 2014, foi internado e novamente operado para extração do material de osteossíntese do fémur e osteotomia proximal do fémur para alongamento e ressecção de pseudartrose, tendo tido alta em 1 de julho de 2014;
28. Seguiu-se novamente um período de recuperação e regime de consultas de acompanhamento, que, em 27 de outubro de 2014 e 10 de dezembro de 2014, registava boa evolução para consolidação do foco de pseudartrose;
29. O 1.º Autor continuou a ser acompanhado pelos serviços clínicos da Ré até ao dia 12 de fevereiro de 2016;
30. À data do embate, o 1.º Autor auferia o salário base de € 1 108,62, acrescido de subsídios de refeição e fardamento, de suplementos serviço forças de segurança e fixo, e de gratificações, perfazendo, após os descontos legais, o valor líquido global de € 1 104,74;
31. No ano de 2011, o 1.º Autor auferiu o rendimento global de € 18 933,31;
32. Em consequência do embate, o 1.º Autor apresenta: - Rigidez na flexão palmar do punho direito; - Rigidez na flexão dorsal do punho direito; - Limitação da pronação; - Anquilose do joelho direito; - Dismetria dos membros inferiores; - Lesão Ciático Popliteu Externo (com anquilose do tornozelo); - Lesão Ciático Popliteu Interno (dedos em garra e hiperestesias no tornozelo); - Cicatrizes no membro inferior direito; - Marcha claudicante com canadianas (tala e palmilha no membro inferior direito);
33. As sequelas das lesões do foro ortopédico produzidas no acidente em apreço determinaram ao 1.º Autor uma incapacidade permanente parcial de 50 pontos (em 100), de acordo com a tabela de avaliação de incapacidades permanentes em direito civil, em vigor; mas o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 60 pontos (em 100), sendo de admitir a existência do dano futuro;
34. Em virtude de tais lesões, o 1.º Autor padeceu de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) no período temporal compreendido entre 16 de novembro de 2011 e 21 de novembro de 2012, entre 1 de abril de 2013 e 5 de abril de 2013, entre 2 de maio de 2013 e 15 de maio de 2013, entre 3 de outubro de 2013 e 8 de outubro de 2013 e entre 27 de junho de 2014 e 1 de julho de 2014, sendo fixado num período total de 402 dias;
35. No exercício das suas funções profissionais, o 1.º Autor efetuava, regularmente, patrulha em motociclo;
36. O 1.º Autor, em virtude das lesões que apresenta, terá de efetuar tratamentos, consultas, exames médicos, medicamentos e intervenções cirúrgicas e terá de estar de baixa médica, prevendo-se o agravamento das indicadas sequelas, por esse agravamento corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do seu quadro clínico (dano futuro); considerando a existência de pseudartrose infetada do fémur direito, não é possível excluir a necessidade futura de tratamento cirúrgico e antibioterapia dirigida ao agente bacteriano identificado (“Pseudomonas aeruginosa”) por refistulização do membro inferior direito;
37. Em consequência do embate e das lesões provocadas pelo mesmo, o 1.º Autor despendeu as quantias seguintes:
- Em deslocações de táxi, nos dias 23 de julho de 2016 e 30 de agosto de 2016, de Samora Correia para o Hospital CUF Descobertas, as quantias de € 97,70 e € 107,50;
 - Em análise de pressão dinâmica no dia 23 de julho de 2016, no Hospital CUF Descobertas, a quantia de € 61,50;
- Em consulta de ortopedia e RX membros inferiores, no dia 30 de agosto de 2016, no Hospital CUF Descobertas, a quantia de € 158,00;
38. Em virtude das lesões, durante o período de incapacidade temporária, o 1.º Autor sofreu dores constantes na coluna, joelho direito, tornozelo direito e punho direito;
39. Tais dores são quantificáveis em grau 6 (seis), numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente;
40. O 1.º Autor foi sujeito, durante mais de quatro anos, a consultas e tratamentos;
41. Tem necessidade de ajuda de terceira pessoa para tarefas da vida diária, tais como na higiene e no levante, mas sobretudo na alimentação e serviços domésticos;
42. O 1.º Autor sujeitou-se a mais de 10 intervenções cirúrgicas;
43. Em virtude das lesões, o 1.º Autor apenas se consegue movimentar/deambular com a ajuda de canadianas (…);
44. (…) E ficou impedido de exercer a profissão de agente da PSP, ou qualquer outra que exija algum esforço físico; em termos de repercussão permanente na atividade profissional, as sequelas acima descritas são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual e, bem assim, de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional;
45. O 1.º Autor sentia satisfação com a profissão que exercia;
46. Após a realização de esforços, o 1.º Autor continua a sentir algumas dores na coluna, punho e joelho direitos;
47. Em virtude das dores que, nessas situações, sente, bem como da incapacidade de que ficou a padecer, o 1.º Autor tem momentos de mau humor, apresentando um quadro depressivo de intensidade ligeira, reativo ao sofrimento físico e ao sofrimento psicológico pela invalidez, tudo resultado dos ferimentos produzidos pelo acidente (…);
48. (…) O que tem prejudicado a sua vida familiar e que culminou no divórcio entre o mesmo e mulher;
 49. Em virtude das lesões, o 1.º Autor apresenta um prejuízo de afirmação pessoal com o grau 5 (cinco), numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente;
50. Antes do acidente, o 1.º Autor era uma pessoa bastante ativa, alegre e tinha como objetivo a progressão na carreira;
51. Em virtude das lesões, o 1.º Autor ficou com cicatrizes no membro inferior direito;
52. Em virtude de tais cicatrizes, o 1.º Autor apresenta um dano estético com o grau 6 (seis), numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente;
53. O 1.º Autor ficou impossibilitado de qualquer atividade ou desporto que implique corrida, total flexão dos membros inferiores ou elevado esforço físico;
 54. O que implica desvalorização de 5 (cinco) pontos, numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente, em termos de repercussão nas atividades desportivas e de lazer;
55. O 1.º Autor está incapacitado de exercer as suas funções habituais enquanto agente da PSP desde dia 9 de julho de 2016, não podendo voltar a exercê-las;
56. Não obstante o referido em P., entre os dias 16 de novembro de 2011 e 8 de julho de 2016, o 2.º Autor pagou ao 1.º Autor a importância de € 86 987,10, a título de retribuição e legais acréscimos (suplemento serviço forças de segurança, suplemento fixo, subsídios de refeição e fardamento, e gratificações Trânsito e ANA);
57. Não obstante o referido em P., entre os dias 9 de julho de 2016 e o final do mês de fevereiro de 2018, o 2.º Autor pagou ao 1.º Autor a importância de € 32 329,13, a título de retribuição e legais acréscimos (os referidos suplementos, subsídios e gratificações);
58. O 2.º Autor irá continuar a processar os vencimentos, suplementos, abonos e subsídios ao 1.º Autor, sem qualquer contrapartida funcional por parte daquele agente principal, até que haja uma decisão final da junta médica da Caixa Geral de Aposentações (ainda inexistente);
59. O 2.º Autor pagou ao Hospital de São José a quantia de € 17 276,96, a título de tratamento médico ministrado ao 1.º Autor em consequência das lesões sofridas em decorrência do acidente em causa nos autos;
60. Após a entrada em juízo da petição inicial, o 1.º Autor manteve consultas, medicação, exames e deslocações inerentes às lesões sofridas no acidente dos autos;
61. Para além das despesas referidas em 37., o 1.º Autor despendeu ainda: - € 468,54 em consultas de psiquiatria, ortopedia e exames; - € 649,78 em material ortopédico (calçado, tala moldada e canadianas); - € 524,23 em relatórios médicos, consultas, palmilhas e compensação de calçado; e - € 267,84 em deslocações, em veículo próprio e cerca de 744 quilómetros, a consultas médicas e exames periciais no Instituto Nacional de Medicina Legal (INML);
62. O 1.º Autor apresenta repercussão permanente na sua atividade sexual no grau 5 (cinco), numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente;
63. O 1.º Autor carece e sempre dependerá de ajudas técnicas, tais como: - Duas canadianas para se locomover, sobretudo fora de casa; - Adaptação/aquisição de veículo ligeiro com caixa automática; - Meia elástica cruropodálica e ortótese do pé e tornozelo, a fim de permitir manter o pé em posição neutra; - Adaptação do domicílio, nomeadamente reconversão de banheira para o poliban;
64. O 1.º Autor carece e sempre dependerá também de medicação, tais como ajudas medicamentosas relacionadas com o consumo de analgésicos e psico-fármacos;
65. O 1.º Autor carece e sempre dependerá de seguimento médico regular, ou seja, de tratamentos médicos periódicos para se evitar um retrocesso ou um agravamento das sequelas: fisioterapia, seguimento regular em consultas de ortopedia e psiquiatria, estando a respetiva periodicidade condicionada à evolução desses mesmos tratamentos;
66. O 1.º Autor continua a ser seguido em consultas de psiquiatria e a tomar a correspondente medicação;
67. Com consultas de psiquiatria nos dias 12 de junho de 2019 e 22 de julho de 2019, na … – Psiquiatria e Psicoterapia, Lda., o 1.º Autor despendeu € 195,00;
68. Com a mediação correspondente, o 1.º Autor despendeu € 40,84;
69. Devido às limitações físicas decorrentes do acidente dos autos, o 1.º Autor teve a necessidade de alterar a sua casa de banho de forma a dispor de acessibilidade, gastando, para o efeito, o montante de € 1 723,10;
70. Atentas as lesões sofridas no embate, foi prescrito ao 1.º Autor um par de sapatos que lhe custou € 150,00;
71. Em nova consulta de psiquiatria decorrente do mesmo sinistro, despendeu o 1.º Autor o valor de € 85,00 (em 6 de fevereiro de 2020);
72. Na respetiva medicação prescrita, despendeu o 1.º Autor € 27,14;
 73. Para prova dos sapatos específicos de que necessitava, o 1.º Autor teve de se deslocar à Arrifana (concelho de Santa Maria da Feira), com paragem na Lousã para descansar, tendo despendido o valor de € 30,70 em portagens;
74. E realizou cerca de 600 quilómetros em viatura particular, no que teve um custo estimado de € 216,00 (= € 0,36/quilómetro, em combustível e desgaste da viatura);
75. O 1.º Autor permaneceu e mantém-se medicado em consequência das lesões sofridas, e assim continuará para o restante da sua vida, tendo recentemente despendido com medicação o montante de € 74,03;
76. O 1.º Autor manteve o seguimento com consultas médicas e a realização de exames decorrentes do dito acidente, bem como com as necessárias deslocações, e assim também vai continuar para o restante da sua vida, tendo ainda despendido com consultas, exames e deslocações, o montante de € 869,83;
77. Só podendo o 1.º Autor conduzir automóveis com transmissão automática em resultado das lesões sofridas no acidente, o mesmo adquiriu um veículo dotado de caixa automática, da marca Nissan Qashqai e com a matrícula …-43, no mês de agosto de 2017, sendo que o valor da caixa automática representou mais € 3 305,00 do que a mesma versão em caixa manual;
78. O 1.º Autor necessita de ajuda de terceira pessoa por período não inferior a duas horas por dia, para o restante da sua vida, na realização da limpeza doméstica e compras para alimentação, com o valor médio de € 8,00/hora;
79. Em 25 de novembro de 2019 (aquando do relatório pericial final), a data da consolidação médico-legal das lesões do 1.º Autor foi fixada em 12 de fevereiro de 2015;
80. Apesar de, no ano de 2011, o 1.º Autor não proceder a serviços gratificados (ou serviços remunerados), era sua intenção retomar os mesmos, tanto que os realizara de 1998 até 2000 (data em que a sua esposa também ingressou na PSP e ele parou de os fazer) e, depois, desde janeiro de 2007 até fevereiro de 2010;
81. Antes da data do acidente, o 1.º Autor preparava-se para voltar a realizar serviços gratificados com frequência, o mais tardar a partir de 2013, estando a adaptar-se às suas novas funções;
82. Os referidos serviços gratificados podem atingir o valor médio mensal de € 1 000,00, quase duplicando a remuneração base de um agente principal como o 1.º Autor;
83. Do relatório pericial final consta, ainda, que o período de défice funcional temporário parcial se fixa em 783 dias; o período de repercussão temporária na atividade profissional total se fixa em 1185 dias (= 402 dias + 783 dias); e o Quantum Doloris foi fixado no grau 6 (seis), numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente.
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III – 2 - O Tribunal de 1ª instância não considerou provados os seguintes factos:
I. A Ré não autorizou a (ou obstou à) cirurgia mencionada no ponto 25 supra;
II. O 1.º Autor continua a sentir grandes dores na coluna, punho e joelho direitos (permanentemente);
III. Em virtude de tais dores permanentes, o 1.º Autor está sempre de mau humor;
IV. O 1.º Autor ainda apresenta dor ou raquialgias à mobilização da coluna.
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IV – 1 - Considerou o Tribunal de 1ª instância:
«No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso concreto, o lesado teria obtido não fora a ação e/ou a omissão lesiva em causa. O recurso a fórmulas matemáticas, pese embora possam ser utilizadas como instrumentos de cálculo meramente ancilares, não deve preterir o critério legal explanado nos artigos 564.º e 566.º do Código Civil.
(…)
De acordo com o Estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19 de outubro, um agente policial (no ativo ou na pré-aposentação) poderá requerer a passagem à situação de aposentação depois de completados 60 anos de idade, sem redução de pensão (cfr. artigo 116.º, n.º 2, al. c), do referido Estatuto). Ou seja, a idade mínima de 60 anos consubstancia a possibilidade de reforma sem penalização para os agentes policiais, de acordo com a lei vigente.
Ora, ponderando a incapacidade (IPP) de que o 1.º Autor ficou a padecer, o referido “Rebate profissional” que, na prática, traduz o termo da carreira de agente policial, a idade do 1.º Autor à data do sinistro (36 anos), o previsível tempo da sua vida ativa (porventura, mais 24 anos contados a partir 2011, ou mais 16 anos desde 2019, aquando da segunda ampliação dos pedidos) e o previsível tempo – o restante da sua vida – por que irá suportar menor qualidade de vida, bem como o grau salarial e condição financeira média/baixa de que usufrui e a impossibilidade de progressão na carreira que abraçou, perante o estatuído no artigo 566.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil, na sua conjugação com o disposto na alínea a) do artigo 4.º do mesmo código, temos como proporcionado e equitativo indemnizar o demandante lesado, pelo referido dano funcional (patrimonial), na quantia monetária global – e já atualizada – de € 410 000,00».
A apelante R. sustenta que o valor da indemnização pelo “dano funcional” (patrimonial) deverá ser reduzido para o valor de 350.000,00 €.
Em sentido oposto, o A. pretende que seja considerado um montante de 150.000,00 €, atenta a sua incapacidade permanente para o trabalho habitual, ou que tal valor seja incluído no montante do dano funcional, sendo, assim, a indemnização fixada a esse título no valor de 560.000,00 €.
Vejamos, então.
Sabemos que em consequência do embate, o 1.º A. apresenta: - Rigidez na flexão palmar do punho direito; - Rigidez na flexão dorsal do punho direito; - Limitação da pronação; - Anquilose do joelho direito; - Dismetria dos membros inferiores; - Lesão Ciático Popliteu Externo (com anquilose do tornozelo); - Lesão Ciático Popliteu Interno (dedos em garra e hiperestesias no tornozelo); - Cicatrizes no membro inferior direito; - Marcha claudicante com canadianas (tala e palmilha no membro inferior direito). Bem como que as sequelas das lesões do foro ortopédico produzidas no acidente determinaram ao 1.º A. uma incapacidade permanente parcial de 50 pontos (em 100), de acordo com a tabela de avaliação de incapacidades permanentes em direito civil, em vigor; mas o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 60 pontos (em 100), sendo de admitir a existência do dano futuro.
Acresce que em virtude das lesões, o 1.º A. apenas se consegue movimentar/deambular com a ajuda de canadianas e ficou impedido de exercer a profissão de agente da PSP, ou qualquer outra que exija algum esforço físico; em termos de repercussão permanente na atividade profissional, as sequelas acima descritas são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual e, bem assim, de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.
Temos, deste modo, que em resultado do acidente o A., sofreu graves danos corporais, sérias ofensas à sua integridade físico-psíquica – desde logo com consequências relevantes a título patrimonial.
Concluíra Maria da Graça Trigo ([1]) que o «dano biológico, sendo um dano real ou dano-evento, não deve em princípio, ser qualificado como dano patrimonial ou não patrimonial, mas antes como tendo consequências de um e/ou outro tipo; e também por isso, em nosso entender, o dano biológico não deve ser tido como um dano autónomo em relação à dicotomia danos patrimoniais/anos não patrimoniais»
No acórdão do STJ de 29-10-2019 ([2]) refere-se o “dano biológico” ou “corporal” «enquanto lesão da saúde e da integridade psico-somática da pessoa, imputável ao facto gerador de responsabilidade civil delitual e traduzida em incapacidade funcional limitativa e restritiva das suas qualidades físicas e intelectuais de vida». Acrescentando-se: «Como se tem feito entendimento neste STJ, não se trata de uma espécie de danos que se configure como um tertium genus na dicotomia danos patrimoniais vs danos não patrimoniais; antes permite delimitar e avaliar os efeitos dessa lesão – em função da sua natureza, conteúdo e consequências, tendo em conta os componentes de dano real – enquanto dano patrimonial (por terem por objecto um interesse privado susceptível de avaliação pecuniária), por um lado, ou dano moral ou não patrimonial (por incidirem sobre bem ou interesse insusceptível, em rigor, dessa avaliação pecuniária e plasmando-se, como utilidade essencial, na clarificação de danos “para além das dores e do sofrimento”).
Quando a vertente patrimonial do dano biológico se convoca, tem a virtualidade de ressarcir não só (i) as perdas de rendimentos profissionais correspondentes à impossibilidade de exercício laboral e/ou económico-empresarial e as frustrações de proveitos existentes à data da lesão (ponderadas até um certo momento de vida activa), mas também (ii) a privação de futuras oportunidades profissionais e o esforço acrescido de reconversão (enquanto determinado pela incapacidade resultante da lesão) para o exercício profissional – num caso e noutro, danos patrimoniais futuros previsíveis, na variante de “lucros cessantes” (arts. 562º, 564º, 1 e 2, CCiv.)».
Referindo o STJ no seu acórdão de 26-1-2016 ([3]): «A perda da capacidade de ganho constitui um dano presente, com repercussão no futuro, durante o período laboralmente activo do lesado e durante todo o seu tempo de vida (longevidade).
Sem dúvida, que é tarefa melindrosa calcular o valor indemnizatório, já que, tirando a idade do lesado, o vencimento que auferia ou não e a incapacidade que o afecta, tudo o mais é aleatório. Com efeito, é inapreensível, agora, qual será o nível remuneratório, a evolução dos níveis dos preços, dos juros, da inflação, o progresso tecnológico com repercussão no emprego, além de outros elementos que influem na retribuição, como por exemplo, os impostos.
Daí que, nos termos do nº 3 do art. 566º do Código Civil, haja que recorrer à equidade ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos».
A lei, no que a tal respeita, dá-nos as orientações constantes do nº 2 do art. 564 do CC - atendibilidade dos danos futuros previsíveis - e do nº 3 do art. 566 do mesmo Código - recurso à equidade se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos.
Para efeito do cálculo da indemnização têm sido utilizadas pela jurisprudência várias fórmulas, bem como tabelas financeiras, na tentativa de ser obtido um critério tão uniforme quanto possível.
De qualquer modo, o STJ tem afirmado que «nenhum dos aludidos critérios é absoluto, devendo ser aplicados como índices ou parâmetros temperados com a aplicação de um juízo de equidade» ([4]), que a equidade é o critério fundamental de fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros ([5]), que os «critérios matemáticos de cálculo do capital correspondente à indemnização por danos patrimoniais futuros são apenas um instrumento ao serviço do juízo de equidade» ([6]), que o recurso a fórmulas é «meramente indiciário, não podendo o julgador desvincular-se dos critérios constantes do art. 566º do Código Civil, mormente do referido no nº3, que impõe que se o tribunal não puder averiguar o montante exacto dos danos deve recorrer à equidade» ([7]).
Assim, concluiu José Fernando Salazar Casanova Abrantes ([8]), designadamente, que:
- «Os métodos de cálculo de indemnização constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio não vinculam os tribunais; também não são vinculativas fórmulas matemáticas e cálculos financeiros». Prevalece a equidade.»
- «Os critérios constantes de tabelas, fórmulas matemáticas e cálculos financeiros são indicativos»
- «Tais critérios constituem uma base – um minus – devendo o montante indemnizatório ser procurado com recurso a processos objetivos sobre o qual poderá então incidir um juízo de equidade».
Havendo já sido considerado o seguinte:
«a) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extinguirá no período provável da sua vida;
b) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, implicando o relevo devido às regras de experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
c) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para o alcance da indemnização devida, terão sempre mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo, de modo algum, a devida ponderação judicial com base na equidade;
d) Deve sempre ponderar-se que a indemnização será paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, e, assim, considerando-se esses proveitos, deverá introduzir-se um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento abusivo do lesado à custa de outrem (o que estará contra a finalidade da indemnização arbitrada);
e) Deve ter-se preferencialmente em conta a esperança média de vida da vítima (pois, mantendo-se o dano fisiológico para além da vida activa, é razoável que, num juízo de equidade sobre o dano ora em causa, se apele à esperança média de vida)» ([9]).
E no recente acórdão de 10-12-2020 ([10]) o STJ ponderou que para «o juízo de equidade, relevam: i) a idade do lesado; ii) o seu grau de incapacidade permanente; iii) as suas potencialidades de aumento de ganho em profissão ou actividade económica alternativa; iv) outros que relevem casuisticamente, como no caso dos autos, em que actividade profissional do Autor exige o uso da força e destreza física».
Concluímos, deste modo, que a indemnização a arbitrar que será aferida por um critério de equidade, deverá ter em conta, designadamente, a percentagem da incapacidade e as características das sequelas sofridas, a idade do lesado, o tipo de actividade por ele exercida e as remunerações auferidas, a idade de reforma da vida laboral activa e a própria esperança média de vida da população (arts. 564 e 566, nº 3 do CC).
Consoante acima mencionámos, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica do A. foi fixado em 60 pontos (em 100), apenas se conseguindo movimentar/deambular com a ajuda de canadianas e ficando impedido de exercer sua profissão de agente da PSP, ou qualquer outra que exija algum esforço físico; as sequelas que o acompanham são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual e, bem assim, de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.
Sabemos, ainda: que o A. nasceu em 5-12-1974 ( tendo 36 anos à data do acidente); que, como vimos, era agente da PSP e auferia o salário base de 1.108,62 €, acrescido de subsídios e suplementos, auferindo no ano de 2011 o rendimento global de 18.933,31 € e recebendo mensalmente o valor líquido de 1.104,74 €; que, na profissão do A., poderia ser requerida a passagem à situação de aposentação aos 60 anos de idade ([11]).
A apelante R. sustenta que ao liquidar a valor da indemnização por danos patrimoniais futuros se deverá ter por base o rendimento líquido do lesado.
Já seguimos o entendimento de que se deveria considerar antes o rendimento ilíquido ([12]) ([13]). Revimos essa posição, tendo em conta o juízo diverso que o STJ vem assumindo sobre tal.
Assim, no seu acórdão de 9-1-2019 ([14]) o STJ entendeu que «o facto de se calcular a indemnização por danos patrimoniais em consequência de lesões corporais graves sofridas em acidente de viação, tomando por base o valor de rendimentos auferidos pelo lesado, líquidos de impostos, não viola o direito à justa indemnização, nem o princípio da igualdade».
Acrescentando: «O direito à justa indemnização, decorrente da violação pelo lesante da integridade pessoal do lesado, reclama que os danos sofridos sejam, todos eles, reparados. Ora, os danos patrimoniais que o lesado efectivamente sofre são os equivalentes ao valor dos rendimentos que realmente deixa de auferir por causa das lesões sofridas; e estes são apenas os rendimentos que deixou de receber, líquidos de impostos, e não também a parte dos rendimentos que, se não fossem as lesões, seriam destinados a impostos. Esses não fazem parte do seu património. São receitas que o erário público deixa de arrecadar».
Bem como: «… dispõe o artigo 562 do Código Civil que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Estabelece-se, assim, como regra o princípio da restauração natural ou reconstituição específica.
E o artigo 566 do Código Civil prescreve que, sendo impossível a restauração natural a indemnização é fixada em dinheiro estabelecendo-se o quantum indemnizatório de harmonia com a chamada teoria da diferença – a indemnização em dinheiro traduziria a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que ocorreria nessa data se não existissem danos.
Ainda nos termos do n.º 3 deste preceito “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
E, nos termos do n.º 1 do artigo 564 do Código Civil “o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”.
Acrescenta o n.º 2 do mesmo preceito “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.
Ora, como já se deixou dito supra, o dano sofrido pelo lesado (o autor) é apenas quantificado pelo montante liquido que ele deixou ou deixará de auferir.
Como se disse o rendimento ilíquido inclui receitas (impostos) que são do erário público e não do lesado.
Deste modo podemos concluir, sem qualquer margem de dúvida que a indemnização devida ao Autor deve ser calculada com base no rendimento líquido do lesado…».
Igualmente no acórdão de 19-6-2019 ([15]) o STJ concluiu que no cálculo da indemnização pelos danos patrimoniais futuros os rendimentos a que deve atender-se são os rendimentos líquidos, sejam tais rendimentos comprovados fiscalmente ou por outra forma.
Tendo em consideração o que foi exposto, entendemos que os rendimentos de trabalho em que se basearão os cálculos são os rendimentos líquidos, consoante pretendido pela apelante R..
Sucede que o A. sofreu graves lesões na sua integridade física e psíquica que prejudicam a sua actividade – que não só a profissional/produtiva -  a sua situação e as relações da sua vida pessoal
Atentando a que a esperança média de vida, para os homens, rondará os 78 anos de idade, afigura-se-nos ajustada a indemnização arbitrada de 410.000,00 €, tendo já em conta, para efeitos de avaliação da indemnização, a circunstância de o 1º A. estar incapacitado para o trabalho habitualmente por si desenvolvido bem como para qualquer outra actividade dentro da sua área de preparação técnico-profissional.
Ou seja, não haverá que fazer acrescer o montante de 150.000,00 € reclamado pelo apelante A., atenta a sua incapacidade permanente para o trabalho habitual, quer somando-o ao montante de 410.000,00 € (sendo então a indemnização de 560.000,00 €), quer mesmo como uma parcela “autónoma”.
Aquela circunstância é obviamente significativa, relevando no cômputo indemnizatório a que procedemos, aferido por um critério de equidade, e que conduz à confirmação do valor (actualizado à data da sentença) de 410.000,00 €.
*
IV – 2 - Considerou o Tribunal de 1ª instância:
«Perante a materialidade comprovada na lide, é inquestionável que o 1.º Autor ficou igualmente impossibilitado de executar os denominados “serviços gratificados”, os quais, apesar de se não inserirem no serviço habitual cometido aos agentes policiais, a sua prática está prevista e autorizada pela Portaria n.º 289/2012, de 24 de setembro – portaria que fixa os valores a auferir pelos militares da Guarda Nacional Republicana e pelo pessoal policial da Polícia de Segurança Pública, pela participação efetiva na prestação de serviços remunerados solicitados por órgãos e entidades públicas e privadas.
Para tanto, teremos de considerar, não apenas a perda desta possibilidade real, mas que tal decorreu por força das sequelas deste acidente em exclusivo, sendo certo que, quer os valores de gratificados, quer a sua efetiva realização pelo 1.º Autor, correspondem a uma previsão/estimativa para o futuro, tendo em conta que não se enquadram no seu serviço obrigatório, podendo o 1.º Autor escolher efetuá-los, ou não, e sendo inteiramente livre de, a qualquer momento, deixar de os desempenhar ou de participar na sua escala.
Assim, na fixação desta indemnização urge considerar, não só o dano consistente na perda patrimonial por o 1.º Autor, tencionando desempenhá-los a partir de 2013 (o mais tardar), o não poder fazer, como a circunstância de estes serviços não fazerem parte integrante da atividade necessária e habitual do mesmo, podendo este desempenhá-los ou não, de acordo com a sua vontade/disponibilidade.
Entendemos, portanto, que se justifica enquadrar estes também no conceito de dano patrimonial futuro/dano biológico, com recurso a critérios de equidade, posto que é impossível aferir, em concreto, o número e a efetiva realização de serviços gratificados por parte do 1.º Autor, não fora este acidente, bem como o montante da sua correspondente remuneração, normalmente variável por mês e caso a caso. A sua intenção de realizar gratificados “com frequência” não significa “para sempre enquanto polícia e sem interrupções”, até porque a vida se encarrega de colocar em crise planos futuros (de que é exemplo, infelizmente, o acidente tratado nos presentes autos).
Tomando como factos já assentes que, antes da data do sinistro, o 1.º Autor se preparava para voltar a realizar serviços gratificados com frequência, o mais tardar a partir de 2013, estando a adaptar-se às suas novas funções; e que tais serviços gratificados podem atingir o valor médio mensal de € 1 000,00, quase duplicando a remuneração base de um agente principal como o 1.º Autor; e adotando como premissa hipotética que o mesmo agente policial poderia, querendo, continuar a desempenhá-los até aos 60 anos (idade mínima para a aposentação, até 2034), mas sendo impossível prever a sua efetiva realização e montantes precisos envolvidos; fixamos um valor correspondente a uma percentagem razoável destes gratificados, atribuível às sequelas do acidente, em 50 % do montante máximo que lhe seria possível, em tese, auferir com os mencionados serviços (€ 11 000,00 x 22 anos = € 242 000,00). Ou seja, a este título, arbitramos a quantia equitativa e já atualizada de € 121 000,00 (= 50 % de € 242 000,00)».
Segundo a apelante R. esta parcela da indemnização constitui uma duplicação da indemnização pelo dano funcional, não sendo as indenizações, reportadas ao mesmo dano, cumuláveis, e estando-se, aliás, no domínio da incerteza.
O apelante A. sustenta que os serviços gratificados devem ser compensados, já que o A. os poderia continuar a realizar, e que uma vez que a idade para a vida activa se situa nos 71 anos de idade o valor atinente deveria ser alterado para 181.500,00 €.
Provou-se, a propósito:
«80. Apesar de, no ano de 2011, o 1.º Autor não proceder a serviços gratificados (ou serviços remunerados), era sua intenção retomar os mesmos, tanto que os realizara de 1998 até 2000 (data em que a sua esposa também ingressou na PSP e ele parou de os fazer) e, depois, desde janeiro de 2007 até fevereiro de 2010;
81. Antes da data do acidente, o 1.º Autor preparava-se para voltar a realizar serviços gratificados com frequência, o mais tardar a partir de 2013, estando a adaptar-se às suas novas funções;
 82. Os referidos serviços gratificados podem atingir o valor médio mensal de € 1 000,00, quase duplicando a remuneração base de um agente principal como o 1.º Autor».
Tal factualidade não foi impugnada pelas partes, pelo que haverá que a considerar nos precisos termos em que se encontra definida.
Dada a situação do 1º A. que se encontra incapacitado (permanentemente) de realizar o trabalho que habitualmente executava, conclui-se que aquele deixou de poder proceder aos chamados «serviços gratificados» (ou «serviços remunerados»).
Como referido na sentença recorrida, a prática de tais serviços encontrava-se prevista na portaria 289/2012 de 24-9, a qual fixa os valores a auferir pelo pessoal policial da Polícia de Segurança Pública pela participação efetiva na prestação de serviços remunerados solicitados por órgãos e entidades públicas e privadas.
Provou-se que os mesmos serviços poderão atingir o valor médio mensal de 1 000,00 €, que o 1º A. os realizara de 1998 até 2000 (data em que a sua esposa também ingressou na PSP e ele parou de os fazer) e, depois, desde Janeiro de 2007 até Fevereiro de 2010, sendo intenção do A. retomá-los, preparando-se antes da data do acidente, para voltar a realizar serviços gratificados com frequência, o mais tardar a partir de 2013, estando a adaptar-se às suas novas funções.
O nº 2 do art. 564 do CC dispõe serem atendíveis para efeitos de fixação da indemnização os danos futuros “que sejam previsíveis”.
Constatou o STJ no seu acórdão de 11-10-1994 ([16]): «Por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. Nesse tempo já existe um ofendido, mas não existe um lesado.
Os danos futuros podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis.
O dano é futuro e previsível quando se pode prognosticar, conjecturar com antecipação ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência.
No caso contrário, isto é, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível».
 Diz-nos Henrique Sousa Antunes ([17]) que a previsibilidade sugere um grau elevado de probabilidade, considerando os efeitos comuns associados à lesão causada e as especificidades das circunstâncias particulares do lesado e do evento. Referindo que Vaz Serra apresentava o seguinte critério: «…é necessário que (os danos futuros) sejam previsíveis com segurança bastante, porque, se não o forem, não pode o Tribunal condenar o responsável a indemnizar danos que não se sabe se virão a produzir-se; se não for seguro o dano futuro a sua reparação só poderá ser exigida quando ele surgir. A segurança do dano pode resultar de probabilidades»
E Almeida Costa ([18]) ensinava que os «danos futuros são indemnizáveis desde que previsíveis; e, a seu turno, subdividem-se em certos e eventuais, conforme a respectiva produção se apresente infalível ou apenas possível».
Naquele acórdão do STJ de 11-10-1994 considera-se, ainda:
«Dano futuro certo é aquele cuja produção se apresenta, no momento acerca dele formar juízo, como infalível.
Dano futuro eventual é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível, incerto, hipotético»
Ora, o dano futuro eventual será indemnizável na medida em que – como qualquer dano futuro – seja previsível com grande probabilidade a sua verificação.
Como concluiu o STJ no acórdão de 24-2-1999 ([19]) para efeitos do nº 2 do art. 564 do CC «são indemnizáveis não só os danos futuros previsíveis certos como os futuros eventuais cujo grau de incerteza seja de tal modo que possa prognosticar-se que o prejuízo venha a acontecer».
No caso dos autos atendendo às circunstâncias anteriores – o 1º A. já efectuara, de 1998 até 2000 e de Janeiro de 2007 até Fevereiro de 2010, «serviços gratificados» - e à determinação do 1º A. relativamente ao seu futuro no sentido de que, pelo menos a partir de 2013, voltaria a realizar «serviços gratificados», existia uma elevada possibilidade de os vir a realizar.
Podendo tais serviços atingir um valor médio mensal de 1.000,00 € e não os podendo o 1º A. prestar e receber a respectiva remuneração devido às sequelas das lesões sofridas no acidente, estamos em face de danos futuros previsíveis, a considerar na fixação da indemnização, no âmbito do nº 2 do art. 564 do CC.
Estamos, assim, perante um dano patrimonial futuro indemnizável que não implica qualquer duplicação face à indemnização referida em IV - 1), uma vez que os factos aqui considerados e em razão dos quais a indemnização é equacionada são diversos. Também não tem razão a R. apelante sobre estarmos no «domínio da incerteza» - não se tratará de prejuízo futuro certo, mas não deixa de ser um prejuízo futuro previsível e, logo indemnizável.
O problema coloca-se quanto à sua liquidação dada a escassez dos factos de que dispomos e uma vez que, como apontado na sentença recorrida, o 1º A. realizaria esses serviços por opção própria – a incerteza referida pela apelante R., situar-se-á aí.
O valor médio mensal de 1.000,00 € surge-nos como um valor máximo, um valor que poderia ser atingido – não significando que o fosse.
Por outro lado, o 1º A. desde 1998 até fins de 2011 executara “serviços gratificados” de 1998 a 2000 e de Janeiro de 2007 a Fevereiro de 2010 pretendendo retomar os mesmos em 2013. Ou seja, em 13 anos (espaço de tempo que corre entre 1998 e final de 2011) o 1º A. executou aqueles serviços durante cerca de cinco anos, e só pretendia recomeçar em 2013.
Como vimos, o Tribunal de 1ª instância adoptou como premissa hipotética que o 1º A., poderia continuar a desempenhar aqueles serviços até aos 60 anos, salientando ser «impossível prever a sua efetiva realização e montantes precisos envolvidos». Acabando por fixar um valor correspondente a uma «percentagem razoável destes gratificados, atribuível às sequelas do acidente, em 50 % do montante máximo que lhe seria possível, em tese, auferir com os mencionados serviços».
Trata-se, também aqui, de caso em que não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos (nem mesmo em ulterior incidente de liquidação) o tribunal haverá que julgar «equitativamente dentro dos limites que tiver por provados» (nº 3 do art. 566). Deverá, então, ser tomado por referência o princípio geral constante do art. 562 do CC – reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o acidente.
Atentos os factos provados, afigura-se-nos que o valor encontrado pelo Tribunal de 1ª instância peca por excesso.
Concordamos que, para efeitos de cálculo, se deverá atender aos 60 anos do 1º A. idade mínima para a sua aposentação, não se divisando justificação determinante para, como defende o apelante A., considerar que continuaria e proceder àqueles serviços remunerados até aos 71 anos de idade. Desde logo porque não entendemos como verificada a por ele invocada regra da experiência comum de prolongamento da vida activa do agente policial até à referida idade de 71 anos.
 Teríamos, então o período entre 2013 e 2034, ou seja, 21 anos; ora, uma vez que em 13 anos o 1º A. executou aqueles serviços num período total de 5 anos, em 21 anos, na proporção, executá-los-ia durante 8 anos, ou, seja durante 88 meses (8x11).
Por outro lado, o 1º A. não demonstrou que auferiria o valor médio de 1.000,00 € mensais, mas apenas, que aquele valor poderia ser atingido.
Refira-se que nos documentos por si juntos aos autos (fls. 561-v a 562-v) o 1º A. demonstra haver recebido de serviços remunerados respectivamente 261,83 € e 332,85 € mensais. Não será, pois, de considerar o mencionado valor de 1.000,00 € mensais, parecendo-nos adequado tomar, tão só metade daquele valor, ou seja, 500,00 € mensais.
Não esquecendo que o 1ª A. recebe de uma só vez o montante global em causa, atendendo à quantia de 500,00 € mensais e à proporção supra aludida, entende-se que ele terá a receber a este título a quantia equitativamente calculada e já actualizada de 44.000,00 €.
*
IV – 3 - No que respeita à necessidade de ajuda de terceira pessoa o Tribunal de 1ª instância declarou:
«Recorde-se que o 1.º Autor peticionou, a esse título, a importância de € 216 080,00, correspondente ao produto da multiplicação de € 8,00 por duas horas, por 365 dias e por 37 anos …atendendo à data da consolidação fixada em 12 de fevereiro de 2015, à sua data de nascimento (5 de dezembro de 1974) e à esperança média de vida equivalente a 77,78 anos (tomemos como mais precisa e atual a indicação de 78 anos para o ser humano masculino português, no ano de 2018, tendo por fonte: INE, PORDATA).
(…)
Certo é que se trata de uma assistência “temporária” de duas horas diárias, não configurando a assistência “permanente” que implique um atendimento de, pelo menos, seis horas diárias (tal como definida no – ora inaplicável – artigo 16.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na sua versão atual).
Seja como for, estamos perante um dano patrimonial futuro, dado como previsível (cfr. artigo 564.º, n.º 2, in principio, do Código Civil), que decorre das limitações físicopsíquicas sofridas pelo lesado e derivadas do dano biológico, inerentes como são ao exercício das tarefas pessoais em que o mesmo lesado ficou claramente diminuído.
(…)
Convocamos, por conseguinte, o estatuído no artigo 566.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil, na sua conjugação com o disposto na alínea a) do artigo 4.º do mesmo código, apreciando a questão dentro dos limites tidos como provados em concreto, sem prejuízo do disposto no citado artigo 564.º, n.º 2, segmento inicial, do Código Civil.
Tudo visto e ponderado, atendendo ao valor máximo por hora de € 6,16, sugerido por portaria, à data da consolidação médico-legal das lesões fixada em 12 de fevereiro de 2015, à data de nascimento do 1.º Autor (em 5 de dezembro de 1974) e à sua esperança média de vida de 78 anos, a título de auxílio de terceira pessoa, consideramos ser de arbitrar ao 1.º Autor a importância global – já atualizada – de € 155 000,00, uma vez deduzido o desconto devido pelo benefício do seu recebimento antecipado».
Sustenta o A. o aumento do valor respeitante à ajuda permanente de terceira pessoa para 216.080,00 €.
Provou-se que o 1.º A. necessita de ajuda de terceira pessoa por período não inferior a duas horas por dia, para o restante da sua vida, na realização da limpeza doméstica e compras para alimentação, com o valor médio de € 8,00/hora e que a data da consolidação médico-legal das lesões do 1.º A. foi fixada em 12 de fevereiro de 2015.
Estamos, mais uma vez, perante um dano patrimonial futuro, previsível.
Os limites temporais a considerar mediam de 12-2-2015 até 5-12-2052, atenta a referida esperança média de vida para os homens de 78 anos.
Tratando-se de um total de 27.010 horas (37 anos x 365 dias x 2 horas) o 1º A., multiplica tal quantia pelo valor médio de 8,00 €/hora que foi considerado provado – daí o resultado de 216.080,00 €.
Já o Tribunal de 1ª instância ateve-se ao valor/hora de 6,16 €, alicerçando-se na portaria 377/2008, de 26-5, na redacção da portaria 679/2009, de 25-6 (de onde resultaria, por simples cálculo aritmético o montante de 166.382,00 €), mas reduziu-o para o valor actualizado de 155.000,00 €, dado o benefício do recebimento antecipado.
Temos como dado certo que o A. necessita e necessitará do auxílio de terceira pessoa por um período de 2 horas diárias, na realização da limpeza doméstica e compras para alimentação – actividades que o A. não consegue executar por si só em razão das sequelas resultantes do acidente.
Tal assistência poderá ser obtida por via de contrato de trabalho, de prestação de serviço remunerado, ou mesmo de auxílio gratuito de terceiro. Todavia, não podemos dar como adquirido que alguém se prontifique a prestar auxílio gratuito ao A. durante anos a fio – não temos qualquer indicação nesse sentido decorrente dos factos provados - pelo que haverá que ter em conta um serviço remunerado, seja qual for o contrato em que se enquadre.
 Provou-se um valor médio de 8,00 €/hora, o que não se afigura exagerado, tendo em consideração que as despesas em referência são susceptíveis de integrar encargos como é o caso de seguro de acidentes de trabalho e de contribuições para a segurança social ([20]). Na nossa perspectiva não haverá que atender aos valores indicativos constantes da portaria 377/2008, de 26-5, na redacção da portaria 679/2009, de 25-6, dados os factos efectivamente provados.
Neste contexto, haverá ainda, que considerar por um lado o previsível agravamento do custo de vida e das remunerações a pagar e, por outro, o recebimento imediato de todo o capital atribuído.
Tudo visto, tendo em consideração as referidas disposições do nº 2 do art. 564 e do art. 566 do CC, bem como o princípio geral constante do art. 566, entende-se adequada a fixação da indemnização (já actualizada) de 190.000,00 €.
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IV – 4 - Resta-nos o que concerne aos danos não patrimoniais cuja compensação foi fixada pelo Tribunal de 1ª instância em 100.000,00 € e a apelante R. defende dever ser estabelecida em montante inferior – 80.000,00 € - enquanto o apelante A. pretende ver aumentada para 250.000,00 €.
O dano não patrimonial corresponde a todo aquele que afecta a personalidade moral nos seus valores específicos – como dor física, angústia, dor moral relacionada com uma alteração estética, com um forçado e prolongado internamento hospitalar ([21]).
Dispõe o art. 496 do CC que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (nº 1), sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494 (nº 3), disposição esta que alude ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso o justifiquem.
Consoante consignou o STJ no seu acórdão de 16-12-2020 ([22]) a «compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496.º, n.º 1, do Código Civil), não pode – por definição – ser feita através da fórmula da diferença consagrada no n.º 2 do art. 566.º do CC. Deve antes ser decidida pelo tribunal, segundo um juízo de equidade (art. 496.º, n.º 4, primeira parte, do CC), tendo em conta as circunstâncias previstas na parte final do art. 494.º, do CC».
O dano não patrimonial não poderá ser avaliado em medida certa; a indemnização corresponde a uma mera compensação. Como ensina Antunes Varela ([23]) a «indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente».
O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deverá ser calculado em qualquer caso – isto é, haja dolo ou mera culpa do lesante – segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc. Deverá ser proporcionada à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida ([24]).
Refere Dario Martins de Almeida ([25]) que quando se faz apelo a critérios de equidade pretende-se encontrar aquilo que no caso concreto pode ser a solução mais justa. «A equidade não equivalerá ao arbítrio; é mesmo a sua negação. A equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio».
Salientando João Pires da Rosa ([26]) que a equidade «é a procura de uma forma superior de justiça, da mais justa das soluções, daquilo a que Ferrer Correia e Vasco Lobo Xavier chamam, na RDES, IV, 124, a justiça do caso concreto. E a justiça do caso concreto não pode divorciar-se dos outros casos igualmente concretos que lhe são próximos ou afins, dos outros casos que os tribunais (e sobretudo o STJ, dada a natureza última das suas decisões) são chamados a decidir, por forma a que situações iguais sejam potencialmente tratadas com resultados iguais, situações diferentes conduzam a soluções quantitativas diferentes».
Não estamos perante algo de matemático e estanque, antes tendo conteúdo indeterminado e variável de acordo com as concepções de justiça dominantes.
A jurisprudência tem vindo a acentuar que o valor de uma indemnização neste âmbito, deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, devendo ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico, proporcionando os meios económicos capazes de fazer esquecer, ou pelo menos mitigar, o abalo suportado ([27]).
Consignou o STJ no seu acórdão de 10-12-2020 ([28]):
«Como é consabido, a indemnização por danos não patrimoniais, admitida no art. 496º do CCivil, visa compensar o lesado pelos danos não susceptíveis de avaliação pecuniária, como sejam as dores, físicas e morais, os prejuízos estéticos, etc., com uma quantia pecuniária que possa lhe proporcionar momentos de prazer que contribuam para atenuar a dor sofrida.
A indemnização é fixada equitativamente (art. 496º/3), devendo o julgador orientar-se em harmonia com os padrões de cálculo da jurisprudência mais recente, de modo a salvaguardar as exigências da igualdade no tratamento do caso análogo (art. 8º/3 do CC).
Como referido no recente Acórdão deste Tribunal de 07.09.2020 (P. 5466/15), “são de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, as sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e seu grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, a situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e auto estima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspectiva de futuro.”»
No caso que nos ocupa não é de mais salientar a gravidade das lesões corporais sofridas pelo 1º A. em resultado do acidente, determinantes da sua sujeição a longos períodos de internamento, a sucessivas intervenções cirúrgicas (mais de dez), a inúmeras consultas e tratamentos durante mais de quatro anos.
Provou-se que em virtude das lesões, durante o período de incapacidade temporária, o 1.º A. sofreu dores constantes na coluna, joelho direito, tornozelo direito e punho direito, dores que são quantificáveis em grau 6 (seis), numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente.
Está demonstrado que em consequência do embate, o 1.º A. apresenta:  rigidez na flexão palmar do punho direito;  rigidez na flexão dorsal do punho direito; limitação da pronação; anquilose do joelho direito; dismetria dos membros inferiores; - Lesão Ciático Popliteu Externo (com anquilose do tornozelo); lesão Ciático Popliteu Interno (dedos em garra e hiperestesias no tornozelo); cicatrizes no membro inferior direito; marcha claudicante com canadianas (tala e palmilha no membro inferior direito) e que está afectado de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 60 pontos (em 100).
Provou-se, também, que após a realização de esforços, o 1.º A. continua a sentir algumas dores na coluna, punho e joelho direitos e que em virtude das dores que sente, bem como da incapacidade de que ficou a padecer, o 1.º A. tem momentos de mau humor, apresentando um quadro depressivo de intensidade ligeira, reativo ao sofrimento físico e ao sofrimento psicológico pela invalidez, tudo resultado dos ferimentos produzidos pelo acidente, o que tem prejudicado a sua vida familiar e que culminou no divórcio entre o mesmo e mulher. Sendo que o 1.º A. carece e sempre dependerá também de medicação, tais como ajudas medicamentosas relacionadas com o consumo de analgésicos e psico-fármacos, carece e sempre dependerá de seguimento médico regular, ou seja, de tratamentos médicos periódicos para se evitar um retrocesso ou um agravamento das sequelas: fisioterapia, seguimento regular em consultas de ortopedia e psiquiatria (continua a ser seguido em consultas de psiquiatria e a tomar a correspondente medicação).
Acresce que o 1ºA. apenas se consegue movimentar/deambular com a ajuda de canadianas e ficou impedido de exercer a profissão de agente da PSP, ou qualquer outra que exija algum esforço físico bem assim, de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.
Ora, o 1.º Autor sentia satisfação com a profissão que exercia; antes do acidente, o 1.º A. era uma pessoa bastante ativa, alegre e tinha como objetivo a progressão na carreira. Provando-se que em virtude das lesões, o 1.º A. apresenta um prejuízo de afirmação pessoal com o grau 5 (cinco), numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente.
Por outro lado, em virtude das lesões, o 1.º A. ficou com cicatrizes no membro inferior direito e devido a tais cicatrizes apresenta um dano estético com o grau 6 (seis), numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente.
E, ainda, o 1º A. ficou impossibilitado de qualquer actividade ou desporto que implique corrida, total flexão dos membros inferiores ou elevado esforço físico, o que implica desvalorização de 5 (cinco) pontos, numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente, em termos de repercussão nas atividades desportivas e de lazer.
Por fim, o 1.º A. apresenta repercussão permanente na sua atividade sexual no grau 5 (cinco), numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente.
O 1º A. exercia as funções de agente policial, auferindo as remunerações de trabalho acima aludidas.
Sublinhando-se que o 1º A., à data do acidente, tinha apenas 36 anos de idade.
Temos assim, acentuadas dores físicas, internamentos, intervenções cirúrgicas, tratamentos, desvalorização, consequências psíquicas, frustração em termos profissionais e de outras actividades, dores morais relevantes que justificam amplamente o valor da compensação por danos não patrimoniais que foi arbitrada, não se considerando que aquela peque por exagero, mas também não se afigurando que sofra por defeito.     
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V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação da R. e também parcialmente procedente a apelação do 1º A., alterando a sentença recorrida no que concerne à parcela da indemnização referente ao dano patrimonial relativo a serviços remunerados que se fixa em 44.000,00 € (quarenta e quatro mil euros), bem como no que concerne à parcela da indemnização referente ao dano patrimonial decorrente da necessidade de auxílio de terceira pessoa que se fixa em 190.000,00 € (cento e noventa mil euros).
No mais, incluindo o que respeita a juros, mantém-se a sentença recorrida.
Custas da acção na proporção do decaimento, da apelação da R. na proporção de 4/5 para a R. e 1/5 para o A. e da apelação do 1º A. na proporção 4/5 para ele e 1/5 para a R..
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Lisboa, 25 de Fevereiro de 2021
Maria José Mouro   
Sousa Pinto                                                                                   
Vaz Gomes
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[1] Em «Adopção do Conceito de “Dano Biológico pelo Direito Português”, ROA, Ano 72 – Vol. I, Jan.-Mar. 2012, pag. 177
[2] Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, processo 683/11.6TBPDL.L1.S2.
[3] Ao qual se pode aceder em  www.dgsi.pt/, processo 2185/04.8TBOER.L1.S1.
[4] Acórdão do STJ de 7-6-2011 ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, processo 160/2002.P1.S1.
[5] Acórdão do STJ de 21-02-2013 ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, processo 2044/06.0TJVNF.P1.S1.
[6] Acórdão do STJ de 17-01-2013 ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, processo 2395/06.3TJVNF.P1.S1.
[7] Acórdão do STJ de 2-5-2012 ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, processo 1011/2002.L1.S1.
[8] Em «O Dano na Responsabilidade Civil – Introdução à Temática do Dano na Responsabilidade Civil», e-book CEJ, pags. 21-22.
[9] Acórdão do STJ de 27-9-2012 ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, processo 560/04.7TBVVD.G1.S1. Em sentido idêntico o acórdão do STJ de 8-5-2012 ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, processo 3492/07.3TBVFR.P1 e jurisprudência aí citada.
[10] Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, processo 8040/15.9T8GMR.G1.S1.
[11] Nos termos da alínea c) do nº 2 do art. 116 do dl 243/2015, de 19-10, o «polícia que se encontre no ativo ou na pré-aposentação passa à situação de aposentação, sem redução de pensão, sempre que: … Requeira a passagem à situação de aposentação depois de completados 60 anos de idade».
[12] Nesse sentido, exemplificativamente, o acórdão da Relação do Porto de 23-10-2014 ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 148/12.9TBVLP.P1e o acórdão da Relação de Coimbra de 31-3-2010, qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 4212/18.2T8CBR.C1.
[13] Relevando para esse entendimento, designadamente, a circunstância de ser a remuneração ilíquida que é tida em conta para o cálculo de pensões e indemnizações no âmbito de acidentes de trabalho – ver o art. 71 da LAT.
[14] Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 1649/14.14.0T8VCT.G1.S1.
[15] Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. n.º 80/11.3TBMNC.G2.S1.
[16] Publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, ano II, tomo 3, pag. 83.
[17] Em «Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações», coordenação de Brandão Proença, Universidade Católica Editora, 2018, pag. 561
[18] Em «Direito das Obrigações», Almedina, 5ª edição, pag. 481.
[19] Publicado no BMJ n.º 484, pag. 359.
[20] Ver o acórdão da Relação do Porto de 11-11-2014, ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 2372/10.0TBPVZ.P1.
[21] Ver Dario Martins de Almeida, «Manual de Acidentes de Viação», Almedina, 2ª edição, pag. 267.
[22] Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 6295/15.8T8SNT.L1.S1.
[23] «Das Obrigações em Geral», Almedina, 4ª edição, vol. I, pag. 534.
[24] Ver Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, pag. 474.
[25] Obra citada, pags. 103 e seguintes.
[26] Em «Cálculo da indemnização pelos danos não patrimoniais» e-book do CEJ «O dano na responsabilidade civil», pag. 50.
[27] Assim, o acórdão do STJ de 29-01-2008, ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt/, processo nº  JSTJ000. No acórdão de 25-6-2002, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdão do STT, ano X, tomo 2, pag. 128, diz-se ser de ter presente que «a jurisprudência deste Supremo Tribunal em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista».
[28] Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 8040/15.9T8GMR.G1.S1.