Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CELINA NÓBREGA | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO A TERMO MOTIVAÇÃO FORMA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/11/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
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Sumário: | Na contratação a termo, o texto do contrato, só por si, deve elucidar sobre as razões ou motivos que determinaram a aposição do termo, sob pena de nulidade e de considerar-se o contrato de trabalho sem termo. (Sumário da Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: Relatório A, com a profissão de Técnico Comercial, intentou acção sob a forma comum emergente de contrato individual de trabalho, contra Transportes Aéreos Portugueses S.A., e pediu que, julgando-se a acção procedente, a Ré seja condenada: a) Na declaração de nulidade da cláusula que fixa o prazo do contrato a termo e o Autor seja considerado como trabalhador efectivo; b) Na declaração de nulidade do despedimento do Autor, por ilícito, por inexistir justa causa e processo disciplinar; c) A reintegrar o Autor no seu posto de trabalho, com todos os direitos e antiguidade incluindo a progressão na carreira se este não vier a optar pela indemnização até à audiência de julgamento e a pagar-lhe o montante de 1.286,98 € das retribuições vencidas, bem como as vincendas até ao trânsito em julgado da presente acção. d) No pagamento de juros à taxa legal. Alegou para tanto, em síntese, que foi contratado pela Ré no dia 10 de Abril de 2019, com um contrato de trabalho a termo certo, com a duração de 1 ano, para exercer as funções que identifica, que a cláusula do termo é nula posto que o motivo justificativo da contratação não está concretizado nem permite relacionar o motivo com a duração aposta no contrato, que nunca esteve afecto a nenhuma nova plataforma concreta, pois sempre trabalhou para todos os destinos operados nos sistemas que estavam a ser utilizados havia muito tempo e que a comunicação da caducidade do contrato de trabalho representa um despedimento ilícito por não ter sido precedido de procedimento disciplinar, sendo-lhe devidas as quantias que reclama. Realizou-se a tentativa de conciliação não tendo sido possível obter o acordo das partes. A Ré contestou por excepção e por impugnação. Por excepção, invocou a aceitação pelo Autor da compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo o que, no seu entender, faz presumir a aceitação da caducidade do contrato. Por impugnação sustentou, em resumo, que o motivo aposto no contrato de trabalho satisfaz plenamente a exigência legal posto que está pormenorizado e concretizado e corresponde aos fundamentos legais para esse tipo de contratação e que o contrato de trabalho do Autor cessou por caducidade e não por despedimento ilícito. Mais invocou que a presente acção respeita a interesses imateriais e que, por isso, o seu valor deverá ser fixado, de acordo com o artigo 303.º do CPC, em €30.000,01. Finalizou pedindo a sua absolvição do pedido por via da procedência da excepção peremptória e, caso assim não se entenda, por via da improcedência da acção. O Autor respondeu pugnando pela improcedência da excepção. O valor da causa foi fixado, provisoriamente, em €5.000,01, no despacho saneador, proferido em 25.05.2021. Foi dispensada a convocação da audiência prévia, proferido despacho saneador no âmbito do qual foi julgada improcedente a excepção deduzida pela Ré, bem como foi identificado o objecto do litígio e dispensada a enunciação dos temas da prova. Realizou-se a audiência de julgamento e após foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, declaro integralmente procedente a presente acção e, em consequência:--- 1. Declaro nulo o termo aposto no Contrato de Trabalho celebrado a 10 de Abril de 2019 entre o autor JM... e a ré Transportes Aéreos Portugueses S.a.; considerando tal contrato como Contrato de Trabalho por Tempo Indeterminado, com e para todos os efeitos. 2. Condeno a ré Transportes Aéreos Portugueses S.a. a reintegrar o autor JM..., com todos os direitos e antiguidade incluindo a progressão na carreira. 3. Condeno a ré Transportes Aéreos Portugueses S.A. a pagar ao autor JM... o montante € 1,286,98 (Mil, duzentos e oitenta e seis euros e noventa e oito cêntimos) a título de retribuições vencidas, bem como as prestações vincendas até ao trânsito em julgado da presente Sentença; sendo descontada a compensação paga pela caducidade do referido contrato e os valores que tenha o autor eventualmente recebido a título de subsídio de desemprego. Valor da causa: € 1,286,98. Custas pela ré (artigo 527.º do CPC). Notifique e registe.” Inconformada com a sentença, a Ré recorreu e sintetizou as alegações nas conclusões seguintes: “A. Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou a acção procedente, tendo declarado nulo o termo aposto ao contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré e, em consequência, condenou a Ré a reintegrá-lo na sua organização e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data da cessação da relação laboral e até ao trânsito em julgado da sentença. A sentença recorrida não se coaduna com a prova produzida, nem com o disposto nos normativos aplicáveis à situação sub judice, pelo que ao presente recurso deverá ser dado provimento, como se procurará demonstrar. B. O valor da causa não poderá corresponder ao constante da sentença recorrida, sob pena de violação do disposto no art.º 303.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi art.º 1.º, n.º 2, al. a), do CPT, dado que estamos perante uma acção judicial cujo benefício imediato não pode traduzir-se em dinheiro, antes visando a efectivação de um direito extra-patrimonial, designadamente a reintegração do Recorrido na organização da Recorrente. Com efeito, o interesse na manutenção de um contrato de trabalho não se resume à retribuição pois tal interesse tem subjacente o direito ao trabalho, que disfruta de consagração constitucional, dispondo de uma vertente que é própria e intrínseca à natureza humana. Por conseguinte, e porque em causa estão interesses imateriais, o valor da acção deverá corresponder, no mínimo, à alçada da Relação acrescida de um cêntimo, ou seja, € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), o que expressamente se requer. C. O Tribunal a quo errou ao não dar como provada a matéria constante da al. e) do elenco dos factos não provados, a qual consta dos artigos 16.º e 17 da Contestação da R. e que foi confirmada pelas testemunhas B (Cfr. minutos 00:08:08 e seguintes, 00:11:21 e seguintes e do seu depoimento) e C (Cfr. minutos 03:40 e seguintes, 26:50 e seguintes e 37:50 e seguintes do seu depoimento), pelo que deve o Tribunal ad quem aditar à decisão sobre a matéria de facto dois novos pontos, a saber: “Os projectos de implementação de uma plataforma de CRM e outra de atendimento telefónico integradas visavam reduzir o número de tarefas de tratamento directo, que passariam a estar mais automatizadas.” “Em consequência da implementação de tais plataformas a R. estimava registar e registou, no respectivo período inicial, redundâncias, atenta a necessidade de prestar formação aos trabalhadores sobre a nova plataforma e de os mesmos se habituarem a manuseá-la, circunstâncias que geraram a necessidade de contratar temporariamente mais recursos humanos, com vista a assegurar a manutenção do nível de serviço aos clientes da Companhia”. D. Merece igualmente censura a decisão do Tribunal a quo de não dar como provada a factualidade constante da alínea f) do elenco dos factos não provados, que foi alegada pela R. no art.º 22.º da sua Contestação. Impunham decisão diversa da recorrida os depoimentos das testemunhas B (Cfr. minutos 00:08:08 e seguintes do seu depoimento), C (Cfr. minutos 05:17 e seguintes, e 39:05 e seguintes do seu depoimento) e D (Cfr. minutos 00:06 e seguintes do seu depoimento), que, de forma sincera e clara, atestaram que a implementação das novas plataformas informáticas no Call Center da R. se iniciou em 2019 e prolongou-se até Março / Abril de 2020, pelo que o Tribunal a quo deveria ter considerado que resultou demonstrado nos autos o seguinte: “A implementação da nova plataforma de atendimento iniciou-se em 2019 e só veio a concretizar-se em Março/Abril de 2020.” E. Resulta directamente da fundamentação do contrato celebrado com o Recorrida que o mesmo foi celebrado em consequência da decisão da Ré de implementar uma nova plataforma multicanal, e da necessidade de reforçar o quadro de pessoal em virtude das redundâncias que a R. estimava registar e que registou, no respectivo período inicial, atenta a necessidade de prestar formação aos trabalhadores sobre a nova plataforma e de os mesmos se habituarem a manuseá-la, com a concomitante necessidade de manter o nível de serviço prestado aos clientes da Companhia. F. Registou-se um atraso na implementação das plataformas de CRM e atendimento telefónico, processo que só veio a concretizar-se em Março/Abril de 2020, circunstância que, conjugada com a paralisação da actividade operacional da Ré por força da eclosão da pandemia da Covid-19, em Março de 2020, levaram a Ré a proceder à denúncia do contrato de trabalho a termo certo celebrado com o Autor, porquanto as necessidades temporárias de mão de obra em que se fundou a sua contratação não se confirmaram e/ou consolidaram. G. A Recorrente procurou precisar os motivos do recurso à contratação a termo do Autor, e fê-lo em termos suficientes e claros, tendo em conta a possibilidade dessa concretização e o grau de cognoscibilidade do destinatário, sendo certo que, atenta a especificidade da actividade desenvolvida pela Recorrente e o grau de incerteza dos fundamentos que justificaram a contratação, não era possível precisar mais a fundamentação do contrato, decorrendo a sua duração das próprias razões invocadas no texto do contrato. H. O motivo aposto no contrato de trabalho celebrado entre o Recorrido e a Recorrente satisfaz plenamente a exigência legal de tal justificação e/ou fundamentação, sendo que in casu, os motivos justificativos apostos até são bastante pormenorizados e concretizados e correspondem aos fundamentos legais para esse tipo de contratação, nos termos do disposto nos arts. 140.º e 141.º do CT. I. A Recorrente fez cessar o contrato de trabalho do Recorrido no respeito pelos requisitos legais aplicáveis, já que as necessidades invocadas se esgotaram, dado que havia já sido concluída a implementação da nova plataforma “multicanal”, sendo que, para a cessação do mesmo também concorreu a quase total suspensão das actividades da Recorrente por força da situação vivida desde Março de 2020 em virtude da da pandemia COVID-19, que quase paralisou a actividade do transporte aéreo. J. O contrato de trabalho do Recorrido cessou por caducidade, nos termos do art. 340.º, alínea a) e 344.º C.T., e não decorrente de qualquer despedimento ilícito, pelo que, ao proferir a decisão de que ora se recorre, o Tribunal a quo violou entre outros, o disposto nos arts.º 140.º, 141.º, 340.º e 344.º do CT. Termos em que, pelo que antecede e pelo que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, assim se fazendo a costumada Justiça! O Autor contra alegou e formulou as seguintes conclusões: “1– A Constituição da República Portuguesa garante a segurança no emprego (artigo 53º) e proíbe os despedimentos sem justa causa, pelo que é proibido a contratação de trabalhadores a termo certo como forma de ilidir a contratação de trabalhadores com contrato sem termo; 2– A Recorrente tinha contratados, no seu Contact Center, mais de 100 trabalhadores, quando contratou com o recorrido sendo certo que pelo menos 7 tinham a mesma fundamentação; 3– A Recorrente de forma sistemática contratava os seus trabalhadores a termo para poder fazer cessar os contratos trabalhadores sem ter que motivar os despedimentos e sem instaurar procedimentos disciplinares, em violação do artigo 53ª da Constituição da República Portuguesa e do nº 2, do artigo 1º da Diretiva 70/1999, do EC, de 28 de Junho de 1999; 4– A cessação do contrato do trabalho do Recorrido configura um despedimento sem justa causa, 5– Os artigos 140º, nº 1, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, 12 de Fevereiro impõem que a contratação de trabalhadores a termo certo tenha que ser “objetivamente definida pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades”, o que não aconteceu no contrato celebrado no dia 01 de Abril de 2019 entre Recorrente e Recorrido. 6– A cláusula que fixa o termo de 12 meses é nula por não haver uma relação direta, concreta, entre os factos justificativos e duração do contrato de 12 meses. 7– A violação dos artigos 140, nº2 º e 141º, nº 3, pela Recorrida, tem como consequência a nulidade da clausula que fixa o termo do contrato e o tribunal ”a quo” decidiu bem quando considerou o Recorrido como trabalhador efetivo da Recorrente, ora tendo cessado o contrato de trabalho sem prévio procedimento disciplinar o despedimento foi ilícito. 11– Sendo nulo o despedimento sido declarado ilícito e o Recorrido mandado reintegrar na Recorrente com todos os direitos, incluindo a antiguidade o tribunal decidiu de acordo com a lei. Termos em que deve mantida a sentença proferida pelo tribunal “a quo” por a decisão proferida estar em conformidade com uma correta interpretação da lei. Fazendo-se justiça !” O recurso foi admitido na espécie, modo de subida e efeito adequados. Recebidos os autos neste Tribunal, o Ministério Público emitiu Parecer no sentido do recurso não merecer provimento e de ser mantida a sentença recorrida. A Ré respondeu ao Parecer discordando do mesmo e remetendo para as alegações de recurso. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. Objecto do recurso Como é pacífico, o âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do n.º 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º nº 2 do CPC). Assim, no presente recurso há que apreciar as seguintes questões: 1.ª- Se deve ser atribuído à causa o valor de €30.000,01. 2.ª- Se a decisão que recaiu sobre a matéria de facto deve ser alterada. 3.ª-Se o termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré é válido. Fundamentação de facto Na sentença foram considerados provados os seguintes factos: 1. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do “Contrato de Trabalho e Termo Certo”, datado de 10-4-2019, o qual consubstancia o documento n.º 1 junto com a petição inicial (PI). 2. Do acima aludido “Contrato de Trabalho e Termo Certo” destaca-se que do mesmo consta: a. Termo certo com a duração de um ano. b. Que o autor tinha direito a dois dias de descanso semanal rotativos ao longo da semana. c. Que o autor trabalhava 37 horas e 30 minutos semanais e 7 horas e 30 minutos diários em regime de trabalho por turnos de acordo com o horário fixado, pela ré (cláusula 6.ª do referido contrato). d. O autor tinha direito a 26 dias úteis de férias anualmente (cláusula 5.ª, alínea), do referido contrato). e. O local de trabalho respeitava ao Aeroporto de Lisboa (cláusula 7.ª do referido contrato). f. O autor recebia mensalmente o salário de (…) 3. Sem prejuízo do descritivo funcional de Técnico Comercial constante do Acordo de Empresa TAP/SITAVA e outros, publicado no BTE n.º 19, de 22-05-2007, o autor executava as seguintes funções: a. Recebia e fazia chamadas dos clientes para resolver os problemas que resultassem das viagens contratadas. b. Tratava de cancelamentos ou remarcação de viagens por atrasos nos voos programados. c. Processava para pagamento os reembolsos das viagens não efectuadas ou canceladas. d. Prestava apoio às agências de viagens ou balcões. e. Procedia a vendas dos produtos TAP. 4. Da cláusula 2.ª número 2 do “Contrato de Trabalho e Termo Certo”, datado de 10-4- 2019, o qual consubstancia o documento n.º 1 da PI resulta que: “2. O Trabalhador (a) é admitido nos termos da alínea f) do nº 2 do art.º 140 do Código do Trabalho, decorrendo a oposição de um termo ao presente contrato de trabalho, do acréscimo temporário/transitório da actividade do “Call Center” no período que decorre da passagem da atual central telefónica para a implementação de uma nova plataforma “multicanal”, com capacidade para o atendimento automático dos passageiros do universo TAP, e integração na mesma de outra plataforma digital destinada à gestão de contactos e reclamações, o que possibilitará melhorar a rapidez, eficiência e qualidade do entendimento, através da transferência automática de contactos/processos para áreas especializadas a operar na mesma plataforma.”. 5. Através de carta datada de 23-3-2020, a ré declarou extinto o contrato de trabalho acima referido, com efeitos a partir do dia 09-4-2020 (documento n.º 3 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido). 6. No âmbito da duração temporal do contrato em causa, a ré tinha já utilizado idêntica fundamentação nos contratos de trabalho a termo respeitantes a E, F, G, H, J, K e L. 7. A ré tinha mais de 100 trabalhadores com base em contrato de trabalho a termo desde o ano de 2017. 8. No desenvolvimento das suas funções, o autor nunca esteve afecto a concreta nova plataforma. 9. O autor sempre trabalhou para todos os destinos operados nos sistemas que estavam a ser utilizados havia muito tempo. 10. A ré procedeu à celebração de contratos de serviços para prestar apoio aos seus clientes, designadamente com a Randstadt e com a Altice. 11. A ré procedeu à contratação de M e N, os quais posteriormente integraram o quadro de trabalhadores efectivos da mesma ré. M e N cessaram os respectivos contratos de trabalho com a ré, com vista a integrarem a formação conducente a comissários de bordo; face à suspensão de tal formação, os mesmos foram novamente contratados pela ré, com vista a exercerem funções no respectivo call center * A sentença considerou que não se provaram, nomeadamente os seguintes factos: a) Que, quanto ao acima exposto nos factos provados no âmbito da duração temporal do contrato de trabalho, a ré tivesse utilizado idêntica fundamentação dezenas de vezes. b) Que, sem prejuízo do acima exposto nos factos provados, posteriormente à data de contratação do autor (10-4-2019), a ré tivesse celebrado outros contratos de trabalho a termo, para o exercício de funções no centro de atendimento no Aeroporto de Lisboa. Que tais contratações tivessem sido estabelecidas com as seguintes pessoas: F, G, L, O, P, Q, R e S.. c) Que os contratos celebrados com a Randstadt e com a Altice – acima expressos nos factos provados – estivessem sujeitos a termo certo, e que os mesmos tivessem iniciado a respectiva vigência no mês de Abril de 2020. d) Que os projectos de implementação de uma plataforma de CRM e outra de atendimento telefónico integradas levariam a diminuir o número de chamadas. e) Que a passagem da central telefónica existente à data na orgânica da ré, para a implementação de uma nova plataforma multicanal, tivesse gerado a necessidade de ter redundâncias sobretudo no período de implementação (e que tal gerasse a necessidade de mais recursos), com a consequente necessidade de contratação temporária de vários recursos. f) Que a implementação da nova plataforma de atendimento, só se tivesse concretizado nos meses de Março/Abril de 2020. Fundamentação de direito Comecemos, então, por apreciar se deve ser atribuído à causa o valor de €30.000,01. A este propósito defende a Recorrente, em suma, que, nas acções, como a presente, em que o Autor invoca a nulidade do termo aposto no respectivo contrato de trabalho e pede a sua reintegração, o valor da causa consiste nas vantagens económicas e imateriais que derivam do restabelecimento da relação laboral, com todas as implicações subjacentes, pelo que o valor da causa a considerar terá de ser de, pelo menos, € 30.000,01, valor a que deverão acrescer os montantes dos pedidos líquidos deduzidos pelo Recorrido. Vejamos: Na petição inicial o Autor indicou como valor da causa €5.000,01. Na contestação, a Ré, invocando estarmos perante interesses imateriais, pugnou para que fosse atribuído à acção o valor de €30.000,01. No despacho saneador, afastando o entendimento da Recorrente, o Tribunal a quo atribuiu à causa, provisoriamente, o valor de €5.000,01. Posteriormente, com a prolação da sentença, o Tribunal a quo fixou à causa o valor de € 1,286,98. Determina o artigo 306.º n.º 1 do CPC que compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes. O valor da causa é fixado no despacho saneador; não havendo despacho saneador é fixado na sentença; e se for interposto recurso antes da fixação do valor da causa, deve o juiz fixá-lo no despacho que admite o recurso (art.306.º n.ºs 2 e 3 do CPC). Nos termos do artigo 296.º n.º 1 do CPC, “ A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.” Sobre o critério geral para aferir do valor da causa, escreve Alberto dos Reis, no “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol.3.º, Coimbra Editora, LIM., pag.591: “Como se avalia essa utilidade? A resposta é simples. Vê-se qual é o fim ou o objectivo da acção e depois procura-se a equivalência económica desse objectivo. (…). O objectivo da acção conhece-se pelo pedido que o autor faz. De maneira que o princípio fundamental da fixação do valor enuncia-se assim: Valor da causa igual a valor do pedido expresso em moeda legal.” E dispõe o artigo 297.º do mesmo Código: “1-Se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício. 2- Cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos. 3- No caso de pedidos alternativos, atende-se unicamente ao pedido de maior valor e, no caso de pedidos subsidiários, ao pedido formulado em primeiro lugar.” No caso, pretende o Autor/Recorrido obter uma quantia em dinheiro, a correspondente às retribuições intercalares que liquidou e, ao mesmo tempo, um benefício diverso, o correspondente à declaração de nulidade do termo aposto no contrato de trabalho, à declaração de ilicitude do despedimento e à reintegração na Ré/Recorrente. O benefício diverso é apurado, de acordo com a obra citada, pag.592, do modo seguinte: “Vê-se, pelo pedido, qual o benefício que o autor pretende obter; depois tem de encontrar-se a equivalência monetária desse benefício ou o valor do benefício expresso em moeda legal.” Defende a Recorrente que esse benefício diverso traduz-se em vantagens económicas imateriais decorrentes do restabelecimento da relação laboral, donde o valor da causa deve ser fixado de acordo com o disposto no artigo 303.º n.º 1 do CPC. Nos termos desta norma legal,“ As acções sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais €0,01.” E o que são acções sobre interesses imateriais? Responde o Professor Alberto dos Reis, na pag.625 da obra citada: “As acções sobre interesses imateriais correspondem às acções cujo objecto não tem valor pecuniário (…)visam à declaração ou efectivação dum direito extra-patrimonial.” Veja-se ainda o Acórdão do STJ de 19.04.2023, Proc.29343/21.8T8LSB.L1-A.S1, consultável em www.dgsi.pt, em cujo sumário se escreve: “Ações sobre interesses imateriais são aquelas cujo objeto não tem expressão pecuniária, visando a declaração ou efetivação de direito ou direitos de natureza extrapatrimonial.” E a jurisprudência do STJ vem afirmando sucessivamente que “Os interesses imateriais conexos com os litígios de natureza laboral, não relevam no cálculo do valor das ações.”- Acórdão do STJ de 01.02.2023, Proc. n.º4639/17.7T8LSB-B.L1.S1, igual pesquisa. Por outro lado, na fixação do valor da causa, não há que considerar as retribuições vincendas. Com efeito, como ensina o Acórdão do STJ de 22.06.2017, Proc. n.º 602/12.2TTLMG.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt e que está citado na sentença, “As retribuições vincendas pedidas numa ação de impugnação de despedimento não têm qualquer influência na fixação do valor da causa, que deve ser determinado atendendo aos interesses já vencidos no momento em que a ação é proposta.” Aqui chegados e à luz das mencionadas considerações, entendemos que é de concluir que, aos interesses que decorrem da declaração de nulidade do termo, da declaração de ilicitude do contrato de trabalho e da reintegração corresponde uma utilidade económica com expressão pecuniária, com base na qual deve ser fixado o valor da causa, o que nos remete para o critério geral de fixação do valor da causa previsto no artigo 297.º do CPC. Com efeito, como se refere no despacho saneador, “a conversão de um contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho sem termo, por nulidade do termo, não se traduz num interesse imaterial. O mesmo se diga quanto à declaração de ilicitude do despedimento. O contrato de trabalho fonte do rendimento do A. traduz um interesse material bem concreto: o interesse no recebimento da retribuição (quantia pecuniária ou prestação avaliável em dinheiro), enquanto durar o contrato (que não pode ser extinto sem justa causa, pelo empregador). De facto, as acções sobre interesses imateriais compreendem as acções cujo objecto não tem expressão pecuniária, isto é, as acções cujo benefício não pode traduzir-se em dinheiro, antes visando a declaração ou efectivação dum direito extrapatrimonial. Ora, este não é o caso, pois a manutenção da relação laboral decorrente da nulidade do termo, tem expressão pecuniária: o valor da retribuição auferida pelo trabalhador.” Por conseguinte e na linha do entendimento constante no Acórdão do STJ de 25.09.2014, Proc. 3648/09.4TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, que acompanhamos, à declaração de nulidade do termo e despedimento ilícito corresponde a utilidade económica decorrente das consequências do despedimento ilícito que estão previstas nos artigos 389.º e 390.º do CT, enquanto que a expressão pecuniária da reintegração, “há-de encontrar-se (…) na ponderação entre o valor da retribuição auferida pela autora e a sua antiguidade ao serviço da ré”. Concretizando: considerando, por um lado, que o Autor foi admitido na Ré em 10-4-2019 e auferia uma retribuição base de €827,00, próxima do valor da retribuição mínima mensal garantida que era de 600 euros, e, por outro lado, que a sua antiguidade ao serviço da Ré será de cinco anos, entendemos que a expressão pecuniária a atribuir à reintegração não poderá ser inferior a um mês de retribuição base por cada ano de antiguidade. Consequentemente, o valor a considerar a título de reconvenção será de €4.135,00 (€827 x 5 anos). A este valor acrescem €1286,98 já liquidados pelo Autor. O valor da causa é, assim, de €5.421,98. Improcede, pois, a pretensão da Recorrente. * Apreciemos, agora, se a decisão que recaiu sobre a matéria de facto deve ser alterada. A Recorrente expressou a sua vontade de ver alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto pretendendo que sejam considerados provados os factos não provados das alíneas e) e f). Com é sabido, no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova (art.607.º n.º 5 do CPC). Ou seja, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; (…)”. Assim, independentemente dos princípios da oralidade e da imediação, o princípio da livre apreciação da prova também se aplica ao Tribunal da Relação quando este é chamado a apreciar o recurso da matéria de facto. Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do CPC que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” A propósito da alteração da matéria de facto pela Relação, escreve o Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pags. 221 e 222 “Fica seguro que a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. E nas páginas 235 e 236 da mesma obra lemos: “É verdade que a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter. Mas se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados a convicção acerca da existência de erro deve proceder à correspondente modificação da decisão.” E sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto recaem ónus que devem ser observados, sob pena de imediata rejeição do recurso, os quais estão enunciados no artigo 640º do CPC (anterior artigo 685º-B do CPC, embora com algumas alterações) e que estabelece: “1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2- No caso previsto na al.b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso, na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3- O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636º.” Assim, como se escreve no sumário do Acórdão do STJ de 19.01.2016, Processo n.º 3316/10.4TBLRA.C1.S1, pesquisa em www.dgsi.pt e cujo entendimento temos perfilhado, “1) A impugnação da decisão sobre a matéria de facto impõe ao recorrente que, nos termos do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil especifique os pontos concretos que considera incorrectamente julgados (a); os concretos meios probatórios constantes do processo, ou de registo ou gravação nele realizado, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida (b); a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (c). (…)”. A Recorrente cumpriu os ónus em causa. Apreciando a sua pretensão: Entende a Recorrente que o facto não provado sob a alínea e) deve ser considerado provado e que devem ser aditados aos factos provados os dois seguintes factos: 1-“Os projectos de implementação de uma plataforma de CRM e outra de atendimento telefónico integradas visavam reduzir o número de tarefas de tratamento directo, que passariam a estar mais automatizadas” 2-“Em consequência da implementação de tais plataformas a R. estimava registar e registou, no respectivo período inicial, redundâncias, atenta a necessidade de prestar formação aos trabalhadores sobre a nova plataforma e de os mesmos se habituarem a manuseá-la, circunstâncias que geraram a necessidade de contratar temporariamente mais recursos humanos, com vista a assegurar a manutenção do nível de serviço aos clientes da Companhia.” Para tanto indicou como meios de prova o depoimento das testemunhas B e C. Mais invoca a Recorrente que os factos em causa foram alegados nos artigos 16.º e 17.º da contestação. O facto não provado da al.e) tem o seguinte teor: “e) Que a passagem da central telefónica existente à data na orgânica da ré, para a implementação de uma nova plataforma multicanal, tivesse gerado a necessidade de ter redundâncias sobretudo no período de implementação (e que tal gerasse a necessidade de mais recursos), com a consequente necessidade de contratação temporária de vários recursos.” Nos artigos 16.º e 17.º da contestação, a Ré alegou: 16.º Os projectos de implementação de uma plataforma de CRM e outra de atendimento telefónico integradas, visavam reduzir o número de tarefas de tratamento directo, como solicitação de reembolsos, submissão de reclamações, etc., que passariam a estar mais automatizadas, permitindo aos clientes aceder a canais de self-service, encaminhados automaticamente para as áreas específicas de tratamento desses casos, sem passar pelo atendimento telefónico, o que iria diminuir o número de chamadas com essa tipificação. 17.º Tratava-se, portanto de uma actividade temporária, para o período que abrangia a passagem da central telefónica existente à data, para a implementação de uma nova plataforma multicanal, e da necessidade de ter redundâncias sobretudo no período de implementação (a gerar necessidade de mais recursos), processo esse que ao longo do tempo sofreu vários atrasos na implementação e foi objecto de várias alterações e parametrizações específicas que alargou o período previsto para a sua implementação e a consequente necessidade de contratação temporária de vários recursos. Nem dos referidos artigos da contestação, nem de outros, consta a alegação de que houve a necessidade de prestar formação aos trabalhadores sobre a nova plataforma e de os mesmos se habituarem a manuseá-la e que foram essas circunstâncias que geraram a necessidade de contratar temporariamente mais recursos humanos, com vista a assegurar a manutenção do nível de serviço aos clientes da TAP. É certo que as testemunhas indicadas pela Recorrente, B e C, cujos depoimentos, para melhor compreensão, foram ouvidos na íntegra, confirmaram que, com a passagem da central telefónica para a plataforma multicanal houve a necessidade de dar formação aos trabalhadores, o que obviamente implicava que não estivessem a exercer as suas funções, precisando, ainda, a testemunha B que, nestas mudanças, inicialmente há uma redução de 10 a 15% no atendimento das chamadas e que para obviar a tal diminuição houve a necessidade de contratar mais trabalhadores. Embora se perfilhe o entendimento de que, no caso de não terem sido alegados factos essenciais que decorram da audiência de julgamento, o Tribunal da Relação deve, nos termos da al.c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de 1.ª instância com vista à ampliação da matéria de facto, o certo é que, no caso, a anulação redundaria na prática de um acto inútil, proibido pelo artigo 130.º do CPC, pela simples razão que os factos em causa não constam do texto do contrato de trabalho e este não pode ser complementado com outra prova. Por outro lado, a matéria da alínea e) dos factos não provados é conclusiva, pelo que não pode transitar para o elenco dos factos provados. Por conseguinte, apenas se adita aos factos provados o seguinte facto: “1-“Os projectos de implementação de uma plataforma de CRM e outra de atendimento telefónico integradas visavam reduzir o número de tarefas de tratamento directo, que passariam a estar mais automatizadas” Ainda considera a Recorrente que o facto não provado sob a alínea f) deve ser dado como provado. Como meios de prova indicou o depoimento das testemunhas B, C e D. O facto não provado sob a alínea f) tem a seguinte redacção: “f) Que a implementação da nova plataforma de atendimento, só se tivesse concretizado nos meses de Março/Abril de 2020” A matéria em causa foi alegada pela Ré no artigo 22.º da contestação. A testemunha B, referiu que, em Fevereiro de 2020, tinham parte das pessoas a trabalhar na nova plataforma e a outra parte na plataforma antiga, que com a crise da Covid aceleraram o processo da plataforma nova e em Maio de 2020 estavam todos a trabalhar, em casa, nessa plataforma. A testemunha C, declarou que a nova plataforma começou a ser implementada em 2019 e que a sua implementação demorou muito tempo, sem concretizar quando foi implementada. A testemunha D apenas referiu que este processo não é rápido, que nunca é rápido, pois na prática surgem sempre problemas, que há que afinar as ferramentas e que a plataforma multicanal começou a ser implementada em 2019. Ora, face à prova indicada não se impõe a alteração do facto não provado da al.f) para provado. Em suma, apenas parcialmente procede a impugnação da matéria de facto. * Analisemos, por fim, se o termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré é válido. Sobre a questão da validade do termo, escreve-se na sentença recorrida o seguinte: “Pelo autor é posta em crise a veracidade tal justificação, pelo que é sobre a ré que impende o ónus de prova dos factos justificativos da celebração de tal contrato a termo (artigo 140.º, n.º 5 do Código do Trabalho). Tal indicação pode ser mais ou menos circunstanciada consoante o motivo invocado, sendo certo que não basta a mera reprodução da fórmula legal ou o uso de uma fórmula genérica, sendo necessário mencionar concretamente os factos e circunstâncias que integram esse motivo. Tal exigência permite a sindicância da motivação contratual (Acórdão proferido no T. R. Évora em 16-02-2017, proc. n.º 204/16.4T8STR.E1). No que respeita à presente situação, dispõe o artigo 140.º do Código do Trabalho que: “1– O contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação das necessidades temporárias, objectivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades. 2– Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa: (…) f) Acréscimo excepcional de actividade da empresa;”. O contrato a termo só pode ser admissível perante tal norma se de tal justificação resultar uma intensificação da actividade da empresa, em termos daquela ser extraordinária. Assim, não é suficiente que a empresa empregadora se encontre em crescimento, impondo-se que haja um pico de actividade anómala o qual, atenta a sua natureza singular, não justifica a admissão de um trabalhador por tempo indeterminado, uma vez que este crescimento anormal da actividade é transitório, e perderá posteriormente a sua utilidade. No contrato de trabalho a termo que tenha como fundamento esta norma deve concretizar- se o tipo de actividade, explicitando-se de que acréscimo se trata, a sua causa, bem como a previsão temporal dessa intensificação. Ao impor a necessidade de relacionar a justificação invocada e o termo estipulado, a lei pretende que o nexo causal entre o motivo invocado e a duração do contrato resulte da apreciação formal da cláusula contratual de motivação do termo, não bastando, pois a mera descrição da justificação e a indicação do prazo. No caso em apreço, temos que a citada cláusula 2.ª do contrato celebrado com o autor dispõe que o acréscimo temporário/transitório da actividade do “Call Center” no período que decorre da passagem da central telefónica a uso para a implementação de uma nova plataforma “multicanal”, com capacidade para o atendimento automático dos passageiros do universo TAP, e integração na mesma de outra plataforma digital destinada à gestão de contactos e reclamações. Ora, de tal formulação não é possível extrair porque é excepcional e temporário. Ou seja, não resulta do referido termo que tais alterações tecnológicas aumentem ou tenham aumentado, de forma excepcional, a actividade do respectivo centro de atendimento / cal center TAP. Do termo em apreço não se extrai tal aumento excepcional e o carácter temporário. Reitera-se que o um aumento de actividade que implique a necessidade de contratação de mais trabalhadores não pode ser só por isso classificada de temporária; sendo que a ré apenas pode contratar a termo se esse aumento for transitório, sendo que isso tem de resultar do termo aposto. Em conclusão, não constam indicados no contrato de trabalho a termo factos demonstrativos de uma necessidade temporária ou transitória, não relevando para esta justificação formal factos que se venham a provar no processo judicial. Com efeito, o n.º 3 do artigo 141.º do Código do Trabalho impõe que no contrato a termo se estabeleça a relação entre a justificação invocada – acréscimo temporário/transitório da actividade do Call Center – e o termo de um ano. Uma vez que não se mostra possível determinar o efectivo carácter temporário da justificação usada, tal impossibilidade acarreta a nulidade do termo e a conversão do contrato de trabalho em indeterminado. Assim, o termo aposto no contrato de trabalho celebrado a 10-4-2019 é nulo, pelo que opera a renovação do mesmo, sendo o mesmo considerado contrato de trabalho por tempo indeterminado.” Discordando deste entendimento sustenta a Récorrente, em suma, que precisou os motivos do recurso à contratação a termo do Autor em termos suficientes e claros, tendo em conta a possibilidade dessa concretização e o grau de cognoscibilidade do destinatário, sendo certo que, atenta a especificidade da actividade desenvolvida pela Recorrente e o grau de incerteza dos fundamentos que justificaram a contratação, não era possível precisar mais a fundamentação do contrato, decorrendo a sua duração das próprias razões invocadas no texto do contrato e sendo certo, também, que os motivos justificativos correspondem aos fundamentos legais para este tipo de contratação. Vejamos: O artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, inserido no Capítulo III (Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores), sob a epígrafe “Segurança no emprego” dispõe: “É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.” Como corolário desta garantia, a celebração dos contratos a termo tem carácter excepcional, sendo admitida apenas nos estritos termos previstos na lei laboral, obrigando à justificação do termo e à observância de prazos de duração mínima e máxima para a sua execução. Dispõe o artigo 140.º n.º 1 do Código do Trabalho (CT) aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, na redacção anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 93/2019, de 04.09, que “ O contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade.” O n.º 2 do artigo 140.º do CT elenca em termos exemplificativos o que é necessidade temporária da empresa, incluindo-se na al.f) o “Acréscimo excepcional de actividade da empresa. Por seu turno, estatui o artigo 141.º n.º 1 al.e) do CT que o contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita sendo, pois, um contrato formal e deve conter a indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, “Para efeitos da alínea e) do n.º 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.” Por fim, estabelece o n.º 5 do artigo 140.º do CT que “Cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo.” Conforme escreve António Monteiro Fernandes, na obra “Direito do Trabalho”, 16ª Edição, Almedina, pags.267 e 268, “A exigência legal de justificação da aposição de termo poderia ser facilmente iludida se bastasse incluir no contrato de trabalho, a menção de alguma das fórmulas genéricas que o artigo 140º estabelece. Foi, aliás, esse o expediente utilizado outrora, com enorme frequência, para facilitar a mais ampla utilização deste tipo de contrato no recrutamento corrente de trabalhadores para as empresas. A indicação de que o contrato era celebrado a termo “por acréscimo excepcional da actividade da empresa”, ou com fundamento na “execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro” era tida por suficiente para “legitimar” esse recurso, e serviu para dar cobertura a cada uma das grandes vias de precarização das relações de trabalho. Uma intervenção legislativa anterior ao CT de 2003 exigiu que a indicação do motivo justificativo do contrato a termo contivesse a menção concreta dos “factos e circunstâncias que integram esse motivo”(art.3º da L. 38/96 de 31 de Agosto). Assim, tornou-se claro aquilo que, de algum modo, já se podia deduzir das formulações iniciais da lista de situações justificativas, como condição de consistência e efectividade dessa exigência legal. A simples utilização de uma das fórmulas genéricas constantes dessa lista não permitiria a apreciação externa da veracidade e da validade do motivo evocado. Na mesma linha, o artigo 141º/3 do CT exige a “menção expressa dos factos “ que integram o motivo, devendo “estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado” Assim, não basta invocar a «substituição temporária de um trabalhador», é necessário identificar esse trabalhador e indicar a natureza do impedimento; não basta referir-se um «acréscimo temporário da actividade» é exigido que se concretize o tipo de actividade em que se verifica a intensificação e a causa desta. É necessário, em suma, que a indicação requerida permita duas coisas: a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia do artigo 140º; e a realidade e adequação da própria justificação invocada face à duração estipulada para o contrato. Na verdade, a exigência legal da indicação de motivo justificativo é uma consequência do carácter excepcional que a lei atribui à contratação a termo e do princípio de tipicidade funcional que se manifesta no artigo 140: o contrato a termo só pode ser (validamente) celebrado para certos fins e na medida em que estes o justifiquem.” Veja-se ainda João Leal Amado, na obra “Contrato de Trabalho”, 3ª Edição, Coimbra Editora, pag.100 onde afirma: “Note-se ainda que, segundo o nº 3 do artigo 141º, «a indicação do motivo justificativo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado» A lei impõe, portanto, que o documento contratual seja revelador, que não seja vago ou opaco, que permita um controlo externo da situação – e este especial ónus de transparência e de veracidade recai sobre o empregador, como decorre do nº 1 al.c) do artigo 147º”. E como se afirma no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-06-2008, relatado pelo Conselheiro Pinto Hespanhol, in www.dgsi.pt “1- A indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade ad substantiam, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova, donde resulta que o contrato se considera celebrado sem termo, ainda que depois se venha a provar que na sua génese estava uma daquelas situações em que a lei admite a celebração de contratos de trabalho a termo. 2- Isto significa que só podem ser considerados como motivo justificativo da estipulação do termo os factos constantes na pertinente cláusula contratual. (…)”. E no Acórdão deste Tribunal e Secção de 10.04.2019, proferido no Processo n.º 280/18.5T8FNC.L1, escreve-se que “I. O fundamento do termo no contrato de trabalho tem de mencionar expressa e suficientemente os factos e circunstâncias que integram esse motivo, de forma a estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado. II. A indicação do fundamento da celebração de contrato de trabalho a termo constitui formalidade ad substantiam, pelo que só são motivos justificativos da estipulação do termo os factos constantes na pertinente cláusula contratual, não podendo a sua insuficiência ser suprida por outros meios de prova, o que acarreta a nulidade do termo e que, consequentemente, o contrato se considere celebrado por tempo indeterminado.” Assim, à luz do entendimento que se expôs e que temos sufragado, impõe-se concluir que, na contratação a termo, o texto do contrato, só por si, tem de elucidar sobre as razões ou motivos que determinaram a aposição do termo. E depois de se ter concluído pela suficiência e concretização do motivo justificativo da aposição do termo, ou seja pela sua validade, é que dever-se-á apurar se a empregadora fez prova dos factos que indicou para justificar a celebração do contrato a termo e se estes correspondem a uma situação de admissibilidade de contratação deste contrato. Regressando ao caso: A cláusula justificativa da aposição do termo tem a seguinte redacção: “2. O Trabalhador (a) é admitido nos termos da alínea f) do nº 2 do art.º 140 do Código do Trabalho, decorrendo a oposição de um termo ao presente contrato de trabalho, do acréscimo temporário/transitório da actividade do “Call Center” no período que decorre da passagem da atual central telefónica para a implementação de uma nova plataforma “multicanal”, com capacidade para o atendimento automático dos passageiros do universo TAP, e integração na mesma de outra plataforma digital destinada à gestão de contactos e reclamações, o que possibilitará melhorar a rapidez, eficiência e qualidade do entendimento, através da transferência automática de contactos/processos para áreas especializadas a operar na mesma plataforma.”. Ora, a cláusula, para além de aludir à capacidade da nova plataforma e vantagens que acarretará para a qualidade do atendimento dos clientes da Ré e caracterizar em que se traduzirá essa mudança de sistemas, não elucida sobre a razão ou causa do alegado acréscimo temporário/transitório da actividade do Call Center. O que diz é que há um acréscimo temporário de actividade do Call Center em determinado período, “ no período que decorre da passagem da atual central telefónica para a implementação de uma nova plataforma “multicanal”. Ou seja, a cláusula não esclarece por que motivo, no período que decorre da passagem da actual central telefónica para a implementação de uma nova plataforma multicanal que, nas palavras da Ré, possibilitará melhorar a rapidez, eficiência e qualidade do atendimento, se verificou um acréscimo excepcional de actividade que exigiu a contratação a termo do Autor. E como refere a sentença recorrida, “não resulta do referido termo que tais alterações tecnológicas aumentem ou tenham aumentado, de forma excepcional, a actividade do respectivo centro de atendimento / cal center TAP.” Afinal, em que se traduziu esse aumento excepcional e temporário de actividade? Em que medida a referida alteração tecnológica determinou uma intensificação da actividade e porque razão essa intensificação era transitória? E qual a previsão para a duração desse aumento de actividade? A cláusula não responde. E não respondendo e sendo certo que o vício da insuficiência da justificação de que padece o texto do contrato não pode ser suprido por outros meios de prova, resta concluir nos mesmos termos em que o fez a sentença recorrida, isto é, o termo é inválido com todas as consequências que enuncia. Em consequência, improcede o recurso da Ré devendo manter-se a sentença recorrida. Considerando o disposto no artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, as custas do recurso são da responsabilidade da Recorrente. Decisão Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em: - Fixar o valor da causa em €5.421,98 - Julgar parcialmente procedente o recurso da matéria de facto nos termos supra mencionados. - Julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 11 de Outubro de 2023 Maria Celina de Jesus de Nóbrega Francisca da Mata Mendes Sérgio Almeida. |