Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ARLINDO CRUA | ||
Descritores: | PROCESSO TUTELAR DECISÃO PROVISÓRIA REGIME DE VISITAS SUSPENSÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/04/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | - Presentemente, nomeadamente desde o aditamento ao Cód. Civil do artº. 1887º-A, o convívio de filhos menores com irmãos e ascendentes encontra tutela em tal previsão, sendo que, anteriormente, a única forma de atribuir á criança e aos avós tal direito de relacionamento entre si, independentemente da vontade dos pais, dependia do apelo e preenchimento dos pressupostos enunciados no artº. 1918º, do mesmo diploma; - assim, subjacente a tal normativo encontra-se a presunção ou princípio de que o convívio da criança com os ascendentes e irmãos é positivo e necessário para o desenvolvimento da sua personalidade, para o adquirir de conhecimentos e práticas enriquecedoras, ou seja, corresponde ao primado do seu superior interesse; - efectivamente, os avós podem funcionar como verdadeiras fontes de transmissão de conhecimentos, vivências, afectos e formas diferenciadas de ver o mundo, o que servirá de lastro enriquecedor para o desenvolvimento, formação e bem-estar dos seus descendentes; - pelo que, para que seja considerada legalmente justificada a privação do convívio, por não corresponder ao interesse do filho, urge alegar e provar que tais contactos são nefastos à criança, podendo tal prejuízo advir ou ter fonte a natureza do relacionamento entre os progenitores e os familiares em questão, nomeadamente quando o filho não é preservado dos efeitos de tais dificuldades relacionais, de forma a comprometer a sua estabilidade emocional, criar-lhe confrontos de lealdade, conflitos de afectos ou outras dificuldades inquinadoras do seu bem-estar; - a perduração/manutenção de tais convívios deve estar sempre dependente, com base num quadro de análise dinâmica e não estática, do concreto e real interesse da criança, ou seja, tais convívios apenas devem manter-se enquanto se afigurem como uma verdadeira e clara mais-valia, como fonte de vantagem e ganho para o menor, como experiência saudável e enriquecedora para a sua futura vivência e enriquecimento da sua personalidade; - consequentemente, a sua implementação ou manutenção deve ser claramente questionada quando a experiência vivenciada é traumática, quando o menor não se sente minimamente seguro junto de tais familiares e quando existe resistência não induzida aos convívios, não se devendo olvidar que só existe tutela jurídica quando existe promoção do interesse da criança; - pelo que, só após o ultrapassar, ainda que eventualmente não na sua completude, do clima hostil e de constante tensão entre principalmente os avós Requerentes e a Requerida progenitora, no mútuo respeito pela posição e promoção do interesse do menor neto e filho, é que os convívios poderão voltar a ser para este gratificantes e sadios, sem estarem inquinados ou maculados pela percepção de um constante, permanente e latente conflito entre a mãe e aqueles ascendentes, que o não obrigue a uma escolha de lealdades, que o não faça sentir-se inseguro, que não atinja a sua livre afectividade e que seja capaz de salvaguardar a sua saúde emocional. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]: I - RELATÓRIO 1 – JAF..., ML... e JF..., todos residentes na Estrada …, nº. 5, M..., Santa M..., interpuseram acção tutelar comum, relativamente ao menor HF..., nascido em 19/04/2011, contra VR..., residente na Rua M..., nº. ..., R/C Dto., A..., nos quadros do então vigente artº. 210º da Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo DL nº. 314/78, de 27/10. Sendo os Requerentes avós paternos e tio paterno do menor, e a Requerida progenitora mãe, deduziram, ao abrigo do artº. 1887º-A, do Cód. Civil, o seguinte petitório: a) que o menor HF... passe a conviver, semanalmente, com os RR., com eles tomando uma das refeições principais e o lanche ; b) que, após 1 mês no regime anteriormente peticionado, deve o menor HF... pernoitar com os avós em casa destes o 1.° e o 3.° fim de semana de cada mês, bem como os dias de aniversário dos avós paternos, do tio, e do pai, 3 dias, úteis, nas férias escolares do Natal e da Páscoa e10 dias, úteis, nas férias de Verão, que podem ser dias interpolados ; c) que o menor HF... almoce ou jante com os RR. no dia do seu aniversário. Tal processo tutelar foi instaurado em 01/02/2015. 2 – Citada de tal pretensão, veio a Requerida progenitora opor-se à mesma nos termos formulados, aduzindo, todavia, que desde o nascimento do filho nunca se opôs ao convívio e visitas dos Requerentes avós e nunca se recusou a quaisquer contactos entre estes e o menor. 3 – Após vários desenvolvimentos processuais, em 07/04/2016, fixou-se regime provisório, em deferimento de promoção apresentada pelo Magistrado do Ministério Público, no âmbito do qual foi proferido o seguinte DESPACHO: “Uma vez que não há entendimento entre os presentes quanto aos convívios entre o menor e os requerentes importa fixar um regime provisório, o qual deverá atender unicamente ao interesse da criança e não dos requerentes ou da requerida. Há que ter também em conta que o pai do HF... faleceu mas que os requerentes não o substituem nas visitas que este teria com o filho caso os progenitores estivessem separados e fosse necessário proceder à regulação do exercício das responsabilidades parentais, até porque também existem familiares maternos, nomeadamente avós e tios, que têm igual direito ao dos requerentes. Como decorre da própria existência deste processo e da inviabilidade de acordo entre os presentes é manifesto que continua a existir conflito entre estes familiares e que o HF... deve ser preservado do mesmo. Como resulta do relatório da psicóloga que acompanhou o menor de fls. 154 e seguintes, nomeadamente da sua conclusão de fls. 157, e foi agora corroborado pela mesma psicóloga ouvida nesta diligência, a aproximação do HF... aos requerentes deve ser gradual, deve ser feita nos primeiros tempos por curtos períodos de tempo e em espaços contentores, perto do seu ambiente familiar. O HF... ainda não sente os requerentes como securizantes e continua a precisar da presença da mãe nos contactos que venham a ter lugar. Pouco a pouco e respeitando sempre os sentimentos, receios e inseguranças da criança, deverá ser feita uma evolução progressiva dos convívios entre o HF... e os requerentes, pelo que se afigura adequado e ajustado aos interesses do menino um regime provisório como vem proposto pelo Ministério Público, aumentando-se pouco a pouco a duração dos encontros à medida que o menino se for sentindo seguro. Assim nos termos do artigo 38° do RGTPC fixa-se o seguinte regime provisório: -O menor estará com os avós e o tio no Parque do Alvito ou no Pavilhão do Conhecimento, com a presença da mãe e da tia materna Ana Ribeiro, uma vez por mês, ao sábado, entre as 15h00 e as 19b00. Este período temporal será ajustado aos índices de conforto do menor, devendo ser encurtado se este manifestar esforço. -No dia 24-04-2016 e conforme aceite pelas partes os requerentes poderão estar com o menor entre as 15h00 e as 19h00, encurtando-se a visita se o menor manifestar cansaço ou saturação. Nos termos do artigo 38° al. b) do RGPTC remetem-se as partes para audição técnica especializada, ficando esta diligência suspensa”. 4 – Inconformados com o decidido, os Requerentes interpuseram, em 22/04/2016, recurso de apelação para esta Relação. 5 – Por douta Decisão Sumária de 12/12/2016, proferida, ao abrigo do prescrito no artº. 656º, do Cód. de Processo Civil, por este Tribunal da Relação, foi julgado parcialmente procedente o recurso interposto e, consequentemente, decidiu-se pela substituição da “decisão provisória impugnada pela seguinte decisão provisória: - O menor estará com os avós e o tio, em casa destes, na presença de um assessor técnico nomeado ao processo nos termos sobreditos, todas as semanas, ao dia de sexta feira, ou ao dia de sábado (a combinar de uma semana para a outra), entre as 16h e as 19h, período que será ajustado aos índices de conforto do menor. - Nas duas primeiras visitas (apenas), a mãe do menor poderá também estar presente, a fim de integrar o menor no seio da sua família paterna”. 6 – Em 07/10/2017, os Requerentes deduziram incidente de incumprimento contra a Requerida progenitora, nos termos do artº. 41º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, pugnando pela sua procedência, pelo agendamento da conferência prevista no nº. 3 daquele normativo, pela condenação da Requerida em multa de montante nunca inferior a 5 unidades de conta, em indemnização a favor dos Requerentes de valor não inferior a 480,00 € e na fixação de sanção compulsória de 80,00 € por cada dia em que o menor não esteja na companhia dos Requerentes, semanalmente, entre as 16.00 e as 19.00 horas. 7 – Após a junção aos autos de vários documentos, relatórios sociais e audições, no dia 06/02/2018, em sede de tentativa de conciliação, foi proferido o seguinte DESPACHO: “Uma vez que estes autos têm em vista a salvaguarda dos interesses do HF... e porque se afigura essencial averiguar neste momento qual o seu estado emocional para se poder dar cumprimento ao regime provisório estabelecido nos autos, notifique a mãe nos termos promovidos. Tendo em conta a importância de tal documento e a necessidade de aferição do estado emocional da criança para, em seu benefício, se manter ou não o regime provisório de visitas, deverá este último ficar suspenso até novos elementos nos autos”. 8 – Tendo tal decisão sido antecedida pela seguinte promoção: “O Ministério Público apercebe-se que o conflito existente entre a mãe do menor e a família paterna deste mantém-se e talvez se tenha vindo a agravar. Não compete neste momento e nesta sede analisar as origens do conflito e determinar responsabilidades. Interessa, como sempre, proteger os interesses e a saúde emocional das crianças. Estamos numa área absolutamente dinâmica e em que o aconselhável em determinado momento pode deixar de o ser e poderá mostrar-se necessário encontrar novas soluções. Entende o Ministério Público que a situação de confronto bem plasmada no processo e nesta conferência é altamente danosa para o HF.... O HF... tem 6 anos e não se pode defender. Tivesse o HF... 15 anos e certamente não estaríamos aqui. As pretensões da família paterna são absolutamente legítimas, compreensíveis e protegidas por lei. O caminho que o processo está a levar, entende o Ministério Público, não será o mais proveitoso para que se venha a atingir os objectivos legítimos almejados. Factualmente, a mãe encontra-se em incumprimento de um regime provisório que foi estabelecido no processo. Interessa saber os motivos desse incumprimento e tentar aferir se a recusa é legítima. Em discussão não estão apenas os direitos da família paterna e os direitos da mãe. Acima destes estão, certamente, os direitos de um menor que não se consegue defender. Sendo esta área dinâmica, como a vida, porque sobre ela se debruça, entende o Ministério Público que se deverá notificar a mãe para em 5 dias juntar atestado técnico que esclareça o Tribunal sobre a situação emocional da criança no momento actual e sobre o que é mais indicado a curto prazo para a defesa dos seus interesses”. Sobre a qual quer Requerentes, quer Requerida, através dos seus Mandatários, afirmaram nada ter a dizer. 9 - Inconformados com o decidido, os Requerentes interpuseram recurso de apelação, em 21/02/2018, por referência à decisão provisória prolatada. Apresentaram, em conformidade, os Recorrentes as seguintes CONCLUSÕES: “a) O despacho que aqui se sindica, para efeitos de recurso, não é um despacho de mero expediente. b) O Tribunal a quo suspendeu, ilícita e ilegalmente, o regime provisório de convívios entre o menor HF... - melhor identificado nos autos - e os RR. -avós e tio do menor - tal como imposto por decisão singular proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa. c) Para tanto, a decisão do Tribunal recorrido, esfrangalha todos os documentos nos autos, mormente os relatórios das técnicas da segurança social, assentando, apenas, nas peças processuais com data de 3 e 5 de janeiro de 2018. d) Estas peças processuais não foram precedidas da conduta processual para o exercício do contraditório, escrito, e, em sede de conferência, a omissão de tal conduta manteve-se. e) Ou seja: decidiu o Tribunal a quo sem contraditório dos RR. f) O decretamento da suspensão do poder paternal pressupõe que se apure, antes de mais, através de um inquérito sumário, que o requerido é manifestamente incapaz, física ou moralmente, de cuidar do filho. Além disso, nesta situação, tal decisão pode e deve ser precedida de diligências complementares de averiguação, nomeadamente através da perícia médico-legal aos menores e da audição das educadoras e da auxiliar de apoio e vigilância do infantário que os menores frequentavam, como requerido [2]. g) Ao invés, a decisão recorrida não atendeu ao requerido pela progenitora -arrasando com a possibilidade de esclarecimentos ao relatório entregue, de 5 de janeiro de 2018, e ao contraditório em conferência - nem teve como base um inquérito sumário e diligências complementares de averiguação. h) Com efeito, nos processos de jurisdição voluntária relativos à regulação das responsabilidades parentais, mais do que a composição dos interesses dos pais em conflito, releva sobretudo o interesse do menor, a regular. Por isso mesmo, ao contrário do que sucede na jurisdição contenciosa, o princípio do contraditório na jurisdição voluntária não se estende sempre e necessariamente ao direito de cada um dos progenitores a produzir as provas que bem entenda. O juiz, enquanto árbitro, tem a palavra final. Só deve admitir as provas que considere necessárias à tutela do interesse que lhe compete salvaguardar. Esta limitação, no entanto, não se estende ao princípio da audiência contraditória; ou seja, o direito, por exemplo, de um dos pais a deduzir oposição às pretensões pelo outro formuladas ou o direito a desvalorizar o alcance probatório da prova oferecida ou oficiosamente recolhida, a qual pode ser contraditada ou aceite. i) Na decisão de que se recorre, entre outros erros, manifestos, censuráveis, perigosos, perturbadores e inquietantes, o Tribunal a quo não permitiu o direito dos RR. deduzirem oposição às pretensões pelo outro formuladas ou o direito a desvalorizar o alcance probatório da prova oferecida ou oficiosamente recolhida... j) Não permitindo que essa prova, oferecida e oficiosamente recolhida, pudesse ser contraditada ou aceite. k) A decisão de suspensão viola o artigo 1887.°-A do CC que estabelece uma presunção de que a relação da criança com os avós é benéfica para esta e, os pais, se quiserem opor com êxito recusa a esse convívio terão de invocar e demonstrar razões concretas para a proibição" - sublinhado e destaque nossos. l) Não existe, assim, razão fundamentada que sustente a suspensão dos convívios do menor com os RR., razão pelo que se requer que decisão de suspensão seja alterada e substituída por outra que, obedecendo à lei, permita a relação da criança com os avós, nos exatos termos em que o regime provisório foi definido por decisão singular do venerando Tribunal da Relação de Lisboa”. 9 - Apresentou a Apelada contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, nas quais concluiu nos seguintes termos: “1. O direito de convívio dos avós com o menor não é um direito a ser exercido no exclusivo interesse dos seus titulares, mas, sobretudo no interesse da criança, por isso pode ser limitado, ou suspendido provisoriamente. 2. A suspensão do regime provisório de visitas não se baseou apenas no relatório datado de 2 de Janeiro de 2018. 3. Os Recorrentes, no convívio realizado no passado dia 30/12/2017, em lugar de manifestarem agrado e satisfação por verem e estarem com o neto aproveitaram o ensejo para, uma vez mais, "agredirem" de forma gratuita e injustificada a Requerida e as Técnicas, não transmitindo este acontecimento ao menor harmonia e paz, pelo contrário prejudicando, e muito, o bem-estar e estabilidade emocional do menor. 4. O acontecimento do dia 30/12/2017, foi de tal forma assustador para o menor que a partir desse dia, e nos subsequentes, acorda durante a noite a gritar e a chorar, estas manifestações psicológicas do menor evidenciam falta de confiança num familiar ou de não querer estar sozinho com determinado adulto, medo de alguns lugares e sentimentos de insegurança”. 12 – O Ministério Público apresentou igualmente resposta às alegações apresentadas, aduzindo, em súmula, o seguinte: § existe um conflito muito acesso entre a mãe do menor e os recorrentes, avós e tio paternos ; § sem necessidade, pensamos, de grandes e mais aprofundadas considerações, entendemos que o menor HF... está a ser transportado para um conflito que não é o seu ; § o menor HF... nasceu em 19.04.2011, tendo o seu progenitor falecido em virtude de acidente de viação ; § reside com a progenitora mãe, evidenciando os Recorrentes exacerbada litigiosidade, tecnicamente não contida, existindo um clima de grande animosidade entre os mesmos e a progenitora ; § sendo a progenitora o pilar afectivo do menor, este apercebe-se do clima existente entre a sua mãe, avós e tio., nomeadamente da agressividade destes para com a sua mãe, retratada nos relatórios da Segurança Social ; § foram determinadas perícias psicológicas para certificação de competências, capacidades e traumas, não sendo ainda conhecidos os resultados ; § transparece ainda dos autos que os Recorrentes não fizeram ainda o luto pela morte do pai do menor, estando condicionados por mecanismos de projecção ; § o menor não tem ainda capacidade de defesa e nada ganha em se ver mergulhado num conflito que não é seu ; § e, por outro lado, não conseguirá, por certo, conjugar a agressividade que vê por parte dos Recorrentes para com a sua mãe com sentimentos de afectividade para com aqueles ; § os convívios impostos por decisão do Tribunal da Relação estavam a revelar-se prejudiciais para o menor, pelo que a decisão recorrida é correcta. Conclui, no sentido de ser negado provimento ao recurso. 13 – Tal recurso foi admitido por despacho de 23/05/2018. 14 – Em 11/07/2018, a Sra. Juíza a quo proferiu o seguinte despacho: “Nos termos do artigo 641º/1 do CPC, o juiz aprecia os requerimentos apresentados, pronuncia-se sobre as nulidades arguidas e os pedidos de reforma. No despacho de 23.05.2018 que admitiu o recurso o Tribunal não se pronunciou sobre a arguição de qualquer nulidade porque nenhuma foi expressamente invocada enquanto tal. Porém, analisando as alegações de recurso dos requerentes constata-se que os mesmos afirmam que a decisão objecto de impugnação não foi precedida do exercício do contraditório. Tal afirmação equivale à arguição de nulidade por omissão de um acto que a lei processual prescreve, cabendo agora responder à mesma. Ora, contrariamente ao sustentado pelos recorrentes, foi efectivamente cumprido o princípio do contraditório. Por requerimento de 03.01.2018 (fls. 462 a 464) a progenitora veio requerer a suspensão do regime provisório de visitas devido aos factos ocorridos no dia 30.12.2018. Os recorrentes foram notificados deste requerimento na pessoa do seu ilustre mandatário, através do citius, em 04.01.2018. Nada responderam. Novamente, por requerimento de 09.01.2018 (fls. 472 a 477), a progenitora, através da sua ilustre mandatária, veio requerer a suspensão do regime provisório em curso por causa da perturbação emocional que o menor evidencia. Os recorrentes foram notificados deste requerimento na pessoa do seu ilustre mandatário, notificação essa electrónica, entre mandatários. Mais uma vez, os recorrentes nada responderam. Na tentativa de conciliação de 06.02.2018, não tendo sido possível qualquer acordo, o Tribunal proferiu o despacho objecto de recurso, suspendendo o referido regime provisório, pronunciando-se assim sobre os referidos requerimentos da progenitora. Deste modo, foi cumprido o princípio do contraditório e se os recorrentes optaram por não responder aos dois requerimentos da progenitora em que esta pediu a suspensão do regime provisório de visitas, não podem agora imputar a sua omissão ao Tribunal. Pelo exposto, ao abrigo do preceituado no artigo 641º/1 do CPC, conclui-se que não se verifica a apontada nulidade do despacho impugnado por falta de exercício prévio do contraditório porque este foi efectivamente cumprido e assegurado aos recorrentes. Junte certidão de fls. 462 a 464, da sua notificação aos recorrentes e de fls. 472 a 477, como aliás já requerido pelo MºPº. Notifique”. 15 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir. ** II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃOPrescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que: “1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas ; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”. Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes Apelantes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina conhecer acerca da pertinência da decisão apelada que decidiu pela suspensão do regime provisório de visitas do menor aos avós e tio paternos, o qual havia sido determinado por decisão sumária proferida por esta Relação. Cumpre, deste modo, conhecer se a decisão apelada merece juízo de revogação, determinando a prevalência daquela decisão provisória reguladora, ou se, ao invés, é pertinente o juízo de suspensão decretado. O que implica, in casu, apreciar acerca: § do regime de convívio dos filhos menores com os ascendentes avós (e demais membros familiares com quem possuam relacionamento de proximidade), nos quadros do artº. 1887º-A, do Cód. Civil ; § do concreto interesse do menor na manutenção do determinado regime de convívios (provisoriamente fixado). ** III - FUNDAMENTAÇÃO A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A matéria factual a considerar é a que resulta do iter processual supra exposto, à qual se acrescenta, com base no teor dos documentos juntos, relatórios sociais elaborados e audições efectuadas, os seguintes factos que se consignam como provados: a) os convívios supervisionados entre os avós e tio paterno e o menor HF... iniciaram-se em 17/06/2017, tendo ocorrido 17 convívios até 11/12/2017 ; b) a presença da progenitora mãe revelou-se sempre um elemento estabilizador e regulador emocional do menor, mais que não fosse pelo facto deste saber que a mesma aguardava-o no exterior ; c) tendo-se igualmente revelado importante a presença técnica, que permitiu algum controlo comportamental e transmissão de segurança, atenta a litigância existente entre Requerentes e Requerida ; d) sendo esta mais intensa entre a Requerente avó e a progenitora, normalmente causada por impulso daquela ; e) no início dos convívios o menor, apesar de encará-los como uma obrigação imposta, transmitiu indicadores de aceitação da interação ; f) o que foi sendo progressivamente alterado, ainda que com oscilações ; g) existindo, assim, avanços e recuos na reconstrução da relação entre o menor e os avós e tio paternos ; h) estes, sempre se mostraram cuidadores e atentos às necessidades do neto e sobrinho, com quem procuraram brincar, interagir de forma saudável e proporcionar-lhe momentos de lazer ; i) tendo, todavia, não sabido evitar, em várias situações, sujeitar o menor à litigância existente entre os Requerentes e a Requerida progenitora ; j) assistindo o mesmo a tais desentendimentos e discussões, com particular ênfase para a forma normalmente hostil com que a avó trata a progenitora mãe ; k) o menor sempre manteve alguma resistência em separar-se da progenitora no início dos convívios ; l) tendo passado a questionar, com o decurso dos mesmos e o avançar do tempo, e a verbalizar com frequência, sobre a necessidade de realizar as visitas, sobre o terminus das mesmas e o facto de não querer vir ; m) revelando insegurança, procurando protecção junto da equipa técnica e passando mesmo a evidenciar reservas em entrar na casa dos avós ; n) apesar de revelar boa maturidade para a idade e boas capacidades adaptativas e de ajuste a situações para si desconfortantes ; o) no dia 30/12/2017, data de convívio do menor com os avós paternos, a avó afirmou não permitir o acesso da equipa técnica à sua habitação ; p) alegando que as Técnicas presentes não correspondiam às que normalmente aí se deslocavam e que não as conhecia ; q) perante a recusa de realização do convívio nessas condições, os avós exaltaram-se, tendo a avó usado linguagem menos apropriada junto do neto ; r) o qual assistiu a tudo, apenas se tendo afastado do local, por breves instantes, com a progenitora, a pedido da equipa técnica ; s) encontrando-se a criança visivelmente perturbada, assustada e receosa, agarrando-se á mãe ; t) agarrando-se a avó ao mesmo, enquanto o HF... chorava e procurava a mãe ; u) afirmando que só entrava em casa dos avós se as senhoras entrarem, referindo-se às Técnicas ; v) perante as dúvidas e atitudes assumidas pelos avós (o tio paterno encontrava-se ausente, a trabalhar em França), a Equipa Técnica solicitou a presença da GNR de Constância ; w) após algum impasse, os avós acabaram por permitir o acesso da Equipa Técnica á sua propriedade, bem como da progenitora ; x) não tendo, todavia, autorizado o acesso da Equipa Técnica ao interior da habitação ; y) perante a recusa da Equipa em autorizar os convívios nesses moldes, gritando e gesticulando, o avô afirmou que iria buscar a espingarda ; z) tendo o menor saído de casa dos avós e ido para junto da sua progenitora, visivelmente assustado e a chorar ; aa) após comparência de um elemento da GNR, e tendo a Equipa Técnica voltado a falar com a avó, esta acabou por aceder a que a visita ocorresse nos moldes determinados ; bb) e, apesar dos receios do HF..., que se mantinha agarrado à mãe, e após ter sido tranquilizado por este e Equipa Técnica, acedeu a ficar com os avós e Equipa, tendo-se a progenitora ausentado ; cc) ocorrendo a demais visita sem quaisquer incidentes ; dd) conseguindo a avó, apesar do exposto, direccionar-se para a interacção com o neto, agradando-lhe e participando em actividades com o mesmo ; ee) evidenciando a criança encontrar-se á vontade no espaço, movimentando-se naturalmente, parecendo sentir-se como pertença da casa ; ff) mostrando-se agradado com a visita, ainda que tenha interpelado a Equipa Técnica, por duas vezes, procurando saber quando a mesma terminaria ; gg) os avós evidenciaram encontrar-se emocionalmente fragilizados, fruto da perda do filho (pai do HF...), o que a avó reconhece, tendo sido aconselhados a procurar ajuda ; hh) após tais factos, o menor evidencia ainda maior resistência em visitar os avós, chorando e afirmando não o querer fazer ; ii) revela maior insegurança e vulnerabilidade, sentindo-se mais ansioso e saturado com a situação ; jj) estando a ser observado em consultas de psicologia na ARS LVT URAP – A... (centro de Saúde) ; kk) tendo a Psicóloga Inês Maurício emitido Relatório de seguimento em consulta de Psicologia, datado de 14/02/2018, com o seguinte teor: “A pedido da sua mãe, declaro que o HF..., nascido a 19/4/2011 á acompanhado na consulta de psicologia deste ACES desde o dia 28 de Junho de 2017, com periodicidade quinzenal sempre que possível, conforme disponibilidade de agenda da psicóloga. O HF... apresentou uma pequena resistência inicial em estabelecer a relação com a Psicóloga, o que foi sendo ultrapassado com o decorrer das sessões. Se de inicio, reagia negativamente dizendo "fazes muitas perguntas, porque é que fazes tantas perguntas...", mais tarde foi espontaneamente trazendo as suas preocupações e falando abertamente dos seus receios. Ele está consciente do diferendo entre a progenitora e os avós paternos, facto que por si só o desestabiliza, que o levou a desenvolver uma estratégia inicial de evitação do tema, e a manifestar comportamentos de índole ansiosa face á obrigatoriedade das visitas regulares aos avós. Observa-se uma melhoria na sua capacidade para estar mais tento nas sessões, menos ansioso e mais cooperante no desenvolvimento de jogos, na conversa, na expressão das suas expectativas, o que se tornou mais claro de há duas sessões para cá. Prevejo a continuação deste acompanhamento, de modo a garantir ao HF... um espaço de apoio, que o ajude a ultrapassar as dificuldades decorrentes da presente situação” ; ll) a Requerida progenitora não demonstra qualquer postura de oposição aos contactos do filho com a família paterna ; mm) tem sido correcta e adequada com a Equipa Técnica, sendo receptiva às sugestões desta ; nn) mantém uma postura assaz protectora relativamente ao filho ; oo) evidenciando incapacidade comunicacional com a família paterna, como estratégia de fuga ao conflito ; pp) a progenitora e o menor residem na A... ; qq) estando as visitas aos avós paternos definidas semanalmente, na casa destes, em Malpique, que fica sensivelmente a duas horas de caminho (para cada um dos lados) ; rr) o que implica despesas económicas acrescidas para a progenitora, condicionamento de todos os fins-de-semana e impossibilidade do menor se envolver em outras actividades ; ss) a relação entre a progenitora e os sogros foi-se agravando desde o início do seu relacionamento com o pai do HF... ; tt) conduzindo á sua rotura por volta de 2013, alegando a Requerente que a sogra sempre se intrometeu desde o início da sua relação, o que afectou o casamento e a parentalidade ; uu) sendo que o HF..., todavia, nunca deixou de visitar os avós ; vv) no âmbito dos presentes autos tutelares, consta Relatório Psicológico, datado de 29/10/2015, com o seguinte teor: “Nome: HF... D.N: 19.04.2011 Fundamentos do Relatório O presente relatório é elaborado com base em duas entrevistas, uma à mãe em 8/7/2015, outra aos avós e tio paternos a 7/10/2015. Uma observação conjunta mãe-filho a 12/10/2015 e duas observações conjuntas avós-neto nos dias 14 e 21 de Outubro de 2015. Apenas se realizaram duas observações com avós e neto, a pedido destes, que não acharam necessárias mais sessões. O tio paterno não esteve presente nas sessões, alegando que estava a trabalhar fora do país. Entrevista à mãe A mãe refere que o pai do HF... faleceu em Maio de 2014. Relata conflitos com avós paternos, ainda antes do falecimento do marido. Com a morte do Sr. Nuno estes conflitos intensificaram-se. A Sra. VR... descreve ofensas verbais e ameaças físicas por parte dos sogros a si e à sua família. Após falecimento do marido, manteve o contacto com os sogros, levando o HF... a visitá-los como estava habituado a faze-lo com o pai, uma vez por mês. Nas visitas que fazia com o pai, a criança nunca ficou sozinha em casa dos avós. Estes contactos fizeram-se até Dezembro de 2014, pondo a mãe término a estes pois sentia-se ameaçada e queria proteger o filho de assistir a esses episódios de agressividade. Mãe refere que tem medo que os avós utilizem um tipo de discurso negativo com o filho e que isso o venha a afectar psicologicamente. Entrevista avós e tio paternos Estes referem que tinha o HF... 1 ano 3 meses, quando a Sra. VR... deixou de frequentar a sua casa. Pai e filho iam visita-los de 3 em 3 semanas, mas não pernoitavam. Com o falecimento do seu filho, a mãe do HF... manteve estas visitas, mas desde Novembro de 2014 incompatibilizaram-se e não vêm neto desde 14 Dezembro de 2014. Avós e tio negam qualquer conflito e dizem não saber explicar essa mudança de comportamento da Sra. VR.... Observação mãe-filho HF..., quando se aborda o assunto dos avós paternos, fica agitado fisicamente e verbalmente. Num primeiro momento verbaliza que não se lembra deles, depois faz recusa em estar com os avós e só depois de muito trabalhado é que aceita, contudo mostra necessidade de se certificar que não vai ficar sozinho com estes. Mãe tem um comportamento e uma atitude colaborante e de incentivo para com o filho. Refere no seu discurso que não quer privar o filho da sua família paterna mas como ele é muito pequeno tem receio dos danos psicológicos que daí possam advir, pois já foi exposto mais do que uma vez a episódios agressivos por parte dos avós à mãe, que ainda hoje fala deles. Assim como tem medo do que estes avós possam vir a verbalizar ao filho, e que isso venha a comprometer o desenvolvimento saudável e harmonioso do HF.... Observação avós - neto No primeiro encontro, HF... mostrou muita dificuldade em se separar da mãe. Quando acede em acompanhar o técnico mostra necessidade de perguntar se estarei sempre com ele na sala. No início houve algum desconforto por parte do HF... na relação com os avós, mas ao longo da sessão vai descontraindo e entra em relação com estes. Os avós trouxeram fotografias da família e dele em pequeno e brinquedos com os quais brincava em casa dos avós quando os visitava com o pai. Foram elementos facilitadores da relação. Brincaram e conversaram em conjunto. Avó mostrou e verbalizou durante a sessão a preocupação do neto não dizer os "r". Durante a sessão HF... procurou o técnico várias vezes com o olhar. Na segunda e última sessão, HF... mostrou novamente dificuldade em se separar da mãe. Quando entra esconde-se atrás da mesa, e só depois de ver os sacos dos brinquedos vai ter com os avós e inicia a interacção. Abraça a avó quando lhe dá um beijinho. Brincaram toda a sessão, estiveram sempre em relação e a interagir. HF... vai tendo algumas memórias e faz perguntas. Conclusão Não parece haver fundamento para não ser viável a aproximação à família paterna. No entanto, deverá ser feita de forma gradual tendo em conta a dinâmica familiar e a idade do menor em causa. Aconselha-se que nos primeiros tempos as visitas sejam por curtos períodos de tempo e em espaços contentores, perto do seu ambiente familiar. O HF... demonstra ainda uma apreensão ao se separar da mãe para ficar com os avós. Ainda não os sente como securizantes, relacionando-se e interagindo com estes apenas através dos brinquedos. Qualquer resposta/proposta possível não deverá ser estática, mas ir acompanhando o desenvolvimento do menor e os resultados da dinâmica dos adultos envolvidos, ajustando-se aos mesmos. Atentamente Psicóloga Clínica SC...” ; ww) O Instituto de Segurança Social, Unidade de Desenvolvimento Social, Núcleo de Infância e Juventude, de Santarém, mediante ofício enviado aos autos em 05/04/2018, exarou que “em função da informação disponível, considera este Serviço que, por ora, não existem condições para retomar o regime de visitas fixado. De modo a salvaguardar os interesses de HF... e a sua estabilidade emocional, somos de parecer que se aguardem os resultados das perícias psicológicas, salvo melhor entendimento” ; xx) Tendo já sido determinado nos autos a realização de perícias psicológicas aos Requerentes, Requerida e menor, cujos resultados não são ainda conhecidos. ** B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO QUESTÃO PRÉVIA – DA EVENTUAL EXISTÊNCIA DE NULIDADE (alíneas d), e), i) e j) das conclusões recursórias) Nas conclusões recursórias apresentadas, alegam os Apelantes que existiram peças processuais que não foram precedidas do necessário exercício do contraditório, quer escrito, quer em sede de conferência, tendo o Tribunal decidido sem contraditório dos RR.. Acrescentam, ainda, que o Tribunal a quo não permitiu aos Recorrentes o direito de deduzirem oposição às pretensões apresentadas, ou o direito a desvalorizar o alcance probatório da prova oferecida ou oficiosamente recolhida…… Nomeadamente, não permitiu que essa prova, oferecida ou oficiosamente recolhida, pudesse ser contraditada ou aceite – cf., alíneas d), e), i) e j) das conclusões recursórias. Alegando o exposto, os Apelantes não retiram, de forma expressa, qualquer consequência de tal invocação, nomeadamente tipificando o eventual vício que possam descortinar de tal procedimento. Nomeadamente, não retiram qualquer ilação ou consequência que traduzam na pretensão apresentada, a qual se traduz, apenas, na manutenção do regime provisório de convívios determinado entre o menor e os avós e tio paternos (ora Apelantes). Apesar de tal omissão, o Tribunal a quo, apreciou tal situação como se de invocação de nulidade se tratasse, nos termos do nº. 1, do artº. 641º, do Cód. de Processo Civil, nomeadamente fazendo equivaler tal afirmação à arguição de nulidade por omissão de um acto que a lei processual prescreve, ou seja, como nulidade secundária enunciada no nº. 1, do artº. 195º, do Cód. de Processo Civil. E, reconheça-se claramente, fê-lo de forma assaz certeira e pertinente, a justificar da nossa parte mera adesão ao ali defendido, por que corroborado pela análise da tramitação que os presentes autos documentam. Assim, escreveu-se que: “(…) analisando as alegações de recurso dos requerentes constata-se que os mesmos afirmam que a decisão objecto de impugnação não foi precedida do exercício do contraditório. Tal afirmação equivale à arguição de nulidade por omissão de um acto que a lei processual prescreve, cabendo agora responder à mesma. Ora, contrariamente ao sustentado pelos recorrentes, foi efectivamente cumprido o princípio do contraditório. Por requerimento de 03.01.2018 (fls. 462 a 464) a progenitora veio requerer a suspensão do regime provisório de visitas devido aos factos ocorridos no dia 30.12.2018. Os recorrentes foram notificados deste requerimento na pessoa do seu ilustre mandatário, através do citius, em 04.01.2018. Nada responderam. Novamente, por requerimento de 09.01.2018 (fls. 472 a 477), a progenitora, através da sua ilustre mandatária, veio requerer a suspensão do regime provisório em curso por causa da perturbação emocional que o menor evidencia. Os recorrentes foram notificados deste requerimento na pessoa do seu ilustre mandatário, notificação essa electrónica, entre mandatários. Mais uma vez, os recorrentes nada responderam. Na tentativa de conciliação de 06.02.2018, não tendo sido possível qualquer acordo, o Tribunal proferiu o despacho objecto de recurso, suspendendo o referido regime provisório, pronunciando-se assim sobre os referidos requerimentos da progenitora. Deste modo, foi cumprido o princípio do contraditório e se os recorrentes optaram por não responder aos dois requerimentos da progenitora em que esta pediu a suspensão do regime provisório de visitas, não podem agora imputar a sua omissão ao Tribunal. Pelo exposto, ao abrigo do preceituado no artigo 641º/1 do CPC, conclui-se que não se verifica a apontada nulidade do despacho impugnado por falta de exercício prévio do contraditório porque este foi efectivamente cumprido e assegurado aos recorrentes. Junte certidão de fls. 462 a 464, da sua notificação aos recorrentes e de fls. 472 a 477, como aliás já requerido pelo MºPº. Notifique”. A fundamentação apresentada é claramente corroborada pelo teor de fls. 191 – notificação ao Ilustre Mandatário dos Apelantes, em 04/01/2018, via citius, do teor do requerimento de fls. 462 a 464 (fls. 188 a 190 dos presentes) -, e de fls. 182 dos presentes autos – notificação do requerimento de fls. 472 a 476, de 09/01/2018, concretizada electronicamente entre Mandatários, nos termos do artº. 221º, do CPC. Pelo que não ocorreu, claramente, qualquer violação do princípio do contraditório, tradutor da prática de nulidade por omissão de formalidade legalmente prescrita. Cuja invocação não se entende, traduzindo, pelo menos, dispensável ousadia processual, e conducente à total improcedência das identificadas conclusões recursórias. 1) do regime de convívio dos filhos menores com os ascendentes avós (e demais membros familiares com quem possuam relacionamento de proximidade), nos quadros do artº. 1887º-A, do Cód. Civil O despacho apelado suspendeu o regime provisório de visitas da criança HF... aos avós e tio paternos, tendo este sido fixado por decisão sumária deste Tribunal da Relação. Refere o artº. 28 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível – aprovado pela Lei nº. 141/2015, de 08/09 -, que prevê, como disposição processual comum, acerca das decisões provisórias e cautelares, no que ora importa, nomeadamente nos seus nº.s 1 e 3, o seguinte: “1 – em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão. 3 – Para efeitos do disposto no presente artigo, o tribunal procede às averiguações sumárias que tiver por conveniente” (sublinhado nosso). O Tribunal a quo, invocando a salvaguarda dos interesses do menor, nomeadamente a necessidade de averiguar acerca do seu estado emocional presente para, em seu benefício, se manter ou não aquele regime provisório de visitas, decidiu-se pela suspensão deste, até que novos elementos esclarecedores fossem juntos aos autos. É a pertinência desta decisão que ora se equaciona. Prevendo acerca do conteúdo das responsabilidades parentais, prescreve o nº. 2, do artº. 1878º, do Cód. Civil, que “os filhos devem obediência aos pais; estes, porém, de acordo com a maturidade dos filhos, devem ter em conta a sua opinião nos assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida. Como elemento tradutor desta maturidade e autonomia, a Lei nº. 84/95, de 31/08 [3], introduziu no Código Civil o artº. 1887º-A, prevendo acerca do convívio com irmãos e ascendentes, estatuindo que “os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes”. Referem Helena Bolieiro e Paulo Guerra [4] que com a entrada em vigor deste normativo “a criança passou a ser titular de um direito autónomo ao relacionamento com os avós e com os irmãos, que podemos designar por direito (amplo) de visita – há um direito desta criança ao convívio com os avós e com os irmãos, que não pode ser cerceado de forma injustificada pelos pais”. Resultou o aditamento deste preceito “da orientação jurisprudencial e doutrinária, inserida no contexto de uma revalorização da família alargada, e das dificuldades relacionais por vezes colocadas por uma excessiva «atomização da família»”. Deste modo, o convívio de filhos menores com terceiros está sujeito à regra contida no transcrito nº. 2, do artº. 1878º, do Cód. Civil, ou seja, “deve ser pelos pais reconhecida aos filhos menores, de acordo com a sua maturidade, paulatina autonomia na escolha das pessoas com quem convivem, na regulação dos afetos, e mesmo nas preferências de convívio na família alargada” [5]. Assim, enquanto que anteriormente, a única forma de atribuir á criança e aos avós tal direito de relacionamento entre si, independentemente da vontade dos pais, dependia do apelo e preenchimento dos pressupostos enunciados no artº. 1918º, do Cód. Civil, com a introdução daquele normativo previu-se “expressamente um limite ao exercício das RP, proibindo os pais de impedir, sem justificação, os filhos de se relacionarem com os ascendentes ou irmãos”. Configura-se, deste modo, legalmente, “um limite ao direito dos pais à companhia e educação dos filhos (artigo 36º, nºs. 5 e 6, da CRP) e a decidirem, como bem entenderem, com quem se pode relacionar a criança e o lugar destes encontros, facetas dos direitos de guarda e de vigilância”. E, subjacente a esta norma está “uma presunção de que o convívio da criança com os ascendentes e irmãos é positivo para ela e necessário para o harmonioso desenvolvimento da sua personalidade”, pelo que, “em caso de conflito entre os pais e os avós da criança, o critério para conceder ou negar o direito de visita é o interesse da criança” (sublinhado nosso), pelo que “os pais, se se quiserem opor com êxito a este convívio, terão de invocar motivos justificativos para tal proibição” [6]. Com efeito, para que seja considerada legalmente justificada a privação do convívio, tal carece sempre de corresponder ao interesse do filho, “com a invocação de razões que determinem que a este são nefastos tais contactos. Esta asserção não exclui, porém, que o prejuízo para o filho possa advir de razões respeitantes ao relacionamento entre os familiares em causa e os progenitores, designadamente quando da repercussão dessas dificuldades não seja preservado o filho, quando tal comprometa a sua estabilidade emocional, gere conflitos de lealdade em relação às figuras parentais ou outras dificuldades graves para o seu bem-estar global”. E, acrescenta a mesma autora, “a questão ganha contornos especialmente relevantes nos casos de morte ou ausência de um dos progenitores, no que concerne á manutenção e promoção dos laços do filho com a família do progenitor desaparecido (….)” . Decorre, assim, que o objectivo da lei “é o reconhecimento do direito ao estabelecimento pelos filhos de um relacionamento próprio com os membros da família alargada, que não seja obstaculizado, sem justificação, pelos progenitores”, o que se traduz numa “projecção do dever de respeito dos pais pelos seus filhos menores, concretizada no reconhecimento do filho como ser autónomo, com direito ao estabelecimento das suas próprias relações significantes, cujos pressupostos e forma de desenvolvimento são diversos das dos seus progenitores” [7]. Deste modo, presentemente, “para ser decretado um direito de visita da criança relativamente aos avós ou aos irmãos, basta que tal medida esteja de acordo com o seu supremo interesse, ou seja, produza efeitos favoráveis para aquela” (sublinhado nosso). A decisão judicial em equação deve, assim resultar “de uma ponderação de factores (vontade da criança, afecto entre a criança e os avós ou entre a criança e os irmãos, qualidade e duração da relação anteriormente existente entre estes, assistência prestada pelos avós ou pelos irmãos à educação da criança, benefícios para o desenvolvimento da personalidade da criança e para a sua saúde e formação moral resultante da relação com os irmãos e com os avós, efeitos psíquicos e físicos do corte das relações da criança com os avós ou com os irmãos), tendo a criança direitos constitucionalmente protegidos que entram em conflito com os direitos dos pais, devendo prevalecer os direitos da primeira, no caso dos pais não apresentarem razões suficientemente fortes para proibir a relação do filho com os avós, dado que a finalidade principal do exercício das RP é, sabemo-lo bem, promover o interesse da criança”. Acresce que, este interesse e a sua necessária tutela ou salvaguarda, implica que, mesmo para além dos irmãos e avós, “mais pessoas de referência podem surgir, assim se entenda realmente o interesse da criança em não se privar do contacto de certos homens e mulheres que passaram pela sua vida e que, por algum incidente de percurso, podem deixar de o fazer” [8] [9] [10]. Jurisprudencialmente, acerca do direito ora em equação, tipificado no transcrito artº. 1887º-A, do Cód. Civil, refere recente aresto desta Relação [11]tratar-se “de um direito consagrado em nome das relações afetivas existentes entre certos membros da família e do auxílio entre gerações (no caso dos avós/netos), presumindo o legislador que «o convívio da criança com os ascendentes e irmãos é positivo para a criança e necessário para o desenvolvimento da personalidade deste.»” [12]. Acrescenta que vem-se “entendendo que os avós não são titulares de um direito subjetivo ao relacionamento com os netos. O que está em causa é uma situação jurídica funcional ao serviço do interesse da criança, ou, dito de outro modo, um direito-dever ou função que visa a realização do interesse da criança e que apenas tem tutela jurídica nos casos em que promova esse interesse” [13]. Assim, “se a relação afetiva entre a criança e os avós não existe ou se encontra degradada ou se existem obstáculos, seja qual for a sua origem, a que o estabelecimento de uma relação afetiva entre as crianças e a avó ocorra de forma tranquila e psicologicamente recompensadora para estes últimos, os desideratos acima referidos não são alcançados, e, ainda que os avós persistam na vontade de ver consagrado o direito a conviverem com o(s) neto(s), pode tal pretensão estar votada ao insucesso por não ser esse o interesse prevalecente, ou seja, o da(s) criança(s)” (sublinhado nosso). Donde, aduz, por apelo ao sufragado em douto aresto do STJ [14], que “«o interesse do menor condiciona “o direito de visita” dos avós, podendo conduzir à sua limitação ou mesmo supressão, quando seja suscetível de lhe acarretar prejuízos ou de o afectar negativamente», realçando, ainda, que «em caso de conflito entre os pais e os avós do menor, o interesse deste último será, assim, o critério decisivo para que seja concedido ou denegado o “direito de visita”»” (sublinhado nosso). O douto Acórdão da mesma Relação de 08/025/2018 [15], realçando o concreto papel desempenhado pela avó em equação, refere que a sua existência “e o estabelecimento de contactos afectivos, em especial nesta idade, em que, conforme referido na decisão sob recurso, se formam laços afectivos duradouros e próximos entre netos e avós, é salutar, do superior interesse da criança e, ao invés de criar na menor a ideia de rejeição paterna, poderá pelo contrário contribuir para a minorar, pois que o afastamento do pai, não equivale ao afastamento de toda a família paterna”. Pelo que sanciona a presunção de que é benéfica para a criança a relação com os avós e irmãos, incumbindo então aos progenitores que pretendem impedir as visitas o ónus probatório de que tais convívios são prejudiciais ao menor filho. Referencie-se, igualmente, o douto Acórdão desta Relação de 17/02/2004 [16], o qual defende inexistir o direito de visita dos avós, enunciando que o aditado artº. 1887º-A, do Cód. Civil, “não estabelece nenhum limite ao que preceituam os n.ºs 5 e 6 do art.º 36.º da Constituição. Apenas explicita o que já resultava do art.º 1878, n.º 2, in fine: os pais devem, de acordo com a maturidade dos filhos, reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida. E depois da revisão constitucional de 1997, que introduziu no n.º 1 do art.º 26.º da Constituição o direito ao desenvolvimento da personalidade, mais clara ficou a “limitação da margem de intervenção do Estado e da sociedade na esfera individual” (Prof. Marcelo Rebelo de Sousa e Dr. José de Melo Alexandrino, Constituição da República Portuguesa Comentada). Por isso, os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes (ou com qualquer outra pessoa). Mas tal não significa que os irmãos ou ascendentes (ou qualquer outra pessoa) sejam titulares de um direito de visita relativamente aos menores. Se assim fosse, seria violado o dito direito ao desenvolvimento da personalidade. O menor pode, pois, escolher livremente as pessoas com quem quiser conviver, sejam ou não familiares seus, e os pais não podem injustificadamente opor-se a essa escolha. Como reconhece a autora da citada obra “Exercício do poder paternal”, “os laços familiares apenas são consagrados se livremente aceites” e não pode haver “cadeias familiares” (pág. 295). O exercício abusivo da autoridade na família está, aliás, constitucionalmente proibido (n.º 1 do art.º 69.º da Constituição). Sendo insubstituível a acção dos pais em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação (n.º 1 do art.º 68.º da Constituição), podem os pais, porém, proibir o convívio dos filhos com familiares ou qualquer outra pessoa sempre que exista motivo justificado, mas mesmo então, ao procederem à avaliação do circunstancialismo que se lhes deparar, não poderão deixar de ter em consideração a idade e a maturidade dos filhos e o direito constitucional destes ao desenvolvimento da própria personalidade. Questão essa que, por vezes, não encontrará decisão fácil. Não há, pois, nenhum direito de visita. O menor tem o direito de conviver com quem quiser, excepto nos casos em que houver motivo justificado para ser privado desse convívio, mas mesmo nestes casos terão de ser tidas em consideração a sua idade e maturidade. E ninguém, por isso mesmo, o pode obrigar a qualquer convívio: o menor não é objecto de qualquer direito de visita. Tem direito ao desenvolvimento da sua própria personalidade, podendo escolher as pessoas com quiser conviver, salvo se essa escolha se mostrar contrária ao seu interesse” (sublinhado nosso). Reconhecendo o papel dos avós no enriquecimento da formação e desenvolvimento dos netos, através da transmissão do carinho, cuidados, afectos e segurança, cf., por fim, o douto Acórdão da RP de 30/05/2018 [17], ao referenciar ser “incontroverso que a convivência das crianças com os avós representa uma ponte com o mundo externo. Ao visitar os avós, a criança descobre que fora de sua casa também existem lugares seguros e agradáveis. O passado dos avós é referência para os netos na medida em lhe contam, com emoção, o que passou na sua época e revivem esses momentos, colaborando para o enriquecimento da identidade dos netos”. 2) do concreto interesse do menor na manutenção do determinado regime de convívios (provisoriamente fixado) Exposto o supra enquadramento doutrinário e jurisprudencial, articulemo-lo com o caso concreto em apreciação, tendo em atenção a matéria factual consideranda. Conforme resulta bastamente da factualidade provada, assente nas indicadas fontes probatórias, após um início em que o regime de convívios imposto por Decisão Sumária desta Relação funcionou de forma satisfatória, existindo indicadores de aceitação da interacção por parte da criança relativamente aos avós e tio paternos, tal situação sofreu nítida deterioração até ao ponto do próprio menor recusar a manutenção do regime imposto. Já supra assinalámos as vantagens existentes nos convívios entre netos e avós, podendo estes funcionar como verdadeiras fontes de transmissão de conhecimentos, vivências, afectos e formas diferenciadas de ver o mundo, o que servirá de lastro enriquecedor para o desenvolvimento, formação e bem-estar dos seus descendentes. Todavia, também conforme anotámos, a perduração/manutenção de tais convívios deve estar sempre dependente, com base num quadro de análise dinâmica e não estática, do concreto e real interesse da criança, ou seja, tais convívios apenas devem manter-se enquanto se afigurem como uma verdadeira e clara mais-valia, como fonte de vantagem e ganho para o menor, como experiência saudável e enriquecedora para a sua futura vivência e enriquecimento da sua personalidade. Pelo que, consequentemente, a sua implementação ou manutenção deve ser claramente questionada quando a experiência vivenciada é traumática, quando o menor não se sente minimamente seguro junto de tais familiares, quando existe resistência não induzida aos convívios, quando a fixada temporalidade dos mesmos como que “custa a passar”, documentada e traduzida nas várias interpelações acerca do seu terminus. Não se duvida que os Requerentes avós e tio paternos nutram de verdadeira afeição para com o neto e sobrinho, que verdadeiramente o amem, que desejem arduamente a manutenção de contactos e convívios próximos com o mesmo. O que é potenciado pelo facto do mesmo acabar por ser a extensão ou legado do filho e irmão dos Requerentes que desapareceu prematuramente. Todavia, resulta claramente dos mesmos factos que, principalmente os Requerentes avós (e com maior ênfase a avó), ainda não recuperaram de tal perda, manifestando uma fragilidade psicológica e emocional que transferem e evidenciam no (mau) relacionamento que (não) mantêm com a ora Requerida progenitora do neto. Existem claramente feridas antecedentes não saradas, mágoas que não estão resolvidas e ressentimentos que nunca se ultrapassaram, acabando tais sentimentos por inquinar e macular o relacionamento com a progenitora mãe. O que conduz a discussões, interpelações hostis, atitudes acintosas e ausência de bom senso e capacidade de compromisso. E, lamentavelmente, o HF... não tem sido poupado a testemunhar tais factos, nomeadamente quando é utilizada linguagem a que deve ser preservado, quando é solicitada a presença da autoridade pública para dirimir conflitos, quando vê a progenitora ser alvo de atitudes mais exaltadas, quando percebe o desentendimento existente entre esta e os avós e quando é constantemente sujeito a um clima de tensão relacional existente, ao qual não é imune, e não lhe é exigível que o seja. Nesses momentos, conforme bem refere o Digno Procurador na resposta às alegações, o menor é transportado para um conflito que não é – não devia ser – o seu, evidencia sofrimento psicológico pela sua existência e é, logicamente, incapaz de conjugar a afectividade que nutre para com os avós e tio paternos com a atitude agressiva que descortina nestes para com a sua mãe. Que é, indubitavelmente, o seu pilar afectivo nuclear. Tal quadro cria um conflito interno no HF... que a sua prematura idade não lhe permite gerir adequadamente, nem do mesmo se defender, uma tensão de confronto de lealdades a que não devia ser sujeito e uma colisão de sentimentos que é ainda incapaz de compatibilizar. Nas palavras aduzidas na mesma resposta às alegações, o menor não conseguirá amar quem é hostil para com a sua mãe. É da natureza humana. Tal quadro, que já se evidenciava há algum tempo, teve o seu epílogo nos acontecimentos de 30/12/2017, sendo por demais evidente que, após os mesmos, algo teria que ser alterado, para protecção e bem-estar da criança. Pelo que, reconheça-se, desde já, a decisão apelada afigura-se-nos eivada de total bom senso e acerto ou, de forma mais incisiva, totalmente exigível e necessária. Deste modo, conforme bem se refere no relatório social de 11/12/2017, a reconstrução da relação “precisa de amadurece e evoluir ao ritmo imprimido pelo HF...”, sendo importante que os adultos “tenham a capacidade de respeitar as vontades e as recusas” do menor, bem como a capacidade “para eliminar os aspectos que interferem e condicionam a relação e que se constituem como geradores de tensão, desconforto emocional e ansiedade na criança”. Sendo ainda claro o relatório de 02/01/2018 quando refere não estarem no momento reunidas “todas as condições de segurança e de conforto para que o HF... continue a visitar os avós nos moldes definidos (…)”, pugnando-se pela realização de “perícias médico-legais a todos os intervenientes, que seja facilitador do relacionamento entre as partes, com vista à diminuição do índice de conflituosidade por parte dos avós”. Perícias que já foram determinadas, mas cujos resultados ainda não são conhecidos. Sendo ainda de mencionar, igualmente, o referenciado no relatório social de 22/01/2018, ao reconhecer que “os conflitos existentes e referentes a visitas têm prejudicado a criança na sua estabilidade emocional e psicológica, já abalada pela morte do pai e que por questões que não se relacionam com os cuidados fornecidos ao HF..., não são sanados”. Pelo que, só após o ultrapassar, ainda que eventualmente não na sua completude, do clima hostil e de constante tensão entre principalmente os avós Requerentes e a Requerida progenitora, no mútuo respeito pela posição e promoção do interesse do menor neto e filho, é que os convívios poderão voltar a ser gratificantes e sadios para o menor. Sem estarem inquinados ou maculados pela percepção de um constante, permanente e latente conflito entre a mãe e aqueles ascendentes, que o não obrigue a uma escolha de lealdades, que o não faça sentir-se inseguro, que não atinja a sua livre afectividade e que seja capaz de salvaguardar a sua saúde emocional. Efectivamente, a situação existente e os convívios em execução já não se mostravam salutares, recompensadores e correspondentes ao interesse da criança. A relação afectiva entre o HF... e os avós já não se revelava tranquila e psicologicamente gratificante, antes afectando o menor, causando-lhe necessários prejuízos emocionais que não deviam subsistir. Pelo que, sendo prevalecente o critério do interesse do menor, e condicionando este o direito aos convívios, pois não deve olvidar-se que só existe tutela jurídica quando existe promoção do interesse da criança, o reconhecimento daquele estado, justifica, na plenitude, o juízo de suspensão do regime provisório fixado. Questiona-se: será a solução óptima ou isenta de escolhos ? Responde-se, sem mais, com as palavras do citado Acórdão da RP de 30/05/2018: “neste mundo complexo em que os tribunais são chamados, cada vez mais, a resolver situações que a sociedade, com o bom senso e os saberes adquiridos, devia saber evitar, nada se compõe convenientemente, apenas se remedeia”. Não se discute nem se tem por controversa a importância do HF... manter contactos com os familiares paternos, o que surge com maior premência atenta a perda da figura do progenitor pai. E que tal, ultrapassadas as dificuldades supra expostas, configurar-se-á como um bálsamo para o seu desenvolvimento, enriquecendo-o nos termos já supra descritos. Todavia, reconheça-se, tal dificilmente passará pela manutenção do regime provisório estabelecido, antes se devendo equacionar a sua periodicidade e local dos mesmos. Efectivamente, obrigar o menor (e progenitora) a constantes deslocações semanais a casa dos avós e tio paternos, não se nos afigura como a solução mais condizente com os seus superiores interesses. Para além da longa distância entre ambas as habitações, obrigando a uma viagem semanal de 4 horas (ida e volta), que obriga a um desgaste do próprio menor e custo associado a tais deslocações, este também necessita, logicamente, de permanecer alguns fins-de-semana no meio onde vive, estar eventualmente com os seus amigos (aniversários, espaços comuns de lazer) e vivenciar fins-de-semana junto da sua progenitora, que ambos possam delinear em conjunto, com tempo útil e mútua disponibilidade. Por ora, não estando em equação o conhecimento de tal regime definitivo fixando, mas apenas a decisão de suspensão do regime provisório fixado, pela argumentação que vimos sustentando, esta foi sensata, ajustada e integralmente respeitadora do superior interesse do HF.... Necessariamente a manter até ao conhecimento dos resultados das perícias psicológicas determinadas e avaliação dos demais elementos probatórios juntos aos autos, aferidores do estado emocional do menor. Donde, num juízo de total improcedência da presente apelação, conclui-se pela manutenção, in totum, do despacho recorrido. * Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, ex vi do nº. 1 do artº. 33º do RGPTC, a tributação nos presentes autos de recurso fica a cargo dos Apelantes.*** IV. DECISÃODestarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, na improcedência da presente apelação, em confirmar o despacho apelado/recorrido. Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo os Apelantes/Recorrentes no recurso interposto, deverão ser responsabilizada pelo pagamento das custas devidas. **** Lisboa, 04 de Outubro de 2018Arlindo Crua - Relator António Moreira – 1º Adjunto Magda Geraldes – 2ª Adjunta (em substituição) [1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original. [2] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.° 1017/13.0TBBGC-A.G1, Relatora: Estelita Mendonça, em 15.01.2015, disponível em www.dgsi.pt. [3] Que entrou em vigor em 05/09/1995. [4] A Criança e a Família – uma questão de direito(s), 2ª Edição Coimbra Editora, pág. 225 a 228. [5] Estrela Chaby, Código Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2017, pág. 791. [6] Helena Bolieiro e Paulo Guerra, ob. cit.. [7] Estrela Chaby, ob. cit., pág. 791 e 792. [8] Helena Bolieiro e Paulo Guerra, ob. cit.. [9] Acerca da enunciada possibilidade, defende Estrela Chaby – ob. cit., pág. 792 -, que o previsto no citado artº. 1887º-A, do Cód. Civil, não parece poder estender-se a outros familiares. Pelo que, estando em causa pessoas relevantes para o menor, sejam ou não familiares, “com quem os pais injustificadamente impeçam o filho de conviver, não é de excluir o recurso a outros meios para possibilitar esse convívio, verificados, p. ex., os pressupostos graves de que depende uma intervenção em sede de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo, ou do disposto no ar. 1918º”. [10] Os doutos arestos da RP de 07/01/2013 e de 21/10/2013 – respectivamente, Relatores: Luís Lameiras e Rita Romeira, Processo nº. 762-A/2001.P2, in www.dgsi.pt -, reconhecem aos tios a possibilidade de, com base no artº. 1918º, do Cód. Civil, e com recurso à acção tutelar comum, requererem providências adequadas ao restabelecimento do convívio com o menor sobrinho, de acordo com a vontade deste, e mesmo contra a vontade do progenitor. [11] De 10/04/2018 – Relatora: Adelaide Domingos, Processo nº. 3382/11.5TBVFX-A.L1-1, in www.dgsi.pt . [12] Citando Clara Sotto Mayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, Almedina, 2011, 5.ª ed., p. 199. [13] Citando Jorge Duarte Pinheiro, A relação entre avós e netos, Separata de Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, FDUL, 2010, Coimbra Editora, p. 86. [14] De 03/03/1998, proc. n.º 98A058, in www.dgsi.pt. [15] Relatora: Cristina Neves, Processo nº. 2043/16.3T8SNT.L1-6, in www.dgsi.pt . [16] Relator: Ferreira Pascoal, Processo nº. 7958/2003-1, in www.dgsi.pt . [17] Relatora: Ana Lucinda Cabral, Processo nº. 1441/16.7T8PRD.P1, in www.dgsi.pt . |