Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23962/22.2T8LSB-B.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: INJUNÇÃO
PROCEDIMENTO EUROPEU
OPOSIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/06/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- Nos termos do disposto no artigo 550.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil, que é a lei do Estado-Membro requerido – Portugal – emprega-se o processo sumário nas execuções baseadas em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, bem como – alínea a) - se aplica o processo sumário em execução baseada em decisão judicial nos casos em que esta não deva ser executada no próprio processo.
II- A injunção a que se reporta a presente execução rege-se pelo Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/2006, que criou um procedimento europeu de injunção de pagamento.
III- Sendo incontestavelmente aplicável a lei portuguesa à execução da injunção de pagamento europeia em apreço, a apreciação dos concretos fundamentos de oposição à execução que respeitem à regularidade da emissão do título compete aos tribunais do Estado em que foi declarada executória a injunção de pagamento europeia, como decorre do disposto nos artigos 19.º e 21.º, n.º1, do Regulamento nº 1896/2006.
IV-Daí que, devendo a decisão proferida noutro Estado-Membro ser executada no Estado-Membro requerido em condições iguais às de uma decisão proferida nesse Estado-Membro, não há dúvidas que, ao abrigo do disposto naquele artigo 550.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil, deve ser empregue a forma de processo sumário.
V- O que o art.º 43.º, n.º 1, Reg. 1215/2012, impõe é que o devedor tenha conhecimento de que a sentença que contra ele foi proferida está em condições de ser executada em qualquer Estado-membro. A notificação do artigo 43.º não haverá de ser efectuada na execução. Trata-se de acto prévio à execução, com caráter informativo e que lhe permitirá, por exemplo, pedir a recusa de execução (artigo 46.º do Regulamento). Assim, nada impede que a execução dessa sentença em Portugal siga a forma sumária do processo para pagamento de quantia certa (cf. art.º 550.º, n.º 2, al. a), CPC) e que o executado só seja citado para a execução depois da penhora de bens (cf. art.º 856.º, n.º 1, CPC)
VI-A questão da notificação da certidão – ou a  falta dela- sendo questão anterior ao processo executivo e permite agilizar mecanismo como o  mencionado art.º 46 do Regulamento não interfere na forma de processo que deve ser a sumária e não a ordinária, tal questão pode ser lida no âmbito do processo nacional de execução como excepção dilatória inominada cuja alegação e prova, cabe à executada mas que interfere necessariamente na apreciação da oposição à penhora cujo afastamento foi prematuro na fase em que o foi ou seja na fase liminar (art.ºs 785/2 e 732), na medida em que não dispomos de elementos de prova suficientes para tanto.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
I- RELATÓRIO

APELANTE/EXECUTADO/EMBARGANTE: Atena T, S.A.
APELADA/EXEQUENTE/EMBARGADA: Ipm Group S.R.L. In Liquidazione
Valor da oposição à penhora e oposição à execução:  30.542,39€ (requerimento de oposição por referência ao valor da execução)
I.1. A exequente apresentou requerimento executivo contra a executada alegando o seguinte:
1- A exequente é uma sociedade italiana, tendo no decurso da sua atividade emitido as faturas n.º 20028045 (no valor de €11.000,00) e 200280072 (no valor de €2.858,84), devido a fornecimentos efetuados à empresa portuguesa ATENA T, S.A., aqui executada.
2- Face ao não pagamento das referidas faturas, a exequente iniciou procedimento de injunção europeia contra a executada no Tribunal de Nápoles, Itália em 21.03.2018.
3- A aqui executada foi devidamente citada para o procedimento de injunção, tendo deduzido oposição, a qual foi posteriormente declarada como não admissível por sentença de 13.07.2021 que confirmou a ordem de pagamento europeia.
4- Esta sentença transitou em julgado na data de 07.03.2022 e constitui título executivo, conforme Documento. n.º 1 que constitui certidão judicial emitida pelo tribunal de Nápoles, integralmente traduzida para língua portuguesa e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, contendo os seguintes elementos:
a) requerimento de injunção de pagamento europeia (pág. 1 com tradução na pág. 28); b) injunção de pagamento europeia (pág. 15 com tradução na pág. 40);
c) certidão de decisão em matéria civil e comercial (pág. 24 com tradução na pág. 48).
5 - A referida decisão judicial determinou o pagamento pela aqui executada dos seguintes valores:
– €13.858,94 (treze mil, oitocentos e cinquenta e oito euros e noventa e quatro cêntimos) relativos às faturas em causa, montante ao qual acrescem os juros legais comerciais até integral pagamento;
– €95,06 (noventa e cinco euros e seis cêntimos) relativamente a despesas correntes da oposição (pág. 21, com tradução na pág. 46 do pdf), montante ao qual acrescem os juros legais civis até integral pagamento;
– €3.235,00 (três mil, duzentos e trinta e cinco euros) relativos a honorários do mandatário (pág. 21, com tradução na pág. 46 do pdf), montante ao qual acrescem os juros legais civis até integral pagamento;
– €685,50 (seiscentos e oitenta e cinco euros e cinquenta cêntimos) relativamente a despesas do procedimento de cobrança de dívida (pág. 21, com tradução na pág. 46 do pdf), montante ao qual acrescem os juros legais civis até integral pagamento.
6 - Consta da referida sentença que “…a oposição apresentada é inadmissível e infundada, e consequentemente a injunção de pagamento europeia deve ser confirmada e declarada definitivamente executória.” (pág. 21, com tradução na pág. 46 do pdf).
7 - Nos termos do art.º 18.º, n.º 2 do Regulamento Europeu n.º 1896/2006, “… os requisitos formais de executoriedade regem-se pela lei do Estado-Membro de origem…”, mais se definindo como Estado-Membro de origem, no art.º 5.º, n.º 1 que “…Estado-Membro de origem», o
Estado-Membro no qual é emitida uma injunção de pagamento europeia…”.
8 - Neste caso o Estado-Membro de origem é a Itália, tendo sido proferida decisão transitada em julgada neste país que declarou a executoriedade da injunção europeia em apreço.
9 - Acresce que o art.º 37.º do Regulamento Europeu n.º 1215/2012 estabelece que quem pretenda invocar num Estado-Membro decisão proferida noutro Estado-Membro deve apresentar certidão nos termos do art.º 53.º, a qual consta do Documento n.º 1 aqui junto (pág. 54 a 57, com tradução nas pág. 48 a 51).
10 - E o art.º 39.º do Regulamento Europeu n.º 1215/2012 prescreve que “Uma decisão proferida num Estado-Membro que aí tenha força executória pode ser executada noutro Estado-Membro sem que seja necessária qualquer declaração de executoriedade.”.
11 - Neste sentido, a certidão é suficiente para prosseguir com a ação de execução tendo em conta que é a lei italiana que regula os requisitos formais de executoriedade, segundo o nº 2 do referido artigo 18º.
12 - Requer-se, em suma, a cobrança coerciva dos seguintes valores:
a) €13.858,84 (treze mil, oitocentos e cinquenta e oito euros e oitenta e quatro cêntimos), relativos ao valor de capital das faturas em causa na injunção;
b) €12.572,05 (doze mil, quinhentos e setenta e dois euros e cinco cêntimos), relativos aos juros legais à taxa comercial vencidos desde a data de 01.05.2010 (data indicada no ponto 4.6.1.5.2.1 da certidão, pág. 56 com tradução na pág. 50) até 11.10.2022;
c) juros vincendos à taxa legal comercial até integral pagamento do capital das faturas;
d) €701,88 valor total que incluiu os €685,50 (seiscentos e oitenta e cinco euros e cinquenta cêntimos) relativos às despesas do procedimento de cobrança de dívida no Tribunal de Nápoles e juros legais, à taxa civil, contados desde o trânsito em julgado da decisão judicial em 07.03.2022 até 11.10.2022 no valor de €16,38;
e) €97,33 valor total que incluiu os €95,06 (noventa e cinco euros e seis cêntimos) relativos a despesas correntes da ação junto do Tribunal de Nápoles e juros legais, à taxa civil, contados desde o trânsito em julgado da decisão judicial em 07.03.2022 até 11.10.2022 no valor de €2,27;
f) €3.312,29 valor total que incluiu os €3.235,00 (três mil, duzentos e trinta e cinco euros) relativos a honorários do mandatário na ação que correu termos no Tribunal de Nápoles e juros legais, à taxa civil, contados desde o trânsito em julgado da decisão judicial em 07.03.2022 até 11.10.2022 no valor de €77,29;
g) custas judiciais desta execução e custas de parte da mesma.
13 - A obrigação é certa, líquida e exigível, cumprindo todos os requisitos da obrigação exequenda, nos termos da legislação europeia aplicável e do CPC, devendo por isso prosseguir os normais trâmites legais para obtenção efetiva do pagamento.
Juntou para além da procuração o seguinte elemento: a) Doc. n.º 1 com a certidão do procedimento de injunção europeia traduzida para a língua portuguesa;
I.2 Citada a executada a mesma veio opor-se à penhora e à execução alegando, em síntese: no dia 6 de dezembro de2022, a Executada, ora Opoente, recepcionou ‘Citação após Penhora’ no âmbito de Execução apresentada sob a forma de Execução Sumária Perscrutando o conteúdo da mesma, era a Atena T notificada da presente Execução, bem como da penhora – já efetuada – dos seus saldos bancários, no valor de 17.769,45€. A presente Execução tem como título executivo uma Injunção Europeia, pelo que se rege pelo disposto no Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012 (relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial), na sua versão atualizada, além das regras previstas no Código de Processo Civil. Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º do referido Regulamento que “Se for requerida a execução de uma decisão proferida noutro Estado-Membro, a certidão emitida nos termos do artigo 53.º [certidão de decisão em matéria civil e comercial, segundo o formulário constante do Anexo I do Regulamento] é notificada à pessoa contra a qual a execução é requerida antes da primeira medida de execução.” (destaques nossos), a mencionada certidão (e que consta em anexo ao Requerimento Executivo, embora apenas na versão em língua italiana), deveria ter sido notificada à Executada antes da realização de qualquer medida de execução. Tal entendimento é, aliás, confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 22 de junho de 2021 (Proc. n.º 878/17.9T8VNF-D.G1.S1), disponível para consulta em www.dgsi.pt, no qual esclareceu que, segundo o «Regulamento 1215/2012, podia a exequente requerer, como fez, a imediata execução da sentença proferida na Bélgica (limitando-se, como também fez, a juntar a certidão emitida nos termos do art.º 53.º de tal Regulamento e a requerer que a mesma fosse “notificada à pessoa contra a qual a execução é requerida antes da primeira medida de execução”, conforme o disposto no art.º 43.º/1 de tal Regulamento 1215/2012)» (destaque nosso), não podia a Exequente ter recorrido à forma de processo da Execução Sumária, uma vez que a mesma não se compadece com o procedimento exigido para o título que se pretende vir executar, se tinha a Exequente de notificar a Executada/Opoente da Certidão de Decisão antes da primeira medida de Execução, não podia recorrer a uma forma de processo que promove penhoras antes da citação e comunicação da Certidão (e demais documentação) ao Executado, houve erro na forma de processo eleita pela Executada para a presente Execução, o que implica a aplicação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 193.º do Código de Processo Civil. Nesses termos, a penhora realizada aos saldos bancários da Executada foi ilegal, violando o disposto no artigo 43.º do Regulamento n.º 1215/2012, devendo a mesma ser levantada imediatamente e restituídos esses montantes à Executada, por essa razão, mas também por não poderem ser aproveitados quaisquer atos desde a apresentação do Requerimento Executivo (ao abrigo do disposto no artigo 193.º do CPC), considerando que a realização da penhora antes da citação da Executada (com notificação da certidão prevista no artigo53.ºdaqueleRegulamento) diminui as suas garantias. Pelo exposto, deverão ser anulados todos os atos praticados posteriormente à apresentação do Requerimento Executivo, sendo adotada a tramitação correspondente à forma de processo da Execução Ordinária e:
a. Ser o processo submetido a despacho liminar ao abrigo do disposto no artigo 726.º do CPC; e
b. Caso se entenda que o processo deve prosseguir, ser ordenada a junção aos autos da Certidão da Decisão prevista no artigo 53.º do Regulamento n.º 1215/2012, traduzida para a Língua Portuguesa, conforme exigem os artigos 133.º, n.º 1 e 134.º, n.º 1 do CPC, bem como o n.º 2 do artigo 43.º e o artigo 57.º do referido Regulamento; bem como c. ser a Executada citada previamente à realização de qualquer medida de execução. De resto, no que se refere aos juros de mora calculados sobre o montante em dívida (à taxa comercial), dir-se-á desde já que o cálculo dos mesmos, tomando como referência as datas indicadas na Injunção, não resulta no valor de 12.572,05€ mas sim no valor de 12.137,76€, relativamente aos juros de mora (juros civis) calculados sobre as despesas referidas nas alíneas d) a f) do ponto 12 do Requerimento Executivo, tais quantias não são exigíveis, já que não resulta do título executivo qualquer condenação ao pagamento de juros civis pela mora no pagamento dessas despesas, estando a Execução limitada pelo título executivo, nem a Exequente alguma vez interpelou a Executada para o pagamento de tais despesas, como lhe exigia que o fizesse o regime legal aplicável (cfr. referido Regulamento) a Exequente se encontra Insolvente há – pelo menos – 12 anos. Quando as faturas foram emitidas, a Exequente já se encontrava em liquidação, antes de ter caído em situação de insolvência, a Executada enviou à Exequente várias dezenas de placas de circuitos telefónicos (de telefones da marca Trilogy) para reparação pela Exequente, reparação essa que seria paga uma vez que as placas telefónicas fossem devolvidas reparadas, a Exequente nunca reparou as ditas placas nem as devolveu, não sabendo a Executada do seu paradeiro, apesar das mesmas terem um valor de mercado de 400,00€ cada uma (quando novas) e de 200,00€ cada uma (em segunda mão) Finalmente, importa referir que existe já outra Ação de Execução a correr entre as mesmas partes e relativamente às mesmas faturas que são indicadas na presente execução. Tal ação terá sido apresentada em agosto de 2018 e mantém-se ativa (sob o Processo n.º …/… e que corre os seus termos no Juízo de Execução de Lisboa, Juiz 1), o que configura uma repetição de causas, com as suas próprias consequências nos termos da Lei. A realização da penhora antes da citação da Executada (com notificação da certidão prevista no artigo 53.º daquele Regulamento) diminui as suas garantias, pelo que, nos termos do disposto no artigo 193.º do CPC, em decorrência da aplicação da forma de processo errada à presente Execução, deve ser anulado esse ato e ordenado o levantamento imediato e a restituição desses montantes à Executada. Termina pedindo:
a) A anulação de todos os atos produzidos nos autos após a apresentação do Requerimento Executivo e ordenado o levantamento imediato da penhora realizada aos saldos bancários da Executada, com a devolução dessas quantias à Executada/Opoente;
b) Ser o processo submetido a despacho liminar, ao abrigo do disposto no artigo 726.º do CPC, seguindo a tramitação da Execução Ordinária;
c) Caso se entenda que o processo deve prosseguir, ser ordenada a junção aos autos da Certidão da Decisão prevista no artigo 53.º do Regulamento n.º 1215/2012, traduzida para a Língua Portuguesa; e ser a Executada notificada previamente à realização de qualquer medida de execução, para tomar conhecimento da Certidão do artigo 53.º, tal como exigido por esse Regulamento Europeu.
I.3. Inconformada com a decisão de 18/1/2023 que entre o mais decidiu “...sendo o título executivo europeu uma injunção, tendo presente o disposto no artigo 550/2, alínea b), a forma do processo executivo a empregar é a sumária e não a ordinária estes autos seguem correctamente a forma de processo sumário, razão pela qual só após a realização da penhora é o executado citado para os termos da execução. Assim sendo, por falta de qualquer dos fundamentos a que aludem as diversas alíneas do nº 1 do art.º 784º, do Cód. Proc. Civil, indefere-se liminarmente o incidente de oposição à penhora deduzido...”, dela apelou o executado em cujas alegações conclui em suma:
a) O presente recurso visa a revogação do despacho de 18/1/2023 no segmento que entendeu rejeitar liminarmente a oposição à penhora, designadamente por ter improcedido o argumento relativo ao erro na forma do processo, não se tendo pronunciado sobre a questão do erro na forma de processo por via do disposto no art.º 43 do Regulamento 1215/2012, da U.E., não tendo o Tribunal tomado em consideração este aspecto, não apresentando qualquer fundamentação para uma eventual afastamento das questões levantadas na oposição o que determina a nulidade da decisão por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação. (Conclusões 1 a 5]
b) O Tribunal desconsiderou o disposto no art.º 43 do referido Regulamento que exige a notificação ao executado da certidão emitida nos termos do art.º 53 do mesmo Regulamento, o que obrigava à citação prévia do Executado o que significa o erro na forma de processo, por isso não podia ter aplicado o disposto no art.º 550/2/b do CPC por haver um regime próprio havendo assim na decisão recorrida violação do primado do Direito da União Europeia que dita a aplicação do disposto no art.º 43 do Regulamento que prevalece sobre o mencionado art.º 550/2, donde o erro na forma de processo o que implica a anulação do todos os actos processuais aplicados e o levantamento da penhora entretanto realizada por força do disposto no art.º 193, devendo esta questão, pelo menos ser incluída como questão a decidir no âmbito da Oposição à execução ou caso assim se não entenda deve ser incluída como uma das questões a considerar no âmbito do julgamento da Oposição à Execução o que o Tribunal não fez. [Conclusões 6 a 16]
I.2. Em contra-alegações conclui em suma a ré:
1.O presente recurso visa a revogação do despacho de 18/1/2023 no segmente que entendeu rejeitar liminarmente a oposição à penhora designadamente por ter improcedido o argumento relativo ao erro na forma do processo, não há qualquer nulidade por omissão de conhecimento de questão suscitada que era a do erro na forma do processo e que o despacho recorrido afastou. [Conclusões a) a e]
2. O Regulamento europeu 1896/2006 que instituiu o  procedimento europeu de injunção do pagamento refere expressamente no art.º 21 que o processos de execução se reger  pela lei do Estado Membro da execução e é executada nas mesmas condições que uma decisão executória proferida no Estado-Membro da execução por isso enquadra-se no art.º 550/2/b a recorrente não invocou na sua oposição à penhora nenhum dos fundamentos consagrados no art.º 784, do CPC e 22 do Regulamento 1896/2006 e 45 do Regulamento 1215/2015, sendo que a notificação do art.º 43 é questão excluída nem constitui pressuposto de executoriedade, não é fundamento de recusa da executoriedade, não havendo na decisão recorrida violação do primado do Direito Europeu e do princípio do processo equitativo da CRP tendo sido observados os princípios da confiança mútua na administração da Justiça da União Europeia e do reconhecimento mútuo sem necessidade de procedimento, devendo manter-se a decisão sob recurso.[Conclusões f) a k]
I.3. Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso.
I.4. É a seguinte a questão a dirimir:
a) Saber se ocorre, na decisão recorrida, nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação.
b) Saber se ocorre na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação violação do primado do Direito da União Europeia que dita a aplicação do disposto no art.º 43 do Regulamento 1215/2012 que prevalece sobre o mencionado art.º 550/2, donde o erro na forma de processo que não pode ser a forma  de processos sumária o que implica a anulação do todos os actos processuais aplicados e o levantamento da penhora entretanto realizada por força do disposto no art.º 193, subsidiariamente se esta questão, deve pelo menos ser incluída como questão a decidir no âmbito da Oposição à execução ou caso assim se não entenda deve ser incluída como uma das questões a considerar no âmbito do julgamento da Oposição à Execução.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É do seguinte teor a sentença recorrida:
Os fundamentos da oposição à penhora encontram-se previstos no art.º 784, nº 1, do Cód. Proc. Civil.
Na al. a) do preceito acima referido, estão contemplados os casos de impenhorabilidade processual, quer absoluta (art.º 736º) quer relativa, esta apenas fora das hipóteses autorizadas (art.º 737º), bem como os casos de impenhorabilidade parcial (art.º 738º). Ainda esta alínea contempla a penhora de uma parte especificada de bens indivisos ou de bens compreendidos num património comum ou duma fracção de qualquer deles, em execução apenas movida contra algum ou alguns dos contitulares (art.º 743º), bem como, em caso de penhora de imóveis, a sua extensão a frutos expressamente excluídos ou sobre os quais exista algum privilégio (art.º 758º, nº 1).
A al. b), do preceito em análise contempla as situações de penhorabilidade subsidiária, tanto na vertente pessoal como na vertente real, tal como se encontram caracterizados no art.º 745º.
Finalmente, a al. c) alude a casos de impenhorabilidade, nos termos do direito substantivo, de determinados bens, por não responderem pela dívida exequenda. São exemplos a penhora de bens próprios de herdeiro que tenha sido habilitado ou demandado por dívida respeitante ao de cujus; penhora de bens que o mandatário tenha adquirido em execução do mandato e que devam ser entregues ao mandante (art.º 1184º do Cód. Civil); Penhora de bens sujeitos a fideicomisso, quando o fiduciário seja o executado (art.º 2292º do Cód. Civil). Posto isto, verifica-se que o executado no requerimento de oposição não alega nenhum dos fundamentos que justificam a oposição à penhora, e que acima foram referidos.
Na verdade, serve de base à presente execução um Título Executivo Europeu.
O Título Executivo Europeu constitui um instrumento criado pelo Regulamento (CE) 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de abril de 2004, ao abrigo do princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais ao nível europeu, integrado no plano assumido pela União Europeia de desenvolver um espaço de liberdade, de segurança e de justiça.
O Regulamento (CE) 805/2004 visa permitir a execução num Estado-Membro de uma decisão proferida, uma transacção judicial homologada ou celebrada perante um tribunal ou um instrumento autêntico redigido noutro Estado-Membro e que se refira a um crédito não contestado, sem necessidade de efectuar quaisquer procedimentos intermédios no Estado-Membro de execução previamente ao reconhecimento e à execução (art.º 1º).
Na posse de uma decisão, transacção judicial ou instrumento autêntico certificado como título executivo europeu, o requerente pode solicitar a respectiva execução no Estado Membro de execução sem necessidade de obter uma declaração de executoriedade no referido Estado-Membro. A decisão, transacção judicial ou instrumento autêntico certificado como título executivo europeu é tratado como se tivesse sido emitido no Estado-Membro de execução e deve ser executado da mesma forma que qualquer decisão, transacção judicial ou instrumento autêntico “nacional”. Conforme determina o art.º 20º/1 do citado Regulamento, os trâmites de execução são regidos pelo direito do Estado-Membro de execução.
Uma decisão certificada como Título Executivo Europeu será executada nas mesmas condições que uma decisão proferida no Estado-Membro de execução. Daqui decorre, face ao disposto no art.º 21º/2 do Regulamento, que a certificação como título executivo europeu não pode, em caso algum, ser revista quanto ao mérito no Estado-Membro de execução e não será exigida caução, garantia ou depósito, qualquer que seja a sua forma, ao requerente com base no facto de ser nacional de um país terceiro ou de não estar domiciliado ou não ser residente no Estado-Membro de execução.
Este regime assenta no princípio da confiança mútua na administração da justiça nos Estados-Membros, conforme consta do Considerando (18) do Regulamento.
Conjugando estes preceitos verifica-se que instaurada execução que tem como título executivo decisão certificada como Título Executivo mesmas condições que uma decisão proferida no Estado-Membro de execução.
No caso concreto a execução segue o regime previsto no Código de Processo Civil Português.
Assim, no que toca à forma do processo a empregar nos autos de execução, conforme decorre do artigo 20/1, § 2 do Regulamento 805/2004 "Uma decisão certificada como Título Executivo Europeu será executada nas mesmas condições que uma decisão proferida no Estado-Membro de execução.
Sendo o título executivo europeu uma injunção, tendo presente o disposto no artigo 550/2, alínea b), a forma do processo executivo a empregar é a sumária e não a ordinária.
Assim, estes autos seguem correctamente a forma de processo sumário, razão pela qual só após a realização da penhora é o executado citado para os termos da execução.
Assim sendo, por falta de qualquer dos fundamentos a que aludem as diversas alíneas do nº 1 do art.º 784º, do Cód. Proc. Civil, indefere-se liminarmente o incidente de oposição à penhora deduzido.
Custas pela executada/opoente – art.ºs 527º e 539º, nº 1, do CPC.”

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608, n.º 2, 635, n.º 4, 639, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
III.3. Saber se ocorre na decisão recorrida nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação.
III.3.1. No requerimento de interposição de recurso o recorrente identifica a decisão sob recurso e que é a decisão que indeferiu liminarmente a oposição à penhora, na qual entre o mais se diz: “... Assim, no que toca à forma do processo a empregar nos autos de execução, conforme decorre do artigo 20/1, § 2 do Regulamento 805/2004 "Uma decisão certificada como Título Executivo Europeu será executada nas mesmas condições que uma decisão proferida no Estado-Membro de execução. Sendo o título executivo europeu uma injunção, tendo presente o disposto no artigo 550/2, alínea b), a forma do processo executivo a empregar é a sumária e não a ordinária.
Assim, estes autos seguem correctamente a forma de processo sumário, razão pela qual só após a realização da penhora é o executado citado para os termos da execução...”. No requerimento de oposição à execução e epigrafado como tal sob II, a executada, em suma, alega que:
. A execução tem como título executivo uma injunção europeia que se rege pelo Regulamento 1215/2012 de 12/12 segundo cujo art.º 43/1 a certidão junta aos autos em língua italiana deveria ter sido notificada à executada antes da realização da medida de execução o que é confirmado pelo teor do Ac. STJ de 22/6/2021 e por isso a exequente não podia socorrer-se do processo de execução sumária uma vez que o mesmo se não compadece com o procedimento exigido para o título que se pretende executar que exige a notificação prévia a qualquer medida de execução e o processo sumario inicia-se com a penhora antes da citação.
. Houve assim erro na forma de processo com a consequência do art.º 193 seja a submissão a despacho liminar ao abrigo do disposto no art.º 726 ou caso se entenda que o processo pode prosseguir ser ordenada a junção da certidão de decisão prevista no art.º 53 do Regulamento traduzida para a língua portuguesa como o exigem os art.ºs 133/1 e 134/1, 43/2 e 57 do Regulamento.
. Os juros de mora estão incorrectamente calculados e quanto aos juros civis calculados sobre as despesas referidas em d) a f) do Ponto 12 do requerimento executivo tais quantias não são exigíveis por não resultarem do título, além de a exequente não ter interpelado a executada para o pagamento de tais despesas o que lhe era exigível ao abrigo do Regulamento.
. Ocorre repetição de causas na medida em que corre outra execução entre as mesmas partes e relativamente às mesmas facturas que foi apresentada em agosto de 2018 e se mantém activa sob o processo …/… que corre termos nos juízos de execução de Lisboa.
. Em razão do erro na forma de processo deve ser levantada a penhora.
III. 3.2. Entende a executada que o Tribunal não se pronunciou sobre o art.º 43 do Regulamento 1215/2012.
III. 3.3. Tem essa nulidade a ver com a violação do dever que ao juiz é imposto de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir o seu conhecimento oficioso (cfr. art.º 608, n.º 2 do CPC).
III. 3.3. Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos, que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de resolução do pleito as partes tenha deduzido ou o próprio juiz tenha inicialmente admitido (cfr. Alberto dos Reis, Código do Processo Civil Anotado, vol V, pág. 143, Lebre de Freitas, Código do Processo Civil Anotado, vol. II, Coimbra editora, 2001, pág. 646); em sentido contrário se pronunciou Anselmo de castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, pág. 142, para quem o conceito “questões” deve ser tomado em sentido amplo abrangendo tudo o que diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir, fundabilidade ou infundabilidade de umas e outras, às controvérsias que as partes sobre elas suscitem, a menos que o exame de uma só parte imponha necessariamente a decisão da causa.
III. 3.4 A jurisprudência o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender uniformemente, na esteira de Alberto dos Reis, que o conceito questões não abrange as considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes; a determinação da norma aplicável e a sua correcta interpretação não integra o conceito de questão a resolver mencionado art.º 660 do CPC (cfr. Ac do STJ de 18/12/2002, Revista n.º 3921/02-2.ª Sumários). Uma fundamentação pobre ou medíocre da sentença não constitui vício susceptível de conduzir à sua nulidade.
III.3.5. Verdade que a decisão recorrida aprecia a exequibilidade do título ao abrigo Regulamento CE 805/2004, designadamente à luz dos art.ºs 20 e 21/2 do mencionado Regulamentos segundo os quais a certificação como título executivo não pode, em caso algum, ser revista quanto ao mérito no Estado-Membro da Execução e não será exigida caução garantia ou depósito, sendo que por foça do disposto no art.º 20/1 e § 2 do Regulamento 805/2004 a execução desse título é feita nos mesmos termos que uma decisão proferida no Estado-Membro de execução pelo que sendo uma injunção por força do disposto no art.º 550/2/b segue-se a forma sumária sendo correcta a forma seguida. Seja, a decisão recorrida não analisou a questão à luz do Regulamento 1215/2012, de 12/12, segundo cujo art.º 43/1 a certidão junta aos autos em língua italiana deveria ter sido notificada à executada antes da realização da medida de execução, seja, antes da penhora, entretanto efectuada ao abrigo do processo sumário que se seguiu. A determinação da norma aplicável, no caso do art.º 43 do outro Regulamento mais recente e a sua correcta interpretação não integra o conceito de questão a resolver, quando muito o pedido de reforma de decisão caso não houvesse recurso ao abrigo do disposto no art.º 616/2 o que não ocorreu. Assim a questão será de eventual erro de julgamento a apreciar adiante. Da leitura de decisão recorrida afigura-se que o Tribunal recorrido analisou as questões sob recurso, questão diferente é a de saber se ocorre erro no julgamento, questão a apreciar. Da simples análise da decisão decorre que inexiste nulidade por falta de fundamentação de facto.
III.4. Saber se ocorre na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação violação do primado do Direito da União Europeia que dita a aplicação do disposto no art.º 43, do Regulamento 1215/2012, que prevalece sobre o mencionado art.º 550/2, donde o erro na forma de processo, que não pode ser a forma de processos sumária, o que implica a anulação do todos os actos processuais aplicados e o levantamento da penhora entretanto realizada por força do disposto no art.º 193, subsidiariamente, se esta questão, deve pelo menos ser incluída como questão a decidir no âmbito da Oposição à execução, ou, caso assim se não entenda, deve ser incluída como uma das questões a considerar no âmbito do julgamento da Oposição à Execução.
III.4.1. O exequente alega que sendo uma sociedade de direito italiana tendo emitido as facturas que identifica por fornecimentos à executada não as tendo a executada pago em tempo instaurou contra esta procedimento de injunção europeia contra a executada no Tribunal de Nápoles em 21/3/2018 na qual houve citação da aqui executada que se opôs, oposição que foi considerada inadmissível por sentença de 13/7/2021, que confirmou a ordem de pagamento europeia, cuja certidão judicial emitida e integralmente traduzida para a língua Portuguesa constitui título executivo face ao disposto nos termos do art.º 18/2, do Regulamento 1896/2006 e 37, 39 e 53 do Regulamento 1215/2012. Do texto da decisão italiana resulta que o processo teve início como injunção de pagamento europeu ao abrigo do Regulamento CE 1896/2006.
III.4.2. A injunção a que se reporta a presente execução rege-se pelo Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/2006, que criou um procedimento europeu de injunção de pagamento. Resulta do considerando n.º 9 deste diploma que o mesmo “tem por objetivo simplificar, acelerar e reduzir os custos dos processos judiciais em casos transfronteiriços de créditos pecuniários não contestados, através da criação de um procedimento europeu de injunção de pagamento, e permitir a livre circulação das injunções de pagamento europeias em todos os Estados-Membros, através do estabelecimento de normas mínimas cuja observância torne desnecessário qualquer procedimento intermédio no Estado-Membro de execução anterior ao reconhecimento e à execução.” Segundo o que dispõe o artigo 19.º do Regulamento n.º 1896/2006 “a injunção de pagamento europeia que tenha adquirido força executiva no Estado-Membro de origem é reconhecida e executada nos outros Estados-Membros sem que seja necessária uma declaração de executoriedade e sem que seja possível contestar o seu reconhecimento.” Por outro lado, preceitua o artigo 20.º do Regulamento, “(…) 2. Após o termo do prazo fixado no n.º 2 do artigo 16.º, o requerido tem também o direito de pedir a reapreciação da injunção de pagamento europeia ao tribunal competente do Estado Membro de origem nos casos em que esta tenha sido emitida de forma claramente indevida, tendo em conta os requisitos estabelecidos no presente regulamento ou outras circunstâncias excepcionais. 3. Se o tribunal indeferir o pedido do requerido com base no facto de que não é aplicável nenhum dos fundamentos de reapreciação enumerados nos n.ºs 1 e 2, a injunção de pagamento europeia mantém-se válida. Se o tribunal decidir que se justifica a reapreciação com base num dos fundamentos enumerados nos n.ºs 1 e 2, a injunção de pagamento europeia é declarada nula.” Como ressalta o considerando n.º 25 do Regulamento, “Após o termo do prazo para apresentar a declaração de oposição, o requerido deverá ter, em certos casos excecionais, o direito de pedir a reapreciação da injunção de pagamento europeia.” A reapreciação em casos excecionais não deverá significar a concessão ao requerido de uma segunda oportunidade para deduzir oposição. Durante o procedimento de reapreciação, o mérito do pedido não deverá ser apreciado para além dos fundamentos decorrentes das circunstâncias excecionais invocadas pelo requerido. As outras circunstâncias excepcionais poderão incluir os casos em que a injunção de pagamento europeia tenha por base informações falsas fornecidas no formulário de requerimento. como decidiu o Tribunal de Justiça da União Europeia, em acórdão datado de 22/10/2015 (processo C‑245/14), “Quanto à possibilidade de reapreciar a injunção de pagamento europeia, uma vez decorrido o prazo para a dedução de oposição, esta reapreciação só pode ocorrer em «casos excecionais», como indica a própria epígrafe do artigo 20.º do referido regulamento. A este respeito, resulta do texto do artigo 20.º, n.º 2, do Regulamento n.º 1896/2006 que uma injunção de pagamento europeia pode ser reapreciada em caso de incumprimento do prazo de dedução de oposição, quando tenha sido emitida de forma claramente indevida, tendo em conta os requisitos estabelecidos no Regulamento n.º 1896/2006 ou outras circunstâncias excecionais. Tendo o legislador da União pretendido limitar o procedimento de reapreciação a situações excecionais, a referida disposição deve necessariamente ser objeto de interpretação estrita (v., por analogia, acórdão Comissão/Conselho, C‑111/10, EU:C:2013:785, n.º 39 e jurisprudência aí referida).” Preceitua o artigo 21.º do Regulamento referido, nos seus n.ºs 1 e 2, que “1. Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, o processo de execução rege-se pela lei do Estado-Membro de execução. A injunção de pagamento europeia que tenha adquirido força executiva é executada nas mesmas condições que uma decisão executória proferida no Estado-Membro de execução (…)”sendo incontestavelmente aplicável a lei portuguesa à execução da injunção de pagamento europeia em apreço, a apreciação dos concretos fundamentos de oposição à execução que respeitem à regularidade da emissão do título compete aos tribunais do Estado em que foi declarada executória a injunção de pagamento europeia, como decorre do disposto nos artigos 19.º e 21.º, n.º1, do Regulamento nº 1896/2006.[2]
III.4.3. A questão prende-se com o Regulamento 1215/2012 também mencionado no requerimento executivo, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (reformulação) o qual revoga o Regulamento (CE) n.º 44/2001.
Interessam os seguintes artigos
Artigo 36.º
1. As decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros sem quaisquer formalidade.
2. Quaisquer partes interessadas podem, nos termos da Subsecção 2 da Secção 3, requerer uma decisão que declare não haver motivos para recusar o reconhecimento, nos termos do artigo 45.º.
3. Se o resultado de uma ação intentada no tribunal de um Estado-Membro depender da decisão de um incidente de recusa de reconhecimento, será o mesmo tribunal competente para conhecer do incidente.
Artigo 37.º
1. As partes que pretendam invocar num Estado-Membro uma decisão proferida noutro Estado-Membro devem apresentar:
a) Uma cópia da decisão que satisfaça as condições necessárias para atestar a sua autenticidade; e
b) Uma certidão emitida nos termos do artigo 53.o.
2. O tribunal ou autoridade perante a qual seja invocada uma decisão proferida noutro Estado-Membro pode, se necessário, requerer que a parte que a invoca lhe forneça, nos termos do artigo 57.o, uma tradução ou transliteração do conteúdo da certidão referida no n.º 1, alínea b). Se o tribunal ou autoridade em causa não puder dar seguimento ao processo sem que a própria decisão seja traduzida, poderá exigir da parte essa tradução, em vez da tradução do conteúdo da certidão.
 Artigo 39.º
Uma decisão proferida num Estado-Membro que aí tenha força executória pode ser executada noutro Estado-Membro sem que seja necessária qualquer declaração de executoriedade
Artigo 41.º
1. Sem prejuízo do disposto na presente secção, o processo de execução de decisões proferidas noutro Estado-Membro rege--se pela lei do Estado-Membro requerido. Uma decisão proferida num Estado-Membro que seja executória no Estado-Membro requerido deve nele ser executada em condições iguais às de uma decisão proferida nesse Estado-Membro.
2. Não obstante o disposto no n.º 1, os fundamentos de recusa ou suspensão da execução previstos na lei do Estado--Membro requerido são aplicáveis desde que não sejam incompatíveis com os fundamentos referidos no artigo 45.º.
 3. A parte que requer a execução de uma decisão proferida noutro Estado-Membro não é obrigada a ter um endereço postal no Estado-Membro requerido. Essa parte também não é obrigada a ter um representante autorizado no Estado-Membro requerido, salvo se a existência de um tal representante for obrigatória independentemente da nacionalidade ou do domicílio das partes.
Artigo 42.º
1. Para efeitos da execução num Estado-Membro de uma decisão proferida noutro Estado-Membro, o requerente deve facultar às autoridades de execução competentes:
a) Uma cópia da decisão que satisfaça as condições necessárias para atestar a sua autenticidade; e
b) Uma certidão emitida nos termos do artigo 53.o que comprove que a decisão é executória e inclua um extrato da decisão, bem como, se for caso disso, informações relevantes sobre os custos processuais reembolsáveis e o cálculo dos juros.
(...)
3.A autoridade de execução competente pode, se necessário, exigir que o requerente apresente, nos termos do artigo 57.o, uma tradução ou transliteração do conteúdo da certidão.
4. A autoridade de execução competente só pode exigir ao requerente uma tradução da própria decisão se sem ela não puder dar seguimento ao processo.
Artigo 43.º
1.Se for requerida a execução de uma decisão proferida noutro Estado-Membro, a certidão emitida nos termos do artigo 53.o é notificada à pessoa contra a qual a execução é requerida antes da primeira medida de execução. A certidão deve ser acompanhada da decisão se esta ainda não tiver sido notificada a essa pessoa.
2. Se a pessoa contra a qual é requerida a execução tiver domicílio num Estado-Membro que não seja o Estado-Membro de origem, pode requerer a tradução da decisão, a fim de contestar a execução, se esta não estiver escrita ou acompanhada de uma tradução numa das seguintes línguas:
a) Uma língua que a pessoa contra a qual é requerida a execução entenda; ou
b) A língua oficial do Estado-Membro em que essa pessoa está domiciliada ou, caso existam várias línguas oficiais nesse Estado-Membro, a língua oficial ou as línguas oficiais do lugar onde a pessoa tem domicílio.
Se a tradução da decisão for requerida nos termos do primeiro parágrafo, não poderão ser tomadas medidas de execução que não sejam medidas cautelares enquanto essa tradução não tiver sido facultada à pessoa contra a qual é requerida a execução.
O presente número não se aplica caso a decisão já tenha sido notificada à pessoa contra a qual é requerida a execução numa das línguas a que se refere o primeiro parágrafo ou acompanhada de uma tradução para uma dessas línguas.
3. O presente artigo não se aplica à execução de medidas cautelares no âmbito de uma decisão ou quando a pessoa que requer a execução requer igualmente medidas cautelares ao abrigo do artigo 40.o.
Artigo 45.º
1. A pedido de qualquer interessado, o reconhecimento de
uma decisão é recusada se:
a) Esse reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado-Membro requerido;
b) Caso a decisão tenha sido proferida à revelia, o documento que iniciou a instância – ou documento equivalente – não tiver sido citado ou notificado ao requerido revele, em tempo útil e de modo a permitir-lhe deduzir a sua defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão tendo embora a possibilidade de o fazer;
c) A decisão for inconciliável com uma decisão proferida no Estado-Membro requerido entre as mesmas partes;
d) A decisão for inconciliável com uma decisão anteriormente proferida noutro Estado-Membro ou num Estado terceiro entre as mesmas partes, em ação com a mesma causa de pedir, desde que a decisão proferida anteriormente reúna as condições necessárias para ser reconhecida no Estado-Membro requerido;
e) A decisão desrespeitar:
i) o disposto no Capítulo II, Secções 3, 4 ou 5, caso o requerido seja o tomador do seguro, o segurado, um beneficiário do contrato de seguro, o lesado, um consumidor ou um trabalhador, ou ii) o disposto no Capítulo II, Secção 6.
Artigo 53.º
A pedido de qualquer interessado, o tribunal de origem emite uma certidão utilizando o formulário que se reproduz no Anexo I.
III. 4.4. Os procedimentos europeus que, enquanto mecanismos de carácter subsidiário face aos procedimentos ou processos internos, estão ao serviço dos litígios transfronteiriços são: o procedimento europeu de injunção de pagamento e o processo europeu para acções de pequeno montante. O primeiro, especialmente destinado à cobrança de dívidas pecuniárias, será um instrumento usado pelas empresas para exigir o pagamento do preço; o segundo, na medida em que o seu objecto não se restringe a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias, será o meio mais adequado às pretensões do consumidor. São designados de procedimentos europeus de segunda geração na medida em que foram criados por instrumentos europeus de aplicação directa nos ordenamentos dos Estados-Membros com a prerrogativa de consagrarem mecanismos onde a decisão proferida é imediatamente executória nos outros Estados que não o Estado de origem, o que determinou um progresso no Direito Processual Civil Europeu. A injunção europeia veio introduzir um mecanismo idêntico àquele que é vigente em muitos Estados-Membros e através do qual se pretende facilitar a obtenção de um título executivo, neste caso com força executória transfronteiriça, na sequência da interpelação do devedor para o pagamento de uma dívida de origem contratual, dando-lhe oportunidade de deduzir oposição ao requerimento, situação em que o procedimento de injunção se converterá numa acção declarativa para efeitos de conhecimento da existência do crédito Assim, o titular de um crédito pecuniário relativo a matéria civil e comercial (no sentido que lhe é dado pelo art.º 2.º, do Regulamento 1896/2006) pode usar da injunção de pagamento europeia, desde que o litígio seja transfronteiriço, na expectativa de obter mais rapidamente um título executivo que circule no espaço europeu sem necessidade de mais nenhum procedimento adicional. Para o efeito, apresentará, nos termos do art.º 7.º, requerimento próprio – com recurso aos formulários – que será analisado pelo tribunal a fim de verificar a conformidade do requerimento com todos os requisitos estabelecidos nos art.ºs 2.º, 3.º, 4.º, 6.º e 7.º, do citado Regulamento. Feita a análise do requerimento, o tribunal recusa, nos termos e com os fundamentos indicados no art.º 11.º, ou recebe o requerimento, se todos os pressupostos se verificarem. Se for este o caso, emitirá a injunção de pagamento europeia, juntamente com uma cópia do formulário de requerimento. Dessa injunção é citado ou notificado o requerido, nos termos da lei do Estado em que tal citação ou notificação deva ser feita e de acordo com as modalidades previstas nos art.ºs 13.º e 14.º, do Regulamento 1896/2006, para:
− Pagar ao requerente o montante indicado na injunção; ou
− Deduzir oposição à injunção de pagamento mediante a apresentação de uma declaração de oposição, no prazo de 30 dias a contar da citação ou notificação. Nessa comunicação, o requerido é advertido de que a injunção de pagamento adquirirá força executiva se não for apresentada uma declaração de oposição, nos termos do art.º 16.º, ou de que a acção prosseguirá nos tribunais competentes do Estado-Membro de origem se for apresentada oposição ao requerimento, sendo que o processo a seguir será o processo europeu para acções de pequeno montante, se aplicável, ou o processo que tenha lugar face às normas processuais internas (art.º 17.º, do Regulamento 1896/2006, na versão que lhe foi dada pelo Regulamento 2015/2421, de 16 de dezembro de 2015, em vigor desde 14 de Julho de 2017). Pode suceder, caso o requerente o haja solicitado, que se ponha termo ao processo em caso de oposição. Assim, após a citação ou notificação do requerido, se este não apresentar oposição será imediatamente declarada executória a injunção de pagamento europeia, através de emissão do respectivo formulário que será enviado ao requerente, ficando este munido de um «título executivo europeu», se atendermos a este conceito como sendo um título executivo com força executória no espaço europeu (cfr. art.º 18.º, do Regulamento1896/2006). Este foi um dos primeiros casos de abolição do exequatur, porquanto no fim de um único procedimento o credor consegue, sem mais, beneficiar dos efeitos de reconhecimento e execução transfronteiriça da declaração de injunção de pagamento europeia. De acordo com o art.º 19.º, a injunção de pagamento europeia que tenha adquirido força executiva no Estado-Membro de origem é reconhecida e executada nos outros Estados-Membros sem que seja necessária uma declaração de executoriedade e sem que seja possível contestar o seu reconhecimento. No caso do título executivo europeu, os problemas específicos são menores, na medida em que perderam espaço para a injunção europeia e abolição do exequatur, ao abrigo do Regulamento Bruxelas I-bis (Regulamento 1215_2912), reduziu a importância deste instrumento. No entanto, em alguns Estados-Membros, falta uma legislação de execução adequada, o que cria dificuldades aos profissionais; e, nem todos os procedimentos nacionais dos Estados-Membros parecem estar em conformidade com as regras de revisão incluídas no artigo 19.º, do Regulamento 805/2004, como aliás sucede com o caso português, apesar de o legislador não o reconhecer.[3]
III.4.5. A notificação da que se refere o art.º 43 face aos termos do Regulamento não se configura como uma condição e exequibilidade pois as condições de exequibilidade constam dos art.ºs 42 e 53 e que a exequente cumpriu. Como qualificar a notificação em causa?
III.4.6. Nos termos do disposto no artigo 550.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil, que é a lei do Estado-Membro requerido – Portugal – emprega-se o processo sumário nas execuções baseadas em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, bem como – alínea a) - se aplica o processo sumário em execução baseada em decisão judicial nos casos em que esta não deva ser executada no próprio processo. A diferença entre a forma ordinária e sumária tem a ver, essencialmente, com a solenidade e segurança que rodeia o título executivo, com o valor da quantia exequenda e com a maior ou menor complexidade da fase introdutória. No processo executivo comum para pagamento de quantia certa, a forma ordinária tem natureza residual (ver n.º 3 do artigo 550.º do CPC) – cfr Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, CPC Anotado, vol. I, Almedina, pág. 601 e 602. Daí que, devendo a decisão proferida noutro Estado-Membro ser executada no Estado-Membro requerido em condições iguais às de uma decisão proferida nesse Estado-Membro, não há dúvidas que, ao abrigo do disposto naquele artigo 550.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil, deve ser empregue a forma de processo sumário. Como compatibilizar essa forma de processo que se inicia nos termos do art.º 855 com envio do requerimento executivo e dos documentos que o acompanham ao agente de execução que entendendo dever prosseguir inicia as consultas e diligências prévias à penhora que se efectiva antes da citação do executado (n.º 3 do art.º 855) com o disposto no mencionado art.º 43? Veja-se, a este propósito, o considerando 32 do mencionado Regulamento:
“A fim de informar da execução de uma decisão proferida noutro Estado-Membro a pessoa contra a qual tal execução é requerida, a certidão passada ao abrigo do presente regulamento, se necessário acompanhada da decisão, deverá ser notificada a essa pessoa em tempo razoável antes da primeira medida de execução. Neste contexto, deverá entender-se por primeira medida de execução a primeira medida de execução após aquela notificação”, sendo que, de acordo com o considerando 29, “A execução direta, no Estado-Membro requerido, de uma decisão proferida noutro Estado-Membro sem declaração de executoriedade não deverá comprometer o respeito pelos direitos de defesa”. O que o art.º 43.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 impõe é que o devedor tenha conhecimento de que a sentença que contra ele foi proferida está em condições de ser executada em qualquer Estado-membro. A notificação do artigo 43.º não haverá de ser efetuada na execução. Trata-se de acto prévio à execução, com caráter informativo e que lhe permitirá, por exemplo, pedir a recusa de execução (artigo 46.º do Regulamento). Assim, nada impede que a execução dessa sentença em Portugal siga a forma sumária do processo para pagamento de quantia certa (cf. art.º 550.º, n.º 2, al. a), CPC) e que o executado só seja citado para a execução depois da penhora de bens (cf. art.º 856.º, n.º 1, CPC).[4] Transcrevemos aqui parte do mencionado acórdão da Relação de Guimarães e as referências doutrinárias dele constantes: “...A este propósito veja-se, no sentido aqui defendido, a opinião do Professor Miguel Teixeira de Sousa, no blog da sua autoria IPPC - https://blogippc.blogspot.com/2016/06/o-reg-12152012-e-execucao-de-decisoes.html - em resposta ao texto de Carla Machado publicado na revista Julgar online 2016, texto em que se sustentou a decisão recorrida:
“1. Num artigo recentemente publicado na Julgar Online, Maio de 2016, C. Machado "propugna[...], por um lado, pela tramitação sob a forma ordinária de todas as execuções de decisões proferidas ao abrigo do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 e, por outro, uma interpretação correctiva e extensiva do disposto no n.º 6 do artigo 726.º do Código de Processo Civil, devendo o juiz, nesta fase, proceder igualmente à citação do devedor nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 43.º e 46.º do Regulamento." Salvo melhor opinião, esta posição assenta num pressuposto muito discutível: o de que a notificação da certidão emitida nos termos do art.º 53.º Reg. 1215/2012 que é imposta pelo art.º 43.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 deve coincidir com a citação para a execução, ou melhor, que aquela notificação e esta citação devem ser o mesmo acto.
2. O consid. (32) Reg. 1215/2012 dispõe o seguinte:
"A fim de informar da execução de uma decisão proferida noutro Estado-Membro a pessoa contra a qual tal execução é requerida, a certidão passada ao abrigo do presente regulamento, se necessário acompanhada da decisão, deverá ser notificada a essa pessoa em tempo razoável antes da primeira medida de execução [...]".
Importa, neste contexto, chamar a atenção para que, no âmbito do Reg. 1215/2012, a palavra "execução" é utilizada num duplo sentido:
-- No de processo de execução, ou seja, no de processo destinado a executar uma decisão; é neste sentido que a palavra "execução" é empregada, por exemplo, no art.º 42.º Reg. 1215/2012;
-- No de procedimento de obtenção da exequibilidade da decisão, ou seja, no de procedimento destinado a tornar uma decisão proferida num Estado-membro exequível num outro Estado-membro; é nesta acepção que a palavra "execução" é utilizada na Subsecção 2 ("Recusa de execução", art.º 46.º a 51.º) da Secção 3 do Capítulo III Reg. 1215/2012; o que se regula nesta Subsecção 2 não é o procedimento de recusa de uma execução, mas o procedimento de recusa da atribuição de exequibilidade a uma decisão proferida num Estado-membro diferente do Estado requerido; é por isso que, por exemplo, o disposto nos art.º 49.º a 51.º Reg. 1215/2012 em matéria de recursos nada tem a ver com os recursos admissíveis quando o executado se opõe à execução, mas antes com os recursos que são cabíveis quanto a uma decisão que reconhece ou que não reconhece uma decisão proferida num outro Estado-membro como título executivo.
Esta duplicidade de sentidos da palavra "execução" aparece, com clareza, no consid. (32) Reg. 1215/2012: a "execução" de que o devedor deve ser informado "antes da primeira medida de execução" é a atribuição de exequibilidade a uma decisão proferida num Estado-membro. A versão inglesa do consid. (32) Reg. 1215/2012 é muito explícita sobre esta duplicidade de sentidos da palavra "execução", tanto que impõe que a pessoa contra quem o "enforcement" é pretendido seja avisada do "enforcement of a judgment given in another Member State", ou seja, impõe que a pessoa contra quem se pensa vir a intentar uma "execução" (= processo executivo) seja avisada da "execução" (= reconhecimento de exequibilidade) da decisão proferida num outro Estado-membro: (…)
3. Isto permite concluir que a notificação da "execução" (= reconhecimento de exequibilidade) de uma decisão não tem de coincidir com a citação para a "execução" (= processo executivo). Esta conclusão é bastante clara em algumas versões linguísticas do art.º 43.º, n.º 1, Reg. 1215/2012, dado que as mesmas levam a entender que, quando se realiza a notificação da "execução" (= reconhecimento da exequibilidade) ao devedor, a "execução" (= processo executivo) pode ainda nem sequer estar pendente: (…)
4. A conclusão de que o que o art.º 43.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 impõe é que, antes do processo executivo, seja notificado ao devedor o reconhecimento da exequibilidade da decisão estrangeira é também aquela que decorre do seguinte comentário: "O n.º 1 [do art.º 43.º Reg. 1215/2012] impõe um dever de notificação. [...]. O n.º 1 corresponde a uma imposição do Estado de direito: para se poder defender de modo efectivo, o devedor deve saber, antes do mais, que tem de se defender [...]. A notificação fornece-lhe (indirectamente) o conhecimento de que está iminente uma execução forçada do título do Estado de origem no Estado requerido [...]. Em todo o caso, o n.º 1 não impõe que o devedor também deva ser notificado do pedido de execução forçada formulado pelo credor no Estado requerido" (Rauscher, EuZPR-EuIPR (2016)/Mankowski, Art. 43 Brüssel Ia-VO 1).
A distinção temporal entre a notificação da "execução" (= reconhecimento da exequibilidade) e a citação para a "execução" (= processo executivo) também é clara no seguinte comentário:
"Segundo o n.º 1 [do art.º 43.º Reg. 1215/2012], a execução directa da decisão estrangeira exige a sua prévia notificação ao devedor, em conjunto com a certidão emitida segundo o art.º 53.º e Anexo I" (Schlosser/Hess, EuZPR (2015), Art.º 43 EuGVVO 3).
5. Em suma: o que o art.º 43.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 impõe é que o devedor tenha conhecimento de que a sentença que contra ele foi proferida está em condições de ser executada em qualquer Estado-membro. Assim, nada impede que a execução dessa sentença em Portugal siga a forma sumária do processo para pagamento de quantia certa (cf. art.º 550.º, n.º 2, al. a), CPC) e que o executado só seja citado para a execução depois da penhora de bens (cf. art.º 856.º, n.º 1, CPC).
Aliás, esta solução é a única que é compatível com o princípio da equiparação imposto pelo art.º 41.º, n.º 1 2.ª parte, Reg. 1215/2012: "Uma decisão proferida num Estado-Membro que seja executória no Estado-Membro requerido deve nele ser executada em condições iguais às de uma decisão proferida nesse Estado-Membro".
Sobre esta questão, pode ler-se no caderno do CEJ (ebook) “Reconhecimento e execução de decisões no âmbito do Regulamento Bruxelas I-Bis” da autoria do Juiz Desembargador Rui Torres Vouga http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Decisoes_Bruxelas2019.pdf: “A Proposta da Comissão não incluía uma disposição equivalente a este artigo 43.º. O actual artigo 43.º foi acrescentado durante as negociações, em resultado da reintrodução dos fundamentos de recusa previstos no artigo 45.º e do desejo de conferir uma protecção adequada ao devedor (Cfr., neste sentido, XANDRA KRAMER in The Brussels I Regulation Recast editado por ANDREW DICKINSON e EVA LEIN, nota 13.236).
Esta disposição – ao introduzir o requisito da notificação do requerido como uma précondição para a tomada de medidas de execução – constitui uma inovação do Regulamento n.º 1215/2012, que resulta da abolição do exequatur. Ela assegura que o requerido fica ciente de que foi proferida contra ele uma decisão (noutro Estado-Membro) e que a respectiva execução foi solicitada fora do Estado-Membro de origem, na ausência duma declaração de executoriedade.
Este artigo 43.º pode ser visto, pelo menos parcialmente, como um sucedâneo do artigo 42.º2, do Regulamento n.º 44/2001748, que também exigia a notificação da declaração de executoriedade à parte contra quem fosse pedida a execução, acompanhada da decisão, caso esta não lhe tivesse sido já notificada. Contudo, a protecção conferida pelo Regulamento Bruxelas I-bis ao requerido é muito inferior: uma vez observados os requisitos estabelecidos neste artigo 43.º, o requerente pode lançar mão de medidas de execução logo que esgotada um não especificado “tempo razoável” (citado Considerando (32) do Regulamento) e sem qualquer novo aviso prévio.
(…)
Esta regra assegura, ou pelo menos procura assegurar, que o devedor tenha conhecimento formal do conteúdo integral da decisão e da intenção do credor de avançar para tomar medidas de execução noutro Estado-Membro que não no Estado-Membro de origem. Esse conhecimento facilita, indubitavelmente qualquer contestação à execução por parte do devedor, nos termos do artigo 46.º, e também possibilita que sejam tomadas medidas para suspender ou limitar a execução nos termos do artigo 44.º (Cfr., neste sentido, XANDRA KRAMER in The Brussels I Regulation Recast editado por ANDREW DICKINSON e EVA LEIN, nota 13.238).
(…)
Segundo ARNAUT NUYTS (In La refonte du réglement Bruxelles I (publicado in Revue Critique de Droit International Privé, 2013,pp. 1-63 [pp. 28-29]), isto parece significar que a notificação e a execução não podem ser efectuadas por ocasião duma única e mesma iniciativa da autoridade encarregada da execução. Não é, portanto, possível a esta autoridade proceder à notificação e, acto seguido, tomar medidas de execução. O objectivo do Regulamento é, manifestamente, deixar ao devedor um certo tempo para ele contestar, se for caso disso, a execução antes que esta tenha lugar, por exemplo, instaurando o pedido de recusa de execução previsto pelo Regulamento (artigo 47.º). O prazo concreto que deve ser deixado ao devedor para formular, se for caso disso, este pedido de recusa de execução não é definido pelo Regulamento, para além da exigência (formulada no citado Considerando (32) de que ele seja «razoável» –o que, na opinião de NUYTS – deve ser apreciado «em função das circunstâncias e do tipo de medida de execução em causa»”.
Este autor, contudo, advoga que a tramitação processual na forma sumária é incompatível com a regra do artigo 43.º do Regulamento, face à dispensa do despacho liminar e efetivação da penhora antes da citação do executado. Ou seja, resulta do exposto que a notificação imposta pelo artigo 43.º do Regulamento 1215/2012, não obriga à instauração de execução com processo ordinário (a fim de ser efetuada citação prévia à penhora), nem sequer deve ser efetuada no âmbito do processo executivo, destinando-se unicamente a informar o devedor de que uma sentença que contra ele foi proferida está em condições de ser executada em qualquer Estado-membro e que o credor irá lançar mão de medidas de execução.”
III.4.7. A questão da notificação da certidão -ou a  falta dela- sendo questão anterior ao processo executivo e permite agilizar mecanismo com o  mencionado art.º 46, do Regulamento, não interfere, como se disse, na forma de processo, que deve ser a sumária e não a ordinária, como se diz na decisão recorrida, mas se assim é como “ler” a necessidade da notificação a certidão antes “da primeira medida de execução”, neste caso da penhora que de acordo como o art.º 855/3 antecede a citação do executado? Parece-nos que pode ser lida no âmbito do processo nacional como excepção dilatória inominada cuja alegação e prova, como diz a exequente nas contra-alegações, cabe à executada mas que interfere necessariamente na apreciação da oposição à penhora cujo afastamento foi prematuro na fase em que o foi ou seja na fase liminar (art.ºs 785/2 e 732), na medida em que não dispomos de elementos de prova suficientes para tanto.

IV- DECISÃO.
Tudo visto acordam os juízes em não obstante considerar que o processo deve seguir os termos do processo sumário, como determinado no despacho sob recurso, julgar procedente a apelação, no sentido de que a questão da notificação- ou a sua falta-, como prescrito no art.º 43 do Regulamento 1215/2012 deve ser analisado e conhecido nesta execução, consequentemente revogam a decisão recorrida no segmento em que indeferiu liminarmente o incidente de oposição à penhora que deverá prosseguir juntamente com a oposição à execução.

Regime da Responsabilidade por Custas: as custas são da responsabilidade da exequente que decai e porque decai (art.º 527/1 e 2)

Lisboa, 6 de julho de 2023
Vaz Gomes
Paulo Fernandes da Silva
Nelson Borges Carneiro
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[1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/6, entrado em vigor a 1/9/2013,  atento o disposto no art.º 5 da referida Lei, na medida em que o requerimento executivo deu entrada via CITIUS aos 11/10/2022, vindo a ser distribuída ao Juiz  5 de Execução de Lisboa sendo a decisão de 18/1/2023; ao Código referido, na redacção dada pela referida Lei 41/2013, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
[2] Nesse sentido o Ac. STJ de 08-11-2022 no processo 698/20.6T8LSB-A.L1.S1, relatado por PEDRO DE LIMA GONÇALVES, disponível no sítio www.dgsi.pt.    
[3] MESQUITA, Lurdes Varregoso, “LITÍGIOS DE CONSUMO NAS RELAÇÕES TRANSFRONTEIRIÇAS –
INJUNÇÃO EUROPEIA E PROCESSO EUROPEU PARA ACÇÕES DE PEQUENO MONTANTE NA ERA DA E-JUSTICE” Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, Rio de Janeiro. Ano 15. Volume 22. Número 3. Setembro a Dezembro de 2021 pág. 67, disponível on line.
[4] Neste sentido o AcRG de 29-10-2020 no processo 5924/18.6T8VNF-A.G1 relatado por Ana Cristina Duarte disponível no sítio www.dgsi.pt.