Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARILIA DOS REIS LEAL FONTES | ||
Descritores: | EMBARGOS DE EXECUTADO AVAL PRESTAÇÕES FRACIONADAS PRESCRIÇÃO VENCIMENTO ANTECIPADO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/16/2025 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – Não se justifica alterar a matéria de facto da decisão recorrida quando se verifica que o aditamento pretendido pelo Apelante é inóquo e sem repercussão na decisão a proferir, constituindo a prática de um acto inútil e, por conseguinte, proibido por lei, nos termos do disposto no art.º 130 do CPC. II - Só é possível declarar vencidas as prestações de um contrato uma única vez, sendo juridicamente irrelevantes as declarações de vencimento posteriores, sob pena de se atribuir ao credor a faculdade de obstar ao decurso do prazo de prescrição com sucessivas declarações de vencimento da dívida. (Elaborado pela Relatora, cfr. art.º 663º nº 7 do Código de Processo Civil) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam as Juízes na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - Relatório AA e BB (habilitados como sucessores do executado/avalista CC) deduziram embargos de executado, cumulados com oposição à penhora, contra o NOVO BANCO, SA (que intervém em substituição do Banco Espírito Santo, SA, peticionando a extinção da execução. Alegaram, em síntese, o seguinte: - Subjaz à livrança exequenda um empréstimo concedido, em 18/03/2005, pelo BES à ... & ... – Turismo, SA; - O avalista CC faleceu em 11/05/2013; - Foi emprestada a quantia global de 2.096.317,00 €; - O incumprimento remonta a 2006, e o incumprimento definitivo, pelo menos, a 2007; - A quantia exequenda corresponde ao montante em dívida após a dação em pagamento de um imóvel; - O BES exerceu uma garantia de penhor sobre as acções da sociedade mutuária; - Com a dação das acções da sociedade mutuária, a obrigação subjacente à livrança foi integralmente cumprida; - A obrigação subjacente à livrança prescreveu; - Verifica-se igualmente a prescrição cambiária; - A data de vencimento da livrança deveria coincidir com a data do incumprimento definitivo, sendo nula a cláusula que consagra o poder de inscrição da data de vencimento a juízo próprio; - Existe abuso do direito nas seguintes modalidades: venire contra factum proprium, supressio, tu quoque e inominado. Na contestação, o exequente pugnou pela improcedência dos embargos de executado, tendo sido alegado o seguinte: - A livrança exequenda foi entregue pela ... & ... – Turismo, SA para garantia do contrato de mútuo celebrado (em consórcio com o BCP, SA) em 18/03/2005, destinado ao pagamento de diversas dívidas; - Esse contrato insere-se num acordo global de reestruturação de dívida; - No âmbito do contrato de mútuo, foram acordadas garantias pessoais, penhores de acções, promessa de dação de acções em função do cumprimento, com procuração irrevogável com poderes para os bancos efectuarem o negócio; - Em 05/09/2008, quando os contratos já estavam em incumprimento, foi usada a procuração irrevogável; - Depois de estarem na posse das acções, os bancos mutuantes venderam as acções ao avalista DD, nos termos do contrato de 29/09/2008; - Em Abril de 2009, registaram-se novos incumprimentos da sociedade mutuária; - O contrato foi resolvido por carta de 12/03/2014; - O crédito exequendo foi reclamado no PER da sociedade mutuária; - Foi também reclamado e reconhecido no processo de insolvência desta e em processos de insolvência de avalistas; - A venda das acções a DD rendeu ao exequente a quantia de 258.000 €; - O vencimento antecipado, por incumprimento, só foi comunicado por cartas de 05/05/2014, pelo que não se verificam a prescrição cambiária nem a prescrição da obrigação; - Não se verificam as excepções peremptórias invocadas; - Os embargantes litigam com má-fé, por ficcionar uma narrativa, por omitir o acordo global de reestruturação e por não ser crível a alegação de desconhecimento. Os embargantes exerceram o contraditório em relação aos documentos juntos com a contestação e à litigância de má-fé. Em 22/03/2024, o tribunal a quo julgou improcedente a oposição penhora e proferiu despacho saneador, com a fixação do objecto do litígio e dos temas da prova. Nessa mesma data, o tribunal decidiu o seguinte: deu como não escritos os artigos 98.º a 170.º do articulado dos embargantes de 20/11/2023, com a ref. 5513084; deferiu o pedido de rectificação formulado pelo embargado nos artigos 1.º a 3.º do articulado com a ref. 5535502, de 04/12/2023; deu como não escritos os artigos 23.º a 25.º e 32.º a 57.º articulado do embargado com a ref. 5535502, de 04/12/2023. * Realizou-se a audiência final, finda a qual foi proferida sentença que julgou procedente a oposição à execução, mediante embargos de executado, absolveu os embargantes do pedido exequendo e julgou improcedente o pedido de condenação dos embargantes como litigantes de má-fé. * Inconformado com tal decisão, veio o Apelante/Embargado NOVO BANCO, S.A., interpor o presente recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações, as seguintes conclusões: “I- Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. (…), que decidiu julgar «procedente a oposição à execução, mediante embargos de executado, e absolver a embargante do pedido exequendo», porquanto entendeu que «uma vez que entre a data do vencimento antecipado (05/09/2008) e a data da interposição da execução (17/04/2014), decorreram mais de cinco anos, estão prescritos o capital e os juros.» II- Com o que o Exequente não se conforma. III- Na perspectiva do Recorrente, a reapreciação/reponderação da matéria de facto conduzirá a diferente conclusão quanto à procedência dos presentes embargos. IV- Assim, desde logo, para efeitos do disposto no artigo 640º do CPC, o Recorrente não se conforma que não tenham sido dados como provados os seguintes factos, os quais deverão ser aditados aos factos provados sob as alíneas U, V, W, X, Y, Z, AA BB e CC: U- Mediante correio electrónico de 07/12/2012, EE afirmou a FF (DAE/NES Direcção) e GG que, “[n]a sequência da reunião que tivemos, junto envio cópias das Atas do Conselho de Administração, nas quais se estabelece a delegação de poderes por parte do Sr. Eng.º DD e se menciona a reestruturação de empresa. Com base na Ata número 38 iremos enviar aos bancos uma carta, 2ª ou 3ª feira propondo o enquadramento para a reestruturação da divida vencida junto dos bancos e demais aspetos relevantes para a reorganização financeira e económica da empresa. Articularei depois, diretamente com a Sra. Dra. Filomena, a alteração das fichas de assinaturas, sendo que até lá funcionaremos da forma que vem sendo habitual.”; cfr. doc. 1 junto ao requerimento do Exequente de 29/04/2024 e o depoimento da testemunha GG. V- Por carta datada de 21/12/2012 a Mutuária propôs ao Exequente a regularização da dívida exequenda e o restante passivo ao Exequente, bem como às Finanças e à Segurança Social., tendo, para tanto, e entre outros, proposto que o Exequente concedesse um financiamento ao Eng.º DD, destinado à regularização de tal passivo. Quanto ao mútuo exequendo, propôs a seguinte reestruturação: “i. Prazo: 15 anos (referência da data de contratação da reestruturação) ii. Carência e juros: 6 meses iii. Carência e capital: 6 meses iv. Plano prestacional de capital a definir após o período de carência. v. Manutenção as restantes condições contratuais pré-existentes, nomeadamente pricing e garantias”; cfr. doc. 2 junto ao requerimento do Exequente de 29/04/2024, doc. junto ao seu requerimento de 13/05/2024 (versão completa) e o depoimento da testemunha GG. W- Através de correio electrónico de 28/02/2013, GG (do Banco Espírito Santo, S.A., DAE - Departamento de Acompanhamento de Empresas) disse a EE que, “a conta nº ...04 apresenta um saldo devedor de 77,42 € cuja regularização agradecemos que seja feita o mais breve possível. Alertamos também para o facto da conta corrente ...01 ter o plano de reembolso com dois anos de atraso, sendo necessário procederem à regularização da mesma.”; cfr. doc. 3 junto ao requerimento do Exequente de 29/04/2024. X- Por meio de correio electrónico de 07/03/2013, GG (do Banco Espírito Santo, S.A., DAE - Departamento de Acompanhamento de Empresas) disse a EE que “Para já envie-nos por favor cópia certificada da Ata da sociedade, para remetermos ao Serviço que procede ás alterações das assinaturas, caso venha a ser necessário proceder a alguma alteração ao nível de ficha de assinaturas posteriormente enviar-lhe-ei nova Ficha para assinarem. Aproveito também para o questionar relativamente ao estudo sobre o Hotel que está a ser feito pela sociedade gestora de capital de risco Explorer, tem alguma novidade? alguma data para apresentação de uma proposta?”; cfr. doc. 4 junto ao requerimento do Exequente de 29/04/2024 e o depoimento da testemunha GG. Y- Mediante correio electrónico de 07/03/2013 EE afirmou a GG que “[v ]ou providenciar esse envio, ao seu cuidado, para as vossas instalações. Não tenho nenhuma novidade em relação a este assunto face ao que vos comuniquei aquando da minha última conversa com a Sra. Dra. e o Dr. FF. Em reunião que tive no BCP na semana passada com a nova equipa de acompanhamento, a qual informei da comunicação do Dr. FF de passagem do dossier para a «recuperação de crédito foi-me dito que por norma o Fundo contatará primeiro com os bancos. Reafirmo que apenas tive uma reunião, a primeira e única no BCP na qual a Sra. Dra. também esteve presente e tenho enviado toda a documentação e informação que me tem sido pedida, não tendo nenhuma informação pendente. Aproveito para a informar da continuidade dos contatos, com estruturas de comercialização de Time Share, as quais me parecem bem encaminhadas e com razoável probabilidade de sucesso. Sobre este assunto conto ter algo de mais concreto para informar dentro de cerca de 15 dias após algumas visitas que serão feitas à unidade.”; cfr. doc. 5 junto ao requerimento do Exequente de 29/04/2024 e o depoimento da testemunha GG. Z- O contrato de mútuo sub judice passou para a gestão da recuperação de crédito, com data-valor de 12/05/2014; cfr. doc. 9 junto à contestação. AA - E mediante cartas datadas de 05/05/2014, o então BES comunicou à subscritora e seus avalistas, o “vencimento antecipado (…) do contrato”; cfr. doc. 34 junto à contestação. BB- Mantendo-se o incumprimento, por via de cartas datadas de 19/05/2014, o então BES informou a subscritora e seus avalistas, que “o contrato (…) encontra-se já em fase de Contencioso” e que “foi o mesmo denunciado” e assim, “foi efectuado o preenchimento da livrança de caução”, pelo “montante de €1.565.007,42”, respeitante às seguintes parcelas: “Capital……………………………………….1.544.457,81 EUR Juros + IS devidos desde 18/02/2014, à taxa de 3,974%.........20.586,03 EUR Juros + IS amortizados no período …….........…(-) 18,42 EUR (…) A pagar até “13/06/2014.”; cfr. doc. 35 junto à contestação. CC- Incumprimento que sempre foi consensual, estando vertido no pedido de apresentação da mutuária a processo especial de revitalização e no plano proposto, entretanto findo, atendendo à não homologação do plano. E, depois, já em sede de insolvência daquela, o relatório a que alude do art.º 155.º do CIRE; cfr. docs. 5, 6 e 7 juntos ao requerimento do Exequente de 29/04/2024. V- Mais não se conformando com a subsunção dos factos às normas jurídicas aplicáveis ao caso sub judice; discordando, por consequência, da decisão de mérito. VI- Ora, o vencimento da dívida reportado a 05/09/2008 (cfr. facto H dos factos provados) veio permitir a venda das referidas acções, com a consequente ulterior e efectiva retoma o empréstimo. Na verdade, optou-se por não preencher a livrança, permitindo-se à mutuária, ao invés, que fosse amortizando o empréstimo, o qual regressou à estrutura comercial o Exequente, mantendo aquela a sua atividade, designadamente o Hotel. Sumariamente tal acordo permitiu: - que ficasse sem efeito o vencimento antecipado e fosse retomado o contrato; - que a mutuária ficasse com o Hotel; - que ocorresse a amortização parcial da dívida, através do produto da venda das acções. VII- Consequentemente, o contrato exequendo foi, na verdade, parcialmente amortizado, retomando à sua normalidade. VIII- O que era viável, dado que o seu prazo de vigência – 15 anos - ainda não havia acabado. IX- E, de resto, assim sucede inúmeras vezes nas ações executivas do Exequente; com efeito, no processo executivo, pese embora o accionamento judicial da dívida, acorda-se com regularidade acentuada a regularização/pagamento do atrasado, com a consequente remota do empréstimo e o seu regresso à estrutura comercial e, só havendo novo incumprimento, é que se impulsiona os autos. X- Posteriormente, o contrato foi sofrendo novos incumprimentos, que foram sendo pagos, pese embora com atraso; cfr. o depoimento da testemunha GG. XI- Aliás, a reestruturação/negociação de 2012 mostrou-se, identicamente viável, desde logo por ainda se encontrar em curso o prazo do contrato de mútuo; revisite-se que o mesmo foi celebrado pelo prazo de 15 anos; cfr. o doc. 3 do Requerimento Executivo, Cláusula 2.ª das Condições Particulares e o facto C dos factos provados. XII- Portanto, o vencimento antecipado a que alude o facto H dos factos provados foi tacitamente revogado, tanto mais que de outra forma, sequer tinha havido ulteriores pagamentos parciais, com a consequente retoma do contrato, e a mutuária sequer tinha conseguido prosseguir a sua actividade. XIII- Os factos demostram e comprovam que, o contrato voltou à estrutura comercial, permitindo à mutuária continuar com a sua actividade, designadamente conservando em tal instante o Hotel, que de outra firma teria de entregar. XIV- Até que, a 12/05/2014 o contrato passou para a gestão da recuperação de crédito, com data-valor de 12/05/2014; cfr. doc. 9 junto à contestação. XV- E mediante cartas datadas de 05/05/2014, o então BES comunicou à subscritora e seus avalistas, o “vencimento antecipado (…) do contrato”; cfr. doc. 34 junto à contestação XVI- Donde, e numa primeira síntese, está documentalmente demonstrado e justificado nos autos que, primeiro, a reestruturação da dívida ocorrida em 2008, possibilitou que, 1) ficasse sem efeito o vencimento antecipado, 2) a mutuária ficasse com o Hotel e 3) ocorresse a amortização parcial da dívida, através do produto da venda das acções, com a retoma do contrato na estrutura comercial. E depois, já em 2012 ocorreu nova reestruturação/negociação que permitiu o pagamento de prestações vencidas e não pagas, tendo, mais tarde, a 12/05/2014, então, o contrato passado para a gestão da recuperação de crédito, com o consequente vencimento antecipado a 05/05/2014, o que motivou que o incumprimento definitivo ocorresse apenas a 18/02/2014 - tudo viável desde logo, em face o período de vigência do contrato (15 anos, a contar de 18/03/2005). XVII- Aliás, tanto assim é que tal data vem reflectida nos articulados reivindicativos da dívida apresentados em outras tantas e múltiplas instâncias judiciais, sem qualquer objecção dos interessados; vide particularmente o art.º 17.º do doc. 10 junto à contestação do Embargado onde se afirma que a última prestação paga do presente contrato foi a vencida a “17/02/2014” - o que, de resto, está em consonância com a carta de comunicação do preenchimento da livrança, onde se afirma serem devidos juros desde “18/02/2024”; cfr. doc. 35 também junto à contestação. XVIII- Não se compreende, portanto, a razão pela qual o tribunal “a quo” elegeu desconsiderar a factualidade documentalmente demonstrada, inclusivamente todo o iter negocial, o qual acarretou um enorme esforço financeiro por parte do Embargado, nomeadamente pela constituição de provisões de avultado valor - a exposta negociação permitiu, aliás, viabilizar a continuação do hotel e da própria mutuária, a qual, de resto, tinha igualmente, revisite-se, um elevado passivo à Segurança Social, Autoridade Tributária e fornecedores XIX- O tribunal “a quo” desconceitua a negociação que permitiu à subscritora e seus avalistas, por um lado, amortizar substancial dívida, e por outro, capacitar a liquidar o remanescente em reestruturação. XX- Conduta desacreditante que, inusitadamente, replica na exegese à prova testemunhal. A testemunha GG prestou o seu depoimento na audiência de julgamento de 14/05/2024. O seu depoimento ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal “a quo”, tendo sido consignado que o seu início ocorreu pelas 14:41:10 horas e o seu termo pelas 15:29:15horas. Trata-se de bancária em actividade no Exequente há 24 anos, com intervenção directa nos factos, acompanhando-os desde inícios de 2008, a qual esclareceu o contrato (designadamente o prazo de vigência: 15 anos), as negociações, com pagamento parciais, e as datas de incumprimento e vencimento antecipado, justificando-as. XXI- Resulta, pois, demonstrado que, o mútuo quando surge em 2008, surge também para responder a dívidas; em 2012 é feita uma proposta de reestruturação, em que DD efectuou suprimentos, como contrapartida da saída de HH, por entender ser um elemento desestabilizador na gestão da empresa, mantendo-se o contrato inicial; a empresa continuou em actividade, até 2015, quando foi declarada insolvente, tendo efectuado pagamentos por conta do mútuo, ainda que com atrasos. Acontece, porém, que DD, que tomou as rédeas da empresa a partir de 2008 vem a falecer em 2013, e tudo viria a desmoronar-se. XXII- Donde, e concluindo, cumpre dar, pois, como provada a ante indicada factualidade, sob os factos U, V, W, X, Y, Z, AA, BB e CC. XXIII- A presente factualidade é incompatível com o direito aplicado pelo tribunal “a quo”. XXIV- Com efeito, considerando a data da interposição da execução (17/04/2014), concluiu-se que inexiste prescrição da obrigação (capital e juros de mora) subjacente à livrança. XXV- Pelo que, deve proceder o presente recurso, sendo alterada a decisão sobre a matéria de facto, dando-se como provada a factualidade supra consignada, passando a constar dos factos provados sob U, V, W, X, Y, Z, AA, BB e CC e decretando-se, nessa conformidade, a procedência da totalidade do pedido exequendo. XXVI- Assim, nestes termos e nos demais de direito, devem os Embargantes, na qualidade que ocupam, ser condenados a pagar ao Exequente a totalidade do pedido exequendo, liquidado no requerimento executivo, bem como as custas processuais.” Conclui, pugnando pela procedência do recurso, com a consequente alteração da decisão da matéria de facto. * Os Apelados/Embargantes apresentaram contra-alegações, concluindo que: “- A PRESENTE EXECUÇÃO TEM COMO TÍTULO UM AVAL, PRESTADO POR CC, PAI DOS RECORRIDOS (FALECIDO EM MAIO DE 2013), À RECORRENTE PARA GARANTIA DO CUMPRIMENTO DE UM CONTRATO DE MÚTUO CELEBRADO ENTRE A SOCIEDADE ... & ... – TURISMO, S.A. (DORAVANTE, CSC) COM O BES E O BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS A 18.03.2005 – CF. FACTO PROVADO C. A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA JULGOU PROCEDENTE OS EMBARGOS DOS RECORRIDOS POIS, “UMA VEZ QUE ENTRE A DATA DO VENCIMENTO ANTECIPADO (05/09/2008) E A DATA DE INTERPOSIÇÃO DA EXECUÇÃO (17/04/2014) DECORRERAM MAIS DE CINCO ANOS, ESTÃO PRESCRITOS O CAPITAL E OS JUROS” – cf. Sentença recorrida. DO FACTO PROVADO H), QUE O RECORRENTE NÃO ATACA, RESULTA QUE A DECLARAÇÃO DE VENCIMENTO DA TOTALIDADE DA DÍVIDA DO CONTRATO DE MÚTUO QUE SUBJAZ À LIVRANÇA DADA À EXECUÇÃO OCORREU EM 05/09/2008. PRETENDE ESSENCIALMENTE A RECORRENTE QUE SEJA DADO COMO PROVADO UM CONJUNTO DE FACTOS, RELATIVOS A COMUNICAÇÕES ALEGADAMENTE HAVIDAS ENTRE RECORRENTE E SOCIEDADE MUTUÁRIA, NA PESSOA DOS SEUS ENTÃO ADMINISTRADORES, QUE, NO SEU ENTENDER, PROVAM QUE, PESE EMBORA O INCUMPRIMENTO DEFINITIVO QUE O PRÓPRIO BANCO DECLAROU (E DO QUAL RETIROU UMA MIRÍADE DE EFEITOS JURÍDICOS), ESSE INCUMPRIMENTO FOI AFINAL “TACITAMENTE REVOGADO” POR FORÇA DESSAS COMUNICAÇÕES – ARTIGO 26 DO RECURSO. ORA, EM PRIMEIRO LUGAR, NÃO SE CONCEBE O QUE SEJA UMA REVOGAÇÃO TÁCITA DO INCUMPRIMENTO DEFINITIVO DE UM CONTRATO MAS, MESMO QUE TAL ARGUMENTAÇÃO PROCEDESSE, JAMAIS PODERIA O BANCO OPOR AO AVALISTA, TERCEIRO GARANTE, OS TERMOS DE UM ACORDO EM QUE ESTE NÃO INTERVEIO, SENDO CERTO QUE O BANCO NÃO IMPUTA A ESTE AVALISTA, E MUITO MENOS O PROVA, QUALQUER CONHECIMENTO OU INTERVENÇÃO NAS NEGOCIAÇÕES QUE ALEGA TER TIDO COM A SOCIEDADE MUTUÁRIA APÓS O VENCIMENTO DA TOTALIDADE DA DÍVIDA. O AVALISTA OBRIGOU-SE CONCRETAMENTE À GARANTIA DAS RESPONSABILIDADES EMERGENTES DO CONTRATO DE MÚTUO CELEBRADO A 18.03.2005 – FACTO PROVADO F). COMO SE DISSE, FOI DECLARADO O INCUMPRIMENTO DEFINITIVO DESTE CONTRATO DE MÚTUO, BEM COMO O VENCIMENTO DA TOTALIDADE DA DÍVIDA, NO ANO DE 2008 (FACTO PROVADO H)). ASSIM, É ABSOLUTAMENTE IRRELEVANTE QUE A RECORRENTE TENHA ALEGADAMENTE RENEGOCIADO A DÍVIDA VENCIDA COM A SOCIEDADE SUBSCRITORA DA LIVRANÇA, POIS O AVALISTA É EM TUDO ALHEIO A TAIS RENEGOCIAÇÕES E NÃO SE OBRIGOU A GARANTIR AS OBRIGAÇÕES DELAS EMERGENTES – QUER SE PRETENDA ENQUADRAR AS MESMAS COMO CELEBRAÇÃO DE NOVO CONTRATO OU QUALQUER OUTRA FIGURA JURÍDICA. ESTES FACTOS SÃO AINDA ABSOLUTAMENTE IRRELEVANTES PARA EFEITOS DE EVENTUAL INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO POIS “POR FORÇA DO DISPOSTO NO ARTIGO 71.º DA LEI UNIFORME SOBRE LETRAS E DA PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO CAMBIÁRIA CONTRA O SUBSCRITOR DE UMA LIVRANÇA NÃO PRODUZ EFEITO EM RELAÇÃO AO RESPECTIVO AVALISTA.” - AC. DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DE 28/03/1995. ASSIM, APONTA-SE PARA O FACTO DE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA EXPLICAR DE FORMA ABSOLUTAMENTE CRISTALINA A IMPOSSIBILIDADE LÓGICA E JURÍDICA DAS PRETENSÕES QUE VÊM NOVAMENTE FORMULADAS NESTE RECURSO POIS, MESMO QUE EXISTISSE UM NOVO CONTRATO ENTRE O BANCO E A SOCIEDADE SUBSCRITORA, O QUE NÃO FOI PROVADO, TAL FACTO “NÃO SERIA OPONÍVEL AO AVALISTA CC, A MENOS QUE TIVESSE ACEITADO RENOVAR A GARANTIA, DADO TER-SE OBRIGADO SOMENTE NOS TERMOS DO PACTO DE PREENCHIMENTO, OU SEJA, DO CONTRATO SUBJACENTE À LIVRANÇA”, POIS “SÃO IGUALMENTE IRRELEVANTES PEDIDOS DE REESTRUTURAÇÃO FORMULADOS PELA MUTUÁRIA, DADO QUE TAL MATÉRIA EXTRAVASA TOTALMENTE O ÂMBITO DO AVAL: O AVALISTA CC OBRIGOU-SE NOS TERMOS PREVISTOS NO ESCRITO PARTICULAR REFERIDO NO FACTO PROVADO C, PELO QUE NÃO LHE SÃO OPONÍVEIS NEGOCIAÇÕES ENTRE MUTUANTE E MUTUÁRIA POSTERIORES À DECLARAÇÃO DE VENCIMENTO DE TODAS AS PRESTAÇÕES”. MAIS, ACOLHER-SE A MODIFICAÇÃO FACTUAL COMO PETICIONA A RECORRENTE CONDUZIRIA A UMA DECISÃO NULA, POR CONTRADIÇÃO ATACA. ASSIM, SALVO O DEVIDO RESPEITO POR OPINIÃO DIVERSA, O RECURSO É ABSOLUTAMENTE DESPROVIDO DE FUNDAMENTO JURÍDICO E DEVE SER INDEFERIDO, MANTENDO-SE A DECISÃO RECORRIDA CUJO ACERTO TÉCNICO E BRIO HUMILDEMENTE SE SAÚDA.” Conclui, pugnando pela improcedência do recurso. * Recebidos os autos neste Tribunal, foram colhidos os vistos. * Objeto do recurso Admitido o recurso, e remetido o mesmo a este Tribunal, nada obstando ao conhecimento do seu mérito. * Questões a decidir São as conclusões formuladas pelo recorrente que delimitam o objeto do recurso, no tocante ao desiderato almejado por aquele, bem como no que concerne às questões de facto e de Direito suscitadas, conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art.º 5º n.º 3 do CPC)1. Por outro lado, não pode o Tribunal de recurso, conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas2. No caso em análise, interessa apurar se deve proceder a impugnação da matéria de facto, com eventual alteração da decisão de direito, em caso de procedência, nos moldes requeridos pelo Apelante. *** II – FUNDAMENTOS Fundamentos de facto É este o teor da decisão recorrida nesta sede: “A. Como título executivo, foi dada uma livrança com o valor de «1 565 007,42 €», subscrita pela «... & ... Turismo, SA» e assinada no verso, entre outros, por CC, na qualidade de avalista da subscritora. B. Da livrança constam os dizeres «Lisboa», «05.03.18» e «2014.06.13», nos campos destinados ao «local», «data de emissão» e «data de vencimento». C. A livrança foi entregue em branco ao BES, para garantia do cumprimento das obrigações do escrito particular ao qual foi atribuída a designação de «MÚTUO», datado de 18/03/2005, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual intervieram Banco Comercial Português, SA, o BES, a sociedade ... & ... – Turismo, SA (na qualidade de mutuária) e, ainda, na qualidade de avalistas/garantes, HH, II, JJ, DD, KK, CC e a sociedade HOTELMAR – Indústria Hoteleira, Ld.ª (representada por HH e II). D. A cláusula 1.ª n.ºs 1 e 2 tem a seguinte redacção: «Os BANCOS concedem à MUTUÁRIA, a seu pedido, um empréstimo de €5.401.871,00 […], do seguinte modo: […] b) o BES financia o montante de € 2.096.317,00 […]. 2. A MUTUÁRIA aceita o presente financiamento e confessa-se devedora aos BANCOS pelos referidos montantes.» E. A cláusula 7.ª deste escrito particular refere: «[sic] 1. Há carência de capital durante os primeiros 12 meses; 2. No termo do contrato, haverá um reembolso “bullet”, a cada Banco, de 35 % do valor do financiamento, sendo: […] b) € 733.710,95 ao BES. 3. As restantes 167 reembolsos serão mensais, iguais, sucessivos e postecipados a cada banco, sendo de […] € 8.159,32 ao BES. 4. Os juros e encargos serão cobrados mensalmente, por cada Banco, sobre o capital em dívida.» F. Da cláusula 10.ª, fluem os seguintes dizeres: «Em garantia do bom e pontual pagamento do presente financiamento, respectivos juros compensatórios, moratórios e demais encargos: a) A MUTUÁRIA entrega a cada BANCO […] uma livrança de caução por si subscrita e avalizada pelos GARANTES, ficando os BANCOS por este instrumento expressa e irrevogavelmente autorizados a, em caso de não cumprimento de quaisquer responsabilidades emergentes da presente operação, preencherem livremente as ditas livranças, através de qualquer um dos seus funcionários, designadamente no que se refere às datas de emissão e do vencimento, ao local de pagamento e responsabilidades assumidas pela MUTUÁRIA, perante cada BANCO, incluindo capital e juros, qualquer que seja a sua natureza, impostos, comissões e outros encargos que sejam devidos, podendo os BANCOS descontar essas livranças e utilizar o produto do desconto para titulação do seu crédito; b) Os GARANTES constituem, a favor dos Bancos, na respectiva proporção, penhora da totalidade das acções representativas da totalidade do capital social da MUTUÁRIA; e c) Celebram contrato-promessa de dacção em cumprimento da totalidade das acções atrás referidas, na respectiva proporção, com procurações irrevogáveis.» G. A cláusula 12.ª n.º 1 prevê: «Para além dos demais casos previstos na Lei, o não cumprimento pela MUTUÁRIA de qualquer das obrigações emergentes do presente financiamento, nomeadamente o não pagamento pontual do capital ou dos juros, dará a cada BANCO o direito de o resolver, independentemente de interpelação, com a consequente exigibilidade do pagamento do montante global que ficar em dívida, incluindo juros contratuais e de mora e demais encargos devidos, sem prejuízos da reparação de outras responsabilidades a que haja lugar, executando quaisquer ou todas as garantias obtidas.» H. Não foi paga a prestação vencida em 18 de Junho de 2006, nem as posteriores, pelo que o BES declarou vencidas todas as prestações do empréstimo em 05/09/2008. I. No escrito particular ao qual foi dada a designação de «CONTRATO DE DAÇÃO EM FUNÇÃO DO CUMPRIMENTO», datado de 05/09/2008, no qual intervieram o Banco Comercial Português, SA, o Banco Espírito Santo, SA (designadas como PRIMEIRAS CONTRATANTES) e HH (SEGUNDO CONTRATANTE), ficou consignado, no considerando A), o seguinte: «Em 18/05/2005, no âmbito da reestruturação financeira das empresas do Grupo ..., foi celebrado um contrato de mútuo entre […] as PRIMEIRAS CONTRATANTES e […] a […] “... & ... – Turismo, S. A.”, doravante designada por CSCT […], nos termos do qual os referidos bancos concederam a esta sociedade um empréstimo no montante global de 5.401.871,00 €; J. Do considerando B) deste escrito particular resulta: «O BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S. A. financiou o montante de 3.305.554,00 € e o BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. o montante de 2.096.317,00 €. K. Do considerando C), flui: «Nessa data (18.03.2005), e para garantia do bom e pontual cumprimento do empréstimo supra mencionado, o SEGUNDO CONTRATANTE, na qualidade de accionista da sociedade CSCT, celebrou com as PRIMEIRAS CONTRATANTES um contrato promessa de dação da totalidade das acções que detém nessa sociedade, bem como um contrato de penhor sobre essas mesmas acções. L. O considerando F) prevê ainda: «A CSCT não pagou a prestação do supra mencionado empréstimo, que se venceu em 18 de Junho de 2006, nem as que posteriormente se venceram, pelo que, tal facto gerou o incumprimento definitivo do contrato de mútuo em apreço e o consequente vencimento total do empréstimo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 781.º do Código Civil e da cláusula 12.ª do identificado contrato de mútuo. M. O considerando G) apresenta a seguinte redacção: «Na presente data e no âmbito do contrato de mútuo melhor identificado nos considerandos anteriores, as PRIMEIRAS CONTRATANTES são credoras da CSCT, pelos montantes que a seguir se discriminam com referência ao capital e respectivos juros: […] b) BES,SA: capital: 2.005.909,13 €; juros vencidos [sic] 729158,36€ - total 2.078.824,49€. N. A cláusula 1.ª deste escrito particular refere: «Pelo presente contrato, o SEGUNDO CONTRATANTE dá às PRIMEIRAS CONTRATANTES […], para pagamento das responsabilidades melhor identificadas no considerando G), as 1.578.026 acções que detém na sociedade “... & ... – Turismo, S. A.”, na proporção do respectivo financiamento, para que estas procedam à sua venda, e com o produto da venda, em nome do SEGUNDO CONTRATANTE, liquidem, total ou parcialmente, tais responsabilidades.» O. A cláusula 2.ª deste escrito particular apresenta a seguinte redacção: «Nesta data, o SEGUNDO CONTRATANTE […] emite ordem de transferência dos títulos representativos das Acções melhor identificadas no Considerando E) e na cláusula antecedente, de que é titular no capital social da CSCT, para as contas de títulos que as PRIMEIRAS CONTRATANTES vierem a indicar, bem como autoriza estas a registarem a transmissão das mesmas com referência à presente data, na respectiva proporção […].» P. A cláusula 3.ª dispõe: «As PRIMEIRAS CONTRATANTES aceitam a presente dação em função do cumprimento (“pro solvendo”), pelo preço que resultar da venda dessas acções e a que as PRIMEIRAS CONTRATANTES atribuem, desde logo, o valor total de 650.000,00€ […], sem prejuízo do disposto na cláusula seguinte, extinguindo a dívida melhor identificada no considerando G) na respectiva medida.» Q. Por escrito particular ao qual foi dada a denominação de «CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE ACÇÕES E REFORÇO DE GARANTIAS DE CUMPRIMENTO DE AVAL», DATADO DE 29/09/2008, e que aqui se dá por reproduzido, o BCP, SA e o BES, SA declararam vender a DD 1.578.026 acções, representativas de 36,98 % do capital da ... & ... – Turismo, SA, pelo preço de 650.000 € (392.000 € para o BCP e 258.000 € para o BES). R. A acção executiva, que corre termos sob a forma sumária, deu entrada em juízo em 17/04/2014. S. CC faleceu em 11/05/2013. T. Por sentença de 04/01/2022, transitada em julgado, foram habilitados os sucessores de CC: LL, AA, BB e MM. * Factos Não Provados (com relevo para a decisão) Não se provaram outros factos relevantes, designadamente os seguintes: 1. A obrigação subjacente à livrança exequenda foi integralmente cumprida através da aquisição, pelo BES, de um imóvel e de acções da sociedade mutuária, no âmbito de dações. 2. Atento o lapso de tempo decorrido desde o incumprimento do contrato subjacente à livrança, o avalista CC ficou convencido de que o direito de crédito já não seria exercido. * A restante matéria alegada pelas partes é de direito, conclusiva ou simplesmente irrelevante para a decisão, como se explanará na fundamentação de direito.” * Impugnação da matéria de facto De acordo com o nº 5 do art.º 607º do CPC – “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.” O STJ, em Acórdão proferido em 11.07.2007, decidiu que: “O princípio da livre apreciação da prova é um princípio atinente à prova, que determina que esta é apreciada, não de acordo com regras legais pré-estabelecidas, mas sim segundo as regras da experiência comum e de acordo com a livre convicção do juiz, uma livre convicção que não pode ser arbitrária ou subjectiva e, por isso, deve ser motivada. A motivação da convicção apresenta-se, pois, como o meio de controlo da decisão de facto, em ordem a garantir a objectividade e a genuidade da convicção formada pelo tribunal”3. Pretende o Apelante que sejam aditados aos factos provados, os seguintes: “U- Mediante correio electrónico de 07/12/2012, EE afirmou a FF (DAE/NES Direcção) e GG que, “[n]a sequência da reunião que tivemos, junto envio cópias das Atas do Conselho de Administração, nas quais se estabelece a delegação de poderes por parte do Sr. Engº DD e se menciona a reestruturação de empresa. Com base na Ata número 38 iremos enviar aos bancos uma carta, 2ª ou 3ª feira propondo o enquadramento para a reestruturação da divida vencida junto dos bancos e demais aspetos relevantes para a reorganização financeira e económica da empresa. Articularei depois, diretamente com a Sra. Dra. Filomena, a alteração das fichas de assinaturas, sendo que até lá funcionaremos da forma que vem sendo habitual.”; cfr. doc. 1 junto ao requerimento do Exequente de 29/04/2024 e o depoimento da testemunha GG. V- Por carta datada de 21/12/2012 a Mutuária propôs ao Exequente a regularização da dívida exequenda e o restante passivo ao Exequente, bem como às Finanças e à Segurança Social., tendo, para tanto, e entre outros, proposto que o Exequente concedesse um financiamento ao Eng DD, destinado à regularização de tal passivo. Quanto ao mútuo exequendo, propôs a seguinte reestruturação: “i. Prazo: 15 anos (referência da data de contratação da reestruturação) ii. Carência e juros: 6 meses iii. Carência e capital: 6 meses iv. Plano prestacional de capital a definir após o período de carência. v. Manutenção as restantes condições contratuais pré-existentes, nomeadamente pricing e garantias”; cfr. doc. 2 junto ao requerimento do Exequente de 29/04/2024, doc. junto ao seu requerimento de 13/05/2024 (versão completa) e o depoimento da testemunha GG. W- Através de correio electrónico de 28/02/2013, GG (do Banco Espírito Santo, S.A., DAE - Departamento de Acompanhamento de Empresas) disse a EE que, “a conta nº ...04 apresenta um saldo devedor de 77,42 € cuja regularização agradecemos que seja feita o mais breve possível. Alertamos também para o facto da conta corrente ...01 ter o plano de reembolso com dois anos de atraso, sendo necessário procederem à regularização da mesma.”; cfr. doc. 3 junto ao requerimento do Exequente de 29/04/2024. X- Por meio de correio electrónico de 07/03/2013, GG (do Banco Espírito Santo, S.A., DAE - Departamento de Acompanhamento de Empresas) disse a EE que “Para já envie-nos por favor cópia certificada da Ata da sociedade, para remetermos ao Serviço que procede ás alterações das assinaturas, caso venha a ser necessário proceder a alguma alteração ao nível de ficha de assinaturas posteriormente enviar-lhe-ei nova Ficha para assinarem. Aproveito também para o questionar relativamente ao estudo sobre o Hotel que está a ser feito pela sociedade gestora de capital de risco Explorer, tem alguma novidade? alguma data para apresentação de uma proposta?”; cfr. doc. 4 junto ao requerimento do Exequente de 29/04/2024 e o depoimento da testemunha GG. Y- Mediante correio electrónico de 07/03/2013 EE afirmou a GG que “[v]ou providenciar esse envio, ao seu cuidado, para as vossas instalações. Não tenho nenhuma novidade em relação a este assunto face ao que vos comuniquei aquando da minha última conversa com a Sra. Dra. e o Dr. FF. Em reunião que tive no BCP na semana passada com a nova equipa de acompanhamento, a qual informei da comunicação do Dr. FF de passagem do dossier para a «recuperação de crédito foi-me dito que por norma o Fundo contatará primeiro com os bancos. Reafirmo que apenas tive uma reunião, a primeira e única no BCP na qual a Sra. Dra. também esteve presente e tenho enviado toda a documentação e informação que me tem sido pedida, não tendo nenhuma informação pendente. Aproveito para a informar da continuidade dos contatos, com estruturas de comercialização de Time Share, as quais me parecem bem encaminhadas e com razoável probabilidade de sucesso. Sobre este assunto conto ter algo de mais concreto para informar dentro de cerca de 15 dias após algumas visitas que serão feitas à unidade.”; cfr. doc. 5 junto ao requerimento do Exequente de 29/04/2024 e o depoimento da testemunha GG. Z- O contrato de mútuo sub judice passou para a gestão da recuperação de crédito, com data-valor de 12/05/2014; cfr. doc. 9 junto à contestação. AA - E mediante cartas datadas de 05/05/2014, o então BES comunicou à subscritora e seus avalistas, o “vencimento antecipado (…) do contrato”; cfr. doc. 34 junto à contestação. BB- Mantendo-se o incumprimento, por via de cartas datadas de 19/05/2014, o então BES informou a subscritora e seus avalistas, que “o contrato (…) encontra-se já em fase de Contencioso” e que “foi o mesmo denunciado” e assim, “foi efectuado o preenchimento da livrança de caução”, pelo “montante de €1.565.007,42”, respeitante às seguintes parcelas: “Capital……………………………………………………………………………….…1.544.457,81 EUR Juros + IS devidos desde 18/02/2014, à taxa de 3,974%.........................................20.586,03 EUR Juros + IS amortizados no período ……………………………….…………………(-) 18,42 EUR (…) A pagar até “13/06/2014.”; cfr. doc. 35 junto à contestação. CC- Incumprimento que sempre foi consensual, estando vertido no pedido de apresentação da mutuária a processo especial de revitalização e no plano proposto, entretanto findo, atendendo à não homologação do plano. E, depois, já em sede de insolvência daquela, o relatório a que alude do art.º 155.º do CIRE; cfr. docs. 5, 6 e 7 juntos ao requerimento do Exequente de 29/04/2024.” Estão em causa comunicações, alegadamente havidas com a sociedade mutuária, na pessoa dos administradores, à época. Pese embora o suporte documental indicado pelo Apelante e o depoimento da testemunha GG, que, afirmou não ter participado directamente, nesta alegada fase posterior das negociações, o teor da documentação em causa foi impugnada pelos Apelados e, ainda que houvesse a possibilidade de afirmar que as comunicações em causa, ocorreram, não é possível extrair das mesmas as consequências pretendidas pelo Apelante. Efectivamente, o que o Recorrente pretende ver demonstrado é que o incumprimento definitivo e o vencimento da totalidade da dívida do contrato de mútuo em análise nos presentes autos, apenas ocorreu em 05.05.2014. Porém, resulta da matéria de facto assente na al. H) dos factos provados que: “H. Não foi paga a prestação vencida em 18 de junho de 2006, nem as posteriores, pelo que o BES declarou vencidas todas as prestações do empréstimo em 05/09/2008.” Este facto não foi objecto de impugnação por parte do Apelante, e mostra-se contraditório com a factualidade (considerações e conclusões) que agora se pretendem ver aditadas. O deferimento de tal pretensão levaria à produção de uma decisão inquinada com a nulidade a que alude o art.º 615, nº 1, al. c) do CPC. Essa contradição é adiantada na sentença sob recurso, na parte em que o julgador afirma que: “Não foi alegado na contestação que, depois do vencimento antecipado, tenha sido celebrado novo contrato ou tenha sido acordado repristinar o plano inicial das prestações. Sob pena de contradição insanável, tais factos nem sequer poderiam ter sido alegados, porque o exequente defende que só declarou vencidas todas as prestações do contrato em 2014. Só é possível declarar vencidas as prestações de um contrato uma única vez, sendo juridicamente irrelevantes as declarações de vendimento posteriores a 05/09/2008, sob pena de se atribuir ao credor a facultar de obstar ao decurso do prazo de prescrição com sucessivas declarações de vencimento da dívida.” Fundamentando a inserção de tal facto do seguinte modo: “quanto ao facto H, a decisão do tribunal deve-se essencialmente ao teor inequívoco da declaração aposta no escrito particular ao qual foi dada a designação “CONTRATO DE DAÇÃO EM FUNÇÃO DO CUMPRIMENTO” (…) É cristalino o teor do considerando F) deste escrito particular (...). Esta declaração é tão clara que nela foi inclusive inserto o artigo 781.º do CC e as expressões “incumprimento definitivo” e “consequente vencimento total do empréstimo” (Que mais poderia ter sido escrito para se concluir pelo vencimento antecipado?)”. Ora, provada que está a declaração de incumprimento definitivo e vencimento antecipado da totalidade da dívida, a única conclusão juridicamente legítima, como concluem os Apelados, é exactamente a explicada na sentença recorrida: “(…) É totalmente irrelevante que o exequente tenha ou não expedido, em 2014, cartas a declarar resolvido o contrato ou a declarar vencidas todas as prestações, porque o vencimento antecipado só ocorre uma vez. Acresce não constar dos autos nenhum documento demonstrativo de que aquelas declarações enfermaram de lapso ou erro, de que tenha sido celebrado novo contrato com a manutenção das garantias ou que as partes tenham alterado o conteúdo daquela declaração”. Para que a factualidade que se pretende aditar tivesse qualquer relevância jurídica nos presentes autos, sempre teria o Banco Apelante que ter alegado e provado, factos concretos, que suportassem uma modificação contratual ou celebração de novo contrato, mas sempre com o assentimento e vinculação dos garantes avalistas, que apenas se obrigaram ao contrato de mútuo que subjaz a livrança, o que não ocorreu. Pelo que, se conclui que o aditamento pretendido pelo Apelante é inóquo e sem repercussão na decisão a proferir, constituindo a prática de um acto inútil e, por conseguinte, proibido por lei, nos termos do disposto no art.º 130 do CPC. Pelo exposto, improcede o presente recurso no que concerne à impugnação da matéria de facto. * Mostra-se estabilizada a matéria de facto da decisão recorrida do seguinte modo: A. Como título executivo, foi dada uma livrança com o valor de «1 565 007,42 €», subscrita pela «... & ... Turismo, SA» e assinada no verso, entre outros, por CC, na qualidade de avalista da subscritora. B. Da livrança constam os dizeres «Lisboa», «05.03.18» e «2014.06.13», nos campos destinados ao «local», «data de emissão» e «data de vencimento». C. A livrança foi entregue em branco ao BES, para garantia do cumprimento das obrigações do escrito particular ao qual foi atribuída a designação de «MÚTUO», datado de 18/03/2005, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual intervieram Banco Comercial Português, SA, o BES, a sociedade ... & ... – Turismo, SA (na qualidade de mutuária) e, ainda, na qualidade de avalistas/garantes, HH, II, JJ, DD, KK, CC e a sociedade HOTELMAR – Indústria Hoteleira, Ld.ª (representada por HH e II). D. A cláusula 1.ª n.ºs 1 e 2 tem a seguinte redacção: «Os BANCOS concedem à MUTUÁRIA, a seu pedido, um empréstimo de €5.401.871,00 […], do seguinte modo: […] b) o BES financia o montante de € 2.096.317,00 […]. 2. A MUTUÁRIA aceita o presente financiamento e confessa-se devedora aos BANCOS pelos referidos montantes.» E. A cláusula 7.ª deste escrito particular refere: «[sic] 1. Há carência de capital durante os primeiros 12 meses; 2. No termo do contrato, haverá um reembolso “bullet”, a cada Banco, de 35 % do valor do financiamento, sendo: […] b) € 733.710,95 ao BES. 3. As restantes 167 reembolsos serão mensais, iguais, sucessivos e postecipados a cada banco, sendo de […] € 8.159,32 ao BES. 4. Os juros e encargos serão cobrados mensalmente, por cada Banco, sobre o capital em dívida.» F. Da cláusula 10.ª, fluem os seguintes dizeres: «Em garantia do bom e pontual pagamento do presente financiamento, respectivos juros compensatórios, moratórios e demais encargos: a) A MUTUÁRIA entrega a cada BANCO […] uma livrança de caução por si subscrita e avalizada pelos GARANTES, ficando os BANCOS por este instrumento expressa e irrevogavelmente autorizados a, em caso de não cumprimento de quaisquer responsabilidades emergentes da presente operação, preencherem livremente as ditas livranças, através de qualquer um dos seus funcionários, designadamente no que se refere às datas de emissão e do vencimento, ao local de pagamento e responsabilidades assumidas pela MUTUÁRIA, perante cada BANCO, incluindo capital e juros, qualquer que seja a sua natureza, impostos, comissões e outros encargos que sejam devidos, podendo os BANCOS descontar essas livranças e utilizar o produto do desconto para titulação do seu crédito; b) Os GARANTES constituem, a favor dos Bancos, na respectiva proporção, penhora da totalidade das acções representativas da totalidade do capital social da MUTUÁRIA; e c) Celebram contrato-promessa de dacção em cumprimento da totalidade das acções atrás referidas, na respectiva proporção, com procurações irrevogáveis.» G. A cláusula 12.ª n.º 1 prevê: «Para além dos demais casos previstos na Lei, o não cumprimento pela MUTUÁRIA de qualquer das obrigações emergentes do presente financiamento, nomeadamente o não pagamento pontual do capital ou dos juros, dará a cada BANCO o direito de o resolver, independentemente de interpelação, com a consequente exigibilidade do pagamento do montante global que ficar em dívida, incluindo juros contratuais e de mora e demais encargos devidos, sem prejuízos da reparação de outras responsabilidades a que haja lugar, executando quaisquer ou todas as garantias obtidas.» H. Não foi paga a prestação vencida em 18 de Junho de 2006, nem as posteriores, pelo que o BES declarou vencidas todas as prestações do empréstimo em 05/09/2008. I. No escrito particular ao qual foi dada a designação de «CONTRATO DE DAÇÃO EM FUNÇÃO DO CUMPRIMENTO», datado de 05/09/2008, no qual intervieram o Banco Comercial Português, SA, o Banco Espírito Santo, SA (designadas como PRIMEIRAS CONTRATANTES) e HH (SEGUNDO CONTRATANTE), ficou consignado, no considerando A), o seguinte: «Em 18/05/2005, no âmbito da reestruturação financeira das empresas do Grupo ..., foi celebrado um contrato de mútuo entre […] as PRIMEIRAS CONTRATANTES e […] a […] “... & ... – Turismo, S. A.”, doravante designada por CSCT […], nos termos do qual os referidos bancos concederam a esta sociedade um empréstimo no montante global de 5.401.871,00 €; J. Do considerando B) deste escrito particular resulta: «O BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S. A. financiou o montante de 3.305.554,00 € e o BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. o montante de 2.096.317,00 €. K. Do considerando C), flui: «Nessa data (18.03.2005), e para garantia do bom e pontual cumprimento do empréstimo supra mencionado, o SEGUNDO CONTRATANTE, na qualidade de accionista da sociedade CSCT, celebrou com as PRIMEIRAS CONTRATANTES um contrato promessa de dação da totalidade das acções que detém nessa sociedade, bem como um contrato de penhor sobre essas mesmas acções. L. O considerando F) prevê ainda: «A CSCT não pagou a prestação do supra mencionado empréstimo, que se venceu em 18 de Junho de 2006, nem as que posteriormente se venceram, pelo que, tal facto gerou o incumprimento definitivo do contrato de mútuo em apreço e o consequente vencimento total do empréstimo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 781.º do Código Civil e da cláusula 12.ª do identificado contrato de mútuo. M. O considerando G) apresenta a seguinte redacção: «Na presente data e no âmbito do contrato de mútuo melhor identificado nos considerandos anteriores, as PRIMEIRAS CONTRATANTES são credoras da CSCT, pelos montantes que a seguir se discriminam com referência ao capital e respectivos juros: […] b) BES,SA: capital: 2.005.909,13 €; juros vencidos [sic] 729158,36€ - total 2.078.824,49€. N. A cláusula 1.ª deste escrito particular refere: «Pelo presente contrato, o SEGUNDO CONTRATANTE dá às PRIMEIRAS CONTRATANTES […], para pagamento das responsabilidades melhor identificadas no considerando G), as 1.578.026 acções que detém na sociedade “... & ... – Turismo, S. A.”, na proporção do respectivo financiamento, para que estas procedam à sua venda, e com o produto da venda, em nome do SEGUNDO CONTRATANTE, liquidem, total ou parcialmente, tais responsabilidades.» O. A cláusula 2.ª deste escrito particular apresenta a seguinte redacção: «Nesta data, o SEGUNDO CONTRATANTE […] emite ordem de transferência dos títulos representativos das Acções melhor identificadas no Considerando E) e na cláusula antecedente, de que é titular no capital social da CSCT, para as contas de títulos que as PRIMEIRAS CONTRATANTES vierem a indicar, bem como autoriza estas a registarem a transmissão das mesmas com referência à presente data, na respectiva proporção […].» P. A cláusula 3.ª dispõe: «As PRIMEIRAS CONTRATANTES aceitam a presente dação em função do cumprimento (“pro solvendo”), pelo preço que resultar da venda dessas acções e a que as PRIMEIRAS CONTRATANTES atribuem, desde logo, o valor total de 650.000,00€ […], sem prejuízo do disposto na cláusula seguinte, extinguindo a dívida melhor identificada no considerando G) na respectiva medida.» Q. Por escrito particular ao qual foi dada a denominação de «CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE ACÇÕES E REFORÇO DE GARANTIAS DE CUMPRIMENTO DE AVAL», DATADO DE 29/09/2008, e que aqui se dá por reproduzido, o BCP, SA e o BES, SA declararam vender a DD 1.578.026 acções, representativas de 36,98 % do capital da ... & ... – Turismo, SA, pelo preço de 650.000 € (392.000 € para o BCP e 258.000 € para o BES). R. A acção executiva, que corre termos sob a forma sumária, deu entrada em juízo em 17/04/2014. S. CC faleceu em 11/05/2013. T. Por sentença de 04/01/2022, transitada em julgado, foram habilitados os sucessores de CC: LL, AA, BB e MM. * Factos Não Provados (com relevo para a decisão) Não se provaram outros factos relevantes, designadamente os seguintes: 1. A obrigação subjacente à livrança exequenda foi integralmente cumprida através da aquisição, pelo BES, de um imóvel e de acções da sociedade mutuária, no âmbito de dações. 2. Atento o lapso de tempo decorrido desde o incumprimento do contrato subjacente à livrança, o avalista CC ficou convencido de que o direito de crédito já não seria exercido. * A restante matéria alegada pelas partes é de direito, conclusiva ou simplesmente irrelevante para a decisão, como se explanará na fundamentação de direito. * Fundamentação de Direito Mantendo-se a decisão sobre a matéria de facto, não há qualquer motivo para alterar a sentença recorrida no que ao respectivo enquadramento jurídico respeita, nas seguintes partes que passaremos a citar, atentos a assertividade e rigor do raciocínio exposto. Assim, conforme resulta da sentença objecto de recurso: “Nos termos do artigo 731.º do CPC: «Não se baseando a execução em sentença […], além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.» (…) Às letras de câmbio e às livranças subjazem cinco princípios fundamentais: princípio da incorporação da obrigação do título (significando que a obrigação e o título que a incorpora são uma e a mesma coisa); princípio da literalidade da obrigação (segundo o qual a reconstituição da obrigação se faz pelo simples cotejo do título); princípio da abstracção (traduzido na independência do título face à causa debendi); princípio da independência recíproca das várias obrigações incorporadas no título (segundo o qual a nulidade de uma das obrigações que a letra/livrança incorpora não se comunica às demais); princípio da autonomia do direito do portador (que faz com que o seu portador seja considerado como um credor originário). Na esteira de Ferrer Correia4, «Podemos definir o aval como sendo o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra (no nosso caso, livrança) garante o pagamento dela por parte de um dos seus subscritores.» Como ensina Pinto Furtado5, «O subscritor avalizado que esteja em relação imediata com o portador poderá opor-lhe todos os meios de defesa que se baseiam na relação fundamental, ao passo que o avalista, apesar de obrigado “da mesma maneira” que a pessoa avalizada, não poderá invocar esses meios, porque não é sujeito de tal relação e não estará, assim, em relação imediata com o portador, pelo só facto de ser avalista de um obrigado imediato do portador.» O aval é uma obrigação de garantia (pessoal), materialmente autónoma, ainda que formalmente dependente, que não se confunde com a fiança, desde logo porque não lhe subjaz uma responsabilidade subsidiária, inexistindo o benefício da excussão prévia dos bens da pessoa por quem se vinculou. A responsabilidade do avalista é, portanto, solidária com a do sacador, do aceitante e do endossante (cf. artigo 47.º da LULL). Por assegurar o cumprimento da obrigação principal, o aval configura obrigação autónoma e acessória, mantendo-se mesmo que a obrigação garantida seja nula por qualquer razão que não vício de forma. De outro ponto de vista, podem destrinçar-se duas categorias do aval: o aval geral ou pleno e o aval limitado (limite esse relativo à quantidade avalizada, ao tempo, ao beneficiário ou a determinadas condições). Nas palavras do acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/20136: «O aval é uma garantia cambiária unilateral, não receptícia, abstracta, formal e escrita; espontânea e independente; pode ser parcial e configura um direito literal autónomo. Unilateral porquanto decorre da literalidade, autonomia, abstracção dos títulos de crédito que suprimem perante terceiros as defesas que se sustentam da inexistência de discernimento livre ou de causa, pelo que resulta juridicamente transcendente para criar responsabilidade a existência material do acto cambiário ainda que lhe falte a causa ou existam vícios de vontade do avalista. O referido pronunciamento voluntário torna-se incondicional, irrevogável e obriga tão só pela manifestação externa da sua existência jurídica perante qualquer tomador determinado ou a determinar. Não receptícia significa que não necessita de aceitação para que possa gerar todos os efeitos, o que exclui poder considerar-se o aval como um contrato.” (…) Sendo a obrigação do avalista autónoma, a regra é a de que não podem ser invocadas as excepções do avalizado referentes à relação material subjacente. E, neste sentido, o STJ já proferiu acórdão publicado em 07.12.2023,7 no qual decidiu que: “Nos termos prescritos pelo art.º 17 da LULL, aplicável à subscrição da livrança (ex vi art.º 78 da LULL), o avalista, ainda que no domínio das relações imediatas, não deverá ser admitido – a menos que tal tenha sido expressamnete acordado entre as partes, o que não sucedeu no caso dos autos – a opor a excepçao peremptória da prescrição do direito emergente da relação fundamental intercedente entre o credor e o avalizado (que para si se reconduz a res inter alios acta) para justificar uma recusa de cumprimento da sua própria obrigação cambiária.” Mas, conforme resulta da sentença recorrida, “este princípio comporta, todavia, uma excepção nos casos em que o avalista intervém no denominado pacto de preenchimento (convenção pela qual as partes definem os termos da obrigação cambiária, nomeadamente quanto ao seu montante, conteúdo ou vencimento, etc.). Intervindo no pacto de preenchimento, e estando o título no domínio das relações imediatas, é permitido ao avalista invocar a excepção material de preenchimento abusivo da livrança.” Pelo que, se conclui que, o pacto de preenchimento permite aos embargantes/avalistas invocarem a prescrição da obrigação (ou relação subjacente), na medida em que, como é entendimento quase unânime na jurisprudência, a existência de tal pacto coloca-os no domínio das relações imediatas; Os executados são habilitados do avalista inicial e por isso sucedem-lhe na exacta posição processual, podendo invocar a prescrição porque o avalista inicial o podia fazer. A isto acresce, o preceituado no art.º 305, nº 1 do C.C., segundo o qual, “a prescrição é invocável pelos credores e por terceiros com legítimo interesse na sua declaração, ainda que o devedor a ela tenha renunciado.” E, discutindo-se a prescrição no âmbito de uma prestação fracionada, bem andou a Mmª Juiz “a quo” em aplicar o prazo de prescrição de 5 anos, previsto na al. e), do art.º 310.º, do Código Civil. É aqui aplicável o acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 6/20228: «I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo ‘a quo’ na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.» Tendo resultado provado que o vencimento antecipado ocorreu 05/09/2008 e que, entre a data do vencimento antecipado (05/09/2008) e a data da interposição da execução (17/04/2014), decorreram mais de cinco anos, impunha-se declarar a prescrição do capital e dos juros em dívida, como foi decidido da sentença recorrida, julgar procedentes os embargos e, consequentemente absolver os Apelados/Embargantes do pedido exequendo. Improcede, pelos fundamentos expostos, o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida. * III – DECISÃO Pelo exposto, acordam as Juízes da oitava secção cível deste Tribunal, em julgar improcedente o presente recurso e, confirmar a decisão recorrida. Custas pela Apelante (art.º 527 nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil). Notifique. * Lisboa, 16/01/2025 Marília dos Reis Leal Fontes Maria do Céu Silva (voto vencido, conforme declaração que segue) Maria Teresa Lopes Catrola Voto de vencido «… importa reconhecer que, em certas circunstâncias, não está vedado ao avalista opor ao credor cambiário excepções decorrentes da relação fundamental estabelecida entre este e o avalizado. Esta conclusão não vale, porém, quanto à invocação da excepção da prescrição do direito emergente de tal relação subjacente. Vejamos porquê. A prescrição, um instituto paradigmático da influência do tempo nas relações jurídicas, assume a natureza de excepção – com fundamento na qual o devedor poderá legitimamente recusar o cumprimento de uma obrigação – de índole material, uma vez que se funda numa falta ou vicissitude da própria relação substantiva (cfr. art.º 847.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil). Sob uma perspectiva analítica, podemos atribuir-lhe os seguintes traços essenciais: (i) um efeito paralisador dos direitos (sendo hoje duvidoso que o instituto tenha o efeito de extinguir obrigações); (ii) o não exercício do direito por inércia do respectivo titular; (iii) o decurso de um certo lapso de tempo (cfr. Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade – anotação aos arts. 296.º a 333.º do CC, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 16 e 19). Como excepção de direito material que é, a prescrição opera no plano extracartular, das relações pessoais entre o credor cambiário que é contraparte do avalizado na relação fundamental, sendo que a vicissitude, relacionada com o decurso do tempo, inerente à prescrição, radica na própria relação substantiva e não numa desconformidade entre o preenchimento do título e a vontade manifestada pelo avalista – o que sucederia, como vimos, quando se questiona o incumprimento do contraente avalizado, o montante em que se traduz a sua responsabilidade ou mesmo a data inscrita no título (cfr. Carolina Cunha, Aval e Insolvência , cit., pág. 25). Significa que, ainda que estejamos perante um título em branco e nos situemos no domínio das relações imediatas, na ausência de acordo entre as partes em sentido contrário, a prescrição não constitui uma causa que, ao abrigo do art.º 10.º da LULL, confira ao avalista a possibilidade de se prevalecer das vicissitudes da relação fundamental. E isto é assim porque, ao contrário do que sucede nas situações em que o avalista vem invocar a divergência entre o preenchimento do título e a sua vontade (nas situações em que o avalista subscreveu a minuta contendo o pacto de preenchimento), no caso da invocação da prescrição não se trata de determinar, per relationem, o conteúdo da obrigação cambiária por referência a um mesmo pressuposto do qual está dependente a responsabilidade cambiária do avalizado (na expressão utilizada por Carolina Cunha, Aval e Insolvência, cit., pág. 25). Posição idêntica à propugnada foi adoptada pelo acima referido acórdão deste Supremo Tribunal de 11-10-2022 (proc. n.º 3070/20.1T8LLE-A.E1.S1), em que, similarmente, os avalistas invocavam a prescrição do direito emergente da relação subjacente à subscrição da livrança avalizada, tendo sido considerado que: “[N]ão obstante nos encontrarmos no domínio das relações imediatas (ao nível do subscritor e do sacador avalizado), está-lhes vedado, na qualidade de avalistas, servir-se desse específico meio de defesa, por se filiar/fundamentar na relação jurídica material subjacente à emissão da livrança que avalizaram, ou seja, por esse invocado específico meio de defesa ter a ver e assentar exclusivamente naquela relação jurídica material subjacente em relação a qual se apresenta para si, como vimos, como uma res inter alios acta.” A prescrição do direito de crédito emergente da relação causal é um efeito adveniente da inércia, prolongada no tempo, do próprio titular do direito, efeito esse que, operando na relação fundamental, não apresenta vias comunicantes com a relação cambiária em que intervém o avalista, no âmbito da qual a vicissitude do decurso do tempo poderá redundar na prescrição do próprio direito de acção cambiária apenas ao abrigo do art.º 70.º da LULL. A obrigação decorrente do aval, sendo acessória em relação à obrigação principal, não garante a relação subjacente de que é sujeito o subscritor avalizado (cfr. Pinto Furtado, Títulos de Crédito, Almedina, Coimbra, pág. 155). Daí que a prescrição que intrinsecamente se prenda com a negligência da actuação do credor quanto ao exercício de um direito subjectivo no âmbito daquela relação subjacente, não poderá – à luz da literalidade, autonomia e abstracção daquela garantia cambiária – ser feita valer pelo avalista para paralisar o exercício do respectivo direito cambiário. Como salientam Paulo Sendim e Evaristo Mendes (A natureza do aval e a questão da necessidade ou não do protesto para accionar o avalista do aceitante, Almedina, Coimbra, 1991, pág. 44.) – em argumentação que poderá ser transposta para a livrança –, o avalista não garante o pagamento da obrigação do avalizado (que poderá até não existir), mas o pagamento da letra, sendo responsável pelo seu não pagamento. Do § 2 do art.º 32.º da LULL resulta que o avalista é autonomamente responsável, independentemente de o avalizado ser, em concreto, responsável ou não (cfr. Paulo Sendim e Evaristo Mendes, cit. pág. 44). Assim, nos termos prescritos pelo art.º 17.º da LULL, aplicável à subscrição da livrança por remissão do art.º 78.º do mesmo diploma, o avalista, ainda que no domínio das relações imediatas, não deverá ser admitido – a menos que tal tenha sido expressamente acordado entre as partes, o que não sucedeu no caso dos autos – a opor a excepção peremptória da prescrição do direito emergente da relação fundamental intercedente entre o credor e a avalizado (que para si se reconduz a res inter alios acta) para justificar uma recusa de cumprimento da sua própria obrigação cambiária. Trata-se, neste caso, de preservar a ratio específica do aval, de molde a não esvaziar de conteúdo os sobreditos arts. 17.º e 32.º da LULL» (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 7 de dezembro de 2023, no processo 758/22.6T8AGD-A.P1.S1). No acórdão em que fiquei vencida, apesar de aí ser citado o sumário do acórdão do STJ a que respeita a fundamentação acima transcrita, conclui-se que o pacto de preenchimento permite aos embargantes/ avalistas invocarem a prescrição da obrigação subjacente, conclusão com a qual não posso concordar, atenta a argumentação clara do STJ acima reproduzida. Assim, consideraria inútil a ampliação da matéria de facto provada pretendida pela recorrente e revogaria a sentença recorrida, julgando improcedentes os embargos. * Maria do Céu Silva _______________________________________________________ 1. Neste sentido cfr. GERALDES, Abrantes António, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Edição, Almedina, 2018, págs. 114 a 116. 2. Neste sentido cfr. GERALDES, Abrantes António, in “Opus Cit.”, 5ª Edição, Almedina, 2018, pág. 116. 3. In www.pdlisboa.pt. 4. 1 Ferrer Correia. Lições de Direito Comercial, Volume III, Letra de Câmbio, Coimbra, 1966, páginas 196 e ss. 5. 2 Pinto Furtado. Títulos de Crédito, 2015, Almedina, 2ª edição revista e actualizada, página 140. 6. In www.dgsi.pt 7. In www.dgsi.pt. 8. In www.dgsi.pt |