Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
920/21.9T8BRR-A.L1-1
Relator: MANUELA ESPADANEIRA LOPES
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
DECISÃO DE FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/29/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (elaborado pela relatora)
I- A alteração da decisão da matéria de facto operada pela Relação por se entender que a decisão da 1ª instância encerrava um juízo conclusivo não conduz à nulidade do acórdão por excesso de pronúncia ou nulidade processual enquadrável no art.º 195º do C.P.Civil, por não se tratar de um erro de procedimento, mas antes, eventualmente, de erro de julgamento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I. Notificado do acórdão proferido por este tribunal, que decidiu de mérito o recurso de apelação interposto pelo mesmo da sentença que qualificou a insolvência de como culposa, veio o insolvente AA interpor recurso de revista, invocando nas respectivas alegações que o acórdão é nulo por excesso de pronúncia.
Dispõe o art.º 666º, nº 1 do CPC que [é] “aplicável à 2.ª instância o que se acha disposto nos arts. 613º a 617º (…)”, acrescentando o respectivo nº 2 que a rectificação, a reforma ou a arguição de nulidade, são decididas em conferência.
Cumpre, pois, apreciar:
II. Invoca o recorrente que, ao reescrever vários pontos da factualidade provada, depois de os ter eliminado da mesma por entender que o seu teor era meramente conclusivo, o Tribunal a quo violou os limites do objecto do recurso. Diz que o Acórdão recorrido não podia – como fez – oficiosamente, introduzir novos factos que entendeu dar por provados, e, com bases nos mesmos, decidir como se se tratasse de tribunal de 1ª Instância.
Sustenta ainda que, mesmo que não ocorra nulidade por excesso de pronúncia, sempre se deverá reconhecer que a actuação do Tribunal a quo influiu na decisão da causa (fundamentou-a), estando-se, portanto, perante uma nulidade “geral”, nos termos do artigo 195.º, n.º 1 do CPC., que implica a anulação da referida decisão.
Sob a epígrafe Causas de nulidade da sentença, dispõe o art.º 615º, nº 1, do CPC que: “É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Os vícios de omissão ou de excesso de pronúncia incidem sobre as “questões” a resolver, nos termos e para os efeitos dos artigos 608º e 615º, nº 1, alínea d), do CPC, com as quais se não devem confundir os “argumentos” expendidos no seu âmbito.
No que respeita à decisão de facto e como bem se esclarece no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-03-2017, Proc. nº 7095/10.7TBMTS.P1.S1, relator: Tomé Gomes, o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt: “no que se refere à decisão de facto, importa ter presente que esta se integra na fundamentação da sentença e que os juízos probatórios parcelares que a consubstanciam podem, quando muito, padecer dos vícios de deficiência, obscuridade ou de contradição nos termos especificamente previstos na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC. Por sua vez, a falta ou insuficiência da fundamentação da decisão sobre algum facto essencial constitui irregularidade suprível, mesmo oficiosamente, nos termos do citado artigo 662.º, nº 2, alínea d), e 3, alínea b). Nessa medida, em sede de decisão de facto, não se afigura, em princípio, aplicável o regime das nulidades da sentença previsto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC..  
Por outro lado, o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC”.
Deste modo, quando o juiz tome conhecimento de factos de que não podia servir-se, não comete nulidade por excesso de pronúncia. O facto material é um elemento para a solução e não a própria questão. Nesta circunstância, poderá existir erro de julgamento, por a sentença, ou o acórdão, se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se.
É o que se verifica in casu: se a Relação, ao alterar a decisão da matéria de facto nos moldes em que o fez, excedeu os poderes que a lei, mormente o disposto no art.º 662º, nº1, do C.P.Civil, lhe confere, tal não consubstancia nulidade nos termos da alínea d) do art.º 615º, nem qualquer nulidade processual enquadrável no art.º 195º do mesmo Código.
Com o que se conclui pela improcedência das invocadas nulidades do acórdão proferido.
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III. Decisão
Pelo exposto, acordam em Conferência as juízas desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa, em indeferir a invocada nulidade do acórdão.
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Das Custas:
Conforme refere Salvador da Costa (Questões sobre custas processuais (3), Setembro de 2018, blog do ippc) “…o referido procedimento de arguição de nulidades do acórdão também se configura como um incidente lato sensu, do tipo reclamatório para o órgão jurisdicional que proferiu a decisão reclamada, por isso, juridicamente enquadrável nos art.º 1º nº 2 e 7º nº 4 do Regulamento das Custas Processuais e …tabela II anexa.”
Assim, a presente reclamação deve ser tributada em custas, pelo que se determina que as custas do incidente fiquem a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 Ucs.
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Abra conclusão para apreciação do requerimento de interposição de recurso.


Lisboa, 29.04.2025
Manuela Espadaneira Lopes
Amélia Sofia Rebelo
Isabel Maria Brás Fonseca
_______________________________________________________ Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem.