Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RUTE SABINO LOPES | ||
Descritores: | HERANÇA CABEÇA DE CASAL PRESTAÇÃO DE CONTAS PRESCRIÇÃO SUSPENSÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/18/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | (da responsabilidade da relatora): 1 – Nos termos do artigo 318.º, al. c), do Código Civil, a prescrição não começa, nem corre entre as pessoas cujos bens estejam sujeitos por lei à administração de outrem, até serem aprovadas as contas finais. 2 – Esta causa bilateral de suspensão da prescrição visa salvaguardar a especial relação de confiança, típica das relações de administração, que afasta o curso normal da prescrição. 3 – As referidas razões que justificam a existência da norma do artigo 318.º, al, c) do Código Civil são aplicáveis nas relações entre o cabeça de casal e os herdeiros, quanto à administração dos bens da herança. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | TRIBUNAL DE ORIGEM: JUÍZO LOCAL CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA APELANTE/S (nesta decisão também requerente e recorrente): AMD. APELADO/A/S (nesta decisão também requeridos e recorridos): MML.; BVM.; MTM.; JMB.; MMB.; DECISÃO OBJETO DE RECURSO: Sentença do tribunal de primeira instância que julgou improcedente a ação não reconhecendo a existência do invocado direito a prestação de contas. Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO 1 A presente ação foi intentada pela apelante com vista à apresentação das contas referentes à administração que JMM. efetuou do acervo hereditário de MEM., no período compreendido entre 23/06/1986 e 15/02/1999. 2 A Requerente alegou, em síntese, que: - É herdeira de MEM., falecida em Lisboa, em 23/06/1986, no estado de viúva. - JMM., falecido em Almada, em 15/02/1999, no estado de casado com MAM. também foi herdeiro. - JMM. assumiu as funções de cabeça-de-casal desde a data do óbito daquela, ocorrido em 23/06/1986 até à data do seu próprio óbito em 15/02/1999, após o que a requerente desempenhou funções de cabeça de casal até à partilha. - O cabeça de casal JMM. nunca prestou contas relativamente ao período em que administrou a herança da falecida MEM. 3 Concluiu a Requerente que a obrigação do cabeça de casal JMM. de prestar contas da administração dos bens da herança transmitiu-se para os respetivos herdeiros: os Requeridos. 4 Foram deduzidas nos autos duas oposições, respetivamente, por AVM. e BVM., e por MAM. e MML. 5 Nas referidas oposições, os requeridos arguiram: - a exceção de ilegitimidade processual passiva, por preterição de litisconsórcio necessário; - a prescrição parcial da obrigação de prestação de contas; - a prescrição parcial dos direitos de créditos decorrentes da Prestação de Contas; - o cumprimento da obrigação pelo obrigado JMM.; - o abuso de direito da Requerente, por haver criado a convicção de que não iria solicitar a prestação de contas. 6 Foi elaborado saneador e realizado julgamento, após o que foi proferida sentença julgando improcedente a ação e absolvendo os requeridos. 7 A requerente/ora apelante da ação, inconformada com a decisão do tribunal de primeira instância, recorreu. Concluiu as alegações, em suma, da seguinte forma: CONCLUSÕES DA APELANTE 1ª A douta sentença não teve em conta toda a prova documental junta aos autos e desconsiderou prova crucial produzida em audiência de julgamento, interpretando incorretamente a prova testemunhal e documental produzida, e não logrou por esse motivo interiorizar e consignar a verdade material ínsita na globalidade da prova produzida em audiência, tendo assim concluído, erradamente e sem fundamento, pela improcedência da ação. 2ª A análise da prova produzida impõe decisão no sentido de considerar não provados, ou provados em termos diversos, os factos ínsitos nos pontos 4, 5 e 6 dos factos provados e de considerar provados os factos constantes das alíneas e., f. e g. 3ª Conforme consta da sentença proferida, resultou efetivamente demonstrado que JMM. não prestou contas, tendo exercido as funções de cabeça de casal da herança aberta por óbito de MEM. no período compreendido entre 23/06/1986 e 15/02/1999, data em que o referido JMM. faleceu. 4ª Nos presentes autos discute-se se a obrigação de prestar as contas em falta se transmitiu para os herdeiros do cabeça de casal faltoso, ou antes se tal obrigação se extinguiu por impossibilidade subjetiva do devedor, tendo sido esta última a tese acolhida pelo Tribunal a quo. 5ª Nos termos do disposto no artigo 2024º do CC, diz-se “sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam.” 6ª Por seu turno, não constituem objeto de sucessão as relações jurídicas que devam extinguir-se por morte do respetivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei (cf. nº 1 do artigo 2025.º do CC). 7ª O cabeça de casal deve prestar contas anualmente, conforme decorre do estabelecido no nº 1 do artigo 2093.º do Código Civil. Ora, o objeto da ação com processo especial de prestação de contas encontra-se definido no art.º 941º do CPC: “A ação de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se. 8ª Resulta daqui que o direito de exigir a prestação de contas está diretamente relacionada com a qualidade de administrador em que alguém se encontra investido quanto a bens que não lhe pertencem, não relevando a fonte da administração que gera a obrigação de prestar contas. 9ª Importa referir, desde logo, que estamos no âmbito de uma ação de prestação de contas que o Tribunal a quo considerou adequada, do ponto de vista da forma de processo, ao pedido formulado, tratando-se agora de saber se os RR., como herdeiros do cabeça de casal, devem ou não prestar contas. 10ª Contrariamente ao que resulta da sentença recorrida, não se aceita que a A., ora Recorrente, seja relegada para outra ação para ver discutido o seu crédito sobre os herdeiros de JMM, já que, afinal, é o apuramento e liquidação desse mesmo crédito que se discute na presente ação de prestação de contas, a par da condenação no pagamento do saldo que se apurar. 11ª Haverá que atentar no facto de a 1a instância ter partido de pressupostos que manifestamente não se verificam, já que a ora Recorrente jamais assumiu a administração da herança do próprio irmão, que foi administrada exclusivamente pela viúva Maria Adelina, nem sequer concorreu à herança do irmão, de quem não é herdeira, tudo conforme resulta da prova produzida, nomeadamente do DOC. 1 junto à petição inicial. 12ª Pelo que, contrariamente ao que consta da sentença sob recurso (cfr. pp. 25), a ora Recorrente não era detentora de informação que lhe permitisse fazer valer a sua pretensão no inventário do irmão quanto à existência de créditos decorrentes da administração que este exerceu, nem dispunha de legitimidade para intervir nesse inventário dos bens deixados por óbito do irmão JMM.. 13ª Daí a necessidade de lançar mão da presente ação especial, tal como fez, que se revela o meio processual adequado. 14ª Acresce que os herdeiros do falecido JMM., através da cabeça de casal da herança aberta por óbito deste, não se encontram impossibilitados de prestar as contas requeridas, pois acautelaram, ou deveriam tê-lo feito, toda a informação e documentação respeitante a receitas e despesas na posse do falecido, referente ao período em que este administrou a herança de MEM., dando cumprimento à obrigação que não foi cumprida em vida do referido JMM.. 15ª O cumprimento do dever de informar/prestar contas pelos herdeiros do falecido cabeça de casal não prejudica os interesses do credor e estes estão em condições de se substituir ao falecido no cumprimento do referido dever. 16ªA 1ª instância considerou tratar-se de uma obrigação pessoal do cabeça de casal, de prestação de facto positivo, infungível e, nessa medida, insuscetível de ser cumprida por terceiros, extinguindo-se por morte do obrigado. Apenas nos casos em que já foi cumprido pelo obrigado o dever de prestar contas, estando em causa o reconhecimento de um crédito sobre a herança, é que a instância pode prosseguir. 17ª Este entendimento do Tribunal a quo desvirtua completamente a natureza da obrigação de prestar contas, que é iminentemente patrimonial, já que tem por objeto o apuramento das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e o pagamento do saldo que venha a apurar-se. 18ª Não cabendo distinguir se o cabeça de casal chegou ou não a cumpriu o dever de informação que sobre ele impendia. 19ª Devendo antes concluir-se que, dada a natureza patrimonial da obrigação de prestar contas, quer no caso de não ter sido sequer cumprido o dever de informação, quer na eventualidade de apenas estar em causa o reconhecimento do subsequente crédito sobre a herança, revelado pelo cumprimento prévio do dever de informação inerente à prestação de contas, tal obrigação transmite-se aos herdeiros do cabeça de casal falecido. 20ª A obrigação do cabeça de casal da prestar contas do exercício do cargo, transmite-se, por morte, aos seus sucessores (cfr. Acórdãos do TRC de 28/06/2016 e do STJ de 16/06/2011 e de 22/03/2018, respetivamente, todos disponíveis em www.dgsi.pt). 11ª Consequentemente, conclui-se que os RR., enquanto herdeiros do cabeça de casal JMM., encontram-se obrigados a prestar contas referentes à administração da herança de MEM. no período compreendido entre 23/06/1986 e 15/02/1999. 22ª Ao considerar que a obrigação de prestar contas se extingue por morte do cabeça de casal, não se transmitindo aos respetivos herdeiros, a sentença recorrida fez incorreta interpretação e aplicação das normas constantes dos artigos 791º, 2094º e 2095º, todos do Código Civil. 23ª Devendo ser revogada e substituída por outra decisão que, diversamente, conclua pela transmissão de tal obrigação, por via sucessória, aos ora RR. enquanto herdeiros do falecido cabeça de casal e que, consequentemente, ordene o prosseguimento dos autos para decisão das demais questões cuja apreciação ficou precludida em face da decisão proferida e ora impugnada. 8 Os apelados responderam ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão. 9 Neste tribunal da Relação, foi proferido acórdão julgando o recurso improcedente e mantendo a decisão recorrida. 10 Na sequência de recurso de revista para o STJ, a decisão deste tribunal foi revogada, tendo os autos sido remetidos para conhecer das questões que haviam sido tidas por prejudicadas. OBJETO DO RECURSO 11 À luz do exposto no Relatório e em face da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, o objeto deste recurso consubstancia-se em analisar e decidir o seguinte: - Impugnação da matéria de facto. - Prescrição. - Abuso de Direito. FUNDAMENTOS DE FACTO 12 Com interesse para a decisão importa considerar o que resulta descrito no relatório que antecede, a que acrescem os seguintes factos, conforme julgados pelo tribunal de primeira instância. FACTOS JULGADOS PROVADOS PELO TRIBUNAL A QUO 1) Nos autos que, sob o n.º 896/05.0YXLSB, correram seus termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Lisboa - Juiz 18, procedeu-se a partilha, em inventários cumulados, por óbito de: MEM., falecida em Lisboa, em 23/06/1986, no estado de viúva; a) BTM.; b) JMM., falecido em Almada, em 15/02/1999, no estado de casado com MAM. 2) As funções de cabeça-de-casal da herança de MEM., falecida em 23/06/1986, foram exercidas por JMM. até à data do falecimento daquele, ocorrido em 15/02/1999; 3) Após o falecimento de JMM. as funções de cabeça-de-casal foram desempenhadas pela Requerente AMD.; (na sequência de julgamento) 4) Após a morte do cabeça-de-casal JMM., em Fevereiro de 1999, a Requerida MAM, cônjuge de JMM., entregou à aqui Requerente AMD., toda a documentação da herança em poder do seu falecido marido, para que aquela pudesse exercer devidamente o cabecelato; 5) Os Requeridos nunca tiveram qualquer intervenção na administração da herança, durante o cabecelato de JMM. ou posteriormente; 6) A Requerente assumiu o cabecelato desde Fevereiro de 1999, recebendo a documentação que lhe foi entregue pela Requerida MAM. sem que nunca tivesse reclamado contas, e tendo inclusivamente apresentado contas posteriores, os Requeridos confiaram em que o não o iria fazer após a partilha; 7) A Requerente AMD. sempre considerou prestadas as contas entre irmãos e que não haveria outras contas a prestar, com o esclarecimento de que tal posição assentou no facto de ter sido celebrado acordo em 19-11-1998, relativo a partilha dos bens deixados por MEM. em partes iguais, com JMM. e no qual o mesmo renunciava à deixa testamentária feita por aquela a seu favor; 8) Anteriormente à 1.a sessão da conferência de interessados, nos autos acima identificados em 1., veio a Interessada AMD. juntar documento denominado “acordo de partilhas” referente a um acordo celebrado entre si e o seu falecido irmão JMM., em 19 de Novembro de 1998, através do qual o mesmo se teria comprometido a partilhar os bens deixados por MEM. em partes iguais e no qual o mesmo renunciava à deixa testamentária feita por esta em seu favor, requerendo que tal seja tomado em consideração em sede de conferência de interessados (cf. exame da cópia do douto despacho de 11-03-2014); 9) Mediante despacho de 11-03-2014, proferido nos auto referidos em 1, foi indeferido o requerido relativamente à relevância do referido documento para efeitos do inventário; 10) Lê-se na fundamentação do referido despacho que: Tendo em vista decidir da validade e dos efeitos no presente inventário do documento ora apresentado, importa antes de mais analisar o seu conteúdo, por referência à herança a que o mesmo se refere. Ora, do respetivo teor resulta que através de documento particular datado de 19 de Novembro de 1998, assinado, sem reconhecimento notarial, os Interessados JMM., posteriormente falecido, e AMD., declararam serem herdeiros legítimos de MEM., falecida em 23 de Junho de 1986, a qual havia deixado testamento através do qual deixou a quota disponível dos seus bens ao referido Interessado, devendo a mesma começar a preencher-se pelo prédio urbano sito na Rua da Junqueira e disposto ainda de um legado em favor da Interessada. Mais resulta terem os mesmos afirmado serem os únicos herdeiros legitimários da mesma, e obrigarem-se a partilhar entre si a totalidade dos bens testados pela falecida na proporção de 50% para cada um, bem como a Interessada a não promover contra o Interessado qualquer ação de prestação de contas e a renunciar à denúncia de qualquer ato que tenham em vista a sonegação ou o incumprimento de obrigações fiscais, ficando o Interessado de praticar os atos necessários à venda da propriedade no prazo de 180 dias. Ora, da análise do referido documento em confronto com os elementos constantes dos autos, verifica-se, desde logo, referir-se o acordo a uma herança deixada pela avó dos declarantes (e não da sua mãe, como referiu a requerente), da qual não eram apenas herdeiros os mesmos, mas igualmente JCM. (...)” - exame do Inventário. FACTOS JULGADOS NÃO PROVADOS PELO TRIBUNAL A QUO a) JMM., que desempenhou funções de cabeça-de-casal, relativamente à herança aberta por óbito de MEM., e prestou contas relativas ao período de 23/06/1986 a 15/02/1999; b) E reunia anualmente com a Requerente AMD., sua irmã, para lhe prestar contas da referida herança, entregando-lhe a documentação com ela relacionada; c) E fez igualmente a repartição do saldo final credor da herança a favor da Requerente, AMD., sempre que lhe era devido; d) A Requerente aceitou as contas prestadas pelo cabeça de casal, relativas ao período de 23/06/1986 a 15/02/1999; e) Não foi entregue à Requerente qualquer quantia transitada do cabecelato anterior, como saldo da herança, nem lhe foi distribuído, enquanto herdeira, qualquer montante referente a esse período; f) A Requerente apenas obteve a documentação relativa à herança junto dos arrendatários dos imóveis que integravam o acervo hereditário; g) A Requerida MAM., cônjuge de JMM. continuou a participar na administração dos bens da herança, juntamente com a Requerente; h) A Requerente lançou mão da ação especial, por forma a dificultar o acesso aos Requeridos aos rendimentos provenientes dos imóveis que integravam o acervo hereditário e que, entretanto, foram objeto de partilha. CONHECIMENTO DO OBJETO DO RECURSO Enquadramento legal 13 O enquadramento legal relevante aplicar para a decisão deste caso é o seguinte: Artigo 306.º n.º 1, do Código Civil 1. O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição. Artigo 309.º. do Código Civil O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos. Artigo 318.º. do Código Civil A prescrição não começa nem corre: a) Entre os cônjuges, ainda que separados judicialmente de pessoas e bens; b) Entre quem exerça o poder paternal e as pessoas a ele sujeitas, entre o tutor tutelado ou entre o curador e o curatelado; c) Entre as pessoas cujos bens estejam sujeitos, por lei ou por determinação judicial ou de terceiro, à administração de outrem e aquelas que exercem a administração, até serem aprovadas as contas finais; d) Entre as pessoas coletivas e os respetivos administradores, relativamente à responsabilidade destes pelo exercício dos seus cargos, enquanto neles se mantiverem; e) Entre quem presta o trabalho doméstico e o respetivo patrão, enquanto o contrato durar; f) Enquanto o devedor for usufrutuário do crédito ou tiver direito de penhor sobre ele. Artigo 2080.º, n.º 1, do Código Civil 1. O cargo de cabeça-de-casal defere-se pela ordem seguinte: a) Ao cônjuge sobrevivo, não separado judicialmente de pessoas e bens, se for herdeiro ou tiver meação nos bens do casal; b) Ao testamenteiro, salvo declaração do testador em contrário; c) Aos parentes que sejam herdeiros legais; d) Aos herdeiros testamentários. Artigo 2093.º, n.º 1, do Código Civil O cabeça de casal deve prestar contas anualmente. Artigo 941.º, do Código de Processo Civil A ação de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se. * Artigo 527º, nº 1 do Código de Processo Civil A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. Impugnação da matéria de facto 14 A apelante discorda da matéria de facto provada sob os factos 4, 5 e 6 e da matéria de facto não provada sob os pontos e) a g). 15 A impugnação afigura-se conforme com o artigo 640.º, do Código de Processo Civil, pelo que cumpre proceder à sua análise. Facto provado no ponto 4 e factos não provados constantes das als. e) e f) 16 O tribunal de primeira instância considerou provado sob o n.º 4, o seguinte facto: Após a morte do cabeça-de-casal JMM., em Fevereiro de 1999, a Requerida MAM., cônjuge de JMM., entregou à aqui Requerente AMD., toda a documentação da herança em poder do seu falecido marido, para que aquela pudesse exercer devidamente o cabecelato. E considerou, como não provados sob as als e) e f) os seguintes factos: e) Não foi entregue à Requerente qualquer quantia transitada do cabecelato anterior, como saldo da herança, nem lhe foi distribuído, enquanto herdeira, qualquer montante referente a esse período; f) A Requerente apenas obteve a documentação relativa à herança junto dos arrendatários dos imóveis que integravam o acervo hereditário. 17 Na fundamentação da sua convicção, o tribunal de primeira instância referiu o seguinte: “Assim, atentou-se ao exame dos documentos juntos e acima referidos, os quais relevaram quer para a demonstração dos factos a que acima veem indicados (pontos 1 a 3 e 8 a 10 da matéria provada), quer para a compreensão da globalidade da matéria sob apreciação. Mais se atentou: a) ao(s) depoimento(s) da(s) testemunha(s) RTR que revelou(aram) conhecimento indirecto dos factos por força das suas respectivas relações familiares, uma vez que é filho da Requerente e parente dos Requeridos; b) às declarações de parte de MTM, que revelou(aram) conhecimento indirecto dos factos por força das suas respectivas relações familiares. Em face da análise dos elementos documentais e dos depoimentos prestados, impõe-se concluir, como se conclui, que os depoimentos produzidos, quando lidos conjugadamente com a documentação acima referida são consentâneos com a prova dos factos vertidos em 4 a 7, que resultam provados com tal fundamento”. 18 Após analisar a prova documental e ouvidos os depoimentos produzidos em audiência, não concluímos como o tribunal de primeira instância quanto ao facto provado 4. 19 Na realidade, quanto a esta matéria em concreto, a prova documental é omissa e os depoimentos foram contraditórios, sem que tenham sido carreados elementos que permitam favorecer qualquer um deles em detrimento do outro, pelas relações próximas e/ou de interesse que mantêm. 20 A testemunha RTR. é filho da requerente e interessado no resultado do processo (apesar de ser apenas testemunha), tendo sido possível percecionar que terá estado relacionado com os conflitos que surgiram entre as partes em relação à herança, no âmbito das funções e trabalhos que prestou para a herança. A habilitada MTM. também apresentou um depoimento que não deixou de ser comprometido com os interesses dos filhos, herdeiros da herança, além de que foi clara ao afirmar que o que soube quanto a esta matéria, soube-o pelos filhos. 21 Assim, os depoimentos foram em sentidos verdadeiramente diferentes quanto à matéria de facto em causa, tendo cada testemunha apresentando mais aquilo que foi a sua perceção (e da respetiva parte) quanto ao sucedido, do que uma precisa indicação do que realmente sucedeu quando a apelante iniciou as funções de cabeça de casal: a testemunha RTR. insistindo que a mãe não recebeu qualquer informação e a habilitada MTM., apontando em sentido contrário. Sobre estes factos não foi produzida outra prova. 22 Em conclusão, não tendo sido possível, sequer, a perceção de se houve ou não informações/documentação partilhada com a apelante pelos herdeiros do anterior cabeça de casal, quando esta assumiu o cabecelato, importa dar como não provado o facto 4 e manter como não provados os factos e) e f). Facto provado no ponto 5 e facto não provado constante da al. g) 23 O tribunal de primeira instância considerou provado sob o n.º 5, o seguinte facto: 5) Os Requeridos nunca tiveram qualquer intervenção na administração da herança, durante o cabecelato de JMM. ou posteriormente; 24 E considerou, como não provado sob a al. g), o seguinte facto: A Requerida MAM., cônjuge de JMM. continuou a participar na administração dos bens da herança, juntamente com a Requerente. 25 Entende a apelante que o facto 5 deve integrar a matéria da al. g), que foi dada como não provada, porque ambos os depoimentos prestados em audiência assim fazem concluir. 26 Efetivamente, ouvida a prova, verifica-se que há concordância quanto à circunstância da MAM. ter participado na administração da herança com a requerente. Apenas, certamente por lapso, não terá sido atentada esta coincidência de depoimentos pelo tribunal de primeira instância. 27 Desta forma, o facto não provado constante da al. g) deve ser removido dos factos não provados e o facto 5 deve passar a ter a seguinte redação: Os requeridos nunca tiveram qualquer intervenção na administração da herança durante o cabecelato de JMM. ou posteriormente, exceto quanto à MAM., cônjuge de JMM., que continuou a participar na administração dos bens da herança, juntamente com a Requerente. Facto provado no ponto 6 28 O facto 6 tem o seguinte teor: A Requerente assumiu o cabecelato desde Fevereiro de 1999, recebendo a documentação que lhe foi entregue pela requerida MAM. sem que nunca tivesse reclamado contas, e tendo inclusivamente apresentado contas posteriores, os Requeridos confiaram em que o não o iria fazer após a partilha. 29 Entende a apelante este facto deve ser considerado não provado. Funda a sua impugnação essencialmente no teor do documento junto em audiência, uma carta de 10/04/2014 na qual a ora Recorrente exigiu a prestação de contas na sequência das contas que lhe estavam a ser pedidas, sendo que o referido documento, não tendo sido impugnado, faz prova de que a Recorrente exigiu a prestação de contas referentes ao período em discussão nos autos. 30 Por uma questão de coerência com a resposta (agora) negativa ao facto 4 e a resposta ao facto 5, o primeiro segmento do facto 6 sempre teria que considerado como não provado (remetemos para o que acima ficou dito quanto aos pontos 4 e 5). Relativamente à segunda parte do facto 6, não pode ter-se por provada. Em primeiro lugar, porque se trata de uma conclusão que se baseia na premissa constante da primeira parte do facto 6 que, como já vimos, não pode ter-se por provada. Assim, desaparecendo aquela premissa, este segmento apenas poderia manter-se provado se resultasse demonstrado de forma autónoma a partir de algum meio de prova, o que não aconteceu. Em segundo lugar, porque de acordo com os factos provados – designadamente os factos 7 a 10 – nunca poderia considerar-se demonstrada aquela matéria. É que daqueles factos – que não foram postos em causa – resulta que a requerente não exigiu a prestação de contas, por ter feito um acordo com o irmão quanto às partilhas, e que a celebração e manutenção desse acordo era, pois, pressuposto da não exigência de prestação de contas. Nessa medida, dizem as regras de experiência comum que não podiam os apelados, que pediram a anulação desse mesmo acordo, confiar que não seriam pedidas contas. Na medida em que pretendiam destruir os efeitos do instrumento que traduzia a não exigência de prestação de contas não é credível que se convencessem de que quanto à exigência de prestação de contas a posição da apelante seria a de manter a posição. Finalmente, também o documento junto em audiência leva à convicção contrária da que resultou provada, na medida em que as trocas de correspondência entre as partes não podiam criar nos apelados a convicção de que não iriam ser prestadas contas. Pelo contrário. 31 Nessa medida, a redação do ponto 6 deverá passar para a matéria não provada. 32 Em conclusão, a impugnação da matéria de facto é julgada parcialmente procedente nos seguintes termos: - Os factos 4 e 6 devem passar para o elenco de factos não provados; - O facto 5 deve passar a ter a seguinte redação, a qual integra ainda a matéria do atual facto não provado sob a al. g), o qual, por sua vez é removido do elenco de factos não provados: Os requeridos nunca tiveram qualquer intervenção na administração da herança durante o cabecelato de JMM. ou posteriormente, exceto quanto à MAM., cônjuge de JMM., que continuou a participar na administração dos bens da herança, juntamente com a Requerente. Aditamento de facto 33 Os requeridos pretendem ver aditado um facto com o seguinte teor: Facto 11 – JMM. viveu com a avó desde que se divorciou da ré MTM. até 1981/1982, a Autora recorrente viveu com a avó e vivia com ela à data do seu falecimento. 34 Os apelados, porém, não justificam este pedido de aditamento, designadamente, à luz do artigo 636.º, do Código de Processo Civil. 35 Nessa medida, por manifesta falta de fundamento, deve ser rejeitado o conhecimento deste pedido. Obrigação de prestação de contas 36 No contexto da decisão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, importa considerar que os apelados têm a obrigação de prestar contas, a não ser que exista fundamento legal para não serem obrigados a tal. 37 Os apelados suscitaram exceções que devem, portanto, ser conhecidas neste momento: prescrição e abuso de direito. Prescrição 38 Os requeridos invocaram a prescrição da obrigação de prestar contas, por já terem decorrido mais de 20 anos desde a data em que a requerente poderia ter exercido o direito à prestação de contas – artigo 306.º, do Código Civil -, pelo que esse direito prescreveu. 39 A requerente respondeu invocando que o prazo prescricional ainda não se iniciou, por força do artigo 318.º, al. c), do Código Civil. Citou a jurisprudência do Ac. TRE, de 20/5/2004, Pr. 807/04, segundo a qual “o cabeça de casal de uma herança é o legal administrador da mesma pois a administração da herança é-lhe deferida por lei (artigo 2079.º, do Código Civil); o prazo de prescrição da obrigação de prestação de contas pela administração feita pelo cabeça de casal não começa nem corre entre as pessoas cujos bens estejam sujeitos, por lei ou por determinação judicial ou de terceiro, à administração de outrem e aquelas que exercem a administração, até serem aprovadas as contas finais”. 40 As partes concordam que o prazo de prescrição aplicável é de 20 anos – artigo 309.º, do Código Civil. Discordam quanto à circunstância desse prazo se ter iniciado ou ter corrido. 41 O cabeça de casal deve prestar contas, anualmente e o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido – artigos 2093.º, n.º 1 e 306º, nº 1, do Código Civil. 42 MEM. faleceu em 23/6/1986. A partir de 22/6/1987, podiam ser exigidas contas ao cabeça de casal, JMM.. 43Porém, a prescrição não começa, nem corre entre as pessoas cujos bens estejam sujeitos por lei à administração de outrem, até serem aprovadas as contas finais - artigo 318.º, al. c), do Código Civil. 44 O artigo 318.º respeita a causas bilaterais de suspensão da prescrição. Na al. c), tal como nas duas primeiras opções (als. a) e b), pretende-se salvaguardar a proteção da confiança, não já no âmbito de relações familiares específicas (a que se referem as al.s a) e b)), mas no âmbito de relações de administração, cuja natureza exige igualmente que se estabeleça uma relação de confiança, particularmente no quadro de uma administração obrigatória por lei ou por decisão judicial, em que as partes não se podem voluntariamente desvincular dessa relação. Isto é, as partes permanecem numa relação cuja manutenção é alheia ao seu controlo. Neste contexto, obrigá-las a desencadear o exercício dos respetivos direitos, por risco de prescrição, atenta contra a própria relação estabelecida, por poder pô-la em questão, miná-la, criar atritos ou dificuldades não desejadas numa relação que se quer franca e transparente e protegida pela confiança que deve existir entre as partes. 45 Conforme refere Ana Prata, Código Civil anotado, Almedina, vol. 1, em anotação, e a propósito deste artigo, “É ainda a especial relação de confiança, típica das relações de administração, que afasta o curso normal da prescrição. Também aqui, se o administrador é o titular do direito, forçá-lo a exigir a sua observância pelo administrado parece contrariar o sentido da relação estabelecida; na situação inversa, sendo o administrado o titular do direito, receia-se a influência que o administrador possa exercer, impedindo o exercício oportuno”. 46 Pelos motivos expostos, não pode correr o prazo de prescrição entre pessoas cujos bens são administrados por outrem e esse outrem, até serem aprovadas as contas finais. 47 As razões que justificam a existência da norma do artigo 318.º, al, c) do Código Civil são aplicáveis nas relações entre o cabeça de casal e os herdeiros, quanto à administração dos bens da herança. Trata-se de uma relação de administração determinada por lei, como se reconhece ser o caso da administração pelo cabeça de casal e as relações de confiança estabelecidas entre o cabeça de casal (administrador) e os herdeiros devem ser protegidas, tanto mais que se tratam, em muitos casos, concomitantemente, de relações familiares que importa salvaguardar. 48 Além disso, nada impede que este preceito seja aplicável quando o administrador dos bens é também titular dos bens administrados. Não vemos motivos para que assim não seja, à luz da razão de ser do preceito e da leitura do preceito – o cabeça de casal, ainda que também titular em relação aos bens da herança é, em relação aos demais herdeiros, ainda um terceiro que administra os seus bens. 49 Também o acórdão do TRE citado acima assume sem dificuldade que sim. Conclui expressamente da seguinte forma: “Assim entre os herdeiros e o cabeça de casal, em tudo o que respeite aos bens da herança sob administração do cabeça de casal, não se iniciou nem correu qualquer prazo de prescrição, pelo que esta não pode ter-se como verificada.” 50 Pelo que, concluímos, que o artigo 318.º, al. c), do Código Civil é aplicável às relações de administração estabelecidas entre o cabeça de casal e os herdeiros. 51 No Código Civil anotado, Coimbra Editora, 1987, Pires de Lima e Antunes Varela, Vol. 1, p. 286, defendem que dentro do regime de suspensão, duas situações podem distinguir-se: a) A relação creditícia ainda não existia, ou o crédito ainda não podia ser exercido, na altura em que se constituiu a relação que serve de fundamento à suspensão; b) O crédito já existia e o direito do credor já podia ser exercido. No primeiro caso, a prescrição não começa enquanto a causa de suspensão não cessar; no segundo caso, não corre enquanto não se extinguir a causa de suspensão. 52 A situação destes autos enquadra-se na primeira hipótese enunciada. 53 Em conclusão, há que considerar que o prazo de prescrição não começou a correr. O período de prestação de contas pretendido situa-se entre 1986 e 1999, enquanto decorreu o cabecelato de JMM. À luz do exposto, por se estar no âmbito de uma relação de administração, não se iniciou o prazo. Mas tal prazo também não se iniciou depois, porque foram aprovadas contas finais. 54 E nem pode considerar-se que as contas finais foram consideradas aprovadas pelo acordo de 1998, a que alude o ponto 7 dos factos provados, na medida em que esse acordo foi desconsiderado pelo tribunal, por decisão de 2014 – factos 9 e 10. 55 Sem prejuízo, ainda que se considerasse que por força do falecimento do JMM., haveria que considerar iniciado o prazo em 1999, após o falecimento do anterior cabeça de casal, a presente ação entrou em juízo em 6/2/2019, pelo que, atento o disposto no artigo 323.º, n.º 2., do Código de Processo Civil – sempre se teria por interrompida antes de decorrido o prazo de 20 anos. 56 Em conclusão, importa considerar que não decorreu o prazo prescricional. Abuso de direito 57 O abuso de direito foi também invocado pelos requeridos. Dizem que a requerente nunca requereu a prestação de contas durante 33 anos, pelo que se criou a confiança nos réus de que as contas foram prestadas pelo cabeça de casal. 58Dizem, ainda, que que quando a requerente assumiu o cabecelato foram-lhe entregues todos os documentos, pelo que a conduta da apelante ao requerer agora a prestação de contas configura uma contradição com a conduta antes assumida, pelo que a requerente age com abuso de direito na modalidade de venire contra facto próprium. 59 É ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito – artigo 334.º, do Código Civil. 60 Funcionando como válvula de segurança do sistema, aplica-se a situações concretas em que “é clamorosa, sensível e evidente a divergência entre o resultado da aplicação do direito subjetivo e alguns dos valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou dos direitos de certo tipo” – cf. citação vertida no Ac. STJ, de 1/7/2004, 04B4671, Salvador da Costa. 61 O abuso do direito é uma exceção perentória de direito material, e de conhecimento oficioso, podendo ser conhecido no tribunal de recurso ainda que o tribunal recorrido se não tenha pronunciado sobre ele. Pretendendo fazê-lo valer, cabia aos apelantes o ónus da alegação e prova dos respetivos factos integrantes – artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil. 62 Tradicionalmente o abuso de direito pode revestir, pelo menos, uma ou mais das seguintes modalidades: exceptio doli - exceção de dolo, ou seja, não age com boa-fé aquele que atua intuito não de preservar legítimos interesses, mas, sim, de prejudicar a parte contrária; venire contra factum proprium; tu quoque - impossibilidade de exigir da outra parte o cumprimento da regra que se está transgredindo; inalegabilidades formais - Trata-se da proibição da alegação dos vícios formais por quem lhe deu causa, intencionalmente ou não. O CPC repele a ideia de forma lúcida (para muitos, decorre do venire contra…; supressio - supressão de determinada posição jurídica em razão da ausência do exercício de determinado direito em um certo espaço de tempo; surrectio – É o contrário da supressio, a perda da pretensão pela supressio, gera direito da parte contrária. 63 No que importa ao caso, JMM. foi cabeça de casal entre 1986 e 1999, período durante o qual não foram prestadas contas. Após o falecimento de JMM., foi a requerente quem assumiu as funções de cabeça de casal. 64 Em 19/11/1998, a requerente e o irmão acordaram na partilha dos bens deixados por MEM. em partes iguais (renunciando o JMM. à deixa testamentária a seu favor). Por força desse acordo, a apelante considerou as contas pelo seu irmão prestadas (facto 7). 65 Acontece que esse acordo foi desconsiderado, a pedido dos herdeiros de JMM., ora apelados, por decisão judicial de 11/3/2014. Nessa medida, o acordo de partilhas de bens ficou sem efeito na sua totalidade, incluindo a declaração da apelante de que considerava as contas prestadas. 66 Não podemos, assim, considerar a conduta da apelante como abusiva. É inequívoco que a requerente apenas abdicou de contestar porque fez o dito acordo com o seu irmão. Não significa que as contas tenham sido efetivamente prestadas. Significa apenas que, por força do acordo de partilhas, a apelante aceitou ficcionar a prestação de contas como satisfeita. 67 A partir do momento em que o acordo sobre o qual tal ficção assentou deixou de sustentar as partilhas, não existe mais fundamento para que não possa exercer o direito de pedir as contas. 68 Não existe, pois, abuso de direito, por venire contra factum proprium. E também não existe com o fundamento invocado, de que quando exerceu o cabecelato a apelante recebeu toda a informação respeitante à administração anterior. Não se provou. 69 Também não se vê que a conduta da apelante, de exigir contas, se enquadre qualquer outra modalidade de abuso de direito, precisamente pelos motivos já expostos. 70 Em conclusão, à luz do exposto e na sequência da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, inexiste fundamento legal que obste ao cumprimento a obrigação de prestação de contas por parte dos apelados, pelo que devem ser condenados a prestá-las. Custas 71 Nos termos do artigo 527.º, do Código de Processo Civil, os recorridos deverão suportar as custas, porque vencidos. DECISÃO Pelo exposto, acordam as juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o presente recurso, revogando a decisão impugnada e determinando que os requeridos/apelados, na qualidade de herdeiros de JMM. são obrigados a prestar contas à requerente/apelante, do cabecelato por aquele exercido entre a data do falecimento de MEM., em 23/6/1986 e a data do seu falecimento, em 15/2/1999. Custas pelos apelados. O presente acórdão mostra-se assinado e certificado eletronicamente. Lisboa, 18 de fevereiro de 2025 Rute Lopes Micaela Sousa Alexandra Castro Rocha |