Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL RODRIGUES | ||
Descritores: | PRIVAÇÃO DE USO DE VEÍCULO DANO PATRIMONIAL AVALIAÇÃO PATRIMONIAL EQUIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/12/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - A mera privação do uso do veículo configura um dano patrimonial específico e autónomo que atinge o direito de propriedade, por retirar ao proprietário lesado a possibilidade de utilizar a coisa e a capacidade de dispor materialmente dela quando e como melhor lhe aprouver. II - A lesão patrimonial decorrente da perda dessa possibilidade de utilização do veículo é passível de avaliação pecuniária, devendo recorrer-se à equidade na falta de prova de danos efectivos causados pela privação do uso do veículo. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I - Relatório: 1. P….., intentou a presente acção de processo comum de declaração contra M….., peticionando a condenação do Réu a pagar ao Autor a quantia de € 6.000,00 (seis mil euros)[[1]], pela privação do uso de veículo que lhe adquiriu, acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal de 4% desde a data da citação até integral pagamento. Para o efeito, alegou, em substância, que no dia 30/01/2015, no exercício da respectiva actividade comercial, o Réu vendeu ao Autor e este adquiriu-lhe, pelo preço de 21.000,00€ que pagou, o veículo automóvel da marca Mercedes-Benz, modelo S 400 CDI (W220), com a matrícula …..-…..-….., destinando-se o mesmo ao seu uso pessoal, designadamente para as suas deslocações diárias, incluindo para o trabalho, circunstâncias que deu a conhecer ao vendedor. O Réu garantiu ao Autor que o veículo, embora usado, se encontrava em bom estado de conservação e funcionamento. Não obstante, no dia seguinte a ter sido entregue ao Autor, o veículo apresentou anomalias de funcionamento (ruído anormal proveniente do motor) que obrigou à sua imediata imobilização. Comunicada a anomalia ao Réu e feito o diagnóstico (defeito ao nível da distribuição do motor), aquele prontificou-se a reparar o veículo, tendo ficado com este na sua posse entre o dia 10-02-2015 e o dia 17-02-2015, data em que o entregou ao Autor, afirmando que a avaria estava reparada. Porém, nesse mesmo dia (17-02-2015), o motor do veículo voltou a fazer o mesmo ruído, mas com maior intensidade, pelo que teve de ser sujeito a efectiva reparação em oficina automóvel, tendo o Réu, após vicissitudes várias, assumido o respectivo custo. Devido ao defeito detectado no veículo, o Autor ficou privado da sua utilização por um total de 48 dias (entre 10-02-2015 e 30-03-215), sendo que os compromissos relacionados com a sua vida pessoal e profissional tornam imprescindível o transporte em veículo automóvel, pelo que foi obrigado, em diversas situações, a recorrer a veículos de terceiros e deixou de ir a encontros pessoais e profissionais pela dificuldade acrescida em se deslocar, situação que lhe causou incómodos, perda de tempo e ansiedade. 2. Citado, o Réu contestou, defendendo-se por impugnação e invocando ter facultado ao Autor um veículo de substituição durante os períodos de reparação da viatura que este último, porém, recusou. 3. Por despacho de 07/04/2016 (ref.ª Citius 128291921), que não mereceu oposição das partes, dispensou-se a realização da audiência prévia. 4. Na sequência, proferiu-se despacho saneador e fixou-se o valor da causa. 5. No dia 31/05/2016, realizou-se a audiência final, que decorreu numa única sessão, com registo da prova e observância do restante formalismo legal, conforme decorre da respectiva acta (ref.ª Citius 129144810). 6. Por despacho de 17/08/2016 (ref.ª Citus 129683157,a fls. 107 e segs.), foi determinada a produção de prova suplementar. 7. Posteriormente, em 04/12/2017 foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a acção e absolveu o Réu do pedido (ref.ª Citius 135623609). 8. Inconformado, o Autor recorreu de apelação e nas respectivas alegações formulou as seguintes conclusões: «A) O presente recurso vem interposto da douta Sentença proferida no processo N.º …../….., do Juízo Local Cível de Vila Franca de Xira, por considerar o A….. ter ficado provado o seu direito a ser indemnizado pela privação do uso do veículo …..-…..-….. comprado ao R. B) O Tribunal a quo não podia ter julgado provado que “19. Em 04.03.2015 o R. disponibilizou ao A. uma viatura de substituição durante o tempo de reparação do veículo referido em 2)”, que “20. Em 17.03.2015 o R. disponibilizou ao A. uma viatura de substituição para o caso da avaria do veículo referido em 2) não ter ficado devidamente reparada” e que “21. O A. recusou a viatura de substituição referida nos pontos anteriores.” quer pela incongruência de tais factos em face da normalidade e lógica das situações, quer em face das declarações do A. C) As declarações do R. e o depoimento da testemunha M….. não merecem credibilidade quanto à disponibilidade do veículo de substituição na medida em que defendem ter sido disponibilizado veículo de substituição em datas em que o A. tinha o veículo CV na sua posse e não carecia de outro (Depoimento da testemunha M….. gravado a 20160531160735_5573777_2871259, de 05:00 a 06:17, de 07:16 a 08:02; declarações do R. gravadas a 20160531150625_5573777_2871259, de 03:00 a 03:33). D) Não foi feita qualquer prova de que o R. tenha disponibilizado ao A. um veículo de substituição no dia 07.03.2015, data em que entregou o veículo ao R. para reparação, nem no dia 18.03.2015, data em que o veículo voltou a avariar e deu entrada na oficina para reparação. E) A terem existido, das conversas tidas com o A. em 04.03.2015 e 17.03.2015 não pode concluir-se que o R. colocou à disposição do A. um veículo de substituição nos períodos de 07.03.2015 a 17.03.2015 e de 18.03.2015 a 30.03.2015, sendo meras técnicas comerciais. F) Sobre a disponibilização de veículo de substituição a partir do dia 18.03.2015 e até 30.03.2015 não foi produzida qualquer prova, tendo a testemunha M….. afirmado nada mais ter presenciado após o dia 17.03.2015, por ter ficado de férias (Depoimento gravado a 20160531160735_5573777_2871259, de 08:29 a 08:40): G) Acresce que, o Tribunal a quo não deveria sequer ter alicerçado a sua convicção com base na testemunha M….., por ter prestado um depoimento eivado de incorrecções e falsidades, nomeadamente ao garantir ao Tribunal que o primeiro contacto do A….. com o R….. relativamente à avaria foi o telefonema de 04.03.2015 (o que foi contrariado pelo próprio R.)–Depoimento gravado a 20160531160735_5573777_2871259, de 03:45 a 04:40). H) O tribunal devia ter julgado não provados os aludidos factos com base nas declarações do A….., gravadas a 20160531143848_ 5573777_2871259, de 15:18 a 18:22. I) Pelo que, se impunha ao Tribunal dar como não provado os factos vertidos nos pontos 19 a 21 da decisão sobre a fundamentação de facto sendo que, ao não fazê-lo, incorre a Sentença em erro de julgamento. J) Tal como incorre em erro de julgamento ao ter julgado não provado que “O veículo referido em 2) da factualidade provada tivesse ficado impossibilitado de circular em consequência do ruído referido em 6)” K) Tendo ficado provado que a avaria era ao nível da correia da distribuição, o Tribunal a quo deveria ter concluído pela impossibilidade do veículo circular, por se tratar de uma decorrência lógica de tal avaria mecânica. L) De qualquer forma, foi feita prova de que o A. não podia circular com o veículo devido à avaria, concretamente pelo depoimento das testemunhas P….. depoimento se encontra gravado a 20160531153436_5573777_2871259, de 03:09 a 03:18, de 03:31 a 04:01, de 04:01 a 04:19, de 04:23 a 04:27, de 07:16 a 07:53 e de 09:00 a 09:07). M) Como é do conhecimento comum, os veículos com problemas na distribuição do motor (conforme provado no ponto 11) não podem circular sob pena de o motor ficar irremediavelmente danificado. N) A carta da M….. não é suficiente, como pretende o Tribunal a quo, para justificar que o veículo não estava impossibilitado de circular, já que do referido documento (nem dos factos provados) consta em que data foram os mesmos percorridos, podendo ter sido entre a data da aquisição e o dia 02.02.2015. O) O Tribunal deveria, pois, ter julgado provado que o veículo ficou impossibilitado de circular na sequência do defeito, ou que, pelo menos, o A….. ficou impossibilitado de o usar desde 02-02-2015 até à eliminação do defeito, o que só veio a acontecer, conforme provado, em 30.03.2015. P) Impunha-se também ao Tribunal ter julgado provado que “O valor diário de aluguer de um veículo com as características do veículo referido em 2) da factualidade provada, no estado de novo, fosse de €260,00”, com base no depoimento prestado pela testemunha P…., gravado a 20160531153436_5573777_2871259). Q) Ao julgar não provados os aludidos factos, incorre a Sentença em erro de julgamento. R) O A. considera infundada a fundamentação para a negação da peticionada indemnização pela privação do uso do veículo, a qual é devida mesmo com base nos factos que ficaram provados. S) A simples privação do uso de um veículo é, em si mesmo, um dano indemnizável, porquanto envolve, para o seu proprietário, a perda de uma utilidade do veículo correspondente à possibilidade de o utilizar quando e como entender, não sendo de exigir a verificação de um dano concreto. T) Mas mesmo que assim se não entendesse, ficou provado que o A….. sofreu um dano efectivo indemnizável, traduzido no facto de ter tido de se socorrer “de veículos e de boleias de terceiros, bem como de transportes públicos” (Ponto 18) factos provados). U) O facto – que não se aceita – de ter recusado um veículo de substituição afasta o direito do A….. a ser indemnizado por ter de ficar privado de utilizar aquele veículo em concreto, de modelo específico (“Mercedes Benz, modelo S400 CDI (…) o qual é considerado um veículo topo de gama da marca, tendo 3906 cm3 de cilindrada”), que escolheu para “uso nas suas deslocações diárias” (Pontos 2 e 3 dos factos provados) e cujo preço pagou. V) O Tribunal deveria ter condenado o R….. a indemnizar o A….. pela privação do uso desde 02.02.2015 até 30.03.2015, por ter sido o período durante o qual o A….. não pode fazer uso do mesmo de acordo com os factos provados. X) Ao julgar improcedente o direito peticionado pelo A….., a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 562.º e 564.º do Código Civil. Termos em que, e nos mais e melhores de Direito que Vexas. doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se a Sentença recorrida». 9. O Réu apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões: «I. O Tribunal a quo decidiu correctamente ao ter considerado provado que: “19. Em 04.03.2015 o R. disponibilizou ao A. uma viatura de substituição durante o tempo de reparação do veículo referido em 2). 20. Em 17.03.2015 o R. disponibilizou ao A. uma viatura de substituição para o caso da avaria do veículo referido em 2) não ter ficado devidamente reparada. 21. O A. recusou a viatura de substituição referida nos pontos anteriores.” II. Tal resulta absolutamente claro quer das declarações do Réu, quer do depoimento da testemunha M….. que com clareza, coerência e segurança vieram aos autos esclarecer tal matéria. III. De tais declarações foi possível retirar com segurança: a) qual a viatura em concreto que foi colocada à disposição do Autor: um Peugeot 607, 2.2 HDI; b) em que datas lhe foi oferecida: 04 e 17 de Março de 2015; c) onde e quando é que essa mesma viatura lhe foi mostrada: nas Olaias, no dia 17 de Março de 2015, por volta das 7 ou 8 da noite; d) que o Autor sempre rejeitou tal oferta: por ter referido que não precisava já que trabalhava no negócio dos táxis e tinha várias viaturas à disposição. IV. O Autor/Recorrente omite de forma intencional a reprodução das declarações que deram tais factos como provados e traz aos autos uma versão parcial e distorcida com o objectivo de relançar uma dúvida que ele próprio considerou esclarecida em sede de julgamento, conforme resulta de modo evidente das transcrições reproduzidas em 7º e 16º supra. V. Resultou provado de forma inequívoca o que sempre ao longo processo foi invocado pelo Réu: que foi disponibilizada ao Autor uma viatura de substituição em 04 e 17 de Março, o que este sempre recusou. VI. Sendo irrelevante a alegação do recorrente quando afirma que não foi oferecido veículo de substituição em 07.03.2015 e 18.03.2015, uma vez que resultou provado que o mesmo lhe foi oferecido em 04.03.2015 e 17.03.2015, ou seja, em datas anteriores ao período de reparação, o que sempre foi rejeitado pelo Autor. VII. O Tribunal a quo fez nesta matéria uma correcta apreciação e valoração da prova produzida pelo que nenhuma censura merece a douta sentença recorrida ao ter dado como provada a factualidade constante em 19. 20. e 21. VIII. De igual modo inexistem fundamentos para colocar em crise a matéria que não foi dada como provada pelo tribunal a quo e, em concreto, os pontos c) e j) constantes da douta Sentença. IX. Desde logo porque quanto ao ponto c), foi feita prova documental de que o veículo circulou 599 km após a sua aquisição, o que demonstra inequivocamente que não estava impedido de circular. X. Mas também porque não foi jamais invocado e muito menos provado que o Autor tenha recorrido a reboque ou qualquer outro meio auxiliar de transporte para deslocar a viatura em causa. XI. Quanto ao ponto j) e pese embora a sua prova fosse, em nosso entendimento, totalmente irrelevante e inconsequente já que o Autor jamais invocou ou provou ter recorrido ao aluguer de qualquer viatura, parece-nos evidente que inexistiu também qualquer prova quanto ao referido valor pelo que a conclusão do tribunal a quo não podia ter sido diferente. XII. Por último, e no que respeita à suscitada matéria de direito, não assiste razão ao Recorrente quando considera que pelo simples facto de ter ficado provada a privação de uso tal seria por si só fundamento bastante para o indemnizar. XIII. Por um lado, porque a privação de uso se deveu única e exclusivamente a uma decisão do Autor que reiteradamente rejeitou o carro de substituição que lhe foi disponibilizado pelo Réu pelo que, em cumprimento do princípio da reconstituição natural imposta pelo artigo 566º do Código Civil nada mais podia ser exigido ao Réu (já que este suportou na integra o custo da reparação). XIV. E, por outro, porque mesmo que não tivesse resultado provado que o Réu ofereceu ao Autor uma viatura de substituição, a verdade é que este último não trouxe aos autos qualquer prova (por mínima que fosse) de qualquer repercussão patrimonial negativa que a mesma lhe possa ter causado. XV. Ora, como bem tem entendido a jurisprudência dominante em casos semelhantes, a mera privação de uso não confere ao lesado o direito de ser indemnizado, a não ser que este alegue e prove a existência de danos ou prejuízos, o que claramente, no caso dos autos, não sucedeu. XVI. E, na total ausência de tal prova, inexiste qualquer fundamento material ou legal para que se decida pela indemnização requerida pelo Recorrente. XVII. E mesmo que assim não se entenda (o que se admite sem conceder), nunca o valor indemnizatório poderia corresponder ao montante peticionado pelo Autor, tendo em conta que o Recorrente não suportou custos efectivos decorrentes de tal privação de uso, situação em que o valor indemnizatório deve ser fixado de acordo com critérios de equidade e nunca num valor diário superior a 10,00€ (dez euros). XVIII. Por todo o exposto, nenhuma censura merece a douta decisão recorrida, a qual deverá manter-se na íntegra. Nestes termos, E nos melhores de Direito que V. Exas. Muito doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente por manifesta e total improcedência dos seus fundamentos, mantendo-se a douta Sentença recorrida e assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA» II) Objecto do recurso - Questões a decidir: De acordo com o disposto nos artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este Tribunal da Relação adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Tal limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. ([2]) Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a ponderação das seguintes questões: 1.ª - Saber se o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento na apreciação e valoração dos meios de prova, que imponha a alteração da decisão da matéria de facto relativamente aos pontos 19., 20. e 21. dos factos julgados provados e às alíneas c) e j) dos factos julgados não provados. 2.ª - Saber se o Autor tem direito a indemnização por dano de privação do uso de veículo. III) Fundamentação: A) Motivação de facto: Na 1ª instância julgaram-se provados e não provados os seguintes factos[[3]]: A.1. Factos provados: «1. O R. dedica-se profissionalmente e com fim lucrativo à atividade de compra e venda de automóveis usados, exercendo a mesma no seu estabelecimento de venda ao público de automóveis usados designado por “A…..”, sito no Forte da Casa. 2. Em 30.01.2015 o A. adquiriu ao R., pelo preço de € 21.000,00, o veículo automóvel usado da marca Mercedes Benz, modelo S 400 CDI (W220), com a matrícula …-...-… o qual é considerado um veículo topo de gama da marca, tendo 3906 cm3 de cilindrada. 3. O veículo anteriormente referido foi adquirido pelo A. para seu uso nas deslocações diárias. 4. Nas circunstâncias referidas em 2) o R. informou o A. ter celebrado com a Mapfre Asistencia, Compañia Internacional de Seguros e Reaseguros, S.A., representação permanente, um contrato pelo qual transferira para a mesma, pelo período de um ano, a responsabilidade civil decorrente da existência de defeitos e avarias no veículo referido em 2). 5. O veículo referido em 2) foi entregue ao A. no dia 30.01.2015 sem aparente anomalia no seu funcionamento. 6. Dois dias depois, quando o A. ligou o carro referido em 2), o motor deste começou a fazer ruído, tendo por isso dado entrada com o mesmo em 02.02.2015 na oficina Garagem…., onde aquele permaneceu até 10.02.2015. 7. Antes de 09.02.2015, o A. contatou por telefone o R. dando-lhe conta do ruído proveniente do motor. 8. Em 09.02.2015 o A. enviou ao R. uma carta comunicando-lhe a existência de um defeito no motor do veículo referido em 2) aquando da sua colocação em funcionamento que impedia a sua circulação, solicitando-lhe que desencadeasse as diligências necessárias com vista à reparação do mesmo no prazo de 10 dias e chamando a atenção para os prejuízos decorrentes da privação de uso do veículo em apreço. 9. O R. recebeu tal carta em 10.02.2015. 10. Em 09.02.2015 o A. enviou por fax e correio uma carta à Mapfre Asistencia, S.A., Cia. Internacional de Seguros e Reaseguros, S.A., comunicando-lhe a existência de um defeito no motor do veículo referido em 2) aquando da sua colocação em funcionamento que impedia a sua circulação, e informando que o veículo poderia ser observado nas instalações oficinais da sociedade com a firma “Garagem …..”, bem como que aguardaria por 10 dias por uma tomada de posição daquela no que tangia à assunção de responsabilidade civil. 11. Em 20.02.2015 o veículo referido em 2) da fatualidade provada deu novamente entrada na oficina Garagem ….., e em 23.02.2015 foi aí diagnosticado que o ruído provinha de um defeito ao nível da distribuição do motor. 12. Tal levou a Mapfre a recusar, em 24.02.2015, a responsabilidade pela reparação do veículo com fundamento na existência da anomalia aquando da venda. 13. O R. providenciou pela reparação do veículo referido em 2) na oficina Auto ….. no período de 07.03.2015 a 17.03.2015, entregando-o nesta última data ao A. 14. Nesse mesmo dia o A. verificou que o motor do veículo referido em 2) fazia o mesmo ruído, mas com maior intensidade, o que comunicou ao R. no dia seguinte. 15. Em 18.03.2015 o veículo referido em 2) deu entrada na “Garagem ..…” para início de reparação, por escolha do A., tendo o R. assumido o custo da mesma e efetuado o respetivo pagamento. 16. O veículo referido em 2) ficou reparado no dia 30.03.2015, data em que foi entregue ao A. 17. O A. tem uma casa em Santarém onde se desloca com frequência. 18. Durante o tempo em que esteve privado do veículo referido em 2) o A. socorreu-se de veículos e de boleias de terceiros, bem como de transportes públicos. 19. Em 04.03.2015 o R. disponibilizou ao A. uma viatura de substituição durante o tempo de reparação do veículo referido em 2). 20. Em 17.03.2015 o R. disponibilizou ao A. uma viatura de substituição para o caso da avaria do veículo referido em 2) não ter ficado devidamente reparada. 21. O A. recusou a viatura de substituição referida nos pontos anteriores. 22. Em finais de Março de 2015 o R. dirigiu-se à Garagem .…., para saber se o veículo referido em 2) já se encontrava reparado, tendo-lhe sido dito que o mesmo não se encontrava ainda pronto por falta de disponibilidade da oficina». A.2. Factos não provados: «a) Nas circunstâncias referidas em 2) da fatualidade provada o A. tivesse informado o R. que precisava de um carro com as caraterísticas do adquirido porque fazia muitas deslocações para as quais considerava indispensável um veículo cómodo e seguro; b) Nas circunstâncias referidas em 2) da fatualidade provada o R. tivesse garantido ao A. que o veículo automóvel adquirido, embora usado, apresentava as qualidades e desempenho habituais dos veículos da mesma categoria e que se encontrava em bom estado de conservação e funcionamento; c) O veículo referido em 2) da fatualidade provada tivesse ficado impossibilitado de circular em consequência do ruído referido em 6); d) O motor desse veículo tivesse começado a fazer ruído no dia seguinte ao da sua aquisição pelo A.; e) O A. tivesse contatado o R. nos termos referidos em 7) da fatualidade provada no mesmo dia referido em 6) da fatualidade provada; f) O R. tivesse ficado com o veículo referido em 2) da fatualidade provada para reparação entre o dia 10.02.2015 e 17.02.2015; g) Nas circunstâncias referidas em 13) da fatualidade provada o R. tivesse afirmado ao A. que a avaria da viatura estava garantidamente reparada; h) O A. tivesse de se deslocar à sua casa de Santarém entre três a quatro vezes por semana; i) O A. tivesse deixado de efetuar duas viagens de lazer a Faro e à Guarda nos fins-de-semana de 14 e 15 de Fevereiro e de 28 de Fevereiro e 1 de Março devido à falta do veículo referido em 2) da fatualidade provada; j) O valor diário de aluguer de um veículo com as caraterísticas do veículo referido em 2) da fatualidade provada, no estado de novo, fosse de € 260,00; k) O valor diário de aluguer de um veículo com as caraterísticas do veículo referido em 2) da fatualidade provada, no estado de usado, fosse de € 150,00; l) O R. se tenha deslocado nos termos referidos em 22) da fatualidade provada no dia 27.03.2015». B)Motivação de Direito: - 1.ª Questão: - Do suposto erro de julgamento da matéria de facto 1. Pretende o Recorrente a reapreciação da prova e consequente alteração da decisão sobre a matéria de facto. Considera o Recorrente, que não deviam ter sido julgados provados os seguintes factos: “19. Em 04.03.2015 o R. disponibilizou ao A. uma viatura de substituição durante o tempo de reparação do veículo referido em 2). 20. Em 17.03.2015 o R. disponibilizou ao A. uma viatura de substituição para o caso da avaria do veículo referido em 2) não ter ficado devidamente reparada. 21. O A. recusou a viatura de substituição referida nos pontos anteriores.” E que, pelo contrário, deviam ter sido julgados provados os seguintes factos: “c) O veículo referido em 2) da factualidade provada tivesse ficado impossibilitado de circular em consequência do ruído referido em 6); (…) j) O valor diário de aluguer de um veículo com as características do veículo referido em 2) da factualidade provada, no estado novo, fosse de € 260,00.”. Entende o Autor, ora Recorrente, resumidamente, que estes pontos da matéria de facto foram incorrectamente julgados, que o Tribunal a quo não deveria ter alicerçado a sua convicção nas declarações prestadas pelo Réu/Recorrido e pela testemunha M..…,por se terem mostrado incoerentes e desprovidas de lógica, ao contrário das prestadas pelo Autor que se mostraram consentâneas e coerentes com a realidade. E que mesmo a dar-se por verdadeiras as declarações do Réu e o depoimento da testemunha M….., não têm as mesmas força necessária para comprovar os factos considerados provados postos em crise (pontos 19., 20. e 21.), já que nunca ocorreram quando o Autor ficou privado do uso do veículo, não lhes podendo ser atribuído outro sentido que não o de conversas circunstanciais e de mera cordialidade comercial. 2. Vejamos, então, se o Tribunal “a quo” incorreu ou não em erro na apreciação da prova, no segmento da matéria de facto impugnado pela Recorrente. 2.1. Nos termos exarados no artigo 607º do CPC vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido. Além deste princípio, que só cede perante situações de prova legal - prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais -, vigoram ainda os princípios da imediação, da oralidade e da concentração, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto, ampliados pela reforma processual operada pelo Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, e mantidos pela reforma processual operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados Perante o disposto no artigo 712º do CPC, a divergência quanto ao decidido pelo Tribunal a quo, na fixação da matéria de facto só assumirá relevância no Tribunal da Relação se for demonstrada, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a verificação de um erro de apreciação do seu valor probatório, sendo necessário, qua tais elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26-06-2003, acessível em www.dgsi.pt). Não se trata de possibilitar um novo e integral julgamento, mas a atribuição de uma competência residual ao Tribunal da Relação para poder proceder a uma reapreciação da matéria de facto. A utilização da gravação dos depoimentos em audiência não modela o princípio da prova livre ínsito no direito adjectivo, nem dispensa operações de carácter racional ou psicológico que gerem a convicção do julgador, nem substituem esta convicção por uma fita gravada. O que há que apurar é da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau de jurisdição face aos elementos agora apresentados, ou seja, a modificação da matéria de facto só se justifica quando haja um erro evidente na sua apreciação. Porém, uma coisa é a compreensão da fundamentação e outra diferente a concordância ou não com a mesma, já que, há que fazer a destrinça entre a convicção objectiva do julgador e, outra muito diferente, a vontade subjectiva da parte que pretende alcançar a sua própria verdade, sem uso de um espírito crítico. A este propósito refere-se lapidarmente no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25.Nov.2005 (proc. 1046/02), disponível in www.dgsi.pt., que “a possibilidade de alteração da matéria de facto deverá ser usada com muita moderação e equilíbrio, ainda que toda a prova esteja gravada em áudio ou vídeo, devendo tao só o erro grosseiro ou clamoroso na apreciação da prova ser sindicado pela Relação com base na gravação dos depoimentos”. Por erro notório deve entender-se “aquele que é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores; em que o homem médio facilmente dá conta de que um facto, pela sua natureza ou pelas circunstâncias em que pode ocorrer, em determinado caso, não pode ser dado como provado ou não é dado como provado e devia sê-lo – por erro na apreciação da prova” ([4]). Ou, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.Jul.1997 (proc. 97P612), disponível in www.dgsi.pt., “o erro notório na apreciação da prova é um vício de raciocínio na apreciação das provas evidenciado pela simples leitura da decisão. Erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de qualquer exercício mental. As provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica ou excluindo dela algum facto essencial”. Sem embargo, como afirma Abrantes Geraldes [[5]], “se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, a convicção acerca da existência de erro deve proceder à correspondente modificação da decisão”. 2.2. Revertendo ao caso concreto e antecipando a nossa decisão, ouvidas que foram por este Tribunal todas as declarações prestadas em audiência de julgamento e analisada a prova documental constante dos autos, diremos que, no caso, salvo o devido respeito, é irrelevante que não agrade ao Recorrente o resultado da avaliação que a Senhora Juíza a quo fez da prova, ou que o mesma discorde do resultado alcançado, posto que no processo de valoração dos meios de prova e de formação da sua convicção não detectamos erros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório. É o que nos propomos demonstrar de seguida. 2.3. Ao expressar a sua motivação acerca da decisão sobre a matéria de facto - que se estende de fls. 150 a 154-, no que concerne aos pontos de facto impugnados e a outros com eles conexos (pontos n.ºs 18. e 22.), referiu a Senhora Juíza a quo: “(…) Ao invés, afigura-se verosímil que como afirmado pelo R. e pela testemunha M..… – funcionário daquele que fez a venda do veículo e acompanhou de perto a situação até à devolução do carro em 17.03. – o A. só depois da resposta negativa da Mapfre tenha solicitado a reparação da viatura ao R. Com efeito, em 24.02.2015 a Mapfre declinou a sua responsabilidade e tal terá motivado a carta do A. de 02.03.2015. Nessa sequência, segundo o R. e a testemunha M….., em 04.03.2015 o A. e o R. combinaram o dia 07.03.2015 para aquele levar o carro e entregá-lo ao R., tendo o mesmo estado em reparação na oficina Auto … desde essa data até 17.03.2015 conforme ficha de obra desta oficina junta a fls. 121. (…) A convição do Tribunal quanto à fatualidade provada em 17) e 18) assentou na conjugação dos depoimentos das testemunhas F….. e P….., atenta a sua razão de ciência, tendo estes inclusivamente emprestado os seus carros ao A. em diferentes ocasiões. No entanto, resultou igualmente comprovada a fatualidade dos pontos 19) a 21) com base no depoimento credível da testemunha Mário …, conjugadamente com as declarações de parte do R., já que aquele presenciou ambas as situações e a recusa do A. Por último, para a fatualidade provada em 22) atentou-se nas declarações de parte do R. e no depoimento isento da testemunha P….., o qual acompanhou o R. à Garagem …. em fins de Março – não sabendo precisar o dia – já que iam depois buscar um carro aos leilões e comprar peças. A matéria não provada vertida nas alíneas a), b) e g) a l) foi assim decidida por ausência de prova, tendo a das alíneas c) e d) a f) resultado contrariada pela prova produzida. Note-se, quanto à alínea c), que o veículo em causa não estava impossibilitado de circular já que o A. foi levá-lo ao R. para que este procedesse à sua reparação - conforme referido por ambos - e depois à Garagem …., sendo que resulta ainda da fatura da venda do mesmo de fls. 13 e da carta da Mapfre de 24.02. junta a fls. 65 que entre a data da sua aquisição pelo A. e esta última data foram percorridos 599 km, pois o veículo foi vendido com 168.000Km e em 24.02. tinha 168.599Km». 2.4. Ora, salvo o devido respeito, ouvidas que foram todas as declarações prestadas em audiência de julgamento, quer pelas partes (Autor e Réu), quer pelas testemunhas, designadamente pela testemunha M….., declarações que ficaram registados em ficheiro áudio e em CD, e feita uma reapreciação global de toda a prova produzida, que conjuga declarações de parte, declarações de testemunhas e prova documental, só podemos acompanhar a decisão sobre a matéria de facto e respectiva fundamentação, na qual a Senhora Juíza a quo expôs com expressiva clareza os motivos essenciais que a determinaram a decidir como decidiu o segmento em crise da decisão da matéria de facto (pontos 19., 20. e 21. dos factos provados e alíneas c) e j) dos factos não provados). 2.5. Na valoração da prova, o juiz não está sujeito a critérios apriorísticos, devendo fazer apelo à sua experiência vivencial, usando de prudência e de bom senso na interpretação dos sinais transmitidos pelas testemunhas, da forma como se exprimem e da segurança ou não dos conhecimentos de que são detentoras. E a forma como a Senhora Juíza “a quo” valorou a prova por declarações de parte, testemunhal e documental que respeita à matéria de facto impugnada, mostra-se clara, especificando o seu perfil de pensamento e explicando correcta e criteriosamente as razões do seu convencimento, maxime as razões por que valorou as declarações do Autor e da testemunha M….. e o sentido em que o fez relativamente aos pontos 19., 20. e 21. dos factos provados, e porque considerou não provados os factos descritos sob as alíneas c) e j). Na motivação da decisão da matéria de facto, a Senhora Juíza a quo não só fez um resumo do conteúdo essencial e relevante das declarações de parte prestadas pelo Autor e pelo Réu e do depoimento produzido pelas testemunhas, designadamente por M….., como aborda aspectos coligidos das regras de experiência e da psicologia judiciária, de onde retirou os argumentos racionais que lhe permitiram, com razoável segurança, credibilizar essas declarações e os documentos por si valorados ou deixar de lhes atribuir qualquer relevo ou relevo significativo, em termos de poderem infirmar a versão que lhes era contrária, tais como a razão de ciência da testemunha M….., (“funcionário daquele que que fez a venda do veículo e acompanhou de perto a situação até à devolução do carro em 17.03”, ...“presenciou ambas as situações e a recusa do Réu”, etc.), o interesse da mesma no desfecho da acção e as relações familiares ou de amizade existentes, as incongruências e contradições detectadas nas declarações de parte do Autor. 2.6. É consabido que no esforço de apreciação da prova, não pode deixar de ser dar relevância à percepção que a oralidade e a imediação conferem ao julgador. Com efeito, a convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações das testemunhas e depoimentos de parte, quando sejam prestados, em função das razões de ciência, das certezas e, ainda, das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, ansiedade, embaraço, desamparo, serenidade, olhares para alguns dos presentes, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos. Isto porque é sabido que a comunicação não se estabelece apenas por palavras mas também pelo tom de voz e postura corporal dos interlocutores e que estas devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram. Trata-se de um acervo de informação não-verbal e dificilmente documentável face aos meios disponíveis mas rica, imprescindível e incindível para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras de experiência comum e lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. O juiz não é uma mera caixa receptora de tudo o que a testemunha diz ou de tudo o que resulta de um documento, impõe-se-lhe uma apreciação baseada numa valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos enformada por uma convicção pessoal. Foi, pois, à luz destes princípios, tanto quanto sobressai da reapreciação da prova, que se formou a convicção do Tribunal a quo e, consequentemente, se declarou quais os factos julgados provados e os que foram julgados não provados. O Recorrente, nas suas alegações, questiona o contributo que as declarações prestadas pelo Réu e pela testemunha M….. deram à formação da convicção do Tribunal a quo. É sabido que as declarações das testemunhas, como as das partes, à míngua de prova documental com força probatória, são sempre um importante meio de prova a atender pelo Tribunal, não raras vezes o único. Por isso, e porque não se pode ignorar que as partes e as testemunhas nem sempre respeitam a verdade factual, é imperioso que se faça uma análise cuidada das suas declarações para testar a sua veracidade. Um dos critérios de fiscalização ou verificação dos meios de prova tem a ver com as características da declaração ou atendibilidade intrínseca, em que a sindicância se exerce sobre o conteúdo narrado, procurando aferir-se da sua credibilidade. Factores como a espontaneidade e tempestividade da declaração, a sua constância e coerência interna, a sua completude e verosimilhança decorrente da ausência de contraste com outros elementos de probatórios constituirão importantes elementos de avaliação da credibilidade dessa declaração. Constância, coerência e verosimilhança são qualificativos que se podem atribuir às declarações prestadas, quer pelo Réu (minutos 2’:18’’ a 10’:58’’... cujas transcrições relevantes constam das contra-alegações do Réu), quer pela testemunha M….., das quais resulta, de forma cristalina e sem margem para dúvidas, que em 04/03/2015, em conversa telefónica, o Réu disponibilizou ao Autor uma viatura de substituição pelo tempo correspondente ao da reparação do veículo Mercedes …..-…..-….. e que no dia 17/03/2015, quando lhe entregou este veículo, nas Olaias, após ter sido sujeito a uma primeira reparação, o Réu renovou a mesma oferta de disponibilização de veículo de substituição, caso se verificasse a eventualidade de a avaria não ter ficado resolvida e de o veículo em questão (Mercedes) ter de regressar à oficina. Claro ficou, igualmente, que em ambas as situações recusou a oferta de veículo de substituição, o qual aliás, lhe foi mostrado no dia 17/03/2015, um Peugeot 607, 2.2. HDI, veículo topo de gama da marca. O depoimento da testemunha M….. revelou-se abrangente, coerente e consistente e deixa perceber até os motivos da recusa, pelo Autor, da oferta que em ambas as ocasiões lhe foi feita de veículo de substituição. Foi o próprio Autor quem os indicou ao Réu: “Não é necessário, eu tenho outros meios de transporte, tenho outras viaturas...” chegando mesmo a referir que tinha táxis... (minutos 00’:48’’ a11’:50’’…, conforme transcrições constantes das contra-alegações do Réu). O Autor, nas suas alegações (pág. 7), ao referir-se à conversa telefónica que quer o Réu, quer a testemunha M….. afirmam ter ocorrido no dia 04/03/2015, argumenta que “Tal conversa teria feito sentido no dia 07.03.2015, data em que o A. entregou ao R. no Forte da Casa, o veículo avariado para reparação. Se o A. tivesse recusado o veículo de substituição no dia 04.03.2015, por telefone, como refere o R. – o que seria normal seria que, três dias depois, e na sequência daquela primeira conversa, o R. mostrasse o veículo que disponibilizara telefonicamente… e não mais de 10 dias depois, quando o veículo já está reparado” . Salvo o devido respeito, não concordamos com a alegação, seja porque as declarações do Réu e da testemunha M….. foram convincentes e esclarecedoras no que concerne à ocorrência da referida conversação, seja porque, como bem refere o Réu/Recorrido nas suas alegações, tendo o Autor recusado a oferta de veículo de substituição no dia 4/03/2015 nenhum sentido faria que aquele continuasse a insistir no assunto quando no dia 07/03/2015 o Autor lhe foi lá levar o Mercedes para reparação. Escapa à lógica das coisas! Ademais, como resulta das declarações do Réu (minutos 03’00’’ a 03’33’’) este transportou o Autor de regresso ao Prior Velho, desconhecendo-se se o fez por cortesia ou a solicitação do Autor, mas o que se sabe é que o Autor em momento algum alega que nessa oportunidade, ou em qualquer outro momento, como é normal acontecer nestes casos, solicitou ao Réu a disponibilização de viatura de substituição pelo período de paralisação do veículo que lhe adquiriu. O que alega é que teve custos derivados da privação do uso de tal veículo. Em suma, resulta da prova produzida que o Autor, em momento algum, solicitou ao Réu viatura de substituição, quiçá pelos motivos já referidos supra, limitando-se nas missivas que dirigiu ao Réu, em 09.Fev.2015 (Doc. 2 da p.i), 02.Março.2015 (Doc. 5 da p.i.) e 18.Março.2015 (Doc. 7 da p.i.), a chamar a atenção para os “prejuízos decorrentes da privação do uso do veículo” ou a para a futura imputação dos custos decorrentes de ter “estado a utilizar transportes públicos”. 2.7. Termos em que se considera que o Tribunal a quo fez correcta apreciação e valoração dos referidos meios probatórios, não merecendo qualquer reparo ou censura a decisão que julgou provada a matéria de facto descrita sob os pontos n.ºs 19., 20. e 21. 2.8. No que concerne à matéria de facto julgada não provada que foi impugnada, (alíneas c) e j), consideramos igualmente que também neste particular não assiste razão ao Autor, ora, Recorrente. Pretende o Recorrente que o Tribunal considere como provado que o veiculo referido Mercedes …..-…..-..… (referido em 2. dos factos provados) ficou impossibilitado de circular em consequência do ruido referido em 6. dos factos provados, entre 02/02/2015 até 30/03/2015. Ora, se é inquestionável que ficou amplamente provado que o motor do referido veículo produzia ruído quando em funcionamento, nada permite concluir, que em consequência de tal deficiência o mesmo tenha ficado impossibilitado de circular. Não se olvide que é a própria prova documental junta aos autos que demonstra o contrário do que pretende, ou seja, que entre 30.01.2015 e 24.02.2015 o veículo Mercedes …..-…..-….. circulou 599Km. Na verdade, da factura de aquisição do veículo junta aos autos (Doc. n.º 1 da p.i.) resulta que o veículo foi vendido ao Autor em 30/01/2015 com 168.000km e da carta da Mapfre também junta aos autos (Doc. n.º 1 da Contestação) retira-se que em 24/02/2015 a mesma viatura tinha 168.599km. Esta prova documental, retira, desde logo, credibilidade ao afirmado pela testemunha P….. na audiência de julgamento (minutos 15’35’’ a 15h50’’), de que logo que foi detectado o barulho no motor o carro “não circulou mais”. Mas também retira credibilidade ao afirmado pelo Autor, quer nas suas missivas, quer em declarações prestadas ao Tribunal a quo de nem sequer chegou a poder utilizar a viatura em apreço. Por fim, não podemos estar mais de acordo com as alegações do Réu quando afirma, bem a propósito, que o Autor jamais invocou e muito menos provou que o veículo tenha necessitado de reboque ou de qualquer outro meio auxiliar de transporte para o deslocar, o que leva por si só a concluir que o veículo não estava impossibilitado de circular, embora se conceda que, eventualmente, não fosse prudente fazê-lo. De qualquer modo, o conjunto da prova produzida inculca que o Autor é pessoa conhecedora da mecânica automóvel pelo não cometeria a imprudência de circular 599Km com o veículo Mercedes …..-…..-….. se tal pudesse agravar consideravelmente o estado do motor. Alega, por fim, o Recorrente que devia ter sido dado como provado que o valor diário de aluguer de um veículo com as características do veículo adquirido pelo Autor, no estado de novo, fosse de €260,00, porque tal foi afirmado pela testemunha P….. Não obstante a irrelevância do facto para a boa decisão da causa, desde logo porque o veículo em causa, de cujo uso se viu privado o Autor/Recorrente, não era novo mas usado, pelo que melhor se compreenderia a impugnação da alínea k) dos factos não provados, sempre se dirá que as declarações produzidas por Pedro … não se mostraram credíveis, antes comprometidas e inconsistentes. Acompanhamos, pois, o Tribunal a quo quando afirma que não foi produzida prova do vertido na alínea j), acrescentando-se, no entanto, que o valor locativo de um veículo com as características do veículo …..-…..-….. seria facilmente demonstrável por prova documental. Acontece que o Autor, a quem cabia demonstrar tal factualidade (art.º 342.º, n.º 1, do CC), não juntou aos autos documentos capazes de atestar o preço diário de aluguer daquele tipo de veículo. E seria fácil fazê-lo. Por conseguinte, bem andou o Tribunal a quo ao julgar não provada a matéria como tal descrita sob as alíneas c) e j). Em suma, no caso sub judice, apresenta-se-nos uma fundamentação da decisão da matéria de facto provada e não provada completa, convincente e sustentada no conjunto da prova carreada para os autos e produzida em audiência, que não merece qualquer censura por parte desta Relação. 2.9. Improcede, assim, totalmente, a impugnação da decisão da matéria de facto. 3. - 2.ª Questão: - Saber se o Autor tem direito a indemnização por dano de privação do uso de veículo. 3.1. O Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo de recusar a peticionada indemnização pela privação do uso do veículo …..-…..-….., nem com os fundamentos invocados na sentença recorrida para negar tal indemnização, por entender que a simples privação do uso de um veículo é em si mesmo um dano indemnizável “porquanto envolve, para o seu proprietário, a perda de uma utilidade do veículo correspondente à possibilidade de o utilizar quando o entender, não sendo de exigir a verificação de um dano concreto”. E em abono desta sua posição invoca o acórdão desta Relação de 03/12/2009, publicado em www.dgsi.pt. Argumenta, ainda, que a simples frustração da expectativa de utilização de um bem – no caso um veículo de 21.000,00€ - é, por si só, indemnizável; que mesmo que assim não se entendesse, ficou provado que o A. sofreu um dano efectivo indemnizável, traduzido no facto de ter tido de se socorrer “de veículos e de boleias de terceiros, bem como de transportes públicos” (Ponto 18 dos factos provados); e que nem o facto (provado) de ter recusado um veículo de substituição afasta o direito do A. a ser indemnizado por ter ficado privado de utilizar aquele veículo concreto, de modelo específico (“Mercedes Benz, modelo S400 CDI (…), o qual é considerado um veículo topo de gama da marca, tendo 3906 cm3 de cilindrada”, que escolheu para “uso nas suas deslocações diárias” (Pontos 2 e 3 dos factos provados). 3.3. Não está em causa a qualificação jurídica do contrato celebrado entre o Autor e o Réu e a sua subsunção ao regime dos contratos de compra e venda de coisas defeituosas celebrados entre profissionais e consumidores (artigos 913.º a 922.º do Cód. Civil e Dec.-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, e alterou a Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, cujo artigo 12.º, n.º 1, na versão alterada tem aplicação ao caso). Com o presente recurso o Autor pretende apenas alterar a decisão recorrida, com o fim de ser ressarcido dos prejuízos que alegadamente sofreu em consequência da privação do uso do veículo defeituoso adquirido ao Réu. 3.4. É inquestionável, como se reconheceu na decisão recorrida, que assiste ao Autor o direito a ser indemnizado por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da venda defeituosa em causa, nos termos do artigo 12.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Dec.-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que dispõe: “O consumidor tem direito à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens e prestações de serviços defeituosos”. No entanto, a indemnização pela privação do uso do veículo coloca-se não em relação a despesas que o lesado tenha efectuado devido à indisponibilidade do veículo, como, por exemplo, o aluguer de outro veículo ou utilização de transportes públicos, mas sim e apenas quanto à mera supressão da vantagem que consiste em o proprietário dispor de um concreto veículo e de o usar quando assim o desejar. Trata-se da situação em que o lesado fica privado do uso do veículo e não beneficiou de um veículo alternativo, seja porque ele não providenciou pela substituição (porque não pôde ou não quis), seja porque o lesante não lhe forneceu um veículo sucedâneo. Esta situação de privação do uso de veículo desdobra-se, ainda, em duas outras situações: (i) Uma consiste na privação do uso do veículo em si mesma, isto é, em termos abstractos, desenraizada das circunstâncias em que a privação se manifesta, colocando-se a questão de saber se, em abstracto, esta situação produz automaticamente um dano; (ii) Outra, pelo contrário, exige a prova de factos que mostrem ter ocorrido em concreto um dano (tese defendida pela 1.ª instância e pelo Recorrido). A respeito do ressarcimento da privação do uso de um bem, como dano autónomo de natureza patrimonial, podem ver-se diferentes concepções na doutrina e na jurisprudência. A favor da tese de que a mera privação do uso do veículo gera sempre um dano, pode ver-se o acórdão do S.T.J., de 5/07/2007 (Santos Bernardino), publicado na C.J. (Supremo Tribunal de Justiça), ano XV, tomo 2, pág. 153, onde se ponderou que «…a privação de uso de um veículo automóvel durante certo lapso de tempo, em consequência dos danos sofridos em acidente de trânsito, constitui, só por si, um dano indemnizável (…). O dono do veículo, ao ser-lhe tornada impossível a utilização desse veículo durante o período em causa, sofre uma lesão no seu património, uma vez que deste faz parte o direito de utilização das coisas próprias. E essa lesão é avaliável em dinheiro, uma vez que a utilização de um veículo automóvel no comércio implica o dispêndio de uma quantia em dinheiro. A medida do dano é, assim, definida, pelo valor que tem no comércio a utilização desse veículo durante o período em que o dono está dele privado. O dano produzido atinge, neste caso, a propriedade - direito que tem como manifestações, entre outras, a possibilidade de utilizar a coisa e a capacidade de dispor materialmente dela; possibilidade e capacidade que são retiradas ao proprietário durante o tempo em que, por via do dano produzido, está privado do veículo. E a perda da possibilidade de utilização do veículo quando e como lhe aprouver tem, claramente, valor económico, e não apenas quando outro veículo é alugado para substituir o danificado». No mesmo sentido, considerou-se no acórdão do S.T.J., de 17/04/2008 (Serra Batista), C.J. (Supremo Tribunal de Justiça), ano XVI, tomo II, pág. 31, que «O dano de privação do uso de veículo automóvel, impedindo o seu uso pelo proprietário, é um dano autónomo, específico, passível de reparação, devendo recorrer-se à equidade na falta de prova dos danos efectivos causados pela privação. A conduta poupadora do lesado, que não procedeu ao aluguer de outra viatura durante o período em que esteve impedido de usar a sua, não obsta à indemnização do dano verificado»; e no acórdão do S.T.J., de 06/05/2008 (Urbano Dias), C. J. (Supremo Tribunal de Justiça) ano XVI, tomo II, pág. 50, foi dito que «O simples uso de veículo constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária pelo que a sua privação constitui um dano ressarcível». A exigir a prova de factos de onde resulte um dano efectivo, patrimonial ou não patrimonial, temos a declaração de voto de vencido de Salvador da Costa no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/11/2005, C.J. (Supremo Tribunal de Justiça), ano XIII, tomo III, pág. 154, onde se sustenta que «…a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil também depende de danos, pressupõe como é natural a verificação do nexo de causalidade entre eles e o facto ilícito lato sensu (art. 563.º do Cód. Civil). Isto significa que os juízos de equidade não suprem a inexistência de factos reveladores do dano ou prejuízo reparável derivado do facto ilícito lato sensu, porque o referido suprimento só ocorre em relação ao cálculo do respectivo valor em dinheiro». Na doutrina, Menezes Leitão sustenta que «Entre os danos patrimoniais inclui-se naturalmente a privação do uso das coisas ou prestações, como sucede no caso de alguém ser privado da utilização de um veículo seu ou ser impedido de realizar uma viagem turística que tinha contratado. Efectivamente, o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano» [Direito das Obrigações, Vol. I, pág.348, 9.ª edição. Almedina, 2010.1]. Por sua vez, Abrantes Geraldes defende que «…não custa compreender que a simples privação do uso seja causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que possa servir de base à determinação da indemnização. E mesmo que se considere que a situação não atinge a gravidade susceptível de merecer a sua inclusão nos danos na categoria dos danos morais, nos termos do art.º 496.º, n.º 1, do CC, é incontornável a percepção de que entre a situação que existiria se não houvesse o sinistro e aquela que se verifica na pendência da privação existe um desequilíbrio que, na falta de outra alternativa, deve ser compensado através da única forma possível, ou seja, mediante a atribuição de uma quantia adequada» [Indemnização do Dano da Privação do Uso, pág. 39. Almedina, 2001.2]. A resposta que tem sido dada pela doutrina e jurisprudência parte basicamente da teoria da diferença consagrada no art.º 562º. À luz de uma concepção naturalística da indemnização tem de entender-se que a privação do uso de uma coisa, inibindo o seu proprietário ou detentor de exercer sobre a mesma os inerentes poderes, constitui uma perda patrimonial que deve ser considerada, tudo se resumindo à indagação do método mais adequado para a quantificação da indemnização compensatória. Invoca-se frequentemente a natureza abstracta do dano da privação do uso para se sustentar a inadmissibilidade da atribuição de indemnização. É verdade que só os danos concretos merecem ser ressarcidos. Porém, tal não significa que os chamados “danos da privação do uso” se devem incluir na categoria dos danos indemnizáveis, sob pena de forte atropelo a juízos assentes em critérios de normalidade. Na verdade, é de fácil constatação que a impossibilidade, ainda que temporária, da fruição de um bem próprio, em consequência de uma actuação ilícita de outrem, configura a violação do direito de fruição inerente ao direito de propriedade, traduzindo-se, em termos práticos, num corte temporalmente definido e naturalmente irrecuperável do poder de fruição. A perda temporária dos poderes de fruição, em consequência de uma conduta ilícita de outrem, configura, pois, um dano indemnizável, segundo as regras da responsabilidade civil por actos ilícitos. – 3.5. Aqui chegados, interessa agora passar à quantificação do dano sofrido pelos Autor: impossibilidade de usar e fruir o veículo Mercedes S4400 CDI, com a matrícula …..-…..-….., nos períodos de 02/02/2015 a 10/02/2015, 20/02/2015 a 23/02/2015, 07/03/2015 a 17/03/2015 e 18/03/2015 a 30/03/2015, num total de 37 dias, que corresponde ao tempo de imobilização em oficinas auto, sendo que no restante período circulou 599km, como se referiu supra aquando da apreciação da impugnação da matéria de facto (pontos 6., 11., 13., 15. e 16. dos factos provados). Ora, se a privação do uso não se traduzir numa diferença patrimonial palpável entre a situação que existiria se não ocorresse a privação e aquela que existe por causa dela, não temos valores para calcular a diferença, muito embora saibamos que há um dano e que este tem de ser indemnizado. Um critério pode passar pela averiguação do preço do aluguer que o bem lesionado tem no mercado. No caso de um veículo automóvel o valor de uso corresponderá ao valor médio do aluguer de um veículo semelhante em empresas do ramo. Porém, como tem sido ponderado em diversos arestos, este critério não é exacto, pois o prejuízo resultante da privação de uso de um veículo próprio não é igual ao valor do aluguer de um veículo semelhante que uma empresa comercial disponibiliza a quem o queira alugar. Se pretendermos calcular o valor de uso do veículo para o próprio, podemos aproximar-nos desse valor se somarmos o preço de aquisição e as despesas de manutenção médias ao longo do período previsível da sua utilização (revisões, reparações e seguros), dividindo a soma pelo número de dias de vida média calculada para o veículo. Conseguir-se-ia, assim, encontrar um valor diário representativo do preço que o proprietário, na veste do bonus pater familias, considerou ser adequado despender para ter ao seu serviço diário, durante todo o período, a vantagem proporcionada por aquele bem, independentemente do uso mais ou menos intensivo dado ao veículo. Está bom de ver que este valor difere do preço de aluguer de um veículo, pois neste caso, além do preço do automóvel e despesas de manutenção entram outros valores em jogo, como a margem de lucro do empresário e os custos de funcionamento da empresa (impostos, salários, seguros, instalações, etc.). Se as partes não oferecem os factos aptos a calcular o valor do uso do veículo ou, oferecendo-os, não lograrem a sua demonstração, não dispondo o tribunal de elementos suficientes para calcular a diferença patrimonial entre a situação actual e a que o lesado teria se não tivesse ocorrido o evento, como ocorre no presente caso, sempre o tribunal deverá recorrer à equidade para fixar uma indemnização, nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil. 3.6. Os factos provados relevantes são os seguintes: «2. Em 30.01.2015 o A. adquiriu ao R., pelo preço de € 21.000,00, o veículo automóvel usado da marca Mercedes Benz, modelo S 400 CDI (W220), com a matrícula …..-…..-….., o qual é considerado um veículo topo de gama da marca, tendo 3906 cm3 de cilindrada. 3. O veículo anteriormente referido foi adquirido pelo A. para seu uso nas deslocações diárias. (…) 6. Dois dias depois, quando o A. ligou o carro referido em 2), o motor deste começou a fazer ruído, tendo por isso dado entrada com o mesmo em 02.02.2015 na oficina Garagem …., onde aquele permaneceu até 10.02.2015. (…) 11. Em 20.02.2015 o veículo referido em 2) da fatualidade provada deu novamente entrada na oficina Garagem ..…, e em 23.02.2015 foi aí diagnosticado que o ruído provinha de um defeito ao nível da distribuição do motor. (…) 13. O R. providenciou pela reparação do veículo referido em 2) na oficina Auto ..… no período de 07.03.2015 a 17.03.2015, entregando-o nesta última data ao A. (…) 15. Em 18.03.2015 o veículo referido em 2) deu entrada na “Garagem …..” para início de reparação, por escolha do A., tendo o R. assumido o custo da mesma e efetuado o respetivo pagamento. 16. O veículo referido em 2) ficou reparado no dia 30.03.2015, data em que foi entregue ao A. 17. O A. tem uma casa em Santarém onde se desloca com frequência. 18. Durante o tempo em que esteve privado do veículo referido em 2) o A. socorreu-se de veículos e de boleias de terceiros, bem como de transportes públicos». De tais factos decorre que o Autor, ora Recorrente ficou privado do uso do seu veículo automóvel por um período total de 37 dias. Afigura-se, por conseguinte, que se deve concluir pela existência de um dano que se traduziu na impossibilidade do Autor utilizar o veículo Mercedes S400 CDI nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer, sozinho ou na companhia de familiares e amigos. No caso em apreço, o quantum indemnizatório deve ser calculado com recurso à equidade, como de disse. Tendo em conta as decisões judiciais que versam sobre a matéria, afigura-se que a quantia de €10,00 diários é adequada a título de indemnização pela paralisação diária de um veículo que satisfaz as necessidades básicas diárias do lesado. O próprio Réu admite, na contestação, ainda que subsidiariamente, a fixação da indemnização num valor situado entre os 8,00€ e os 10,00€. Veja-se, a título de exemplo, que no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9/03/2010, no processo n.º 1247/07.4TJVNF, o valor considerado foi de €10,00 euros diários; no acórdão da Relação do Porto de 7/09/2010, no processo n.º 905/08.0TBPFR, considerou-se também o valor de €10,00 euros por dia de paralisação; no acórdão da Relação de Coimbra, de 2/03/2010, no processo n.º 27/08.4TBVLF, foi fixada a quantia de €8,00 por dia de privação (acessíveis em www.dgsi.pt). Destarte, aos 37 dias de paralisação correspondem 370,00€ (trezentos e setenta euros). Ao valor desta indemnização devida ao Autor, fixada com base em critérios objectivos, acrescem os juros legais de mora peticionados, contados desde a citação (artigos 805.º, n.º 3, 2.ª parte e 806.º do Cód. Civil). 4. Por conseguinte, a apelação procede parcialmente. * IV - Decisão: Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e, revogando-se parcialmente a sentença recorrida, condena-se o Réu a pagar ao Autor a quantia de €370,00 (trezentos e setenta euros), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4% desde a citação até efectivo e integral pagamento. * Custas do recurso pelo Autor e Réu na proporção do respectivo decaimento – artigo 527.º do CPC. * Registe e notifique. * Lisboa, 12 de Julho de 2018 Manuel Rodrigues Ana Paula A. A. Carvalho Gilberto Jorge [1] Por lapso de escrita, que se relevou, em dissonância com o alegado nos art.º 46.º e 52.º da p.i., o Autor peticionou a condenação do Réu no pagamento da quantia de 7.200,00€. [2] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil. Almedina, 2017, 4ª edição revista, pág. 109. [3] Os factos impugnados vão destacados a negrito. [4] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 3.Dez.1997, proc. 9710990, disponível in www.dgsi.pt. [5] Obra citada, pp. 287.288. |