Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | MARIA TERESA LOPES CATROLA | ||
| Descritores: | ALIMENTOS DEVIDOS A MENOR FUNDO DE GARANTIA PRESSUPOSTOS PARA INTERVENÇÃO DO FGAM CAPITAÇÃO DO AGREGADO FAMILIAR CÁLCULO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 12/19/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | 1. A intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores tem a natureza de benefício social destinado a assegurar por via subsidiária que nenhuma criança fique privada dos alimentos necessários para o seu normal desenvolvimento como pessoa humana e, segundo o seu regime legal, depende de requisitos e critérios destinados a apurar a existência de uma situação de necessidade que justifique do ponto de vista social a substituição do obrigado pelo Estado. Daí que este benefício esteja sujeito a um critério de necessidade (a condição de recurso) e de ponderação social (os limites) da distribuição pela comunidade dos valores que o Estado recolhe para efeitos de promoção da coesão social. 2. A existência de um limite mínimo quanto às condições económicas de que o menor beneficia com o progenitor a cargo de quem se encontra para ser possível recorrer ao apoio social do Estado proporcionado pelo mecanismo do FGADM é conforme com o conteúdo material dos artigos 13, 20 e 69 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que esse limite é o valor a partir do qual se considera existir uma situação de carência que coloca em risco o desenvolvimento integral da criança e por isso demanda a intervenção substitutiva do Estado para assegurar as condições mínimas para esse desenvolvimento. (Sumário elaborado pela relatora - art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil). | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório A… deduziu incidente de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais relativo ao menor …., nascido a … de abril de …., e em que é requerido B…, alegando que o pai do menor não procedeu ao pagamento da pensão de alimentos devida ao filho no período compreendido entre maio de 2010 a dezembro de 2018, estando em dívida o valor global de €22.851,64. Sustenta que no processo de regulação das responsabilidades parentais foi proferida sentença que homologou o acordo de regulação das responsabilidades parentais no âmbito do qual o pai contribuiria a título de pensão de alimentos com a quantia mensal de €190,00. Requereu ainda que o pagamento da pensão de alimentos fique a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores. Frustrada a notificação pessoal do requerido nos termos do artigo 41/3 da lei 141/2015, de 8 de setembro, foi ordenada a notificação edital deste. O requerido nada disse. A ilustre Magistrado do Ministério Público promoveu que se profira decisão nos termos do artigo 41 da Lei 141/2015, de 8 de setembro. Em 27 de outubro de 2021 foi proferida sentença que julgou “procedente por provado, o incidente de incumprimento, com o reconhecimento da falta do pagamento por parte do Requerido da pensão de alimentos devida ao menor que à data da apresentação da petição totalizava a quantia de € 22.851,64 ( vinte e dois mil oitocentos e cinquenta e um euros e sessenta e quatro cêntimos) a que acresce as que se venceram desde outubro de 2019”. Mais foi determinado a “elaboração de relatório sobre a situação económica da requerente”. Em 8 de fevereiro de 2022 é junto o relatório social sobre as necessidades do menor a que alude o artigo 4/1 e 2 do Dec-Lei nº l64/99 de 13/05. Em 18 de maio de 2022 é proferido o seguinte despacho: “Relatório social Em face do valor da capitação do agregado familiar está afastada a possibilidade de acionar o FGA”. * Inconformado com o teor de tal despacho veio a requerente recorrer, em 28 de junho de 2022, alinhando as seguintes conclusões: “A- Vem o presente recurso interposto do douta sentença emanado do tribunal a quo, que decidiu, no âmbito dos autos de Incumprimento das Responsabilidades Parentais nº 8.887/19.7T8SNT-C, não renovar a prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores; B- Prestação que a Requerente carece, face às necessidades do menor e porque supervenientes ao acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais assinado pela ora Recorrente e Recorrido, Pai do menor. C- Nos termos do artigo 1.º da Lei n.º 75/98 de 19/11, “quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em divida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao indexante de apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarde se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação”. D- De harmonia com o n.º 2 do artigo 3º do Dec.-Lei n º 164/99 de 13-05, “Entende-se que o alimentando não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação de rendimentos do agregado familiar não seja superior àquele valor”. E- Em 2021, por força do da alteração introduzida pelo pela portaria nº 294/2021, de 13 de Dezembro, o valor de referência a considerar para avaliar a capacidade económica do menor e do agregado familiar à guarda de quem se encontra é o valor do indexante dos apoios sociais (IAS) que equivale a 438,81 €, enquanto que, para o corrente ano, esse indexante dos apoios sociais (IAS) é de 443,20 €. F- Entende a recorrente que deve ser atribuída ao seu filho menor a intervenção do FGADM, devendo, atender-se, para o efeito, à situação económica do pai (progenitor obrigado a prestar alimentos) e não, somente, ao rendimento ilíquido auferido pela recorrente mãe. G- Já que, o espírito legal que subsistiu na instituição do Fundo de garantia de alimentos devidos a menores, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, foi para assegurar o pagamento das prestações de alimentos em caso de incumprimento da obrigação pelo respectivo devedor. H- Assim sendo, a pessoa in casu que está judicialmente obrigada a prestar alimentos ao menor é o pai, pelo que, é claramente violador dos direitos constitucionais consagrados, bem como do espírito legal que presidiu à criação do Decreto-Lei n.º 78/98 só atender aos rendimentos da recorrente mãe. I- Por outro lado, entende a Recorrente que antes de ter sido proferido o despacho em apreço, deveriam ter sido ponderadas todas despesas mensais fixas que a recorrente mãe J- É que a requerente mãe tem como despesas fixas mensais, desde logo a renda da habitação onde reside com o menor (€ 350,00); água (€22,00); electricidade (€40,00); gás (€ 29,00), telecomunicações (€ 40,00 euros), actividade extra-curriculares do menor (€30) e alimentação (€ 150,00) K- Sem esquecer todas as despesas mensais com roupa, calçado, saúde e educação. L- E que o menor, …. tem 14 anos de idade, por isso em constante crescimento. M- Assim, contas feitas, a Recorrente mãe necessita de despender de todo rendimento que aufere para conseguir fazer face a todas as despesas básicas do seu agregado familiar, tendo ainda, muitas vezes, de se socorrer de ajuda do Banco Alimentar da Junta de Freguesia de …; N- Por outro lado, considerando que o agregado familiar é composto pelo menor e pela sua progenitora, aqui Recorrente, considerando que ao menor deve ser atribuído o peso de 0,5 (por ser ele o titular da prestação e, portanto, o respectivo requerente) e que à progenitora deve ser atribuído o peso de 1, tendo a Recorrente um rendimento de 573,00 euros, daqui decorre que a capitação do agregado familiar foi de 382,00 euros, logo, a Recorrente teria direito a auferir o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, pois o valor auferido é inferior ao IAS (Indexante de Apoios Sociais para o ano de 2021, que era 438,81 euros, tal como demonstração seguinte: 573,00* 1,5 = 382,00) O- Pelo que, no caso em apreço, e atentos os factos supra mencionados constata-se que a situação económica do agregado familiar, não é de molde a garantir o indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do menor. P- Por outro lado, considerando que o agregado familiar é composto pelo menor e pela sua progenitora, aqui Recorrente, considerando que ao menor deve ser atribuído o peso de 1 (por ser ele o titular da prestação e, portanto, o respectivo requerente) e que à progenitora deve ser atribuído o peso de 0,7 Q- E, como decorre da matéria de facto alegada o agregado familiar tinha, em 2019, um rendimento ilíquido de € 573,00, correspondente ao salário mínimo nacional e como despesas fixas mais relevantes, a prestação referente à habitação, pagamento de electricidade, água e telecomunicações e actividades extra curriculares do menor, no valor global de 482,00 euros. R- Abatendo essas despesas ao referido rendimento, obtém-se o valor de aproximadamente 91,00 euros, ao qual acresce o abono de família do menor, no valor de 40,00 euros, o que perfaz um rendimento remasnescente de 131,00 euros, valor insuficiente para o sustento digno de duas pessoas, Mãe e filho menor. S- E, nestas circunstâncias, parece-nos que o valor correspondente à prestação que se encontrava fixada (€190,00 mensais) será um valor ajustado à satisfação das necessidades essenciais do menor. T- Ora, como é consabido no domínio da jurisdição voluntária vigora o princípio do predomínio da equidade sobre a legalidade, que subtrai o julgador aos critérios puros e rigorosos normativamente fixados, por vezes indutores de soluções social e eticamente indiferentes. U- Estamos, assim, perante um processo de jurisdição voluntária, onde os critérios de legalidade estrita não se impõem totalmente (ver Antunes Varela, Manual de Processo Civil, p. 67). V- Pelo que, salvo o devido respeito, não pode a ora Recorrente concordar com tal entendimento da Mma. Juiz a quo, que indeferiu a intervenção do FGADM porque simplesmente “se distribuirmos o rendimento do agregado familiar pelo número de elementos concluímos que o valor da capitação é superior a esse valor do IAS”, que sendo superior ao valor ao IAS, é-o em muito pouco. W- Atendendo às despesas fixas que a Recorrente mãe tem a seu cargo, facilmente se apercebe que o agregado familiar do menor preenche todos os pressupostos de que depende a prestação de alimentos por parte do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores. X- Pelo que, salvo o devido respeito, não pode a ora recorrente concordar com tal entendimento, porquanto o agregado familiar do menor preenche todos os pressupostos de que depende a prestação de alimentos por parte daquele Fundo; Y- Assim sendo, ao julgar improcedente a acção, o douto tribunal a quo violou o espírito legal que subsistiu na instituição do FGADM, o art.º 69º da CRP e os arts. 2003º e 2004º ambos do Código Civil. Z- Ora, como é consabido no domínio da jurisdição voluntária vigora o princípio do predomínio da equidade sobre a legalidade, que subtrai o julgador aos critérios puros e rigorosos normativamente fixados, por vezes indutores de soluções social e eticamente indiferentes. AA- Estamos, assim, perante um processo de jurisdição voluntária, onde os critérios de legalidade estrita não se impõem totalmente (ver Antunes Varela, Manual de Processo Civil, p. 67). BB- Atendendo às despesas fixas que a Recorrente mãe tem a seu cargo facilmente se apercebe que o agregado familiar do menor preenche todos os pressupostos de que depende a prestação de alimentos por parte daquele Fundo. CC- A forma através da qual o cálculo é feito, além de ser um requisito para se poder solicitar o FGADM, reflete-se em algo incoerente e desajustado; DD- O cálculo para se poder requerer o FGADM é feito tendo em conta o aglomerado familiar, sendo que, no caso, é apenas auferido pela A.; EE- Apesar de ter sido provado que o pai não tem rendimentos, o FGADM foi indeferido tendo por base um mero cálculo, subsumindo-se este apoio a uma forma desprezível e insensível; FF- Nada foi feito para colmatar a ausência de prestação por parte do pai, apesar da inevitável e irrevogável necessidade; GG- Após a análise de alguma jurisprudência verificamos uma espécie de dicotomia jurídica em que, por um lado, se apela à necessidade de ponderação tendo em conta o caso concreto e por outro, se tende a fazer uma generalização inconsciente e adstrita a um mero cálculo, extravasando os direitos e fomentando a sua vulnerabilidade e debilidade, refletindo-se pois numa inconstitucionalidade; HH- Urge a necessidade de repensar a decisão do caso concreto tendo por base o artigo 18º da Constituição da República Portuguesa, onde “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”; II- Desta forma, é inegável a desproporcionalidade tomada pelo tribunal a quo uma vez que assistimos a um desequilíbrio na atribuição e reconhecimento das responsabilidades parentais onde o pedido de accionamento do Fundo é indeferido; JJ- O princípio da equidade foi esquecido assim como o dever do Estado; KK- É inconcebível a decisão proferida pelo tribunal a quo pelo que emerge a necessidade deste recurso como forma de colmatar o desequilíbrio tanto em relação à Recorrente, como em relação ao seu filho; LL- Também no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 5/2015 (disponível para consulta em www.dgsi.pt), o Supremo Tribunal de Justiça manifestou o entendimento de que a prestação a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores “depende dos seguintes critérios objetivos: (i) existência de sentença que fixe os alimentos; (ii) residência do menor em território nacional; (iii) inexistência de rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS); (iv) não pagamento pelo devedor da obrigação de alimentos em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do DL n.º 314/78, de 27 de Outubro (OTM) - artigo 1º nº 1 da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro. (…) as crianças, beneficiárias de prestações insuficientes, muito aquém das suas necessidades específicas, mas efetivamente pagas, ficam excluídas da rede protetora do FGADM, o que acontece porque o legislador não criou um mecanismo universal de assistência a todos os menores carenciados por forma a garantir-lhes, à partida, um padrão de alimentos adequado àquelas necessidades. A natureza substitutiva e subsidiária da prestação do FGADM não pode dissociar-se do conceito de limite ou de tecto, mesmo tratando-se de prestação autónoma e independente, posto que, esta se funda em preocupações de cariz social e a do devedor originário radica, como se referiu, no vínculo que emerge da filiação”. MM- O artigo 13.º, n.º 1 da CRP dispõe que “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”. Por sua vez, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º da Lei Fundamental dispõe que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”. NN- Em qualquer caso, o Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de junho, veio a alterar os critérios para determinar o montante da prestação paga pelo FGADM, o que determinou, designadamente, que o artigo 3º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 164/99, tenha passado a referir que “o conceito de agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação de rendimentos, referido no número anterior, são calculados nos termos do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16/6”. OO- Nos termos do artigo 3º daquele normativo “nos rendimentos a considerar cumpre ponderar os rendimentos do requerente e do seu agregado familiar, que se reportam ao ano civil anterior ao da data da apresentação (…).” in Ac. do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 29/09/2014 no proc. n.º 2434/10.3TMPRT-AP1. PP- Acontece que no Relatório efectuado pela Segurança Social, datado de 31 de Janeiro de 2022, consta, erradamente, que os rendimentos ilíquidos da ora Recorrente foram de 8.534,68 euros, o que não corresponde à verdade, pois os rendimentos ilíquidos em 2021 foram, de apenas, 438,81 euros, como se pode comprovar pela declaração de IRS da ora Recorrente. QQ- Pelo que, entende a ora Recorrente que a não admissibilidade do da prestação social relativa ao FGADM reflete-se numa inconstitucionalidade por ser desproporcional, desadequada e injusta. RR- A atribuição de qualquer prestação social terá de obedecer a critérios objetivos, sob pena de a sua atribuição passar a ser discricionária e a sua concessão passar a resultar da vontade de quem ao atribuí, o que sempre determinaria situações de injustiça relativa SS- Impõe incontornavelmente o artigo nº 3º do DL 164/99 de 13/05, que Regula a garantia de Alimentos Devidos a Menores, o seguinte: O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efetivo cumprimento da obrigação quando: a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro; e b) O menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre. A esta conclusão deduz ainda a recorrente duas objecções: a de que o processo tem a natureza de processo de jurisdição voluntária pelo que o tribunal pode afastar-se da aplicação estrita das normas legais, conformando-as para melhor proteger os interesses do menor e a de que esta interpretação das normas legais viola o espírito da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e da criação do FGADM, bem como o artigo 69.º da Constituição da República Portuguesa.” A ilustre Magistrada do Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e alinhando as seguintes conclusões: “1. Por sentença de 27.10.2021, foi julgado procedente, por provado, o incidente de incumprimento apresentado pela Progenitora, com o reconhecimento da falta de pagamento por parte do Requerido das pensões de alimentos devidas ao menor, no montante global de €22.851,64, acrescida dos juros vencidos desde outubro de 2019 – cfr. fls. 35-36. 2. Acresce que, por Despacho de 18.05.2022, a M.ma Juiz indeferiu a intervenção do FGA, em substituição do devedor, nos seguintes termos: “Em face do valor da capitação do agregado familiar está afastada a possibilidade de acionar o FGA” – cfr. fls. 49. 3. Ora, a intervenção do FGADM pressupõe que: a) Exista uma pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional; b) Que tal obrigação não seja cumprida, nem seja possível assegurar o seu cumprimento pelas formas previstas no art.º 189º do Dec. Lei nº 314/78; c) Que o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, de acordo com as regras previstas no Dec. Lei nº 70/2010, de 16/10 – cfr. arts. 3º, n.º 1, 2 e 3, do DL n.º 164/99, de 13/05 e arts. 1º a 3º, da Lei n.º 75/98, de 19/11 e art.º 5º do DL 70/2010, de 16/06. 4. Acresce que, para a tomada de decisão sobre a ativação/manutenção da prestação da FGADM, dever-se-á atender apenas aos rendimentos atinentes ao ano civil do anterior, sendo que no ano de 2021, o valor de referência a considerar para avaliar a capacidade económica do agregado familiar é o valor do indexante dos apoios sociais (IAS) equivalente a 438,81 € - vide Portaria nº 294/2021, de 13.12. 5. Ora, in casu, tendo a Requerente auferido um Rendimento global de €8.534,68, tal significa que auferiu o rendimento mensal de €711,22 (=8.534,68/12) – cfr. “Relatório Social” de fls. 39-43. 6. Por outro lado, sendo o agregado familiar do menor composto pela progenitora requerente e pelo menor, obtém-se um Rendimento per capita de €474.15 (1 adulto + 0.5 por cada menor = 1,5) – cfr. art.º 3.º do DL n.º 164/99 e arts. 3.º a 5.º do DL n.º 70/2010 e “Relatório Social” de fls. 39-43. 7. Assim, efetuados os respetivos cálculos, não restam quaisquer dúvidas que o rendimento per capita do agregado familiar do menor é superior ao fixado no Orçamento de Estado para o ano de 2021, que era de €438,81. 8. Deste modo, forçoso é concluir que que não se encontram reunidos os pressupostos para intervenção do FGADM, pelo que bem andou a M.ma Juíza em indeferir a pretensão da Requerente, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 3º, n.º 1, 2 e 3, do DL n.º 164/99, de 13/05 e arts. 1º a 3º, da Lei n.º 75/98, de 19/11 e art.º 5º do DL 70/2010, de 16/06. 9. E não se diga que o Tribunal a quo violou o espírito subjacente à instituição do FGADM, bem como o disposto no art.º 69º da CRP e nos arts. 2003º e 2004º, ambos do CC, pois a lei é bem clara no que concerne aos requisitos subjacentes à intervenção do FGADM, sendo que o Tribunal a quo aplicou criteriosamente tais requisitos legais. 10. Face ao exposto, forçoso é concluir que não assiste qualquer razão à Recorrente”. Admitido o recurso e colhidos os vistos legais cumpre decidir. II. Questão a decidir: No caso em análise, o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – artigos 635/4º e 639 do CPC– e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, a questão essencial a decidir consiste, basicamente, em saber: - se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que, na ponderação do agregado familiar constituído pela recorrente e o filho, determine, em consequência, e verificados os seus pressupostos, a intervenção do FGAM, em benefício do menor. - se a sentença recorrida violou normas constitucionais. III. Fundamentação de Facto. São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa as que constam do elemento narrativo dos autos e referidas no relatório, e ainda as seguintes: 1. No processo de regulação das responsabilidades parentais, de que estes autos são apenso, foi realizada conferência de pais no dia 9 de abril de 2010, na qual foi possível obter o seguinte acordo (aqui transcrito na parte que releva): “1.º O Menor fica à guarda da mãe, sendo que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores. (…) 9º. A título de alimentos para o menor, o pai entregará à mãe, mensalmente, a quantia de 190 Euros, até ao dia 5 de cada mês, por transferência bancária para a conta da mãe com o NIB …12 do BPN, sendo que a pensão de alimentos relativa ao presente mês de Abril deverá ser paga até ao dia deamanhã (10/04/2010) 10º. O valor das prestações relativas aos meses de Fevereiro e Março de 2010 no montante de 380,00€ deverá ser pago em 10 prestações sucessivas e de igual valor, vencendo-se a 1º em conjunto com a prestação de Abril 2010. 11º. A pensão de alimentos será actualizada em Janeiro de cada ano, com início em Janeiro de 2009, por aplicação da taxa de inflação publicada anualmente pelo I.N.E., para os preços no consumidor, excluída a habitação”. 2. Em 26 de outubro de 2021 foi proferida sentença, transitada em julgado, no processo de alteração das regulação das responsabilidades parentais n.º 8887/19.7T8SNT com o seguinte teor: “O menor fica confiado à guarda e cuidados da mãe, residindo habitualmente com esta, competindo à mãe, em exclusivo, o exercício das responsabilidades parentais relativamente a todas as questões da vida do filho, incluindo quanto às questões de particular importância para a vida da criança”. 3. Do relatório sobre as necessidades do menor junto aos autos em 8 de fevereiro de 2022 resulta: “Composição do agregado familiar: - o agregado familiar é composto pela requerente e pelo menor. Rendimentos do agregado familiar: Rendimentos do trabalho- €8.534,68. Rendimentos a favor das Crianças: Prestações familiares- €532,05. Condições de Recursos Rendimento Per Capita = (rendimento mensal global global líquido)/Ponderação do agregado familiar =474,15 euros O requerente não reúne as condições legalmente previstas para beneficiar da prestação social do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores”. IV. Fundamentação de Direito Nos termos do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, «quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.» Nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da mesma Lei, «as prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, independentemente do número de filhos menores.» Acrescenta o n.º 2 da norma que «para a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.» A Lei n.º 75/98, de 19.11, foi regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 164/99, de 13.05. E o n.º 1 do artigo 3º deste diploma, na redação proveniente da Lei n.º 64/2012, de 20.12, estabelece que: «O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efetivo cumprimento da obrigação quando: a) a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro; e b) o menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.» O n.º 2 da citada norma acrescenta o seguinte: «entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respectivo agregado familiar não seja superior àquele valor.» O n.º 3 dispõe que «o agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos, referidos no número anterior, são aferidos nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, alterado pela Lei n.º 15/2011, de 3 de maio, e pelos Decretos-Leis n.ºs 113/2011, de 29 de Novembro, e 133/2012, de 27 de Junho». O n.º 4 prescreve que «para efeitos da capitação do rendimento do agregado familiar do menor, considera-se como requerente o representante legal do menor ou a pessoa a cuja guarda este se encontre». E o n.º 5 estatui que «as prestações a que se refere o n.º 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, devendo aquele atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor». O IAS para o ano de 2021 foi fixado em €438,81 (Portaria 294/2021, de 13 de dezembro. O Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16.06, para que remete o Decreto-Lei n.º 164/99, de 13.05, estabelece as regras para a determinação da condição de recursos a ter em conta na atribuição e manutenção das prestações do subsistema de protecção familiar e do subsistema de solidariedade, bem como para a atribuição de outros apoios sociais públicos. Nos termos do n.º 2 do seu artigo 1.º as regras previstas neste diploma são ainda aplicáveis aos diversos apoios sociais ou subsídios, quando sujeitos a condição de recursos, designadamente o «pagamento das prestações de alimentos, no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores». E o artigo 2.º do diploma define a «condição de recurso» como o «limite de rendimentos e de valor dos bens de quem pretende obter uma prestação de segurança social ou apoio social, bem como do seu agregado familiar, até ao qual a lei condiciona a possibilidade da sua atribuição», estabelecendo que a condição de recursos de cada prestação de segurança social ou apoio social «consta do respectivo regime jurídico» (n.º 2) e que «na verificação da condição de recursos são considerados os rendimentos do requerente e dos elementos que integram o seu agregado familiar, de acordo com a ponderação referida no artigo 5.º» (n.º 3). Acresce que o artigo 3.º define quais são os rendimentos a considerar para efeitos de apuramento da condição de recurso, o artigo 4.º o conceito de agregado familiar a considerar para efeitos de apuramento do rendimento e o artigo 5.º como deve ser feita a capitação do rendimento do agregado familiar. Segundo esta disposição, «no apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, a ponderação de cada elemento é efectuada de acordo com a escala de equivalência seguinte: requerente - 1; por cada indivíduo maior - 0,7 por cada indivíduo menor - 0.5». Quanto aos rendimentos do trabalho dependente o artigo 6.º do diploma estabelece que se deve entender por tal os rendimentos ilíquidos. É este o regime legal vigente que regula a assunção pelo Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores do dever social de proporcionar aos menores alimentos que era obrigação dos progenitores proporcionar-lhes, mas sem que isso aconteça. Vejamos agora como o mesmo permite responder às questões suscitadas pela requerente. E desde logo começamos por notar a incoerência da pretensão da recorrente: na conclusão N refere “(…) considerando que ao menor deve ser atribuído o peso de 0,5 (por ser ele o titular da prestação e, portanto, o respetivo requerente e à progenitora deve ser atribuído o peso de 1…” para logo a seguir, na conclusão P referir “(…) considerando que ao menor deve ser atribuído o peso de 1 (por ser ele o titular da prestação e, portanto, o respetivo requerente, e que à progenitora deve ser atribuído o peso de 0,7…” Se de um lado pretende que se considere para efeito do agregado familiar o peso total de 1,5, do outro já enfatiza o peso total de 1,07… Mas, mais grave ainda, nem sequer seria relevante considerar que o menor é o requerente da pensão de alimentos que lhe é devida, pois com as alterações introduzidas pelo artigo 17.º da Lei n.º 64/2012, de 20.12, foram resolvidas as dúvidas interpretativas suscitadas pelo n.º 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 164/99, passando agora a dispor expressamente que «para efeitos da capitação do rendimento do agregado familiar do menor, considera-se como requerente o representante legal do menor ou a pessoa a cuja guarda este se encontre». Ora, das normas aludidas resulta evidente que para efeitos de ponderação final da capitação do agregado familiar utilizam-se factores legalmente definidos para cada membro do agregado, sendo que a requerente corresponde a 1, cada indivíduo maior a 0,7 e cada membro do agregado menor corresponde a 0,5 (cfr. art.º 5º do referido DL nº 70/2010, de 16.06). Daí resulta que, no caso, por aplicação do critério de capitação previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 70/2010, sendo o agregado familiar composto pelo menor e pela sua mãe, como a requerente é a mãe do menor a cargo de quem ele se encontra, o coeficiente de capitação é de 1,5, em resultado da soma de 1 (peso da requerente mãe) com 0,5 (peso do menor). Está correcto o critério utilizado no relatório sobre as necessidades do menor elaborado pela Segurança Social e junto aos autos em 8 de fevereiro de 2022. Nestes termos, conclui-se, tal como concluiu a Segurança Social, o Ministério Público e Juiz a quo, que no caso não se verifica a condição de recurso para acesso ao apoio de pagamento das prestações de alimentos pelo Fundo de Garantia de Alimentos a Menores uma vez que o menor beneficia dos rendimentos da requerente mãe em medida superior ao valor do indexante dos apoios sociais - €474,15 (sendo o valor do IAS para o ano de 2021 de (euro) 4438,81 – cf. Portaria n.º 294/2021, de 13 de dezembro). Improcede, por isso, esta questão suscitada no recurso. Alega a recorrente (conclusões J, K, M e Q) que ““J- É que a requerente mãe tem como despesas fixas mensais, desde logo a renda da habitação onde reside com o menor (€ 350,00); água (€22,00); electricidade (€40,00); gás (€ 29,00), telecomunicações (€ 40,00 euros), actividade extra curriculares do menor (€30) e alimentação (€ 150,00).” “K- Sem esquecer todas as despesas mensais com roupa, calçado, saúde e educação”. (…) “M- Assim, contas feitas, a Recorrente mãe necessita de despender de todo rendimento que aufere para conseguir fazer face a todas as despesas básicas do seu agregado familiar, tendo ainda, muitas vezes, de se socorrer de ajuda do Banco Alimentar da Junta de Freguesia de ….”. Q- como decorre da matéria de facto alegada o agregado familiar tinha, em 2019, um rendimento ilíquido de € 573,00, correspondente ao salário mínimo nacional e como despesas fixas mais relevantes, a prestação referente à habitação, pagamento de electricidade, água e telecomunicações e actividades extra curriculares do menor, no valor global de 482,00 euros”. Parte da factualidade constante da conclusão Q foi alegada no requerimento inicial- o vencimento mensal de €573 (art.º 4), a renda mensal de €350,00 (art.º 6), as despesas de água (€22,00), luz, (€40,00), telecomunicações (€20,00) (art.º 7), assim como o recurso à ajuda do Banco Alimentar da Junta de Freguesia de …, referido na conclusão M e no artigo 8 do requerimento inicial. A restante factualidade não foi alegada. E a factualidade alegada não foi provada. A recorrente/requerente do incumprimento não juntou qualquer documento que comprovasse o montante por si auferido ou as despesas mensais que diz suportar. E o ónus da prova era seu. Perante a falta de prova tal factualidade não foi considerada e, como é manifesto, não pode agora também ser considerada pelo tribunal de recurso. Mas, ainda que existisse alguma factualidade provada relativa a esta matéria, sempre se dirá que quanto ao rendimento a ser tido em conta, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1.º da Lei n.º 75/98, 3.º do Decreto-Lei n.º 164/99 e 6.º do Decreto-Lei n.º 70/2010, para efeitos da verificação da condição de recursos deve levar-se em conta o rendimento ilíquido, sem abatimento de qualquer natureza. Decidiram já nesse sentido, por exemplo, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 09.04.2013, no proc. n.º 1025/09.6TBBRR-A.L1 «Para o apuramento da capitação a que se reporta o artigo 5º do Decreto-Lei nº70/2010, de 16 de Junho, devem os rendimentos anuais ilíquidos do trabalho dependente ser divididos pelos 12 meses do ano, independentemente de naquele montante global estarem ou não englobados os subsídios de férias ou de Natal» e da Relação de Guimarães de 02.05.2013, no proc. n.º 732/04.4TMBRG-A.G1 «Nos termos da redacção dada ao art.º 3.º do DL 164/99 de 13/05 pelo art.º 17.º 64/2012 de 20/12, a prestação a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores do Instituto e Gestão Financeira da Segurança Social, só deve ser atribuída a favor do menor que não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre», todos in www.dgsi.pt. O que releva são os rendimentos que são proporcionados ao agregado familiar da requerente, aqueles com o qual o agregado conta para suportar os seus impostos e fazer face às suas despesas, sejam eles rendimentos do trabalho (e todos os subsídios que compõem o salário são rendimentos do trabalho independentemente da sua composição, vencimento ou periodicidade do pagamento) ou prestações de natureza social distintas daquela cuja atribuição está em causa. A lei podia naturalmente estabelecer de modo diferente, mas esta solução não acarreta qualquer prejuízo para o menor ou para a pessoa a cargo de quem o menor se encontra. Com efeito, o que é importante e decisivo é o montante até ao qual se fixou que tem lugar a intervenção do FGADM (o indexante dos apoios sociais) não o modo como se fazem os cálculos para determinar esse montante uma vez que seja por indexação ao rendimento liquido seja por indexação ao rendimento ilíquido sempre se podia estabelecer o mesmo montante. Improcede, também, nesta parte, o recurso apresentado. Entende a recorrente que a decisão ao ter indeferido o pedido de intervenção do FGADM peticionado pela recorrente, violou o disposto nos artigos 2003 e 2004 do Código Civil e os artigos 13, 20, 69, da Constituição da República Portuguesa. Analisemos. Diz o artigo 2003 do Código Civil no seu n.º 1 que “por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário”, acrescentando o n.º 2 que “os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor”. O artigo 2004/1 do mesmo diploma legal, sob a epígrafe, “Modo de os prestar” estabelece uma correlação entra as necessidades e as possibilidades, pressupondo o conhecimento dos dois termos da equação: necessidades do alimentando e possibilidades do obrigado. Da mesma forma que não há fixação de alimentos sem necessidade do alimentando, também não pode haver em caso de falta de possibilidades do obrigado. No que respeita aos artigos da lei fundamental versam os mesmos sobre o direito à igualdade (artigo 13), ao acesso ao direito (artigo 20) e à proteção da infância (artigo 69). Ora, da conjugação deste preceito com os referidos preceitos constitucionais não vislumbramos qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade, do acesso ao direito e da proteção da infância. A existência de um limite mínimo às condições económicas de que o menor beneficia para ser possível recorrer ao apoio social do FGADM é conforme com os artigos 18/1 e 69/1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, por representar o valor a partir do qual se considera existir uma situação de carência que coloca em risco o desenvolvimento da criança e reclama a intervenção substitutiva do Estado. Com efeito, o objectivo da criação do FGADM consiste em proporcionar um benefício social que evite os efeitos nefastos para o menor do não recebimento de alimentos do progenitor obrigado a tal. Mas a intervenção do FGADM não é uma intervenção sucedânea do não cumprimento da obrigação de alimentos por parte dos obrigados, destinada a assegurar que o menor recebe sempre e em qualquer circunstância o valor dos alimentos que foram fixados, os quais se não forem pagos pelo obrigado serão pagos pelo Estado. Essa intervenção tem a natureza de benefício social destinado a assegurar por via subsidiária que nenhuma criança fique privada dos alimentos necessários para o seu normal desenvolvimento como pessoa humana e, segundo o seu regime legal, depende de requisitos e critérios destinados a apurar a existência de uma situação de necessidade que justifique do ponto de vista social a substituição do obrigado pelo Estado. Daí que este benefício esteja sujeito a um critério de necessidade (a condição de recurso) e de ponderação social (os limites) da distribuição pela comunidade dos valores que o Estado recolhe para efeitos de promoção da coesão social. No Acórdão de 07.04.2011 do Supremo Tribunal de Justiça (in www.dgsi.pt), manifestou-se o entendimento que «das normas e dos princípios constitucionais que consagram o direito à segurança social e a protecção da infância e do desenvolvimento integral das crianças, a cargo do Estado, se infere seguramente a necessidade de uma tutela urgente e eficaz que garanta adequadamente a satisfação das prestações alimentares devidas a menores, nos casos de incumprimento pelos progenitores do dever fundamental de proverem à subsistência e educação dos seus filhos – de onde decorre que sempre teria imposição constitucional a implementação legislativa de um regime de garantia do direito à subsistência básica dos menores, privados do apoio que prioritariamente lhes deveria ser prestado no âmbito da família, semelhante, nos seus traços fundamentais, ao que emerge da Lei nº 75/98». Mais se alude em tal Acórdão que «a natureza constitucional e fundamental desta protecção devida aos menores não implica, porém, a eliminação da livre discricionariedade legislativa quanto ao modo concreto como se constrói normativamente tal tipo de tutela», nomeadamente quanto ao aspecto da «determinação dos quantitativos pecuniários que devem ser adstritos à tutela do interesse dos menores carenciados, por privados de alimentos, em consequência do incumprimento dos deveres parentais – cabendo a juízos de ponderação, situados no âmbito das competências político-legislativas do legislador, democraticamente investido, repartir os recursos financeiros, inevitavelmente escassos, pelos vários grupos de cidadãos fragilizados e carecidos de premente apoio social público…». E mais à frente o Supremo Tribunal de Justiça acentua que «se situa no âmbito da livre discricionariedade do legislador a opção sobre os montantes financeiros públicos que, em cada momento, é possível adjudicar à tutela dos direitos dos menores carenciados, por privados do apoio familiar que prioritariamente lhes era devido - já que os recursos financeiros públicos disponíveis para a prossecução de políticas sociais, subordinadas à cláusula do possível, sempre inelutavelmente escassos, terão necessariamente de ser repartidos pelos vários grupos de cidadãos carenciados, sendo indispensável a formulação, pelos órgãos democraticamente investidos, de opções, juízos prudenciais e ponderações, situadas no cerne da sua competência político-legislativa e insindicáveis no plano judiciário». Também no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 5/2015 (citado pela recorrente), o Supremo Tribunal de Justiça defendeu o entendimento de que a prestação a cargo do FGADM «depende dos seguintes critérios objectivos: (i) existência de sentença que fixe os alimentos; (ii) residência do menor em território nacional; (iii) inexistência de rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS); (iv) não pagamento pelo devedor da obrigação de alimentos em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do DL n.º 314/78, de 27 de Outubro (OTM) - artigo 1º nº 1 da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro. (…) as crianças, beneficiárias de prestações insuficientes, muito aquém das suas necessidades específicas, mas efectivamente pagas, ficam excluídas da rede protectora do FGADM, o que acontece porque o legislador não criou um mecanismo universal de assistência a todos os menores carenciados por forma a garantir-lhes, à partida, um padrão de alimentos adequado àquelas necessidades. A natureza substitutiva e subsidiária da prestação do FGADM não pode dissociar-se do conceito de limite ou de tecto, mesmo tratando-se de prestação autónoma e independente, posto que, esta se funda em preocupações de cariz social e a do devedor originário radica, como se referiu, no vínculo que emerge da filiação». Conforme se afirma nestes Acórdãos, o sistema instituído pela Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, de apoio social a menores cujos progenitores não cumprem a obrigação de prestação de alimentos não constitui um sistema universal, destinado a assegurar que em qualquer caso, independentemente da necessidade efectiva, os menores recebem do Estado o valor de alimentos que os progenitores não lhe prestam, em que o Estado se substitui sempre ao incumprimento dos progenitores proporcionando aos menores aquilo que era devido por estes. Ao invés, tratou-se sempre de um sistema de recurso, de um apoio social justificado pela necessidade e organizado de forma a distribuir pelos menores afectados pelo incumprimento dos progenitores uma parcela das receitas públicas do Estado, sempre escassas e carecidas de critérios de distribuição que permitam que o apoio chegue a quem dele necessita e não chegue a quem dele necessita. Nessa medida, a distinção estabelecida a partir dos rendimentos da pessoa a cargo de quem o menor se encontra e de que o menor beneficia não afronta o espírito do sistema de garantia dos alimentos devidos a menores e é perfeitamente conforme com ele. O artigo 69.º da Constituição da República Portuguesa dispõe que «as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume 1, 4ª edição revista, 2007, pág. 869, anotam que este preceito consagra «um direito das crianças à protecção, impondo-se os correlativos deveres de prestação ou de actividade ao Estado e à sociedade (i. é, aos cidadãos e às instituições sociais). Trata-se de um típico «direito social», que envolve deveres de legislação e de acção administrativa para a sua realização e concretização, mas que supõe, naturalmente, um direito «negativo» das crianças a não serem abandonadas, discriminadas ou oprimidas (nº 1, 2ª parte). Por outro lado, este direito não tem por sujeitos passivos apenas o Estado e os poderes públicos, em geral, mas também a «sociedade» (nº 1), a começar pela própria família (incluindo os progenitores) e pelas demais instituições (creches, escolas, igrejas, instituições de tutela de menores, etc.) (nº 1, in fine), o que configura uma clara expressão de direitos fundamentais nas relações entre particulares. Além disso, as crianças têm, em relação aos progenitores um direito geral de manutenção e educação, a que corresponde o dever daqueles de assegurarem tal direito». O Tribunal Constitucional já foi chamado no Acórdão nº 309/2009, de 22.06.2009, a apreciar a constitucionalidade do artigo 2º, n.º 1, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, que estabelece um limite máximo para o montante das prestações de alimentos a assegurar pelo FGADM. Muito embora aqui esteja em causa não esse limite máximo, mas antes o limite mínimo de rendimentos até ao qual o Fundo não é chamado a intervir em substituição dos progenitores, a doutrina expendida pelo Tribunal Constitucional tem interesse para o caso. No aludido Acórdão afirma-se o seguinte: «O regime jurídico de garantia dos alimentos devidos a menores foi instituído pela referida Lei n.º 75/98 e regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, e tem em vista, através de um Fundo constituído no âmbito do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, assegurar o pagamento de alimentos a menor residente em território nacional, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer coactivamente essa obrigação, e se verifique, cumulativamente, que o alimentado não tem rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficia nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre (artigos 1º da Lei n.º 75/98 e 3º do Decreto-Lei n.º 164/99). (…) a garantia de alimentos devidos a menor surge como uma prestação social do regime não contributivo, a cargo do Estado, destinada a suprir o incumprimento por parte daquele que se encontre sujeito à obrigação alimentar familiar, traduzindo-se, por isso, numa prestação social de natureza subsidiária, que visa concretizar, no plano legislativo, o direito das crianças à protecção, tal como consagrado no artigo 69º, n.º 1, da Constituição. Donde, as prestações sociais assim caracterizadas não constituem um direito subjectivo prima facie dos menores a quem se dirigem (ao contrário do que sucede com todas as demais prestações sociais do regime contributivo), mas representam antes um recurso subsidiário, fundado na solidariedade estadual, que se destina a dar resposta imediata à satisfação de necessidades de menores que se encontrem numa situação de carência, e que, por isso, não pode, desligar-se da concreta situação familiar do titular da prestação (neste sentido, Remédio Marques, Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores), 2ª edição, Coimbra Editora, 2007, págs. 214-215). Logo, estamos perante um direito social, cuja concretização e actualização depende de certos condicionalismos socioeconómicos, culturais e políticos que só o legislador poderá, em primeira linha, avaliar, e que não pode ser efectivado pelo juiz por simples interpretação aplicativa do direito (cf. Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª edição, Coimbra, pág. 192). Como refere o autor agora citado, «a escassez dos recursos à disposição (material e também jurídica) do Estado para satisfazer as necessidades económicas, sociais e culturais de todos os cidadãos é um dado da experiência nas sociedades livres, pelo que não está em causa a mera repartição desses recursos segundo um princípio da igualdade, mas sim uma verdadeira opção quanto à respectiva afectação material». Por outro lado, essa opção decorre de uma ampla liberdade de conformação legislativa, não sendo possível definir através da Constituição o conteúdo exacto da prestação e o modo e condições ou pressupostos da sua atribuição, ou imputar-lhe uma intencionalidade que vá além de um conteúdo mínimo que possa directamente resultar das directrizes constitucionais (idem, págs. 190-191 e 398). Assim, tratando-se uma prestação autónoma de segurança social, não há dúvida que ela é atribuída de acordo com certos critérios objectivos que são aplicáveis a todas as crianças que se encontrem na mesma situação: existência de sentença que fixe os alimentos; residência do devedor em território nacional; inexistência de rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional de que o menor possa beneficiar; não pagamento pelo devedor da obrigação de alimentos. Mas pelo seu carácter de subsidiariedade, o montante da prestação substitutiva do Estado está necessariamente dependente da situação económica e familiar em que se encontra inserido o menor, aí relevando, também, o valor da prestação de alimentos que foi fixada judicialmente, as possibilidades económicas do progenitor e a possível pluralidade de vínculos. Aplicando estas considerações de natureza constitucional ao caso em apreço não custa concluir que a existência de um limite mínimo quanto às condições económicas de que o menor beneficia com o progenitor a cargo de quem se encontra para ser possível recorrer ao apoio social do Estado proporcionado pelo mecanismo do FGADM é conforme com o conteúdo material dos artigos 13, 20 e 69 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que esse limite é o valor a partir do qual se considera existir uma situação de carência que coloca em risco o desenvolvimento integral da criança e por isso demanda a intervenção substitutiva do Estado para assegurar as condições mínimas para esse desenvolvimento. Em suma, a decisão recorrida não viola os referidos preceitos constitucionais. Desse modo, improcede o recurso e a decisão recorrida deve ser confirmada. V. Decisão Por todo o exposto, acordam os Juízes desta 8.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso de apelação, assim mantendo a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 19 de dezembro de 2024 Maria Teresa Lopes Catrola Teresa Sandiães Fátima Viegas |