Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | VIEIRA LAMIM | ||
Descritores: | CRIME DE CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA CONCURSO EFECTIVO CONDENAÇÃO POR FACTOS DIVERSOS NULIDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/09/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROVIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | - Ao contrário do que sucede com a especialidade, a consunção só em concreto se pode afirmar, através da comparação dos bens jurídicos violados. - No caso, ao imprimir velocidade ao veículo e conduzi-lo em sentido contrário ao permitido, subindo o passeio, numa praceta onde se encontravam pessoas, o arguido praticou um crime de condução perigosa de veículo rodoviário. - Este crime consumou-se no momento em que o agente, na via pública, conduz um veículo em violação grosseira das regras de circulação rodoviária e cria os perigos previstos no preceito incriminador, nomeadamente para a integridade física de outrem, o que no caso resulta da condução em violação dos mais elementares deveres de cuidado, nomeadamente quanto às regras que impõem o sentido de marcha e obrigação de circulação pela faixa de rodagem, em via urbana onde é normal encontrarem-se pessoas no passeio. - Os crimes de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, por que o arguido foi condenado, consumaram-se quando o arguido agiu com o intuito pré-determinado de atingir as cinco pessoas concretas que ali se encontravam, conduzindo o veículo na direção das mesmas, só não tendo sido atingidas por se terem apercebido da ação do arguido e terem procurado refúgio. - O crime de ofensa à integridade física protege a própria ofensa a esse bem jurídico, enquanto o art.291, o perigo de violação desse bem jurídico, no caso este perigo vai para além daquelas concretas cinco pessoas, pois tudo ocorreu na via pública e em meio urbano. - Ocorre, deste modo, uma relação de concurso efetivo entre os dois crimes, como foi entendido na decisão recorrida. - Uma das funções do despacho acusatório é a delimitativa do objeto do processo, através da demarcação do thema probandum, bem como do thema decidendum. - Tendo o acórdão recorrido condenado por factos, inicialmente descritos no art.4 da acusação, mas eliminados pelo Ministério Público antes do decurso do prazo para requerer instrução, através de despacho que julgou extinto o respetivo procedimento criminal, teremos de reconhecer que condenou por factos diversos dos descritos na acusação, motivo de nulidade da sentença, nos termos da al.b, do nº1, do art.379, CPP, o que se declara. - Esta nulidade pode ser conhecida em recurso (nº2, do citado art.379, nº1) mas o vício reconhecido afeta, apenas, uma parte devidamente delimitada do acórdão sem qualquer repercussão no objeto do processo, delimitado pela acusação . - Esta solução, não tendo previsão expressa no CPP, decorre da aplicação subsidiária dos arts.615, nº4 e art.665, nº1, do CPC, que impõem o conhecimento do objeto do recurso apesar da nulidade da decisão que põe termo ao processo, não ocorrente no caso de substituição do tribunal recorrido, uma vez que este se pronunciou sobre o objeto do processo não abrangido pela nulidade reconhecida. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: Iº 1. No Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 300/18….., da Comarca de ….. (…. - JC Criminal - Juiz …), o Ministério Público acusou AA. O Tribunal, após julgamento, por sentença de 24 de maio de 2021, decidiu: “… Condena-se o arguido AA pela prática de cada um dos dois crimes de ofensa à integridade física simples, consumados, previstos e punidos pelo artigo 143°., n°.1, do Código Penal (um relativo ao ofendido BB e outro à ofendida CC), por que vinha acusado, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução por um ano. Condena-se o arguido AA pela prática de cada um dos cinco crimes de ofensa à integridade física qualificada, tentada, previstos e punidos pelos artigos 22°., 23°., 73°., 143°., e 145°., n°.1, alínea a) e n°.2, com referência à alínea h), do n°.2 do artigo 132°., do Código Penal, (um relativo ao ofendido BB; outro à ofendida CC; outro à ofendida DD; outro ao ofendido EE e outro ao ofendido FF), por que vinha acusado, na pena de nove meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano. Condena-se o arguido AA pela prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 291°., n°.1, al.b), do Código Penal e 69°., n°.1, al.a), do mesmo código, por referência aos art°s.11°., n°.3, 13°., n°.1, 17°., n°.1, do Código da Estrada, por que vinha acusado, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução por um ano. Em cúmulo jurídico das penas supra, condena-se o arguido AA na pena única de três anos de prisão, suspensa na sua execução por quatro anos. Condena-se o arguido AA pela prática do crime de crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 291°., n°.1, al.b), do Código Penal e 69°., n°.1, al.a), do mesmo código, por referência aos art°s.11°., n°.3, 13°., n°.1, 17°., n°.1, do Código da Estrada, por que vinha acusado, na sanção acessória de inibição de condução pelo período de 09 (nove) meses. ...”. 2. Desta decisão recorre o arguido AA, motivando o recurso com as seguintes conclusões: 1. O douto acórdão viola os artigos 1.º, al. f), 303º e 359º do Cód. de Proc. Penal, princípios da identidade da unidade ou indivisibilidade e da consunção do objecto do processo penal, bem como o princípio do contraditório e do asseguramento das garantias da defesa estando assim ferido de NULIDADE . 2. Ao condenar o arguido por dois crimes de ofensas à integridade física simples, consumados, previstos e punidos pelo artigo143º., nº.1, do Código Penal (um relativo ao ofendido BB e outro à ofendida CC), de que não vinha acusado, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução por um ano, consubstanciando assim, uma verdadeira alteração substancial dos factos descritos na acusação ou pronúncia. 3. Estando ferida de ilegalidade e consequente nulidade por condenar o arguido em pena de prisão, por crimes não constantes da acusação. 4. De igual modo, o acórdão ora em crise, apenas deveria condenar o arguido, caso a prova assim resultasse certa e provados os factos, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 291º., nº.1, al.b), do Código Penal e 69º., nº.1, al.a), do mesmo código, por referência aos artºs.11º., nº.3, 13º., nº.1, 17º., nº.1, do Código da Estrada, por que vinha acusado. 5. Sobe pena de ao condenar em concurso real e efectivo, com o de cinco crimes de ofensa à integridade física qualificada, tentada, previstos e punidos pelos artigos 22º., 23º., 73º.,143º.,e 145º., nº.1, alínea a) e nº.2, com referência à alínea h), do nº.2 do artigo 132º., do Código Penal, condenar o arguido por duas vezes pela prática dos mesmos factos, e ainda na sanção acessória de inibição de conduzir veículos. 6. 7. Ainda que se entenda manter a matéria de facto impugnada por esta via, sempre se deverá considerar excessiva e desproporcionada a pena de 9 meses de inibição de condução, sendo que nada consta sobre antecedentes estradais no acordão recorrido. 8. Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos dos n.os 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal. 9. Consideramos incorrectamente julgados os pontos 6; 7; 8; 12; 13; 14 ;15 e 16 os quais devem ser dados como não provados, devendo antes tal matéria dar-se como não provada, impondo decisão diferente da recorrida 10. A douta sentença está viciada por ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA, e Erro de julgamento, revelando as provas num sentido e extraindo a decisão recorrida ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada. 11. Conforme resulta dos depoimentos que se encontram gravados no sistema integrado de gravação digital, do arguido, e testemunhas DD ( 00:00 a 16:09); FF ( 00:00 a 13:53); EE (00:00 a 17:49); BB ( 00:00 a 13:59); CC ( 00:00 a 14:33). 12. Das declarações do arguido, bem como dos depoimentos contraditórios das testemunhas, sobre o arguido ter ou não transposto o passeio, qual o seu estado emocional, qual a sua intenção ou falta dela, bem como o facto de o veículo não ter sofrido danos consentâneos com as versões das testemunhas que afirmaram ter transposto o lancil do passeio, não poderia o Tribunal dar como provados os factos descritos na acusação, e dar por não provados os factos, nomeadamente que o arguido não tenha praticado os factos acima vertidos; que o veículo não tenha subido o passeio; que fosse impossível atingir os ofendidos dado poste no local; que o veículo tivesse necessariamente de ficar danificado com a apurada conduta do arguido; que o veículo tenha ou não ficado danificado; que o passeio seja alto. 13. A douta sentença está viciada por ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA, e Erro de julgamento, revelando as provas num sentido e extraindo a decisão recorrida ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada. 14. O tribunal a quo deu credibilidade a testemunhas que declararam não estar em condições de responder às questões, dando assim relevância probatória superior a depoimentos não imparciais, de testemunhas que revelam animosidade para com o arguido, que alegam ter sido alvo de agressões por parte deste, VIOLANDO assim, as normas constitucionais do ART.º 1º, 32º, n.º 2 CRP, in-constitucionalidade que hic et nunc expressamente se invoca. É o que resulta do depoimento da testemunha DD, do BB e de CC, contraditórios entre si e entre si próprios, ora dizendo que ia em alta velocidade, ou não, que transpôs o lancil do passeio em alta velocidade, ou que devido à configuração do local era impossível transpor o passeio sem derrubar o poste, ou que a memória já não é o que era, não sabendo a localização do poste que ilumina o passeio da porta do seu prédio.. conforme resulta das gravações dos seus depoimentos. Vejamos 16. DD [00:03:17] Exactamente. Também lá no momento e vi que os senhores estavam um bocadinho atordoados e eu não tinha percebido ainda o que é que se estava a passar. O que acontece foi que eu vi o EE a tirar, portanto, a pessoa do carro, a pessoa do carro empurrou o EE e eu vi o EE muito aflito. Fui a correr também para o sítio para perceber o que é que estava a acontecer. No momento em que eu vejo isto, portanto, arguido, a pessoa sai, dispara, vai com o carro, sai da rua, dá a volta à nossa praceta e foi isto que eu presenciei. É por isso que eu estou cá e também apresentei a minha queixa. Foi porque a pessoa deu a volta à nossa praceta e tentou-nos... ou seja, o carro dele subiu o passeio do nosso prédio e tentou-nos atropelar a todos, porque todos nos afastámos, no momento, ali da situação. Foi a única coisa que eu presenciei. Procuradora [00:08:35] Vinha de frente. DD [00:08:35] ... circulou e depois fez a curva e foi embora. Não consigo precisar se foi de frente ou foi de lado, mas que vinha na nossa direcção, sim. 17. Já a testemunha FF refere: Procuradora (00:08:38] Então, explique lá. O carro deu a volta à praceta. E depois? FF (00:08:41] Entretanto, nós estávamos ao pé de um poste, ou seja, tentou vir na nossa direcção, não chegou a galgar passeios, nem nada, ou seja, foi mais uma guinada do que propriamente uma investida forte, mas não deixou de meter medo. Procuradora (00:08:57] Não subiu o passeio, o carro? FF (00:08:59] Penso que não. Porque eu lembro-me de me ter escondido atrás do poste e se eu estava atrás do poste, o poste está no passeio praticamente. Se tivesse subido o passeio, tinha batido no poste provavelmente. Por isso tenho quase a certeza que não bateu... não... FF (00:10:01] ... ou seja, o carro vinha daqui, fez uma espécie de uma guinada, nós retraímo-nos, obviamente, e depois continuou. Procuradora (00:11:01] Se o carro tivesse continuado essa trajectória depois da guinada, teria embatido no grupo de pessoas? FF (00:11:07] Garantidamente FF (00:12:00] Podia. Mas eu tenho quase a certeza que não subiu. Não sei. É um poste perto do passeio. Duvido que falhasse o poste também se subisse o passeio à velocidade que ia. 18. Também o pai da testemunha anterior, ambos presentes desde o início dos factos, os dois revelando razão de ciência com maior rigor, em relação às demais, sobre os factos, refere o seguinte: (00:06:59] Então, nós saltámos para cima disso, atrás de um poste. E o senhor veio em direcção... na nossa direcção que depois tem um poste e a não querer estragar o poste da EDP e travou a fundo, pronto. (00:09:07] Mesmo próximo? Eu não sei se a DD também saltou para ali, se foi para outro lado. Porque aquilo foi o género de... de repente vem um carro e tudo desata a fugir. Procuradora (00:09:59] E quando o carro se aproximou do grupo vinha com velocidade? (00:10:03] Vinha. Travou a fundo e ficou ao pé do poste e do passeio. Aquilo tem um passeio, tem um poste daqueles grandes da EDP e nós metemo-nos precisamente no canteiro e na direcção do poste que era para... pronto, para ter ali um obstáculo também. Juiz (00:10:26] Mas chegou a subir o passeio? EE (00:10:28] Eu acho que não. Juiz (00:10:30] Hum. Sra. dra. EE (00:10:32] Acho que não. Procuradora (00:10:40] Mas o carro chegou a atingir o sítio? Chegou ao sítio onde os senhores estavam? EE (00:10:45] Não. Então, tinha um poste. Tinha que ter levado o poste à frente para chegar a nós. Nós pusemo-nos no canteiro atrás do poste. EE [00:11:02] ... há um carro que vem em nossa direcção, desata tudo a correr e está-me a perguntar por que é que não pensei, “Ai, não. Se calhar, o carro vai parar aqui”. Ai, não. Se calhar...”? Procuradora [00:11:09] Sim. Sabe que é importante saber onde é que o carro ficou, qual a intenção do carro [Imperceptível] ... Procuradora [00:12:25] É que a minha pergunta era, se os senhores não se tivessem desviado teriam sido atingidos pelo carro? EE [00:12:30] Claro. Se ele continuasse na nossa direcção ou se não tivesse travado a fundo. Eu não sei. Isso tem que perguntar ao senhor, se aquilo... EE [00:12:49] Então, mas está-me a perguntar se eu ia ser atingido. Não faço a mínima ideia. Eu não sei se a pessoa... Mandatário do arguido [00:16:29] Os senhores estavam no passeio. Não estavam na estrada. EE [00:16:31] Estávamos no passeio... 19. Já a testemunha BB, que apresentou queixa contra o arguido por agressões físicas, tendo vindo a desistir da mesma, por motivos que só o próprio saberá, revela total ausência de raciocínio lógico, refugiando-se na falta de memória para saber se há um poste de iluminação em frente à sua residência, mas recorda sem dúvida que o arguido transpôs o passeio, sem derrubar o poste e com a agilidade própria da sua idade e condição física conseguiu saltar para as escadas fugindo ao veículo do arguido que diz vir em alta velocidade, é manifestamente perceptivel a falta de razão de ciência sobre os factos e falta de isenção das suas declarações, que foram valoradas em desfavor do arguido. Vejamos: Procuradora [00:02:23] Sim. Bom dia. Sr. BB, está aqui a prestar depoimento em julgamento relativamente a uns factos que são im-putados ao Sr. AA, como o meritíssimo juiz presente já disse. Sendo que há aqui uns factos relativamente aos quais o senhor e a D.ª CC já apresentaram desistência de queixa, foi homologada. Isso já não precede o procedimento criminal. Essa parte das ofensas à integridade física a si e à sua esposa... BB [00:05:41] Penso que seria o Sr. GG, penso que sim, o senhor... não me lembro agora do nome dele, pode ser que me lembre, o HH, o Sr. HH. Isto no prédio da D.ª II. Porque depois de outros prédios ao lado, inclusivamente ao lado do meu estava lá o Sr. EE, o Sr. FF, sim, o Sr. EE. Deixe-me cá ver se eu recorro aqui à minha memória. Estava uma Sra. D.ª DD que era de outro prédio ao lado. Quer dizer, fazendo um apelo à minha memória que já não é grande coisa e passado este tempo todo, não me estou a lembrar. Se calhar, estava lá [Imperceptível]. Penso eu... Procuradora [00:07:57] Sim. E é verdade que há aí um poste nesse local? BB [00:08:03] Sim. Presumo que sim. Sim. Mais metro, menos metro há um poste, sim, para estar a iluminar. Procuradora [00:08:08] A que distância é que estava o poste do grupo onde os senhores se encontravam? BB [00:08:15] Isso agora já é fazer um apelo à minha memória assim um bocado... sei lá, 3 metros, 2 metros. Não sei. Procuradora [00:09:10] O carro chegou a subir o passeio? BB [00:09:14] Sim. Subiu o passeio, sim senhora. Digamos que fez uma razia, como se costuma dizer. Subiu o passeio. Para as pessoas se afastarem, ele subiu o passeio e depois desceu e foi-se embora. Procuradora [00:09:45] A que distância é que o carro subiu o passeio relativamente ao poste? Consegue recordar-se? BB [00:09:53] Quer dizer, era preciso que eu estivesse recordado da distância relativamente a que estaria o poste. 20. O mesmo acontece com o testemunho da sua mulher CC, revelando falta de razão de ciência sobre os factos e falta de isenção das suas declarações, que foram valoradas em desfavor do arguido, conforme se transcreve: CC [00:03:45] Sim. Ele depois das agressões meteu-se no carro e saiu da praceta... Procuradora [00:03:50] Pronto. CC [00:03:59] Entretanto, houve aquela agitação toda e uma algazarra. Isto numa praceta pequena, silenciosa, as pessoas conhecem-se e há boa vizinhança, várias pessoas... estava uma noite de Verão, várias pessoas quando ouviram a primeira algazarra vieram à rua, vieram às varandas, viram aquela confusão toda e vieram à rua. E estávamos depois todos... ah, entretanto, eu fiquei a telefonar à polícia. Depois de ele me ter agredido e ter empurrado o BB para cima do carro e ter dado um pontapé, eu fiquei... a minha reacção foi, fiquei a telefonar à polícia, a pedir para a polícia aparecer aqui. Entretanto, as pessoas juntaram-se todas à porta da D.ª II a comentar. Todas, os vizinhos que vieram cá ver o que é que era aquela confusão. Juntaram-se à porta dela. Eu depois dirigi-me também lá. Depois de ter falado com a polícia a pedir ajuda fui ter com eles também. Estávamos todos ali à porta do prédio dela quando ele vol-ta a entrar na praceta, entra em sentido contrário – isto tem um sentido obrigatório tudo, entra em sentido contrário e aponta o carro para o passeio onde estavam as pessoas a falar e a comentar o que tinha acon-tecido. Ele aponta o carro e conforme aponta passa assim a raspar. Não atingiu ninguém. Nós todos saltámos. E foi-se embora naquele disparate todo e nessa velocidade. Entretanto, chegou a polícia e depois desenro-lou-se tudo, as queixas e a contar o que é que tinha sido. E pronto. A polícia não o apanhou por segundos, por 30 segundos. Foi uma pena. Procuradora [00:08:06] Pronto. O carro subiu o passeio? CC [00:08:11] Sei lá. Tudo a saltar, cada um para seu lado. Não lhe sei di-zer assim com 100 por cento de certeza. Não lhe posso dizer isso porque nós quando vimos o carro a vir para baixo fugimos todos e não sei se ele chegou a subir ou não. Eu não vi. Se alguém viu, eu pessoalmente não posso afirmar que vi. Aqui chegados, é evidente que, 21. Havendo fundadas dúvidas sobre a actuação criminosa do arguido, deverá o julgador aplicar o princípio "in dubio pro reo", o qual expressamente impõe que as dúvidas sejam resolvidas em benefício do arguido. Este princípio é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pro-nunciar de forma favorável ao arguido, em caso de dúvida. 22. No caso concreto, não havendo prova suficiente, constitui erro notório e violação inquestionável dos princípios da livre apreciação da prova e do in dúbio pro reo. 23. No caso concreto, não havendo prova suficiente, constitui erro notório e violação inquestionável dos princípios da livre apreciação da prova e do in dúbio pro reo. DISPOSIÇÕES LEGAIS VIOLADAS: Artigos 127º, 379º, nº 1, al. b), 1º, al. f), 303º e 359º, do CPP Artigo 30º, nº 2, 40º, 70º, 79º, 71º e 72º, 78º e 79º do CP Artigo 1,º 18º, nº 2, 29º e 32º, n.º 2 da CRP TERMOS EM QUE, DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E EM CONSEQUÊNCIA DEVERÁ : SER RECONHECIDA A NULIDADE DA SENTENÇA, , pela violação dos arts. 1º, AL. F), 303º e 359º, todos do Cód. de Proc. Penal, atenta a efectiva alteração substancial dos factos, devendo os autos ser devolvidos ao tribunal recorrido e após vista ao Ministério Público, ser reaberta a audiência e sanada a nulidades apontada, proferindo-se de seguida nova sentença. Serem os pontos ora impugandos serem julgados por provados e, em consequência absolvido o arguido da pratica dos crimes pelos quais vem acusado. 3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, a que respondeu o Ministério Público, concluindo pela nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, na parte em que se pronunciou sobre os factos relativos aos crimes de ofensa à integridade física simples de que foram ofendidos BB e CC e defendendo o não provimento do recurso na parte restante. 4. Neste Tribunal, a Exma. Srª. Procuradora-geral Adjunta, em douto parecer, aderiu à resposta do Ministério Público em 1ª instância e concluiu pela nulidade do acórdão recorrido, com devolução dos autos à 1ª instância para elaboração de novo acórdão. 5. Realizou-se a conferência. 6. O objeto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas respetivas conclusões, reconduz-se à apreciação das seguintes questões: - nulidade do acórdão recorrido; - erro notório na apreciação da prova; - impugnação da matéria de facto; - qualificação jurídica dos factos: - medida da pena acessória; * IIº A decisão recorrida, no que diz respeito aos factos provados, não provados e respetiva fundamentação, é do seguinte teor: FACTOS PROVADOS: Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 27-07-2018, pelas 23h10 horas, os ofendidos BB e CC encontravam-se em plena via pública na Praceta das …, na …, juntamente com II. 2. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, encontrava-se igualmente o arguido, que ali regressara ao volante do seu veículo automóvel, de matrícula …-SD-…. 3. Ao chegar, o arguido, após sair repentinamente do veículo, dirigiu-se à testemunha II, e sem que nada o fizesse prever, empurrou-a, provocando, em consequência, a sua queda junto a umas escadas ali existentes. 4. Quando os ofendidos BB e CC foram em socorro de II, o arguido virou-se contra eles, e sem que nada o fizesse prever, desferiu um empurrão violento no ofendido BB provocando a sua queda para cima de uma viatura ali estacionada e um pontapé na ofendida CC, atingindo-a na coxa da perna direita. 5. Acto seguido o arguido regressou ao seu veículo automóvel, e apesar da tentativa da testemunha EE para o reter, colocou-o em funcionamento e abandonou o local. 6. Alguns minutos depois, o arguido, movido por rancor, ao volante do veículo acima mencionado, regressou ao local. 7. Aí, com o intuito pré-determinado de atingir um grupo de cinco pessoas que ali se encontravam, para além dos ofendidos supra, também DD, FF e EE, o arguido imprimiu velocidade ao veículo, e após ingressar na faixa de rodagem de sentido contrário ao seu, subiu o passeio, e conduziu-o na direção das referidas pessoas. 8. O arguido só não logrou o seu propósito porque estas apercebendo-se da acção do mesmo, procuraram refúgio, evitando assim serem abalroadas e atingidas na sua integridade física. 9. As agressões supra descritas foram causa direta e adequada a provocar no ofendido BB dores no seu corpo. 10. Foram ainda causa direta e adequada a provocar na ofendida CC, um hematoma na coxa direita e dor na região lombar, lesões essas que determinaram 5 dias para a cura, sem afetação da capacidade para o trabalho geral e profissional. 11. O arguido agiu com o propósito concretizado de agredir os ofendidos CC e BB, bem sabendo que com tal conduta lhes causava dores e lesões no seu corpo e saúde, o que quis. 12. Quis ainda o arguido atingir os ofendidos CC, BB, DD, FF e EE, na sua integridade física, não se coibindo para o efeito de utilizar o veículo automóvel, só não o conseguindo por acção alheia à sua vontade. 13. Agiu ciente de que a sua conduta era apta, como o foi, a causar medo e inquietação pela própria vida e integridade física, abalando os ofendidos no seu sentimento de segurança e na sua liberdade pessoal, o que quis. 14. O arguido agiu com o propósito de atingir as pessoas ali presentes, não se coibindo para o efeito, de efectuar uma condução temerária, desrespeitando as normas que regulam a circulação rodoviária, designadamente a da obrigatoriedade de circular na sua faixa de rodagem, não se abstendo de conduzir do modo descrito, o que quis. 15. Mais sabia o arguido, que, com tal conduta, colocava em perigo a integridade física ou a vida das pessoas que ali se encontravam na via pública, daí podendo resultar lesões para a integridade física ou a vida dessas pessoas, conformando-se com esse resultado, o que quis. 16. O arguido actuou livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. *AA cresceu num contexto intrafamiliar pouco estruturante, pautado por rigidez afectiva e austeridade da figura paterna em oposição a uma figura materna submissa. O percurso escolar do arguido para a DGRSP terá decorrido de forma regular, tendo abandonado a escolaridade aos 17 anos – com o Curso … incompleto – para se alistar como voluntário na Força Aérea Portuguesa onde se manteve até 1974. A nível afectivo AA contraiu matrimónio pela primeira vez em 1971, relação que durou 7 anos, fruto da qual nasceram dois filhos, actualmente com 47 e 44 anos. Alguns anos mais tarde, contraiu novo casamento que manteve durante cerca de 17 anos e do qual não teve descendentes. Mais tarde encetou novo relacionamento afectivo, vivendo em união de facto com uma companheira durante 7 anos, findo os quais primeiro passou a viver sozinho e em 2005 regressou ao agregado de origem para junto dos pais. Em agosto de 2010 o arguido iniciou uma união de facto que culminou na apresentação de uma queixa por parte da companheira, pelos crimes de violência doméstica agravada, resistência e coação sobre funcionário, ameaça agravada, que lhe valeu, em cúmulo jurídico, uma pena única de 3 anos e 2 meses de prisão suspensa na sua execução com regime de prova. AA foi acompanhado pela DGRSP em mais duas medidas de suspensão da execução da pena com regime de prova, no âmbito dos processos n°.92/09….. e n°.162/09….., ambos por falsificação de documento, tendo o acompanhamento para a DGRSP decorrido com relativa normalidade, ainda que, para a mesma tenha face às condenações e aos crimes uma atitude de total desvinculação, desvalorizando-os. Em termos profissionais, o arguido iniciou atividade em 1974 numa empresa de … desempenhando funções de ….., onde se manteve cerca de 6 anos. Mais tarde trabalhou durante algum tempo na empresa «…, Lda.» na venda de ….., dedicando-se em exclusivo à venda de ….. entre 1980 e 2005. Nesse ano aceitou uma proposta para trabalhar como … em… onde esteve apenas 5 meses, regressando a … para acompanhar a fase terminal da doença do pai, que acabaria por falecer em 2016 por complicações decorrentes da doença de Alzheimer. Emocionalmente muito instável no passado, diagnosticado com Perturbação Depressiva Recorrente e Perturbação Borderline da Personalidade, o arguido teve 3 internamentos em Psiquiatria, por episódios depressivos e ingestão medicamentosa, apresentando períodos de instabilidade e outros de maior compensação. O terceiro internamento psiquiátrico ocorreu em 2011, tendo-se tratado de um internamento compulsivo, no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital …., tendo sido o filho do arguido quem espoletou o processo, alegadamente por o mesmo se encontrar emocionalmente muito instável e agressivo verbalmente. Em 2013 teve internamento por motivo oncológico. Ainda no plano da saúde, AA foi acompanhado no IPO de …. por tumor da parótida esquerda com sujeição a cirurgia em 2013, com subsequentes tratamentos. Com várias relações amorosas ao longo dos anos, AA vive há cerca de dois anos com uma companheira que para a DGRSP aparenta dar-lhe estabilidade. Na génese dessa estabilidade, para a mesma, estará também a mudança para um acompanhamento psiquiátrico a nível particular. Com terapêutica medicamentosa diária, o arguido verbaliza bem-estar a nível psicoemocional, e não tem comprometido o seu funcionamento actual. Economicamente, o arguido refere que mantem uma situação estável, reformado desde 2015, subsiste dos valores das pensões de ambos os elementos do casal, a rondar o valor de 1700€ cada. AA vivencia a presente situação judicial com evidente apreensão quanto às repercussões negativas que desta possam advir, para a DGRSP reconhecendo as fragilidades do seu estado de saúde mental à época. Portanto para a DGRSP o arguido faz autocensura. A notória fragilidade psicoemocional que o arguido apresentou, inscrita num quadro patológico que exige acompanhamento terapêutico continuado, e que esteve na origem de vários conflitos no passado, constitui-se para a DGRSP como factor de risco que importa considerar, apesar de no presente se mostrar compensado com o apoio farmacológico. O apoio afectivo de que AA beneficia por parte da actual companheira assim como a intencionalidade do próprio em aderir ao acompanhamento médico prescrito, constituem-se para a DGRSP factores de protecção que poderão sustentar uma efectiva reorganização pessoal assente no colmatar das suas fragilidades emocionais. Face ao exposto e em caso de condenação, a DGRSP entende existirem condições para uma medida de execução na comunidade, propondo a obrigatoriedade de AA manter continuidade no acompanhamento terapêutico e medicamentoso prescrito. * O arguido já foi condenado: 1- por factos de 30/9/1999, pela prática de um crime de desobediência, pp. no art°.348°., n°.1,a), do CP e por factos de 5/7/2002, pela prática de um crime de injúria qualificada e um de ofensa qualificada à integridade física, pps. respectivamente nos art°s.181°., 184° e 132°., do CP e nos art°s.143°., 146°., n°s.1 e 2 e 132°., n°.2, h), do CP, no P.1218/99, por sentença de 1/2003, transitada em 25/11/2004, na pena única de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos; tal pena foi depois declarada extinta, nos termos do art°.57°., do CP, com efeitos reportados a 12/3/2010; 2- por factos de 20/9/2009, pela prática de um crime de falsificação, pp. no art°.256°., do CP, no P.92/09, por sentença de 10/2009, transitada em 9/11/2009, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, com regime de prova; tal pena foi depois declarada extinta, nos termos do art°.57°., do CP, com efeitos reportados a 10/2/2012; 3- por factos de 25/8/2008, pela prática de um crime de ofensa simples à integridade física, pp. no art°.143°., do CP, no P.1338/08, por sentença de 2/2010, transitada em 1/3/2010, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5€, perfazendo multa de 450€; tal pena foi depois declarada extinta, pelo pagamento, com efeitos reportados a 22/11/2013; 4- por factos de 29/1/2009, pela prática de um crime de falsificação, pp. no art°.256°., n°.1, do CP, no P.162/09, por sentença de 11/2011, transitada em 10/1/2012, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e 4 meses, com regime de prova; tal pena foi depois declarada extinta, nos termos do art°.57°., do CP, com efeitos reportados a 10/5/2013; e 5- por factos de 12/12/2010, pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário; um de ameaça agravada e um de violência doméstica, pps. nos art°s.347°., 153°., 155°., n°.1, e 152°., n°.1, a), do CP, no P.65/10, por sentença de 12/2013, transitada em 6/1/2014, na pena única de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos e 2 meses, com regime de prova e na pena acessória de proibição de contacto com a vítima por um ano; tal pena acessória foi depois declarada extinta pelo cumprimento, com efeitos reportados a 6/1/2015; tal pena principal foi depois declarada extinta, nos termos do art°.57°., do CP, com efeitos reportados a 6/3/2017. O arguido nasceu em 30/6/1949. Tem actualmente 71 anos de idade. Tinha 69 anos de idade na data dos factos. O arguido é reputado pela testemunha JJ, amiga da sua filha, de pessoa extremamente cordial, disponível, simpático, afável, que teve problemas no passado, que trata bem a sua actual companheira. * FACTOS NÃO PROVADOS: Não se provou qualquer outro facto relevante para a decisão da causa, para além ou em contrário dos supra vertidos, nomeadamente que o arguido não tenha praticado os factos acima vertidos; que o veículo não tenha subido o passeio; que fosse impossível atingir os ofendidos dado poste no local; que o veículo tivesse necessariamente de ficar danificado com a apurada conduta do arguido; que o veículo tenha ou não ficado danificado; que o passeio seja alto; que o arguido tenha sido alvo de internamento compulsivo em 2013; que tenha tido surto psicótico na data dos factos e as demais condições pessoais do arguido. * MOTIVAÇÃO: A convicção do tribunal assentou na concatenação ponderada das declarações do arguido quanto ao imputado e às suas condições pessoais, com os documentos dos autos nomeadamente de fls. 4 a 12, 15 a 19, 50, 58, 60 a 62, 66, 67, 74 a 76, 83v a 84v, 91 a 100, 107 a 111v e 120 a 125 e ainda não numeradas e constantes do citius dos auto, (os quais incluem nomeadamente autos de notícia, aditamento, fotografias, exame médico-legal, CRCs e Relatório Social), com o depoimento das testemunhas ouvidas em audiência, tudo face a um juízo de experiência comum, e à ponderação (mas não aplicação em em concreto no caso vertente) do Princípio “in dubio pro reo”, sendo que a prova produzida em audiência se encontra gravada. Quanto à prova das condições pessoais do arguido, a mesma derivou do declarado pelo mesmo quanto a essas condições pessoais, respectivos CRCs e no vertido no relatório social junto. Diga-se desde logo que o facto de o arguido ter acompanhamento psiquiátrico e de já ter sido alvo de internamento compulsivo, conforme documentado nos autos, relevou para as suas apuradas condições pessoais. No entanto, dado o desfasamento temporal entre tal internamento e os factos em apreço, não se suscitaram o Tribunal quaisquer dúvidas sobre a imputabilidade do arguido na data dos factos e actualmente, motivo pelo qual foi indeferida perícia requerida. A ter havido surto psicótico, no que não se concede, inexiste qualquer documento que o comprove quanto à data dos factos, no que tal contribuiu para os factos dados como não provados. Alías o próprio arguido referiu, de modo credível, que o último internamento compulsivo que teve foi em 2011 e que o que teve em 2013 foi por motivos oncológicos. No que contribuiu o mesmo para os factos dados como provados e não provados. Mais foi o arguido credível (ademais por corroborado pela demais prova) ao mencionar que na data dos factos teve um período em que andava descontrolado com a relação afectiva que então tinha (com a testemunha II), com a sua mãe internada há cerca de um ano, medo de reincidência no tumor maligno que teve em 2013, sendo que na ocasião dos factos vinha de discutir com a sua (mencionada) então namorada; que os factos ocorreram na aludida Praceta, nos …..; que conduziu o … que entretanto trocou; que II ia (inicialmente) consigo nesse veículo; que discutiram, vindo o relacionamento a terminar dias depois, no que contribuiu para os factos provados e para a formação da convicção do Tribunal. Já não foi credível (ademais por não suficientemente corroborado pela demais prova) ao aventar surto psicótico na ocasião dos factos; que não se lembra dos mesmos, no que contribuiu para os factos dados como não provados. A testemunha DD foi credível (ademais por corroborada pela demais prova) ao referir que os ofendidos BB e CC eram seus vizinhos; que na altura vivia nos …; que no dia dos factos tinha ido passear o cão; que ao chegar à aludida Praceta encontrou os seus vizinhos FF e EE, com quem se encontrava diariamente para passearem os cães; que viu o arguido empurrar ofendido; que mais o viu dar a volta à Praceta conduzindo um carro verde, sobe com o mesmo o passeio e tentou atropelá-los; que os ofendidos se afastaram para não serem atingidos; que a aludida II também residia na mencionada praceta, frequentando todos a piscina sita à entrada na praceta, do lado direito; que o arguido os tentou atropelar, designadamente a si e ofendidos BB, CC (casal), EE e FF (pai e filho); que o mencionado veículo foi apontado pelo arguido, de frente, para os cinco mencionados ofendidos; que o arguido tinha sem dúvida intenção de os atingir; que os ofendidos se desviaram; que a matrícula do veículo foi tirada pelo FF ou pelo EE; que depois apareceu a polícia; que os ofendidos se encontravam no passeio; que este foi subido pelo veículo; ao mencionar que já tinha visto o arguido com a aludida II. No que contribuiu para os factos dados como provados. A testemunha FF foi credível (ademais por corroborada pela demais prova) ao referir que a polícia foi ao local na data dos factos; que mora na mencionada praceta; que estava em casa e ouviu o cão ladrar, pelo que foi à varanda espreitar; que aí avistou e depois encontrou o casal BB e CC….. (ofendida CC); que estes moram na mesma rua que esta testemunha; que estes lhe disseram que tinham sido agredidos (pelo arguido), ao que a testemunha foi à rua com o seu (da testemunha) pai; que este se chama EE; que ficou a falar na rua com o aludido casal; que o seu pai foi a correr atrás da pessoa que tinha agredido o casal (o arguido); ao mencionar que avistou uns três prédios mais à direita uma senhora no chão e o arguido de pé junto da mesma; que o arguido começou a tentar ir-se embora e esta testemunha e o seu pai tentaram impedi-lo de o fazer, colocando-se à frente do mesmo; que não o conseguiram fazer, entrando o arguido num …; ao mencionar que ou ele ou o seu pai anotaram a matrícula desse veículo; que o arguido conseguiu arrancar com esse veículo e ausentar-se do local; que o mesmo depois dá a volta à praceta e “lançou o carro na nossa direcção”; que no local estavam os aludidos cinco ofendidos; ao descrever o local e que há poste próximo do mesmo; que as pessoas tiveram de se afastar para não serem atingidas pelo mencionado veículo conduzido pelo arguido, no que contribuiu para os factos dados como provados. Referiu achar que o carro não galgou o passeio, no que, por haver prova em contrário, se revelou como não credível e ademais sem o necessário grau de segurança. No que contribuiu para os factos dados como não provados. A testemunha EE foi credível (ademais por corroborada pela demais prova) ao referir que mora na mencionada praceta; que na data dos factos estava na sala a ver televisão quando o cão desta a ladrar; que o seu filho vai à varanda e fala com o casal de ofendidos BB e CC…..; que estes estavam aos gritos a dizer que tinham sido agredidos; ao que pai e filho saem de casa a correr; que o seu filho pergunta ao casal o que se passou, ao que lhe dizem que o namorado da II (o arguido) os agrediu; ao mencionar que conhece a II por a mesma morar três prédios mais à frente e frequentarem todos a aludida piscina; ao mencionar que o arguido se tinha dirigido à II, ao que a testemunha vai a correr para junto dos mesmos; que encontra a II no chão em posição fetal, amedrontada, e o arguido em pé, junto da mesma, irado, zangado; que o afastou da II e disse ao seu filho para chamar a polícia; que o arguido tentou fugir; que a testemunha lhe disse várias vezes para não sair dali até vir a polícia; que o arguido conseguiu meter-se no carro dele (arguido); que este carro era um …; ao mencionar que deram a matrícula do mesmo à polícia; que passados dias o arguido apareceu no local com outro veículo; ao mencionar que na ocasião dos factos teve receio que o arguido tivesse algo dentro do carro, pelo que o mesmo conseguiu abandonar o local; ao mencionar que depois o arguido, conduzindo o aludido …, dá a volta à praceta e “vem em direcção a nós”; que saltaram para cima de canteiro e para trás de poste da EDP existente próximo do local; que estava no local com o seu filho FF, a ofendida DD e o casal BB e CC…..; ao mencionar que saltou com o seu filho para trás do canteiro; ao mencionar que a praceta tem uma via de sentido único que a circunda e a meio da mesma tem uma via de sentido único que a atravessa; ao referir que o arguido veio por essa via no meio da praceta, mas em sentido contrário (vulgo contramão) ao permitido na mesma, em direcção aos aludidos ofendidos; ao referir que o arguido travou e ficou junto ao aludido poste; ao mencionar que (depois de se terem afastado) para o arguido os atingir teria de derrubar os aludidos poste ou canteiro; ao mencionar que se tivessem ficado no mesmo sítio teriam sido atingidos; que não saltaria se não se sentisse ameaçado pela direcção que o veículo levava; ao mencionar que a II referiu que o arguido estava alterado; que o arguido acelerou na sua direcção, no que contribuiu para os factos dados como provados. Referiu achar que o carro não galgou o passeio, não se lembrar se o carro subiu o passeio, no que, por haver prova em contrário, se revelou como não credível e ademais sem o necessário grau de segurança. No que contribuiu para os factos dados como não provados. A testemunha BB foi credível (ademais por corroborado pela demais prova) ao referir que mora na mencionada praceta; que o arguido tinha um … na data dos factos; que o conduziu na ocasião dos factos não respeitando os sentidos de trânsito; que o local é uma praceta; que o arguido veio em sentido proibido; que o em apreço surge na sequência do arquivado; que as pessoas (ora ofendidos) foram alertadas pela situação inicial; que no local estavam EE e FF, pai e filho; a sua vizinha DD, para além de si e da sua companheira CC; que quando o arguido faz a aludida manobra estavam todos juntos, no passeio; que no local há um poste; que este estava a dois ou três metros do grupo; que o arguido vem “no sentido proibido e vira o carro na nossa direcção, em velocidade excessiva, direito às pessoas”; que “aí cada um tenta-se proteger”; que o arguido “subiu o passeio e fez um razia às pessoas”; que se estas tivessem ficado estáticas teriam sido atingidas; que o carro subiu o passeio no sítio onde não há poste; ao mencionar que o poste fica antes do sítio onde o carro subiu o passeio; que se desviou com receio de ser atingido; ao mencionar que o carro foi conduzido na aludida forma pelo arguido deliberadamente; que o arguido “atirou o carro para cima do passeio procurando atingir-nos”; ao mencionar que a aludida CC é sua companheira e é conhecida por “CC…..”, no que contribuiu para os factos dados como provados. A testemunha CC foi credível (ademais por corroborado pela demais prova) ao referir que o arguido tinha …; que entrou no mesmo depois de agressões; que o conduziu a alta velocidade; que antes a empurrou pra cima de um veículo e desferiu-lhe um pontapé; que chamou a polícia; que acorreram vizinhos; que depois o arguido “volta a entrar na praceta, em sentido contrário, e aponta o carro às pessoas”; que passa pelas mesmas “a raspar”; que todos saltaram e o arguido ausentou-se a grande velocidade; que não foi apanhado por pouco pela polícia logo a seguir aos factos; ao confirmar a presença no local dos cinco aludidos ofendidos; que o arguido “entrou de rompante, fora de sentido” (de marcha); que “aponta para nós”; que “foi um acto deliberado”; que “cada um salta para seu lado”; que se não tivessem saltado ou desviado seguramente seriam atingidos; ao referir que já tinha visto o arguido passear com a aludida II; que viu o arguido atirar com camisas com cabides para dentro do carro dele; que a II se dirigiu ao casal que esta testemunha forma com a testemunha BB assustada; que o arguido se dirigiu ao casal e lhe diz “vocês nunca me viram” e empurra esta testemunha (CC) e ao marido (BB), no que contribuiu para os factos dados como provados. Referiu não saber se o carro galgou o passeio. No que não contribuiu para os factos dados como provados nem para os dados como não provados. A testemunha JJ (arrolada pela defesa) foi credível ao mencionar que o arguido é pai de LL, sua grande amiga; ao abonar a apurada reputação do mesmo; que a actual companheira do arguido é madrinha desta testemunha; ao confirmar as apuradas condições pessoais do arguido, no que contribuiu para os factos dados como provados. A testemunha LL (arrolada pela defesa) foi credível ao mencionar que o arguido é seu pai; que este é acompanhado; ao confirmar as apuradas condições pessoais do arguido, no que contribuiu para os factos dados como provados. Os factos não provados resultaram em síntese da ausência de prova tida como credível, valorável e susceptível de os dar como provados. * IIIº 1. O recorrente invoca a nulidade do acórdão recorrido, nos termos da al.b, do art.379, nº1, CPP, por ter condenado por factos diversos dos descritos na acusação. Em causa estão os factos relativos à condenação por dois crimes de ofensa à integridade física simples, de que foram ofendidos BB e CC. O Ministério Público deduziu acusação contra o arguido em 20fev.20, descrevendo esses factos no nº4 dessa peça processual, mas tendo a acusação sido notificada aos interveninentes processuais em 11maio20, em 25maio20, os ofendidos em relação a esses factos (BB e CC), vieram desistir da queixa. Esta desistência, apresentada antes do decurso do prazo para ser requerida instrução, foi homologada por despacho de 16jun.20 proferido pelo titular da ação penal, declarando a extinção do procedimento criminal em relação a esses factos, que logo identificou como descritos no art.4 da acusação. Assim, quando o processo foi remetido para julgamento, a acusação do Ministério Público era constituída pela peça apresentada em 20fev.20 conjugada com o despacho de 16jun.20, ou seja, sem os factos inicialmente descritos no art.4. Uma das funções do despacho acusatório é a delimitativa do objeto do processo, através da demarcação do thema probandum, bem como do thema decidendum. Tendo o acórdão recorrido condenado por esses factos (relativos a BB e CC, inicialmente descritos no art.4 da acusação, mas eliminados pelo Ministério Público antes do decurso do prazo para requerer instrução, através de despacho que julgou extinto o respetivo procedimento criminal), teremos de reconhecer que condenou por factos diversos dos descritos na acusação, motivo de nulidade da sentença, nos termos da al.b, do nº1, do art.379, CPP, o que se declara. Esta nulidade pode ser conhecida em recurso (nº2, do citado art.379, nº1) mas, com o devido respeito, não tem a consequência referida pela Ex.ma PGA no seu douto parecer de determinar, só por si, a necessidade de devolução dos autos à 1ª instância para elaboração de novo acórdão. O vício reconhecido afeta, apenas, uma parte devidamente delimitada do acórdão (factos relativos a BB e CC integradores de dois crimes de ofensa à integridade física simples consumados) sem qualquer repercussão no objeto do processo, delimitado pela acusação (definida pelo articulado de 20fev.20, com a alteração introduzida pelo despacho de 16jun.20). Esta solução, não tendo previsão expressa no CPP, decorre da aplicação subsidiária dos arts.615, nº4 e art.665, nº1, do CPC, que impõem o conhecimento do objeto do recurso apesar da nulidade da decisão que põe termo ao processo, não ocorrente no caso substituição do tribunal recorrido, uma vez que este se pronunciou sobre o objeto do processo não abrangido pela nulidade reconhecida. 2. Alega o recorrente que a sentença padece de erro notório para apreciação da prova, por o sentido da prova ser diverso da decisão recorrida. Contudo, os vícios do art.410, nº2, CPP, têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Se o erro só é detetado perante a análise do conteúdo das provas, então estaremos perante um simples erro na apreciação da prova, nunca perante um erro notório, o qual não pode estar dependente dessas provas. Lida a decisão recorrida, o texto da mesma apresenta-se lógico e conforme as regras de experiência comum, não decorrendo dele qualquer erro, muito menos erro notório. 3. De acordo com o art.428, nº1, do Código de Processo Penal “as relações conhecem de facto e de direito”. No caso, o recorrente impugna os factos provados nºs6,7,8,12,13,14,15 e 16. Como provas que impõem decisão diversa indica as suas próprias declarações e os depoimentos das testemunhas DD, FF, EE, BB e CC. A testemunha DD referiu que viu o arguido dar a volta à Praceta conduzindo um carro verde, subir com o mesmo o passeio e tentar atropelá-los, todos se tendo afastado do local onde estavam. A insistências sobre a forma como o veículo se aproximou, a testemunha afirmou que o veículo “ …subiu o passeio em direcção ao nosso prédio… vinha a uma velocidade que uma pessoa olha e fica a pensar, se calhar, tenho que me afastar e afastámo-nos…”. A testemunha FF referiu que o arguido deu a volta à praceta e “lançou o carro na nossa direcção”, no local estavam os cinco ofendidos, afirmando que no local há um poste próximo e que as pessoas tiveram de se afastar para não serem atingidas pelo mencionado veículo conduzido pelo arguido. Disse pensar que o veículo não subiu o passeio e que se escondeu atrás do poste. A testemunha EE referiu que o arguido conduzindo o …, dá a volta à praceta e “vem em direcção a nós”, saltaram para cima do canteiro e para trás de poste da EDP, mencionando, ainda, que circulou em sentido contrário ao do trânsito, em direcção aos ofendidos. Acha que o veículo não subiu o passeio, mas afirmou que não atingiu o sítio onde estavam por se terem colocado atrás do poste, respondendo afirmativamente quando lhe perguntaram se podiam ter sido atingidos caso se tivessem mantido no sítio onde estavam inicialmente. A testemunha BB referiu que o arguido vem “no sentido proibido e vira o carro na nossa direcção, em velocidade excessiva, direito às pessoas”, altura em que cada um tenta proteger-se, que subiu o passeio, se as pessoas tivessem ficado estáticas teriam sido atingidas. A testemunha CC, disse que o arguido conduziu na Praceta em sentido contrário, apontou às pessoas, passou pelas mesmas “a raspar” e que todas saltaram. O arguido assumiu que conduziu o … na Praceta onde ocorreram os factos, que na altura andava descontrolado com a relação afectiva que então tinha com a testemunha II, com quem na altura discutiu. Analisada a prova produzida em audiência, a mesma confirma o estado de espírito do arguido dado como provado, compatível com o incidente com a sua namorada, imediatamente anterior aos factos. Por outro lado, as referidas testemunhas são unânimes em afirmar que o arguido conduziu dirigindo o veículo na sua direção, obrigando-as a se afastarem do ponto onde estavam e a se colocarem atrás de um poste da EDP onde o veículo não as podia atingir. Algumas testemunhas referiram não ter a certeza de o veículo ter subido o passeio, mas a situação que descreveram de terem ficado convencidas que o veículo vinha na sua direção permite compreender que não consigam relatar todos os pormenores do evento, sendo certo que esse facto não é afastado pela circunstâncias de não se terem provado danos no veículo, pois é perfeitamente possível que um veículo suba o passeio sem que daí decorram danos evidentes, nomeadamente nas rodas. As provas indicadas corroboram, pois, o sentido da decisão recorrida, sendo manifesto que não impõem decisão diversa. A decisão recorrida apoia-se em elementos objetivos, está devidamente fundamentada e é compatível com as regras da experiência comum, o que corresponde a adequada aplicação do “princípio da livre apreciação da prova”, segundo o qual "a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente" (art.127, CPP). O recorrente tenta fazer vingar a sua visão pessoal sobre a prova, o que não é suficiente para alterar o decidido, exigindo-se que as provas indicadas imponham decisão diversa (art.412, nº3, al.b, CPP), o que, manifestamente, não é o caso. Invoca, ainda, violação do princípio in dubio pro reo. Trata-se de um princípio referente à prova e que numa situação de non liquet impõe decisão a favor do arguido, o que decorre do princípio constitucional da presunção de inocência (art.32, nº2, da C.R.P.). Este princípio impõe que, sendo incerta a prova, se não use de critério formal como o resultante do ónus legal da prova para decidir da condenação do réu, a qual terá sempre de assentar na certeza dos factos probandos. No caso, o tribunal formou a convicção no sentido em que os factos foram considerados provados, apoiado nos fundamentos antes referidos, o que não merece censura, não existindo qualquer dúvida na questão da prova que justifique apelo ao citado princípio in dubio pro reo. Em conclusão, a decisão relativa à matéria de facto não merece qualquer censura. 4. Condenado por cinco crimes de ofensa à integridade física qualificada, tentada e por um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, o recorrente alega que foi condenado duas vezes pelos mesmos factos. Como resulta do art.30, do Código Penal “o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”. Muitas normas de direito criminal estão umas para com outras em relação de hierarquia, no sentido de que a aplicação de algumas delas, exclui, sob certas circunstâncias, a possibilidade de eficácia cumulativa de outras, neste sentido se podendo concluir que se estará então perante um concurso legal ou aparente de infrações. As relações de subordinação e hierarquia entre as várias disposições de direito criminal, podem repartir-se, grosso modo, por relações de especialidade, consunção (pura e impura), subsidiariedade e alternatividade. Pressupõe o conceito de consunção que entre os valores protegidos pelas normas criminais verificam-se por vezes relações de mais e menos: uns contêm-se já nos outros, de tal maneira, que uma norma consome já a proteção que a outra visa. Daí que, ainda com fundamento na regra ne bis in idem, se tenha de concluir que lex consumens derogat lex consumtae. Ao contrário do que sucede com a especialidade, a consunção só em concreto se pode afirmar, através da comparação dos bens jurídicos violados. No caso, ao imprimir velocidade ao veículo e conduzi-lo em sentido contrário ao permitido, subindo o passeio, numa praceta onde se encontravam pessoas, o arguido praticou um crime de condução perigosa de veículo rodoviário. Este crime consumou-se no momento em que o agente, na via pública, conduz um veículo em violação grosseira das regras de circulação rodoviária e cria os perigos previstos no preceito incriminador, nomeadamente para a integridade física de outrem, o que no caso resulta da condução em violação dos mais elementares deveres de cuidado, nomeadamente quanto às regras que impõem o sentido de marcha e obrigação de circulação pela faixa de rodagem, em via urbana onde é normal encontrarem-se pessoas no passeio. Com este crime “…pretendeu-se evitar, ou pelo menos, manter dentro de certos limites, a sinistralidade rodoviária, que tem vindo a aumentar assustadoramente no nosso país nos últimos anos, punindo todas aquelas condutas que se mostrem suscetíveis de lesar a segurança deste tipo de circulação, e que, ao mesmo tempo, coloquem em perigo a vida, a integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado” (Paula Ribeiro de Faria Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial – Tomo II, pág.1079/1080). Os crimes de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, por que o arguido foi condenado, consumaram-se quando o arguido agiu com o intuito pré-determinado de atingir as cinco pessoas concretas que ali se encontravam, conduzindo o veículo na direção das mesmas, só não tendo sido atingidas por se terem apercebido da ação do arguido e terem procurado refúgio. O crime de ofensa à integridade física protege a própria ofensa a esse bem jurídico, enquanto o art.291, o perigo de violação desse bem jurídico, no caso este perigo vai para além daquelas concretas cinco pessoas, pois tudo ocorreu na via pública e em meio urbano. Ocorre, deste modo, uma relação de concurso efetivo entre os dois crimes, como foi entendido na decisão recorrida[1]. 5. Condenado na pena acessória de proibição de condução pelo período de nove meses (art.69, n°1, al.a, CP), o recorrente qualifica essa pena de excessiva e desproporcionada. A graduação da pena acessória de proibição de conduzir, com medida abstrata de 3 meses a 3 anos (art.69, nº1, al.a, do Código Penal), obedece aos mesmos critérios da graduação da pena principal e dela espera-se que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor leviano ou imprudente[2]. No caso, o grau do ilícito é muito elevado, assim como o da culpa (agiu com dolo direto), sendo prementes as necessidades de prevenção geral, como forma de dar à comunidade um sinal claro da censurabilidade de comportamentos que põem em risco a segurança rodoviária, atentos os elevados índices de sinistralidade verificados nas nossas estradas. Perante este quadro, a pena acessória de nove meses de proibição de conduzir (não muito acima do limite mínimo e bem longe do ponto médio da medida abstrata), apresenta-se proporcional e revela muita moderação. 6. Considerando a nulidade da sentença na parte em que condenou por factos em relação aos quais já se extinguira o procedimento criminal, impõe-se a reformulação do cúmulo jurídico entre as restantes penas parcelares, pelos crimes não abrangidos pela nulidade reconhecida. Estão em causa as penas não impugnadas de nove meses de prisão, por cada um dos cinco crimes de ofensa à integridade física qualificada, tentada e a pena de um ano de prisão pelo crime de crime de condução perigosa de veículo rodoviário. Considerando os factos no seu conjunto e a personalidade do arguido, nos termos do art.77, do CP, condena-se o arguido na pena única de dois anos e três meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos. * IVº DECISÃO: Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, dando parcial provimento ao recurso do arguido AA, acordam: a) Em declarar nulidade do acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido pelos factos integradores de dois crimes de ofensas à integridade física simples, de que foram ofendidos BB e CC; b) Confirmar o acórdão recorrido no restante e condenar o arguido AA, em cúmulo jurídico das penas parcelares por que foi codenado pelos crimes não abrangidos pela nulidade declarada, na pena única de dois (2) anos e três (3) meses de prisão, suspensa na sua execução por três (3) anos. c) Sem tributação. Lisboa, 9 de novembro de 2021 Vieira Lamim Artur Vargues _______________________________________________________ [1] No sentido do concurso efetivo entre estes dois crimes, decidiu o acórdão de 23 de maio de 2006, no Pº2146/2006, desta Secção (com o mesmo Relator dos presentes autos, acessível em www.dgsi.pt) e, ainda, Acs. do S.T.J. de 12Jun.97, no B.M.J. nº468, pág.124 e de 18Out.00, na C.J. Acs. do STJ ano VIII, tomo 3, pág.207 e da Rel. de Lisboa, de 1Abr.04, na C.J. ano XXIX, tomo2, pág.139. [2] Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág.165. |