Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
813/09.8TVLSB.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
DANO PRIVAÇÃO DE USO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/06/2012
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Para que haja nulidade da sentença, nos termos do art.º 668.º n.º1 c) do Código de Processo Civil, é necessário que exista contradição lógica entre os fundamentos e a decisão.
II - Esta divergência não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou com o erro na interpretação desta, pois nestas hipóteses, estamos perante erro de julgamento.
III - A privação de uso de um bem – móvel ou imóvel - por acto ilícito de outrem, constitui, por si só, um dano indemnizável.
IV - A medida do dano é definida pelo valor que tem no comércio a utilização desse bem, durante o período em que o dono dele esteve privado.
(MDC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
O Município de Lisboa intentou a presente acção declarativa sob a forma ordinária contra L – Máquinas, Equipamentos e Veículos, Ldª pedindo que seja declarada a propriedade do Autor, relativamente ao imóvel identificado nos autos, condenando-se a Ré a reconhecer a mesma e a restituí-la ao Autor,    com todos os frutos que produziu ou poderia produzir, que se ordene o cancelamento de quaisquer registos a favor da Ré e ainda a condenação desta a pagar o valor de 345.467,68€, bem como os juros devidos desde a citação.
Alegam, para tanto, em síntese, que desde 1961 que a parcela de terreno identificada nos autos foi cedida à A., tendo esta utilizado parte da mesma para a construção da 2ªcircular. E na parte de terreno sobrante passou a mesma para a titularidade do A., todavia, refere que a Ré ocupa tal faixa de terreno sem qualquer título que a legitime, e com oposição do A., desde 1981. E tanto que a Ré, em 1990, assinou uma declaração de ocupação a título precário, sem proceder a qualquer pagamento ou taxa de ocupação, ainda que para tal tenha sido notificada, estando em dívida, desde 1981 a 2008, o valor peticionado.

A ré contestou dizendo, em suma, que é o A. parte ilegítima na presente acção, pois não é proprietário do terreno em causa, referindo ainda que pelo terreno não é devida qualquer taxa e como tal já foi decidido pelo tribunal administrativo, e a Ré apenas assinou o documento referido, em 1990, para evitar um despejo ilegal ordenado pelo A. Mais refere que a parcela de terreno em causa não está abrangida pela cessão invocada pelo A. como título de propriedade. Alegando ainda a Ré que a ocupação foi autorizada pela congregação religiosa ali existente, mediante o pagamento de contrapartidas, em 1981, tendo inclusive autorizado a Ré a pedir contratos de água e luz em seu nome, e tendo ainda sido deferido pelo A. o pedido de licenciamento para instalação de um estaleiro. Refere que, em 1987, e apesar do referido, o A. pediu á Ré o pagamento de uma taxa, e pretendeu desocupar a Ré, tendo esta impugnado tal pedido no tribunal o que foi decidido favoravelmente. Porém, face à coacção exercida pelo A. acabou por assinar um documento de ocupação precária, para evitar o despejo. Mais refere que a parcela de terreno em causa está excluída da cessão invocada pelo A., pois esse terreno foi todo ele ocupado pela 2ª circular, existindo marcações que delimitam a parcela em causa. No registo não existem confrontações relativamente aos 8000m2 que o A. invoca como sobrantes, sendo que o terreno ocupado pela Ré com a área de 1.936m2 tem inscrição própria na matriz, desde 1990, concluindo pela inexistência da prova da propriedade dessa parcela pelo A., nem é devida pela Ré qualquer taxa, e os registos efectuados são nulos, também pela inexistência de factos relativos ao trato sucessivo. Em relação às taxas, a Ré invoca ainda a prescrição das anteriores a 2004, e dizendo que tem a posse da parcela desde 81, por cedência da instituição de religiosas, tendo assinado o documento de precariedade da ocupação sob coacção moral. Conclui pela nulidade dos registos efectuados pela A. e ainda pela improcedência da acção.

A A. respondeu mantendo o alegado em sede de petição inicial, e dizendo que a Ré nunca teve a posse pacífica e de boa fé, como bem sabe e transparece de toda a actuação da A.

No saneador julgou-se improcedente a alegada excepção de ilegitimidade.
Decorridos todos os trâmites legais, realizou-se o julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, por consequência:
a) Declarou o Autor proprietário do prédio urbano com a área de 8.000m2, descrito na 5.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ..., confrontando a Norte e Nascente com o Estado, a Sul com a Avenida ... e a Poente com a ...;
b) Condenou a Ré a reconhecer o referido direito e a restituir ao A. a parcela pela mesma ocupada e supra identificada;
c) Condenou a Ré a pagar uma indemnização ao A. pela ocupação da parcela, em montante a liquidar, devido desde Novembro de 1988 e até à efectiva entrega da parcela ao A.

Inconformada com tal decisão, a Ré interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1. A ora Recorrente não se conforma com a douta decisão do Tribunal a quo, a qual considera nula e de nenhum efeito, assim como, por entender que in casu existe erro de julgamento como se demonstrará:
DA NULIDADE, por violação do disposto nas alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo 668.º do C.P.C.
2. A presente decisão é nula porque os fundamentos estão em oposição com a decisão.
3. Isto porque, caso o Município de Lisboa tivesse direito de exigir qualquer contraprestação pela ocupação daquele espaço (tese que sem conceder se rejeita expressamente), fosse ela na forma de rendas ou de taxas de ocupação, o prazo de prescrição seria sempre o de 5 anos previsto no artigo 310.º do Código Civil.
4. Tendo em conta que é pacífico, quer na Doutrina, quer na Jurisprudência, que cabem na prescrição daquela norma, as rendas e outras prestações periodicamente renováveis, onde se incluem as taxas de ocupação.
5. E uma vez que a Meritíssima Juiz entendeu que os valores reclamados eram "taxas de ocupação", para aplicar adequadamente o direito teria que enquadrar tais prestações no regime do artigo 310.º do CC e não do artigo 309.º como erradamente veio a fazer.
6. Embora o Juiz se encontre vinculado aos factos articulados pelas partes, tal princípio não é extensível quanto à aplicação do direito, como decorre do disposto nos artigos 264.º e 664.º do C.P.C..
7. Tal facto, embora possa ter enquadramento como um erro de julgamento, também configura uma situação de contradição entre os fundamentos e a decisão, que a torna nula e de nenhum efeito, declaração que muito respeitosamente se requer seja proferida.
8. Por outro lado e na opinião da Recorrente, há uma manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão, na parte em que considerando os factos alegados, a matéria de facto provada e o depoimento das testemunhas, o Tribunal decide no sentido de dar uma segunda oportunidade à Autora em vez de conhecer do pedido naquela parte, absolvendo a Ré.
9. Quanto à matéria de facto provada, foi considerado provado nos Pontos 28 a 31 da sentença, o seguinte:
 - Que a Ré ocupou o terreno desde 10/10/1981;
- Nunca pagou qualquer taxa de ocupação;
- Que devolveu todos os recibos de ocupação;
- Que deve à Autora quantia não apurada desde Novembro de 1981 e até Março de 2008.
10. Era então necessário saber, caso fossem devidos valores, o que se rejeita e não concede, qual o seu montante.
11. Mas na fundamentação da decisão, o Tribunal a quo refere no último parágrafo o seguinte: "Porém, os autos não contém sequer elementos para julgar segundo a equidade, pois desconhecesse em absoluto qual o valor da taxa de ocupação da parcela em causa, ou a tabela em cada momento aplicável, pelo que relegar-se-á para liquidação o valor indemnizatório devido - artº 661º n.º 2 do Código de Processo Civil."
12. Contudo e com todo o respeito, julgamos que o Tribunal a quo não analisou devidamente os factos alegados pela Autora, o despacho saneador, os documentos juntos aos Autos e as declarações das testemunhas arroladas pela Autora, violando o disposto no n.º 3 do artigo 659.º do C.P.C..
13. Porque, a Autora alegou na petição inicial (artigos 13º, 14º e 15º), que a Ré nunca pagou qualquer taxa de ocupação, estando em dívida para com a Autora da importância de € 345.467,68 euros, correspondente ao período calculado entre 10/1981 e 03/2008.
14. Por sua vez, no Despacho Saneador, ficou consignado que o valor da acção foi fixado em € 391.089,73 euros (correspondente ao valor total das rendas peticionadas);
15. E nos quesitos 4º, 5º e 6º da Base Instrutória, pretendia-se saber se a Ré nunca tinha pago qualquer taxa de ocupação apesar de notificada; se a Ré devolvia os recibos de ocupação; e se a Ré devia ao Autor € 345.567,68 euros por ocupação entre Novembro de 1981 e Março de 2008.
16. E quanto aos documentos juntos, deveriam ter sido considerados os de fls. 26, 80 e 438 a 444. E tal como resulta da acta, a junção de tais documentos requerida pela Autora C.M.L., destinava-se à prova da matéria dos quesitos 4º, 5º e 6º da base instrutória, os quais foram impugnados pela Ré.
17. Por fim e quanto às testemunhas, designadamente Maria ouvida dia 24/05/2012 – 12:36:38 às 12:48:41, e Miguel ouvido dia 24/05/2012 – 12:49:57 às 12:56:43, responderam aos quesitos 3º a 6º, da qual resultou nada saberem em concreto, designadamente, quanto à fórmula de cálculo da fixação dos valores reclamados por meses e anos; parcelas a que respeitavam tais valores; eventuais actualizações, número de meses, etc.
18. Assim, existindo no processo todos os elementos disponíveis, que eram realmente todos, não tendo a Autora logrado provar que existiam dívidas da responsabilidade da Ré, o Tribunal teria de decidir no sentido de absolver a Ré do pedido de pagamento de importâncias relativas à ocupação do terreno, caso se demonstrassem serem devidas, o que também não ficou demonstrado.
19. E em vez do Tribunal a quo, face á prova produzida, absolver a Ré ora Recorrente do pedido de pagamento das rendas, decidiu no sentido de dar nova oportunidade à Autora, para que esta pudesse demonstrar algo que no prazo e no processo próprio não fez.
20. Procedimento do Tribunal que é inconstitucional, ilegal e nulo, como resulta de abundante e pacífica jurisprudência da qual nas alegações que antecedem se discrimina.
21. Verificando-se assim existir manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão, na parte em que considerando os factos alegados, a matéria de facto provada e o depoimento das testemunhas, o Tribunal a quo deveria ter conhecido do pedido na parte em que foi requerida a condenação da Ré a pagar à Autora o valor de € 345.467,68 euros - como aliás decorre do 1º parágrafo do relatório da douta decisão - absolvendo a Ré, e não, como fez, decidindo condenar a Ré a pagar uma indemnização à Autora pela ocupação da parcela, em montante a liquidar, desde Novembro de 1988 e até efectiva entrega da parcela, dando assim à Autora uma segunda oportunidade para produção de prova com desrespeito pelas regras processuais.
22. O que torna a sentença nula e de nenhum efeito.
23. Por outro lado, é nula a decisão do Tribunal a quo, porque fundamentou a sua decisão partindo dum princípio e de um pedido que não foi formulado pelas partes.
24. De entre os vários pedidos formulados pelo Autor, o último consistia em que a R. pagasse ao A. a quantia de € 345.467,68 euros, acrescida de juros a contar da citação.
25. Dando por reproduzido tudo o que atrás já foi alegado, verifica-se que o Tribunal também se pronuncia sobre questões que não foram pedidas pelo Autor, designadamente, por entender que a questão a apreciar deveria versar sobre pedido do valor indemnizatório por considerar que in casu não estávamos perante uma relação locatícia
26. A situação do Tribunal a quo decidiu conhecer um pedido que não foi formulado pelo Autor viola os limites da condenação consagrados no artigo 661.º do C.P.C., que estipula no n.º 1 que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
27. Sendo que, quanto às questões a resolver no julgamento, o juiz só pode ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso (artigo 660.º nº 2 do C.P.C.), o que manifestamente não é o caso.
28. Certo é que a aplicação do direito nos termos descritos, além do mais, viola a Constituição da República Portuguesa, designadamente, os princípios da legalidade e da igualdade (artigos 3.º, 13.º e 204.º CRP), tendo em conta que os Tribunais não podem aplicar normas que infrinjam a Constituição e os princípios ali consignados.
29. Razão pela qual entendemos que aqui também o douto Tribunal a quo errou, violando o disposto nos artigos 659.º nº 3 e 660.º nº 2, ambos do C.P.C., assim como, o disposto no artigo 668.º n.º 1, alíneas c), d) e e) do C.P.C., tornando a Sentença nula e de nenhum efeito, cuja declaração, muito respeitosamente, ora se requer, com todas as consequências até final.
ERRO DE JULGAMENTO
30. Dá-se aqui por integralmente por reproduzido tudo quanto é alegado no articulado que antecede, assim como, a resposta à matéria de facto.
Da discordância quanto à resposta dada ao Quesito 6 da Base Instrutória (Ponto 31 da Decisão).
31. Com todo o respeito, entendemos que a Douta Decisão sob recurso padece de falta de observância do princípio da imediação que permite ao Julgador ter um contacto directo com a realização da prova, ficando com uma visão do litigio mais ampla e correcta.
32. Aqui, verifica-se que não foi o mesmo Meritíssimo Juiz que procedeu ao julgamento e à decisão, o que evidentemente compromete a análise e abordagem das questões a resolver, pelo que entendemos que há violação do disposto no artigo 654.º do C.P.C..
33. A resposta que foi dada ao quesito 6 é a seguinte: "6. Provado que a Ré deve ao Autor a quantia não apurada por ocupação da parcela desde Novembro de 1981 até Março de 2008."
34. A primeira questão que se coloca é tentar perceber como foi possível o Meritíssimo Senhor Juiz decidir que "a Ré deve ao Autor quantias por ocupação da parcela desde Novembro de 1981?", quando sobre tais factos só se pronunciaram as duas testemunhas do Autor atrás referidas.
35. E analisando tais respostas, não resultou provado:
Que o espaço utilizado pela Ré era propriedade da Autora e não de qualquer outra entidade;
Que sendo propriedade da Autora, esta pretendia receber uma contrapartida pela sua ocupação;
Que a Autora tenha notificado a Ré da intenção de cobrar uma contrapartida pela ocupação do espaço, a fim de lhe dar oportunidade para que esta se decidisse se pretendia ficar ou não naquele local;
Caso se confirmasse a propriedade da Autora e o espaço não fosse ocupado pela Ré, a Autora teria procedido à sua utilização de modo diferente, obtendo, designadamente, um benefício?
36. Ora, na perspectiva da Recorrente, apoiada pelos depoimentos das testemunhas aos quesitos 3º a 6º da base instrutória, ambos alegaram que a Recorrente nunca pagou os recibos apresentados porque esta tinha a consciência (como ainda tem), de que aquela fracção onde estava instalada a sociedade não era propriedade da Recorrida, mas sim da Congregação Religiosa "Instituto ...".
37. E a lógica seria a de que quando tal dúvida fosse desfeita que se constituísse (ou não) a obrigação para a Ré.
38. E como nenhum destes aspectos se materializou em momento anterior, entendemos que a resposta dada ao quesito 6.º, nunca poderia ter sido em termos de considerar que a Ré devesse qualquer quantia à Autora, e muito menos desde Novembro de 1981, mas sim, caso fosse devida, a partir da data da citação da acção.
39. Isto porque a situação não era pacífica, nem para a Ré nem para a Autora, como resulta dos vários relatórios e pareceres dos peritos que se pronunciaram sobre o assunto.
40. Tendo vindo a Recorrente a defender há muitos anos que a dona do terreno onde estava instalada seria propriedade da Congregação Religiosa e não do Município de Lisboa.
41. E havendo dúvida, só a partir da decisão é que a eventual dívida se constituía, ou então a partir do registo que viesse a ser feito após a decisão, caso esta viesse a confirmar.
42. É que não é o facto de se ter provado que a Ré ocupa o terreno desde 10/10/1981 (ponto 28.); que nunca tenha pago qualquer taxa de ocupação (ponto 29.), e que tem vindo a devolver todos os recibos (ponto 30.), que permite concluir que a Autora pudesse reclamar rendas da Ré, as quais, aliás, nem sequer as testemunhas conseguiram explicar como surgiram e como foram calculadas.
43. Tal legitimidade teria de ser alegada e demonstrada nos presentes autos pelo Autor.
44. De qualquer modo, o A. na acção de reivindicação que interpôs, não logrou provar os requisitos indispensáveis e exigíveis para que se possa considerar ter havido dano indemnizável, uma vez que não alegou nem demonstrou que a privação do uso lhe tivesse provocado danos, pelo que, nesta perspectiva, nada haveria a indemnizar.
45. Sobre esta temática já existem diversos acórdãos, os quais são referidos nas alegações que antecedem.
46. Assim, entendemos que a resposta ao Quesito 6º está errada e deverá ser alterada por outra que considere: "Não provado" .
47. Contudo, caso não fosse esse o entendimento deste Venerando Tribunal (o que se admite sem conceder), ou seja, na eventualidade de que o Tribunal ad quem, entenda e conclua que a parcela onde se encontra instalada a Ré é propriedade do Autor, a resposta ao quesito 6.º deveria ser a seguinte: "A Ré deve ao Autor uma renda pela ocupação da parcela a contabilizar a partir da data da citação da presente acção."
48. Por outro lado e como já foi dito, entendemos que há erro de julgamento porque não resulta da matéria que foi considerada provada e não provada, que o terreno onde se encontra instalada a Ré seja propriedade do Autor.
49. O Autor ao longo destes anos nunca logrou provar o direito de propriedade sobre o referido terreno, o que não deixa de ser estranho.
50. Os fundamentos da Recorrente em como entende que o terreno não é municipal, decorrem da análise dos documentos seguintes: (Doc. Fls 61); (Doc. Fls. 69); (Doc. Fls. 9 - planta); (Doc. Fls. 10); (Doc. Fls. 75); (Doc. Fls. 76 e 77); (Doc. Fls. 78 e79); (Doc. Fls. 80); (Doc. Fls. 81 a 83); (Doc. Fls. 85); (Doc. Fls. 86); (Doc. Fls. 87 a 89); (Doc. Fls. 91 a 102); (Doc. Fls. 103)
51. Ora, face ao conteúdo daqueles documentos impunha-se questionar qual a razão pela qual a Câmara Municipal de Lisboa nunca tinha registado na Conservatória do Registo Predial competente a faixa de terreno que lhe foi cedida a título definitivo, constante da planta publicada com aquele Decreto-Lei, não obstante ter sido por mais do que uma vez convidada a fazê-lo, até pelo Supremo Tribunal Administrativo?
52. A verdade é que sempre foi o Instituto ..., a comportar-se como legítima proprietária, realizando várias diligências:
Oficiou à EPAL – Empresa Pública das Águas de Lisboa, e
EDP – Electricidade de Portugal em 29-07-1981, informando autorizar a firma C,C & C, Ld. (…), a fazer o contrato em seu nome quer da instalação de luz, quer da instalação de água.
53. Pelo que, após as muitas investidas da Autora, a Ré viu-se forçada a recorrer aos Tribunais, cuja decisão, a final, acabou por ser favorável à R., como resulta, aliás, da matéria facto provada, pontos 14 e 15.
54. Contudo, após muitas ameaças e sob coação moral, a Ré a fim de evitar o despejo ilegal, e a fim de evitar encerrar a actividade e despedir 16 trabalhadores, assinou em 21-11-1990 um título de precariedade a favor da Câmara Municipal de Lisboa, sob pena de a demolição e o despejo se consumarem (Doc. Fls. 24).
55. Evitando assim um mal maior.
56. Entretanto e na sequência de várias acções em Tribunal, o douto Tribunal veio confirmar que existia uma situação prejudicial que era essencial esclarecer e que consistia, precisamente, em determinar o direito de propriedade sobre a faixa de terreno onde se encontrava implantada a sociedade ora Ré.
57. Ou seja, a questão da propriedade do terreno não estava resolvida.
58. Não obstante, as investidas continuaram, e só em 1992, por via de um requerimento da Câmara Municipal de Lisboa, foi requerida a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e anexando um despacho datado de 22-09- 1992, subscrito pelo, então, Presidente da Câmara, revogando «...o acto administrativo que determinou a demolição das construções clandestinas existentes na Avª ... ...», (Doc. Fls. 19).
59. Consequentemente, a questão da propriedade e legitimidade para poder reclamar contrapartidas pela ocupação daquele espaço, não era uma teimosia, mas sim um assunto premente que a Recorrente defendia tendo em conta que desde o seu início lhe foi dito que aquele terreno era propriedade do "Instituto ...", os quais se comportavam como donos.
60. E a Ré continuou a defender que o terreno em questão não era propriedade do Município, através de muitos outros dados, os quais se encontram devidamente discriminados em sede de alegações, designadamente quanto à questão de saber o que era e onde era a “área sobrante de 8.000 m2”, que teria registado em seu nome.
61. Ou seja, não se percebe como é que a Câmara Municipal de Lisboa, abusando do seu poder de autoridade, permite-se desafectar do domínio público para o domínio privado da Câmara, de forma perfeitamente arbitrária, uma parcela de terreno com 8.000m2 a que chama área sobrante e que ainda por cima alega fazer coincidir com a propriedade onde a Ré se encontra instalada?
62. Sem se perceber onde se encontram tais limites.
63. Situação que também não fica esclarecida, nem através dos registos da 5ª Conservatória do Registo Predial, nem nas Finanças, uma vez que a área registada é omissa quanto a confrontações e limites, isto é, não diz onde começa, nem onde acaba o terreno em qualquer dos pontos norte, sul, este e oeste. (vide Doc. Fls. 147 a 152),
64. E daí a divergência quanto à eventual área sobrante.
65. Ora, o terreno que a R. ocupa com a área de 1 936 m2, está inscrito na matriz no Serviço de Finanças desde o ano de 1990, sob o nº ... da freguesia de ..., (Doc. Fls. 153).
66. E a faixa de terreno de 21.200 m2, destacada da propriedade do Estado, onde se encontrava o Instituto de ..., saiu da já acima referida «Quinta ...» cujo registo se encontra efectuado na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a descrição predial nº ..., a fls 24 do livro B 9 e inscrição nº 5 371, a fls 45 do livro G 6 (Doc. Fls. 10).
67. Por outro lado, o A. fez o seu registo do que chama faixa sobrante de 8.000 m2, na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa em 14-02-2001, mas sob o nº ... de inscrição (Doc. Fls. 22), pelo que não confere o que é alegado com os registos, além de que nem sequer foi observado o trato sucessivo, o que torna o registo nulo.
68. Razão pela qual nos permite concluir que estamos em presença de terrenos diferentes.
69. Assim e relativamente ao terreno onde se encontra instalada a Ré, não foi demonstrado que aquele espaço seria propriedade do Autor, e essa prova era um ónus que cabia ao Autor realizar.
70. Facto que é relevante e muito importante porque face ao disposto no artigo 1311º do Código Civil, apenas o proprietário poderá exigir judicialmente o reconhecimento do seu direito de propriedade e restituição do que lhe pertence, o que por via do artigo 1304.º do C.C. se aplica ao Município de Lisboa.
71. Embora o Tribunal a quo tenha analisado as teses do Autor, não escalpelizou como se esperava, os argumentos da Ré atrás descritos, nem certamente os documentos juntos aos autos, verificando-se que a Douta Decisão, incide, com maior relevância, na enunciação de teses de direito.
72. Assim e porque muitas das questões não foram devidamente apreciadas pelo Douto Tribunal a quo, considerarmos, também, existir erro de julgamento.
73. Por outro lado, a meritíssima Juiz do Tribunal a quo, ao apreciar a natureza e consequências da assinatura pela Ré da declaração de ocupação, entendeu que esta não tinha sido assinada sob coacção moral, não cabendo na previsão do artigo 255.º nº 1 do Código Civil.
74. Contudo, o Tribunal deveria ter relevado o facto de que para a Ré, que à data estava convicta que o terreno era da Congregação Religiosa, tal como ainda hoje, aliás, a possibilidade de ver a demolição das instalações com o consequente encerramento da actividade e do despedimento de trabalhadores, seria motivo suficiente para qualquer empresário responsável de decidir por aceder, mesmo que sob protesto.
75. O Tribunal não pode ignorar que à data dos factos ainda ninguém sabia de quem seria o legítimo proprietário do terreno, o que legitimava a Recorrente a não querer aceitar as imposições da Câmara Municipal.
76. O douto Tribunal também deveria ter levado em conta os restantes indícios que reforçavam a tese da Recorrente já acima alegadas.
77. Todos estes factos aos quais o Tribunal a quo não deu relevância, desvalorizando-os contra a Ré, são indiciadores de que a Recorrente tem razão.
78. A prova feita pela Autora não se mostrou credível, muito pelo contrário.
79. E o Tribunal não pode esquecer que no regime da produção de prova, cabe ao Autor o ónus da prova dos factos que alega (artigo 342.º nº 1 do Código Civil)
80. Pelo que, neste enquadramento, há erro de julgamento porque o Douto Tribunal deveria ter decidido no sentido de absolver a Ré ora Recorrente dos pedidos.
81. Por outro lado, dever-se-ão ter em conta aqui, os factos que foram alegados em sede de "nulidade", e têm a ver com a bondade em apreciar questões que não lhe foram solicitadas nem alegadas pelo Autor, retirando ao Tribunal legitimidade para sobre elas decidir, dando-se por integralmente reproduzido tudo quanto foi alegado em sede de pedido de declaração de nulidade da sentença.
82. De qualquer modo, é óbvio que o Autor não formulou qualquer pedido de indemnização.
83. E o Tribunal não se pode substituir às partes quanto ao pedido formulado, nem dar-lhes uma segunda oportunidade para fazerem a prova que no tempo certo não lograram conseguir.
84. Este procedimento do Tribunal é ilegal e nulo, como resulta de abundante e pacífica jurisprudência já citada nas alegações que antecedem e que se dão por reproduzidas.
85. Isto porque, o Tribunal não pode desconhecer quais os limites da condenação descritos no artigo 661.º do C.P.C., que estipula no n.º 1 que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
86. Além de que o juiz só pode ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso (artigo 660.º nº 2 do C.P.C.)
87. Que manifestamente não é o caso.
88. Havendo neste particular, também, erro de julgamento como já foi dito.
89. Dá-se igualmente por reproduzido tudo quanto foi alegado em sede de nulidade quanto ao erro de julgamento de condenar a Ré numa indemnização a liquidar em execução de sentença, que se traduziria na oferta de segunda oportunidade ao autor, desequilibrando perante a lei as partes da relação material controvertida.
90. Tal decisão violaria a Constituição da República Portuguesa e a Lei, designadamente o disposto nos artigos 3.º, 13.º e 204.º.
91. Isto porque, considerando-se os factos alegados, a matéria de facto provada e o depoimento das testemunhas, o Tribunal encontrava-se em condições para decidir se considerava provado que a Ré fosse devedora de determinada importância, e desde quando.
92. Pelo que, com todo o respeito, julgamos que o Tribunal a quo não analisou devidamente todos os elementos que tinha ao dispor, já atrás referenciados e que se dão por reproduzidos, violando o disposto no n.º 3 do artigo 659.º do C.P.C..
93. Sendo que, no que concerne às testemunhas, que responderam sobre os factos que versavam sobre os eventuais valores em dívida, não souberam esclarecer o Tribunal de como é que foram apurados os valores das rendas, as taxas aplicáveis em cada momento, os coeficientes, as alterações anuais, etc., etc.,
94. Ou seja, os elementos essenciais para que o tribunal, caso entendesse que deveria condenar a Ré no pagamento de rendas, não tivesse dúvidas.
95. E este é o princípio do ónus da prova, o qual cabe fazer àquele que invoca o direito (artigo 342.º do Código Civil)
96. E não podemos esquecer que a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova se resolve contra a parte a quem o facto aproveita. (artigo 516.º do C.P.C.)
97. Pelo que a Ré deveria ter sido absolvida, sob prejuízo de assim estarmos perante uma situação de erro de julgamento que deverá ser atendida e declarada.
98. Por fim, na douta decisão sob recurso, o Tribunal decidiu que o prazo de prescrição a considerar (caso fossem devidas importâncias), seria o ordinário de 20 anos, consagrado no artigo 309.º do código Civil.
99. Com todo o respeito, não concordamos com tal entendimento que está errado e é contra a lei.
100. E embora defendamos que o Tribunal a quo ultrapassou os seus poderes ao condenar a Ré em algo que não foi pedido, o que torna a sentença nula e de nenhum efeito, sem conceder ou aceitar, sempre se esclarece o seguinte:
101. Verifica-se na fundamentação da douta sentença que a tese seguida pelo Tribunal para condenar a Ré a pagar uma indemnização ao Autor, se devia ao entendimento da Meritíssima Juiz, de que in casu "não está em causa qualquer renda ou aluguer decorrente de uma situação locatícia."
102. Juízo esse que não tem qualquer correspondência, quer com os factos alegados pelo Autor, quer por todos os outros elementos que instruem o processo.
103. Desde logo, porque é a própria Autora que qualifica as prestações que pretende receber, umas vezes como rendas, e outras como taxas de ocupação.
104. Contudo, quer se defenda quer uma quer outra rubrica, ambas têm natureza de prestações periodicamente renováveis, pelo que cabem na previsão da norma do disposto na alínea g) do artigo 310.º do C.C., sendo o prazo de prescrição de 5 anos.
105. Declaração que ora se requer seja proferida, caso seja entendimento deste venerando Tribunal que a propriedade é municipal.
106. Face ao exposto, demonstrou-se claramente que a decisão do Tribunal a quo é nula e de nenhum efeito, por violação das seguintes disposições legais: Artigos 3º, 13.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa;  Artigos 309.º, 310.º, 341.º e 342.º do Código Civil; Artigos 264.º, 516.º, 654.º, 659.º nºs 2 e 3, 660.º nº 2, 661.º nº 1 e 2, 664.º, 668.º nº 1 al. c), d) e e) do Código Processo Civil.
Termos em que o venerando Tribunal da Relação de Lisboa deverá considerar procedente por provado o presente recurso, e, na sequência:
a) Revogar a douta decisão do Tribunal a quo, e, em sua substituição, proferir acórdão que absolva a Ré de todos os pedidos contra esta formulados;
b) Caso assim não entenda e sem conceder, deverá a decisão de facto ser alterada de acordo com a matéria alegada no presente recurso, nos termos do disposto no artigo 712.º do C.P.C., e, na sequência:
Deverá ser proferido douto acórdão que absolva a Ré de todos os pedidos formulados na petição, ou que;
Profira decisão formulada de acordo com a prova que venha a ser fixada.
Fazendo-se assim a habitual Justiça.

Foram apresentadas contra – alegações, nas quais o Recorrido pugnou pela confirmação da sentença recorrida.

II - OS FACTOS
Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. Em 11/08/1961, foi lavrado o instrumento denominado "auto de cessão e devolução simultâneas", no qual consta, além do mais, o seguinte: "(…) nos termos do Decreto-Lei número quarenta e três mil seiscentos e trinta e três, de um de Maio ultimo, cede à Câmara Municipal de Lisboa, a título definitivo, para construção do troço da segunda circular da cidade de Lisboa compreendido entre o Campo Grande e a ..., uma faixa de terreno com vinte e um mil e duzentos metros quadrados, a destacar da propriedade do Estado onde se encontra instalado o Instituto de ..., faixa essa com uma largura de cem metros, desenvolvendo-se desde a mencionada ... até à estrema da dita propriedade, conforme planta publicada com o citado decreto-lei e que dele faz parte integrante".
2. Desta parcela restou uma área de 8.000m2 a qual foi inscrita a favor do Autor "Município de Lisboa", por desafectação do domínio público para o domínio privado, conforme Proposta n.º 21/98.
3. O prédio urbano com a área de 8.000m2, descrito na 5.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ..., confrontando a Norte e Nascente com o Estado, a Sul com a Avenida ... e a Poente com a ..., encontra-se inscrito a favor do Autor.
4. Em 21/11/1990, a Ré "L – Máquinas, Equipamentos e Veículos, Lda." assinou uma declaração de ocupação a título meramente precário.
5. Em 08/11/1927, foi vendida por P... (Viscondessa ...) à Comissão Central de Assistência de Lisboa, por escritura pública lavrada no Cartório do Notário ..., uma quinta, denominada "Quinta ..." para nela ser instalada um estabelecimento de assistência pública.
6. Tal transacção foi devidamente registada na 5.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º ....
7. O "Instituto ..." oficiou à "EPAL – Empresa Pública das Águas de Lisboa, E.P." e à "EDP – Electricidade de Portugal, S.A." em 29/07/1981, informando autorizar a firma "C, C & C, Lda." (denominação sob a qual a Ré girava antes de mudar para "L – Máquinas, Equipamentos e Veículos, Lda.), a fazer o contrato em seu nome quer da instalação de luz, quer da instalação de água.
8. Em 29/09/1981, a Ré requereu à "Câmara Municipal de Lisboa", licença para instalação de "uma casa tipo Movex, no seu estaleiro situado numa quinta propriedade do Instituto ...".
9. Em 10/02/1987, a "Câmara Municipal de Lisboa" comunica à Ré encontrarem-se a pagamento vários recibos, "relativos à ocupação sita na Avª. ... (junto ao Viaduto da ..., logradouro)".
10. A tal pretensão da "Câmara Municipal de Lisboa" respondeu a Ré em requerimento apresentado em 06/04/1987 e a que juntou vários documentos, onde explicava de forma bastante circunstanciada as razões de facto e de direito por que não pagava as requeridas taxas de ocupação.
11. Não obstante a fundamentação expendida, a "Câmara Municipal de Lisboa", por ofício de 26/07/1989 remetido à Ré, determinou a desocupação do local, com o fundamento "de se tratar de construção clandestina e ocupação sem título".
12. Reagindo ao despacho da "Câmara Municipal de Lisboa", a Ré recorreu aos Tribunais, cuja decisão, a final, acabou por ser favorável à Ré.
13. Na pendência do processo judicial, a "Câmara Municipal de Lisboa" ordenou aos serviços competentes, por mandado de 16/10/1990, "para se proceder à execução coerciva do despejo do terreno de logradouro e da construção destinada a escritório ... por se tratar de construção clandestina e de ocupação sem título".
14. A Ré, por requerimento que apresentou em 31/10/1990, pediu a sustação do despejo arrolando vários fundamentos, entre eles, a pendência do recurso a correr no Supremo Tribunal Administrativo;
15. A sustação do despejo foi, efectivamente, conseguida.
16. Em 16/04/1991, foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo, que correu na 1.ª Secção com o n.º 28.450, negando provimento ao recurso interposto pela "Câmara Municipal de Lisboa" e confirmando o despacho recorrido.
17. Como decorre do referido Acórdão, existia uma situação prejudicial que era essencial esclarecer e que consistia, precisamente, em determinar o direito de propriedade sobre a faixa de terreno onde se encontrava implantada a sociedade Ré.
18. Em 16/12/1991, veio a ser proferido novo acórdão pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, no âmbito do Recurso n.º 8715, onde, uma vez mais, foram considerados improcedentes os pedidos formulados contra a Ré.
19. A "Câmara Municipal de Lisboa" determina, por ofício de 06/08/1992, a demolição das construções existentes sob pena de se o não fizesse no prazo de quarenta e cinco dias ser dinamizado o despejo sumário dos ocupantes e consequente demolição.
20. Em 03/09/1992, a Ré fez entrar no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa mais um requerimento pedindo a suspensão da eficácia do despacho do Senhor Vereador da "Câmara Municipal de Lisboa", a qual correu na 1.ª Secção do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, com o n.º 1231, e onde a Ré, uma vez mais, fundamentou os argumentos de facto e de direito relativamente aos quais entendia que a "Câmara Municipal de Lisboa" não tinha competência para demolir e despejar.
21. Decorridos 20 dias, foi junto aos autos um requerimento da "Câmara Municipal de Lisboa", requerendo a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e anexando um despacho datado de 22/09/1992, subscrito pelo, então, Presidente da Câmara ..., revogando "o acto administrativo que determinou a demolição das construções clandestinas existentes na Avª ...".
22. Por despacho de 16/10/1992, foi posto termo ao processo, extinguindo-se a instância por inutilidade superveniente da lide.
23. No registo da 5.ª Conservatória do Registo Predial a parcela de terreno com a área de 8000 m2, registada a favor do A., confronta a Norte e Nascente com o Estado, a Sul com a Av. ... e a Poente com a ...;
24. O pedido de registo por parte da "Câmara Municipal de Lisboa" tem como suporte informação abstracta e despachos municipais.
25. A faixa de terreno de 21.200 m2, destacada da propriedade do Estado, onde se encontrava o "Instituto de ...", saiu da referida "Quinta ..." cujo registo se encontra efectuado na 5.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a descrição predial n.º ..., a fls. 24 do livro B 9 e inscrição n.º ..., a fls. 45 do livro G 6.
26. O Autor "Município de Lisboa" utilizou parte da área indicada na alínea a) dos Factos Assentes para a construção da 2.ª circular;
27. As instalações da Ré estão implantadas numa faixa sobrante, solo municipal, pertencente ao prédio descrito na 5.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... da Freguesia de ...;
28. Desde 10/10/1981, que a Ré ocupa aquele terreno, sem qualquer título que legitime essa ocupação;
29. A Ré nunca pagou qualquer taxa de ocupação;
30. A Ré tem vindo a devolver todos os recibos de ocupação que lhe são endereçados;
31. A Ré deve ao Autor a quantia não apurada por ocupação da parcela, desde Novembro de 1981 até Março de 2008;
32. A denominada "Quinta ..." passou, desde 08/11/1927, a ser ocupada por uma congregação de religiosas, tendo em vista a regeneração de raparigas que, como à altura se dizia, andavam na "vida fácil" e que ali se acolhiam, dedicando-se à fabricação de tapetes e mantendo activa uma exploração agro-pecuária;
33. Esta congregação de religiosas passou pela adopção de vários nomes o que aconteceu, também, com a instituição que administravam;
34. A Ré, por volta de Julho de 1981, instala-se numa área do terreno incluído na parcela descrita em A) da matéria de facto assente;
35. O "Instituto ...", requereu em seu nome em 10/07/1981 licenças junto da “Câmara Municipal de Lisboa" para instalação de contadores de água e luz, tendo em vista a reconstrução de um muro;
36. A Ré assinou em 21/11/1990 um título de precariedade a favor da "Câmara Municipal de Lisboa", sob pena de a demolição e o despejo se consumarem;
37. Foram colocadas no local marcações;
38. O terreno que a Ré ocupa com a área de 1 936 m2 está inscrito na matriz no Serviço de Finanças desde o ano de 1990, sob o n.º ... da freguesia de ...;
39. A Ré ocupa esse terreno desde o ano de 1981;
40. A 5.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa informou que o registo efectuado relativamente ao prédio de 8.000m2, tem como primeira inscrição a da "Câmara Municipal de Lisboa", cujo documento que serve de base à mesma é a Proposta de desafectação do terreno, existindo uma declaração da 2.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa com indicação de que não teria aquele terreno registado nos seus serviços.

III-O DIREITO
Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição, não obstante o seu carácter confuso e repetitivo, é possível destacar as seguintes questões que importa conhecer:
1 - Nulidade da sentença;
a) oposição entre os fundamentos e a decisão;
b) omissão de pronúncia sobre questões de que devia conhecer
c) condenação em objecto diferente do pedido.
2 - Violação da plenitude da assistência dos juízes;
3 - Reapreciação da matéria de facto;
4 - Direito de propriedade da parcela de terreno reivindicada;
5 - Indemnização pela privação do uso de um bem;
6 - Fixação da indemnização em liquidação de sentença.
1- a) A Apelante vem invocar a nulidade da sentença, ao abrigo do disposto na alínea c)do n.º1 do art.º 668.º do CPC, alegando que os fundamentos estão em oposição com a decisão. E para tanto argumenta assim: «embora se recuse para todos os efeitos legais a ideia de que a Câmara Municipal de Lisboa tinha o direito de exigir à L quaisquer tipo de contrapartidas relativamente ao uso de um espaço cuja titularidade ainda não estava determinada e decidida, a verdade é que se tivesse o direito de exigir qualquer contra-prestação (o que se rejeita como já se disse), fosse ela na forma de rendas ou de taxas de ocupação, o prazo de prescrição seria sempre o de 5 anos previsto no artigo 310.º do Código Civil. Isto porque, é pacífico, quer na Doutrina, quer na Jurisprudência, que cabem na prescrição do artigo 310.º do C.C., as rendas e outras prestações periodicamente renováveis, onde se incluem as taxas de ocupação. Ora, se a Meritíssima Juiz entendeu que os valores reclamados eram "taxas de ocupação", para aplicar adequadamente o direito teria que enquadrar tais prestações no regime do artigo 310.º do CC e não do artigo 309.º como erradamente veio a fazer. Não sendo fundamento atendível aquele que a Meritíssima Juiz sustenta de que a Ré tenha mencionado a prescrição com base na alínea b) do artigo 310.º do CC, e que tal norma não tinha aplicação às taxas de ocupação. Embora seja discutível a qualificação das contrapartidas solicitadas pela Autora, se rendas, se taxas, a verdade é que para efeitos de prescrição, caso não coubessem na previsão do disposto no artigo 310.º alínea b), caberiam na alínea g), que refere o mesmo prazo de prescrição para "Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis".
Para que se verifique a nulidade referida é necessário que haja contradição lógica entre os fundamentos e a decisão. “Se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou muito menos, com o erro na interpretação desta: quando embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se.[1]
Ora, da clarificação do que deve ser entendido por contradição entre os fundamentos e a decisão, geradora de nulidade, e daquilo que se deve entender por erro de julgamento, resulta que a deficiência apontada pelo Apelante nunca pode ser configurada como nulidade, mas sim como erro de julgamento. De resto, a própria Apelante acaba por reconhecer que se trata de erro de julgamento, mas também de um caso de contradição entre os fundamentos e a decisão.
Não existe, efectivamente, contradição entre os fundamentos e a decisão. Sucede é que o Tribunal entende que, à situação analisada, se aplica um prazo de prescrição previsto numa norma que a Apelante entende não ser a aplicável. Portanto do que se trata é de um eventual erro na subsunção dos factos à norma jurídica, não de nulidade.
Improcede, pois, a invocada nulidade.

Entende a Apelante que também se verifica contradição entre os fundamentos e a decisão, “na parte em que considerando os factos alegados, a matéria de facto provada e o depoimento das testemunhas, o Tribunal decide no sentido de dar uma segunda oportunidade à Autora em vez de conhecer do pedido naquela parte, absolvendo a Ré.” Refere-se a Apelante à decisão de condenar a Ré a pagar uma indemnização ao Autor pela ocupação da parcela, em montante a liquidar, devido desde Novembro de 88 e até efectiva entrega da parcela ao Autor.
Do que se trata é que perante a ocupação de uma parcela de terreno que foi entendido pertencer ao Autor e ter sido ocupada durante vários anos pela Ré, com prejuízos para o Autor que não pôde usufruir do bem que lhe pertencia, foi decidido relegar para liquidação o montante da indemnização correspondente ao valor dos danos causados. Não se vê onde esteja a contradição. Mais uma vez poderemos eventualmente estar perante um erro de julgamento, mas não de contradição entre os fundamentos e a decisão.
Improcede a nulidade invocada.

b) Entende a Apelante que a sentença é nula também ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º1 do art.º 668.º ou seja, por falta de pronúncia sobre questão que o juiz devesse apreciar.
Também esta alegação soçobra visto que não há qualquer questão que devesse ter sido apreciada e que o Tribunal não tenha apreciado.
Pode ter sucedido que o Tribunal não tenha seguido a linha de argumentação proposta pela parte, mas não estava vinculado a tanto, apenas a decidir as questões que lhe são colocadas, o que sucedeu.

c) A Apelante refere ainda que a sentença é nula porque o Tribunal “fundamentou a sua decisão partindo dum princípio e de um pedido que não foi formulado pelas partes”. Refere que o Tribunal “se pronuncia sobre questões que não foram trazidas aos autos”. E prossegue dizendo que “tendo em conta que o pedido formulado se referia a “um valor indemnizatório”, relativo à ocupação do terreno, estando perfeitamente fixado e delimitado a natureza do pedido, não pode a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo decidir que in casu "não está em causa qualquer renda ou aluguer decorrente de uma situação locatícia.", porque são as próprias partes que qualificam as eventuais contra-prestações como aluguer e renda, e porque, contrariamente ao entendimento do Tribunal Recorrido, não é obrigatório que as rendas ou alugueres se refiram unicamente a uma relação locatícia. Face ao exposto, entendemos que o Tribunal a quo errou, não tomando em conta todos os factos e documentos juntos aos Autos, assim como, decidiu em violação ao disposto no artigo 668.º n.º 1, alínea e) do C.P.C., tornando a sentença nula e de nenhum efeito”. E conclui a Apelante: “23-Por outro lado, é nula a decisão do Tribunal a quo, porque fundamentou a sua decisão partindo dum princípio e de um pedido que não foi formulado pelas partes.24. De entre os vários pedidos formulados pelo Autor, o último consistia em que a R. pagasse ao A. a quantia de € 345.467,68 euros, acrescida de juros a contar da citação.25. Dando por reproduzido tudo o que atrás já foi alegado, verifica-se que o Tribunal também se pronuncia sobre questões que não foram pedidas pelo Autor, designadamente, por entender que a questão a apreciar deveria versar sobre pedido do valor indemnizatório por considerar que in casu não estavamos perante uma relação locatícia.26. A situação do Tribunal a quo decidiu conhecer um pedido que não foi formulado pelo Autor viola os limites da condenação consagrados no artigo 661.º do C.P.C., que estipula no n.º 1 que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir. 27. Sendo que, quanto às questões a resolver no julgamento, o juiz só pode ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso (artigo 660.º nº 2 do C.P.C.), o que manifestamente não é o caso”.
Analisemos então:
É certo que nos termos do art.º 668.º n.º1 e) do CPC “é nula a sentença quando condene (…) em objecto diverso do pedido”.
A questão, está portanto, em saber se, no caso em apreço, a sentença condena em objecto diverso do pedido.
O pedido foi o seguinte:
a) Declarar-se ser o Autor dono e legítimo proprietário do prédio referido em 6.º e a posse da Ré insubsistente, ilegal e de má-fé.
b) ordenar-se o cancelamento de qualquer registo que, porventura, do mesmo prédio se tenha feito a favor da Ré;
c)Condenar-se esta a reconhecer ao Autor aquele direito de propriedade e a restituir-lhe o prédio com todos os frutos, que produziu ou poderia produzir.
d)Condenar-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 345.467,68, acrescida de juros a contar da citação.
A sentença condena a Ré, nos seguintes termos:
“a) Declarou o Autor proprietário do prédio urbano com a área de 8.000m2, descrito na 5.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ..., confrontando a Norte e Nascente com o Estado, a Sul com a Avenida ... e a Poente com a ...;
b) Condenou a Ré a reconhecer o referido direito e a restituir ao A.a parcela pela mesma ocupada e supra identificada;
c) Condenou a Ré a pagar uma indemnização ao A. pela ocupação da parcela, em montante a liquidar, devido desde Novembro de 88 e até à efectiva entrega da parcela ao A.”
Estaremos em presença de uma condenação em objecto diverso do pedido?
Atentemos em que o pedido formulado em d) é feito em consequência do invocado direito de propriedade do Autor. O valor pedido constitui uma contrapartida pela utilização, pela Ré, de uma faixa de terreno de que o Autor sempre se arrogou proprietário, sendo certo que nenhum título possuía a Ré para tal ocupação. É certo que o Autor ao longo do tempo tem designado essa contrapartida de diversas maneiras: “renda”, “taxa”, “preço”, “contrapartida monetária”, demonstrando, como diz a Ré que nem o Autor sabe muito bem a que título pede as quantias em causa. Ora, entendemos que isso não é o relevante. Os nomes por que o Autor designa a quantia que entende ser-lhe devida não releva para a apreciação do caso. O que releva é que o Autor manifesta a sua pretensão de ser compensado monetariamente pela utilização, por terceiro, de um imóvel de que alega ser proprietário, sendo certo que esse terceiro, a ora Ré, não tem qualquer título para ocupar tal terreno que lhe não pertence, de forma gratuita, lesando, nessa medida, o património do Município. E foi assim que a sentença, após apreciação de todos os factos e direito aplicável decidiu condenar a Ré no pagamento de uma indemnização pela ocupação abusiva de um imóvel pertencente ao Autor, socorrendo-se de uma orientação doutrinal e jurisprudencial que defende a indemnização pela privação do uso. Poderá ser discutível tal tese, ou a verificação dos pressupostos em que assenta tal condenação, mas o que não se verifica é uma condenação em objecto diverso do pedido.
Improcede, pois, a invocada nulidade.
A seu tempo se analisarão as questões da reapreciação da matéria de facto e subsequentemente, a questão da propriedade da parcela de terreno em litígio e da indemnização pela ocupação por parte da Ré.

2 - A Apelante alega na sua conclusão n.º 32 que “não foi o mesmo Meritíssimo Juiz que procedeu ao julgamento e à decisão, o que evidentemente compromete a análise e abordagem das questões a resolver, pelo que entendemos que há violação do disposto no artigo 654.º do C.P.C..
Cumpre apenas dizer que não tem qualquer fundamento tal conclusão.
O que o art.º 654.º determina que “só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência final”.
Portanto, fixada a matéria de facto, não há qualquer impedimento legal que seja outro juiz a proferir a sentença, tal como ocorreu no caso presente. Não há qualquer violação do disposto no art.º 654.º do CPC.

3 - Cumpre agora analisar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, relativamente ao ponto 6.º da base instrutória que é o único que vem impugnado.
(…)
Cremos que a Apelante tem razão neste aspecto.
O ponto 6.º da base instrutória deve ser dado como “não provado”.

4 - Cumpre agora apreciar a questão fundamental que tem a ver com o fundo da causa:
Está ou não provada a propriedade da parcela reivindicada, por parte do Município de Lisboa?
Essencial para o esclarecimento desta questão é, a nosso ver, o resultado da prova pericial. A dúvida que era suscitada nos presentes autos residia no facto de não se saber se a parcela de terreno ocupada pela Ré fazia parte da área sobrante do terreno do Município, ou se fazia parte do terreno onde funcionava o Instituto de ..., posteriormente designado Instituto ... e actualmente Lar ..., gerido por uma congregação religiosa.
Como se apurou nos autos, em 11/08/1961, foi lavrado o instrumento denominado "auto de cessão e devolução simultâneas", pelo Ministério das Finanças – Direcção Geral da Fazenda Pública, no qual consta, além do mais, o seguinte: "(…) nos termos do Decreto- Lei número quarenta e três mil seiscentos e trinta e três, de um de Maio ultimo, cede à Câmara Municipal de Lisboa, a título definitivo, para construção do troço da segunda circular da cidade de Lisboa compreendido entre o Campo Grande e a ..., uma faixa de terreno com vinte e um mil e duzentos metros quadrados, a destacar da propriedade do Estado onde se encontra instalado o Instituto de ..., faixa essa com uma largura de cem metros, desenvolvendo-se desde a mencionada ... até à estrema da dita propriedade, conforme planta publicada com o citado decreto-lei e que dele faz parte integrante".
Desta parcela restou uma área de 8.000m2 a qual foi inscrita a favor do Autor "Município de Lisboa", por desafectação do domínio público para o domínio privado, conforme Proposta n.º 21/98. O prédio urbano com a área de 8.000m2, descrito na 5.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ..., confrontando a Norte e Nascente com o Estado, a Sul com a Avenida ... e a Poente com a ..., encontra-se inscrito a favor do Autor.
A questão que se colocou e dividiu as partes foi a de saber se o terreno ocupado pela Ré, e onde esta implantou construções onde desenvolvia as actividades da sua empresa, se esse terreno estava incluído na supra mencionada área de 8.000 m2, pertencente ao Município, por ter sobrado da construção da 2.ª circular.
Ora, após visita e reconhecimento do local, recorrendo à justaposição da planta constante do D.L. n.º 43.633 e cópia da fotografia aérea do local datada de 1944, obtida junto do Instituto Geográfico Português, bem como à justaposição da referida planta e ortofotomapa actual, verificando ainda a localização dos marcos divisórios existentes no local, os peritos elaboraram relatório do qual facilmente se conclui que as instalações da Ré estão implantadas dentro da referida faixa sobrante de 8.000 m2 que constitui solo municipal. E por isso se deu como provado e bem, no ponto 27 da matéria provada e que constituía a matéria do ponto 2.º da base instrutória: “as instalações da Ré estão implantadas numa faixa sobrante, solo municipal, pertencente ao prédio descrito na 5.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... da freguesia de ....” Ora, quanto ao facto de o Autor ser proprietário de uma faixa de terreno com 8.000 m2, conforme descrito, não há dúvida. A única dúvida residia na definição dos limites desse prédio e portanto, saber se as instalações da Ré estavam implantadas no prédio pertencente ao Município ou no terreno agora pertencente ao Lar .... A dúvida foi desfeita nestes autos, perante a prova que foi produzida que o Tribunal de 1.ª instância apreciou criteriosamente e decidiu em conformidade com a mesma, aplicando devidamente o Direito aos factos apurados.
Estando provada a propriedade do Autor relativamente ao prédio cuja parcela vem sendo ocupada pela Ré, sem título e contra a vontade do seu legítimo proprietário, foi a Ré condenada na restituição do imóvel ao Autor e “no pagamento de uma indemnização ao Autor pela ocupação da parcela, em montante a liquidar, devido desde Novembro de 88 e até efectiva entrega da parcela ao Autor”. Esta a questão que, seguidamente, iremos apreciar.

5 - A Ré entende que o Tribunal não poderia condená-la na indemnização constante da alínea c) do pedido por não ter sido pedida e por outro lado, não terem sido invocados quaisquer danos.
Vejamos:
Quanto à questão de divergência entre o pedido e a condenação dá-se por reproduzido o que se disse a propósito da invocação da nulidade da sentença, nos termos do art.º 668.º n.º1 e) do CPC.
Quanto á questão de não terem sido invocados prejuízos, resultantes da privação do uso do imóvel dir - se- á o seguinte:
A posição clássica da doutrina e da jurisprudência relativamente a esta matéria era a de que, traduzindo-se a privação em meros incómodos, esses danos não seriam tutelados pelo direito, pelo que não deveriam ser indemnizáveis[2].
Por outro lado, predominou durante algum tempo, na jurisprudência[3], o entendimento que fazia depender a atribuição da indemnização da prova de uma efectiva perda de receitas que os bens poderiam proporcionar ou da comprovação de um acréscimo de despesas motivado pela privação do uso, considerando-se, portanto que a simples privação do uso não constituía por si só, dano indemnizável.[4].
Porém, considera-se que, actualmente, essa posição se encontra desactualizada[5].
Entendemos, na verdade, que a privação de uso de um bem, seja um veículo automóvel – a propósito da qual a questão é mais frequentemente discutida - seja um bem imóvel, durante um certo lapso de tempo, constitui, por si só, um dano indemnizável, pois que existe uma lesão no seu património, uma vez que deste faz parte o direito de utilização das coisas próprias. E essa lesão é susceptível de ser avaliada em dinheiro, desde logo, no caso de um imóvel, decorrente do respectivo valor locativo. A medida do dano é, assim, definida pelo valor que tem no comércio a utilização desse bem, durante o período em que o dono dele está privado.
O dano produzido atinge, neste caso a propriedade – direito que inclui a fruição do bem ou seja a possibilidade de utilizar a coisa e de dispor materialmente da mesma – possibilidade que é retirada ao proprietário durante o tempo em que por via da ocupação ilegítima, está privado da fruição do imóvel. E a perda da possibilidade de utilização do imóvel quando e como lhe aprouver tem, claramente, um valor económico [6].Será esse o valor do dano que há–de determinar o cálculo da indemnização pela privação do uso, sendo também possível recorrer à equidade,  nos termos do art.º566.º n.º3 do Código Civil, tal como tem sido entendido pela jurisprudência[7].
Conclui-se assim que não obstante o entendimento não ser unânime[8] defendemos que a mera privação do uso, ainda que desacompanhada de alegação e prova de danos dela decorrentes, constitui, só por si, um dano indemnizável, conforme doutrina e jurisprudência já citada.
Assim sendo nenhuma censura merece, em nosso entender, a decisão do Tribunal a quo ao condenar a Ré no pagamento da indemnização nos termos constantes da sentença.

6 - Por fim, cumpre apreciar se é correcta a decisão de relegar para liquidação de sentença a fixação do quantum indemnizatório.
Nos termos do art.º 661.º n.º2 do CPC, “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado (…)”
Ora, a sentença recorrida, acolhendo a tese que também aqui se defende, no sentido de que “a ocupação levada a cabo pela ré impediu o autor seu proprietário do exercício dos direitos inerentes á propriedade, isto é, impediu-o de usar a coisa de fruir as utilidades que ela normalmente lhe proporcionaria, impedindo-o de dela dispor como melhor lhe aprouvesse violando o direito de propriedade do respectivo titular” considerou como provado o dano que consiste na simples privação do uso da coisa. Considerou porém, não existirem elementos para fixar o valor desse dano, pelo que relegou para liquidação de sentença. Afigura-se-nos que nenhuma censura merece tal decisão, por ser inteiramente conforme com a lei.
Em suma, improcedem as conclusões da Apelante.
           
IV-DECISÃO
Em face do exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa, e julgar improcedente o recurso de apelação em apreço e por consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.

Lisboa, 6 de Dezembro de 2012

Maria de Deus Correia
Teresa Pardal
Tomé Ramião (vencido nos termos da declaração de voto que junto)

Declaração de voto
Votei vencido por não acompanhar a decisão na parte que manteve a condenação da Ré no pagamento de indemnização ao Autor, pela ocupação da parcela de terreno, em montante a liquidar em execução de sentença, desde novembro de 1988 e até à sua entrega, por considerar que a 1.ª instância conheceu de questão proibida, alicerçada em causa de pedir e pedido não invocados e, por outro lado, por ausência de dano que legitime essa condenação.
De acordo com o disposto no artº 664. ° do C. P. Civil, o juiz  só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no art. 264°. E decorre do n.º1 deste preceito legal, em obediência ao princípio do dispositivo, que “às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam nas exceções”, sendo que dispõe o seu n.° 2 que “o juiz só pode fundar a decisão nos factos articulados pelas partes (...) e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa”, e o n° 3 que serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das exceções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes tenham alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste a vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.
E face ao princípio da estabilidade da instância, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, como decorre do disposto no artigo 273º, nº 1, do C. P. Civil.
Por sua vez, nos termos do n.º n.º2 do art. 660.º, do C. P. Civil, “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Decorrentemente, a sentença padece do vício da nulidade quer no caso de o juiz deixar de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, bem como quando condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, como flui do art. 668.º, n.º 1, alíneas d) e e), do C. P. Civil.
E resulta, inequivocamente, que o tribunal “ a quo” condenou a Ré no pagamento de uma indemnização à Autora, a liquidar em execução de sentença, pela privação do uso que esta teve do terreno, em consequência da detenção por banda daquela.
Porém, em parte alguma da sua p.i a Autora alegou factos e pediu a condenação da Ré no pagamento de indemnização pelos danos sofridos com a privação indevida do terreno.
Lendo a p.i, constata-se que a Autora, para além do pedido principal de condenação no reconhecimento do direito real de propriedade sobre o terreno em causa e respetiva restituição pela Ré, pediu a sua condenação no pagamento da quantia de €345.467,68, alegando, como fundamento deste pedido, que “a Ré tem ocupado o terreno desde 1981 sem ter pago qualquer taxa de ocupação, apesar de, para tal, ter sido por diversas vezes notificada, devolvendo os recibos de ocupação que lhe eram endereçados, com o fundamento de entender que o terreno não pertencia à Câmara Municipal, estando, por isso, em dívida nesse montante até março de 2008, pela compensação do uso que fez da ocupação da parcela”. ( artigos 13.º a 15.º).
A causa de pedir, como decorre da definição legal constante do art.º 498.º/4 do C. P. Civil, traduz-se no facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo, isto é, o facto jurídico concreto de que emerge o direito em que o autor funda o pedido ( Acs. STJ de 20/01/1994, BMJ 433.º-495 e de 25/09/2012, Proc. n.º 3371/07.4TBVLG.P1.S1, www.dgsi.pt).
E é delimitada pelos factos jurídicos dos quais procede a pretensão que o autor formula, cumprindo a este a alegação desses factos (cfr. Remédio Marques, Ação Declarativa à Luz do Código Revisto, 3.ª Edição, pág. 226/227).
Na ação de reivindicação o pedido principal é o do reconhecimento da titularidade do direito real de propriedade, sendo a sua restituição mera consequência desse reconhecimento, pois que a condenação do réu detentor ou possuidor na sua restituição constitui consequência da procedência daquele pedido ( vide J. Oliveira Ascenção, Direitos reais, 4.ª edição, pág. 371/375; e Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 4.ª Edição, pág.  261/263).
Nesta ação compete ao Autor alegar e demonstrar a propriedade sobre a coisa reivindicada e que está em poder do réu, ou seja, o facto jurídico que originou o invocado direito de propriedade, nomeadamente demonstrando a posse pelo tempo necessário à usucapião ou uma das formas originárias de adquirir, sendo irrelevante, para este efeito, que a posse ou detenção pelo Réu seja lícita ou ilícita ( ibidem).
E nada obsta a que o Autor, nessa ação, peça ainda a condenação do Réu no pagamento dos danos por aquele sofridos por efeito da privação indevida da coisa (art.º 470.º/1 do C. P. Civil) - Luís Carvalho Fernandes, ob. citada, pág. 262.
Assim, a causa de pedir invocada para a condenação nessa quantia assenta no não pagamento pela Ré dos recibos emitidos pela Autora e referentes à taxa municipal devida pela ocupação do terreno, e não pelos prejuízos sofridos decorrentes da ocupação e consequente privação do terreno durante o período em causa.
Decorre da factualidade alegada e apurada que assim é, ou seja, o que está em causa é o pedido de condenação no pagamento das quantias (taxas) tituladas pelos recibos emitidos, nomeadamente no seu n.º 8, onde se diz: “Em 10/02/1987, a "Câmara Municipal de Lisboa" comunica à Ré encontrarem-se a pagamento vários recibos, "relativos à ocupação sita na Avª. ... (junto ao Viaduto da ..., logradouro)".
Mas quanto à pretensa dívida, foi dada como não provada ( e excluída ficou, e bem, da matéria de facto no Acórdão), e questionada no art.º 6.º da B.I nos seguintes termos: “A Ré deve ao Autor a quantia de € 345.567,68 por ocupação da parcela desde novembro de 1981 até março de 2008”.
Daí inexistir fundamento legal para condenar a Ré nessa quantia.
Sustenta-se na decisão que fez vencimento, aquando do conhecimento da nulidade da sentença invocada pelo apelante, que: “(…) Os nomes por que o Autor designa a quantia que entende ser-lhe devida não releva para a apreciação do caso. O que releva é que o Autor manifesta a sua pretensão de ser compensado monetariamente pela utilização, por terceiro, de um imóvel de que alega ser proprietário, sendo certo que esse terceiro, a ora Ré, não tem qualquer título para ocupar tal terreno que lhe não pertence, de forma gratuita, lesando, nessa medida, o património do Município. E foi assim que a sentença, após apreciação de todos os factos e direito aplicável decidiu condenar a Ré no pagamento de uma indemnização pela ocupação abusiva de um imóvel pertencente ao Autor, socorrendo-se de uma orientação doutrinal e jurisprudencial que defende a indemnização pela privação do uso”.
Dito de outro modo, o Acórdão reconhece explicitamente a diversa causa de pedir, bem como o diverso objeto do pedido, ao referir “que a Autora o que pretende é ser compensado monetariamente pela utilização do terreno” (e não, repare-se, pretender a reparação/indemnização pelos prejuízos/danos decorrentes da privação do terreno), mas acaba por condenar a Ré no pagamento de uma indemnização pela privação do uso.
Ora, é indiscutível que para haver responsabilidade por factos ilícitos, com a consequente obrigação de indemnizar, é necessário que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos: facto voluntário do agente;  ilicitude, nexo de imputação do facto ao lesante, a título de dolo ou mera culpa; a verificação de um dano; nexo de causalidade entre o facto e o dano (art.º 483.º do C. Civil).
Portanto, são desde logo requisitos essenciais da responsabilidade civil  extracontratual, e consequente obrigação de reparação dos danos: a ilicitude do ato praticado; a existência de dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
E a verdade é que a Autora em parte alguma da sua petição alegou a responsabilidade civil extracontratual, e respectivos dano/prejuízo, enquanto fundamento para a condenação da Ré na quantia peticionada, antes o assentou numa relação jurídico-tributária.
A este propósito, sublinha-se o decidido pelo S. T. A., no seu Acórdão de 30/11/2005, Proc. n.º 0687/05, in www.dgsi/jsta: “Existindo ocupação de um espaço municipal a título precário e por acordo ou tolerância da respetiva Câmara Municipal, pode esta fazê-la cessar livremente e a qualquer momento, nos termos do art. 8º do Dec. nº 23.466, de 18 de janeiro de 1934, que dispõe sobre a obrigação de devolução dos bens do Estado cedidos a título precário, aplicável à ocupação dos bens imóveis dos corpos administrativos pelo Dec. nº 45.133, de 13 de julho de 1963.
A cobrança de uma taxa de ocupação não tem a virtualidade de fazer desaparecer a precariedade da ocupação, e muito menos a de transformar esta numa relação de arrendamento”.
Decorrentemente, o pedido de condenação da Ré, na dita quantia, tem como fundamento único a cobrança de uma taxa de ocupação do terreno, devida à Autora, no âmbito dos seus poderes, e tendo em conta o Regulamento de Taxas, Preços e Outras Receitas Município de Lisboa (sendo que o atual regime geral das taxas das autarquias locais, aprovado pela Lei n.º 53 -E/2006, de 29 de dezembro, disciplinou as relações jurídico-tributárias que originam o pagamento das taxas às autarquias locais, regulamentando ex novo a criação de taxas e consagrando as grandes áreas de atividade, no âmbito das quais as mesmas podem ser criadas, liquidadas e pagas, os princípios a que se encontram submetidas e os procedimentos de aprovação e cobrança).
Temos, pois, por indiscutível, que a Autora não formulou qualquer pedido de condenação da Ré na reparação dos danos sofridos e decorrentes da privação da faixa de terreno, assente na responsabilidade civil extracontratual, assim como não invoca esta causa de pedir, mas de um crédito fundado na relação jurídico-tributária, ou seja, no pagamento da contraprestação (taxa) devida pelo uso do terreno, cujos valores a Ré nunca liquidou, apesar de lhe serem enviados os respetivos recibos, emitidos pela Autora. São esses os valores que são pedidos, não a reparação de um dano ou prejuízo.
E assim sendo, confirmaria a nulidade da decisão recorrida, nessa parte, nos termos da alínea d) e e), do n.º1, do art.º 668.º do C. P. Civil, como concretamente foi invocada pela apelante, reconhecendo-lhe, nesta parte, inteira razão, mas que não impede o conhecimento da apelação, em observância ao regime previsto no art.º 715.º/1 do mesmo diploma legal.
Por outro lado, e ainda que assim não fosse, não posso acompanhar a decisão, pois que, em qualquer caso, não foram alegados, e muito menos demonstrados, danos decorrentes da privação do uso do terreno.
Como é sabido, a responsabilidade civil consiste na obrigação de reparar os danos sofridos por alguém ( art.º 483.º do C. Civil). A obrigação de indemnizar abrange todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, que tiveram como causa adequada o facto ilícito, impendendo sobre o lesante o dever de reparar o prejuízo causado (danos emergentes), bem como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência do evento danoso, incluindo os danos futuros, desde que previsíveis, segundo um juízo de normalidade (lucros cessantes) – artºs 563º e 564º, nºs 1 e 2, do C. Civil.
Ora, temos por assente que a privação do uso do terreno não constitui, só por si, autonomamente, um dano indemnizável, ou seja, sem que se comprove um prejuízo concreto, na medida em que a simples posse jurídica, pela Autora, daquele concreto terreno, pode não traduzir qualquer utilização.
A jurisprudência nem sempre tem sido uniforme relativamente a esta questão, entendendo uns que a indemnização pela privação do uso depende da prova de um dano concreto, ou seja, da demonstração de prejuízos decorrentes diretamente da não utilização do bem, sustentando outros que a simples privação do uso, por si só, constitui um dano indemnizável, independentemente da utilização que dele se faça, ou não, durante o período da privação.
Seguimos a primeira corrente jurisprudencial por considerar mais consentânea com os princípios da responsabilidade civil.
É que a obrigação de indemnizar pressupõe a existência de um dano real, concreto, efetivo, e não presumido - art.ºs 563.º e 564.º/2.º do C. Civil - , pelo que não basta demonstrar-se a simples privação, é necessário, ainda, que o lesado alegue e prove que a privação da coisa lhe acarretou prejuízo, ou seja, que seria por ele utilizada durante o período da privação ( neste sentido os Acs. do STJ de 3/5/2011, processo n.º 2618/08.06TBOVR.P1, e de 15/11/2011, Proc. n.º 6472/06.2TBSTB.E1.S1,  in www.dgsi.pt/jstj).
Como se escreveu no Ac. do STJ  de 3/5/2011, a que aderimos plenamente, e que pela sua clarividência citamos:
“ (…) Em termos rigorosos, portanto, dir-se-á que a privação do uso é condição necessária, mas não suficiente, da existência de um dano corres­pondente a essa realidade de facto. Isto porque, como bem se observa no acórdão do STJ de 16/3/011 (Proc.º 3922/07.4TBVCT.G1.S1) ,“Podem ...configurar-se situações da vida real em que o titular da coisa não tenha interesse algum em usá-la, não pretenda dela retirar as utilidades que aquele bem normalmente lhe podia proporcionar (o que até constitui uma faculdade inerente ao direito de propriedade), ou pura e sim­plesmente não usa a coisa. Em situações como estas, se o titular se não aproveita das vantagens que o uso normal da coisa lhe proporcionaria, também não poderá falar-se de prejuízo ou dano decorrente da privação do uso, visto que, na circunstância, não existe uso, e, não havendo dano, não há, evidentemente, obrigação de indemnizar. Por isso, competindo ao lesado provar o dano ou prejuízo que quer ver ressarcido, não chega alegar e provar a privação da coisa, pura e simplesmente, mostrando-se ainda necessário, que o A. alegue e demonstre que pretendia usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou algumas delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela atuação ilícita do lesante. E tal exigência não se nos afigura exorbitante. Apresenta-se, tão só, na sequência lógica da realidade das coisas, como pressuposto mínimo da existência do dano e como índice seguro para que o tribunal possa arbitrar a indemnização pretendida com base na utilidade ou utilidades que o titular queria usufruir e não pôde, por estar privado da coisa por ato culposo de outrem.
Com efeito, e citando o Acórdão do STJ de 19/11/2009 «(…) a questão da ressarcibilidade da «privação do uso» não pode ser apreciada e decidida, em abstracto, aferida pela mera impossibilidade objectiva de utilização da coisa, porquanto a privação do uso é uma realidade conceitual distinta e não coincide, necessariamente com a privação da possibilidade do uso, sendo certo que a pessoa só se encontra, de facto, privada do uso de uma coisa, sofrendo, com isso, um prejuízo, se realmente a pretender usar e a utilizasse, caso não fosse a impossibilidade de dispor da mesma, enquanto que se não pretender usá-la, ainda que, também, o não possa fazer, já se está perante a mera privação da possibilidade de uso, sem repercussão económica no património do titular, e que, só por si, não revela qualquer dano patrimonial indemnizável.
E pelo mesmo caminho seguiram os Acórdãos do STJ de 19/11/2009 – Proc. 31/04.1TVLSD.S1, de 9/3/2010 – Proc. 1247/07.4TJVNF.P1.S1, de 21/4/2010 – Proc. 17/07.4TBCR.C1.S1, de 16/3/2011 – Proc. 3922/07.2TBVCT.G1.S1, de 10/01/2012 – Proc. 189/04.OTBMAI.P1.S1 e de 13/9/2012 – Proc. 592/1995.L2.S1 – in www.dgsi.pt) - de que o direito à indemnização depende da demonstração de um dano concreto, devendo o lesado demonstrar que se tivesse disponível o bem dele teria retirado as utilidades que está apto a proporcionar.
Ora, a verdade é que no caso dos autos não foi alegada, pela Autora, qualquer utilização ou destino da faixa do terreno, ignorando-se qual a concreta utilização que dela faria a Autora, em que circunstâncias, qual o rendimento que deixou de auferir, que prejuízos teve etc., ou seja, qual o prejuízo (dano) que lhe adveio dessa ocupação e consequente privação. E a verdade é que não se vislumbra qual a utilização que a Autora daria a essa faixa de terreno.
No que releva para esta questão, apenas está demonstrado que a Ré ocupa o terreno em causa desde o ano de 1981; assinou em 21/11/1990 um título de precariedade a favor da "Câmara Municipal de Lisboa", sob pena de a demolição e o despejo se consumarem; nunca pagou qualquer taxa de ocupação e tem vindo a devolver todos os recibos de ocupação que lhe são endereçados.
E competia ao lesado provar o dano ou prejuízo que pretendia ser indemnizado, não sendo bastante alegar e provar a ocupação do terreno, seria ainda necessário alegar e provar que o usava normalmente, que dele retirava utilidades ( ou alguma delas) que lhe são próprias e que deixou de poder usá-la, em virtude da privação ilícita – Ac. do STJ de 15/11/2011, citado.
Resumindo, quer pela falta de causa de pedir e pedido, quer pela inexistência de um dos pressupostos da responsabilidade civil –  dano ou prejuízo -, impunha-se a procedência parcial da apelação, com modificação da decisão na parte que condenou a Ré em indemnização, com a consequente absolvição desse pedido, no mais confirmando a decisão recorrida.
Por estas razões não acompanhei a decisão que vez vencimento.

Lisboa, 6 de dezembro de 2012.

Tomé Ramião
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[1] José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, p.704.
[2] Neste sentido vide Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, anotação ao art.º 496.º
[3] Vide Acórdãos da Relação do Porto de 17-10-84, Col.Jur., Tomo IV, p.246, de 19-10-99, www.dgsi.pt, Acórdãos da Relação de Coimbra de 08-07-97, BMJ 469-663, e de 09-11-99, Col.Jur. Tomo V, p.23 Acórdão do STJ de 17-11-98, www.dgsi.pt
[4] Abrantes Geralde, Temas de Responsabilidade Civil, I volume, Indemnização do dano da privação do uso, 3.ª edição, p.43.
[5] Acórdão da Relação do Porto de 13-10-2009, www.dgsi.pt.
[6] Vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-07-2007, Processo 07B1849, www.dgsi.pt. E ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-11-2005, CJ/STJ, ano XIII, Tomo III, p.151
[7] Acórdãos  já citados, a título exemplificativo.
[8] Vide em sentido diferente daquele que ora se defende o Acórdão do STJ de 08-05-2007, www.dgsi.pt.