Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA | ||
Descritores: | CONTRAORDENAÇÃO AMBIENTAL TRIBUNAL SUPERIOR | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/08/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Atento o disposto no nº 1 do art. 75º do RGCO, os poderes de cognição do tribunal da Relação abrangem apenas a matéria de direito pelo que, quanto á apreciação da matéria de facto, dá-se a mesma como fixada sem possibilidade de alteração ou apreciação. Nos termos do disposto no artº 410º nº2 o recurso pode ter como fundamento os pontos indicados desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida por si só ou, conjugada com as regras da experiência comum. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acórdão proferido na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa Nos presentes autos veio S__, S.A.”, interpor recurso da Sentença proferida em 9.12.2012, que julgou improcedente a impugnação judicial interposta da decisão do Capitão do Porto de Setúbal, datada de 12 de Agosto de 2019, proferida nos autos de contraordenação n.° 070.40.01-249/2014, que aplicou à Recorrente uma coima de 9.900,00 EUR e em pagamento de custas processuais no valor de 204,00 EUR. Não se conforma a recorrente com aquela sentença quanto à improcedência da exceção de nulidade da decisão administrativa condenatória impugnada, quer quanto à improcedência da impugnação judicial da decisão administrativa. Apresentou para tanto as seguintes CONCLUSÕES · (...) · A recorrente S__ invocou a nulidade da decisão administrativa condenatória por entender que a decisão condenatória violou os requisitos exigidos pelo art.° 58.°, n.° 1, al. b) do DL 433/82, de 27.10 (RGCO), e, na parte decisória (cfr. n.° 4), onde é aplicada a coima, não é indicada a concreta norma pela qual se pune, o que viola o disposto no art.° 58.°, n.° 1, al. c) , do RGCO. · A M.° Juíz a quo fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no art.° 58.° n.° 1 do RGCO - ao caso concreto dos autos. · O artigo 58.°, n° 1, alíneas c) e d) do DL n.° 433/82, de 27.10 estipula que a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, e a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão. · A decisão administrativa condenatória impugnada especifica na parte "1. Relatório" que "… no dia 17 de agosto de 2014, cerca das 17:00 horas, na margem Norte do Rio Sado, a montante do Terminal Portuário da S____, Cais Líquidos-Setúbal, espaço jurisdição da Capitania do Porto de Setúbal, foi detetado um foco de poluição de cor escura, que se diluía nas águas do rio. Efetuadas diligências, verificou-se que o facto se devia a um derrame de ácido sulfúrico, provocado pela rutura da tubagem/encanamento de trasfega, do mencionado terminal portuário para os tanques de armazenamento e consequentemente escorria até às águas do rio." · Mais adiante, refere que "No decurso do presente processo estimou-se a quantidade de ácido sulfúrico derramado e contido numa caleira, em cerca de 100 litros" sendo difícil de calcular a quantidade de matéria que terá efetivamente chegado ao estuário do Rio Sado, pois, a mesma ali chegada, dilui-se nas águas. · E, ainda, que "Apesar de não subsistirem quaisquer dúvidas quanto ao produto derramado e origem, foi recolhida uma amostra, nomeadamente, das águas do Rio Sado contaminadas com matéria poluente, à qual foi atribuído o seio n. ° 0002331, que não foi enviada para análise." · Nos Factos Provados (2.2), a autoridade administrativa dá como provado que "a substância poluente derramada tratava-se de ácido sulfúrico, tendo escorrido e alcançado as águas do rio Sado, uma quantidade não apurada". · No ponto 2.3 - Factos Não Provados, afirma a autoridade administrativa que "Não ficou provado a quantidade de produto derramado, ácido sulfúrico, nem a quantidade que afetou as águas do Rio Sado." ·___________ ·Isto exposto, nem com muito boa vontade se poderá considerar respeitado o requisito legal a que se refere o art.° 58.°, n.° 1, alínea c) do DL 433/8 - a descrição dos factos impugnados, com indicação das provas obtidas. ·Com efeito, por um lado, a autoridade administrativa afirma no Relatório que foi detetado um foco de poluição de cor escura, que se diluía nas águas do Rio Sado, que se verificou, após diligências efectuadas (não refere quais), ser ácido sulfúrico proveniente de uma infraestrutura (tubagens) utilizada pelas arguidasS__ e S__ QUÍIMICA; mas não foi possível apurar a quantidade que terá alcançado o rio Sado. ·Por outro lado, afirma que foi recolhida uma amostra com a água contaminada com matéria poluente, que não foi enviada para análise. ·E conclui que a matéria poluente se trata de ácido sulfúrico. ·(...) ·Ou seja, não há nem é indicada qualquer prova de que o foco de poluição de cor escura fosse ácido sulfúrico; não há sequer qualquer prova de que o dito ácido sulfúrico derramado para a caleira técnica de contenção da tubagem tenha escorrido para o Rio Sado, pois não foi possível apurar a quantidade que terá efetivamente chegado ao estuário do Rio Sado. ·Tal prova deveria ser a que resultasse da análise da amostra das águas do rio Sado contaminadas com matéria poluente à qual foi atribuído o seio n. ° 0002331. ·Ao não apresentar essa prova, a autoridade administrativa impediu a ora recorrenteS__ de exercer o seu direito de contraditório, direito constitucional, pois viu-se impedida, designadamente, de provar que a amostra das águas do rio Sado não continham ácido sulfúrico, solicitando, para tanto, uma contra-análise caso não se conformasse com o respectivo resultado. ·Mais grave, é que a autoridade recorrida "inverteu" o ónus da prova, no sentido de que, dando como provado que o líquido que chegou às águas do rio Sado era ácido sulfúrico, tendo "reservado", para si, a amostra das águas contaminadas, sem a enviar para análise, "obrigou" a ora recorrente a tentar provar, máxime em audiência de julgamento que aquele líquido não era ácido sulfúrico (prova de um facto negativo). · Neste caso concreto dos autos, entende a recorrenteS__ que a autoridade administrativa estava obrigada a indicar a concreta prova por si obtida, da qual resultasse que o produto alegadamente contaminante era ácido sulfúrico, tal como lhe impõe o artigo 58.°, n.° 1, al. c) afinal, um facto essencial da acusação e da condenação. · O que existe na decisão administrativa condenatória é ausência total da prova (resultado da análise da amostra recolhida). Se assim não for, questiona-se a razão da recolha de tal análise. · A decisão administrativa impugnada apresenta, sim, uma presunção ou conclusão de que o foco de poluição de cor escura é ácido sulfúrico, e que terá efetivamente chegado ao estuário do Rio Sado. · E tanto mais estranho é esta presunção ou conclusão, que, afirmando que o foco de poluição é de cor escura, não parece compatível com as características físico-químicas do ácido sulfúrico. · O ácido sulfúrico é uma combinação química de enxofre, oxigénio e hidrogénio (fórmula H2SO4) é viscoso e incolor, inodoro e extremamente solúvel na água, e tendo uma densidade maior do que a água, afunda-se e dilui-se. · Efectivamente, mesmo que se aceitasse - o que não é o entendimento da Recorrente - que o legislador permite que a descrição dos factos provados (imputados) ou seja em sede de Relatório, sempre estes teriam de conformar apenas factos e não juízos de valor, presunções ou conclusões, como acontece in casu. · Só com factos é que o julgador poderá extrair a conclusão que lhe permita o enquadramento legal e a subsunção ao tipo legal respectivo ou não. · Nos termos expostos, não se pode considerar verificado o preenchimento do requisito exigido pelo art.° 58.° n.° 1. al. b) do DL 433/82. · Mas, também, no que se refere à indicação das provas obtidas - motivação da decisão, com exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do julgador (no caso, a convicção da entidade recorrida), não resulta verificado. · O que o legislador quer dizer com a exigência da "descrição dos factos imputados com indicação das provas obtidas" é que a entidade que decide deve especificar quais os factos que considera provados e a prova em que se baseou, para dar os factos por provados e a força ou relevância que atribui a cada uma delas. ·É, pois, entendimento da Recorrente que é exigir, como refere o Ac. Rel. Porto, 25.02.98, in CJ, XXIII, I, pág. 242, a observância estrita de todos os requisitos legais. · "É certo que a decisão condenatória da autoridade administrativa não é uma sentença. Todavia, está no mesmo plano, na medida em que é a decisão que culmina o processo de contra-ordenação. Não pode, pois, pôr-se em dúvida que essa decisão condenatória é o acto que, no processo de contra-ordenação na fase administrativa, corresponde à sentença do processo criminal. É, aliás, notório o paralelismo entre o art.° 58.° do DL 433/82 e o art.° 374.° do Código de Processo Penal." - Vd. Art.° 374.°, n.° 2 do C.P.Penal. ·A sanção legal para a inobservância destes requisitos da decisão é a nulidade. · O DL 433/82 não a prevê. Mas o seu art.° 41.°, n.° 1, estabelece como direito subsidiário os princípios reguladores do processo criminal, devidamente adaptados, sempre que o contrário não resulte do regime geral das contra-ordenações. · Assim, a decisão recorrida proferida pelo Capitão do Porto de Setúbal é nula, por força da aplicação dos artigos 379.°, n.° 1 al. a) e 374.°, n.° 2 do Código Processo Penal. · (...) · Acresce, ainda, que na parte da Decisão administrativa (n.° 4) é aplicada uma coima à Recorrente, mas não é indicada a concreta norma segundo a qual se pune, o que viola o disposto no art.° 58.° n.° 1, al. c) do DL 433/82, o que conduz à nulidade da mesma, pelos fundamentos de direito acima exposto. · Por tudo o exposto, a Decisão condenatória da entidade administrativa deverá ser julgada nula, bem como os actos posteriores dela dependentes, com todas as consequências legais. · Neste sentido, a douta Sentença Recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 58.° n.° 1 alíneas b) e c) do RGCO, pelo que se requer que a douta Sentença recorrida seja alterada no sentido de ser julgada procedente a excepção de nulidade da decisão administrativa condenatória. Assim decidindo far-se-á Justiça. ****** Contra alegou o MP I. A decisão administrativa e a douta sentença recorrida efectuaram um exame crítico às provas apresentadas, sendo que quer a motivação de facto, quer a motivação de direito foram plenamente respeitadas. II. Nestes termos, e contrariamente ao alegado pela recorrente, observaram, integralmente, o alegado nos art.° 379°, n.°1, al. a) e 374°, n.°2, do CPP e art.°58°, n.°1, al. b) e c) do RGCO, pelo que não se poderá falar em erro, nem em nulidade. III. Sendo que, quer a motivação de facto, quer a motivação de direito foram plenamente respeitadas, e valorados na decisão. IV. Haverá de concluir-se não assistir razão à recorrente. V. Pelo exposto, o recurso deverá ser considerado improcedente, na medida em que, a sentença recorrida não merece qualquer censura, pois bem ajuizou a prova produzida em audiência, fez uma correcta e adequada ponderação dos factores de determinação da medida concreta da pena e não padece de qualquer vício. Vossas Excelências, contudo, farão como fôr de JUSTIÇA **** O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Só estas o tribunal ad quem deve apreciar art.ºs 403º e 412º nº 1 CPP[1] sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – art.º 410º nº 2 CPP. * CUMPRE DECIDIR Pretende o recorrente que a Decisão Recorrida é nula, por violação dos requisitos exigidos pelo art° 58°, n° 1 do DL 433/82. * Da decisão recorrida resulta que: Por decisão datada de 12.08.2019, proferida no âmbito dos autos de contra-ordenação que correram os seus termos na Capitania do Porto de Cascais sob o n.° 070.40.01-249/14, o Capitão do Porto de Setúbal condenou cada uma das arguidas, S__ - Sociedade Produtora de Adubos Compostos, SA (com sede em, Setúbal, e com o número único de matrícula e pessoa coletiva 85) e S Química, SA (com sede em Av. 2910-440 Setúbal, e com o número único de matrícula e pessoa coletiva 502304170), por não terem procedido com o cuidado a que estavam obrigadas e de que eram capazes, permitindo que ácido sulfúrico poluísse as águas do rio Sado (contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 9.° e 11.° do DL n.° 235/2000, de 26.09, e dos artigos 1.° e 2.° da Portaria n.° 522/2001, de 25.05), em uma coima de € 9.900,00 (nove mil e novecentos euros). Inconformadas com tal decisão, as arguidas procederam à sua impugnação judicial, formulando, nas respectivas alegações de recurso, as seguintes conclusões: Pela arguida recorrente S__, SA O presente recurso de impugnação judicial é interposto da DECISÃO do Capitão do Porto de Setúbal, datada de 12 de Agosto de 2019, proferida nos autos de contraordenação nº 070.40.01-249/2014, que aplicou à Recorrente, arguida naqueles autos, uma coima de 9.900,00 EUR, e em custas processuais no valor de 204,00 EUR. A Decisão Recorrida é nula, por violação dos requisitos exigidos pelo art.° 58.°, n.° 1 do DL 433/82. A Decisão administrativa de que se recorre, especifica na parte "1. Relatório" que " ... no dia 17 de agosto de 2014/ cerca das 17:00 horas, na margem Norte do Rio Sado, a montante do Terminal Portuário da S____, Cais Líquidos - Setúbal espaço jurisdição da Capitania do Porto de Setúbal, foi detetado um foco de poluição de cor escura, que se diluía nas águas do rio. Efetuadas diligências, verificou-se que o facto se devia a um derrame de ácido sulfúrico, provocado pela rutura da tubagem/encanamento de transfega, do mencionado terminal portuário para os tanques de armazenamento e consequentemente escorria até às águas do rio.”. Mais adiante, refere que "No decurso do presente processo estimou-se a quantidade de ácido sulfúrico derramado e contido numa caleira, em cerca de 100 litros”; sendo difícil de calcular a quantidade de matéria que terá efectivamente chegado ao estuário do Rio Sado, pois, a mesma ali chegada, dilui-se nas águas. E, ainda, que "Apesar de não subsistirem quaisquer dúvidas quanto ao produto derramado e origem, foi recolhida uma amostra, nomeadamente, das águas do Rio Sado contaminadas com matéria poluente, à qual foi atribuído o selo n.° 0002331, que não foi enviada para análise.”. Nos Factos Provados (2.2), a autoridade recorrida dá como provado que "a substância poluente derramada tratava-se de ácido sulfúrico, tendo escorrido e alcançado as águas do rio Sado, uma quantidade não apurada". No ponto 2.3 - Factos Não Provados, afirma a autoridade recorrida que "Não ficou provado a quantidade de produto derramado, ácido sulfúrico, nem a quantidade que afetou as águas do Rio Sado.”. Isto exposto, nem com muito boa vontade se poderá considerar respeitados os requisitos legais que o supracitado art.° 58.° do DL 433/82, estabelece. Com efeito, por um lado, a autoridade recorrida afirma no Relatório que foi detetado um foco de poluição de cor escura, que se diluía nas águas do Rio Sado, que se verificou, após diligências efectuadas (não refere quais), ser ácido sulfúrico proveniente de uma infraestrutura (tubagens) utilizada pelas arguidas S__ e S__ Química, mas não foi possível apurar a quantidade que terá alcançado o rio sado. Por outro lado, afirma que foi recolhida uma amostra com a água contaminada com matéria poluente, que não foi enviada para análise. E conclui (por presunção, diremos) que a matéria poluente se trata de ácido sulfúrico. Nos factos provados, a autoridade recorrida afirma, como provado, que a substância poluente derramada se trata de ácido sulfúrico, mas não apresenta qualquer prova ou motivação para aquela conclusão, sendo certo que, como se disse, não enviou para análise a amostra da água do rio recolhida. Mas afirma, ainda, em Factos Não Provados que não ficou provado a quantidade de produto derramado, ácido sulfúrico, nem a quantidade que afectou as águas do Rio Sado. Ou seja, não há qualquer prova de que: (i) o foco de poluição de cor escura fosse ácido sulfúrico; (ii) não há sequer qualquer prova de que o ácido sulfúrico derramado para a caleira técnica de contenção da tubagem tenha escorrido para o Rio Sado, pois não foi possível apurar a quantidade que terá efetivamente chegado ao estuário do Rio Sado (se é que ali chegou). O que existe é uma presunção ou conclusão da autoridade recorrida de que o foco de poluição de cor escura é ácido sulfúrico, e que terá efetivamente chegado ao estuário do Rio Sado. E tanto mais estranho é esta presunção ou conclusão, que, afirmando que o foco de poluição é de cor escura, não parece compatível com as características físico- químicas do ácido sulfúrico. O ácido sulfúrico é uma combinação química de enxofre, oxigénio e hidrogénio (fórmula H2S04) é viscoso e incolor, inodoro e extremamente solúvel na água. E tendo uma densidade maior do que a água, afunda-se e dilui-se, não ficando à superfície da água. Efectivamente, mesmo que se aceitasse - o que não é o entendimento da Recorrente - que o legislador permite que a descrição dos factos provados (imputados) ou seja em sede de Relatório, sempre estes teriam de conformar apenas factos e não juízos de valor, presunções ou conclusões, como acontece in casu. Só com factos é que o julgador poderá extrair a conclusão que lhe permita o enquadramento legal e a subsunção ao tipo legal respectivo ou não. Nos termos expostos, não se pode considerar verificado o preenchimento do requisito exigido pelo art° 58.° n.° 1. Al. b) do DL 433/82. Mas, também, no que se refere à indicação das provas obtidas - motivação da decisão, com exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do julgador (no caso, a convicção da entidade recorrida), não resulta verificado. O que o legislador quer dizer com a exigência da “descrição dos factos imputados com indicação das provas obtidas" é que a entidade que decide deve especificar quais os factos que considera provados e a prova em que se baseou, para dar os factos por provados e a força ou relevância que atribui a cada uma delas. É, pois, entendimento da Recorrente que é exigir, como refere o Ac. Rei. Porto, 25.02.98, in CJ, XXIII, I, pág. 242, a observância estrita de todos os requisitos legais. "É certo que a decisão condenatória da autoridade administrativa não é uma sentença. Todavia, está no mesmo plano, na medida em que é a decisão que culmina o processo de contra-ordenação. Não pode pois, pôr se em dúvida que essa decisão condenatória é o acto quer no processo de contra-ordenação na fase administrativa, corresponde à sentença do processo criminal. É aliás, notório o paralelismo entre o art.° 58.° do DL 433/82 e o art.° 374.° do Código de Processo Penal." - Vd. Art.° 374.°, n.° 2 do C.P.Penal. A sanção legal para a inobservância destes requisitos da decisão é a nulidade. O DL 433/82 não a prevê. Mas o seu art.° 41.°, n.° 1, estabelece como direito subsidiário os princípios reguladores do processo criminal, devidamente adaptados, sempre que o contrário não resulte do regime geral das contra-ordenações. Assim, a decisão recorrida proferida pelo Capitão do Porto de Setúbal é nula por força da aplicação dos artigos 379.°, n.° 1, al. a), e 374.°, n.° 2, do Código Processo Penal. Como se refere no Ac. Relação. Porto supra citado e no mesmo sentido os Autores e obras e páginas citadas, no que se concerne à prova idêntico raciocínio se fazendo, por maioria de razão, para os factos. "A indicação das provas é obrigatória, tanto na sentença do processo criminal como na decisão condenatória da autoridade administrativa (art.° 374.°, n.° 2, do CPP e art.° 58.°, n.° 1, al. b) do DL 433/82. Se na sentença a omissão desse elemento é sancionada com a nulidade, a mesma omissão na decisão condenatória da autoridade administrativa conduz a tal resultado, dada a remissão do art.° 41.°, n.° 1, do DL 433/82, onde as diferenças entre a sentença e a decisão administrativa condenatória estão consideradas na expressão * devidamente adaptadas *” Acresce, ainda, que na parte da Decisão (n.° 4) é aplicada uma coima à Recorrente, mas não é indicada a concreta norma segundo a qual se pune, o que viola o disposto no art.° 58.°, n.° 1, al. c), do DL 433/821 o que conduz à nulidade da mesma, pelos fundamentos de direito acima exposto. Por tudo o exposto, a Decisão condenatória da entidade recorrida deverá ser julgada nula, bem como os actos posteriores dela dependentes, com todas as consequências legais. Acresce, ainda que, a RecorrenteS__ não cometeu qualquer ilícito, não agiu com dolo, nem sequer com negligência. E acrescenta: AS__ só importa ácido sulfúrico com uma concentração igual ou superior a 98%. Tal tubagem é construída em aço carbono, em razão do que o ácido sulfúrico naquela concentração não é susceptível de a corroer, não estando provado que ocorreu corrosão por efeito do transporte do ácido sulfúrico. Não existe qualquer legislação que obrigue a ter condutas aéreas ou procedimentos para este tipo de condutas. Uma parte da conduta estava sob a estrada, coberta por betão armado e alcatrão, instalada numa caleira técnica, onde não era previsível a entrada de água e lamas, que pudessem corroer a conduta. Na data da ocorrência, não se encontrava qualquer navio a efectuar descarga do produto. Assim, admite-se que na tubagem estariam, apenas, vestígios de produto, em quantidade reduzida, uma vez que, após as descargas, as tubagens são esvaziadas por meio de ar e azoto comprimido, a uma pressão de cerca de 7 bar, operação esta que é efectuada pela S__ Terminais Portuários. Não era, pois, previsível que, após esta operação, existisse quantidade assinalável de ácido sulfúrico na conduta/tubagem. Nos factos provados imputados na Decisão Recorrida não está provada, sequer demonstrada, a culpa da RecorrenteS__. E nem poderia estar, na medida em que a RecorrenteS__ não agiu com dolo, nem sequer com negligência. Como se disse supra, a escorrência verificada de derrame de ácido sulfúrico para uma caleira técnica de retenção ocorreu numa zona, por baixo da estrada alcatroada. A tubagem em causa é utilizada para a descarga de ácido sulfúrico de navios para os tanques daS__ e da S__ QUÍMICA. No dia e hora da ocorrência, não se encontrava qualquer navio à descarga de ácido sulfúrico, pelo que a tubagem não estava a ser utilizada. Após a descarga de um navio, as tubagens são esvaziadas por ar comprimido, não sendo de prever que reste nas tubagens grandes quantidades de produto, admitindo- se que, ainda assim, possa restar algum produto nas mesmas, em quantidade muito residual. A escorrência verificada terá sido, assim, proveniente de alguma quantidade de produto que restava nas tubagens, necessariamente em quantidade residual. Regista-se que a escorrência do produto foi parar, por gravidade, a uma caleira de contenção existente abaixo da estrada (o que é confirmado pela própria Decisão Recorrida), não tendo sido, contudo, feita qualquer quantificação efectiva do produto derramado para esta caleira. De imediato e após ter sido assinalada a escorrência, foram organizados pelaS__ (como uma das utilizadoras da tubagem) os meios de contenção e resolução, tendo a ocorrência sido prontamente debelada e resolvida, como assinala a própria Decisão recorrida. Para tanto, foram utilizados produtos neutralizantes - cal e fosforite na escorrência e na caleira para conter e recolher o líquido, tendo ficado toda a zona limpa. A escorrência ficou, essencialmente, confinada na zona do Parque Industrial da S__. Não foi possível quantificar qualquer quantidade de ácido sulfúrico para o Rio Sado, não estando, sequer provado, que o foco de poluição de cor escura fosse ácido sulfúrico. Acresce que não vem provado pela Decisão recorrida qualquer alteração às características naturais do meio marinho - Art.° 4.° do DL n. o 235/2000, de 26 de Setembro, nem foi visível, constatado ou provado, ter ocorrido qualquer dano no meio ambiente (não se verificou qualquer mortalidade de peixes ou outros animais), em pessoas ou em bens. A Recorrente S__, enquanto uma das empresas utilizadoras da tubagem e responsável pela sua gestão operacional não agiu com dolo, sequer com negligência, na verificação da ocorrência. Com efeito, a S__ tem um plano bianual de verificação de espessuras das tubagens, o que é feito por ultrassons. À data dos factos, o último relatório dessa verificação inspectiva é de Novembro de 2012. Nos autos encontra-se junto o último relatório da inspecção à tubagem efectuada pela empresa RINAVE. Considera-se tecnicamente a referida periodicidade como uma boa prática para a avaliação das espessuras em calha técnica, que tem como base a medição de espessuras antes e depois, considerando-se que a corrosão na zona subterrânea é inferior à das zonas expostas às intempéries. Do relatório junto salienta-se que a zona onde se verificou a ocorrência foi avaliada e encontra-se assinalada a verde nas páginas 4 e 8 do anexo de medições de espessuras. Nessa zona, os pontos 73 e pontos 74 são os pontos da tubagem imediatamente antes e após a travessia da estrada. Os valores medidos (4,7; 5,6; 5,6; e 6,1 mm) estão todos acima dos mínimos (considera-se risco de perda de espessura abaixo de 3 mm, e valor de alerta de 4 mm). Por outro lado, não é comum nem prática corrente, levantar-se pavimentos de betão e alcatrão, para se inspecionarem tubagens soterradas, ainda por cima colocadas numa caleira técnica (como no caso dos autos) onde não é expectável a entrada de águas ou lamas que possam correr a tubagem. Veja-se que, na cidade de Setúbal, existem quilómetros de tubagens enterradas, designadamente de abastecimento de água, e não se vê, nem se espera que os Serviços competentes levantem o alcatrão para ver do seu estado de conservação. Assim, a S__ considera ter-se verificado uma ocorrência de imprevisibilidade técnica, não obstante os cuidados e as boas práticas por si seguidas, ou seja, a escorrência foi imprevisível e não esperada, logo não expectável, resultante, não da omissão de qualquer dever de cuidado, mas do próprio risco técnico e físico da instalação. Adicionalmente, apesar de a zona da ocorrência não se encontrar nas instalações da S__ e a tubagem de ácido sulfúrico ser partilhada entre a S__ QUÍMICA e a S__, estas duas empresas procederam, de imediato, a investimentos e alterações de construção de passagem aérea e substituição de troço enterrado por novo troço aéreo. Como medida adicional de prevenção foi feita a substituição do troço de tubagem enterrado entre esta zona e o cais portuário na travessia da estrada da Mitrena. Não tendo a Arguida agido com culpa, sequer com negligência, não se verifica o elemento subjectivo do tipo imputado, pelo que não há qualquer infracção. Pela arguida recorrente S__ Químicos, SA A decisão ora impugnada condena as Arguidas,S__ - Sociedade Produtora de Adubos Compostos, S.A. e S__ Química, SA, pela prática da contraordenação prevista no n.° 1 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 235/2000, de 26 de setembro, imputada a título de negligência aplicando-lhes uma coima no valor de € 9.900,00 (nove mil e novecentos euros) a cada uma. Porém, da análise dos factos provados e de todo o procedimento contraordenacional, resulta clara a inexistência de culpa suscetível de fundamentar um juízo de censurabilidade e, consequentemente, a aplicação de uma sanção. A referida contraordenação de poluição do meio marinho, que configura uma contraordenação material ou de resultado, prevê que haja a ação de descarga ou derrame e, consequentemente, que tenham ocorrido alterações às características naturais do meio marinho, em decorrência direta do derrame. Acontece que a decisão condenatória não logrou demonstrar que tenham ocorrido quaisquer alterações às características naturais do meio marinho, nem tão pouco demonstrou a existência, a posteriori, de quaisquer riscos de dano ou danos para o meio ambiente ou para a atividade humana. Pelo que a mera alegação de que houve um derrame, de cerca de 100 litros, no rio Sado, de uma substância poluente capaz de alterar o meio marinho, não basta para que esteja preenchido o ilícito contraordenacional. Mais, tal como foi referido ao longo dos articulados de defesa das Arguidas e, posteriormente, reforçado pelas testemunhas ouvidas, a respetiva gestão operacional das tubagens foi, sempre, assegurada pelaS__, sendo, por sua vez, a limpeza da responsabilidade da S__ Terminais Portuários, S.A., entidade diversa da aqui Arguida. A Arguida, para além de mera locatária, apenas dividia os custos de manutenção e operacionalidade das tubagens, na proporção das quantidades de produto que fazia ali passar aquando das descargas dos navios para os seus respetivos tanques de recepção, pelo que, dúvidas não podem existir no que concerne à falta de responsabilidade da Arguida pela rutura do referido segmento da tubagem/encanamento de trasfega. Esta decisão condenatória reflete assim que, para além de, não terem sido considerados os factos invocados em sede de defesa pela ora Arguida, inteiramente corroborados pelaS__, não foi, minimamente, explorada a questão da responsabilidade de cada uma, pese embora, repita-se, ambas as defesas escritas referirem expressamente cada um destes pontos, limitando-se a atribuir, erroneamente, uma responsabilidade repartida, quando tal nunca poderia ter acontecido. Não tendo sido tomadas quaisquer diligências de instrução complementar de forma a esclarecer os factos ali descritos, há que concluir que a entidade responsável pela aplicação da coima, não fez prova bastante, dos factos relevantes para o preenchimento do ilícito contraordenacional. Não pode assim ser imputado à Arguida, nem sequer a título de negligência, qualquer ilícito, também por não lhe caber a responsabilidade da manutenção e limpeza da tubagem. (...) A arguida S__, SA invoca a nulidade da decisão condenatória por entender que a mesma violou os requisitos exigidos pelo artigo 58°, n° 1, do RGCO, já que, segundo alega, não procede à descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, e na parte especificamente decisória, onde é aplicada uma coima à arguida, não é indicada a concreta norma segundo a qual se pune, o que, por força da aplicação dos artigos 379.°, n.° 1, al. a), e 374.°, n.° 2, do CPP (por via remissiva do artigo 41.°, n.° 1, do RGCO), determina o vício invocado. A este respeito, respiga-se a lição contida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.06.2017 (acessível in www.dgsi.pt ), onde se refere “(...) as exigências formais no processamento das contra-ordenações não podem equiparar-se às do processo penal, apresentando aquelas autonomia decorrente da valoração e opção política do legislador em resultado da diversidade ontológica entre o direito de mera ordenação social e o direito penal, da natureza da censura ético-penal correspondente a cada um e da distinta natureza dos órgãos decisores. Determinante, em relação à decisão administrativa, é que a sua leitura permita compreender, de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, as razões pelas quais o agente é condenado, de modo a que este possa adequadamente impugnar os fundamentos dessa condenação. (...) Entre outros, refere o Ac. do Trib. Relação do Porto de 11-042012 (P° 2122/11.3TBPVZ.P1, acessível em www.dgsi.pt) que, "na decisão da autoridade administrativa, o elemento subjetivo da conduta pode presumir-se da descrição do elemento objetivo", o Ac. da Relação de Coimbra de 03-10-2012 (P° 14/12.8TBSEI.C1), refere "no processo de contra-ordenação, em sede de fundamentação da decisão administrativa não é de exigir o rigor formal nem a precisão descritiva que se exige numa sentença judicial" e o Ac. da Relação de Évora de 21-06-2016 (P° 170/15.3T8GDL.E1), que "As exigências de fundamentação da decisão da autoridade administrativa (no respeitante às contraordenações) são menos profundas que as relativas às sentenças criminais". (...)”. Mais, tal como vem sendo aceite, há já alguns anos de forma pacífica, na jurisprudência dos nossos Tribunais superiores “(...). o formalismo da decisão administrativa em sede contra- ordenacional deverá obedecer ao disposto no artigo 58° do RGCO (...) diferente daquele que é exigido ao formalismo da decisão criminal, não sendo aplicável o disposto no artigo 379° do CPP, sendo uma decisão claramente administrativa é regida pelo próprio processo administrativo e deverá reger-se pelos seus princípios fundamentais (...)” - acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.06.2016, acessível in www.dgsi.pt. Com efeito, em relação à decisão condenatória da autoridade administrativa, estipula o n.° 1 do artigo 58.°, do RGCO. Como advertem Oliveira Mendes e Santos Cabral, a propósito deste último preceito legal (in “Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, pág. 194), encontramo-nos «(...) no domínio de uma fase administrativa, sujeita às características da celeridade e simplicidade processual, pelo que o dever de fundamentação deverá assumir uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal. O que de qualquer forma deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação, possibilitando ao arguido um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, e já em sede de impugnação judicial permitir ao tribunal conhecer o processo lógico de formação da decisão administrativa. Tal percepção poderá resultar do teor da própria decisão ou da remissão por esta elaborada». Significa isto que “(...) mister é que a decisão contenha as razões, ainda que sumárias, de facto e de direito, que conduziram à condenação da arguida, de forma a que, lendo a mesma, se aperceba, dentro dos critérios da normalidade de entendimento, das razões por que foi condenado e possa aferir da oportunidade de impugnar judicialmente a decisão; porém, (a decisão) não tem que ter o rigor de uma sentença penal. Dito ainda de outro modo: tendo em conta um destinatário comum, importa que a decisão da autoridade administrativa contenha, além do mais, uma descrição sucinta dos factos que são imputados à arguida, a respectiva subsunção jurídica e a indicação das circunstâncias que justificam a aplicação da concreta coima, de modo a que sejam compreensíveis as razões da condenação; ou, como se escreveu no acórdão da secção criminal deste tribunal de 07-02-2017 (Proc. n.° 277/15.7T8TVR.E1), «a fundamentação da decisão administrativa será (...) suficiente desde que justifique as razões pelas quais, de acordo com os critérios da normalidade, é aplicada esta ou aquela sanção ao recorrente, de modo a que, lendo a decisão, este possa compreender as razões pelas quais é condenado e, consequentemente, impugnar tais fundamentos». Daí que a decisão administrativa não tenha que obedecer, em toda a sua extensão, ao disposto, por exemplo, nos 358.° e 359.° do Código de Processo Penal, ou nos artigos 374.° e 379.°, do mesmo compêndio legal (...)” - acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6.12.2017, acessível in www.dgsi.pt. De acordo com o disposto no artigo 58.°, n.° 1, do RGCO, a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) a identificação dos arguidos; b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) a coima e as sanções acessórias. No n.° 2 do mesmo artigo determina-se depois que da decisão deve ainda constar a informação de que: a) a condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.°; b) em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho. Já o n.° 3 também do mesmo artigo estipula que a decisão conterá ainda: a) a ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão; b) A indicação de que em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve comunicar o facto por escrito à autoridade que aplicou a coima. Na situação vertente, apreciada a decisão impugnada, nela surpreendemos todos os elementos que, nos termos da norma por último citada, daquela deverão obrigatoriamente constar, sendo certo que a valoração (e o modo como foi realizada, por prova directa ou indirecta, por recurso a presunções ou não) dos elementos de prova recolhidos na instrução do procedimento administrativo e o acerto de tal valoração, espelhada nos factos que se consideraram provados e não provados, é questão diversa da ausência de indicação dos factos que se consideraram provados e não provados e dos motivos pelos quais uns e outros assim foram considerados, ausência essa que determinaria a violação do artigo 58.°, n.° 1, do RGCO, mas que aqui não se verifica. E também não se alcança como pode a arguidaS__, SA não ter lido (ou compreendido) o enquadramento legal que conduziu à sua condenação, posto que o mesmo é (até com maior detalhe do que aquele que seria necessário) explanado e repetido na decisão aqui impugnada, sem que tal explanação, objectivamente, se mostre obscura, pouco clara, ou passível de qualquer outra interpretação que não a expressa indicação dos normativos legais que a entidade administrativa entendeu terem sido violados pela actuação da arguida. A circunstância de, no segmento decisório não constarem tais normativos em nada inquina a decisão administrativa que os indica, os explicita e os integra com o comportamento das arguidas que considerou provado. E, sendo assim, não se verifica a invocada nulidade da decisão impugnada, improcedendo a alegação da arguidaS__, SA nesta parte. Inexistem outras nulidades ou questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da impugnação e de que cumpra oficiosamente conhecer. Questões a decidir As questões suscitadas nas conclusões dos recursos de impugnação (para além da já apreciada nulidade da decisão impugnada, suscitada pela arguidaS__, SA) consistem em determinar se: a prova produzida, na fase administrativa e em sede judicial, permite concluir, com segurança, que a arguida adoptou o comportamento considerado provado na decisão impugnada e que este comportamento configura a prática da infracção que ali lhe foi imputada; no caso de se concluir que a arguida praticou tal infracção, se a sanção aplicada se mostra proporcional à gravidade dos factos e à natureza da contra-ordenação imputada, bem como ao comportamento e à situação económica da arguida. Fundamentação de facto Factos provados Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa: 1. No dia 17 de agosto de 2014, cerca das 17:40 horas, na margem Norte do Rio Sado, a montante do Terminal Portuário da S__, Cais Líquidos - Setúbal, foi detetado um foco de poluição de cor escura, que se diluía nas águas do rio Sado. 2. A substância escorria até às águas do rio Sado, proveniente de um pipeline - instalação física fixa para transporte de líquidos. 3. O pipeline é uma infraestrutura com cerca de 2000 metros de comprimento, utilizada para a descarga de ácido sulfúrico de navios tanques, do Terminal Portuário da S__ - Cais de Líquidos, para tanques de armazenamento daS__ e S__ Química, no interior das instalações do Parque Industrial S__ Bay. 4. A infraestrutura é de utilização partilhada pela S__, S.A e pela S__ Química, S.A.. 5. A substância derramada tratava-se de ácido sulfúrico, tendo escorrido e alcançado as águas do rio Sado, uma quantidade não apurada. 6. O derrame de ácido sulfúrico foi combatido e controlado, por funcionários da empresaS__, com recurso à utilização de produtos neutralizantes - cal hidratada e fosforite. 7. Na data da ocorrência não se encontrava qualquer navio a efetuar descarga. 8. O navio tanque "SICHEM AMETHYST" foi o último a utilizar as instalações e proceder à descarga de ácido sulfúrico, no dia 12.08.2014, para a empresa ADP - Fertilizantes, S.A. que pertence à empresaS__. 9. A ruptura do segmento de encanamento situa-se num troço horizontal, sob a estrada de alcatrão, no interior das instalações do Parque Industrial S__ Bay, dentro de uma vala subterrânea que aloja a rede de trasfega de encanamentos de ácido sulfúrico e de soda cáustica da instalação industrial. 10. A vala subterrânea é construída em forma de "U", onde o topo superior é fechado pela estrada de alcatrão e a parte-inferior por uma laje em cimento. 11. A vala subterrânea apresentava terra arrastada pela chuva, constituindo uma base com cerca de 500 milímetros de altura até cerca de metade do diâmetro dos encanamentos. 12. O derrame escorreu pela zona inferior da vala, não existindo permeabilidade do terreno ao ácido sulfúrico, provocando um derrame com fluidez apropriada até chegar à linha de água na margem do rio Sado, através da caleira de retenção dos encanamentos da instalação industrial. 13. AS__ tem um plano bianual de procedimento de manutenção de linhas de trasfega, procedendo à análise de espessura por amostragem nos diversos segmentos da rede de encanamentos de trasfega de ácido sulfúrico e soda cáustica. 14. A última análise realizada à rede de encanamentos de ácido sulfúrico, foi realizada em 25.09.2012, não existindo qualquer referência à espessura medida por ultrassons no segmento de encanamento de trasfega de ácido sulfúrico em que ocorreu a rutura, devido ao facto de este ser subterrâneo inibindo qualquer ação de medição. 15. O segmento de encanamento situado por baixo da estrada de alcatrão foi isolado através do corte transversal do encanamento e tamponado nos extremos, para proceder a prova hidráulica, constatando-se que a uma pressão de 0.5 bar existia uma fuga a meio do segmento horizontal, na zona inferior do encanamento. 16. Verificou-se um avançado estado de corrosão do segmento do encanamento subterrâneo em que ocorreu a ruptura, numa extensão de cerca de 4 metros, particularmente nas zonas laterais. 17. As empresas, S__ Química eS__, procederam a alterações da estrutura através da construção de passagem aérea, substituindo o troço enterrado. 18. Na data dos factos relatados no auto de notícia apenas estariam na tubagem vestígios de produto, em quantidade reduzida. 19. Após a realização das descargas, as tubagens foram esvaziadas através de recurso a ar comprimido e azoto comprimido, a uma pressão de cerca de 7 bar, pela empresa S__ Terminais Portuários, SA. 20. O ácido sulfúrico é uma combinação química de enxofre, oxigénio e hidrogénio (fórmula H2S04), sendo viscoso e incolor, inodoro e extremamente solúvel na água. 21. O ácido sulfúrico tem uma densidade maior do que a água, onde se afunda e dilui. 22. As tubagens onde ocorreu uma ruptura são pertença comum das arguidas S__ Química, SA e daS__ e de utilização partilhada entre ambas, sendo a respectiva gestão operacional assegurada pelaS__ assumindo ambas as empresas os custos de manutenção e operacionalidade das tubagens, na proporção das quantidades de produto que cada uma ali faz passar, aquando das descargas dos navios para os seus respectivos tanques de recepção. 23. A tubagem em causa é utilizada unicamente para a descarga de ácido sulfúrico de navios para os tanques daS__ e da S__ Química. 24. AS__ só importa ácido sulfúrico com uma concentração igual ou superior a 98%. 25. A tubagem é construída em aço carbono. 26. Uma parte da conduta estava sob a estrada, coberta por betão armado e alcatrão, instalada numa caleira técnica. 27. A escorrência verificada de derrame de ácido sulfúrico para uma caleira técnica de retenção ocorreu numa zona, por baixo da estrada alcatroada. 28. Na data da ocorrência, não se encontrava qualquer navio a efectuar descarga do produto. 29. Imediatamente após ter sido assinalada a escorrência, foram organizados pelaS__ os meios de contenção e resolução, tendo a ocorrência sido prontamente debelada e resolvida, sendo, para tanto, utilizados produtos neutralizantes (cal e fosforite) na escorrência e na caleira para conter e recolher o líquido, tendo ficado toda a zona limpa. 30. AS__ tem um plano bianual de verificação de espessuras das tubagens, o que é feito por ultrassons. 31. À data dos factos, a última verificação inspectiva realizada tinha ocorrido em Novembro de 2012, efectuada pela empresa RINAVE, que elaborou o relatório junto a fls. 86/89, que se dá por reproduzido. 32. A referida periodicidade é adequada para a avaliação das espessuras em calha técnica, que tem como base a medição de espessuras antes e depois. 33. A corrosão na zona subterrânea é, por regra, inferior à das zonas expostas às intempéries. 34. AS__ não procedeu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, relativamente a uma infraestrutura com mais de quatro décadas de funcionamento, a operar com substância altamente corrosiva, com segmentos de tubagem/encanamentos soterrados que não podiam ser sujeitos a inspeções técnicas, com o intuito de avaliarem o seu real e verdadeiro estado de funcionamento e conservação, para que as condições de segurança fossem salvaguardadas. 35. As arguidas não têm registada a prática de qualquer contraordenação. Da prova produzida não resultaram provados quaisquer outros factos com pertinência para a decisão e, designadamente, que: A S__ Química, SA não procedeu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz. Da falta de limpeza ou do próprio método utilizado para esta nunca resultaria na rutura de um segmento da tubagem/encanamento de trasfega. O ácido sulfúrico na concentração igual ou superior a 98% não é susceptível de corroer a tubagem onde se verificou a ruptura. Não era previsível a entrada de água e lamas, que pudessem corroer a conduta, na caleira técnica em que se encontrava a tubagem em que se verificou a ruptura. A escorrência ficou confinada na zona do Parque Industrial da S__. *** Motivação O Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida e examinada no âmbito da audiência de julgamento, apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (artigo 127° do Código de Processo Penal, aplicável por remissão do artigo 41.°, n.° 1, do DL n.° 433/82, de 27.10, na sua actual redacção - doravante RJCO). Os factos que se julgaram provados, em relação ao concreto comportamento da arguida que aqui se aprecia, resultam da apreciação, crítica e conjunta, dos documentos juntos a fls. 3/4 (fotografias juntas com o auto de notícia, que comprovam a origem e o trajecto da escorrência detectada, que terminava no rio Sado), 13/15 (reportagem fotográfica realizada no dia 12.09.2014 ao local em que se encontravam as tubagens em que se verificou a ruptura), 26/35 (relatório de ensaio de ultrassons, realizado pela empresa Rinave à infraestrutura utilizada pelas arguidas para a transfega de ácido sulfúrico que aqui está em causa, que comprova a data em que foi realizada e as respectivas conclusões, dele se retirando ainda a impossibilidade de monitorização do segmento em que se verificou a ruptura, que se encontrava soterrado em local inacessível), 44/45 (informação de serviço administrativo portuário, donde decorre que, em 12.08.2019, o navio tanque “SICHEM AMETHYST”, que pertence à arguidaS__, utilizou as infraestruturas em que se registou a ruptura e procedeu à descarga de ácido sulfúrico), 48 (auto de apreensão do segmento de tubagem em que se verificou a ruptura), 50/54 (conjunto de fotografias do local em que se encontrava o segmento de tubagem onde se verificou a ruptura e também deste segmento de tubagem), 55 (suporte de registo em vídeo que documenta uma prova hidráulica demonstrativa da ruptura verificada no segmento de canalização sujeita à referida prova), 75/89 (relatório elaborado pelo engenheiro João Beja, que integra o Departamento Marítimo do Centro da Autoridade Marítima Nacional, rectificado e esclarecido pelo seu autor em sede de audiência de julgamento, onde se aprecia a situação que aqui se aprecia e as suas causas, concluindo-se que, o derrame poderia ser evitado caso se garantisse a monotorização completa da rede de encanamentos, sem exceção dos segmentos situados na vala subterrânea, cumprida com a periocidade de monitorização de dois em dois anos e correcção imediata dos segmentos que apresentam valores de espessuras inferiores a 4 mm, com a manutenção da vala subterrânea isenta de resíduos de terra arrastada pelas águas da chuva - por forma a garantir a inibição de contacto físico do encanamento de ácido sulfúrico com a mistura de terra humedecida ou até mesmo saturada com água da chuva - e ainda com a existência de uma caleira de retenção de fluídos no percurso da rede de encanamentos), 107/110 (certidão permanente da matrícula e inscrições registadas referente à arguida S__ Química), 111/116 (mapa da plataforma logística em que se situa a rede de encanamento que registou a ruptura em apreço, bem como fotografias do concreto local em que se situava o segmento do encanamento danificado), 150/175, 183/204 (acordos escritos que comprovam serem as tubagens onde ocorreu a ruptura pertença comum das arguidas S__ Química, SA e daS__ e de utilização partilhada entre ambas, sendo a respectiva gestão operacional assegurada pelaS__ e assumindo ambas as empresas os custos de manutenção e operacionalidade das tubagens, na proporção das quantidades de produto que cada uma ali faz passar, aquando das descargas dos navios para os seus respectivos tanques de recepção), 208/210 (informação prestada pelo Porto de Setúbal sobre os navios que estiveram atracados no Terminal da S__ - Granéis Líquidos, no período compreendido entre 4.08.2014 e 22.08.2014, comprovando que ali esteve navio tanque "SICHEM AMETHYST" entre os dias 12.08.2014 e 13.08.2014) e do auto de notícia junto a fls. 2 (rectificado, apenas quanto à data dos factos, e confirmado no demais pelo respectivo subscritor, Luís Tomé, em sede de audiência de julgamento, cujas declarações a este propósito foram secundadas por Tiago Antão, igualmente agente da Polícia Marítima, que acompanhava Luís Tomé na data dos factos sob apreciação) e dos depoimentos prestados por Cláudia Rosário (que nenhum conhecimento directo dos factos revelou possuir, embora, na qualidade de engenheira ambiental e conhecedora dos procedimentos de protecção ambiental adoptados pela empresa S__ - onde laborou entre 2002 e Agosto de 2019 -, emitiu opinião no sentido de considerar a empresa S__ cumpridora de todas as obrigações que sobre si impendem ao nível da segurança e da prevenção de acidentes ambientais), Jonates Marques (engenheiro mecânico a laborar naS__ desde o ano 2000, que, na sequência do alerta dos agentes da Polícia Marítima, deslocou-se para o local onde se verificava o vazamento de um líquido a partir de uma caleira técnica por onde apenas passam as tubagens de ácido sulfúrico e soda cáustica, suspeitando, de imediato, que o líquido seria ácido sulfúrico - até porque cerca de uma semana antes havia sido descarregada uma grande quantidade desta substância química que havia passado por aquelas tubagem que fez a ligação entre o navio e as instalações de armazenamento daS__ - e, por isso, desencadeando todas as medidas de contenção necessárias, fazendo colocar junto da caleira e em todo o percurso seguido pelo líquido dentro das instalações da S__ - Parques Industriais; mais confirmou a posterior verificação da referida caleira e da tubagem que se encontrava e das condições encontradas, nos termos igualmente relatados, por escrito e verbalmente, por João Beja e considerados provados; deu finalmente nota das inspecções bianuais que aS__ realizava, através de empresa externa e independente, à tubagem e que nunca detectaram qualquer problema e das alterações à tubagem, que agora estaria toda à superfície, permitindo a sua completa monitorização), Nelson Geada e José Luís (ambos engenheiros, há longos anos ao serviço daS__, que deram nota da actuação desta empresa na contenção do vazamento, mais sustentando que não era expectável a perfuração da tubagem no local onde ocorreu, supostamente protegida da erosão sempre provocada pelos elementos atmosféricos, não obstante a tubagem ali se encontrar há mais de quarenta anos; mais referiram estas testemunhas que aS__ realiza, através de empresa externa e independente, inspecções bianuais à tubagem e o problema surgido nunca foi detectado - pese embora reconhecessem que o troço em que ocorreu a perfuração não era inspecionado por se encontrar inacessível, mas que os troços imediatamente adjacentes eram inspecionados e nenhum problema apresentavam -, referindo-se ainda às alterações à tubagem, realizadas na sequência do incidente, encontrando-se agora toda a tubagem à superfície, permitindo a sua completa monitorização; por fim aludiram ainda às propriedades químicas do ácido sulfúrico. A apreciação crítica e conjunta destes meios de prova consolidou a convicção do Tribunal sobre a verificação dos factos que se consideraram provados. Em particular quanto à natureza do líquido vazado, pese embora não tenha sido objecto de exame pericial, nenhuma dúvida existe que se tratava de ácido sulfúrico, considerando a proveniência de tal líquido - de uma caleira onde existia tubagem perfurada onde apenas passava ácido sulfúrico como afirmaram as testemunhas que laboram naS__ -, a circunstância de dias antes ter sido descarregada uma grande quantidade desta substância química que passou pela tubagem que mais tarde se descobriu encontrar-se perfurada - desconhecendo-se se tal sucedeu antes, contemporaneamente ou depois da descarga -, por ali se debitando trezentas toneladas por hora de tal substância, e pelas próprias características do líquido, relatadas pelos agentes da Polícia Marítima e por Jonates Marques (o qual, sublinhe-se, nenhuma hesitação demonstrou na adopção das medidas de contenção do vazamento próprias de uma situação que envolvia ácido sulfúrico), escuro no carreiro que seguia (certamente devido à reacção com os elementos pelos quais deslizava ou adoptando parecendo ter a cor destes em virtude de ser incolor) e incolor na sua chegada às águas do Rio Sado em que se dissolvia. Os factos julgados provados e referentes essencialmente ao conhecimento da arguidaS__ sobre a proibição do seu comportamento e a forma censurável como o adoptou, sustentam-se na apreciação, crítica e conjunta, da sua comprovada conduta, na medida em que, de acordo com as mais elementares regras de experiência comum, não poderia esta arguida (até pela actividade que exerce, conhecedora que é da perigosidade das matérias primas com que lida, mormente o ácido sulfúrico, que determinam, entre o mais, a cautelas acrescidas ao nível das infraestruturas por onde circulam) deixar de conhecer a proibição do seu comportamento negligente, ao não proceder com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, relativamente a uma infraestrutura, cuja manutenção e monitorização era da sua responsabilidade, com mais de quatro décadas de funcionamento, a operar com substância altamente corrosiva, com segmentos de tubagem/encanamentos soterrados que não podiam ser sujeitos a inspeções técnicas, destinadas a avaliar o seu real e verdadeiro estado de funcionamento e conservação, para que as condições de segurança fossem salvaguardadas. E tanto assim é que a arguidaS__, após o incidente que aqui se aprecia, alterou o curso da tubagem, que se apresenta agora monitorizável em toda a sua extensão e a todo o tempo. Atendeu-se igualmente ao documento junto a fls. 344 (que comprova a ausência de antecedentes contra-ordenacionais por parte das arguidas). Os factos não provados assim foram considerados por não terem sido comprovados pelos meios de prova produzidos, mormente quanto à existência de qualquer obrigação da Ré S__ Químicos na manutenção e monitorização das tubagens em que se verificou o vazamento. Fundamentação de direito. O regime das contra-ordenações no âmbito da poluição do meio marinho nos espaços marítimos sob jurisdição nacional consta do DL n.° 235/2000, de 26.09. O meio marinho corresponde ao conjunto dos espaços marítimos sob jurisdição nacional, definido como o conjunto das águas marítimas, compreendendo as águas do mar e as águas navegáveis sujeitas à influência das marés especialmente consagradas no direito internacional sobre as quais o Estado Português exerce poderes soberanos, de mera fruição ou de outra índole (artigo 2.°, als. b) e a) do referido diploma). Nos termos do DL n.° 235/2000, o agente poluidor é a pessoa, singular ou colectiva, responsável pela poluição, que seja proprietária de instalação situada na área referida na alínea b) do artigo 2.°, do navio ou responsável a qualquer outro título, designadamente o armador, o gestor de navios ou o afretador a casco nu ao qual o proprietário confiou a respectiva exploração. E os produtos poluentes são todos os produtos referidos no apêndice I do anexo I, no apêndice II dos anexos II e V da Convenção MARPOL e todos os produtos que, embora não façam parte da lista de produtos do apêndice II e do anexo II, sejam objecto de avaliação em conformidade com o ponto 4 da regra 3 do referido anexo, bem como a lista das substâncias perigosas referidas na Directiva n.° 76/464/CEE, os detritos previstos nos anexos I e II da LDC , no anexo I da Convenção de Oslo , o anexo A da Convenção de Paris e ainda os referidos nos anexos I e II da Convenção OSPAR . O DL n.° 235/2000 aplica-se aos factos praticados por agentes poluidores nos espaços marítimos sob jurisdição nacional independentemente da nacionalidade dos mesmos, sem prejuízo do disposto em tratado, convenção ou acordo internacionais que vinculem o Estado Português (artigo 3.°, n.° 1), como aos factos praticados por agentes poluidores que arvorem bandeira nacional, em áreas de alto mar não abrangidas pela jurisdição de qualquer Estado (artigo 3.°, n.° 2). O regime do DL n.° 235/2000 deve ser analisado à luz da disciplina decorrente da Lei n.° 50/2006, de 29.08, que aprovou a lei-quadro das contra-ordenações ambientais (doravante designada por LQCA), que complementa directamente o primeiro em todos os aspectos que aquele não regulamente (artigo 76.° da LQCA). Subsidiariamente, será aplicável o RGCOC (artigos 22.° do DL n.° 235/2000 e 2.° da LQCA) Saliente-se também que a não aplicação aos processos de contra-ordenação instaurados e decididos nos termos da Lei n.° 50/2006 da proibição da reformatio in pejus (art. 75.° da LQCA) refere-se apenas à coima e sanções acessórias. Ora, de acordo com o DL n.° 235/2000, constitui contra-ordenação de poluição do meio marinho toda a descarga ou derrame de produto poluente susceptível de provocar alterações às características naturais do meio marinho, bem como toda a operação de imersão não autorizada (artigo 4.°, n.° 1). Constitui, igualmente, contra-ordenação de poluição do meio marinho qualquer prática que introduza ou deposite no meio marinho, directa ou indirectamente, substância, organismo ou energia que contribua para a degradação do ambiente e que possa fazer perigar ou danificar bens jurídicos, designadamente: que produza danos nos recursos vivos e no sistema ecológico marinho; ou que cause prejuízo às outras actividades que, nos termos da lei, se desenvolvam no meio marinho (artigo 4.°, n.° 2). Como se refere no preâmbulo do mesmo diploma legal, “(...) é entendimento dos modernos ordenamentos jurídicos (...) que os novos conceitos de protecção e preservação do meio marinho e do combate à poluição naquele meio devem radicar numa proibição genérica de toda a actividade humana que nele introduza qualquer substância, organismo ou energia, desde que provoque efeitos susceptíveis de fazer perigar a saúde humana, os ecossistemas e os recursos vivos, bem como prejudicar as demais legítimas utilizações do mar (...)”. Finalmente, e no que para o caso concreto releva, a negligência e a tentativa são sempre puníveis (artigo 5.°). No caso concreto e em face da factualidade apurada, não restam dúvidas de que a arguidaS__ é um agente poluidor na acepção do artigo 2.°, al. i), do DL n.° 235/2000, dado que detentora/possuidora de instalações e infraestruturas (sendo responsável pela respectiva manutenção e bom funcionamento) situadas num espaço marítimo sob jurisdição nacional. Já a arguida Sopec não se qualifica como tal, atendendo ao simples facto de que a responsabilidade pela manutenção e bom funcionamento infraestrutura de onde proveio o derrame de ácido sulfúrico que viria a poluir o Rio Sado não lhe está confiada e, embora partilhe a sua utilização, tal não sucedeu na situação dos autos, considerando que a utilização que deu origem ao derrame (transfega ocorrida poucos dias antes) foi feita pela arguidaS__. Daqui resulta a procedência do recurso da recorrente S__, com a consequente revogação da decisão impugnada na parte em que procedeu à condenação desta arguida. Prosseguindo, constata-se que os factos provados evidenciam a ocorrência de um derrame de produto poluente, na acepção do artigo 2.°, al. h), do DL n.° 235/2000 susceptível de causar alterações às características naturais do meio marinho, atenta a natureza do líquido que escorreu para o rio Tejo. A previsão legal da punição por negligência da contra-ordenação de poluição do meio marinho resulta das previsões expressas constantes dos artigos 8.°, n.° 1, do RGCO e 5.° do DL n.° 235/2000. A negligência traduz-se na violação de um dever objectivo de cuidado, na omissão de uma precaução reclamada pela prudência, cuja observância teria evitado o facto correspondente ao tipo de contra-ordenação. Para existir negligência é necessário que se esteja perante uma situação em que é objectivamente previsível o perigo de uma determinada acção ou omissão, apta a criar no agente um determinado dever de agir ou de se abster. Por outro lado, a negligência pressupõe igualmente a inobservância do cuidado adequado a impedir a ocorrência do resultado típico. Para se apurar se determinada conduta pode ou não ser imputada ao agente como violadora do dever de cuidado a que está obrigado e em virtude da qual se produziu o resultado, importará aquilatar, à luz dos factos apurados, se a conduta concreta do autor fez aumentar a probabilidade de produção do resultado em comparação com o risco permitido e, se assim for (por descuido, displicência ou excesso de confiança levianamente optimista, no sentido de que aquele evento não se iria produzir), existe uma violação do dever relevante e susceptível de integrar o tipo de culpa - no plano da negligência - da norma sancionatória que estiver em causa. No polo inverso, não poderá qualificar-se como negligente a conduta que se contém nos limites do risco permitido. No caso em apreço, provou-se a ocorrência um derrame de produto poluente susceptível de causar alterações às características naturais do meio marinho. E provou-se igualmente que aS__ não procedeu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, relativamente a uma infraestrutura com mais de quatro décadas de funcionamento, a operar com substância altamente corrosiva, com segmentos de tubagem/encanamentos soterrados que não podiam ser sujeitos a inspeções técnicas, com o intuito de avaliarem o seu real e verdadeiro estado de funcionamento e conservação, para que as condições de segurança fossem salvaguardadas. Em suma, a decisão de condenação da arguidaS__ pela autoridade administrativa mostra-se isenta de reparo no tocante à constatação e qualificação do comportamento infractor desta arguida. Determinação da sanção concreta A contra-ordenação que a arguida praticou é punida com coima a graduar entre de € 49.879,89 (quarenta e nove mil e oitocentos e setenta e nove euros e oitenta e nove euros) a € 2 493 985,49 (dois milhões e quatrocentos e noventa e três mil e novecentos e oitenta e cinco euros e quarenta e nove euros) - artigo 7.°, n.° 2, do DL n.° 235/2000. A autoridade administrativa entendeu justificada a atenuação especial da punição (consagrada no artigo 8.°, n.° 2, do RGCO, no artigo 18.°, n.° 3, do RGCO, e no artigo 72.° do Código Penal, aplicável por remissão do artigo 32.° do RGCO), reduzindo o limite mínimo da coima aplicável ao mínimo legal. Sendo assim, considerando também que a decisão recorrida apenas foi impugnada pelas arguidas, resta também aqui manter a decisão recorrida quanto à arguidaS__, em face do se dispõe no artigo 72.° A, n.°s 1 e 2, do RGCO. * Dispositivo. Por todo o exposto e de harmonia com os preceitos legais citados, julga-se: a. O recurso da recorrente S__ Química, SA totalmente procedente e, consequentemente, revoga-se a decisão impugnada na parte em que condenou esta arguida; e b. O recurso da recorrenteS__ - Sociedade Produtora de Adubos Compostos, SA totalmente improcedente e, em consequência, mantém-se integralmente a decisão recorrida no que a esta arguida respeita. Vejamos: * A recorrente invoca a nulidade da decisão do Tribunal a quo porquanto na mesma não se elencam os factos provados e não provados (conclusão 14) nem se realiza um exame crítico das provas, como o exige o n.º 2 do art.º 374.º do CPP. No entender do MP a decisão contém a indicação dos factos provados e a motivação da formação da convicção, não enfermando dos vícios que lhe são apontados. Analisada a decisão, que se transcreveu supra, impõe-se concluir desde já que a recorrente não tem razão. Atento o disposto no nº 1 do art. 75º do RGCO, os poderes de cognição deste tribunal abrangem apenas a matéria de direito pelo que quanto á apreciação da matéria de facto dá-se a mesma como fixada sem possibilidade de alteração ou apreciação. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.. No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, a questão submetida à nossa apreciação é a de apreciação de erro na apreciação da prova e insuficiência de prova para a matéria de facto provada. Ora como concluímos logo, está vedada a este tribunal essa apreciação. No entanto pode o tribunal nos termos do disposto no artº 410 o recurso pode ter como fundamento os pontos indicados desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida por si só ou, conjugada com as regras da experiência comum. O tribunal a quo, depois de apurar os factos e analisar a prova, fundamentou com clareza e assertividade a sua decisão. Entendeu e bem, que os factos vertidos na decisão administrativa estão demonstrados. Da factualidade vertida na decisão sob recurso resulta o preenchimento da contraordenação pela qual a recorrente foi condenada quer no que respeita ao elemento objetivo quer no que respeito ao elemento subjetivo. Na verdade é a própria recorrente que trás aos autos a sua falta de razão quando alega que tratou de resolver a questão procedendo a reparações rápidas e necessárias no caso concreto, estando á vista a atividade que explora. Não se vislumbra qualquer erro ou insuficiência na decisão objeto sob recurso. A decisão posta em causa não deve ser objeto de qualquer censura. O tribunal analisou a prova produzida, que considerou suficiente, para confirmar a decisão da autoridade administrativa e na verdade mostra-se suficiente O tribunal ouviu as testemunhas, e referenciou todos os elementos de prova utilizados, aplicando com isenção e correção o direito aos factos confirmando a sanção aplicada de forma fundamentada e clara. Uma contraordenação ambiental deve ser severamente punida tendo em conta as exigências de prevenção destas condutas que são elevadas. Bem andou o tribunal a quo até na forma como fundamentou a confirmação da sanção. A decisão de que se recorre e já recorreu, sendo este um tribunal que apenas aprecia de Direito, não é nula por não padecer de nenhum dos vícios consignados no artº 410 nº2 do C.P.Penal, bem como por se mostrarem cumpridos os deveres de enunciação e fundamentação previstos no artº 374do mesmo diploma, em conjugação com o artº 41 do RGCO. Só pode ser negado provimento ao recurso apresentado ao tribunal da Relação verificando-se que o mesmo é manifestamente improcedente. Assim sendo Julga-se o recurso manifestamente improcedente confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelo recorrente fixando a taxa de justiça em 5 Ucs. Lisboa, 8 de Julho 2020 Adelina Barradas de Oliveira Maria Margarida Almeida _______________________________________________________ [1] Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col Acs. do STJ, Ano VII, Tomo 1, pág. 247 o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág. 271); o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág. 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág. 263); SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES, in Recursos em Processo Penal, p. 48; SILVA, GERMANO MARQUES DA 2ª edição, 2000 Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 335; RODRIGUES, JOSÉ NARCISO DA CUNHA, (1988), p. 387 “Recursos”, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, p. 387 DOS REIS, ALBERTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. 362-363. |