Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LUÍS CORREIA DE MENDONÇA | ||
Descritores: | DECISÃO SINGULAR PRESSUPOSTOS CONTRATO DE EMPREITADA CLÁUSULA PENAL DL N.º 59/99 DE 2 DE MARÇO APLICAÇÃO DE MULTA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/27/2023 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. Para efeitos de proferimento de decisão singular pelo relator, deve-se distinguir uma simplicidade jurídica subjectiva de uma objectiva simplicidade jurídica, tendo o legislador optado pela primeira. 2. A entrega da obra liberta o empreiteiro da obrigação principal de executar a obra, mas continua obrigado a satisfazer as multas vincendas decorrentes da cláusula penal inserida no contrato, até porque, estando em causa uma verdadeira cláusula penal moratória, a sua função não se esgota na compulsão. 3. Diante do quadro legal existente e perante as circunstâncias do caso, não se afigura procedente querer aplicar ao ajuizado contrato de empreitada o regime de aplicação de multas decorrente do DL n.º 59/99, de 2 de março, o qual só se compreende no quadro de uma relação não isonómica e publicística. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa CL; LDA. reclamou para a conferência contra a decisão singular proferida pelo relator a 30.02.2023, tendo concluído a sua minuta nos seguintes termos: «A. Errou o Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator desse Tribunal ao apreciar sumariamente o recurso jurisdicional interposto pela Autora e, bem assim, ao decidir, com os fundamentos com o faz, pela improcedência do mesmo. B. Não se verificam, in casu, os pressupostos - previstos nos artigos 656º e 652º, n.º 1, al c), do CPC – que permitem ao Juiz Relator julgar o objecto do recurso através de uma decisão singular. C. As questões de direito que sobre as quais o Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator desse Tribunal se pronunciou não revestem o carácter de simplicidade que tais preceitos legais exigem. Antes pelo contrário. D. As questões em apreço no recurso não foram “jurisdicionalmente apreciadas, de modo uniforme e reiterado”, não são de conhecimento geral ou sequer resultam de jurisprudência consolidada. E. Existem outros Acórdãos proferidos por Tribunais Superiores - sobre a mesma questão em apreço, ou seja, tempestividade da aplicação das multas contratuais - que decidem em sentido contrário daquele que foi decidido pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator desse Tribunal – veja-se, nesse sentido, o Acórdão proferido em 7.04.2011 pela mesma 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do processo n.º 1033/10.4YRLSB.L1. F. Não resulta da decisão singular qualquer corrente jurisprudencial vincada que vá ao de encontro com a sua convicção. Antes pelo contrário. O único Acórdão aludido na decisão sumária é um Acórdão do STJ de 1983 (existindo, como se referiu supra, jurisprudência mais recente sobre a questão de direito apreciada nestes autos), sendo que a factualidade subjacente ao mesmo é diferente da factualidade dos presentes autos e a questão decidenda também. G. Também a questão da aplicação subsidiária do regime de 2 de Março aos autos, não pode ser considerada “uma questão simples, por já ter sido apreciada de modo uniforme e reiterado”, na medida em que não resulta da decisão sumária qualquer Doutrina ou Jurisprudência que acolha o sentido da decisão proferida e, ao invés, existem Acórdãos – proferidos em processos em tudo semelhantes – que decidem em sentido contrário ao entendimento perfilhado pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator. H. O Recurso da Reclamante também não é manifestamente infundado (ou sequer a decisão sumária vai proferida com tal fundamento, como se pode ler no introito da decisão), por não ser passível de concluir, com segurança, que, com base numa análise liminar dos fundamentos invocados, as questões suscitadas nos autos são manifestamente improcedentes. I. Em consequência, nunca, neste caso em concreto, podia o Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator desse Venerando Tribunal fazer uso dos poderes que lhe são conferidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 652º e no art.º 656º do CPC, devendo, por isso, a referida decisão sumária ser revogada por V. Exas, apreciado o Recurso interposto pela Reclamante por um colectivo de Juízes Desembargadores e julgado procedente tal recurso, com os fundamentos ali expostos. J. Ainda que a questão de direito discutida nestes autos fosse simples ou manifestamente improcedente - que não o é, nem tal se concede - sempre e sem prescindir se dirá que decisão proferida está errada. K. Quanto à alteração da matéria de facto, e com o devido respeito, não se concorda com a decisão de não aditamento de nova matéria de facto aos factos provados por se entender que existe nos autos prova – documental e gravada – que suporte tal aditamento. L. Quanto à matéria de direito em apreço nos autos – tempestividade / caducidade da aplicação das multas – errou o Exmo Senhor Juiz Desembargador Relator desse Venerando Tribunal ao decidir que não existe no Contrato de Empreitada nenhum prazo para o efeito. M. Do texto no n.º 4 da cláusula 19ª do Contrato de Empreitada resulta que as multas contratuais por atraso na execução da obra devem ser aplicadas “até ao fim dos trabalhos ou à resolução do contrato”. N. Contrariamente ao que vai decidido na Decisão Singular, o que do citado clausulado se retira, por correcta leitura e interpretação e em consonância com o decidido no Acórdão proferido em 7.04.2011 pela mesma 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do processo n.º 1033/10.4YRLSB.L1, é que a aplicação das multas contratuais por cada dia de atraso na execução da empreitada está sujeita a um termo final alternativo: o fim dos trabalhos ou a resolução do contrato. O. Interpretar o contrato de empreitada de forma a dele não se retirar qualquer prazo para aplicação de tais multas ou pretender interpretar a suprarreferida cláusula como respeitante ao período relevante em que foi praticado o atraso não faz qualquer sentido. Com certeza que as Partes não pretenderiam que pudesse haver atraso depois de terminados os trabalhos ou de resolvido o contrato. P. Para além do texto do referido clausulado, tal interpretação também é imposta pelos fins e pela natureza jurídica da multa contratual por atraso na execução da obra. Q. Esta multa, como bem o decidiu o Tribunal de 1ª Instância, qualifica-se como uma Cláusula Penal Compulsória, pois que, através dela, se procura compelir o empreiteiro a concluir as obras em atraso. Isso explica que ela se traduza numa “multa contratual diária” aplicada “até ao fim dos trabalhos ou à resolução contratual”. R. Provado que ficou que os Recorridos, até ao fim dos trabalhos, não aplicaram à Recorrente quaisquer multas (rectius: cláusula penal compulsória) contratualmente estabelecidas, torna-se evidente que não lhes assiste, vários anos depois, o direito de obter a condenação no respectivo pagamento por via da presente acção. S. Decisão contrária sempre criaria no empreiteiro (Reclamante) a incerteza do sentenciamento da aplicação de uma multa por atraso contratual e violaria as regras da certeza jurídica, da confiança e, sobretudo, da relação contratual. T. Pelo que errou o Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator ao decidir em sentido contrário, em manifesta violação do disposto na cláusula 19ª, n.º 4, do Contrato de Empreitada. U. Quanto à aplicação subsidiária do regime do DL n.º 59/99, de 2 de Março ao contrato dos autos, retira-se da decisão sumária que o Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator, em detrimento do estipulado pelas Partes na cláusula 2ª do Contrato de Empreitada – cláusula válida, estipulada ao abrigo da liberdade contratual – entende que, em caso de omissão, não se pode aplicar a este contrato “(…) um regime que só se compreende num quadro de uma relação não isonómica e publicista.”, uma vez que as Partes são pessoas (colectivas e singulares) privadas. V. É errada tal decisão porque não foi esse Venerando Tribunal chamado a pronunciar-se sobre a validade da aplicação subsidiária do referido diploma ao contrato em discussão nos autos. Antes sobre o estabelecimento, ou não, no Contrato de Empreitada de cláusulas relativas ao procedimento da liquidação das multas, ao respectivo pagamento e à liquidação da conta/empreitada (ii) em caso negativo, se tal configura uma omissão contratual e (iii) em caso afirmativo, se devemos aplicar o disposto no DL n.º 59/99, de 2 de Março, nos termos da cláusula 2ª do Contrato de Empreitada. W. Não existem no Contrato de empreitada quaisquer das referidas cláusulas e tal consubstancia uma omissão contratual – conforme decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.04.20186 e no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08.05.20127 -, devendo, por isso, aplicar-se aos autos o disposto nos artigos 201º, n.º 5, 233º, n.ºs 3 e 4 e 221º, al. a), todos do DL n.º 59/99, de 2 de Março, enquanto diploma a que as Partes quiseram subordinar o Contrato de Empreitada em tudo o que nele esteja omisso. X. Errou o Exmo Senhor Juiz Desembargador Relator ao decidir não aplicar tais normas legais ao caso em apreço, em violação das mesmas e do disposto na cláusula 2ª n.º 3 do Contrato de Empreitada, que inequivocamente determinariam a total improcedência do pedido reconvencional efectuado pelos Recorridos. Termos em que requer a V. Exa. a prolação de Acórdão pelo qual seja julgada procedente a presente reclamação e em consequência seja revogada a decisão singular proferida e julgado procedente o Recurso Jurisdicional interposto pela Reclamante para o Tribunal da Relação de Lisboa. Caso assim não se entenda – e se entenda que a Decisão Singular é válida, porque proferida em cumprimento do estabelecido nos artigos 652º, n.º 1, al. c e 656º do CPC – o que não se concede – sempre deverá tal decisão alterada por Acórdão que, julgando procedente o Recurso Jurisdicional interposto pela Reclamante para o Tribunal da Relação de Lisboa, revogue parcialmente a sentença proferida em 1ª instância». Não houve resposta. *** São questões decidendas saber se: i) Se verificam os pressupostos - previstos nos artigos 656º e 652º, n.º 1, al c), do CPC – que permitem ao Juiz Relator julgar o objecto do recurso através de uma decisão singular. ii) Se deve aditar nova matéria de facto aos factos provados. iii) Se deve entender que é intempestiva a aplicação de multas contratuais. iv) A decisão errou ao pronunciar-se sobre a validade da aplicação subsidiária do DL n.º 59/99, de 2 de março, ao contrato em discussão nos autos. v) A decisão errou ao não aplicar aos autos o disposto nos artigos 201º, n.º 5, 233º, n.ºs 3 e 4 e 221º, al. a), todos do DL n.º 59/99, de 2 de março, enquanto diploma a que as partes quiseram subordinar o contrato de empreitada em tudo o que nele esteja omisso. *** 1. Dos pressupostos previstos nos artigos 652.º, 1, c) e 656.º Preceitua o artigo 652.º, 3, c), sob a epígrafe função do relator, que o juiz a quem o processo for distribuído fica a ser o relator, incumbindo-lhe deferir todos os termos do recurso até final, designadamente julgar sumariamente o objecto do recurso, nos termos previstos no artigo 656.º. Por sua vez, este artigo dispõe que quando o relator entender que a questão a decidir é simples, designadamente por ter sido jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado, profere decisão singular, que pode consistir em simples remissão para as precedentes decisões, de que juntará cópia. Este regime simplificador provém, como é sabido, do DL 329-A/95. Comentando o artigo 700.º saído dessa reforma, diz Carlos Lopes do Rego: «Inverte-se, pois, a regra que constava do n.º 2 deste artigo, na redacção anterior à reforma, segundo o qual incumbiria à conferência, não apenas a decisão do objecto do recurso, mas também a decisão «de todas as questões que se suscitarem». Passa, deste modo, a competir ao relator a decisão de quaisquer questões prévias ou incidentais que se suscitem, bem como a instrução do recurso e o próprio julgamento do seu objecto, quando se trate de questões simples ou de recursos manifestamente infundados» (Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2004:596). Mais abaixo, comentando o artigo 705.º, o mesmo autor acrescenta: «Permite-se ao relator –por evidentes razões de celeridade na apreciação de recursos sem fundamento sério, muitas vezes interpostos com fins claramente dilatórios- julgar, singular e liminarmente, o objecto do recurso, dispensando a intervenção da conferência na resolução de questões que podem perfeitamente ser decididas pelo relator, ficando os direitos das partes acautelados pela possibilidade conferida pelo n.º 3 do artigo 700.º. Tal decisão liminar de mérito terá lugar sempre que: - a questão a decidir seja «simples», designadamente por o recurso versar sobre questões já apreciadas, de modo uniforme e reiterado, pela jurisprudência, sem que as partes aduzam argumentação inovadora e susceptível de abalar a corrente jurisprudencial já formada; - quando se trate de recurso manifestamente infundado, isto é, quando uma análise meramente liminar da argumentação aduzida pelas partes nas alegações apresentadas permitir concluir, com segurança, que as questões suscitadas são manifestamente improcedentes». Não há na literatura jurídica uma efectiva definição do que é a simplicidade da questão a decidir. Não encontramos especial preocupação na opinio juris em definir, delimitar e esclarecer o critério da simplicidade. A única anotação crítica que conhecemos deste preceito é de Jacinto Rodrigues Bastos quando escreve: «Fala-se em questão jurisdicionalmente apreciada, sem se indicar a hierarquia dos órgãos jurisdicionais que se pronunciaram; exige-se que essa pronúncia tenha sido reiterada, conceito subjectivo, difícil de preencher; manda-se julgar sumariamente o recurso quando este for manifestamente infundado, esquecendo que nesta matéria (bastará ler os assentos do S.T.J) o que se apresenta como manifestamente infundado a uns, é, por vezes, manifestamente procedente para outros» (Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 3.ª ed., Lisboa, 2001:256). O que é uma questão de decisão simples, é uma questão complexa. Compulsando qualquer dicionário, como por exemplo, o da Academia das Ciências de Lisboa, ficamos a saber que há pelo menos 16 significados para a palavra simples, do latim simplex, desde o que não é composto até o que não tem graduação, passando por o que é um só, o que é de fácil resolução, o que não é composto. Fica-se então na dúvida: só é simples uma decisão que verse sobre uma única questão? Mas esta única questão não pode ser complicada? Uma pluralidade de questões não podem ser de muito fácil resolução e tornarem-se por isso simples? Não se ficam por aqui as dúvidas que os artigos em exame levantam. Parece que se deve distinguir uma simplicidade jurídica subjectiva de uma objectiva simplicidade jurídica, distinção aliás sugerida por Rodrigues Bastos. Parece que resulta do primeiro segmento da proposição do artigo 656.º -«quando o relator entender…» e não «quando se entender…»- que o legislador terá querido adoptar a primeira concepção, sem, todavia, nada conceder ao arbítrio do julgador, o qual, de resto, a acontecer, logo será corrigido através da reclamação para a conferência. É, por outro lado, seguro que as duas hipóteses a que o preceito faz referência (apreciação jurisdicional reiterada e manifesta falta de fundamento) são meramente exemplificativas como resulta do advérbio designadamente. E podemos talvez arriscar dizer que o maior problema na aplicação das normas está na determinação das restantes situações que não sendo nenhuma daquelas hipóteses devem, porém, considerar-se ainda assim simples. Talvez se possa ainda dizer que uma decisão simples é a que não é complexa. Intuitivamente e no uso comum usamos o adjectivo complexo para designar o que é de difícil compreensão, que não é fácil deslindar. O termo complexidade, do latim cumplectere, «tecer em conjunto», indica, noutro plano, o que é interdependente e interconexo. Nas ciências sociais modernas, fala-se em sistemas complexos quando os elementos que os compõe trocam sinais, os quais por sua vez influenciam os comportamentos dos outros e determinam novos sinais de retorno (Enrico Zaninotto, Introduzione, in: Chiara Saraceno e Luciano Manicardi, Complessitá, Edizioni Dehoniane Bologna, 2021:8). Esta definição não é operativa qua tale para o caso que agora nos ocupa, mas transmite a mesma ideia de entrelaçamento e imbricação que podemos encontrar v.g nas acções apensas ou em acções com vários intervenientes, com cumulação de pedidos e causas de pedir ou com diferentes recursos, de decisões interlocutórias e finais, principais, subordinados ou subsidiários. Não nos cabe, nem devemos, desenvolver este ponto. Diremos apenas que a «maître mot» deste início de século é a palavra complexidade. A complexidade da vida das sociedades modernas arrasa-nos. Diante dos desafios desta complexidade, veem-se proliferar os métodos de simplificação. Esta necessidade de simplificar atinge hoje todas as actividades. Designadamente, simplifica-se a tramitação processual para acelerar…o processo (Alain Bethoz, La Simplexité, Odile Jacob, Paris, 2009, passim). E assim se volta aos artigos donde partimos. Para dizer que no caso sujeito estamos em face de uma controvérsia que envolve apenas o empreiteiro e os donos da obra, em torno de factos jurídicos que não se revestem de complexidade. Não há acções apensadas, incidentes processuais, nem pluralidade de recursos. Também não há dúvida que a matéria abordada tem sido objecto de inúmera jurisprudência. Não importa que essa jurisprudência não seja uniforme porquanto essa exigência não esgota os casos em que é possível proferir decisão sumária. Mais ainda: existe um Acórdão, várias vezes citado nestes autos, que versa precisamente sobre esta matéria e de que o relator tem perfeito conhecimento (nem era suposto não ter), sendo certo que exerce ininterruptamente, desde 2009, funções nesta Secção e o acórdão é de 2011. O facto de se não ter seguido o entendimento que ali prevaleceu não significa que não se estivesse a par da questão aí tratada. Em suma: de acordo com uma concepção subjectiva de simplicidade jurídica, o relator não violou os referidos artigos. *** 2. Da alteração da decisão de facto São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes no primeiro grau: 1. A autora Cl, Lda. é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto social consiste na “construção, reparação e acabamentos de edifícios e outras construções. Serviços de pintura. Construção e reparação de estradas, redes de transporte de águas, de esgotos, de distribuição de energia, de telecomunicações e de outras redes. Actividades de arquitectura, de engenharia e técnicas afins. Promoção, compra e venda de imóveis”. 2. Por contrato de empreitada celebrado em 30-06-2015, os réus (…) adjudicaram à autora a realização de empreitada de construção civil de uma moradia sita na Rua…, em Santo Amaro de Oeiras, Oeiras, nos termos do contrato junto como doc. n.º 2 com a p.i., complementado pela pág. 18 do contrato junta como doc. n.º 1 com a contestação, tendo como, parte dos anexos, o Programa de Trabalhos junto como doc. n.º 2 com a contestação e o Caderno de Encargos junto com a réplica. 3. A referida empreitada teve por objecto “…a execução de todos os trabalhos, fornecimentos e serviços necessários à construção de uma moradia na Rua…Oeiras (…)”, conforme disposto na Cláusula Primeira do referido Contrato. 4. Ficou ainda expressamente estipulado no ponto 2 da Cláusula Primeira que: “Fazem igualmente parte da Empreitada e nos termos deste contrato e seus anexos, para além dos trabalhos descritos no ponto anterior, todos aqueles que sendo ou não da mesma espécie, venham a ser solicitados pelo Dono de Obra ao Empreiteiro ou se mostrem completamente necessários à execução dos que constituem o objecto da Empreitada.”. 5. O preço global acordado entre as partes pela execução da referida empreitada, nos termos do n.º 1 da Cláusula Décima Segunda do Contrato, foi de €485.859,69, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, num total de €597.607,42. 6. O prazo para execução da empreitada foi fixado pelas partes em 366 dias, prorrogável nos termos do disposto no n.º 4 da Cláusula Décima Sexta do Contrato. 7. A referida empreitada teve início em 06-07-2015, tendo como prazo final o dia 07-07-2016. 8. A obra foi concluída pela autora e entregue aos réus em 16-11-2016, conforme auto de recepção provisória da obra, pelo qual os réus declaram que: “(…) procederam à vistoria dos trabalhos realizados, verificando que os trabalhos estão aceites com excepções que se encontram com defeitos ou em falta”, nos termos e com a listagem de defeitos e trabalhos a mais, constante do doc. n.º 3 junto com a p.i.. 9. Os trabalhos descritos no auto de recepção provisória da obra foram sendo corrigidos pela autora, a maior parte no prazo aí fixado de 30 dias, e os restantes nos meses seguintes. 10. Tendo a autora concluído os trabalhos e corrigido a maior parte dos defeitos, os réus entraram na casa e passaram a aí viver a partir de 18-12-2016. 11. Entre Julho de 2015 e Setembro de 2016, a autora elaborou e remeteu aos réus, mensalmente, diversos Autos de Medição dos trabalhos que foram sendo prestados, nos termos que constam dos docs 4 a 23 juntos com a p.i.. 12. Todos os referidos Autos foram recebidos e aprovados pelos réus. 13. A faturação dos trabalhos prestados pela autora aos réus foi sendo feita por esta após a aprovação de cada um dos referidos Autos de Medição e com base neles. 14. Por força dos trabalhos, fornecimentos e serviços efectivamente prestados, a autora emitiu e remeteu aos réus as seguintes facturas e nota de crédito: i) Factura n.º 209, no valor de € 4.935,28, datada e com vencimento em 30-07-2015; ii) Factura n.º 223, no valor de €7.272,66, datada e com vencimento em 25-08-2015; iii) Factura n.º 263, no valor de €37.284,23, datada e com vencimento em 30-09-2015; iv) Factura n.º 283, no valor de €11.276,64, datada e com vencimento em 30-10-2015; v) Factura n.º 324, no valor de €7.284,06, datada e com vencimento em 30-11-2015; vi) Factura n.º 340, no valor de €15.073,06, datada e com vencimento em 28-12-2015; vii) Factura n.º 25, no valor de €39.208,71, datada e com vencimento em 25-02-2016; viii) Factura n.º 53, no valor de €15.099,17, datada e com vencimento em 29-02-2016; ix) Factura n.º 100, no valor de €49.016,63, datada e com vencimento em 30-03-2016; x) Factura n.º 121, no valor de €47.566,12, datada e com vencimento em 28-04-2016; xi) Factura n.º 160, no valor de €54.166,14, datada de 31-05-2016 e com vencimento em 30-06-2016; xii) Factura n.º 193, no valor de €36.466,76, datada e com vencimento em 30-06-2016; xiii) Factura n.º 234, no valor de €59.561,62, datada e com vencimento em 29-07-2016; xiv) Factura n.º 271, no valor de €67.565,36, datada e com vencimento em 30-08-2016; xv) Factura n.º 296, no valor de €33.929,92, datada e com vencimento em 30-09-2016; xvi) Factura n.º 338, no valor de €61.387,53, datada e com vencimento em 28-10-2016; xvii) Factura n.º 414, no valor de €22.960,31, datada e com vencimento em 30-12-2016; xviii) Factura n.º 415, no valor de €6.568,20, datada e com vencimento em 30-12-2016; xix) Factura n.º 416, no valor de €1.199,25, datada e com vencimento em 30-12-2016; xx) Factura n.º 417, no valor de €4.613,29, datada e com vencimento em 30-12-2016; xxi) Nota de crédito n.º 50, no valor de €2.069,14, datada de 29-08-2016, num total de €471.833,87, acrescido de IVA, ou seja, €580.355,80. 15. A autora ainda emitiu e remeteu aos réus a Factura n.º 354, no valor de € 685,92, datada e com vencimento em 02-11-2016, referente a uma despesa com a ocupação de via pública e apoio policial suportada pela autora e da responsabilidade dos réus. 16. Todas as sobreditas facturas foram remetidas pela autora aos réus para pagamento e não devolvidas ou reclamadas. 17. Os réus efectuaram o pagamento das facturas identificadas em i) a xv) supra, e parte (€17.414,50) da factura identificada em xvi) supra, num total de €500.355,80 (valor já com IVA incluído). 18. Contudo, os réus não efectuaram, até à presente data, o pagamento das seguintes facturas: a) remanescente da factura identificada em xvi) supra, no montante de €43.973,03; b) a totalidade das facturas identificada em xvii) a xx) supra e, c) a totalidade da factura n.º 354 referida em 15., num total de €80.000,00. 19. Não obstante as diversas interpelações, verbais e escritas, efectuada pela autora aos réus para o efeito. 20. Consta da Cláusula Décima Nona, sob a epígrafe “Atrasos na Execução da Empreitada”, terem as partes acordado no seguinte: “1. Salvo determinação em contrário, o EMPREITEIRO iniciará os trabalhos no praxo máximo de 8 (oito) dias corridos após a data de assinatura do Auto de Consignação, sob pena de lhe ser aplicada, por semana de atraso, multa de 5% (cinco por cento) do valor do Contrato e eventualmente rescisão do presente contrato. 3. Sempre que se verifiquem atrasos na execução dos trabalhos, e independentemente de o EMPREITEIRO poder recuperar tais atrasos, poderá o DONO DE OBRA resolver o contrato se os atrasos, em qualquer um dos trabalhos, excederem os 20% (vinte por cento) do respetivo período Global. 4. Sem prejuízo das demais sanções previstas na Cláusula Décima Oitava do presente Contrato, ser-lhe-á aplicada, até ao final dos trabalhos ou à resolução do presente contrato, a seguinte multa diária: a) 1%º (um por mil) do valor do Contrato, num primeiro período correspondente a 15 (quinze dias); b) Em cada período subsequente de igual duração, a multa sofrerá um acréscimo de 1%º (um por mil)”. 21. Desde o seu início, a obra começou a sofrer atrasos que, não obstante as muitas promessas da autora de recuperação, se foram agravando, só tendo os réus sido convocados para a assinatura do auto de recepção provisória mais de 4 meses depois do fim previsto para a sua conclusão. 22. Os sucessivos atrasos da obra ocorreram por factos imputáveis, sensivelmente, em igual medida, à autora que se atrasou na execução da empreitada, em particular na fase inicial de estruturas e no planeamento e gestão da obra, e aos réus que foram solicitando alterações ao projecto na fase de acabamentos que causaram entropias no ritmo dos trabalhos. 23. As alterações solicitadas pelos réus, ocorreram no decurso da obra já depois de se verificarem atrasos no planeamento da fase inicial das obras, e consistiram, designadamente, no aumento dos quartos (acrescento de 1,85 m2 e de 1,15 m2, da área de cada um dos quartos do piso 1), no aumento da cozinha (acrescento de 2,20 m2 de área), modificação das escadas e intervenção num muro de betão, tendo parte dessas modificações implicado a apresentação de um projecto de Alterações. 24. Para além disso, foram pedidas pelos réus à autora modificações de menor envergadura, que também contribuíram para atrasar a realização da obra. 25. A autora sempre acedeu e executou essas alterações a pedido dos réus, sem pedir a prorrogação do prazo da obra. 26. Inicialmente, os réus procederam aos pagamentos à autora, de acordo com o que se encontra previsto no contrato, isto é, 30 dias após a receção das faturas que iam sendo elaboradas de acordo com os autos de medição mensalmente aprovados. 27. Em outubro de 2016, os réus falaram com a fiscalização das obras a respeito das contas da empreitada e quanto ao valor acumulado das multas pelo atraso na sua execução. 28. Por email datado de 26-10-2016, a autora solicitou à fiscalização da obra, a cargo da arquitecta MM, o envio de um mapa financeiro referente à obra como combinado no dia anterior. 29. No seguimento desse email, no mesmo dia 26-10-2016, a arquitecta responsável pela fiscalização da obra, enviou à autora um email, com conhecimento para os réus, com o seguinte teor: “Olá em anexo o mapa de faturação da obra e o mapa de cálculo de multas conforme contrato de adjudicação. Ficou de nos enviar a data de conclusão de obra, estamos a aguardar. Obrigada”, o qual anexou o mapa de facturação e um cálculo das multas por atraso na execução da obra, nos termos dos doc. n.º 71 junto com a contestação. 30. Os referidos anexos, para além do apuramento do valor facturado e por facturar, contém uma relação dos trabalhos a mais e a menos e das alterações da empreitada, bem como um cálculo das penalidades, referentes a 8 períodos quinzenais, calculados entre 15-07-2016 e 03-11-2019, no valor acumulado de €262.363,86. 31. A questão das penalidades foi, antes da entrega provisória da obra, mencionada em conversas com autora, como forma de pressão para que os trabalhos fossem concluídos o mais depressa possível. 32. Os réus atrasaram os pagamentos das últimas facturas, e apenas realizaram em 21-11-2016, o pagamento da quantia de €30.000,00, em 16-02-2017 o pagamento da quantia de €68.909,78, e em 09-07-2017 da quantia de €20.000,00, como forma de pressão para que os trabalhos em falta fossem concluídos e os defeitos corrigidos. 33. Os réus não pretenderam entrar em conflito ou em ruptura com a autora e ter de contratar um novo empreiteiro que procedesse à reparação dos defeitos e realizasse os trabalhos em falta. 34. Embora não com a celeridade desejada pelos réus, a autora foi resolvendo algumas situações pendentes em obra, enquanto insistia pelos pagamentos em falta. 35. A obra, com referência a Março de 2021, apresentava alguns defeitos ainda não corrigidos pela autora, nomeadamente, os identificados no relatório da perícia junta aos autos e que se referem, essencialmente, a anomalias relativas a: i) infiltração num ponto de iluminação na pala da fachada principal; ii) infiltrações na I.S. da suite; iii) infiltrações no quarto de vestir (closet); iv) infiltrações na zona da casa das máquinas; v) infiltrações no corredor - troço anexo à I.S. comum; vi) anomalia em tecto falso da I.S. comum, nos termos do relatório pericial e esclarecimentos juntos aos autos. 36. Nos termos da perícia realizada, e sem prejuízo da proposta de rectificação da anomalia referida em i), corresponder a uma solução de recurso que não resolve definitivamente o problema, o custo de reparação destas anomalias, sem ter em consideração a margem de lucro e despesas administrativas, foi calculado em €3.000,00, acrescido de IVA à taxa legal. 37. Consta da Cláusula Segunda, sob a epígrafe “Regime de Empreitada”, o seguinte: “1. A Empreitada rege-se pelo disposto no presente Contrato e os documentos Anexos que dele fazem parte integrante. (…) 3. Em tudo quanto o presente Contrato e documentos Anexos sejam omissos, aplicar-se-á o disposto no então Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março”. *** Pretende a recorrente que seja alterado o facto n.º 22 º, passando a dar-se por provado: «não obstante o atraso inicial na execução da empreitada, em 26 de Abril de 2016 ainda era possível concluir a obra dentro do prazo contratualmente previsto»; e que «a partir de meados de Maio de 2016, os Recorridos solicitaram alterações ao projecto na fase de acabamentos que causaram entropias no ritmo dos trabalhos», e, consequentemente, que seja dado por não provado que «o atraso na conclusão dos trabalhos de empreitada ocorreu por factos imputáveis à Recorrente» e ainda que sejam aditados mais dois factos, a saber: a) «Que, após as alterações solicitadas pelos Recorridos (constantes dos factos provados n.ºs 23 e 24), foram sendo entregues pela Recorrente e discutidos pelas partes novos planeamentos de obra e novos prazos para a sua conclusão»; b) « Da liquidação da conta final da empreitada não resultam quaisquer multas contratuais». Sobre esta pretensão decisão singular disse o seguinte: «Comecemos por relembrar a fundamentação da resposta do tribunal ao tema dos atrasos da obra e suas consequências no pagamento do valor reclamado pela execução da empreitada (fundamentação conjunta dos factos provados n.º 21, 22, 23, 24 e 25): «teve o tribunal em consideração a globalidade da prova produzida, em particular, o que se refere nos autos de medição e nas actas das reuniões semanais de obra, objecto de análise e de confronto com as partes e com as testemunhas no decurso da audiência, sendo certo que na formação do juízo formulado pelo tribunal socorreu-se o julgador das regras da experiência e de presunções, na medida em que permitiram concluir que a actuação de ambas as partes do contrato foi causal dos atrasos verificados. Assim, começou o tribunal por ter em consideração as declarações de parte do representante legal da autora e dos réus que se imputaram, reciprocamente, a responsabilidade pelo não cumprimento do prazo de entrega da obra, sendo certo que atenta a natural parcialidade deste meio de prova, foi o mesmo subvalorizado em relação ao que decorre da prova documental produzida e do depoimento das testemunhas. A este respeito, foi atendido essencialmente, da parte da autora, o depoimento das testemunhas NG e PF, sendo certo que a primeira tinha conhecimento directo dos factos por ser arquitecto e representante da autora na empreitada, enquanto a segunda tinha apenas um conhecimento mais vago desta factualidade por ter tratado mais das questões respeitantes à parte burocrática da obra, sem que se tenha deslocado com regularidade ao local. Assim, de forma algo comprometida por se tratar da sindicância do seu trabalho – que a testemunha que assegurou a fiscalização considerou não ter sido de qualidade –, esclareceu a testemunha NG as diversas fases da obra e os pedidos de alterações que foram sendo formulados pelos réus e suas implicações no cumprimento do prazo da obra. Identificou algumas dessas alterações, como seja as referentes ao aumento da cozinha, às sucessivas alterações das escadas, etc., fazendo ainda referência à questão da escolha dos materiais, alegando que foi alertando para os atrasos que tal implicava, mas admitindo que tal não ficou a constar das actas das reuniões de obra, pelo que foi, nesta parte, menos credível. Ainda assim, confrontado com a questão do cronograma, admitiu que este era revisto pela autora, mas que não alteravam a data de entrega da obra por acharem, durante muito tempo, que tal ainda era possível. Finalmente, reconheceu as dificuldades iniciais com a questão da execução do betão à vista, as quais ficaram, efectivamente, patentes da análise dos mapas de planeamento sucessivamente reformulados, estimando em cerca de 2 meses o atraso na fase das estruturas. Pelos réus, por sua vez, foram arroladas como testemunhas PRS ousa e MM, ambos arquitectos, o primeiro responsável pelo projecto e que, mais do que as implicações em termos de atrasos, se referiu à execução e vicissitudes da obra, enquanto a segunda, enquanto responsável pela fiscalização, participante e redactora das reuniões de obra prestou o seu depoimento de forma completa e mais exaustiva, revelando toda a sua razão de ciência quanto aos factos em análise. Assim, do depoimento da testemunha PRS resultou a memória que este guardava das condições em que foi contratado para elaborar o projecto da casa dos réus, bem como a referência à questão do betão à vista que, na fase das estruturas, implicava alguma sabedoria e experiência, referindo não ter o empreiteiro conseguido atingir o resultado previsto logo ao início. Tal implicou a realização de experiências e alguma perda de tempo. Referiu-se, ainda, às alterações que foram pedidas ulteriormente, entendendo-as como normais no decurso de uma obra e ter considerado que a relação entre os donos da obra e o empreiteiro foi boa e não ter ideia de grandes dificuldades, embora tenha reconhecido não ser sua grande preocupação a questão dos prazos da obra. Afirmou que, devido a algumas alterações foi necessário elaborar novos desenhos, como terá sucedido no caso da ampliação da cozinha e recuo da pala, com eventual confirmação com o engenheiro responsável pelas estruturas, e recordou ainda outras modificações, parte das quais fez constar do Projecto de Alterações que apresentou ulteriormente na Câmara Municipal, e cuja junção o tribunal determinou por forma a ter noção da relevância dessas alterações de natureza mais estrutural. Por sua vez, o depoimento da testemunha MM, a respeito da questão dos atrasos, foi mais incisivo em qualificar a actuação da autora e a própria gestão e planeamento da obra como deficiente, apontando como uma das causas a circunstância da autora ter também em execução a obra do lote contíguo e ter procurado algumas sinergias. Pronunciou-se acerca de várias situações concretas em que tal sucedia, nomeadamente, quando confrontada no decurso da audiência com os cronogramas e com as actas das reuniões de obra, apontando diversas situações em que alertou para a derrapagem dos trabalhos. Acrescentou, de forma credível, que ia sempre sendo prometido pela autora que ira conseguir compensar esses atrasos mas sem que visse empenho em fazê-lo, como seja, através da colocação de mais trabalhadores em obra. Ainda a respeito deste tema, e sem prejuízo da relevância deste depoimento para compreender o contexto da celebração do contrato a que já acima se fez referência e à inclusão das cláusulas do prazo e das penalidades, bem como quanto à contratação da autora, distinguiu a testemunha a obra em duas fases. A primeira respeitante às estruturas afirmou que deveria ter sido concluída em 4 meses e foi executada com atrasos pela autora, pelo que se sobrepôs à fase seguinte de instalações técnicas e acabamentos que era para se iniciar em Novembro de 2015 e só começou em Janeiro, o que implicou um atraso de 3 meses, sendo certo que, de acordo com esta testemunha, também o deficiente planeamento afectou a segunda fase de execução da obra, dando entre outros exemplos o atraso na encomenda das caixilharias por parte da autora de que dependiam outras intervenções no interior do imóvel. Em relação a estes depoimentos, por se nos ter afigurado que, pelo menos em termos dos factos a que se referiram, foram genericamente, credíveis, ainda que algo parciais, valorou o tribunal as referidas declarações dando, ainda assim, preferência ao depoimento da testemunha MM que nos pareceu ter sido o mais sincero e espontâneo, bem como conforme com o que resulta das actas de reunião de obra que, em diversos momentos e com frequência, alertam para os atrasos verificados (cfr., v.g., capítulo 3. sobre o planeamento constante da acta da reunião de obra n.º 33, 38, 41, 44, 45, 48, 55, 59, 63, 64, 65, 66, 67). Em abono desta convicção, foram ainda valorados os planos de calendarização da obra, tendo a mencionada testemunha referido que a autora, apesar de se ter vindo a tornar evidente que não ia cumprir, mantinha sempre como data final a acordada no contrato, porventura por não querer suportar penalizações, e só muito tardiamente apresentou uma nova calendarização, sem, contudo, pedir uma prorrogação do prazo de entrega da obra, o que teria implicações contratuais. Neste sentido, conforme se referiu, a testemunha da autora que acompanhava a obra admitiu expressamente ser o atraso na parte inicial da obras (crê-se, que muito por causa da questão do betão à vista, que exigia conhecimentos e experiência específica) imputável à autora e que tal se deveria situar nos dois meses, sendo certo que, conforme ficou demonstrado, tal atraso nunca chegou a ser recuperado, obrigando, inclusive, conforme resultou da prova produzida pelos réus, a que a fase dos acabamentos tivesse de decorrer sem se assegurar o tempo necessário para o efeito. Tal reflectiu-se, nomeadamente, na escolha de materiais, conforme sucedeu com a pedra e com os revestimentos de madeira, cujas amostras não mereceram a aprovação dos donos da obra e do arquitecto responsável, obrigando a que estes tivessem de encontrar diferentes fornecedores desses materiais, o que teve também consequências no cumprimento do prazo da obra. Por outro lado, ficou provado que, para além destas alterações e de outras alterações menores que ocorrem habitualmente na execução das empreitadas e que já se encontram acomodadas na sua previsão, no caso concreto, ocorreram algumas modificações e pedidos de alteração considerados mais relevantes e que implicaram, inclusive, reconstrução de certas divisões, conforme sucedeu com os quartos e com a cozinha que foram ampliados. Tal implicou, nomeadamente, a intervenção do arquitecto Reynolds de Sousa, tendo este esclarecido a natureza dessas alterações e o que tal implicou em termos do seu trabalho, tendo tal ficado evidenciado pela análise do Projecto de Alterações apresentado à Câmara e que foi junto no final da audiência, podendo através da sua análise visualizar-se a amarelo e a vermelho as diferenças em relação ao projecto inicialmente apresentado. Com base no depoimento das testemunhas, concretizou o tribunal as modificações mais relevantes, aditando, contudo, em relação aos quartos e à cozinha as diferenças de área, por forma a compreender-se melhor a sua relativa importância e aferir das consequências que trouxeram para o atraso na obra que se considerou, num juízo equitativo, ser próximo ou de igual medida ao imputável à responsabilidade da autora. Com base na apreciação conjunta destes elementos de prova, e face às versões contraditórias a respeito das causas e responsabilidade pelo atraso de cerca de 4 meses na entrega provisória da obra, considerou o tribunal que tal imputação deverá ser considerada, em termos fácticos, como tendo origem tanto na actuação da empreiteira como dos donos da obra, porquanto ficou evidenciado que ambos contribuíram para esse atraso final, entendendo-se que o fizeram em medida sensivelmente equivalente». Nada temos a censurar a este juízo que se mostra fiel à prova produzida e revela sentido crítico e bom senso. Realmente da prova produzida, designadamente testemunhal, conjugada com o exame da demais documental acima requerida (cláusulas do contrato, auto de recepeção provisória da obra, 20 autos de medição, atas da obra, projecto de alterações), resulta que a obra, que era suposto, em termos contratuais, ser entregue em 7.7.2016, acabou por ser entregue em 16.11.2016, 133 dias depois do prazo acordado, com um excesso de duração da obra de 36%. Para a recorrente este excesso foi devido ao comportamento dos réus que exigiram alterações significativas a nível estrutural; para os réus esses atraso fica a dever-se à actuação pouco rigorosa e deficiente da autora que por falhas de planeamento e gestão da obra e até de coordenação dos trabalhos, designadamente na fase inicial em que houve um atraso de 2 meses, fez com que a empreitada só terminasse em novembro;. Ora se é verdade que a testemunha NG, representante da autora na obra, afirmou que houve alterações pedidas pelos réus que causaram atrasos na entrega, e deu como exemplo as referentes ao betão à vista, às escadas de entrada, à pala da varanda, às pedras, ao pavimentos de madeira a usar no interior da moradia, à cozinha e a um quarto, o que foi confirmado pelo engenheiro PF, este sem grande conhecimento imediato da obra, que poucas vezes visitou, e pelo arquitecto PRS, autor do projecto inicial de arquitectura, e ainda pela fiscal da obra, arquitecta MM, que indicou a pala, cozinha, escadas e o quarto de cima como as alterações estruturais mais relevantes, mas longe de causarem por si atrasos na obra, também é inquestionável que desde o princípio, na primeira fase, durante os primeiros quatro meses, a obra começou a atrasar-se por deficiência de planeamento (ao todo a obra teve 14 planeamentos), de gestão (o representante da autora na obra revelou-se inexperiente e não muito apto), com experiências preliminares demoradas com o betão à vista sobretudo para a moradia A, que deixou para trás, sobrepondo-se, a feitura do betão na moradia B, ao ponto de quando se começou a segunda fase (de instalação e técnica de acabamentos) , em janeiro de 2016, a primeira fase ainda não estar terminada, e de só em maio de 2016 a autora ter reconhecido que a empreitada estava atrasada, tempo de demora que nunca foi recuperado, por falta, repita-se de programação atempada e de gestão adequada, conforme tão bem explicou a arquitecta MM. Não há, pois qualquer razão para alterar o que bem decidido foi no primeiro grau, e, consequentemente em dar como não provado que os atrasos foram imputáveis à recorrente. Como não há motivo algum para se aditar a matéria pretendida pela recorrente, pois o que se provou foi apenas o que já consta do facto n.º 23, que não é impugnado, não tendo havido qualquer acordo que incidisse sobre a prorrogação do prazo da obra, assim como em relação à conta final da empreitada e à multa o que se mostra provado é o que já consta dos factos 28, 29,30 e 31, provado com base no mail de 26 de outubro de 2016 da autoria de MM, do depoimento desta e das declarações de parte da autora». Confirma-se esta reapreciação do julgamento de facto *** 3. Da intempestividade da aplicação das multas Argumentou sobre este capítulo o primeiro grau: «É do seguinte teor a cláusula 19.ª (ATRASOS NA EXECUÇÃO DA EMPREITADA) 1. Salvo determinação em contrário, o EMPREITEIRO iniciará os trabalhos no prazo máximo de 8(oito) dias corridos, após a data de assinatura do Auto de Consignação, sob pena de lhe ser aplicada, por semana de atraso, multa de 5% (cinco por cento) do valor do Contrato e eventualmente rescisão do presente Contrato. 3. Sempre que se verifiquem atrasos na execução dos trabalhos, e independentemente de o EMPREITEIRO poder recuperar tais atrasos, poderá o DONO DA OBRA resolver o contrato, se os atrasos, em qualquer um dos trabalhos, excederem 20% (vinte por cento) do respectivo período global. 4. Sem prejuízo das demais sanções previstas na Cláusula Décima Oitava do presente Contrato do presente Contrato, ser-lhe-á aplicada, até ao final dos trabalhos ou à resolução do presente contrato, a seguinte multa diária: a) 1%o (um por mil) do valor do Contrato, num período correspondente 15 (quinze) dias. b) Em cada período subsequente de igual duração, a multa sofrerá um acréscimo de 1%o (um por mil). 5. (…). 6. (…). 7. (…). Estipula a cláusula 18.ª para a qual remete aquele número 4 (RESPONSABILIDADE): 1. Todos e quaisquer danos resultantes da execução da empreitada ou com elas relacionados, causados pelo DONO DA OBRA, ao pessoal desta ou a terceiros pelo pessoal que que o EMPREITEIRO utiliza, trate-se ou não de trabalhadores seus, são da exclusiva responsabilidade do EMPREITEIRO. 2. São da responsabilidade do EMPREITEIRO quaisquer coimas ou multas resultantes de violação das normas sobre higiene, saúde e segurança no trabalho. E a cláusula 20.ª diz o seguinte: (INCUMPRIMENTO DO CONTRATO PELO EMPREITEIRI) 1. (…). 2. O EMPREITIERO tem o dever de eliminar os defeitos que puderem ser suprimidos ou realizar nova obra se estes não puderem ser eliminados. 3. Havendo incumprimento do EMPREITEIRO em relação ao referido no número anterior, o DONO DA OBRA tem direito a resolver o Contrato, mediante carta registada com aviso de recepção. 4. A resolução prevista no número anterior não prejudica o direito do DONO DA OBRA ser indemnizado, podendo haver para si as quantias retidas, a título de depósito de garantia, executar de imediato as garantias bancárias previstas na Cláusula Vigésima Sexta do presente Contrato e, bem assim, suspender o pagamento das quantias em dívida ao EMPREITEIRO. 5. ( ). Vem a reprodução destas cláusulas a propósito da questão central do recurso, ou seja, saber se a recorrente é ou não devedora das penas contratuais reclamadas pelos réus e levadas em consideração pelo tribunal. Está em causa a aplicação do número 4 da cláusula 19.ª do Contrato, que se relaciona com as restantes cláusulas citadas. As partes não divergem quanto à qualificação da cláusula feita pelo primeiro grau: trata-se de uma cláusula penal de índole compulsória. Seria, por isso, talvez ocioso tecer considerações suplementares a esse respeito. No entanto, para um melhor enquadramento daquilo que vamos expor de seguida e por respeito aos patres justifica-se que lembremos alguns traços de regime da figura e sua evolução. Deve-se, como é sabido, a António Pinto Monteiro (autor que estranhamente o primeiro grau não cita) a obra mais importante sobre o tema: Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990. No fundo, a proposta do autor, em alternativa à posição que, tradicionalmente, se vinha sufragando, é a seguinte: «cláusula penal e indemnização predeterminada não constituem sempre e necessariamente termos sinónimos, como sucede quando a primeira é estipulada a título compulsório, ou seja, enquanto específico mecanismo coercitivo ao cumprimento; neste caso, a sua natureza sancionatória impede que a consideremos como forma de liquidação prévia do quantum respondeatur» (760). Tradicionalmente, a tese de longe dominante adoptava um conceito unitário bifuncional da cláusula penal, atribuindo a esta uma natureza essencialmente indemnizatória: «tem-se entendido-é essa a posição dominante-que cabe à cláusula penal uma dupla função, a exprimir nos seguintes termos: ela constitui, por um lado, um meio de pressão, destinado a estimular o devedor ao cumprimento, e, por outro lado, uma forma de liquidação antecipada e convencional do dano» (16). Ora o autor reage contra esta tese: «não está em causa a aptidão da cláusula penal para desempenhar uma ou outra função. O que recusamos é a redução da pena a uma indemnização predeterminada, ainda quando ela haja sido estipulada a título compulsivo-sancionatório. Haverá que distinguir, assim, várias espécies de cláusulas penais, à luz do escopo visado pelos contraentes» (288) Na verdade, às vezes os contraentes recorrem à cláusula penal apenas para fixarem desde logo a indemnização que será devida em caso de incumprimento da obrigação principal; «outras vezes, porém, o escopo das partes não é esse. Dada a especial natureza do contrato e, bem assim, o particular interesse do credor no efectivo cumprimento do mesmo, ele só contrata mediante a inclusão de uma pena com o fim de incutir na outra parte a necessidade de respeitar as obrigações assumidas. O credor, designadamente quando o seu interesse só será cabalmente satisfeito pelo efectivo cumprimento do contrato, utiliza a cláusula penal, pois, como instrumento de pressão, compelindo a outra parte, através da ameaça especial que sobre ela passa a impender, em virtude de ter de efectuar outra prestação –mais gravosa-, caso não cumpra ou não cumpra devidamente a prestação a que se obrigou» (300). O legislador, aderindo à posição então dominante, concebeu a claúsula penal como forma de fixação antecipada do montante da indemnização (artigos 810.º, 811.º e 812.º CC), mas tal não significa que não haja espaço, no nosso ordenamento jurídico, mormente fazendo actuar o artigo 405.º, para uma outra espécie de cláusula penal, a saber, aquela cujo escopo é coercitivo e a sua índole exclusivamente compulsivo-sancionatória. Acresce que a especificidade desta cláusula se traduz no facto de ela ser acordada como um pluscomo algo que acresce à indemnização pelo não cumprimento (604/605). Não podemos deixar de registar que foi o acórdão do STJ de 3 de novembro de 1983, que pôs, pela primeira vez, «o dedo na ferida», tendo destacado esta função compulsória da cláusula penal, dando origem a anotações de alguns dos nossos conceituados civilistas e que ainda hoje com a maior utilidade (inclusivamente para o caso vertente) podem ser consultadas na Revista da Ordem dos Advogados, 1985-I e 1987-I (Ferrer Correia, Henrique Mesquita, Antunes Varela, Calvão da Silva). As considerações acabadas de fazer assentam como uma luva no caso sujeito. O n.º 4 da Cláusula 19.ª actua como instrumento de feição compulsória, em ordem a incentivar o rigoroso cumprimento das obrigações do EMPREITEIRO, é uma cláusula penal moratória que acresce à indemnização que for devida ex cláusula 20.ª. Até aqui não há divergência de maior entre as partes (e a posição do tribunal). As divergências começam quando se trata de apurar se os réus deixaram precludir o seu direito de reclamar as multas contratuais porquanto deixaram passar o prazo referido no contrato para o efeito. A número 4 da cláusula 19.ª estipula que será aplicada uma multa diária «até ao final dos trabalhos ou à resolução do contrato». Tal não justifica, a nosso ver, o entendimento da recorrente, que se pode traduzir desta forma: manter um meio para obter um fim definitivamente frustrado não faz sentido. Este raciocínio foi acolhido, por exemplo pelo o acórdão desta 8.ª Secção de 7.4.2011, Proc. 1033/10.4YRLSB.L1- quando se diz que «estas penalidades revestem a natureza de cláusula penal moratória com finalidade compulsória e a sua aplicação está sujeita a um termo final alternativo: o fim dos trabalhos ou a rescisão do contrato. No caso dos autos, não se verificou a rescisão do contrato pelo que a aplicação das penalidades está sujeita ao final dos trabalhos, ou seja, a sua finalidade compulsória leva a que se não justifique a sua aplicação depois de findos os trabalhos. A aplicação destas penalidades tem como objectivo levar o empreiteiro a cumprir e a terminar os trabalhos dentro dos prazos; concluídos os trabalhos, não há qualquer justificação para aplicação destas penalidades. Daqui, a importância de se definir quando se devem considerar concluídos os trabalhos». Parece-nos que a aplicação das penalidades não tem de ser vista forçosamente assim. No referido acórdão do STJ de 3 de novembro de 1983, onde se coloca uma questão semelhante a esta, argumenta-se: «tendo as multas impostas ao empreiteiro o fim de compulsão ao cumprimento do contratualmente devido e verificando-se o termo da execução com a recepção provisória da obra só poderão ser exigidas multas anteriores a essa data. O objectivo das multas e da razão de ser da sua estatuição cessaram. Logo: deve cessar a exigência da sanção ou pena para além da extinção do negócio jurídico, da sua vigência». Como explica Pinto Monteiro «a mora acarreta um dano a se, que não é eliminado pelo ulterior cumprimento da obrigação. Verificado este, cessa a mora, mas não são apagados os danos produzidos enquanto esta situação perdurou. Ora, são precisamente estes danos que a cláusula penal moratória visa reparar. Trata-se de danos autónomos, em relação àqueles que o não cumprimento definitivo possa vir a causar, e que correspondem, uns e outros, a duas violações diferentes do contrato» (432). A entrega da obra liberta o empreiteiro da obrigação principal de executar a obra, mas continua obrigado a satisfazer as multas vincendas decorrentes da cláusula penal inserida no contrato. Até porque, estando em causa uma verdadeira cláusula penal moratória, a sua função não se esgota na compulsão, antes acresce à indemnização pelo atraso (João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra, 1987:260). A função do referido segmento da cláusula 19.ª é a de delimitar temporalmente o valor da indemnização, que doutra forma poderia traduzir-se em valores incomportáveis para o empreiteiro, sendo certo que é tendência natural da indemnização correspondente à mora aumentar à medida que se dilata o respectivo período, demarcando para isso a ocorrência dos atrasos que a verificarem-se naquele período poderiam dar origem á aplicação de multas. De resto, embora este argumento esteja longe de ser decisivo, não é inteiramente verdade que durante o período de duração da obra não tenham sido «aplicadas» (improprio sensu) multas. Realmente Madalena Moreira afirmou «que só se começou a fazer referência ao tema das penalidades já quando era evidente que os prazos não iriam ser cumpridos», «que essas referências eram mais informais e não ficaram a constar das actas das reuniões, resultando, contudo, do teor do email que foi por si remetido que esse era um tema que havia sido objecto de debate com os donos da obra e que foi usado como forma de pressão para a autora terminar em tempo a execução a obra»». Também neste capítulo se sufraga a decisão proferida. *** 4. Da não aplicação subsidiária do DL n.º 59/99, de 2 de março e da aplicação aos autos do disposto nos artigos 201.º, n.º 5, 233.º, n.ºs 3 e 4 e 221.º, al. a) daquele diploma Argumenta a decisão singular: «A interpretação que fazemos da cláusula, naturalmente de acordo com a teoria da impressão do destinatário (artigos 236.º e 238.º CC) não é de modo nenhum invalidada pela convocação do regime do DL n.º 59/99, de 2 de março. Deriva do artigo 201.º deste diploma, entretanto revogado, que “[s]e o empreiteiro não concluir a obra no prazo contratualmente estabelecido, acrescido de prorrogações graciosas ou legais, ser-lhe-á aplicada, até ao fim dos trabalhos ou à rescisão do contrato, a seguinte multa contratual diária, se outra não for fixada no caderno de encargos: (…) a) 1‰ do valor da adjudicação, no primeiro período correspondente a um décimo do referido prazo; (...) b) Em cada período subsequente de igual duração, a multa sofrerá um aumento de 0,5‰, até atingir o máximo de 5‰, sem, contudo e na sua globalidade, poder vir a exceder 20% do valor da adjudicação” [n.º 1], que “[a] requerimento do empreiteiro ou por iniciativa do dono da obra, as multas contratuais poderão ser reduzidas a montantes adequados, sempre que se mostrem desajustadas em relação aos prejuízos reais sofridos pelo dono da obra, e serão anuladas quando se verifique que as obras foram bem executadas e que os atrasos no cumprimento de prazos parciais foram recuperados, tendo a obra sido concluída dentro do prazo global do contrato” [n.º 3], que “[n]os casos de receção provisória de parte da empreitada, as multas contratuais a que se refere o n.º 1 serão aplicadas na base do valor dos trabalhos ainda não recebidos” [n.º 4] e que “[a] aplicação de multas contratuais nos termos dos números anteriores será precedida de auto lavrado pela fiscalização, do qual o dono da obra enviará uma cópia ao empreiteiro, notificando-o para, no prazo de oito dias, deduzir a sua defesa ou impugnação” [n.º 5]. Por sua vez, o artigo 233.º preceitua que “[a]s multas contratuais aplicadas ao empreiteiro e os prémios a que tiver direito no decurso da execução da obra até à receção provisória serão descontados ou acrescidos no primeiro pagamento contratual que se lhes seguir” [n.º 1], que “[a]s multas contratuais aplicadas e os prémios concedidos posteriormente à receção provisória serão liquidados e pagos nos termos estabelecidos para as deduções ou pagamentos nesse período” [n.º 2], que “[n]enhuma sanção se considerará definitivamente aplicada sem que o empreiteiro tenha conhecimento dos motivos da aplicação e ensejo de deduzir a sua defesa” [n.º 3] e que “[f]eita a receção provisória, não poderá haver lugar à aplicação de multas contratuais correspondentes a factos ou situações anteriores” [n.º 4]. A recorrente pretende ver aplicada esta última prescrição ao contrato dos autos, porque, argumenta, na cláusula segunda, n.º 5 do contrato se estipula que «em tudo o quanto o presente Contrato e documentos Anexos sejam omissos, aplicar-se-á o disposto no então Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março». Estamos diante de uma cláusula de natureza subsidiária e não supletiva. Como é sabido, enquanto a primeira permite a sua utilização em caso de omissões ou lacunas do contrato, a segunda é complementar do contrato e serve para aperfeiçoar e suprir as falhas neste detetadas. Pois bem, para que se aplicasse a regra do n.º 4 do citado artigo 233.º forçoso seria concluir estarmos perante uma lacuna a carecer de integração. Não nos parece que tal se possa concluir. Vejamos porquê. O DL 59/99 estabelece o regime de um contrato administrativo (de empreitada de obras públicas) que Marcello Caetano define como «o contrato celebrado entre a Administração e outra pessoa com o objecto de associar esta por certo período ao desempenho regular de alguma atribuição administrativa, mediante prestação de coisas ou de serviços, a retribuir pela forma que for estipulada, e ficando reservada aos tribunais administrativos o conhecimento das constestações, ente as partes, relativas à validade, interpretação e execução das suas cláusulas» (Manual de Direito Administrativo, 9.ª ed., Tomo I, Coimbra Editora, Lisboa, 1970:563). Ainda que esta definição possa estar datada, cremos que ainda é possível sustentar, como aquele professor, que «o que há de característico no contrato administrativo é a sujeição especial do particular ao interesse público traduzida no dever de acatamento das leis, regulamentos e actos administrativos que se refiram às condições jurídicas e técnicas de carácter circunstancial (não essencial) estipuladas quanto à execução de obrigações contraídas desde que seja mantido o princípio da colaboração livre e remunerada» (566). Daqui que fosse comumente entendido que a aplicação de multas constituísse um acto administrativo, a que se aplicava o regime geral de impugnação desse acto (Jorge Andrade da Silva, Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2001:523 e jurisprudência aí citada). Este entendimento, que era talvez maioritário, não pode hoje negar-se à luz do artigo 307.º do Código dos Contratos Públicos, que estipula «que se revestem a natureza de ato administrativo as declarações do contraente público que se traduzem na aplicação de sanções previstas para a inexecução do contrato administrativo, sem que, entretanto, o Código estabeleça um regime diferenciado para os contratos de empreitada de obra pública» (Mário Aroso de Almeida, «Atos de aplicação de Sanções Contratuais: Sua Natureza Jurídica e Regime Processual», Católica Law Review, 2007-1:97). É, pois, indiscutível, que com o quadro existente para a contratação pública, sem excluir os contratos de empreitada de obras públicas, se acentuou a posição de supremacia jurídica do contraente público sobre o particular, que resulta de poder exercer certos poderes públicos de autoridade, mediante a prática de actos administrativos unilaterais e vinculantes que desigualizam as posições em que as partes estão colocadas. É claro, como não podia deixar de ser, num Estado democrático, que aos particulares se oferecem algumas garantias. Tratando-se de uma multa «aplicada pelo dono da obra», no exercício do poder de autoridade que ele detém, a sua imposição encontra na lei um procedimento que garante expressamente ao empreiteiro a sua defesa: «nenhuma sanção se considerará definitivamente aplicada sem que o empreiteiro tenha conhecimento dos motivos da aplicação e ensejo de deduzir a sua defesa» (artigo 233.º, 3). O procedimento inicia-se com um auto de fiscalização, prossegue com a audição do empreiteiro, e depois termina com a imposição da multa; a aplicação da multa por violação de prazos contratuais somente ocorre no termo desse procedimento. É dentro da mesma lógica garantistica, mas ao mesmo tempo visando fixar um marco estabilizador da relação contratual entre o empreiteiro e o dono da obra, que o nº4 do artigo 233º impede que depois da recepção provisória possa ter lugar a aplicação de multas contratuais relativas a factos ou situações anteriores (nesta linha de entendimento vão alguns arestos deste STA, cuja doutrina, embora tirada no âmbito de REOP anteriores se aplica substancialmente ao caso dos autos, v.g. AC STA de 03.11.94, Proc. 34859; AC STA de 11.07.95, Proc. 37114; AC STA de 13.11.97, Proc. 34125; AC STA de 01.06.2006, Proc.0428/05 e de 05.03.2015 Proc. n.º 0320/13. Ora, presentes o quadro normativo e considerandos de enquadramento antecedentes, não se afigura procedente a tese expendida pela recorrente de querer aplicar a este contrato um regime que só se compreende num quadro de uma relação não isonómica e publicística. Nem a autora é um particular sujeito ao imperium dos donos da obra nem estes estão dotados de um poder autoritário de afectar decisiva e unilateralmente a esfera pública da recorrente. De resto, não se percebe a razão pela qual tendo-se «decalcado», como diz a recorrente, no n.º 4 da cláusula 19.º o disposto no artigo 201.º, do DL 59/99 e feito referência específica a este decreto no n.º 6 não se transpôs também o regra do artigo 233.º, 4. O que se diz em relação ao artigo 233.º, 4 vale mutatis mutandis para o artigo 221.º, a). Havendo atrasos e aplicadas multas nos termos sobreditos é natural que na conta da empreitada se refiram, na conta corrente, as multas aplicadas. Mas daí não se retira qualquer argumento adicional ao que já decorre do disposto no artigo 233. Flui do exposto que não precludiu o direito dos recorridos de obter o pagamento da cláusula penal moratória do contrato, não sendo pelas razões avançadas aplicáveis ao caso sujeito o regime dos 201º, n.º 5, 233º, n.ºs 3 e 4 e 221º, al. a), todos do DL n.º 59/99, de 2 de Março, diploma que não quadra à relação privatística e paritária existente entre as partes. Não se pode dizer que a aplicação da cláusula penal se devia subordinar ao formalismo previsto para o efeito no art.º 201º, n.º 5, e art.º 233º, n.º 3 do DL n.º 59/99 nem que uma vez feita a receção provisória, não poderia haver lugar à aplicação de multas contruais correspondentes a factos ou situações anteriores. O citado artigo 233.º, 4, com o reforço do argumento retirado da al. a) do art.º 221º, não foi violada, porquanto factispecie inaplicável ao caso». O relator não fez qualquer pronúncia indevida porquanto jura novit cúria e tratou-se de interpretar com todos os elementos sistemáticos disponíveis as cláusulas do contrato, v.g. a cláusula segunda, n.º 5 do contrato que estipula que «em tudo o quanto o presente Contrato e documentos Anexos sejam omissos, aplicar-se-á o disposto no Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março. *** Pelo exposto, acorda-se em confirmar a decisão singular nos seus precisos termos. Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 2,00 UC de acordo com a Tabela a que se refere o artigo 7 do RCP. *** 27.04.2023 Luís Correia de Mendonça Maria Amélia Ameixoeira Maria do Céu Silva (Y) (Y) Voto de vencido Conforme resulta da matéria de facto provada, as partes estipularam, para o caso de se verificarem atrasos na execução dos trabalhos, a aplicação de multa diária “até ao final dos trabalhos ou à resolução do presente contrato”. “… estas penalidades revestem a natureza de cláusula penal moratória com finalidade compulsória e a sua aplicação está sujeita a um termo final alternativo: o fim dos trabalhos ou a rescisão do contrato… A aplicação destas penalidades tem como objectivo levar o empreiteiro a cumprir e a terminar os trabalhos dentro dos prazos; concluídos os trabalhos, não há qualquer justificação para aplicação destas penalidades” (www.dgsi.pt Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 7 de abril de 2011, no processo nº 1033/10.4YRLSB.L1-8). É este o entendimento que foi consagrado no art.º 233º nº 4 do DL 59/99, de 2 de março, diploma que aprovou o regime jurídico das empreitadas de obras públicas, e que se encontrava em vigor à data da celebração do contrato de empreitada em questão nos presentes autos. Resulta da disposição legal referida que, “feita a receção provisória, não poderá haver lugar à aplicação de multas contratuais correspondentes a factos ou situações anteriores”. É certo que a empreitada em questão nestes autos não é uma empreitada de obras públicas, mas certo é também que as partes estipularam que, “em tudo quanto o presente Contrato e documentos Anexos sejam omissos, aplicar-se-á o disposto no então Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março”, sendo várias as cláusulas contratuais onde é feita alusão ao DL 59/99, a saber: 7ª nº 2 al. g), 19ª nº 6, 20ª nº 5 e 23ª nº 1. Acresce dizer que a expressão “até ao final dos trabalhos ou à resolução do presente contrato” empregue no contrato de empreitada em questão nos presentes autos é semelhante à expressão empregue pelo legislador no art.º 201º nº 1 do DL 59/99. “… esta «multa por violação de prazos contratuais» apresenta-se com um cariz marcadamente «compulsório», pois através dela se procura sobretudo compelir ou estimular o empreiteiro a concluir as obras em atraso. Isso explica que ela se traduza numa «multa contratual diária» aplicada «até ao fim dos trabalhos ou à rescisão do contrato»” (www.dgsi.pt Acórdão do STA proferido a 5 de março de 2015, no processo 0320/13). O tribunal recorrido deu como não provado que, aquando do auto de receção provisória da obra, que ocorreu em 16-11-2019, a fiscalização da obra entregou aos réus o mapa atualizado do acumulado das multas pelo atraso na execução dos trabalhos da A., no valor total de € 319.209,36,” e que “este último cálculo foi referido nas conversas entre os réus e a fiscalização da obra e o legal representante da autora”. Assim, julgaria procedente o recurso. Maria do Céu Silva |