Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | JOÃO MANUEL P. CORDEIRO BRASÃO | ||
| Descritores: | CONTRATO PROMESSA CONTRATO DE ARRENDAMENTO CONTRATO MISTO INCUMPRIMENTO DEFINITIVO DIREITO DE RESOLUÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/07/2024 | ||
| Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | -O direito à resolução do contrato promessa, genericamente, implica o incumprimento definitivo do contrato promessa, o que só ocorre por via da convolação da mora do devedor, com fundamento numa de três situações: impossibilidade da prestação; perda de interesse do credor na mesma; ou interpelação admonitória (arts. 801º e 808º do CC); -Porém, acresce ainda um caso de resolução consubstanciado na comunicação de um dos contraentes ao outro, de forma categórica, da intenção de não cumprir, por não querer ou não poder; - Concluindo-se que estamos em presença de um contrato misto, e que a promessa é o tipo dominante, o que resulta da circunstância da vigência do arrendamento estar subordinada à vigência da promessa, uma declaração resolutiva eficaz, definitiva e irrevogável do contrato promessa acarreta a extinção do contrato de arrendamento existente entre as partes. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I. O relatório MR intentou a presente ação declarativa, sob forma de processo comum, contra WW, formulando os seguintes pedidos: a) Ser declarado judicialmente resolvido o contrato de arrendamento. b) Ser, em consequência, o R. condenado a entregar o imóvel ao A., livre e devoluto de pessoas e bens próprios. c) Ser o R. condenado a pagar ao A. o valor de € 115.500, a título de rendas vencidas e não pagas. d) Ser o R. condenado a pagar ao A. o valor de € 3.500,00 mensais desde junho de 2021 e até à prolação de douta sentença condenatória. e) Entrando em mora na entrega do imóvel deve o R. ser condenado a pagar ao A. o valor mensal de € 7.000,00, a título indemnizatório. f) Ser o R. condenado a pagar juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a data da citação sobre o capital de € 115.500,00 e até ao integral pagamento. g) E ainda ser condenado a pagar juros vincendos sobre cada prestação que não for sendo paga desde maio de 2021 e até à efetiva entrega do locado. Nos presentes autos, alega o A. que celebrou um contrato de arrendamento com o R. e este deixou de pagar a renda, pelo que peticiona a resolução do contrato com este fundamento. Regularmente citado, o R. contestou, alegando que as partes celebraram entre si um contrato promessa de compra e venda, mas verificou-se a necessidade de previamente à escritura proceder à legalização de armazéns que se encontram na área do prédio urbano prometido vender, pelo que acordaram em fazer reforços de sinal e formalizar a entrega destas quantias através de um documento de contrato de arrendamento. Mais tarde, necessitando a moradia de obras, ajustaram entre si que o R. deixaria de pagar reforços de sinal, suportando as despesas com as referidas obras. Peticiona, a final, o R., a condenação do A. por litigância de má fé, em multa e indemnização, a qual deve consistir no pagamento dos honorários da Mandatária do R.. Na resposta à matéria de exceção, aceitou o A. que existiu uma promessa de venda, mas negou a associação entre os dois contratos estabelecida pelo R., afirmando que o R. foi ocupar o imóvel no âmbito do contrato de arrendamento e que pagou efetivamente rendas por essa utilização. O A. veio ainda reduzir o pedido, reconhecendo que o R. pagou duas rendas, concretamente as que respeitam aos meses de agosto e setembro de 2018, no valor de € 7.000,00. Procedeu-se ao saneamento da causa, fixaram-se o objeto do litígio e os temas da prova. Realizou-se a audiência de julgamento, com observância das legais formalidades. No decurso da audiência veio o A. apresentar articulado superveniente, alegando que teve, entretanto, conhecimento de que a sua pretensão de autonomização do imóvel, com vista à respetiva venda, não teria viabilidade, conforme comunicação da Câmara Municipal, pelo que invocou a nulidade do contrato promessa, por impossibilidade de objeto, disponibilizando-se para restituir o sinal e exigindo a entrega do imóvel no prazo de 30 dias. O articulado superveniente foi admitido. O R. respondeu, entendendo não estar demonstrado que se verifique a alegada impossibilidade. Por decisão de 05/11/2023, foi proferida sentença com o seguinte conteúdo decisório: 1. Condena o R. WW a restituir ao A. MR o prédio em propriedade total, sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, composto de rés-do-chão e 1º andar, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Moita, sob o artigo …, o qual integra o prédio urbano sito na Estrada Municipal …, no lugar de Carvalhinho, freguesia da Moita, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º …, da freguesia e concelho da Moita, livre e devoluto de pessoas e bens; 2. Absolve, no mais, o R. dos pedidos. 3. Absolve o A. do pedido do R. de condenação por litigância de má fé. Inconformado, WW interpôs recurso de apelação para esta Relação e formulou na sua alegação as seguintes conclusões: I-O A veio alegar ter celebrado Contrato de Arrendamento com o Reu, e pediu a resolução do mesmo, por alegada falta de pagamento das rendas acordadas. II-O R defendeu-se e veio, em sede de Contestação, alegar que celebrou com o Autor CPCV para o mesmo prédio, e que III-Porque o Prédio não reunia os requisitos legais para ser alienado, pois apenas havia a promessa de compra e venda da moradia, e da descrição predial constavam, ainda, armazéns para indústria, e até que a situação fosse ultrapassada, foi celebrado Contrato de Arrendamento. IV-Que a intenção das Partes ao celebrarem Contrato de Arrendamento seria justificar vários reforços de sinal, permitindo-se, ainda, que o R e o respetivo agregado familiar habitassem o Prédio. V-Que o valor entregue mensalmente seria a descontar no preço final pela alienação do Prédio. VI-Aliás, conforme factos que se consideraram provados: “17. O contrato de arrendamento foi celebrado porque as partes viram que o imóvel carecia de desanexações ou destaques e, por isso, de trabalho nesse sentido junto da CM respetiva (9º resposta). 18. Enquanto este processo durasse e mercê da necessidade de habitação do R., por força de ter alterado o seu quotidiano para a margem sul, foi efetuado o arrendamento da parte que efetivamente seria vendida (10º resposta e 15º cont.).” (…) 23. Em 26.09.2020, o A., através de AS, que aí se intitula procurador, remeteu uma carta ao R., com conhecimento à consultora imobiliária, onde consignou que “Tendo presente a sua carta de 2020/02/21, informo que deu entrada na Câmara Municipal da Moita o processo de licenciamento dos armazéns.” VII-A Mma Juiz a quo entendeu estarmos perante um Contrato Misto, sendo o Contrato de Arrendamento dependente do CPCV. VIII-Até aqui nada temos a criticar, pois mostrou-se provado que a vontade das Partes seria o A. reforçar o sinal até à aquisição da moradia prometida vender e não o pagamento efetivo de uma renda pelo R.. IX-Em 21/02/2020, o R remeteu missiva ao A., onde escreve que “além dos armazéns não se encontrarem destacados, não estão legalizados, e sugere que seja comprovada a entrada do processo de legalização dos armazéns junto da CMM”, mais informando que o Banco só assim aceitaria conceder o empréstimo. Em sequência, X-O A., através de Procurador, remeteu missiva ao R., pela qual juntou comprovativo de ter requerido a legalização dos armazéns junto da CMM. I- Consideram-se incorretamente julgados os seguintes factos: XI-Considerou-se na decisão judicial em crise que “dos autos não resulta ser inviável o destaque da moradia”, porém, XII-concluiu a Mma Juiz a quo que da missiva remetida pelo R. ao A., em fevereiro de 2020, aquele assumiu a inviabilidade do negócio e concedeu um prazo perentório a este para se diligenciar outra solução que passava pela legalização dos armazéns, com vista à venda do prédio com estas edificações incluídas. Ora, XIII-Da missiva em analise, não resulta esta solução. Aliás, XIV-Após a resposta do A., pela qual este juntou comprovativo de ter requerido a legalização dos armazéns, e XV-Pelo confronto da PI e da Contestação, resulta que o R. mantinha o interesse na aquisição do Prédio prometido vender, ou seja, apenas a moradia. XVI-Da prova produzida não se infere que o A. se comprometeu a diligenciar a legalização dos armazéns para também estes serem alienados ao R., como solução alternativa. XVII-Nem se poderá entender que o R havia resolvido o CPCV, pois sempre se terá de analisar a verdadeira vontade das Partes, pela conjugação das missivas trocadas e respetivos articulados. XVIII-Com o articulado superveniente, o A. veio juntar aos autos missiva alegadamente remetida ao R, pela qual afirmou ser o negócio nulo, porém, XIX-O A. não veio requerer qualquer alteração do pedido (n.ºs 1 a 3 do art. 265.º do CPC). XX-Recorde-se que o A. apenas havia peticionado a resolução do Contrato de Arrendamento. XXI- Ainda que se entenda que estamos perante um Contrato Misto, sujeito ao regime legal do Contrato Promessa, não ficou provada a nulidade do CPCV, nem a resolução do mesmo por qualquer das partes fundamentada no incumprimento da outra. XXII-E, não se podendo concluir pela resolução objetiva do CPCV, este será de manter, até porque, e como já ponderado pela Mma Juiz a quo, “dos autos não resulta ser inviável o destaque da moradia”. XXIII-Do documento junto pelo A. e que reflete a tomada de posição da CMM, consta uma proposta de indeferimento para a constituição de uma propriedade horizontal no Prédio, e nada mais. XXIV-Entendemos que a Mma Juiz a quo fez incorreta interpretação da missiva do R., ao considerar resolvido o CPCV. XXV-Existe, pois, erro de julgamento. * O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo. * II. Objecto e delimitação do recurso Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio. De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso. Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, as questões a resolver são as seguintes: - avaliar a bondade da decisão do Tribunal recorrido, no sentido de considerar resolvido o contrato promessa celebrado entre as partes; - e a consequente entrega do prédio ao promitente vendedor. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir: * III. Os factos Recebeu-se da 1ª instância o seguinte elenco de factos provados e não provados: A) Factos Provados 1. Está inscrita, pela Ap. 4, de 07.04.1983, a aquisição, por compra, a favor do A., do prédio urbano sito na Estrada Municipal …., no lugar de Carvalhinho, freguesia da Moita, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º …., da freguesia e concelho da Moita, constando dessa descrição que tal prédio é composto por um edifício com cave e rés-do-chão para oficina, arrecadação e quintal; quatro edifícios de rés-dochão para armazém; e um edifício de rés-do-chão e 1º andar para habitação, garagem e quintal (1º p.i.). 2. O A. está inscrito como único titular do prédio em propriedade total, sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, composto de rés-do-chão e 1º andar, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Moita, sob o artigo …, no ano de 2013 (1º p.i.). 3. Em 14.11.2017, o A. contratou os serviços de mediação imobiliária de PL, detentora da licença AMI …, para que esta promovesse a venda do edifício destinado a habitação acima referido, pelo valor de € 350.000,00 (2º cont.). 4. A mediadora publicitou a venda do imóvel e o R., ao tomar conhecimento de tal facto, mostrou-se interessado na compra do mesmo (3º cont.). 5. Foi então celebrado contrato promessa de compra e venda, em 05.06.2018, onde se consignou ser objeto do mesmo a “fracção autónoma destinada a habitação descrita na conservatória de registo predial de Moita sob o n.º … e inscrito na matriz urbana sob o artigo …” (4º cont.). 6. A título de sinal foi paga pelo R. ao A. a quantia de € 25.000,00 (5º cont.). 7. No contrato promessa foi agendada a escritura para 18.06.2018, não se tendo celebrado o contrato definitivo de compra e venda pelo facto de o Notário não ter aceitado formalizar o ato, atendendo ao facto de no imóvel se encontrarem construídos armazéns para indústria, que não se encontravam devidamente legalizados/licenciados pela Câmara Municipal da Moita (8º cont.). 8. O A. recusou-se a incluir no preço de venda os armazéns (9º cont.). 9. O A. sugeriu agendar novamente a escritura, o que aconteceu por mais uma vez, no Verão de 2018, porém, não foi formalizada a escritura, pelo facto dos armazéns não se encontrarem legalizados (13º cont.). 10. O A. sugeriu proceder à legalização e destaque dos armazéns, pelo menos, até ao fim do ano de 2018 (10º cont.). 11. O R. aceitou que o A. procedesse ao destaque dos armazéns e respetiva parcela de terreno (12º cont.). 12. Em escrito denominado “contrato de arrendamento urbano para fim habitacional”, assinado em 31.07.2018, o A. declarou dar de arrendamento ao R., que declarou aceitar, a moradia existente no aludido prédio urbano (2º p.i.). 13. O contrato teve o seu início em 01.09.2018 e nele foi estabelecido que “perdurará até ao dia em que venha a ser outorgada, entre os aqui senhorio e arrendatário, a escritura pública, procedimento simplificado, ou documento particular com termo de autenticação, exarante do definitivo contrato de compra e venda, tendo por objeto o prédio urbano acima melhor identificado (…) em execução do contrato promessa de compra e venda que entre ambas as partes foi outorgado com data de 5 de Junho de 2018” (3º e 4º p.i.). 14. A renda a pagar pelo R. ao A. foi fixada em € 3.500,00 mensais, devendo o pagamento ser efetuado por depósito ou transferência bancária, até ao primeiro dia útil do mês a que respeitasse (5º p.i.). 15. Consta do contrato de arrendamento que “Acordam o primeiro e segundo outorgantes que, aquando da celebração do, definitivo, contrato de compra e venda (…) no preço entre as partes estabelecido e que, a essa data, ainda se encontre por pagar serão descontados todos os valores que pelo arrendatário hajam sido pagos, a título de rendas, em decorrência da vigência deste contrato de arrendamento” (38º cont.). 16. No aludido contrato de arrendamento, o R. declarou assumir todas as despesas com obras de conservação do imóvel (20º cont.). 17. O contrato de arrendamento foi celebrado porque as partes viram que o imóvel carecia de desanexações ou destaques e, por isso, de trabalho nesse sentido junto da CM respetiva (9º resposta). 18. Enquanto este processo durasse e mercê da necessidade de habitação do R., por força de ter alterado o seu quotidiano para a margem sul, foi efetuado o arrendamento da parte que efetivamente seria vendida (10º resposta e 15º cont.). 19. Mais acordaram A. e R. que este podia realizar obras no imóvel (16º cont.). 20. Foi o A. quem entendeu que este acordo deveria ser formalizado como um contrato de arrendamento, a fim de se justificar documentalmente a entrega mensal da quantia de € 3.500,00, sendo o valor da renda a descontar no preço final do imóvel (17º cont.). 21. Decorreu todo o ano de 2019 sem que o A. tenha destacado os armazéns (30º cont.). 22. Em 21.02.2020, o R. remeteu missiva ao A., onde consignou que “volvido todo este tempo, conclui-se que as autoridades competentes não permitem tal destaque.” Assim, deu ao A. o prazo de 6 meses para comprovar a entrega do requerimento, junto da Câmara Municipal de Moita, para legalização dos armazéns, “a fim de eu poder entregar o mesmo junto do Banco mutuante, e da Conservatória Registo Predial que irá formalizar o contrato definitivo. Decorrido tal prazo, sem que V. Exa. proceda conforme a presente interpelação, darei o contrato por incumprido por V. Exa., com todas consequências jurídicas que daí advirem.” (31º cont.). 23. Em 26.09.2020, o A., através de AS, que aí se intitula procurador, remeteu uma carta ao R., com conhecimento à consultora imobiliária, onde consignou que “Tendo presente a sua carta de 2020/02/21, informo que deu entrada na Câmara Municipal da Moita o processo de licenciamento dos armazéns. Assim, de conformidade com o referido por V.Exª. na carta de 2020/02/21, creio estarem reunidas as condições para a concretização do negócio nas condições acordadas.” (32º cont.). 24. O pedido de licenciamento deu entrada naquele organismo público em 22.09.2020 (33º cont.). 25. O A. recebeu uma comunicação da Câmara Municipal, datada de 17.02.2023, contendo uma informação técnica no sentido de que não é viável a constituição do prédio aqui em causa em propriedade horizontal, porquanto apesar das construções nele existentes, a saber, a moradia e os armazéns, serem independentes entre si, as mesmas não constituem um conjunto unitário (articulado superveniente). 26. O A. não respondeu a esta notificação (articulado superveniente). 27. Nesta sequência, o A. enviou uma carta ao R., na qual lhe comunicou que considera o contrato promessa nulo, por ser impossível a constituição de propriedade horizontal ou o destaque, disponibilizando-se para restituir o sinal e exigindo a entrega do imóvel no prazo de 30 dias (articulado superveniente). B) Factos Não Provados a) Com a celebração do CPCV, o R. e respetivo agregado familiar passaram a habitar o imóvel, o que sucedeu em junho de 2018 (6º e 25º cont.). b) O R. solicitou um empréstimo junto do Banco BPI para aquisição do imóvel, o qual foi deferido (7º e 8º cont.). c) Foi o R. quem solicitou a celebração de um contrato de arrendamento (10º cont.). d) Uma vez que aquele já tinha suportado despesas com o mútuo bancário e havia alterado a sua vida para a margem sul (12º cont.). e) Como o R. já se encontrava a habitar no imóvel (14º cont.). f) O R., por causa das despesas que já havia suportado, aceitou a proposta do A. (15º cont.). g) O A. nunca participou à AT a celebração do contrato de arrendamento, nem emitiu quaisquer recibos (21º cont.). h) Em novembro de 2018, o R. contactou o A. e informou-o que pretendia desistir da compra e venda do imóvel, pois os armazéns não se encontravam destacados, nem o A. lhe havia indicado uma data para tanto (26º cont.). i) Por outro lado, necessitava o R. de realizar obras no imóvel e não pretendia suportar mais despesas com o mesmo, sendo que se tratava de uma incógnita a celebração definitiva do contrato de C/V (27º cont.). j) Perante a posição do R., o A. sugeriu que aquele deixasse de pagar o valor mensal acordado, mais adiantando que a escritura seria realizada muito em breve (28º cont.). k) O R. aceitou e começou a realizar obras no imóvel, tendo despendido a quantia de € 6.206,46 (29º cont.). l) Tal não foi o suficiente para que o Notário aceitasse celebrar o contrato definitivo, dado que os armazéns não se encontravam ainda licenciados nem destacados (34º cont.). * IV. O mérito do recurso Da impugnação da decisão sobre matéria de facto Dispõe o art. 662º n.º 1 do Código de Processo Civil que A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nos termos do art. 640º n.º 1 do mesmo Código, quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. O n.º 2 do mesmo preceito concretiza que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Em contrapartida, cabe ao recorrido o ónus de apontar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, e caso assim o entenda, transcrever os excertos que considere importantes, tudo isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal. A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância. No que respeita à observância dos requisitos constantes do citado artigo 640º, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» (Ac. STJ de 01/10/2015 (Ana Luísa Geraldes); Ac. STJ de 14/01/2016 (Mário Belo Morgado); Ac. STJ, de 19/2/2015 (Tomé Gomes); Ac. STJ de 22/09/2015 (Pinto de Almeida); Ac. STJ, de 29/09/2015 (Lopes do Rego) e Acórdão de 31/5/2016 (Garcia Calejo), todos disponíveis na citada base de dados. No caso que ora cumpre apreciar, analisando as já reproduzidas conclusões recursórias apresentadas pelo recorrente, quanto à impugnação da matéria de facto, refere-se (no que para aqui interessa): I-Consideram-se incorretamente julgados os seguintes factos: XI-Considerou-se na decisão judicial em crise que “dos autos não resulta ser inviável o destaque da moradia”, porém, XII-concluiu a Mma Juiz a quo que da missiva remetida pelo R. ao A., em fevereiro de 2020, aquele assumiu a inviabilidade do negócio e concedeu um prazo perentório a este para se diligenciar outra solução que passava pela legalização dos armazéns, com vista à venda do prédio com estas edificações incluídas. Ora, XIII-Da missiva em analise, não resulta esta solução.(…) Com é evidente, nas conclusões das alegações de recurso o recorrente não invoca os concretos factos que considera incorretamente julgados, limita-se a questionar a interpretação jurídica que na sentença recorrida é feita dos factos provados nos pontos 22 a 25, o que torna legalmente inadmissível a impugnação da matéria de facto suscitada, razão pela qual vai a mesma indeferida liminarmente. * O Direito 1.Estabilizado o quadro factual do litígio, cumpre agora analisar juridicamente a pretensão do recorrente, à luz do mesmo. Na situação em apreço está provado que as partes começaram por celebrar um contrato promessa de compra e venda de imóvel (arts. 410º, nº 1 e 874º do CC), e, posteriormente, verificando que existia, afinal, um obstáculo à concretização do contrato de compra e venda na data acordada para o efeito, acordaram na celebração de um contrato de arrendamento para habitação (arts. 1022º, 1023º e 1067º, nº 1 do CC). Na sequência da celebração do contrato de arrendamento, o réu/recorrente foi habitar o imóvel. Nesta ação, peticiona o autor/recorrido a condenação do réu/recorrente na entrega do imóvel e no pagamento das rendas em dívida, com fundamento na resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento das rendas. Concluiu a sentença recorrida que estamos em presença de um contrato misto, e que a promessa é o tipo dominante, o que resulta da circunstância da vigência do arrendamento estar subordinada à vigência da promessa. A esta luz, entendeu-se ser o regime legal do contrato promessa aquele que deve reger a situação ora em análise, o que é aceite pelo recorrente, pelo que não iremos deter-nos com a questão da qualificação do contrato sub judice e regime aplicável. 2.Concluiu, ainda, a sentença recorrida que a resolução do contrato promessa operada pelo autor/recorrido é eficaz e que, por força da acessoriedade do arrendamento, face à promessa, a extinção do contrato promessa por resolução terá de se repercutir necessariamente no contrato de arrendamento, no sentido deste cessar a sua vigência por força da cessação da vigência do contrato promessa, devendo o réu/recorrente restituir o imóvel ao recorrido. Esta conclusão é posta em causa pelo recorrente nesta apelação. Vejamos. A resolução é uma forma condicionada, vinculada e retroactiva de extinção dos contratos: condicionada por só ser possível quando fundada em lei ou convenção; vinculada por requerer que se alegue e demonstre determinado fundamento e retroactiva por operar desde o início do contrato (artº 433 do Código Civil). A resolução pode operar em casos previstos pelo contrato ou pela lei (artº 432 nº 1 do Código Civil). O código civil fala na resolução por incumprimento a propósito da impossibilidade culposa imputável ao devedor (art. 801 nº 1 do Código Civil): a ideia é a de que perante o incumprimento definitivo, o interesse do credor desvanece-se. Desde já se adianta que, em regra e genericamente, a jurisprudência pronuncia-se: a mora do devedor não permite, excepto se existir convenção em contrário, a imediata resolução do contrato, a menos que se transforme em incumprimento definitivo, o que pode acontecer se sobrevier a impossibilidade da prestação, se o credor perder o interesse na mesma – que se afere em função da utilidade que a prestação para ele teria, embora atendendo a elementos susceptíveis de valoração pela generalidade das pessoas, justificada por um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas – e, ainda, em consequência da inobservância do prazo suplementar e peremptório que o credor fixe, razoavelmente, ao devedor relapso (art. 808.º, n.ºs 1 e 2, do CC). 3.Analisando a matéria de facto provada, constatamos que, aquando da celebração do contrato promessa, as partes não sabiam que existia um obstáculo à outorga da escritura, só vieram disso a tomar conhecimento quando a realização da escritura se frustrou por esse motivo. Por outro lado, aquilo que as partes apuraram ser necessário fazer, para viabilizar a escritura, era operar o destaque da moradia, tendo sido esse o compromisso que veio a ser assumido pelo autor perante o réu. Afirmou o réu, na resposta ao articulado superveniente, que a validade do contrato promessa não ficou condicionada à possibilidade de se autonomizar o imóvel no registo predial. Tal como afirmado na sentença posta em crise, concordamos que tal afirmação não é exacta, porquanto se lermos a descrição predial do imóvel verificamos que nele se inclui uma oficina, quatro armazéns e uma habitação, enquanto a inscrição matricial junta aos autos se refere unicamente à habitação que integra aquele imóvel. A escritura pública de compra e venda não se consumou porque ficou escrito no contrato promessa que o seu objeto era o edifício destinado à habitação, correspondente àquela inscrição matricial, e que aparece designado no contrato como “fracção autónoma”, porém, não se trata de uma fração autónoma (inexiste regime de propriedade horizontal englobando o edifício), acrescendo que tal edifício não se encontra destacado do imóvel descrito no registo predial. Desta forma, a concretização da escritura dependeria da separação da moradia relativamente ao imóvel, (1) seja através da criação de uma nova descrição predial, em consequência de destaque, (2) ou por força da criação de uma fração autónoma, em consequência da constituição do imóvel em propriedade horizontal. Nesta senda, na informação prestada pela CM informa-se que não é viável a pretensão do autor de constituição da propriedade horizontal e, quanto eventual destaque do edifício, o mesmo não foi requerido pelo autor. Deu-se como provado que: 22. Em 21.02.2020, o R. remeteu missiva ao A., onde consignou que “volvido todo este tempo, conclui-se que as autoridades competentes não permitem tal destaque.” Assim, deu ao A. o prazo de 6 meses para comprovar a entrega do requerimento, junto da Câmara Municipal de Moita, para legalização dos armazéns, “a fim de eu poder entregar o mesmo junto do Banco mutuante, e da Conservatória Registo Predial que irá formalizar o contrato definitivo. Decorrido tal prazo, sem que V. Exa. proceda conforme a presente interpelação, darei o contrato por incumprido por V. Exa., com todas consequências jurídicas que daí advirem.” 23. Em 26.09.2020, o A., através de AS, que aí se intitula procurador, remeteu uma carta ao R., com conhecimento à consultora imobiliária, onde consignou que “Tendo presente a sua carta de 2020/02/21, informo que deu entrada na Câmara Municipal da Moita o processo de licenciamento dos armazéns. Assim, de conformidade com o referido por V.Exª. na carta de 2020/02/21, creio estarem reunidas as condições para a concretização do negócio nas condições acordadas.”. Concluiu, e a nosso ver bem, o Tribunal recorrido que esta carta do réu/recorrente e a resposta do autor/recorrido permitem-nos extrair duas conclusões relevantes: 1ª em 2020, tanto o autor como o réu consideraram que não podiam proceder ao destaque da moradia; 2ª nessa data, ambos acordaram na venda da totalidade do prédio, para o que o autor se comprometeu a diligenciar a legalização dos armazéns, o que fez. Ora, a acordada venda da totalidade do prédio, isto é, com os armazéns incluídos, não corresponde ao contrato promessa celebrado pelas partes, mas sim a um outro negócio, cujo objeto é notoriamente diferente e, para que pudéssemos estar perante novo contrato válido, o acordo entre as partes teria de obedecer ao formalismo imposto pelo art. 410º, nº 2 do CC, o que não tendo sucedido gera a nulidade do contrato promessa atinente à venda integral do prédio. Remanesce, pois, o contrato promessa que tinha como objecto o edifício/moradia, cujo destaque não se obteve. Deu-se como provado que: 27. Nesta sequência, o A. enviou uma carta ao R., na qual lhe comunicou que considera o contrato promessa nulo, por ser impossível a constituição de propriedade horizontal ou o destaque, disponibilizando-se para restituir o sinal e exigindo a entrega do imóvel no prazo de 30 dias (articulado superveniente). Com base neste facto, entendeu a sentença recorrida que estávamos perante declaração resolutiva eficaz, apta a pôr termo ao contrato promessa. Além das categorias supra elencadas, em que genericamente é possível a resolução do contrato promessa, outras se afiguram possíveis, concretamente quando o comportamento do promitente (devedor ou comprador) exprime o arreigado propósito de não cumprir, por não querer ou não poder. Sobre esta questão, além da jurisprudência citada na sentença recorrida, permitimo-nos aqui realçar outra jurisprudência emanada do STJ no mesmo sentido, a saber: - “A declaração resolutiva produz seus efeitos na sequência do seu recebimento, dado tratar-se de declaração receptícia e, deste modo, opera-se a resolução definitiva do contrato, independentemente desta ser lícita ou não. (…) [O autor] ao tomar a iniciativa de, primeiro, e, preliminarmente, a esta acção, comunicar aos RR a rescisão do contrato e deles exigir o sinal em dobro e, posteriormente, propô-la, formulando essas mesmas pretensões, manifesta ele, de forma clara, séria e inequívoca, a sua intenção de não cumprir a sua parte no contrato. Esta manifestação de vontade, se bem que tácita, não deixa, por isso, de ser concludente nesse sentido (…) constitui-se como causa de incumprimento definitivo por parte do A. e confere aos RR o direito de resolução do contrato e de fazer sua a quantia entregue, a título de sinal”. (Acórdão de 10 de Janeiro de 2012, processo nº 25/09TBVCT.G1.S1, relator Martins de Sousa, disponível em www.dgsi.pt); -“A declaração resolutiva, sendo uma declaração receptícia, produz os seus efeitos logo que recebida pela contraparte, ficando resolvido definitivamente o contrato, independentemente de tal resolução ser legal ou ilegal”. (Acórdão de 22 de Março de 2011, processo nº 4015/07.0TBVNG.P1.S1, relator Moreira Alves, disponível [só o sumário] em www.dgsi.pt); - “[A] declaração de resolução, devidamente notificada ao devedor, tem de considerar-se eficaz, fazendo cessar a relação contratual que existia entre as partes: trata-se de uma declaração receptícia, que se torna definitiva e irrevogável a partir do momento em que chega ao poder do devedor ou é dele conhecida (art. 224º). Aliás, mesmo que fosse infundada, pode entender-se que a declaração de resolução não deixaria de ser eficaz, no que respeita à insubsistência do vínculo contratual. (…) Mesmo que assim se não entenda, sempre seria de considerar, como tem sido entendido, que a declaração de resolução, mesmo que infundada e ilegítima, corresponde a uma recusa de execução do contrato, equivalendo a uma declaração séria e firme de não cumprir. Tal declaração deve ser equiparada a uma declaração antecipada e irreversível de incumprimento, uma vez que, ao fazê-la, o declarante afirma em termos categóricos e definitivos que não outorgará o contrato definitivo; ou, pelo menos, tem implícita uma declaração inequívoca de não cumprimento do contrato, colocando o declarante em situação de incumprimento definitivo”. (Acórdão de 27 de Abril de 2017[3], processo nº 44/14.5T8VIS-B.C1.S1, relator Pinto de Almeida, disponível em www.dgsi.pt). A sentença recorrida, perante declaração do autor/recorrido (promitente comprador) (ponto 27 da factualidade assente), segundo a qual, por carta, comunica ao réu/recorrente (promitente comprador) que considera o contrato promessa nulo, por ser impossível a constituição de propriedade horizontal ou o destaque, disponibilizando-se para restituir o sinal e exigindo a entrega do imóvel no prazo de 30 dias, está inequivocamente a transmitir que considera extinto o contrato promessa celebrado entre as partes. Perante tal declaração, é nossa convicção que eficazmente, de forma definitiva e irrevogável, o autor/recorrido pôs termo à relação contratual materializada no contrato promessa celebrado e, consequentemente, a extinção do contrato promessa acarreta, por força da doutrina supra expendida sobre o regime do contrato misto, a extinção do contrato de arrendamento existente entre as partes, impondo-se a restituição pelo réu/recorrente do imóvel que ocupa, tal como se concluiu na sentença recorrida. Pelas razões expostas, improcederá a presente apelação. * V. Decisão Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em: -indeferir liminarmente a impugnação da decisão da matéria de facto suscitada pelo recorrente; -julgar totalmente improcedente a apelação apresentada, mantendo-se na íntegra a sentença proferida na primeira instância. Custas pelo recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 07-11-2024 João Manuel P. Cordeiro Brasão Jorge Almeida Esteves (com declaração de voto de vencido) Teresa Pardal Voto de vencido do Exmº Sr Juiz Desembargador Jorge Almeida Esteves. Entendo que o recurso é procedente pois, não tendo o autor efetuado qualquer alteração da causa de pedir, não se pode decidir com fundamento no contrato promessa. A causa de pedir é o contrato de arrendamento e o pedido radica numa causa de resolução desse contrato, no caso a falta de pagamento das rendas. Por isso, sendo este o objeto do processo [que é constituído pelo pedido e pela causa de pedir, sendo sobre esses dois elementos fundamentais que irá incidir a sentença e se formará caso julgado], a decisão não pode basear-se noutro objeto, ou seja, noutra causa de pedir. Considerando-se que se provou que o fundamento da entrega do imóvel ao réu radicou no contrato promessa, que é o contrato dominante (conclusão com a qual concordamos, pois resulta dos factos provados), a ação tem de ser improcedente quanto à entrega do imóvel, que foi pedida com fundamento na resolução de um contrato de arrendamento. Decidir a causa com base na resolução do contrato promessa, como resulta da fundamentação, é transformar uma ação de despejo, com fundamento na falta de pagamento de rendas, numa ação de devolução da coisa entregue com fundamento na resolução de um contrato promessa. O contrato promessa invocado pelo réu constitui uma exceção ao direito do autor. Não tendo havido qualquer pretensão ampliativa da causa de pedir, não pode essa exceção transformar-se em causa de pedir para sustentar o pedido de despejo. Temos, portanto, que a exceção invocada pelo réu é o facto de o contrato promessa ser o contrato dominante e da entrega do imóvel ter sido nele baseada. Isto é que consubstancia a exceção e, tendo-se provado esta factualidade, tal constitui facto impeditivo do pedido de despejo que foi formulado na medida em que o arrendamento estava, todo ele, integrado na pretensão aquisitiva do imóvel pelo réu que havia sido acordada com o autor. E como exceção que é não se pode tornar, per se, em causa de pedir. O autor podia, eventualmente, ter alterado a causa de pedir em face da contestação, ampliando desse modo o objeto do processo e permitindo que o tribunal pudesse atender à nova causa de pedir, mas acontece que não o fez. Logo, a decisão da causa não pode basear-se na resolução do contrato promessa. E não estamos perante uma questão meramente formal, antes pelo contrário. Não tendo o autor invocado como causa de pedir o contrato promessa, tal impede o réu de se defender contra ela, nomeadamente de invocar a invalidade da resolução desse contrato levada a efeito pelo autor. |