Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4514/20.8T9LSB.L1-3
Relator: HERMENGARDA DO VALLE-FRIAS
Descritores: FOTOGRAFIAS ILÍCITAS
PRESSUPOSTOS
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
VINCULAÇÃO TEMÁTICA
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DE FACTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: I. O Tribunal Constitucional tem vindo a clarificar que são os factos descritos na acusação/decisão de pronúncia que definem e fixam o objecto do processo [salvo as excepções expressamente previstas] e que este, por sua vez, delimita os poderes de cognição do Tribunal e o âmbito do caso julgado.
Este princípio da vinculação temática do Tribunal é fundamental no processo penal, constituindo uma das suas mais importantes garantias.
II. Um processo penal de estrutura fundamentalmente acusatória, como o nosso, temperado pelo princípio da investigação, é um processo de salvaguardas, de equilíbrios, desde logo como os que se consagram nos arts. 358º e 359º [e 303º, todos por refª ao art.º 1º, al. f)] do Cód. Proc. Penal, em que se admitem as excepções àquela regra que, como o próprio nome indica, constituem isso mesmo: excepções.
Nessas excepções cabem as situações em que, mantendo-se o thema do processo, a alteração a considerar consista numa alteração de direito, eventualmente mesmo de (re)qualificação jurídica relevante, que se imponha ao Tribunal e que, estando lá exactamente os factos de origem, se reflicta num agravamento da pena ou mesmo numa nova qualificação criminal.
III. Requerida durante a produção de prova a alteração de factos, identificada pelo assistente como não substancial, o Tribunal a quo entendeu indeferir a mesma e disse-o expressamente.
E entendeu que, sem prejuízo, se no fim da prova toda produzida viesse a verificar que os motivos nesse momento do indeferimento se haviam alterado, decidiria em conformidade.
Não há aqui qualquer nulidade, qualquer falta de decisão ou qualquer contradição nisto.
Muito embora a lei não diga em que momento deve ser requerida e/ou decidida a alteração de factos [sendo que o termo final sempre terá de medir-se pelo nº 1 do art.º 359º], sabemos que o decisor não consigna alterações sem que da sua viabilidade esteja convencido. O que, normalmente, acontece no fim da produção da prova indicada. Desde logo, porque presume que quem indicou a prova sabia que factos deviam estar, ou não, em apreciação e o fez para prova ou contra-prova do objecto do processo ali fixado.
IV. Ao pretender que se acrescentasse aos factos julgados a circunstância – que entendeu ter-se provado também – de a arguida ter exibido [também] a terceira pessoa a fotografia em causa, que o próprio assistente diz ser ilícita porque ilicitamente captada, acrescenta, dessa forma, ao processo uma incriminação nova, pela utilização/exibição daquela fotografia em circunstâncias temporalmente distintas das que estão em julgamento. E isso importa que a alteração de factos seja, ao contrário do que requereu e alegou, de considerar substancial, nos termos do referido art.º 1º, al. f) do Cód. Proc. Penal.
Sendo substancial, a alteração de factos não pode ser atendida pelo Tribunal, sem prejuízo do mecanismo supra descrito, sob pena de nulidade – art.º 379º, nº 1, al. b) do mesmo Cód. Proc. Penal.
V. No art.º 134º do Cód. Proc. Penal, como diz o Tribunal Constitucional [Ac. Tribunal Constitucional nº 154/2009, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt], o que está em causa é uma forma de protecção dos escrúpulos de consciência e das vinculações sócio-afectivas respeitantes à vida familiar que encontra apoio no n.º 1 do artigo 67.º da Constituição e que outorga ao indivíduo uma faculdade que se compreende no direito (geral) ao desenvolvimento da personalidade, também consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, enquanto materialização do postulado básico da dignidade da pessoa humana (…).
Quanto à inobservância do disposto no art.º 134º do Cód. Proc. Penal, é o próprio, no seu número 2, que comina a falta com nulidade.
No entanto, divergimos aqui da tese que coloca a questão no âmbito das proibições de prova, portanto das nulidades absolutas, por considerar que o incumprimento envolve a tomada em consideração de prova que, por isso, é proibida.
Esta concepção parte da ideia de que o que está em causa no referido preceito é a protecção da intimidade da vida, relativamente aos intervenientes, no que se conclui que, por ser assim e tanger o núcleo fundamental dos direitos pessoais, a violação estará ao abrigo do disposto no art.º 126º, nº 1 do Cód. Proc. Penal.
No entanto, estamos em crer que não é este, rigorosamente, o âmbito em que deve colocar-se a questão, uma vez que o legislador deixou claro, no regime fixado, que o que se pretende é preservar emocionalmente a testemunha, impedindo que sobre si fique um ónus que não consegue suportar, com duas opções apenas: ou mentir no entendimento de que está a zelar pelos interesses do seu próximo; ou falar a verdade, correndo o risco emocional, e ser diminuto o valor das suas declarações porque se acredita que o depoimento foi viciado pela proximidade afectiva existente.
A partir do momento em que se entenda que este normativo, não estando directamente relacionado com a intromissão na vida privada, está relacionado, sim, mas com o facto de as pessoas ligadas ao arguido por vínculos de parentesco e/ou de afinidade não serem obrigadas a prestar um depoimento incriminatório contra este, sujeitando-se à prestação de juramento e às consequências que lhe são inerentes, conseguimos perceber a diferença.
O que está em causa neste normativo não é a protecção da intimidade das pessoas, ainda que vista do ponto de vista externo ou simplesmente relacional, mas o que está em causa é, verdadeiramente, como decorre da lei de autorização citada, a protecção emocional do depoente que, neste sistema, fica livre de optar entre prestar, ou não, declarações e só na afirmativa fica vinculado, como aceitou e desejou, ao dever de verdade assumido por juramento.
A ser assim, esta nulidade a que refere o nº 2 do preceito em causa não se prende com o núcleo fundamental dos direitos liberdades e garantias, mas antes com o conteúdo formal do acto de testemunhar, poupando a testemunha ao conflito entre o dever jurídico de falar com verdade e o dever ético de fidelidade a um seu familiar próximo, da omissão do dever de informação não resulta qualquer violação da vida privada da testemunha, porque não ocorre qualquer acção do Tribunal que viole esse bem jurídico. Estamos apenas perante a inobservância de uma formalidade, cuja consequência é a nulidade do acto - como a própria lei expressamente indica quando diz sob pena de nulidade -, nulidade que é, por isso, sanável, porque excluída do catálogo das mencionadas no art.º 119º do mesmo diploma legal, tendo legitimidade para a invocar apenas a testemunha visada e no respectivo acto, sob pena de se ver a mesma sanada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 3ª Sec. Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório
Pelo Juízo Local Criminal de Lisboa – J5 – foi proferido despacho em acta de julgamento pelo juiz a quo e foi, findo o julgamento, proferida sentença.
Quer o despacho referido quer a sentença são objecto de recurso.
I. O despacho [acta de ........2023] que recaiu sobre requerimento do assistente que visava fosse deferida uma alteração de factos.
De facto, em audiência de julgamento, o assistente requereu:
(…)
“1) O assistente, ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 357º do Código de Processo Penal, vem requerer a V/ Ex.ª, a reprodução em audiência de julgamento das declarações prestadas pela arguida em fase de instrução, perante autoridade judiciária, o Mm.º Juiz de Instrução Criminal.
Sem necessidade, porém, por dever de colaboração com todos os intervenientes processuais, fundamenta a sua pretensão considerando que, por despacho de pronúncia a fls. 438, fez-se constar “Esclareceu que, perante o ar agressivo do pai do BB, resolveu entrar dentro do seu carro e é verdade que tirou uma foto aos agentes (muito embora tenha enquadrado também o próprio Assistente) que se debruçou, levantando o braço e tendo na mão o seu próprio telemóvel.
Sendo-lhe perguntado, esclareceu que o interpretou o gesto com o braço do Assistente como dando a entender que não queria ser fotografado, mas agiu perante aquilo que considerou, na altura, a necessidade de documentar a presença da polícia naquele local o que motivou que, alguns dias depois, tenha juntado a fotografia ao processo de poder paternal.”
Na contestação, justifica a acção registar a imagem do assistente pela “necessidade de documentar” fotograficamente a postura injustificada e agressiva do assistente – veja-se artigo 4.
2) Na sequência das declarações prestadas pela arguida, da vontade manifestada pela mesma em intervir na sessão da audiência de julgamento do dia 25 de Maio de 2023, e bem assim do deferimento da junção documental, requer-se a V/ Ex.ª, não apenas o confronto desses mesmos documentos, mas igualmente a formulação de algumas questões à arguida, sem prejuízo da prestação de declarações espontâneas pela mesma.
3) Resultou do depoimento prestado pela testemunha CC que a arguida, em data próxima a 14 de Março de 2020, exibiu-lhe a fotografia registada pela própria no referido dia – registo de imagem que consubstancia o objecto dos presentes autos.
Significa isto que, para além da matéria já constante da acusação/pronúncia, também é relevante para os presentes autos, porque subsumida ao disposto no artigo 199º do Código Penal, temos que “a arguida exibiu a fotografia a terceiros, nomeadamente a CC” – que deverá consubstanciar o facto 8.
E deverá introduzir-se nova redacção ao facto 9 (que descreve o elemento subjectivo do tipo), por forma a constar “agiu DD de modo livre, consciente e voluntário, com intenção concretizada de captar fotograficamente a imagem do ofendido para depois a exibir a terceiros e juntar ao processo judicial de regulação das responsabilidades parentais do filho menor comum, o que tudo concretizou do modo acima descrito, bem sabendo que para tal não tinha qualquer legitimidade ou justificação, que agia contra a vontade do visado e consciente que, ao captar a sua imagem e ao fazer juntar ao processo judicial a mesma imagem, impressa, ofendia o direito à imagem do visado, o que tudo quis e concretizou, quando sabia qua a sua conduta era proibida e punida por lei.
Constituindo tais matérias de facto mera alteração não substancial dos factos, porquanto dela não resulta nem imputação à arguida de um crime diverso, nem a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, cfr. al. f) do art.º 1º do Código de Processo Penal, requer-se que, oportunamente, seja dado cumprimento ao disposto no art.º 358º do Código de Processo Penal, salientando-se que, em nenhuma peça processual anterior, o assistente podia ter suscitado a questão, porquanto dela apenas teve conhecimento no decurso da fase processual de instrução.
Mas mais ainda, reputam-se tais factos com relevo para a decisão da causa, porquanto não se crê a coberto de qualquer justificação a exibição a terceiros de tais fotografias. Terceiros ao conflito que opunha o assistente e a arguida e terceiros em relação à resolução do conflito – Il. Advogados e Magistrados em funções nos processos judiciais em curso.
Admitir a exibição a terceiros, equivaleria a abrir-se uma porta que conduziria à aberração de exibir-se para pedir opinião estética ou técnica sobre a sua qualidade. Mas mais importante do que isso, resulta que a arguida a exibiu, alegadamente, para solicitar uma opinião sobre a sua junção aos autos, o que, desde logo, leva a crer não estar certa ou segura de o poder fazer e, quando assim é, de acordo com a jurisprudência das cautelas, deveria omitir o acto. O não o omitindo significa que configuramos, inclusive, a possibilidade de estarmos em erro na conformação dos factos, por isso, tal erro não é desculpável juridicamente relevante. Por outras palavras, pedir opinião significa que não estamos sequer convencidos de o poder fazer.
Termos em que se requer o cumprimento de tal preceito legal e, consequentemente, seja admitida a formulação de perguntas à arguida.”
(…)
A este requerimento respondeu o Ministério Público na mesma acta, dizendo o seguinte1:
(…)
“1) Em face do disposto no art.º 357º, nomeadamente, na sua al. b) e, especialmente, no seu n.º 2, nada temos a opor ao requerimento apresentado quanto à leitura das declarações da arguida.
2) Quanto à exibição dos documentos, e porque foram admitidos, nada temos a opor.
Quanto a questões à arguida, parece-nos que isso dependerá da posição que a mesma tome, porquanto não está a ser requerido a prestação de declarações, pelo que a mesma poderá se remeter ao silêncio,
Pelo que, apenas quanto à exibição dos documentos nos pronunciamos quanto ao seu deferimento, sendo certo que a defesa já teve conhecimento dos mesmos por despacho de que foi notificada a admissão dos mesmos, tendo já tido oportunidade para se pronunciar.
3) Relativamente à alteração não substancial ora invocada, não olvidando a qualidade profissional e conhecimentos jurídicos do assistente, consideramos que o requerimento formulado, no fundo, são alegações. Porquanto, a testemunha em causa, CC, foi apresentada pela defesa e, portanto, o artigo 358º, n.º 2 ressalva, exactamente, a comunicação ao arguido para a sua preparação da defesa.
Pelo que, assim sendo, e sem prejuízo de vir a ser, de facto, verificada uma alteração não substancial, nomeadamente, por configuração de factos apurados durante a audiência, consideramos não ser aplicado o art.º 358º, n.º 1 no caso em apreço.”
(…)
Também a arguida aí se pronunciou2, fazendo-o do seguinte modo:
(…)
1) Quanto à reprodução das declarações da arguida em instrução, entendemos que o art.º 357º do Código de Processo Penal as permite, mas não as impõe, ou seja, elas são permitidas se necessárias. Não vemos a necessidade, não só porque a mesma, salvo melhor opinião, não resulta justificada do requerido, mas também porque a arguida, espontaneamente, prestou declarações neste julgamento e, aliás, admitiu – não é a primeira vez que o faz –, que tirou a fotografia.
2) Quanto ao pedido que a arguida seja novamente interrogada e que lhe sejam formuladas questões, subscrevendo o que bem disse a Ex.ª Senhora Procuradora, o arguido presta declarações se e quando entender e isso resulta da sua vontade. A arguida já foi interrogada, falou espontânea e livremente e disse o que entendeu. Pois, caber-lhe-á a ela, se por ventura o requerido vier a ser deferido, decidir se presta mais declarações, em que circunstâncias, sobre o quê… e se invoca ou não invoca o seu direito a remeter-se, adicionalmente, ao silêncio.
3) Finalmente, quanto ao requerido aditamento de factos à acusação, a defesa podia pedir prazo, mas, a bem da economia processual, pronunciamo-nos desde já.
Em primeiro lugar, entendemos que estamos na presença, evidentemente – se é que estamos na presença de alguma alteração factual –, de uma alteração, obviamente, substancial. E é substancial porque cai no âmbito do art.º 1º, al. f) do Código de Processo Penal. Estamos perante a imputação de um crime diverso em três perspectivas:
- primeiro, na perspectiva factual, outro pedaço de vida, porque é uma nova factualidade muitíssimo diferente, aliás, daquela que vem na acusação;
- segundo, no ponto de vista das sanções, porque, evidentemente, se esta matéria viesse a ser aditada, provada e levada em consideração numa eventual condenação, isto agravaria a condenação e, portanto, significa que aumenta os limites das sanções;
- terceiro, estamos até na presença de uma factualidade que envolve terceiros, terceiros que de nenhuma forma estavam relacionados com a matéria da acusação e envolve também uma conduta que é muitíssimo diversa do ponto de vista do acontecer daquela que está relatada na acusação, que seria a exibição a terceiros.
Portanto, isto é uma alteração substancial e sendo uma alteração substancial, ela é inadmissível nos termos do art.º 359º do Código de Processo Penal.
Em segundo lugar, e salvo o devido respeito, o requerimento é prematuro porque o próprio assistente pede prova adicional e, portanto, tendo pedido prova adicional é um pouco cedo para estar a pedir a alteração dita não substancial, pois se por ventura a prova adicional vir a ser deferida, talvez tenhamos, na perspectiva do assistente, que mudar as coisas outra vez.
Em terceiro lugar, não foi agora que o assistente tomou conhecimento desta matéria.
Se não falha a memória ao Defensor, esta matéria foi avançada nos mesmos termos na instrução. Instrução que o assistente conhece profusamente, na qual participou, consultou, comentou… e, portanto, desde essa instrução e do momento em que tomou conhecimento deste alegado novo crime de fotografias ilícitas, que já decorreram bem mais do que seis meses, o que, também, concorreria para podermos, eventualmente, ter aqui um problema, mesmo que esta alteração fosse, que não é, uma alteração não substancial.
Portanto, a defesa entende que este requerimento deve ser indeferido. Caso assim não se entende e se entenda que estamos na presença de uma alteração a que alude o art.º 358º, naturalmente não prescindimos do prazo que aí é dado à defesa.
(…)
Tendo, finalmente, na referida acta, sido proferido o despacho recorrido3, que decidiu do seguinte modo:
(…)
Ao abrigo do disposto no art.º 357º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal, face ao teor de fls. 256 e seguintes e ao requerimento apresentado, defere-se o mesmo.
Considerando a qualidade de arguida e ao disposto no art.º 61º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Penal, apenas se defere que seja perguntado à arguida se deseja prestar mais declarações sobre o requerido pelo o assistente, indeferindo-se o demais atentos os direitos que assistem à aquela.
Considerando que a audiência de discussão e julgamento ainda se encontra em curso, não tendo sido encerrada, ainda, a produção de prova, e face à prova já produzida até ao momento, por ora, indefere-se a requerida alteração de factos, procedendo o Tribunal, oportunamente, e caso o entenda, às comunicações a que aludem os art.º 358º e 359º do Código de Processo Penal.
(…)
II. O Tribunal a quo veio posteriormente a proferir Sentença nestes autos que decidiu do seguinte modo:
(…)
Pelo exposto, tudo visto e ponderado, julgo totalmente improcedente a pronúncia e, consequentemente:
A) Absolvo a arguida DD da prática, em autoria material imediata e na forma consumada, de um crime de Fotografias ilícitas previsto e punido pelo artigo 199.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal.
(…)
III. Inconformado, o assistente interpôs recurso do despacho supra transcrito e recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões, respectivamente [sendo as do recurso da sentença já decorrentes do aperfeiçoamento que foi determinado]:
Quanto ao despacho
(…)
A. Na sessão de audiência de julgamento do dia 16 de junho de 2023, o assistente, através da sua Ilustre Advogada, requereu que, ao abrigo do disposto nos artigos 1º, alínea f) e 358.º, n.º 1, ambos do CPP, se comunicasse uma alteração não substancial dos factos, porquanto: “Resultou do depoimento prestado pela testemunha CC que a arguida, em data próxima a 14 de março de 2020, exibiu-lhe a fotografia registada pela própria no referido dia – registo de imagem que consubstancia o objeto dos presentes autos.
Significa isto que, para além da matéria já constante da acusação/pronúncia, também relevante para os presentes autos porque subsumida ao disposto no artigo 199.º, do Código Penal, temos que: A arguida exibiu a(s) fotografia(s) a terceiros, nomeadamente a CC. – que deverá consubstanciar o facto 8., e deverá introduzir-se nova redação ao facto 9. (que descreve o elemento subjetivo do tipo), por forma a dele constar: “Agiu DD de modo livre, consciente e voluntário, com a intenção concretizada de captar fotograficamente a imagem do ofendido para depois a exibir a terceiros e juntar ao processo judicial de regulação das responsabilidades parentais do filho menor comum, o que tudo concretizou do modo acima descrito, bem sabendo que para tal não tinha qualquer legitimidade ou justificação, que agia contra a vontade do visado e consciente que, ao captar a sua imagem e ao fazer juntar ao processo judicial a mesma imagem, impressa, ofendia o direito à imagem do visado, o que tudo quis e concretizou.
Constituindo tais matérias de facto mera alteração não substancial dos factos, porquanto dela não resulta nem a imputação à arguida de um crime diverso, nem a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis – cfr. alínea f), do artigo 1.º, do Código de Processo Penal
B. A Meritíssima Juiz proferiu o despacho judicial, que ora se transcreve:
“Considerando que a audiência de discussão e julgamento ainda se encontra em curso, não tendo sido encerrada, ainda, a produção de prova, e face à prova já produzida até ao momento, por ora, indefere-se a requerida alteração de factos, procedendo o Tribunal, oportunamente, e caso o entenda, às comunicações a que aludem os art.º 358º e 359º do Código de Processo Penal.”
C. O assistente fundamentou tal requerimento de facto e de direito (como resulta transcrito), porquanto a testemunha CC afirmou, na sessão de audiência de julgamento do dia 25 de maio de 2023, que:
“E, nessa altura, mostrou-me, acho que tinha tirado uma fotografia, duas, não me lembro, mostrou-me uma fotografia e… e… em que eu vi a cara do Dr. AA e do polícia, à espera, um polícia ou dois, não sei, também não liguei muito àquilo, e perguntou-me até: mas eu posso utilizar, porque ele agora isto vai ser para o, lá para o Tribunal de Família, ele vai levantar esta questão, tra ta ta… achas que eu tenho algum problema se eu juntar as fotografias?” – cfr. 16m 55s a 18m 26s. contrariando o que já havia declarado em sede de instrução, quando ouvida pelo Meritíssimo Juiz de Instrução – cfr. 54. a 61., para cujo conteúdo se remete.
D. Significa isto que: foi produzida prova testemunhal – o citado depoimento – que, por um lado, não foi contraditado pela própria arguida, e, por outro, tinha precisamente por alicerce a exibição de tal fotografia.
E. Os factos cuja alteração o assistente requereu, ao abrigo do disposto no artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, tendo resultado provados e sendo que os mesmos têm relevo para a decisão da causa, não podiam ter sido simples e puramente desconsiderados.
F. O fundamento apresentado pela Meritíssima Juiz: “(…) que a audiência de discussão e julgamento ainda se encontra em curso (…)” não pode proceder, primeiro, porque o legislador não impõe momento da a sua formulação, segundo, porque nem podia ser fora da audiência.
G. Se a audiência de julgamento já não estivesse em curso é que seria um problema. Manifestamente, o requerimento do assistente seria extemporâneo.
H. O legislador, temporalmente, exige apenas que a alteração não substancial dos factos ocorra no decurso da audiência de julgamento e seja comunicada, neste caso, à arguida, para o exercício do direito ao contraditório.
I. O legislador não define, nem exige, que se tenha concluído a produção probatória, até porque a própria comunicação não vincula com o trânsito em julgado.
J. Tais condições legais foram observadas – o requerimento foi apresentado pelo assistente durante a audiência de julgamento, na sequência de prova produzida no decurso da audiência de julgamento e incidia sobre questão com relevo para a decisão da causa, porquanto descreve uma ação típica ilícita prevista no artigo 199.º, n.º 2, do Código Penal, competindo à Meritíssima Juiz apreciá-lo e, em caso de deferimento, proceder à comunicação que a lei processual penal obrigada.
K. Saliente-se: já havia sido produzida prova bastante para o efeito e a única prova que faltava produzir em toda a audiência de julgamento era a reprodução das declarações da arguida, prestadas em sede de instrução, reprodução essa requerida pelo assistente e deferida ao abrigo do disposto no artigo 357.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, que foi dada por reproduzida, encerrando-se a produção probatória – consignando-se que a arguida se remeteu ao silêncio após tal requerimento.
L. Consigne-se para que jamais venha a ser questionado: a própria Meritíssima Juiz tanto não desconhece a prova de tal facto que consignou na sentença, a fls. 20, 1ª linha, a propósito do depoimento da testemunha CC: “Mais referiu que a arguida lhe mostrou a fotografia de fls. 7.”
M. Ou seja, de acordo com o Princípio Processual da Imediação, a Meritíssima Juiz sabia que o depoimento de CC ocorreu no dia 25 de maio de 2023 e, por conseguinte, em 16 de junho de 2023, quando proferiu o despacho ora sob juízo rescisório, sabia do respetivo conteúdo que fê-lo consignar na motivação da sentença.
N. De acordo com um princípio básico de honestidade intelectual e processual, a Meritíssima Juiz, quando “fundamentou” o despacho de indeferimento, fê-lo sem observar a realidades – pois, efetivamente “(…) face à prova já produzida até ao momento (…)” –, já era certo que existia produção probatória bastante para que se atendesse à alteração dos factos, nos termos requeridos pelo assistente.
O. Além da improcedência dos “dois fundamentos” da decisão judicial (não se diga, em desespero, que a decisão não foi fundamentada e, por isso, tinha a invalidade de ter sido suscitada/arguida na própria sessão), incompreende-se o significado da expressão composta: “(…) por ora, indefere-se (…)”,
P. Um requerimento ou é deferido (total ou parcialmente) ou é indeferido (total ou parcialmente).
Q. Diferente seria se a Meritíssima Juiz tivesse decidido: “Oportunamente (concluída a produção de prova) o tribunal pronunciar-se-á sobre o requerido pelo assistente.” - seria legítimo e seria aceite como prática forense nos nossos Tribunais.
R. Como se nada disso fosse o bastante para produzir um juízo rescisório, sempre se acrescente que foi a Meritíssima Juiz quem determinou a formulação do requerimento naquele preciso momento e não noutro – cfr. 39..
S. A boa fé processual que se impõe a todos os intervenientes processuais não permite que um Meritíssimo Juiz decida pelo indeferimento com fundamento na sua “extemporaneidade”, quando foi o próprio quem ordenou a formulação do requerimento naquele momento.
T. Razão pela qual se impõe a procedência de um juízo rescisório de tal despacho judicial, anulando-o e substituindo-o por outro que dê integral cumprimento ao disposto no artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
U. E acrescente-se: nenhum dos demais argumentos apresentados quer pela Digníssima Magistrada do Ministério Público, quer pelo Ilustre Mandatário da arguida procedem, senão vejamos:
V. Primeiro porque, contrariamente ao sustentado pela Digníssima Magistrada do Ministério Público o(s) facto(s) a comunicar não se enquadram no disposto no n.º 2, do artigo 358.º, do Código de Processo Penal, porquanto não deriva(m) de factos alegados pela defesa, registando-se que o Ministério Público não pôs em causa a verificação de tal depoimento e com tal conteúdo.
W. Já no tocante à posição do Ilustre Mandatário da defesa: compreende-se (pelas funções que desempenha), mas não se partilha.
X. À semelhança da Digníssima Magistrada do Ministério Público, também o Ilustre Mandatário da arguida – todos presentes na mesma audiência de julgamento – em momento algum põe em causa que se produziu prova dos factos cuja alteração foi requerida pelo assistente.
Y. Ou seja, face à prova produzida até ao momento – toda a oferecida quer pela acusação, quer pela defesa – apenas a Meritíssima Juiz pugna que “(…) face à prova produzida até ao momento (…)” era de indeferir o requerido pelo assistente, apesar do que fez verter a fls. 20, da sentença.
Z. Consigne-se: afinal, todos os sujeitos processuais não põem em causa o que ouviram a testemunha CC afirmar!
AA. Os factos narrados na acusação e pronúncia subsumem-se ao disposto no artigo 199.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal, a um único crime de fotografias ilícitas, não obstante integrarem duas ações previstas e punidas na lei – por um lado: o registo fotográfico da imagem do assistente e, por outro: a utilização deste mesmo registo, mediante a junção a processo judicial, factos que ocorreram em 14 de março e 18 de março de 2020 – cfr. factos 1. a 3. e 4. a 5., da acusação e da pronúncia, respetivamente.;
AB. os factos cuja alteração se requer terão lógica e necessariamente ocorrido entre estes dois factos e momentos, ou seja, entre o registo fotográfico da imagem do assistente, ocorrido a 14 de março, e o da junção ao processo, ocorrido a 18 de março – é o quanto a testemunha CC afirmou.
AC. Ou seja, não pode a ação – utilização/exibição de uma fotografia à testemunha CC constituir uma ação autónoma de responsabilização quando a utilização/junção ulterior da fotografia ao processo não foi autonomizada, dando lugar apenas à imputação de um único crime de fotografias ilícitas.
AD. A construção jurídica da defesa padece de lógica. Uma ação ocorrida temporalmente entre outras duas que integram uma mesma unidade jurídica, um único crime, não pode autonomizar-se como um crime diverso (um segundo crime), quando a própria conduta se traduz igualmente numa utilização da fotografia (ação típica prevista na alínea b), do n.º 2, da norma incriminadora, quando num mesmo quadro de resolução criminosa – mostrar a terceiros a imagem, fosse ou não para pedir que opinião fosse.
AE. Falamos de uma mesma fotografia, tirada pela arguida, exibida pela arguida (a terceiros) e junta pela arguida (a um processo judicial)! Um mesmíssimo pedaço de vida, de um momento que a arguida afirmou ter querido registar e… exibir e… divulgar – cfr. Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 11 de março de 2014 – citado em 72..
AF. Porque assim acontece e não faz sentido outra construção do ponto de vista jurídico, sempre respeitada por todos os intervenientes processuais, não estamos perante um crime diverso, é um mesmo pedaço de vida, uma mesma realidade e ocasião registada na fotografia que a arguida quis divulgar a várias pessoas (amiga, companheiro, advogados, magistrados, funcionários, etc);
AG. que, contrariamente ao alegado pelo Ilustre Mandatário da Defesa, não agrava os limites máximos das sanções aplicáveis – moldura abstrata – é a esta que o legislador se refere, incompreendendo-se e, nesta medida, não se respeitando a afirmação “(…) agravaria a condenação e, portanto, significa que aumenta os limites das sanções.”; e
AH. o alegado envolvimento de terceiros apenas decorre da necessidade que a defesa encontrou, como se demonstrará em sede própria – o do recurso da decisão final –, de ajeitar gradualmente a sua versão dos factos, à medida que as anteriores iam sendo rejeitadas.
AI. Já quanto ao segundo argumento: a prova adicional requerida pelo assistente poderia não ser sequer deferida, como, em parte, não o foi. Mas mais uma vez, o legislador, no seu artigo 358, n.º 1, do Código de Processo Penal, não faz depender o requerimento da conclusão da produção probatória – refere-se (como já vimos) ao “decurso” da audiência e foi precisamente neste momento que o requerimento foi apresentado – no decurso da audiência.
AJ. Para mais, apelando à boa memória do Ilustre Advogado – que o próprio num terceiro argumento apela – ficou registado que a Meritíssima Juiz determinou que os três requerimentos que o assistente tinha a apresentar o fossem num único e mesmo momento – como já transcrito –, por razões de economia processual, dando, assim, a palavra a todos os intervenientes processuais uma única vez – como já transcrito em 39..
AK. Não é, por isso, lícito, legítimo ou sequer jurídica e moralmente aceitável, intelectualmente honesto que tal argumento, o da prematuridade do requerimento, fosse, assim, sequer suscitado pela defesa, e muito menos fosse utilizado pela Meritíssima Juiz, quando foi a própria que impôs a sua formulação naquele momento, apesar das explicações apresentadas pela Ilustre Advogada do assistente.
AL. Quanto ao terceiro e último argumento, já atrás esgrimido, não se trata de um qualquer exercício do direito de queixa, nem da imputação de um crime diverso ao imputado quer na acusação, quer na pronúncia, pelo que, seria deselegante e recursivamente inconsequente voltar a tal questão – não se imputa crime diverso à arguida, mas sim uma valoração global dos diversos factos e ações pela mesma adotados, no contexto de uma única resolução criminosa – registar a imagem do assistente para depois a utilizar, como, quando e em que circunstâncias fosse – cfr. Acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 21 de março de 2007 – transcrito em 79.
AM. De todo o modo, impor-se-ia, em primeiro lugar, comunicar os factos que resultaram da prova já então produzida (o que não sucedeu com a prolação do despacho sub judice) e, só num momento ulterior, de qualificação de tal facto como consubstanciador de uma alteração substancial, ou não substancial, dar cumprimento ao disposto, respetivamente, nos artigos 359.º ou (disjuntivo) 358.º, ambos do Código de Processo Penal e, só então, dada a palavra à defesa, na sequência da comunicação, definir quais os ulteriores termos da audiência de julgamento, nomeadamente se concluída, ou não, a produção probatória, se avançaria para alegações.
AN. E só na sequência disso, discutir-se-ia, por exemplo, e nos termos do disposto no artigo 359.º, do CPP, da legitimidade do Ministério Público para, em novo procedimento criminal, investigar ou não, autonomamente o crime.
Pelo exposto, improcedem de facto e de Direito os fundamentos do despacho judicial ora sob juízo rescisório, devendo o mesmo ser revogado, substituído por outro que julgue o(s) facto(s) decorrentes da produção de prova como subsumíveis ao disposto no n.º 1, do artigo 358.º, do CPP e, consequentemente, o(s) comunique, retomando o momento processual da audiência de julgamento de produção de prova e concedendo a palavra à defesa, não para pronunciar quanto ao requerido, mas quanto à necessidade ou não de requerer prazo de preparação de defesa – aliás, não prescindido – e, bem assim, declarar a anulação da sentença, porque novos factos impor-se-iam considerar, novas convicções impor-se-iam formar e, porventura, outra decisão final impor-se-ia proferir.
Saliente-se que, sob pena de violação do segundo grau de jurisdição, consagrado, entre o mais, no artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa, competirá a V. Exa. a prolação de decisão rescisória do despacho judicial proferido em 1ª instância, cingindo-se aos fundamentos apresentados no mesmo, não valendo outros que o substituam, que constituiriam decisões surpresa e impeditivas de argumentação em grau diverso de jurisdição.
(…)
Quanto à sentença:
(…)
1.º Situemos o thema decidendum: decidiu bem o Tribunal a quo, absolvendo a arguida da prática do crime que lhe era imputado?
2.º Por via do presente recurso impugna-se, primeiramente, a decisão proferida sobre a matéria de facto:
3.º No facto provado A) fez-se constar matéria, designadamente: “(…) e dotado de videovigilância.”, sem que alguma prova houvesse sido produzida a respeito, confundindo dever legal dos operadores comerciais com a realidade.
4.º Acaso tal facto resultasse provado – e não resulta – e fosse relevante, do mesmo concluir-se-ia que a arguida, convencida do mesmo (da existência de videovigilância), nenhuma razão tinha para o registo fotográfico (porque logicamente desnecessário).
5.º No facto provado B), desatendendo às declarações prestadas, o Tribunal a quo ignorou que a criança – filho comum do ex-casal – passou a semana com a arguida, desde o dia 06 de março (sexta-feira) até ao sábado 14 de março, e não apenas o dia de aniversário,
6.º e, ultrapassando a competência jurisdicional criminal, arrogando-se em Juízo de Família e Menores, deu por provado algo que jamais poderia fazer nesta jurisdição: julgou a inexistência de incumprimento do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais fixado,
7.º quando, nos termos do mesmo (regime provisório), a criança deveria ter ficado na residência do assistente (progenitor), após as 16 horas e 30 minutos, do dia 13 de março de 2020, como decorre de ata judicial dos autos de regulação das responsabilidades parentais junta aos autos.
8.º Pelo que, a decisão da arguida em entregar o filho comum cerca das 10 horas e 30 minutos do dia 14 de março de 2020, consubstanciou uma decisão unilateral, não negociada, da arguida, e à revelia da decisão judicial que fixou regime provisório de regulação das responsabilidades parentais.
9.º As decisões da arguida, quer de entrega intempestiva da criança, quer do registo de imagens que não foram alheias à relação de proximidade entre a Meritíssima Juiz de Família e Menores – Dra. EE – e a advogada da arguida – Dra. FF – também advogada da Meritíssima Juiz,
10.º facto que, descoberto e denunciado pelo assistente, o motivou a reunir-se de especiais cautelas nas ações que envolvessem a criança e a arguida (chamada das autoridades policiais) e determinou a prolação de uma Douta Decisão pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e o imediato afastamento da Meritíssima Juiz de Família e Menores – por deferimento de suspeição.
11.º Mas nada disso foi ponderado, designadamente para que se percebessem as verdadeiras razões, quer do assistente, quer da arguida.
12.º No facto provado C), entre o mais, o Tribunal a quo fez constar que a Esquadra do Campus da Justiça “(…) não tem atendimento ao público.”
13.º Fê-lo sem que se fundamentasse em qualquer prova, ignorando o teor de um documento oficial junto na sessão de audiência de julgamento de 25 de maio de 2023, donde consta: “Como regra geral, os polícias que exercem funções nesta Esquadra não podem «abandonar» as suas missões, pelo que respondem indiretamente a pedidos de intervenção formulados por particulares, ou seja, perante o caso concreto, ou indicam onde o particular se poderá/deverá dirigir, ou havendo necessidade de intervenção imediata, solicitam o apoio de polícias de outras Unidades Policiais, designadamente da Esquadra Territorialmente competente, no caso, a 40ª Esquadra da 2ª Divisão Policial do Comando Metropolitano de Lisboa.” – este sim, facto que deveria constar como provado.
14.º Facto este que, provado documentalmente, deveria ter resultado provado em C).
15.º No facto provado E) consigna-se que a arguida registou, contra a vontade do assistente, a imagem deste “(…) para posteriormente vir a demonstrar a eventual (in) justificada presença de agentes da Polícia de Segurança Pública no local naquele momento estando igualmente presente o assistente (conduta que é objecto de investigação em processo crime que corre termos na Procuradoria Geral Regional de Lisboa) e para demonstrar, junto do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais do seu filho menor, o comportamento do assistente nesta circunstância e na presença do filho BB.”
16.º Em primeiro lugar, nem a própria arguida afirmou tal primeiro segmento do facto (cfr. 68. a 73. do presente requerimento de interposição de recurso), nem o segundo segmento é verdadeiro,
17.º em segundo lugar, não se percebe de onde o Tribunal a quo retirou a ideia que na Procuradoria-Geral Regional de Lisboa se investiga a justificada ou injustificada presença de agentes da Polícia de Segurança Pública no local naquele momento, uma vez que não dispõe nos autos de qualquer peça processual respeitante a tal inquérito para concluir ser aquele o respetivo objeto, até porque não o é.
18.º Tudo numa lógica de recetividade da versão da defesa – vertida apenas na contestação –, ainda que sem ter sustentação em prova e desconsiderando as declarações do assistente, a dinâmica e tempo de duração dos factos, o foco da arguida nos agentes de autoridade que a abordavam precisamente no momento em que o filho comum do ex-casal já se encontrava no veículo do assistente - como provado em D) –, o teor do requerimento junto a 18 de março de 2020, pela arguida, aos autos de regulação das responsabilidades parentais, e do auto lavrado pela autoridade policial, donde resulta: “Mais se informa que a entrega do menor ocorreu sem incidentes tendo o menor seguido de imediato não presenciando o procedimento de identificação dos intervenientes.”
19.º Admitir versão diversa é ir até contra a própria contestação penal, no artigo 20, pelo punho de outro Ilustre Advogado da arguida, a mesma sustenta: “Depois de o menor entrar no carro do pai, os Agentes da PSP solicitaram que a Arguida se identificasse.”
20.º Não restam, pois, dúvidas, que nem a arguida tirou a fotografia porque suspeitava do que quer que fosse, nem que os agentes tenham solicitado a sua identificação antes do filho BB ter entrado no veículo do assistente, pelo que o facto provado E) deve ser reformulado e expurgado de conteúdo não provado e o facto não provado 1) deve ser reformulado e julgado provado em medida simétrica.
21.º Também o facto provado F), na parte em que consta existir “(…) um conflito entre os progenitores”, à data de 14 de março de 2020, não corresponde à verdade e à prova – à data existia apenas um processo de regulação das responsabilidades parentais, que tem o n.º 3425/19.4..., que tinha um requerimento inicial de uma página em que o ora assistente, naquele processo requerente, requeria ao Tribunal a regulação das responsabilidades parentais do filho BB, comunicando que os progenitores do mesmo não haviam alcançado acordo quanto ao exercício de tais responsabilidades,
22.º seguem-se despachos judiciais a designar data para a realização de conferência e teve lugar a própria conferência de pais, onde foi fixado um regime provisório com quatro pontos – cfr. documento de fls. 614 – e os progenitores acordaram na mediação familiar, sem que, naquele processo, existisse qualquer conflito instalado, devendo a redação do facto observar esta realidade.
23.º No facto provado G), o Tribunal a quo consigna que a arguida juntou a fotografia contra a vontade do assistente.
24.º Em rigor, o assistente não manifestou qualquer oposição à junção da fotografia, porquanto desconhecia que a junção iria ter lugar, logo à mesma não se opôs. No limite, poderia julgar-se provado que a junção da fotografia foi sem autorização ou sem consentimento do assistente, redação que se requer.
25.º No facto provado H), o Tribunal a quo consigna que a arguida estava “(…) plenamente convencida da licitude da sua conduta.”
26.º Este facto resultou como provado fruto de um ostensivo erro na apreciação da prova, porquanto, preterindo toda a prova apresentada pela acusação, aceitou-se por bem a versão apresentada pela defesa em contestação,
27.º desatendendo às contradições encerradas nas próprias declarações prestadas pela arguida em diferentes fases do processo – acima assinaladas,
28.º bem como as discrepâncias e contradições entre estas declarações e os depoimentos das testemunhas arroladas pela defesa,
29.º e as inconsistências e contradições entre os depoimentos prestados pela testemunha CC em diferentes fases do processo e destes com o da testemunha GG, como acima se transcreveu e demonstrou.
30.º Mais, pela simples lógica e sem recurso à prova, acaso a arguida estivesse convencida desta licitude o lógico teria sido começar a registar, em filme e não fotograficamente, o episódio desde o seu início, o que não fez,
31.º como se tal não bastasse, o facto é que a arguida só o faz (ou seja, só tira a fotografia) quando já encerrada no interior do seu veículo automóvel, precisamente, porque sabedora da incapacidade de reação de quem quisesse opor-se à ilicitude da sua conduta,
32.º e a reforçar a ausência de convencimento da licitude da conduta da arguida está o próprio depoimento das testemunhas que arrolou, a quem alegadamente pediu opinião,
33.º ora, um “homem médio” apenas pede opinião a juristas – advogados ou magistrados - se precisamente não estiver convencido da ilicitude da sua conduta – pelo que tal facto deve ser julgado não provado.
34.º Prosseguindo: reforçando o desejo de fundamentar a decisão que queria proferir, o Tribunal a quo, no facto provado I), faz constar: “A descrita entrega do BB ao pai não deu origem a qualquer incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais no processo indicado em F).”
35.º Não sendo um facto falso, vem descontextualizado, isto porque:
a) o assistente explicou que foi aconselhado a não apresentar qualquer incidente numa fase em que se havia optado pela mediação familiar;
b) o assistente explicou que a dedução de tal incidente não seria producente, considerando que seria decidido pela Meritíssima Juiz de Família e Menores sobre quem recaia uma suspeição, que foi julgada procedente;
c) o assistente explicou que a própria arguida se “antecipou” na exposição de uma versão dos acontecimentos que tornariam o processo tutelar cível de incumprimento irrelevante, até porque, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 41.º, do RGPTC, esta reação visa: o cumprimento coercivo – já impossível – e a, irrelevante e não desejada, condenação da arguida em multa; e
d) o assistente está convencido que a arguida só persistiu no incumprimento do momento da entrega porque convencida que a Meritíssima Juiz suspeita lhe daria razão, a coberto da relação existente entre esta e a Ilustre Advogada de ambas, escolhida convenientemente em preterição do seu anterior Ilustre Mandatário – Dr. HH com quem o assistente vinha reunindo até então, devendo, por isso, o facto ser desconsiderado, porque irrelevante, ou complementado pelo contexto suprarreferido que deve resultar provado.
36.º Diferente e absolutamente desconsideradas foram as razões aduzidas pelo assistente para ter chamado as autoridades, designadamente:
a) estarmos, pela primeira vez, em situação de incumprimento de um regime (provisório é certo) de regulação das responsabilidades parentais;
b) que pode traduzir-se numa primeira subsunção dos elementos objetivos e subjetivos do tipo previsto no artigo 249.º, do Código Penal, para cujo preenchimento se exige reiteração;
c) e daí o assistente ter-se precavido com a presença da autoridade policial, que consabidamente esteve no local apenas para efeitos de identificação dos envolvidos.
37.º É evidente que o facto não provado em 1) teria de figurar como um dos factos provados, dando-se aqui por reproduzidas as razões acima apresentadas nos artigos 15.º a 20.º.
38.º Não restam, pois, dúvidas, que os agentes apenas solicitaram a identificação da arguida após o filho BB ter entrada no veículo do assistente.
39.º Os factos não provados em 2) e 3) resultam, por certo, de dois lapsos, porquanto, por um lado, “legitimidade” é um conceito jurídico, uma conclusão e não um facto e, por outro lado, o tipo legal utiliza o vocábulo “legitimamente” para se referir à participação em evento por parte da arguida – absolutamente irrelevante para os autos.
40.º Ter-se-ia de demonstrar/provar que quer a captação da imagem, quer a junção da fotografia se traduziam na única forma de a arguida exercer um direito ou realizar um interesse e, por isso, justificassem a violação do direito à imagem do assistente.
41.º Legitimidade foi algo que não houve e só poderia haver se o assistente houvesse autorizado a captação da sua imagem – isso sim, traria legitimidade para o registo da sua imagem.
42.º O facto não provado em 4), para assim ser julgado, implicaria que se provasse ter existido utilidade de tal captação ou junção, o que não se provou – questionar-se-á mesmo: qual a vantagem/utilidade real, efetiva, processual, pessoal para a captação da imagem do assistente? E a resposta é: nenhuma.
43.º A fotografia (de per si) nada prova, revela, demonstra, limita-se a ser um retrato da imagem dos visados.
44.º Como bem referiu o Digníssimo Magistrado do Ministério Público: “(…) a fotografia não ilustra nada de relevante que não seja a imagem do visado e aqui ofendido, que foi aquela que a arguida quis captar. Não tinha qualquer fundamento, legitimidade ou justificação para tal.” e bem concluiu o Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal: “Os agentes estavam identificados, os pormenores da entrega estavam eloquentemente documentados nos mails trocados, então para quê fotografar?”.
45.º Sustentar qualquer parte da decisão no depoimento da testemunha GG equivale a desconsiderar que o mesmo apenas surge no processo em sequência de uma alteração do rol de testemunhas da contestação.
46.º Ou seja, não foi uma testemunha presencial dos factos, não foi considerada importante para a fase de inquérito, não foi considerada relevante para a fase da instrução e foi “esquecida” em sede de contestação.
47.º Nunca foi referenciada pela arguida ou pela testemunha CC, nunca lhe foi exibida a fotografia, contudo “nasce” no processo com a voz pseudo embargada, que se penitencia por ter sido “responsável pela existência deste processo” - descrevendo um episódio que a testemunha CC, em sede de instrução, sob juramento, declarou não ter existido.
48.º Isto para não destacar ter sido uma testemunha que se afirmou próxima da arguida há 6 (seis) ou 7 (sete) anos, levando-nos a um momento histórico em que assistente e arguida ainda eram um casal e aquele nunca conheceu a testemunha,
49.º acrescentando-se o facto da testemunha CC (que apresentou a testemunha GG à arguida), se referir à mesma, em março de 2020, como uma pessoa estranha à arguida, porquanto a introduz como uma sua amiga e ainda desconhecida da arguida.
50.º Os factos não provados em 5) e 6) são deveras intricados. Não resultou provada qualquer legitimidade da arguida, nem utilidade na captação da imagem, logo, tais factos deveriam ter resultado provados.
51.º Tanto mais que a arguida sabia, como qualquer pessoa, para mais com formação jurídica de nível superior e largos anos de experiência na advocacia, que a sua conduta era proibida, isso mesmo resulta da sua clara perceção à oposição pelo assistente e da sua “alegada” necessidade de aconselhar-se com a sua Ilustre Advogada.
52.º É óbvio que a arguida sabia que a conduta era proibida e punida por Lei, precisamente por isso a adotou quando encerrada no interior do seu veículo, obstaculizando uma qualquer oposição ao registo da imagem, num momento em que já havia recolhido todas as informações de identificação que julgou pertinentes, já havia sido dispensada a sua presença e a ação policial tinha efeitos meramente identificativos.
53.º A este respeito (destes factos), havendo uma manifestação contradição das versões da arguida e do assistente, o Tribunal a quo quedou-se sem motivação (enunciar o que cada qual diz, não constitui uma análise crítica da prova), porquanto desconhecemos as razões pelas quais a versão deste último não mereceu credibilidade, mas mais ainda, não explica o percurso lógico para afastar o afirmado pelo assistente.
54.º E revelando/demonstrando a desatenção na produção de prova, o Tribunal a quo desconsidera o declarado pelo assistente, que transmitiu que apurou posteriormente que a Esquadra Territorialmente Competente seria a 40ª Esquadra, para considerar um “feito incrível”, que a arguida, que declarou ter telefonado para a Esquadra dos Olivais – a 34ª Esquadra – telefonou para a esquadra com competência na área, nas palavras da arguida: com jurisdição na zona!
55.º Quando um Tribunal a quo ouve, pela voz da arguida, que esta telefonou para a Esquadra dos Olivais e conclui, convence-se, que a mesma telefonou para a esquadra com competência na área, quando a mesma é a 40ª Esquadra, é evidente que não realiza uma boa apreciação da prova e, por isso, cria uma convicção falsa dos acontecimentos.
56.º O erro na apreciação da prova é tão mais flagrante quando ocorre a desconsideração do depoimento da testemunha II – rico em conteúdo, seguro nas razões de ciência, espontâneo e firme – tudo isto apesar de corretamente transcrito o seu teor (cfr. 216. do requerimento de interposição de recurso) – que deita “por terra” as declarações da arguida e, em parte, o depoimento da testemunha JJ.
57.º E a propósito deste depoimento, impõe-se salientar que o mesmo foi colhido sem observância do disposto no artigo 134, do Código de Processo Penal, vício que admite-se ter ficado sanado, se considerada uma nulidade sanável e, por isso, não arguida pelo assistente, ou como uma nulidade probatória, que se argui, deixando ao prudente critério de Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores a tarefa de decidir.
58.º O Tribunal a quo insistindo em deturpar a prova documental e demais prova testemunhal credibiliza o depoimento desta testemunha, manifestamente parcial.
59.º Numa lógica que se incompreende, o Tribunal a quo escreve que a testemunha viu o assistente acompanhado de dois polícias, mas simultaneamente diz que um deles andava de um lado para o outro, em direções opostos, ora indo ter com o assistente, ora indo ter com o outro colega. Em que ficamos? Ou estão os três juntos, ou estão todos separados e há um elemento móvel que circula entre ambos?
60.º Deu-se incompreensível credibilidade a um depoimento parcial, contrário ao prestado pelo assistente e pelas testemunhas policiais – todos estes “preparados” e “alertados” para apreender os acontecimentos, ao contrário da testemunha JJ, desconhecedor e até surpreendido com o que veio a acontecer, sem tempo nem ângulo de visão para descrever a dinâmica falsa que descreve.
61.º Ainda que se admita que a testemunha JJ tenha estado a tirar fotografias aos factos, certo é que estava distraído, pois não reparou que o assistente estava com a carteira na mão, nem mesmo se apercebeu que a arguida, sentada ao seu lado no interior do veículo, tirou fotografias ao assistente e aos agentes da P.S.P., tendo estes, num local mais afastado, percebido. Mas mais importante que tudo isso:
62.º Admitamos a motivação do Tribunal a quo. a) a testemunha JJ tirou vinte e cinco fotografias ao que estava a acontecer; b) porque perturbado.
63.º Ora, só pode ter ficado perturbado com a identificação policial da arguida (pois, por certo não ficou chocado com a identificação do assistente, que, aliás, sequer presenciou).
64.º Não é crível que a testemunha tenha omitido a exibição das fotografias que tirou à arguida.
65.º Logo, queda por explicar por que razão a arguida junta ao processo a fotografia que tirou ao assistente, se teria à sua disposição as fotografias tiradas pelo seu companheiro, a testemunha JJ, estas sim retratando o episódio de identificação policial em que a arguida estava envolvida.
66.º Seriam estas fotografias, tiradas pelo companheiro da arguida, as mais exatas para descrever o “momento”, o “episódio de identificação policial”, sem violação do direito à imagem do assistente.
67.º Retirando-se a réstia de legitimidade atribuída à conduta da arguida, uma vez que o direito do assistente não teria sido sacrificado e as fotografias tiradas pelo companheiro da arguida, precisamente num momento em que os factos – identificação policial – estava a decorrer, e não depois de ter cessado todo o episódio – momento em que a arguida tira a fotografia.
68.º O assistente, ora recorrente, não se pode conformar que o Tribunal a quo se convenceu de que a arguida (sendo a autora da fotografia de fls. 7 registada sem a autorização do assistente, para registar o momento) estava convencida da licitude da sua conduta.
69.º Excetuando as fotografias tiradas inadvertidamente, a razão pela qual se tiram fotografias é precisamente – registar o momento – é a dita verdade de Monsieur de la Palice, pelo que esta parte poderia e deveria ter sido omitida de todo e qualquer processo de formação de convicção.
70.º E o convencimento da licitude do ato é tudo menos real, porquanto:
a) a arguida não retrata os acontecimentos por ter medo de ser presa ou detida, porquanto o registo ocorre quando a mesma já havia sido identificada e dispensada pela autoridade policial – logo só surgiu a “necessidade de fotografar” no final de um episódio e não no decurso do mesmo;
b) o registo ocorre com a mesma dentro do seu veículo, já trancado e com vidros fechados, num contexto de impedir qualquer oposição ao referido registo, ou seja, ciente que não o podia fazer, quis ter a certeza que não havia quem a impedisse;
c) tendo consciência da oposição do assistente, que faz ruir qualquer convicção de legitimidade; e
d) acaso estivesse convencida da licitude da sua conduta não questionava ninguém sobre a essa mesma licitude, como o fez.
71.º Mais ainda, a litigiosidade existente entre a arguida e o assistente era, como sabemos, recíproca, aliás, o documento de fls. 673, datado de 18 de fevereiro de 2020, ou seja, anterior aos factos sub judice revela bem a atitude da arguida – uma pessoa que chama as autoridades para autuarem o assistente por alegada contraordenação rodoviária, uma pessoa que ameaça os agentes da P.S.P. que foram ao local com participações à IGAE, tudo numa postura nada intimidada, mas antes intimidatória.
72.º Foi o assistente quem solicitou a presença de autoridade policial para ser lavrado expediente sobre o episódio de entrega, logo, existiria prova da factualidade que a fotografia não retrata, tornando-a ridícula e descontextualizada.
73.º Logo, num pensamento de tipo silogístico, do ponto de vista da legitimidade e da justificação quem sempre quis, de forma não contendora com os direitos individuais de ninguém, reunir a prova dos acontecimentos foi o assistente, não sendo legítimo concluir que a arguida pudesse sequer presumir que tais acontecimentos não estariam documentados em expediente policial.
74.º Donde se conclui também que não era à custa do sacrifício do direito à imagem do assistente que o meio de prova sobre os acontecimentos seria assegurado. O assistente diligenciou precisamente por isso, não era sequer lógico assumir que o assistente viria negar a verificação dos factos para que uma fotografia houvesse de existir e ser utilizada, tanto mais que foi o próprio assistente quem diligenciou pela presença da autoridade policial no local,
Quanto ao Direito
75.º Após ter acolhido diversas ideias de tal comentário de Manuel da Costa Andrade ao artigo 199.º, do Código Penal, o Tribunal a quo parte para a análise articulada dos artigos 31.º, n.º 1, do Código Penal e 79.º, n.º 2, do Código Civil, aconchegando-se à tese da defesa, porém, sem razão.
76.º E isto porque a “atipicidade criminal” que se refere, na ausência de consentimento do visado, implicaria uma das alternativas previstas no n.º 2, do referido artigo 79.º, do Código Civil. Percorramos o mesmo:
77.º O consentimento da pessoa não é necessário (e note-se: in casu mais do que ausência de consentimento houve oposição expressa e percebida pela arguida) quando:
a) a notoriedade da pessoa retratada o justifique – não é o caso; ou
b) o cargo que desempenhe o justifique – não é o caso; ou
c) exigências de polícia o justifique – não é o caso – a polícia estava presente, não se vislumbra que intervenção policial seria pretendida pela arguida que não a pudesse obter de imediato; ou
d) exigências de justiça o justifique – não é o caso – como vimos, a fotografia não capta nada que o expediente policial lavrado não descrevesse e identificasse. Expediente policial esse, cuja existência a arguida conhecia, que constituía meio de prova pretendido ab initio pelo próprio assistente, que foi quem solicitou a presença policial no local precisamente para o efeito de presenciarem o momento da entrega (que nem sequer foi o registado pela arguida, como também não o foi a ação de identificação) e sempre teria alguma(s) (das) fotografia(s) tirada(s) pelo seu companheiro; ou e) finalidades científicas, didáticas ou culturais – não é o caso; ou
f) a reprodução da imagem vier enquadrada em lugar público ou na de factos de interesse público – que também não é o caso.
78.º Em suma: não se verifica sequer uma das situações a que alude o artigo 79.º, n.º 2, do Código Civil, e muito nos espantava que a arguida mentalmente houvesse percorrido estas várias alternativas, por remissão do Código Penal, numa fração de segundo em que decidiu tirar as fotografias.
79.º Já a menção do Tribunal a quo faz, para sustentar a sua intenção absolutória, a questões do “(…) núcleo essencial da vida privada, sensível de cada pessoa, como sejam a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita (…)” e, assim, admitir a legitimidade do registo fotográfico, claudica.
80.º Pois esquece-se que o direito à imagem constituindo um bem jurídico-penal autónomo, tutelado em si e por si, está, desde a reforma penal de 1995, construído independentemente daqueles valores acima referidos, da privacidade e da intimidade, porquanto o legislador quis, afastar-se da versão original de 1982 (artigo 179.º), em que o tipo criminal apenas era preenchido quando a fotografia registasse aspetos da vida particular de outrem.
81.º A atual redação do artigo 199.º, do Código Penal obliterou, por completo, esta referência, preenchendo o tipo legal a fotografia de outra pessoa, não mais se exigindo que fossem aspetos da vida privada os registados pela fotografia.
82.º Outro entendimento levaria que o retrato da imagem de qualquer pessoa, desde que desassociado de aspetos da vida particular, pudesse ser feito, mesmo sem consentimento do visado.
83.º A tudo isto se acrescente o facto de haver resultado provado que a arguida exibiu a(s) fotografia(s) em causa a, pelo menos, duas pessoas – as testemunhas CC e JJ, sem que esta utilização se possam justificar à luz de qualquer uma das situações previstas no n.º 2, do artigo 79.º, do Código Civil e, sabedora disso, o Tribunal a quo, simples e puramente desconsiderou tais factos provados, porquanto os mesmos levariam indesejavelmente à prolação de decisão condenatória, não pretendida.
Posto isto, Venerandos Juízes Desembargadores, espera-se que se faça Justiça. Que se anule a sentença proferida e considerando a sã apreciação da prova trazida aos autos se condene a arguida pela prática do crime pelo qual veio pronunciada, ou, alternativamente, se anule o julgamento, determinando a sua repetição.
(…)
IV. O Ministério Público em primeira instância respondeu aos recursos, concluindo que:
do despacho recorrido:
(…)
A) O despacho recorrido não padece de qualquer nulidade, vicissitude ou irregularidade;
B) O aditar dos factos pretendidos pelo assistente, naquele momento, revelava-se prematuro face à prova que ainda cabia produzir;
C) O aditamento e, a final, o conhecimento de uma nova conduta eventualmente ilícita e típica sempre seria uma alteração substancial no sentido em que imputava um novo ilícito criminal e, consequentemente, aumentava a moldura penal aplicável em concreto;
D) Caso a alteração pretendida fosse não substancial dos factos descritos na acusação ou pronúncia, com relevo para a decisão da causa, a comunicação ao arguido não era aplicável porque ocorrida no decurso da produção de prova arrolada pela arguida e que a mesma tinha já conhecimento anteriormente;
E) Não violou qualquer normativo legal a decisão de indeferimento do requerido devendo manter-se “in totum”, o despacho ora recorrido.
(…)
da sentença:
(…)
A) Foi o presente recurso interposto da sentença proferida a 12 de Julho de 2023 que absolveu a Arguida da prática de um crime de fotografias ilícitas, previsto e punido pelo artigo 199.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal.
B) Pretende o recorrente que seja julgada procedente a peticionada alteração da matéria de facto e em consequência ser a arguida condenada, seja anulada a sentença na parte em que aplicou o regime conjugado dos artigos 31º do Código Penal e 79º, nº 2 do Código Civil e, subsidiariamente, seja determinada a anulação do julgamento.
C) A arguida respondeu e invocou, no que de mais essencial define o âmbito dos autos, que o que se discute neste processo é se pode a mãe de uma criança utilizar, no âmbito de um processo de regulação de responsabilidades parentais, fotografia do pai da mesma criança acompanhado de agentes da PSP, num local público e que não revela quaisquer pormenores da vida privada, para demonstrar que a entrega do filho menor aconteceu naquelas circunstâncias, sem qualquer justificação, concluindo por uma resposta afirmativa.
D) A factualidade base e objectiva encontra-se dada como provada, qual seja, a arguida tirou aquela fotografia, naquele momento, e utilizou-a no processo que mantinha estas partes em litígio quanto à regulação das responsabilidades parentais.
E) O assistente não se conforma com a valoração que o Tribunal fez da prova colhida nos autos, seja documental seja testemunhal nem com a interpretação jurídica realizada.
F) Em nosso entender, não se verifica qualquer nulidade da sentença ou contradição entre o julgamento da matéria de facto e respectiva fundamentação, e a interpretação jurídica realizada, aplicando o disposto no artigo 79º, nº 2 do Código Civil, não colide com um Princípio de Justiça e Equidade entre os valores em confronto dentro do contexto relacional entre estas partes e, especialmente, no momento a que se refere a fotografia e o fim a que se destinava.
(…)
A arguida respondeu também a ambos os recursos, concluindo que:
quanto ao recurso do despacho proferido em acta:
(…)
A. No decurso da audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 16 de junho de 2023, o Assistente, por intermédio da sua Ilustre Mandatária, requereu a alteração (pretensamente) não substancial dos factos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 358.º do CPP.
B. Para tal, alegou que do depoimento prestado pela testemunha CC durante a sessão da audiência de discussão e julgamento de 25 de maio de 2023 resultara que a Arguida lhe teria exibido a fotografia por si captada no dia 14 de março de 2020, a qual perfaz o objeto dos presentes autos.
C. Do despacho proferido pelo Tribunal a quo, que indeferiu o requerimento apresentado, interpôs o Assistente o Recurso a que ora se responde.
D. Em síntese, alega o Assistente que o facto que pretende ver aditado consubstancia uma alteração não substancial do objeto do processo e que o requerimento em que o solicitou foi apresentado oportunamente.
E. Encontra-se, desta forma, delimitado o objeto do Recurso, pelo que é irrelevante a restante matéria invocada pelo Assistente, mormente, os pretensos vícios alegadamente cometidos no decurso da audiência de discussão e julgamento (cf. pontos 1 a 10 das alegações do Recurso) – que, de resto, nunca foram sequer invocados –, dos quais não se retiram quaisquer conclusões, e que revelam, salvo o devido respeito, uma tentativa desonesta de descredibilização do Tribunal a quo.
F. Compulsado o Recurso apresentado pelo Assistente, conclui-se que este deve improceder, pelas razões que ora se detalharão.
II. O facto novo consubstancia uma alteração substancial dos factos descritos na Acusação e na Pronúncia:
G. Ao contrário do que sucede a respeito da alteração não substancial de factos a alteração substancial dos factos gera, na ausência de concordância do arguido (e do assistente) para a continuação do julgamento pelos factos novos, um limite à cognição do Tribunal, que, sob pena de nulidade da decisão, não poderá tomar tais factos em consideração na decisão condenatória (cf. artigo 359.º, n.º 1, do CPP).
H. Segundo os artigos 359.º, n.º 1, e 1.º, alínea f), do Código de Processo Penal, ocorrerá uma alteração substancial de factos na fase de julgamento sempre que se introduza um facto novo que comporte a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
I. Entre nós, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem pugnado pelo entendimento segundo o qual a alteração substancial dos factos pressupõe uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
J. Assim, é possível afirmar que a alteração dos factos não impacta os direitos do arguido quando os factos são meramente concretizadores ou esclarecedores dos constantes primitivamente da acusação ou da pronúncia. Quando se ultrapassa tal barreira, estaremos perante uma alteração substancial dos factos.
K. Numa palavra, para que a alteração dos factos se tenha por não substancial, não pode descaracterizar o quadro factual da acusação, nem pode assumir relevância para alterar a valoração social e penal do facto ou para a determinação da moldura penal.
L. In casu, resulta evidente que a alteração dos factos requerida pelo Assistente é substancial, pois configura a imputação de um crime diverso.
M. Com efeito, a factualidade nova que o Assistente pretende ver acrescentada aos presentes autos altera elementos essenciais do crime descrito na Acusação, pois vem submeter a julgamento um ato típico adicional: a exibição da fotografia a terceiros.
N. Ora, a imputação à Arguida, nesta fase do processo, da exibição da fotografia captada a terceiros implica acusá-la, na reta final do julgamento, de levar a cabo mais comportamentos típicos, noutros contextos que nada têm que ver com os que constam da Acusação ou da Pronúncia e, portanto, de ter atingido mais vezes o bem jurídico protegido pela incriminação.
O. Portanto, em bom rigor, o facto novo que se pretende aditar implica uma alteração dos elementos essenciais do crime descrito na Acusação e na Pronúncia.
P. E não o faz, sublinhe-se, numa lógica de especificação dos factos já narrados no processo, pois aponta para uma conduta típica do crime de fotografias ilícitas ocorrida fora do circunstancialismo fixado na Acusação e na Pronúncia e que envolve terceiros que são alheios ao objeto do processo, pelo que não se poderá concluir pela verificação de uma identidade do facto processual.
Q. Por outro lado, trata-se também de matéria factual que caso viesse a ser aditada, provada e levada em consideração num cenário de eventual condenação, seria suscetível, em abstrato, de agravar a sanção aplicável, em flagrante violação das mais basilares garantias de defesa da Arguida.
R. Sublinhe-se, de resto, que a captura de uma fotografia ilícita, por um lado, e, por outro, a exibição do conteúdo ilicitamente fotografado a terceiros, são duas realidades fácticas distintas, que são, aliás, tratadas de modo diferenciado pelo legislador.
S. Com efeito, o próprio legislador reconhece, no enquadramento jurídico-penal que faz dos factos típicos do artigo 199.º do Código Penal, que fotografar e utilizar – conceito no qual se insere, a exibição do conteúdo fotografado a terceiros – são modalidades autónomas e inconfundíveis do crime de fotografias ilícitas,
T. De onde resulta que é também autónoma e inconfundível a base factual subjacente a cada uma das referidas modalidades.
U. Pelo exposto, tratando-se de uma alteração substancial de factos, o seu aditamento ao objeto do processo configuraria uma vicissitude acusatória que, evidentemente, a Arguida nunca pôde antecipar, não tendo, por isso, exercido Defesa, pelo que se impõe a sua rejeição.
V. Sublinhe-se, de resto, que mesmo que houvesse dúvidas – e não há – sobre a natureza da alteração operada, deveria o Tribunal, em prol das garantias de defesa do arguido, considerar a alteração como substancial.
III. Ainda que se considere que o facto novo é autonomizável, a sua comunicação não poderá conduzir à abertura de novo processo-crime, uma vez que o direito de queixa se encontra extinto:
W. De todo o modo, ainda que se entendesse que o facto suscitado pelo Assistente é autonomizável – o que não é –, certo é que já não poderia ser prosseguido processo-crime contra a Arguida pela referida factualidade, como exigiria o artigo 359.º, n.º 2, do CPP.
X. Isto porque a possibilidade prevista no n.º 2 do artigo 359.º do CPP se encontra sujeita às condições gerais de procedibilidade previstas no processo criminal, mormente, nos artigos 49.º e 50.º do CPP.
Y. Ora, o crime de fotografias ilícitas, previsto e punido pelo artigo 199.º do Código Penal, é um crime semipúblico, pelo que o respetivo procedimento criminal depende da apresentação de queixa (cf. artigo 199.º, n.º 3, do Código Penal).
Z. Como tal, aplicam-se as regras que dispõe sobre o exercício do direito de queixa, em particular, os prazos de caducidade previstos no artigo 115.º, n.º 1, do CPP, nos termos do qual o direito de queixa se extingue no prazo de seis meses a contar da data em que o seu titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores.
AA. In casu, o Assistente teve conhecimento alegado facto e do seu (pretenso) autor durante a fase instrutória, uma vez que no dia 15 de setembro de 2022, ao ser ouvida perante o Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, a testemunha CC referiu que a Arguida lhe teria mostrado as fotografias captadas no dia 14 de março de 2020.
BB. Assim, pelo menos desde 15 de setembro de 2022, o Assistente reunia o conhecimento necessário para adotar uma de duas vias possíveis: ou requeria, perante o Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, a alteração dos factos descritos na Acusação – o que, no limite, poderia valer como queixa perante o Ministério Público –, ou apresentava queixa autónoma pelo novo facto.
CC. Desta forma, o prazo para o exercício do direito de queixa começou a correr no dia 15 de setembro de 2022, extinguindo-se, consequentemente, no passado dia 15 de março de 2023.
DD. Pelo exposto, conclui-se que andou bem o Tribunal a quo ao indeferir a ilegal introdução de um facto novo que materializaria uma alteração substancial do objeto
do processo à qual a Arguida não consentiu, nem consente, devendo, por isso, o Despacho recorrido ser confirmado in totum.
IV. A (in)oportunidade do requerimento apresentado:
EE. Finalmente, e sem prejuízo de tudo quanto se expôs, decidiu bem o Tribunal a quo, ao considerar que o requerimento apresentado pelo Assistente era inoportuno, uma vez que ainda iria ser produzida prova com relevo para a decisão da causa.
FF. Com efeito, o Assistente solicitou a alteração dos factos em moldes que imputam, à Arguida, a prática de novos atos típicos, antes, sequer, de se produzir prova (requerida, pelo próprio), que, relacionando-se com a pretensa autora do (novo) facto praticado, poderia influir determinantemente no juízo de admissão, ou rejeição, da alteração factual.
GG. Por este motivo, o Tribunal a quo, ao abrigo dos poderes de disciplina e direção lhe cabe na organização e condução das audiências de julgamento (cf. artigos 322.º e 323.º do CPP), entendeu não conhecer, naquele momento, do requerimento apresentado pelo Assistente, sem prejuízo da possibilidade – que deixou ressalvada – de o vir a conhecer a final.
HH. Tal Despacho foi proferido, portanto, ao abrigo do uso de um poder discricionário, por se entender, justificadamente, que a alteração dos factos a ter lugar – o que, como se demonstrou, seria inadmissível –, deveria ser comunicada uma vez finalizada a fase de produção de prova – solução, aliás, que conforme refere o Assistente, é habitual na prática judiciária (cf. ponto 38 das alegações do Recurso).
II. Como tal, o Despacho recorrido não está ferido de qualquer ilegalidade.
JJ. Por outro lado, considerando o Assistente que o Tribunal a quo se devia ter pronunciado sobre a (in)admissibilidade da alteração factual requerida uma vez terminada a produção da prova, podia e devia, nesse caso, ter arguido a nulidade da sentença absolutória proferida em 12 de julho de 2023, por omissão de pronúncia, no âmbito do recurso de mérito que interpôs para este Venerando Tribunal, o que não sucedeu.
KK. Pelo exposto, conclui-se que andou bem o Tribunal a quo ao rejeitar a alteração dos factos proposta pelo Assistente.
LL. De todo o modo, caso assim não se entenda – o que não se concede, e apenas por dever de patrocínio se equaciona –, a Arguida reserva-se o direito de se pronunciar sobre a requerida alteração factual, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 358.º, n.º 1, do CPP, junto do Tribunal a quo.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deverão V. Ex.as julgar totalmente improcedente o recurso do Assistente, confirmando in totum o Despacho recorrido.
(…)
quanto ao recurso da sentença:
(…)
A. O recurso a que ora se responde tem por objecto a Sentença proferida no passado dia 12 de Julho de 2023, através da qual o Tribunal a quo absolveu a Arguida da prática, em autoria material imediata e na forma consumada, de um crime de fotografias ilícitas, previsto e punido pelo artigo 199.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CP;
B. Em causa nos autos está a captação, pela Arguida, de uma fotografia do Assistente, juntamente com dois agentes da Polícia de Segurança Pública, num local público, durante o dia, no momento da entrega do filho menor da Arguida e Assistente, e que de forma alguma retrata aspectos da intimidade e vida privada do Assistente;
C. Sem prejuízo da manifesta improcedência da tese criminal do Assistente, que resulta óbvia após a mais perfunctória análise, não deixa de ser certo que, ainda que se entendesse de outro modo, mesmo alterando-se a base factual da Sentença recorrida, a solução sempre seria a seleccionada pelo Tribunal a quo;
D. O afã persecutório que vem caracterizando a intervenção do Assistente ao longo destes autos não merece qualquer credibilidade, consubstanciando um accionamento abusivo das instâncias criminais (e de que constitui exemplo a factualidade investigada no processo n.º 24/20.1..., que corre termos na Procuradoria-Geral Regional de Lisboa, em que é Arguido);
E. Num contexto de conflito como aquele que se verifica entre Assistente e Arguida, cumpre clarificar que, não fora o dever de patrocínio e limitar-se-ia a presente Resposta a remeter para a Sentença recorrida, na medida em que esta é completa, esclarecedora e fundamentada, quer de facto, quer de direito, constituindo a melhor demonstração da falta de razão do Assistente;
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
F. Apesar dos vícios formais de que padece a motivação do Assistente à luz do disposto no artigo 412.º, n.º 3, do CPP, valerá a pena analisar o que consta das alegações apresentadas;
G. Antes disso, vale a pena referir que é transversal às alegações apresentadas pelo Assistente uma incompreensão da teleologia e alcance das instâncias de recurso em processo penal, confundindo impugnação da matéria de facto e indicação de vícios na valoração da prova com a pretensão de que seja agora realizado um novo julgamento, guiado pelas suposições e presunções que delas constam;
H. Como se verá, a impugnação da matéria de facto pelo Assistente corresponde não à indicação de provas que impõem uma decisão diversa mas sim a uma diferente valoração das provas;
I. O que o Assistente pretende é, simplesmente, a opção por uma versão diversa dos factos, que não se integra na matéria da dupla jurisdição em matéria de facto, na medida em que o Tribunal de recurso não beneficia dos mesmos princípios da imediação e oralidade, de que beneficiou o Tribunal a quo;
J. Quanto ao facto provado B), como resulta das mensagens de correio electrónico trocadas entre a Arguida e o Assistente, e após a recusa inicial, o Assistente concordou com a sugestão da Arguida (conforme requerimento a fls. 34 a 39);
K. Caso assim não fosse – isto é, se não tivesse concordado –, certamente o Assistente teria convocado a presença da PSP, para, logo no dia 13.03.2020, registar o incumprimento que entendia verificar-se;
L. Tanto assim é que o expediente resultante deste incidente e constante de fls. 6 não deu origem a qualquer incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais;
M. A aquiescência do Assistente relativamente aos termos da entrega, foi, pois, o motivo pelo qual a Arguida foi surpreendida com a desnecessária presença de dois agentes da PSP naquele momento e na presença do seu filho menor – precisamente, o facto que espoletou a actuação da Arguida;
N. De todo o modo, e como se avançou, é irrelevante o cumprimento ou incumprimento do regime provisório, o acordo ou desacordo do Assistente: o que aqui está em causa e é relevante é apenas saber o que pensa alguém que é confrontado com a presença de dois agentes da PSP juntamente com o seu anterior companheiro, Juiz de Direito (o que não é, de todo, irrelevante), no momento da entrega de uma criança;
O. Deverá, assim, manter-se o facto provado B), nos exactos termos constantes da Sentença recorrida.
P. Quanto ao facto provado C), a Arguida remete também para o documento convocado pelo Assistente;
Q. O documento em causa fala por si – ou seja, não merece qualquer acolhimento a interpretação do Assistente, tendo o Tribunal a quo decidido correctamente pela prova deste facto;
R. Quanto ao facto provado E), com o devido respeito, das passagens indicadas nos registos áudio convocados pelo Assistente não pode retirar-se o pretendido efeito de eliminar o facto provado E);
S. Sem ter a pretensão, até porque desnecessária, de transcrever as referidas passagens, basta ouvir o que aí se afirma para se concluir que os trechos transcritos pelo Assistente são limitados e não retratam tudo quanto foi dito pela Arguida;
T. De todo o modo, e de forma clara, veja-se que o que referiu a Arguida nas passagens de 00:08:55 a 00:09:13, 00:10:40 a 00:11:12, 00:13:41 a 00:13:55 e 00:28:51 a 00:29:17, do ficheiro “Diligencia_4514-20.8T9LSB_2023-05-18_10-25-05 (1)” – acta de audiência de discussão e julgamento de ........2023, com a referência ...;
U. Daí resulta que a intenção da Arguida com a captação da fotografia e junção a processo era não só demonstrar a forma como o Assistente promoveu a entrega do filho de ambos como, ainda, face à sua suspeição, documentar a presença inusitada de agentes da PSP a pedido (acreditava a Arguida) do Assistente (o que, na sua opinião, configuraria um crime de abuso de poder), que, não por acaso, exerce funções no mesmo local dos respectivos agentes, em suposto desrespeito das regras de competência da esquadra a que pertenciam;
V. É irrelevante se o filho menor de ambos estava ao lado da Arguida, a cinco metros da Arguida, a 10 metros da Arguida ou dentro de um carro;
W. Facto é que o filho menor de ambos se encontrava no local – por outras palavras, que estava presente – o que significa que podia visualizar tudo o que acontecia ao seu redor, em que se incluía a identificação da sua mãe por dois agentes da PSP; X. Por estas razões, bem andou, por isso, o Tribunal a quo ao dar como provado o facto E), que deverá manter-se;
Y. Quanto ao facto provado F), não se entendem os argumentos apresentados pelo Assistente ou sequer a sua utilidade;
Z. A existência do processo n.º 3425/19.4... é, só por si, demonstrativa do conflito que existia entre ambos, pois que, se este conflito inexistisse, não seria necessária a intervenção de um Tribunal;
AA. Mesmo que assim não fosse, basta ler-se o teor da acta de conferência de pais, de 04.03.2020, e as alegações, e que correspondem aos documentos n.º 7 e 8 juntos pela Arguida a 24.05.2023 (requerimento com a referência 36048025), para assim se concluir;
BB. Ouça-se, também, o depoimento da testemunha KK – Ficheiro “Diligencia_4514-20.8T9LSB_2023-06-16_11-24-12 (1)”, 00:05:00 a 00:05:07, acta de audiência de discussão e julgamento de ........2023, com a referência ...;
CC. Face ao teor daqueles documentos, e, bem assim, à prova testemunhal produzida, bem andou o Tribunal a quo, razão pela qual deverá manter-se o facto provado F);
DD. Quanto ao facto provado G), sendo a argumentação do Assistente desprovida de qualquer utilidade, entende a Arguida dever manter-se a redacção do facto provado G);
EE. Quanto ao facto provado H), como foi explicado à saciedade ao Tribunal a quo, também pela Arguida (cf., a título de exemplo, as declarações da Arguida acima referidas a propósito do facto provado E)), a captação da fotografia teve dois objectivos: (i) a identificação dos agentes para indagação sobre a legitimidade da sua presença, e (ii) a junção ao processo de família e menores, para demonstração das circunstâncias a que foi sujeito o filho menor de ambos;
FF. Tendo por referência estes objectivos, outra não pode ser a conclusão que a de estar a Arguida convencida da licitude da sua acção;
GG. Se o propósito da captação da fotografia aqui em causa era o de (i) fazer prova de um eventual crime de abuso de poder cometido pelo Assistente e o de (ii) fazer prova do prejuízo para o interesse de um menor em processo de regulação de poderes parentais, mais a mais no contexto conflituoso que existia, sendo advogada há cerca de vinte anos e, por isso, conhecendo a prática dos Tribunais nesta matéria, e a que infra se aludirá, e que reconhece a admissibilidade da junção de fotografias tiradas sem consentimento, nomeadamente nas situações previstas no n.º 2 do artigo 79.º do CC e no qual se insere o direito a prova, bem se vê que entendeu poder agir naqueles termos;
HH. A indagação junto da sua Advogada e de duas Juízas de Direito surge, por isso, não como dúvida sobre a ilicitude, mas sim como reforço do seu entendimento;
II. Quanto ao facto não provado 1), a Arguida remete para a argumentação expendida quanto ao facto provado E);
JJ. Quanto ao facto não provado 2) e 3), “legitimidade” é um conceito jurídico, sendo aqueles factos conclusivos, pelo que não poderiam ser dados como provados;
KK. Os factos contam desse segmento apenas porque assim constavam da acusação – o que parece esquecer o Assistente;
LL. Quanto ao facto não provado 4), num primeiro lugar, é falso que a fotografia retrate apenas a imagem do visado (cf. fls. 40) – donde, nunca poderia isso mesmo dar-se por provado;
MM. Em segundo lugar, por ser falso esse segmento, naturalmente não pode dar-se por provado o primeiro segmento, já que perde o seu substracto factual;
NN. E, em terceiro lugar, porque legitimidade é, mais uma vez, um conceito jurídico não sujeito a prova – donde não podia dar-se como provado; De todo o modo, certo é que a utilidade da junção da fotografia resultava, para a Arguida, nomeadamente do facto de não saber se iria ser elaborado auto da ocorrência e de dispor apenas do eventual depoimento do seu companheiro, que sempre comportaria o risco de ser considerado parcial, além de que sempre consistiria em palavra contra palavra, tendo a prova documental – neste caso, a fotografia – outra força probatória;
OO. Quanto aos factos não provados 5) e 6), por uma questão de economia processual, a Arguida remete, quanto ao conceito “legitimidade”, para o que acima disse a propósito dos factos não provados 2) e 3), e, quanto ao restante, para a argumentação desenvolvida quanto ao facto provado H); Aqui chegados:
PP. Dos factos provados resulta que a Arguida captou uma fotografia do Assistente e de dois agentes da PSP, no momento da entrega do filho menor de ambos;
QQ. Na perspectiva da Arguida, a presença destes agentes era, por um lado, inusitada, por ter o Assistente consentido nos termos da referida entrega, e, por outro, reveladora da postura conflituosa adoptada por este desde o momento da ruptura da relação de ambos e que determinava que o Assistente se conformasse com o facto de o seu filho menor presenciar aquelas circunstâncias;
RR. A percepção da Arguida não era injustificada: antecedentes existiam que fundamentavam não só a sua suspeita quanto à ligação existente entre os agentes da PSP e o Assistente, mas, sobretudo, a sua perplexidade perante a indiferença do Assistente quanto ao superior interesse do menor, e o receio de que aquele episódio fosse utilizado contra si no âmbito do processo de regulação dos poderes parentais;
SS. Como ilustrou o depoimento de KK, as intenções do Assistente eram claras: “tirar” o filho à Assistente e “prendê-la” (cf. ficheiro “Diligencia_4514- 20.8T9LSB_2023-06-16_11-24-12 (1)”, 00:05:00 a 00:05:07 e 00:06:21 a 00:07:14, acta de audiência de discussão e julgamento de ........2023, com a referência ...);
TT. Também LL demonstrou a intenção do Assistente e respectiva postura (cf. ficheiro “Diligencia_4514-20.8T9LSB_2023-06-16_11-24-12 (1)”, 00:02:38 a 00:04:50 e 00:04:50 a 00:05:41, acta de audiência de discussão e julgamento de ........2023, com a referência ...);
UU. Por particularmente impressivo, ouça-se também o depoimento de CC, que retata um episódio anterior aos factos em causa nos autos, no qual o Assistente pretendia prender a Arguida (cf. ficheiro “Diligencia_4514- 20.8T9LSB_2023-05-25_12-25-09”, 00:08:56 a 00:11:28 – acta de audiência de discussão e julgamento de ........2023, com a referência ...);
VV. A estes depoimentos, juntam-se os documentos juntos pela Arguida no dia 24.05.2023, através de requerimento com a referência 36048025;
WW. Num contexto como o acabado de descrever, a junção ao processo de regulação dos poderes parentais de uma fotografia que demonstrava as circunstâncias da entrega do filho menor de ambos, era, para a Arguida, crucial, e configurava o exercício de direito à prova;
XX. O que se discute neste processo é, simplesmente, isto: pode a mãe de uma criança utilizar, no âmbito de um processo de regulação de responsabilidades parentais, fotografia do pai da mesma criança acompanhado de agentes da PSP, num local público e que não revela quaisquer pormenores da vida privada, para demonstrar que a entrega do filho menor aconteceu naquelas circunstâncias, sem qualquer justificação?
YY. A resposta a esta questão é, naturalmente, afirmativa.
DO DIREITO
ZZ. A referida fotografia foi tirada com o propósito de identificar os agentes da PSP em causa mas, sobretudo (e também relacionado), de forma a demonstrar as circunstâncias a que o Assistente sujeitou o filho menor de ambos, em que aquele sujeitou a Arguida a uma identificação humilhante e vexatória;
AAA. Ou seja, a captura da imagem foi motivada, independentemente de outros motivos, pelo sentimento de preocupação pelo seu filho e pela sua exposição a factos que de forma alguma podem considerar-se como praticados no interesse do menor – pelo contrário;
BBB. Num segundo momento, a fotografia foi utilizada para instruir requerimento apresentado no âmbito do processo de regulação dos poderes parentais, com o objectivo de produzir prova dos factos constitutivos dos direitos reivindicados pela Arguida nessa acção, concretamente do direito à guarda do seu filho, por demonstração da indiferença do Assistente perante o interesse do seu filho e da sua postura perante a Arguida, de forma a que o Tribunal dispusesse de informação sobre o contexto litigioso existe e, assim, dispor de todos os factos que lhe permitissem avaliar a bondade das acusações aí levadas pelo Assistente;
CCC. Nos termos do artigo 31.º, n.º 1, do CP, há que ter em conta o artigo 79.º, n.º 2, do CC, que introduz a possibilidade de limitação do direito à imagem quando estejam em causa exigências de justiça.
DDD. Tendo em conta que a captação e junção da fotografia em causa nos autos foram efectuadas para prova, no processo de regulação das responsabilidades parentais, das circunstâncias a que o menor foi sujeito, e que retrata um local público e não viola qualquer perspectiva de intimidade do Assistente;
EEE. Outra não poderá ser a conclusão que a de a acção da Arguida ser, nos termos do n.º 2 do artigo 79.º do CC e n.º 1 do artigo 31.º do CP, justificada, lícita e não constitutiva do crime previsto pelo artigo 199.º do CP, por ter por base uma justa causa, como decidiu o o Tribunal a quo, ao absolver a Arguida da prática deste crime;
FFF. A fundamentação do Tribunal a quo correctamente assinala a existência de um conflito entre direitos e procede à devida ponderação;
GGG. Não obstante estarmos no campo da jurisdição civil, a pretensão em causa – a protecção do superior interesse do menor – assume uma relevância equiparável a qualquer processo penal, pois estão em causa o superior interesse da criança em contextos de conflito dos progenitores (bem como, acrescente-se, o direito à integridade moral, ao desenvolvimento da personalidade, e à família, nos termos dos artigos 25.º, 26.º, n.º 1, e 36.º da Constituição da República Portuguesa, “CRP”) e o direito à prova e tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º da CRP) (e, também, o direito à honra da Arguida);
HHH. Tendo presente que o direito do Assistente em colisão corresponde ao direito à imagem (sendo que a fotografia não retrata qualquer aspecto da vida privada do Assistente, tendo, aliás, sido captada em público), é insofismável que estamos perante direitos desiguais, existindo, assim, justa causa para a actuação da Arguida;
III. É certo que os direitos que a Arguida procurou fazer valer no processo de regulação de responsabilidades parentais são inequivocamente superiores, deverão prevalecer sobre o direito do Assistente, conforme determina o artigo 335.º, n.º 2, do CC, aplicável ex vi artigo 31.º, n.º 1, do CP; Sem prejuízo para o que acima ficou consignado,
JJJ. In casu, é patente que a Arguida actuou, quando muito, com base num erro sobre a justificação da sua conduta, crendo que a conduta seria permitida;
KKK. Mal se compreende que a Arguida estivesse ciente da ilicitude da sua conduta, quando a sua própria advogada juntou as fotografias em causa, e quando duas Juízas de Direito (CC e GG) confirmaram entender que a conduta da Arguida era legítima;
LLL. Evidentemente, não subsiste ao teste da normalidade social que um criminoso peça a um Juiz de Direito que examine os produtos do seu crime;
MMM. Tal demonstra, inequivocamente que a Arguida considerava – e considera ainda – a sua conduta legítima;
NNN. Nestes termos, é de concluir que a Arguida actuou sem culpa, não podendo, por isso, ser criminalmente responsabilizada pelos seus actos. Por fim, e caso assim não se entenda,
OOO. A Arguida agiu ao abrigo da causa de exclusão da culpa prevista no artigo 35.º do CP, movida pela convicção de que a captação da fotografia constituía meio idóneo para afastar o perigo para a sua honra reflectido na situação humilhante a que foi sujeita e que ocorreu na presença do seu filho, servindo como prova desses factos;
PPP. Sendo inexigível que a Arguida, deparando-se com aquela situação, mais a mais num contexto de conflito potenciado pelo Assistente, agisse de outra forma;
QQQ. Por outras palavras, qualquer pessoa, colocada na mesma situação e com o mesmo passado de relacionamento, teria certamente optado por captar uma fotografia, ainda mais encontrando-se em local público, e por juntá-lo a um processo onde se discute, entre o mais, a idoneidade dos progenitores.
RRR. Nestes termos, deve manter-se a Sentença recorrida, por ser essa a única solução correcta.
NESTES TERMOS E MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O RECURSO DO ASSISTENTE SER REJEITADO IN TOTUM, CONFIRMANDO-SE, NA ÍNTEGRA, A ABSOLVIÇÃO DA ARGUIDA.
(…)
***
O recurso da decisão final foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, subindo com o mesmo o recurso interposto do despacho proferido em acta, que igualmente fora admitido.
Uma vez remetido o processo a este Tribunal, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.
Foi ordenado o aperfeiçoamento das conclusões de recurso da decisão final do recorrente assistente, a que o mesmo correspondeu.
Deu-se cumprimento às formalidades subsequentes – novo parecer do Ministério Público e resposta.
Proferido despacho liminar e colhidos os Vistos, teve lugar a Conferência.
***
Objecto do recurso
Resulta do disposto conjugadamente nos arts. 402º, 403º e 412º nº 1 do Cód. Proc. Penal que o poder de cognição do Tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o Tribunal está ainda obrigado a decidir todas as questões que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem a decisão, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 daquele diploma, e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do mesmo Cód. Proc. Penal, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito, tal como se assentou no Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995 [DR, Iª Série - A de 28.12.1995] e no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência nº 10/2005, de 20.10.2005 [DR, Iª Série - A de 07.12.2005].
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º, por remissão do art.º 424º, nº 2, ambos do mesmo Cód. Proc. Penal, resulta ainda que o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão (art.º 379º do citado diploma legal);
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela chamada impugnação alargada, se deduzida [art.º 412º], a que se segue o conhecimento dos vícios enumerados no art.º 410º nº 2 sempre do mesmo diploma legal.
Finalmente, as questões relativas à matéria de direito.
Como verificamos, estamos perante dois recursos.
Um, do despacho proferido em acta de julgamento no dia ... 2023, e outro interposto da sentença.
Também percebemos que, apesar da notificação feita para que fosse aperfeiçoado o requerimento recursivo da sentença quanto às conclusões, ainda assim as mesmas se apresentam extensas e sem se cingirem ao objecto do processo, circunstância que havia já arrastado para o mesmo efeito as respostas aos recursos, o que fica evidente nestas 36 páginas de relatório.
Importa começar por circunscrever o objecto do recurso, tendo em consideração o seguinte.
O objecto do recurso é, necessariamente, quando interposto da decisão final, reportado ao objecto do processo que, por seu lado, atento o princípio da vinculação temática em vigor no nosso processo penal, será o objecto daquela decisão, da acusação ou pronúncia, salvo precisamente as excepções comportadas pelos mecanismos dos arts. 358º e 359º do Cód. Proc. Penal.
Sendo o objecto do processo fixado pela acusação [ou decisão de pronúncia], que fixa o thema decidendo por via da estrutura acusatória do processo penal, sem prejuízo das alterações que decorram dos incidentes previstos nos arts. 357º e 358º do Cód. Proc. Penal referidos, tudo o que vá além desse quadro é injustificado do ponto de vista legal e, por isso, inadmissível.
O Ministério Público, em 29.11.2021, deduziu acusação em 9 artigos, contra a arguida e pela prática de um crime de fotografias ilícitas p. e p. pelo art.º 199º, nº 2, als. a) e b), do Cód. Penal.
Após requerida a instrução pela arguida, o Juiz de instrução, em 10.10.2022, pronunciou a mesma nos exactos termos da acusação, fixando aí também o objecto do processo nos referidos 9 artigos em que a acusação descreveu a factualidade que considerou relevante para levar a julgamento.
Foi este o objecto do processo levado a julgamento.
Em julgamento, porém, requereu o assistente uma alteração de factos a que chamou não substancial e que, a ser deferida, alteraria de facto o objecto do processo.
No entanto, porque o considerou prematuro na altura, até por eventualmente não justificada a alteração, atento a que a prova oferecida aos autos se não tinha ainda esgotado, o requerimento foi indeferido pelo Tribunal a quo e, como tal, não sendo admitida a alteração, manteve-se intocado o objecto do processo.
Deste despacho veio o assistente a interpor o recurso que aqui também pende.
Finda a produção de prova, não procedeu o Tribunal a quo a qualquer alteração de factos e a decisão recorrida deu como provados 14 factos, 5 dos quais correspondendo parcialmente aos que constavam da referida acusação/pronúncia.
E foram dados como não provados 3 factos que, parcial ou totalmente, correspondem a factualidade que tinha sido imputada na acusação/pronúncia.
Desta decisão foi também interposto recurso que aqui pende.
Flui do que acaba de se expor que o objecto desta decisão se cingirá necessariamente ao seguinte:
a) quanto ao despacho proferido em acta e recorrido, saber se andou bem o Tribunal a quo, material e temporalmente, ao indeferir a alteração de factos requerida pelo assistente e que o mesmo classificou como não substancial;
b) quanto à sentença recorrida:
- saber se a prova produzida não permite concluir como provado em B), C), D), E), F), G), H), tendo o Tribunal a quo retirado da prova conclusões que a mesma não consente, como afirma o assistente;
- saber se a prova produzida também não permite concluir como não provada a factualidade inscrita em 1), 2), 3), 4), tendo, também aí, o Tribunal a quo formado uma convicção não consentida pela prova;
- saber se o Tribunal a quo, ao absolver a arguida, que devia ter condenado, errou também de direito, questão não identificada concretamente mas resultante do alegado pelo assistente.
Note-se que o recurso da decisão não nomeia qualquer vício por reporte às categorias legais em que se mostram elencados (arts. 410º ou 412º do Cód. Proc. Penal), limitando-se a tecer diversas considerações sobre a forma como o Tribunal a quo decidiu e não o devia ter feito, ou sobre a forma como valorou depoimentos que não devia ter valorado.
E muito embora diga que pretende impugnar de facto a mesma, como se percebe da simples leitura, não satisfaz integralmente as imposições resultantes do art.º 412º, nº 3 do Cód. Proc. Penal.
Atento a que o objecto do processo é, com a simplicidade das coisas simples, perfeitamente identificado na acusação e pronúncia, ele consiste, exclusivamente, na prática, ou não, pela arguida de crime de fotografia ilícita.
Posto que isto, embora seja uma decorrência legal, foi esquecido neste processo, fica aqui clarificado que este Tribunal de recurso conhece apenas daquilo que diga respeito ao objecto deste processo e nada mais, estando a isso legalmente vinculado.
***
Fundamentação
IV. O Tribunal a quo na Sentença recorrida fixou a matéria de facto do seguinte modo:
(…)
Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento e com relevância para a decisão da causa, julgam-se provados os seguintes factos:
A) No dia 14.03.2020, pelas 10H45, pouco mais ou menos, no Posto de Abastecimento de Combustível da BP, sito na ..., freguesia do ..., concelho de Lisboa, que é um local público e acessível a qualquer pessoa e dotado de videovigilância,
B) a arguida DD encontrou-se com AA, progenitor do filho comum, menor de idade, para o entregar ao pai após a criança ter passado a data de aniversário da mãe (em 13 de Março de 2020) com a arguida, sendo a entrega da criança efectuada em cumprimento do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais que fixou a residência alternada semanal do menor com cada um dos pais, tendo AA solicitado que a entrega da criança se realizasse no mencionado local, o que ficou acordado.
C) Chegada a arguida ao local, aí se encontravam AA e dois agentes da Polícia de Segurança Pública que exercem funções na Esquadra do Campus da Justiça, a qual não tem atendimento ao público.
D) Quando BB se dirigia, acompanhado por AA, para o veículo deste, os dois agentes solicitaram à arguida que a mesma se identificasse, tendo a mesma questionado por que estava a ser identificada.
E) A arguida captou, com o seu telemóvel, a imagem de AA contra a vontade deste, constando da fotografia, igualmente, os dois agentes da Polícia de Segurança Pública fardados, tendo a arguida assim procedido para posteriormente vir a demonstrar a eventual (in) justificada presença de agentes da Polícia de Segurança Pública no local naquele momento estando igualmente presente o assistente (conduta que é objecto de investigação em processo crime que corre termos na Procuradoria Geral Regional de Lisboa) e para demonstrar, junto do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais do seu filho menor, o comportamento do assistente nesta circunstância e na presença do filho BB.
F) A referida fotografia contém a imagem de corpo e rosto de AA e dos agentes da Polícia de Segurança Pública, tendo a arguida feito juntá-la ao processo judicial n.º 3425/19.4..., que corre termos no Juízo de Família e Menores de Cascais, juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, por requerimento datado de 18.03.2020, sendo a arguida e AA partes no referido processo, no qual existia à data um conflito entre os progenitores.
G) Junção que a arguida fez contra a vontade de AA, captado na fotografia.
H) Agiu DD de modo livre, consciente e voluntário, com a intenção concretizada de captar fotograficamente a imagem de AA e dos dois agentes para os efeitos acima descritos, o que tudo concretizou, bem sabendo que agia contra a vontade do assistente, estando a arguida plenamente convencida da licitude da sua conduta.
I) A descrita entrega de BB ao pai não deu origem a qualquer incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais no processo indicado em F).
J) A arguida é advogada, auferindo, mensalmente, a quantia de cerca de €3.000.
K) A arguida é solteira, vivendo maritalmente com o seu companheiro, o qual é arquitecto, auferindo mensalmente quantia não concretamente determinada.
L) A arguida tem um filho nascido a .../.../2010.
M) A arguida é licenciada em Direito.
N) A arguida não tem averbada qualquer condenação ao respectivo certificado do registo criminal.
*
2. FACTOS NÃO PROVADOS
1) Que a solicitação dos agentes à arguida referida em D) tenha ocorrido já após BB ter entrado no veículo do progenitor.
2) Que a captação de imagem referida em E) tenha sido realizada sem que a arguida para tal tivesse qualquer legitimidade.
3) Que a junção referida em F) tenha sido realizada sem para tal ter legitimidade.
4) Que a captação da imagem e a sua junção ao processo referido em F) não tenham qualquer utilidade ou justificação, porquanto apenas se limita a retratar a imagem do visado.
5) Que a arguida tenha actuado conforme descrito em E) e F) bem sabendo que para tal não tinha qualquer legitimidade ou justificação e que ao captar a imagem e ao fazer juntar ao processo judicial a mesma imagem, impressa, ofendia o direito à imagem do visado, o que tudo quis e concretizou.
6) Que a arguida soubesse que a sua conduta era proibida e punida por lei.
7) Que em ... o assistente, após ter bloqueado o carro da arguida que estava parqueado junto à residência da mesma em ..., se tenha identificado como autoridade judiciária perante a Polícia de Segurança Pública que chamou ao local, tendo manifestado perante a polícia que pretendia prender a arguida, tendo-se a Polícia de Segurança Pública retirado do local.
8) Que na origem do processo n.º 10195/19.4..., que correu termos na 3.ª Secção do Departamento de Investigação e Ação Penal de Sintra esteja uma queixa apresentada pelo assistente contra a arguida pelos crimes de crime de Falsificação ou contrafação de documento e de burla qualificada.
9) Que tenha sido o arquivamento do processo referido em 8), no passado dia .../.../2021, a motivar a apresentação de queixa, pela arguida, pelo crime de Denúncia Caluniosa, que corre termos na Procuradoria-Geral Regional de Lisboa sob o n.º 24/20.1...
Não resultaram provados outros factos da acusação, sendo certo que não foi considerada matéria conclusiva, de direito ou sem qualquer relevância para a boa decisão da causa.
(…)
O Tribunal a quo fundamentou essa decisão de facto do seguinte modo:
(…)
O tribunal estribou a sua convicção, no que concerne aos factos pelos quais a arguida vinha pronunciada, na prova documental constante dos autos e nas declarações produzidas pela arguida, pelo assistente AA e pelas testemunhas MM (agente da Polícia de Segurança Pública), II (agente da Polícia de Segurança Pública), CC (juíza de direito e amiga da arguida desde 2015, tendo trabalhado com o assistente desde ... até 2017 ou 2018), JJ (companheiro da arguida desde ... de ... de 2020), KK (conhece o assistente e a arguida desde há dez anos tendo ficado amiga de ambos, sendo o filho da arguida e do assistente o melhor amigo do filho da testemunha, tendo ficado amiga da arguida), LL (amiga da arguida desde 2018) e GG (Juíza Desembargadora e amiga da arguida desde há seis ou sete anos) em audiência de discussão e julgamento.
A prova da factualidade descrita em A) a I) resultou do cotejo do teor da participação de fls. 5, da fotografia de fls. 7 e 40, dos correios electrónicos de fls. 34 a 39, de fls. 200, da informação a respeito da competência da Esquadra do Campus da Justiça de fls. 671, do requerimento da arguida de fls. 673 e da documentação junta aos autos a fls. 604 a 657, 681 a 713 com as declarações produzidas pela arguida, pelo assistente e pelas testemunhas MM, II, CC, JJ, KK, LL e GG em audiência de discussão e julgamento e ainda as declarações produzidas pela arguida em sede de instrução a fls. 258 (cujo teor é consonante, no que respeita à factualidade objecto dos presentes autos e com relevância para os mesmos, com o teor das declarações produzidas em audiência de discussão e julgamento).
Com efeito, a arguida admitiu pronta e espontaneamente a factualidade descrita nos pontos 1 a 4 da acusação, o que se mostra condizente com o teor de fls. 26 a 40 e 614 e 615, admitindo que a fotografia que registou foi a de fls. 7.
Explicitou que o filho BB nasceu a ... de ... de 2010, sendo filho da própria com o assistente (o que este confirmou).
Circunstanciadamente, relatou ao tribunal que na altura em que os factos ocorreram existiam conflitos (que a arguida denominou de “guerra” (sic)) entre o casal (declarações que se mostram consonantes com o teor de fls. 28 e seguintes, 603 verso a 613, 615 verso) a respeito da regulação do exercício das responsabilidades parentais de BB, que foi provisoriamente regulada em data anterior à dos facto sub judice (cfr. fls. 614 e seguintes – que data de ... de ... de 2020) e definitivamente regulada no final do mês de ... (cfr. fls. 655 verso a 657- tendo o assistente confirmado este facto).
Com firmeza, a arguida referiu que na data e hora mencionadas na acusação, após ter passado o seu aniversário com o filho, se deslocou ao local mencionado em A) por indicação do assistente (confirmou o teor de fls. 34 a 39 como correspondendo à troca de correios electrónicos entre os pais do BB sobre o local da entrega) que é juiz de direito e se encontrava, na manhã daquele sábado, no ... (o que o assistente confirmou).
Mencionou que se deslocou para o local acompanhada pelo seu companheiro JJ, que conduzia o veículo com três portas, ocupando a arguida o lugar denominado de “pendura” (o que JJ confirmou), sendo BB transportado no banco traseiro.
Ao chegarem à bomba de combustível a arguida viu AA com dois agentes.
Imobilizado o veículo, a arguida saiu do lugar que ocupava para retirar BB do interior do automóvel (atento o número de portas do veículo), entregando-o, nesse momento, ao pai.
Explicitou que enquanto o assistente acompanhava BB até ao automóvel que ali se encontrava parado (precisando o assistente, JJ e II que o veículo de AA estava parado a cerca de dez metros de distância do local onde ficou imobilizado o veículo em que seguia a arguida), o menor olhava para trás para a mãe tendo visto a mesma a ser abordada pelos agentes que lhe disseram ali estarem para a identificar.
Com isenção, a arguida referiu que o filho não ouvia a conversa dos agentes consigo embora a tenha visto ser abordada pelos agentes, justificando a sua afirmação, no que denotou verosimilhança, por BB olhar para trás, para onde estava a arguida, enquanto caminhava na companhia do pai em direcção ao automóvel. Não resultou, pois, demonstrado o facto descrito em 1), tendo o tribunal considerado as declarações da arguida sobre o facto descrito em D).
Admitindo que os agentes não referiram estarem ali a pedido do assistente, explicitou que a dado momento os polícias dirigiram-se a AA (que entretanto se aproximou do local onde estavam a arguida e os agentes) apelidando-o de “doutor”, tendo a arguida sentido familiaridade entre os agentes da Polícia de Segurança Pública e o assistente, razão pela qual a própria exclamou “afinal vocês conhecem-se” (sic) dizendo-lhes que os mesmos “estavam ali porque AA lhes tinha pedido” (sic). Com firmeza, referiu que os agentes lhe responderam que “estavam ali por uma ordem do chefe” (sic).
Com isenção, a arguida referiu ter pedido a identificação aos agentes, tendo-lha sido dada pelos mesmos.
Entrando no automóvel e ocupando o lugar contíguo ao do condutor (sendo o condutor JJ), a arguida pegou no seu telemóvel e, apontando-o, registou a fotografia de fls. 7, o que AA viu, tendo dito algo como “tu vais ver o que é que isto vai dar” (sic), não se tendo feito qualquer comentário sobre a fotografia nem tendo dito que não permitia a mesma.
A arguida reconheceu prontamente não ter dito a AA que o estava a fotografar.
Mencionou que se ausentou do local tendo telefonado para a esquadra com competência na área, tendo apurado que os agentes da Polícia de Segurança Pública não integravam a mesma. Acrescentou que das diligências que fez, apurou que os agentes faziam segurança à sala no Tribunal.
Questionada sobre o motivo pelo qual registou a fotografia, referiu, peremptória, que “queria congelar o momento” (sic) em que AA ali estava e em que polícias foram chamados para estarem presentes na entrega de BB ao pai, pretendendo saber se aquilo poderia ser feito e se podiam pedir a identificação à arguida.
Mais referiu ter registado a fotografia porquanto pretendia demonstrar no processo de família e menores a litigiosidade numa entrega do filho ao pai e “aquilo a que AA estava a sujeitar o BB após o aniversário” (sic) da arguida.
Agastada, a arguida mencionou que um mês antes dos factos sub judice (em ...) o assistente comparecera na sua habitação sem que a arguida tivesse aberto a porta por sentir medo atenta a existência de mails remetidos pelo assistente (cfr. fls. 612 verso e 613) e palavras do mesmo dizendo que a mesma iria ser presa.
Mais referiu ter falado com a advogada, Dra. FF, que a representava no processo de regulação das responsabilidades parentais, sobre a junção da fotografia ao referido processo para mostrar a litigiosidade daquela entrega do menor.
Peremptória, referiu que “nunca pensou que não podia tirar aquela fotografia” (sic), tendo inclusivamente falado com a sua advogada e com amigas sobre a junção ao processo de regulação das responsabilidades parentais daquela fotografia, e todas foram unânimes em considerar que tal era admissível (o que se mostra consonante com os depoimentos de CC e GG).
Com firmeza, a arguida referiu que não obstante o teor da participação de fls. 5 e 6, não foi deduzido qualquer incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais no processo indicado em F), o que o assistente confirmou.
AA relatou ao tribunal que o filho BB ficou consigo no dia 12 de Março de 2020, tendo sido entregue à mãe na quinta-feira porquanto nesse dia 13 de Março era o dia de aniversário da arguida, tendo ficado combinado que esta entregava o filho ao pai na data mencionada na acusação (14 de Março de 2020 - sábado).
Com firmeza, confirmou o regime provisório fixado a fls. 614, sendo a troca realizada habitualmente às sextas-feiras e no colégio do menor.
Confirmando o teor de fls. 34 a 39, o assistente mencionou que existiu uma divergência do casal sobre o local e a data da entrega, tendo sido o próprio a indicar o mencionado em A) para a entrega da criança ao pai porquanto se encontrava no Campus da Justiça no referido horário.
Devido ao desacordo que existia entre os pais do BB e a episódios anteriores envolvendo autoridades, AA solicitou ao graduado de serviço da Esquadra do Campus da Justiça que o ajudasse neste momento de entrega do menor, tendo explicado a divergência do casal. O graduado de serviço assegurou ao depoente que “haveria de arranjar uma forma de estarem presentes agentes da Polícia de Segurança Pública no local” (sic).
Com firmeza, referiu que se deslocou para o local de automóvel, acompanhado pela sua companheira e pelo filho bebé (com menos de dois meses de idade), sendo que imobilizado o veículo no local mencionado em A), o assistente saiu do interior do automóvel e a companheira passou a ocupar o lugar do condutor.
Questionado, referiu que os dois agentes da Polícia de Segurança Pública, que se apresentavam fardados, já se encontravam na Bomba de Combustível (a qual é um local público e acessível dotado de videovigilância como é do conhecimento geral), tendo AA percebido que os agentes o reconheceram e o próprio assistente também reconheceu a fisionomia dos agentes que, precisou, conhecia de vista das suas funções no Tribunal.
Mencionou que o próprio e os agentes se cumprimentaram reciprocamente com um aceno de cabeça.
A dado momento chegou ao local o veículo (que confirmou ter duas portas e uma bagageira) conduzido por JJ, ocupando a arguida o lugar denominado de “pendura”. BB ocupava o banco traseiro do automóvel.
Viu então a arguida a sair do interior do automóvel, puxar o banco do pendura para a frente e BB a sair do veículo, despedindo-se da mãe e aproximando-se do pai, que o acompanhou até ao automóvel onde estava, tendo o menor entrado no mesmo. Após a companheira do assistente abandonou o local conduzindo o veículo ocupado pelas duas crianças, permanecendo o assistente no posto de abastecimento, tendo ficado acordado entre AA e a companheira que, posteriormente aquele lhe telefonaria para a mesma o vir recolher no local.
Acto contínuo, AA retorna para junto do automóvel da arguida para que os agentes da Polícia de Segurança Pública pudessem recolher os elementos para lavrarem o auto.
Referiu nunca ter dado quaisquer ordens aos agentes da Polícia de Segurança Pública os quais, entretanto, se haviam encaminhado para junto da arguida solicitando-lhe a respectiva identificação.
AA referiu ter-se apercebido que a arguida indagou os agentes sobre a razão para a respectiva presença no local, não tendo escutado a totalidade do diálogo que a arguida manteve com os agentes porquanto, entretanto JJ saiu do interior do automóvel dizendo ao assistente “para que é isto” (sic).
Confirmando as declarações da arguida, o assistente referiu que após os agentes recolherem a identificação da mesma, esta entra no automóvel estando, nesse momento, AA a preparar-se para se identificar perante os agentes, segurando na mão a carteira.
Corroborando as declarações da arguida, apercebe-se que a arguida estava a fazer um registo fotográfico com o seu telemóvel, confirmando o depoente o teor de fls. 7 como sendo a fotografia registada no momento.
Referiu não lhe ter sido perguntado se autorizava o registo fotográfico e acrescentou que não o autorizou, tendo dito à arguida “não vais tirar fotografias disto” (sic), sendo certo que mencionou que o vidro da porta do automóvel do lugar ocupado pela arguida estava fechado, o que se mostra condizente com as declarações da arguida sobre este momento.
Acrescentou que alertou os agentes para o facto de a arguida estar a proceder ao registo fotográfico, razão pela qual os mesmos surgem, na fotografia, a olhar e o próprio depoente a apontar para a arguida (precisamente porque se apercebe que está a ser fotografado), momento em que JJ coloca o automóvel em movimento e se ausenta no local.
Questionado, confirmou que não apresentou qualquer incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais com base neste evento.
Referiu ter visto a fotografia de fls. 7 junta ao processo indicado em F), desconhecendo se existem mais fotografias.
Perguntado sobre a motivação que terá levado a arguida a proceder ao registo fotográfico, respondeu que “a arguida tirou gozo em estar a tirar esta fotografia dentro do carro” (sic), desconhecendo por que motivo direcciona a foto para o depoente.
Referiu que ocorreram dois episódios em que foi solicitada a comparência de autoridades, sendo um deles aquele em que o assistente pretendia aceder a um imóvel, tendo o depoente e a arguida solicitado a comparência de polícia no local (episódio a que arguida aludiu como tendo ocorrido em Fevereiro de 2020 e que foi igualmente relatado por CC) e outro o de 14 de Março de 2020 (o dos presentes autos).
Negou ter dito à arguida que a iria prender e bem assim ter adoptado uma postura violenta.
Referiu que, na sua perspectiva, a arguida não tem qualquer razão para sentir receio de si, admitindo que tenham existido correios electrónicos onde fez referência a que haveriam participações criminais não tendo usado a linguagem de “prisão” ou “detenção”.
O agente da Polícia de Segurança Pública MM, prestando um depoimento pautado pela selecção do que declarava, admitiu ter-se deslocado ao Posto de Abastecimento referido em A) na data e hora constantes da acusação acompanhado pelo colega II, o que este confirmou.
Referiu que o Chefe NN, graduado de serviço, lhe ordenou que se deslocasse ao local a fim de presenciar a entrega de uma criança da mãe ao pai, tendo esclarecido que alguém tinha “falhado qualquer coisa quanto ao dia e hora da entrega da criança” (sic).
Acrescentou ter-lhe sido dito que a criança era filha do “Dr. Juiz AA” (sic), o qual o depoente conhecia da sua actividade profissional.
Contrariando o depoimento do assistente, referiu que quando os dois agentes chegaram ao local já AA aí se encontrava, tendo o depoente aguardado com o seu colega à entrada do posto de abastecimento e a cerca de um metro de distância do assistente.
Precisou que inicialmente viu o assistente sozinho, tendo-o visto, mais tarde, acompanhado.
Questionado, referiu não ter memória se cumprimentou ou se falou com AA antes da chegada da arguida ao local.
A dado momento viu a arguida a chegar no interior de um automóvel, ocupando o lugar denominado de “pendura”, sendo acompanhada por um adulto (que era o condutor do veículo) e pela criança.
Confirmando as declarações da arguida, o agente MM referiu que uma vez imobilizado o automóvel, viu a arguida a sair do seu interior, dele retirando igualmente a criança.
Viu ainda o assistente a deslocar-se até ao automóvel tendo trocado umas palavras com a arguida.
Contrariando o depoimento do assistente, MM referiu que seguidamente chegou ao local uma carrinha azul de marca Mercedes, conduzida por uma senhora, a qual imobiliza o veículo um pouco mais adiante, tendo AA acompanhado a criança até essa carrinha, onde a criança entrou, tendo-se posteriormente ausentado daquele local, desconhecendo o agente se abandonou o local ou se foi parquear a carrinha noutro espaço.
Após, o assistente e a arguida ficaram a conversar, tendo o depoente e o colega permanecido no local “até terminar a diligência para que não houvesse zaragata” (sic).
Contrariando os depoimentos da arguida e do assistente, OO negou ter pedido a identificação a qualquer um deles, explicitando que “não havia necessidade de pedir a identificação de ninguém porque até ali não havia qualquer crime que justificasse essa identificação” (sic).
Seguidamente, a arguida entrou no lugar do pendura, tendo o condutor entrado igualmente no interior do veículo, após o que a arguida e o condutor abandonaram o local.
Questionado, referiu que “não deu conta de ter sido feito qualquer registo fotográfico porque senão isso teria sido objecto de contestação no local” (sic).
Confrontado com a fotografia de fls. 7 referiu que é a primeira vez que está a ver a mesma, admitindo que os agentes nela fotografados são o depoente e o colega II.
Perguntado, referiu que esta fotografia de fls. 7 corresponde à situação em causa nos autos porquanto só nesta ocasião esteve com o assistente.
Questionado, também referiu que nesta situação não esteve perto de mais nenhum carro que não fosse o da arguida.
Sobre o objecto que o assistente segura na mão, o depoente referiu parecer-lhe um telemóvel, não tendo explicação, quando confrontado com a versão de AA, para o assistente ter dito que o objecto que segura na mão era a sua carteira e que ia identificar-se perante os agentes.
Também referiu não ter qualquer explicação para a arguida ter declarado que lhe foi pedida a identificação pelos agentes.
Negou que a arguida lhe tenha dito algo sobre o senhor juiz e o agente MM serem conhecidos.
Mais referiu não ter qualquer explicação para a arguida ter registado a fotografia de fls. 7.
Perguntado, mencionou não ter memória de o assistente ter falado que a arguida estava a registar uma fotografia “nem ninguém falou em fotografias” (sic).
Confrontado com o teor da participação de fls. 5 e 6, que leu em voz alta, e perguntado por que motivo é nela mencionada a existência de fotografias, referiu que não recorda de a arguida ter pedido a identificação dos agentes, explicitando que se o fez foi-lha fornecida. Também não recorda do motivo pelo qual a arguida terá pedido a identificação dos agentes.
Sobre as fotografias afinal recordou-se que se falou sobre elas, não recordando se foi AA se foram os dois policias que mencionaram tal palavra.
Instado, referiu que afinal tem “ideia que a arguida tirou fotos” (sic) pelos gestos que a mesma fez e que descreveu como reportando-se ao momento em que entrou no automóvel, ocupou o lugar do pendura e, após ter fechado o vidro e trancado as portas, tinha o telemóvel nas mãos apoiado sobre a sua coxa direita, não recordando o depoente se o visor estava virado para cima ou para baixo- declarações que são inconsistentes com o depoimento da própria arguida que admitiu ter apontado o telemóvel para registar a fotografia, tendo o assistente visto a arguida a fazer o registo fotográfico em causa nos autos.
O agente MM também se recordou que o assistente a dado momento se debruçou sobre o vidro do automóvel em que seguia a arguida, tendo o agente visualizado a mesma a fazer movimentos com os lábios falando algo que não ouviu, tendo-se a arguida ausentado do local.
Após o que todos (assistente e polícias) se ausentaram igualmente do local.
Questionado, o agente MM referiu ter-se deslocado com o colega para a esquadra onde comunicou ao chefe NN o que se passou, não sabendo explicar por que motivo foi o graduado de serviço, que os agentes referiram não ter estado no local, a elaborar o auto de fls. 5 e 6 (sendo sua a assinatura aposta no documento) e não os próprios agentes que protagonizaram o evento.
A testemunha acrescentou que o chefe NN disse que era o próprio que iria levantar o auto, o que fez com os elementos que “terão sido transmitidas por si e pelo colega ao chefe NN” (sic).
Perguntado como é que foi obtida a identificação das pessoas que consta de fls. 5 e 6, o agente reiterou (o que é inverosímil) não ter memória de ter pedido a identificação à arguida e ao assistente, admitindo que para constar do referido documento é porque um dos agentes ou ambos solicitaram tais identificações.
Confrontado com as declarações prestadas em inquérito a fls. 51- 5.º parágrafo, o agente MM referiu que na altura tinha memória do que afirmou nessa inquirição e que respeita a os agentes terem solicitado as identificações.
Questionado, o agente referiu nunca ter, anteriormente, estado numa situação de entrega de uma criança ao progenitor, não lhe tendo sido dito que elementos deveria recolher.
Confirmando o teor de fls. 671, referiu que a esquadra do Campus da Justiça não está aberta ao público.
Este depoimento prestado de modo constrangido, parco em informações e selectivo na informação que prestava, marcado pela inverosimilhança de afirmar não se recordar de aspectos que foram referidos pela arguida e pelo assistente e que veio a recordar-se perante a documentação que lhe foi exibida, contrasta com a inquirição do agente II que, de modo espontâneo e firme, relatou ao tribunal que na data e hora constantes da acusação, sendo dia de sábado, se deslocou com o colega MM ao posto de abastecimento referido em A), devidamente fardados, e em cumprimento de ordens do chefe NN.
Com firmeza, II mencionou que o chefe NN lhes transmitiu que iriam presenciar a entrega de uma criança do sexo masculino da mãe ao pai e que deveriam recolher a identificação da mãe, do pai e da criança para posteriormente ser elaborado o expediente (participação) sobre a entrega da criança.
Peremptório, o agente mencionou não lhes ter sido dito o motivo para irem fazer esta diligência.
Questionado, II admitiu prontamente que, atentas as suas funções na esquadra, que inclui transportar os detidos para as salas onde decorrem as audiências de discussão e julgamento, já conhecia o assistente por ser Juiz nas Varas Criminais.
Com firmeza, referiu que antes dos factos não conhecia a arguida.
Rumando ao posto de abastecimento, aí aguardaram, sendo que, entretanto, chegou ao local o veículo onde a arguida se fazia transportar acompanhada por um adulto e pelo menino.
Recorda de ver o assistente no local, não recordando se já aí se encontrava quando os agentes chegaram ou se chegou, entretanto. Também não recorda como é que AA chegou ao local.
Tinha, porém, memória, como mencionou espontaneamente, de que reconheceu AA não o tendo cumprimentado.
Quando o veículo em que seguia a arguida ficou imobilizado, o assistente dirigiu-se para junto do mesmo tendo trocado umas palavras com a mãe do menino, tendo o depoente presenciado a arguida exaltada, parecendo-lhe o assistente “normal” (sic).
Seguidamente, o assistente acompanhou a criança até junto de outro veículo, imobilizado cerca de dez metros mais adiante, não se tendo o agente apercebido de quem estava dentro desse veículo nem se o mesmo permaneceu no local ou abandonou o posto.
Acto contínuo, o depoente e o colega aproximaram-se da arguida (que nenhum conhecia antes dos factos sub judice, sendo pois verosímil que tenha sido pela interacção do assistente com a mesma e com a criança que concluíram ser uma das pessoas a identificar no local) a quem solicitaram a respectiva identificação, não tendo a mesma reagido bem a tal pedido para se identificar, começando a falar alto e evidenciando nervosismo.
Entretanto o assistente aproxima-se, mencionando o depoente que nunca os agentes trocaram palavras com o mesmo que levassem a arguida a pensar que se conheciam.
Questionado, o agente II referiu que a arguida mencionou “abuso de autoridade” (sic), crendo o depoente que a arguida mencionou tal expressão por lhe estar a ser solicitada a sua identificação, tendo a mesma solicitado aos agentes a respectiva identificação porque “não achou bem a situação com a actuação dos agentes de lhe pedirem a identificação e de estarem ali” (sic).
Confirmando as declarações da arguida, II confirmou que os agentes satisfizeram o pedido da arguida fornecendo as respectivas identificações.
Após ter fornecido aos agentes o respectivo documento de identificação, do qual os agentes recolheram os elementos que entenderam restituindo o documento à apresentante, a arguida entrou imediatamente no veículo ocupando o lugar do pendura.
Espontaneamente, II corroborou as declarações da arguida e do assistente, mencionando ter visto a arguida a segurar o telemóvel nas mãos e a apontar a câmara para o local onde estavam os agentes e o assistente.
Denotando verosimilhança, mencionou desconhecer se, naquele momento, a arguida registou alguma fotografia tendo os agentes presumido que o fez.
Mencionou não recordar se o assistente mencionou a palavra “fotografia” nem se disse alguma coisa à arguida enquanto esta registava a fotografia.
Confrontado com o teor de fls. 7, mencionou ser a primeira vez que está a visualizar a fotografia confirmando que nela aparecem os dois agentes em causa nos autos e o assistente, sendo do momento dos factos sub judice.
Explicitou que AA segurava na mão uma bolsa.
Questionado, mencionou desconhecer o motivo pelo qual a arguida haveria de querer registar a fotografia tendo ideia que a mesma “queria registar aquela situação” (sic), palavras coincidentes com as da arguida a respeito da sua motivação para o registo da mesma.
Peremptório, o agente II referiu que após ao registo da fotografia a arguida abandonou o local, tendo o depoente e o colega rumado para a Esquadra onde comunicaram ao Chefe NN o evento, mencionando-lhe a existência de fotografias.
O depoente confirmou o teor de fls. 6 como tendo sido lavrado pelo chefe NN que, embora não tenha estado no local, entendeu ser o mesmo a elaborar o expediente, o que fez com base no relato dos dois agentes.
Em consonância com o declarado por MM, II referiu esta situação foi a única em que esteve presente numa entrega de um menor.
JJ, prestando um depoimento espontâneo e firme, relatou ao tribunal que por ocasião do aniversário da arguida houve uma celebração em contexto de jantar onde o filho da arguida e do assistente esteve presente.
Na sequência da acordada entrega do BB ao pai na manhã do sábado seguinte ao aniversário, na data e hora dos factos, o depoente rumou ao local acompanhado pela arguida (actual companheira do mesmo) e pelo filho desta até ao posto de abastecimento de combustível existente na zona do Campus da Justiça.
Em consonância com as declarações da arguida e do assistente, referiu que o próprio conduzia o veículo em que seguia a arguida como ocupante do lugar denominado de “pendura”.
Chegando ao local, o depoente viu o assistente acompanhado por dois polícias que se apresentavam fardados, apresentando-se um deles a caminhar de um lado para o outro, ora indo ter com o colega ora aproximando-se do assistente, gesticulando, tendo a testemunha percepcionado tal comportamento como sendo de nervosismo.
JJ imobilizou o veículo em que seguia tendo a arguida saído do seu interior para retirar BB do interior do automóvel que conta com duas portas e uma bagageira.
Pegando em BB, o assistente acompanhou-o até uma carrinha Mercedes que estava parada a cinco ou dez metros de distância do automóvel do depoente (o que se mostra consonante com os depoimentos de AA e de II), onde a criança entrou tendo-se a carrinha ausentado do posto de abastecimento.
Acto contínuo, JJ, que até então estava dentro do automóvel, sai do interior do mesmo afastando-se cerca de cinco a dez metros do automóvel, mantendo-se a arguida próximo do mesmo estando dois agentes próximo desta.
Neste momento, o assistente regressa para junto dos agentes que disseram algo à arguida que o depoente, atenta a distância a que se encontrava, não escutou o teor.
Viu, porém, a arguida a ir buscar a respectiva carteira ao interior do automóvel, retirando do seu interior o seu documento de identificação que entregou aos agentes.
Questionado, JJ referiu não ter visto se o assistente também entregou algum documento de identificação aos agentes nem se o mesmo segurava a sua carteira na mão.
Mencionou que enquanto a arguida estava com os agentes o assistente aproximou-se do depoente dizendo que nada tinha contra o mesmo, após o que regressou para junto da arguida e dos agentes.
Com firmeza, JJ referiu que ficou perturbado com o que estava a presenciar, explicitando não compreender por que razão a polícia estava a fazer um controlo de identificação da arguida que, na sua visão, teria que ter um fundamento/razão para ser realizado, explicitando que o próprio é de nacionalidade belga e no seu país o controlo de identificação tem que estar sustentado numa razão seja por questões rodoviárias ou outras.
Com esta justificação que apresentou, decidiu, a partir do local onde permaneceu a observar o que relatou, registar vinte e cinco fotografias com o seu telemóvel que disse não mostrar por recear “também ser alvo de um processo crime” (sic), não tendo compreendido o motivo para o “cenário todo ali no momento” (sic).
Seguidamente, a arguida e o depoente entraram no automóvel ocupando os mesmos lugares, abandonando o local, apresentando-se o casal muito nervoso, tendo a arguida começado a chorar.
Questionado, referiu não ter visto a arguida a registar a fotografia de fls. 7, a qual viu por a companheira lha ter mostrado posteriormente.
JJ referiu ao tribunal que apenas viu o assistente em duas ocasiões: na dos factos em causa nos autos e numa situação ocorrida em Algés no mês de ..., em que a arguida lhe telefonou stressada e ansiosa reportando-lhe o que se passara entre si e o assistente e que o depoente não presenciou.
Explicitou que na sequência desse telefonema rumou ao local onde viu um homem, que à data não conhecia pois nunca antes tinha visto AA, a correr e a entrar num veículo mercedes, retirando-o do local.
Este episódio foi relatado igualmente por CC que, de modo espontâneo e firme, referiu ao tribunal ter trabalhado com AA desde ... até 2017 ou 2018, tendo conhecido a arguida como companheira do colega, tendo almoçado juntas.
Sobre a relação do casal e os conflitos que pudessem existir tinha conhecimento pela arguida que lhe transmitia, mencionando o receio e angústia que tinha quanto aos comportamentos do assistente.
Segundo relatou a depoente, no dia ... de ... de 2020, sexta-feira, pela hora do almoço, recebeu uma chamada telefónica da arguida (com quem a depoente combinara encontrar-se) dizendo não conseguir sair do local onde se encontrava por ter o carro encravado por um outro veículo, sem mencionar de quem era o automóvel que provocava tal bloqueio.
CC prontificou-se, então, a ir buscar a arguida à residência desta em Algés, o que fez.
Ao entrar na artéria da residência da arguida, a depoente vê AA no meio da rua, tendo a depoente imobilizado o veículo e aberto a janela para conversar com o mesmo que, apresentando-se alterado e exaltado, diz “vai-te embora que isto ainda vai sobrar para ti, é hoje que a DD vai ser presa” (sic), acrescentando que a polícia vinha aí.
Mencionou ainda a depoente que o assistente referiu algo sobre o apartamento de Algés.
Com isenção, a depoente referiu não ter visto a polícia no local (pelo que não presenciou o vertido em 7), sendo o relato de fls. 673 efectuado pela arguida mediante requerimento reportado ao nuipc aí mencionado, sendo os factos deste dia de ... objecto de outro processo).
Usando de firmeza, referiu ter dito a AA para ter calma, sendo que entretanto aparece a arguida que, entrando no automóvel conduzido pela testemunha, lhe diz para irem embora, o que fizeram, tendo a depoente saído do local após algumas manobras rodoviárias que descreveu, tendo tido conhecimento que este episódio deu origem a uma queixa do assistente contra si por alegadamente ter passado com o automóvel por cima do pé de AA sendo que, segundo teve conhecimento, tal processo crime foi objecto de despacho de arquivamento desconhecendo, como admitiu denotando isenção, se foi requerida a abertura da instrução.
Questionada, CC referiu que a arguida partilhou consigo que o assistente a ia prender, sendo que em face das declarações produzidas sobre este episódio e ao teor das mesmas, o facto descrito em 7) não resultou demonstrado.
A testemunha referiu que um mês volvido sobre o episódio de ... de ... de 2020, em data próxima do aniversário da arguida, a mesma relatou à depoente o episódio dos autos tendo verbalizado ter a ideia que ia ser presa e que o assistente tinha este propósito, tendo a depoente procurado acalmar os ânimos.
Mais referiu que a arguida lhe mostrou a fotografia de fls. 7, mencionando que no seu entender não havia fundamento para a presença dos dois agentes no local. Também questionou, nessa ocasião, CC se poderia usar a citada fotografia no processo de regulação das responsabilidades parentais de BB, ao que a depoente respondeu que considerava inexistir qualquer obstáculo legal a tal junção ao referido processo.
Admitindo desconhecer se AA autorizou ou não o registo da fotografia, a depoente reiterou ter transmitido à arguida que considerava não existir qualquer obstáculo à junção da fotografia ao referido processo judicial.
Porém, acrescentou que uma sua amiga desembargadora que desempenhou funções no tribunal de família e menores saberia igualmente esclarecer, o que GG confirmou, explicitando, agastada, sentir responsabilidade pela existência deste processo.
Com firmeza, GG referiu que nos primeiros dias do primeiro confinamento da pandemia covid 19, em data posterior a 13 de Março de 2020, a sua amiga CC lhe telefonou.
Em conversa mantida em alta voz entre as três (explicitando a depoente estar num local ao telefone e a arguida e CC juntas noutro local), foi relatado à depoente o contexto em que foi registada a fotografia (que a depoente referiu nunca ter visto) em causa nos autos e perguntado o seu entendimento sobre a pertinência da junção da fotografia a um processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais como elemento de prova para demonstrar a vontade da arguida em entregar o filho ao pai num contexto de grande conflitualidade entre os progenitores.
Entendendo que o propósito era o de marcar uma posição em tal processo judicial e entendendo que inexistia qualquer proibição de junção da fotografia, a depoente transmitiu às interlocutoras considerar que a junção da fotografia não consubstanciava qualquer acto ilícito tendo considerado que seria uma boa ideia tal junção.
Corroborando o depoimento de CC, GG mencionou que a sua amiga arguida, neste período, só falava neste tema, perguntando “achas que o AA me pode fazer mal?” (sic), “ele diz que me vai deter” (sic), apresentando-se assustada
Questionada, GG referiu não conhecer o assistente sendo que a arguida é que lhe relatava factualidade e o modo como se sentia a respeito dessas vivências.
Também KK relatou ao tribunal que conhece a arguida e o assistente há dez anos tendo ficado amigos.
Com isenção, mencionou que a separação do casal ocorreu no ano de 2017 (precisando, no que denotou verosimilhança, que se recorda que neste ano foram todos à Eurodisney com os filhos, estando a arguida e o assistente já separados nessa ocasião), tendo os mesmos mantido uma relação que denominou de “normal” (sic).
Explicitou que chegaram a combinar jantares e fins de semana, sendo que quando o BB estava a passar dias com o pai, era o assistente que o levava, e quando estava com a mãe, era a arguida que comparecia no jantar com o filho.
Com firmeza, KK referiu que em Novembro ou Dezembro de 2019 o casal começou a ter desentendimentos e conflitos, explicitando que o assistente começou a afastar-se do grupo que mantinham.
Relatou que num telefonema que manteve com AA e que durou mais de uma hora, o mesmo disse que a arguida era “má pessoa” (sic), que o “seu foco era tirar o BB a DD” (sic) e que “não ia descansar enquanto não prendesse” a arguida (sic).
Sentindo que “não conhecia aquele AA” (sic), tendo-se apercebido de uma mudança de atitude no mesmo, contou à arguida a conversa telefónica a que aludiu, tendo a arguida ficado perturbada e amedrontada, “até pela profissão” (sic) do assistente.
Questionada, KK mencionou, usando de firmeza, nunca ter visto correios electrónicos nem mensagens nem ter presenciado quaisquer discussões entre a arguida e o assistente.
Também LL relatou ao tribunal que no início do ano de 2019 acordou com a sua amiga arguida passar a utilizar o espaço da sala da arguida no seu escritório de advogados pelo período das tardes para que a depoente pudesse escrever o seu livro.
Durante praticamente todo o ano de 2019 (explicitando que a apresentação do livro foi no Natal de 2019) a testemunha passou quase todas as tardes com a arguida, partilhando a mesma mesa comprida de trabalho.
Espontaneamente, referiu ter visto mensagens e correios electrónicos que a arguida lhe mostrava, tendo retido expressões como “não sou teu amigo”, “verás, a consumação terá mais sabor”, “quando fores para a prisão vais ter muito tempo”.
Também referiu chamadas telefónicas que foram mantidas pela arguida, precisando que nalgumas ocasiões esta saía do gabinete para falar, tendo-se, noutras, mantido no seu interior e na presença da depoente, respeitando as chamadas a combinações referentes ao BB.
Com isenção, referiu que não ouvia o assistente a falar mas escutou, algumas das vezes, o tom de voz do assistente, tendo presenciado o desgaste, cansaço e aflição da arguida.
Após ter deixado de estar no gabinete da arguida a trabalhar, as duas amigas mantiveram o contacto, referindo a depoente que a arguida verbalizava sentir medo do assistente, pessoa que a depoente não conhece.
Com firmeza LL relatou ao tribunal ter sido contactada telefonicamente pela arguida relatando o episódio dos autos, apresentando-se a mesma perturbada. Questionada, mencionou nunca ter visto a fotografia em causa nos autos.
Do cotejo da prova produzida ficou o tribunal convencido que a arguida, que admitiu, e resultou da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, ter captado, nas circunstâncias mencionadas na factualidade assente, a fotografia de fls. 7 não tendo colhido, previamente, o consentimento de AA para o efeito (o qual viu a arguida a captar a fotografia em questão) estava convencida da licitude da sua conduta, tendo procurado colher informação junto de CC, de GG e de FF sobre a pertinência da junção de tal fotografia ao processo de regulação das responsabilidades parentais, só o tendo o feito por estar convencida que o podia fazer e que relevava para o processo.
Acresce que da prova documental e testemunhal produzida a que acima aludimos e que referiram o que presenciaram e o estado emocional vivenciado pela arguida à data conjugada com as declarações da arguida e do assistente, ficou o tribunal convencido que no momento dos factos existia litigiosidade entre os pais do BB sendo verosímeis os motivos indicados pela arguida para ter procedido ao registo fotográfico de fls. 7 os quais se mostram compatíveis com o seu comportamento de juntar ao processo indicado em F) e com a preocupação de fazer constar da fotografia não apenas o assistente mas também os agentes da Polícia de Segurança Pública, sendo plausível que tenha prestado atenção se o filho estava a olhar enquanto caminhava em direcção ao automóvel do pai a fim de confirmar se o mesmo presenciava a mãe com agentes da Polícia de Segurança Pública, pelo que resultou demonstrada a factualidade elencada (da acusação e da contestação e face às declarações produzidas pela arguida em audiência de discussão e julgamento).
Refira-se que a profissão de advogada da arguida não põe em causa a convicção do tribunal sobre os motivos que a própria alegou para o registo da fotografia e junção da mesma ao processo indicado em F) porquanto além de ter tido a preocupação de naquele instante registar as pessoas e o momento para posteriormente ir apurar o que levou os agentes ao local e se tal era admissível, como ainda procurou informar-se antes de juntar ao processo indicado em F) a fotografia para demonstração do que pretendia provar com a mesma.
Importa mencionar que o facto indicado no ponto n.º 55 da contestação remete para o documento de fls. 200 do qual não consta a menção aos os crimes objecto do processo 10195/19.4... nem o desfecho deste processo.
Também relativamente ao facto mencionado no ponto n.º 56 da contestação, não resulta, sem mais, do teor de fls. 128 a 134 que a queixa por denúncia caluniosa que é objecto do processo n.º 24/20.1... esteja sustentada no despacho de arquivamento reportado aos factos que deram origem ao processo n.º 10195/19.4...
Sempre se dirá que a apresentação das referidas queixas crime (do assistente contra a arguida e desta contra aquele) conjugada com a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e ponderados os factos objecto dos presentes autos, não permite, sem mais, concluir pela existência de uma “estratégia de retaliação processual que o assistente encetou contra a Arguida em reacção à sua separação e de que os presentes autos são apenas mais um exemplo” (conclusão vertida no ponto n.º 57 da contestação).
Refira-se que foi mencionado pela arguida, e confirmado pelo assistente, a pendência de processo crime contra AA junto do Tribunal da Relação de Lisboa por crime de abuso de poder relacionado com a presença do mesmo e dos agentes da Polícia de Segurança Pública no local na data dos factos (pelo que resultou demonstrado o que se aludiu a este respeito no facto E)), sendo que os factos mencionados na contestação e que se reportam a tal conduta não são respondidos por este tribunal por não relevarem nos presentes autos (tendo sido considerados apenas os factos alegados na contestação que revestem relevância) e por serem objecto de tal processo.
Relativamente às condições sócio-económicas da arguida, o tribunal teve em consideração as declarações produzidas pela mesma, as quais se revelaram verosímeis atendendo à forma espontânea e clara com que foram prestadas.
No que concerne aos antecedentes criminais, foi considerado o certificado do registo criminal junto aos autos.
(…)
Concretamente quanto ao direito, a sentença também fundamentou:
(…)
A arguida vem pronunciada pela prática, em autoria material imediata e na forma consumada, de um crime de fotografias ilícitas, previsto e punido pelo artigo 199.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal.
Estatui o citado artigo 199.º, do Código Penal, que “1 - Quem sem consentimento: a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas; é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias. 2 - Na mesma pena incorre quem, contra vontade: a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.”
O bem jurídico protegido por este ilícito criminal é “o direito à palavra e o direito à imagem como bens jurídicos pessoais, correspondentes a duas expressões directas da personalidade”.
A protecção da palavra falada (irreleva a palavra não falada) ocorre independentemente do respectivo conteúdo, pelo que é irrelevante se constitui um segredo ou não e até se exprime uma ideia do próprio ou de terceiro.
O direito à palavra encerra uma vertente positiva (legitimidade do portador do bem jurídico para autorizar, sem restrições, a gravação ou audição) e negativa (liberdade do portador do bem jurídico para recusar, sem restrições, a gravação ou audição).
O conteúdo ilícito típico consuma-se e esgota-se na gravação ou audição que não sejam consentidas, sendo que o acordo exclui a ilicitude.
O que vem referido para o direito à palavra aplica-se ao direito à imagem que é um bem jurídico eminentemente pessoal que confere ao portador deste direito fundamental (cfr. artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) o domínio exclusivo sobre a sua própria imagem.
O tipo objectivo de ilícito é constituído por uma miríade de tipos, importando, no caso dos autos, apenas o registo fotográfico de imagem.
Prevê a norma duas modalidades de conduta típica: a) registo fotográfico ou audiovisual da imagem de qualquer parte do corpo de outra pessoa ou b) utilização (traduz-se na visualização pelo próprio que produziu a fotografia ou filme) ou permissão de utilização dessas imagens por terceiros (consiste na cedência a terceiro da fotografia ou filme).
O objecto da acção é outra pessoa, pelo que quem se fotografa ou filma a si mesmo não comete o crime em apreço.
É atípica a representação de outra pessoa por desenho (incluindo por caricatura), pintura, escultura, mímica ou encenação.
Exige-se que a fotografia ou filme ou a utilização da fotografia ou filme ou a permissão que estes se utilizem seja realizada contra a vontade expressa ou presumida do portador concreto do direito à imagem.
O acordo (expresso ou presumido) exclui a tipicidade da conduta.
Nos presentes autos resultou demonstrado que a arguida registou a fotografia descrita na factualidade assente e fê-la juntar ao processo indicado em F) da factualidade assente e ambos os casos sem o consentimento de AA cuja imagem consta, também, da fotografia.
Questiona-se, porém, se se verifica, in casu, desde logo, alguma causa de justificação que exclua a ilicitude da conduta da arguida.
Em matéria de causas de justificação importa atender, neste tipo de crime, a outras causas de exclusão da ilicitude para além das causas gerais como sejam o consentimento, acordo, legitima defesa, direito de necessidade (31.º, n.º 2, do Código Penal).
Com efeito, estatui o artigo 31.º, n.º 1, do Código Penal, que “1 - O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade.”.
Ao abrigo do princípio da unidade da ordem jurídica vertido neste normativo, o ordenamento jurídico deve ser encarado no seu conjunto de tal modo que as normas de outros ramos do direito que estabelecem a licitude de uma conduta têm reflexos em matéria criminal, agindo pois no exercício de um direito o agente cuja conduta é autorizada por uma disposição de qualquer ramo de direito, estando excluída a ilicitude penal do seu comportamento.
Importa atender, nesta matéria, ao disposto no artigo 79.º, n.º 2, do Código Civil, nos termos do qual “2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.”.
Segundo este normativo, é criminalmente atípica a obtenção de fotografias ou de filmagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento pelo preenchimento de qualquer das situações a que alude a norma.
O único limite à verificação desta justa causa é a inviolabilidade dos direitos humanos e, como tal, a inadmissibilidade de atentados intoleráveis à liberdade, dignidade e à integridade moral do visado, ou seja, quando está em causa o núcleo essencial da vida privada e mais sensível de cada pessoa, como sejam a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento de terceiros.
Entre as situações previstas no artigo 79.º, n.º 2, do Código Civil, encontram-se as medidas cautelares ou de polícia (cfr. artigos 179.º, 189.º e 250.º, n.º 2, do Código de Processo Penal) e as exigências de justiça. Neste último caso, importa atender ao disposto no artigo 167.º, do Código de Processo Penal, sendo que o propósito de carrear provas para um processo penal onde se busca a verdade material não justifica, sem mais, o registo nem a reprodução arbitrária de fotografias ou filmes. Em matéria de processo civil e em particular nas acções sobre o estado das pessoas (v.g. divórcios) tem-se entendido que é legítima a produção e valoração não consentidas de gravações ou fotografias.
Refira-se que a jurisprudência portuguesa tem uniformemente considerado que não constituem provas ilegais, podendo pois ser valoradas pelo tribunal (não constituindo métodos proibidos de prova) a gravação de imagens (no caso filmagem) por privados em locais públicos ou acessíveis ao público (v.g. para proteção de bens) desde que exista uma justa causa para a sua obtenção (como é o caso de documentarem a prática de uma infração criminal) e desde que as mesmas não digam respeito ao “núcleo duro da vida privada” da pessoa, aplicando-se igual entendimento quando estão em causa a reprodução (v.g. em suporte de papel) de imagens que dessa gravação ou filmagem sejam retirados.
Em matéria de junção de registos fotográficos em processos da jurisdição de família e menores para prova de factos, vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/10/2011, proferido no processo n.º 1488/09.0TAMTS.P1, disponível in www.dgsi.pt.
Nos presentes autos, a fotografia foi registada pela arguida em local público e acessível (bomba de combustível).
Tal fotografia contém as imagens do assistente e dos agentes da Polícia de Segurança Pública, sendo que tal registo fotográfico não atenta contra o núcleo essencial do bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora face ao teor da mesma, tendo a arguida actuado motivada pelas razões constantes da factualidade assente, onde se inclui a presença dos agentes com o assistente e as circunstâncias dessa presença naquele momento da entrega da criança ao pai, não podendo desconsiderar-se o disposto no artigo 250.º, do Código de Processo Penal.
Acresce que atendendo ao motivo relacionado com o registo fotográfico e a sua posterior junção ao regulação do exercício das responsabilidades parentais e porque o direito ou interesse que com ela se pretende tutelar (superior interesse da criança em contextos de conflito dos progenitores), face ao teor da fotografia registada, prevalece sobre o direito à imagem dos visados, justificando-se, in casu, que o retratado suporte a recolha e uso da sua imagem em função da tutela daquele direito ou interesse, mostram-se preenchidos os pressupostos da referida causa de justificação.
Pelo exposto, não se mostrando preenchidos os pressupostos da punição, deve a arguida ser absolvida da prática do crime pelo qual vinha pronunciada.
Pelo exposto, a arguida deve ser absolvida da prática, em autoria material imediata e na forma consumada, de um crime de Fotografias ilícitas previsto e punido pelo artigo 199.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal, pelo qual vinha pronunciada.
(…)
**
Vejamos, então, na perspectiva desta Relação se merecem acolhimento as pretensões do assistente recorrente.
V. despacho proferido em acta – a requerida alteração de factos
O assistente insurge-se contra o despacho que indeferiu em acta o incidente referido, e dele recorrendo, por considerar que, na sequência do depoimento de uma testemunha - que terá afirmado que, em certa data, a arguida lhe exibiu a fotografia em causa nestes autos -, devia o Tribunal a quo ter procedido a alteração não substancial dos factos constantes da acusação/pronúncia. Pretendendo com isso o assistente que tal matéria fosse consubstanciada num facto 8 e aditando-se a parte respectiva do elemento subjectivo ao facto 9, com isso dizendo que não se alterava a natureza do crime imputado neste processo e nem os limites das penas.
Vem dizer que a lei, ao não fixar a oportunidade do pedido, obriga à decisão sobre o mesmo, que se justifica ante aquelas declarações, razão pela qual o despacho de indeferimento é violador da lei.
Apreciando.
Como se disse supra a propósito do objecto do processo por referência ao thema desta decisão, tem vindo o próprio Tribunal Constitucional4 a afirmar que são os factos descritos na acusação definem e fixam o objecto do processo e que este, por sua vez, delimita os poderes de cognição do Tribunal e o âmbito do caso julgado.
É o que Figueiredo Dias5 designa como a vinculação temática do Tribunal, que significa uma identidade e uma unidade do objecto do processo que permitam a manutenção do princípio do processo legal, devido e justo, por contraposição à discricionariedade e arbitrariedade que são marcas associadas à prática de Estados não assumidos como de Direito e Democráticos.
Daí que, como se disse já antes, sejam excepcionais as circunstâncias em que se permite o afastamento de tal princípio e, ainda aí, sempre com vista à melhor realização da justiça no caso concreto, cumprindo as exigências impostas pelos referidos preceitos legais.
Ora, à arguida vinha imputada a prática de um crime de fotografias ilícitas previsto e punido pelo artigo 199º, nº 2, als. a) e b), do Código Penal.
A primeira nota que deixamos é a de que não encontramos na referida pretensão qualquer relevo para a decisão da causa. E se os factos não se revelarem relevantes para o processo, menos ainda serão admitidos para uma decisão de alteração no processo. Visto o requerido e visto o objecto deste processo, não se percebe como pode ser relevante para este objecto a apreciação daqueles factos, sendo eles considerados como importando uma alteração não substancial deles.
Um processo penal de estrutura fundamentalmente acusatória, como o nosso, temperado pelo princípio da investigação, como daqui mesmo resulta evidente, é um processo de salvaguardas, de equilíbrios, desde logo como os que se consagram nos arts. 358º e 359º [e 303º, todos por refª ao art.º 1º, al. f)] do Cód. Proc. Penal, em que se admitem as excepções àquela regra que, como o próprio nome indica, constituem isso mesmo: excepções.
No entanto, sempre se dirá que nestas excepções cabem as situações em que, mantendo-se o thema do processo, a alteração a considerar consista numa alteração de direito, eventualmente mesmo de (re)qualificação jurídica relevante, que se imponha ao Tribunal e que, estando lá exactamente os factos de origem, se reflicta num agravamento da pena ou mesmo numa nova qualificação criminal, e sem que isto ofenda, por isso mesmo, o princípio supra mencionado.
Ora, atenta a regra do art.º 1º, al. f) já citado, não seria este o caso na perspectiva do recorrente, pois que o mesmo logo esclarece que o que pretendeu foi uma alteração nos termos do art.º 358º, nº 1 do Cód. Proc. Penal.
Vejamos ainda.
O assistente pretendia que o Tribunal a quo fizesse constar de um facto 8 provado que:
A arguida exibiu a(s) fotografia(s) a terceiros, nomeadamente a CC.
E, ainda, que se introduzisse uma nova redação ao facto 9. (que descreve o elemento subjetivo do tipo), por forma a dele constar: “Agiu DD de modo livre, consciente e voluntário, com a intenção concretizada de captar fotograficamente a imagem do ofendido para depois a exibir a terceiros e juntar ao processo judicial de regulação das responsabilidades parentais do filho menor comum, o que tudo concretizou do modo acima descrito, bem sabendo que para tal não tinha qualquer legitimidade ou justificação, que agia contra a vontade do visado e consciente que, ao captar a sua imagem e ao fazer juntar ao processo judicial a mesma imagem, impressa, ofendia o direito à imagem do visado, o que tudo quis e concretizou.
O Tribunal a quo entendeu, porém, que:
Considerando que a audiência de discussão e julgamento ainda se encontra em curso, não tendo sido encerrada, ainda, a produção de prova, e face à prova já produzida até ao momento, por ora, indefere-se a requerida alteração de factos, procedendo o Tribunal, oportunamente, e caso o entenda, às comunicações a que aludem os art.º 358º e 359º do Código de Processo Penal.
Ou seja, o Tribunal a quo indeferiu a alteração requerida, sem prejuízo de, caso algo houvesse a alterar após o termo da produção de prova, o próprio Tribunal tomar posição sobre o assunto, provocando o respectivo incidente oficiosamente.
Não vemos que possa interpretar-se esse despacho de outro modo.
E também não vemos aqui qualquer falta de decisão sobre o requerido. Pelo contrário, neste despacho decidir-se expressamente indeferir o requerido, tal como expressamente também ali se afirma.
E nem se vê que isso se faça sem fundamentação, porquanto também se diz no despacho recorrido que esse indeferimento se deve à circunstância de a alteração não se justificar face à prova já produzida até ao momento.
Para além disto, não alcança também este Tribunal de recurso qual a relevância dessa factualidade [pretendida] para a decisão que viesse a produzir-se no mesmo processo.
Pelo contrário, como flui da leitura do tipo legal de crime que vinha imputado à arguida, é evidente que aquela factualidade lhe é completamente estranha, enquanto considerada, como pretendia o assistente, como não substancial a alteração.
Importando ainda dizer que, ao contrário do afirmado no recurso, essa factualidade não resulta provada, pois que assim não foi expressamente considerada, limitando-se o Tribunal a quo a dá-la como decorrente de um dos depoimentos, apenas nesse seio a circunscrevendo.
O Tribunal a quo entendeu, na ocasião em que lhe foi requerida a alteração, indeferir a mesma e disse-o expressamente.
E entendeu que, sem prejuízo, se no fim da prova toda produzida viesse a verificar que os motivos nesse momento do indeferimento se haviam alterado, decidiria em conformidade.
Não há aqui qualquer nulidade, qualquer falta de decisão ou qualquer contradição.
E muito embora a lei não diga em que momento deve ser requerida e/ou decidida a alteração de factos, também sabemos, bastando-nos para isso ser juristas de Tribunal, que o decisor não consigna alterações sem que da sua viabilidade esteja convencido. O que, normalmente, acontece no fim da produção da prova indicada. Desde logo, porque presume que quem indicou a prova sabia que factos deviam estar, ou não, em apreciação e o fez para prova ou contra-prova do objecto do processo ali fixado.
A ser, como pretendia o assistente, tal factualidade entendida como uma alteração não substancial daqueles factos, atento o concreto objecto deste processo, por maioria de razão seria ela irrelevante relativamente ao concreto objecto deste processo. E sendo irrelevante nesse sentido, nem sequer devia ser considerada pelo Tribunal.
No entanto, ao contrário do que se afirma no recurso, a requerida alteração de factos importaria, realmente, uma alteração substancial.
Atente-se.
O assistente, ao pretender que se acrescentasse aos factos julgados a circunstância – que entendeu ter-se provado também – de a arguida ter exibido a terceira pessoa a fotografia em causa, que o próprio assistente diz ser ilícita porque ilicitamente captada, acrescenta, dessa forma, ao processo uma incriminação nova, pela utilização/exibição daquela fotografia em circunstâncias temporalmente distintas das que estão em julgamento. E isso, sem dúvida, importa que a alteração de factos seja de considerar substancial, nos termos do referido art.º 1º, al. f) do Cód. Proc. Penal.
Como se começou por dizer, conquanto os factos descritos na acusação definam e fixem o objecto do processo, eles definem e fixam também, delimitando-os, os poderes de cognição do Tribunal, seja de primeira instância ou de recurso, e o âmbito do caso julgado.
O processo penal de estrutura basicamente acusatória como o nosso, como se disse supra, ainda que integrado pelo princípio de investigação, muito embora afirme aquela natureza quanto ao objecto do processo, no entanto, admite que, sendo a descrição dos factos da acusação uma narração sintética, nem todos os factos ou circunstâncias factuais relativas ao crime acusado possam constar desde logo dessa peça, podendo surgir durante a discussão factos novos que traduzam alteração dos anteriormente descritos6.
Essa matéria, regulada nos arts 303º, 358º e 359º do Cód. Proc. Penal está sujeita à disciplina aí contida, atenta precisamente a sua natureza excepcional, sendo a definição assumida pelo legislador nos termos da al. f) do art.º 1º do referido diploma.
Sendo substancial, a alteração de factos não pode ser atendida pelo Tribunal, sem prejuízo do mecanismo supra descrito, sob pena de nulidade – art.º 379º, nº 1, al. b) do mesmo Cód. Proc. Penal.
Em vista do que consta da acta identificada, requerida a alteração de factos como foi identificada pelo assistente, o Tribunal a quo indeferiu a mesma por considera-la não admissível em face da prova que se produzira até então e, sem prejuízo de, caso considerasse, finda a produção de prova que estava a decorrer e fora indicada anteriormente para julgamento, que havia alteração a fazer, vir a promover a mesma ainda que oficiosamente.
Com isto, o Tribunal a quo não apenas conheceu do requerido, como o indeferiu fundamentadamente.
Sendo ainda certo, porém, que a factualidade que se pretendia ver inscrita sempre seria alteração substancial, pois constituída nova incriminação imposta à arguida, num contexto vivencial diverso daquele a que se cingiu a acusação e pronúncia.
Como tal, resumindo, impõe-se concluir que nem a factualidade em causa constitui objecto deste processo e nem a alteração que a considerasse seria não substancial.
Porque considerou que a mesma se não verificava, no âmbito da sua liberdade de decisão, o Tribunal a quo indeferiu a requerida alteração, no que, como decorre do exposto, andou bem.
Razões pelas quais, quanto a este fundamento e recurso, improcede totalmente a pretensão do recorrente.
VI. o recurso da decisão final
Conforme se deixou notado supra, não se olvide o objecto deste processo.
Recordando, a este respeito, dá a decisão como provado que:
(…)
A) No dia 14.03.2020, pelas 10H45, pouco mais ou menos, no Posto de Abastecimento de Combustível da BP, sito na ..., freguesia do ..., concelho de Lisboa, que é um local público e acessível a qualquer pessoa e dotado de videovigilância,
B) a arguida DD encontrou-se com AA, progenitor do filho comum, menor de idade, para o entregar ao pai após a criança (…).
C) Chegada a arguida ao local, aí se encontravam AA e dois agentes da Polícia de Segurança Pública que exercem funções na Esquadra do Campus da Justiça, a qual não tem atendimento ao público.
D) Quando BB se dirigia, acompanhado por AA, para o veículo deste, os dois agentes solicitaram à arguida que a mesma se identificasse, tendo a mesma questionado por que estava a ser identificada.
E) A arguida captou, com o seu telemóvel, a imagem de AA contra a vontade deste, constando da fotografia, igualmente, os dois agentes da Polícia de Segurança Pública fardados, tendo a arguida assim procedido para posteriormente vir a demonstrar a eventual (in) justificada presença de agentes da Polícia de Segurança Pública no local naquele momento estando igualmente presente o assistente (conduta que é objecto de investigação em processo crime que corre termos na Procuradoria Geral Regional de Lisboa) e para demonstrar, junto do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais do seu filho menor, o comportamento do assistente nesta circunstância e na presença do filho BB
F) A referida fotografia contém a imagem de corpo e rosto de AA e dos agentes da Polícia de Segurança Pública, tendo a arguida feito juntá-la ao processo judicial n.º 3425/19.4..., que corre termos no Juízo de Família e Menores de Cascais (…).
G) Junção que a arguida fez contra a vontade de AA, captado na fotografia.
H) Agiu DD de modo livre, consciente e voluntário, com a intenção concretizada de captar fotograficamente a imagem de AA e dos dois agentes para os efeitos acima descritos, o que tudo concretizou, bem sabendo que agia contra a vontade do assistente, estando a arguida plenamente convencida da licitude da sua conduta.
(…)
Começa o recorrente por dizer que o Tribunal a quo deu como provado que o local [onde decorreu a entrega da criança e ocorreram os factos] estava dotado de videovigilância, quando isso se não apurou no processo.
Ora, muito embora nos termos da Lei nº 34/2013 de 16 de Maio, os postos de abastecimento de combustível estejam legalmente obrigados a ter sistema de videovigilância activo, em condições, não resulta evidente a razão por que o Tribunal a quo deixou considerada uma factualidade que pode ter relevância [para posterior avaliação em sede de direito] da forma como fez, concluindo uma efectiva operacionalidade que não tem qualquer suporte probatório real neste concreto processo.
Por outro lado, não constando esse segmento do objecto inicial do processo, de duas, uma: ou essa factualidade decorria das declarações de algum interveniente ou de informação solicitada, circunstâncias em que sempre teria de esclarecer o Tribunal a quo porque a não comunicara previamente, nos termos do art.º 358º, nº 1 do Cód. Proc. Penal.
E isto, tendo em conta duas outras razões, consoante se considerasse esse facto relevante para a apreciação do processo.
Primeira, não se reconhecendo qualquer relevância futura desse facto no âmbito deste processo, devia ter o Tribunal a quo esclarecido porque razão entendeu, ainda assim, ter a mesma em atenção.
Segunda porque, a reconhecer-se relevância posterior do facto, e decorrendo da lei, desde 2013, essa obrigação para os postos de abastecimento, ou este em concreto estava em cumprimento da lei ou não estava. Seja como for, se não o apurou em concreto, quanto muito – e, na nossa perspectiva isso não tinha de dizer-se porque não têm de ser consignadas como factos as simples premissas legais – o Tribunal a quo podia ter feito constar isso mesmo, a obrigação legal que existe, e nada mais. Ou seja, se o Tribunal de julgamento não diligenciou pela junção de eventuais imagens, como porventura teria havido interesse em fazê-lo, se não apurou em concreto se este posto de abastecimento estava em cumprimento da lei, não podia ter concluído como fez.
E, na nossa perspectiva, também não valia a pena dar outra roupagem à questão, deixando provado, por exemplo, que o referido posto estava, já àquela data, obrigado a ter esse sistema funcional, uma vez que esta também seria uma irrelevância quando não fosse devidamente explicada, limitando-se a constatar o que resulta da legislação em vigor.
No mais que daqui se queira retirar, no entanto, importa ainda dizer que é irrelevante para o objecto do processo essa alegação de recurso.
De duas, uma: se, mesmo a estar convencida a arguida da existência de videovigilância no local, ainda assim tirou a fotografia, é porque actuou sem dar essa relevância àquela existência ou no pressuposto de que não estivessem em captação normal tais câmaras.
A normalidade da vida diz-nos que, provavelmente, nem sequer foi interiorizada tal existência pela arguida.
Ou seja, numa situação de stresse como aquela que foi vivida por ambos, arguida e assistente, na referida altura – stresse esse que resulta da descrição dos factos que qualquer deles faz e decorre, desde logo, do teor dos mails trocados entre ambos e juntos aos autos antes desse encontro - , nem sequer faz sentido pensar que a arguida [e, nessa medida, também o assistente] estivesse ciente de que o local tinha videovigilância, o que significa que, se isso não determinou ou condicionou qualquer dos comportamentos, não tem relevância para os factos pois que, se estivesse qualquer dos intervenientes perfeitamente ciente dessa circunstância, os factos poderiam até nem ter ocorrido como ocorreram. Que necessidade havia de fotografar quando se assumiu que as câmaras estavam lá e a funcionar com precisão? Nenhuma.
E se não tem relevância essa circunstância na determinação da acção, também o Tribunal a quo só lha podia conferir se a mesma estivesse plenamente demonstrada e justificasse tal especial importância, ainda que isso se fizesse ao abrigo do seu poder de investigação, com a comunicação prévia, o que não existiu.
E muito embora se entenda que o fez por via da aceitação de que aquele lugar em concreto já é objecto de filmagem, tacitamente autorizada por quem ali se desloca e que, como o aqui assistente, se sujeita a essa captação, daqui se concluindo que a captação da imagem pela arguida seria aqui uma redundância em que se afastasse a punição ou a consciência da ilicitude, ainda assim, repete-se, ou se consignava, e podia ser simplesmente em sede de direito, que os postos de abastecimento são onerados com tal obrigação, retirando daí as consequências, ou simplesmente não integrava este facto no acervo da materialidade apurada, uma vez que, tal como está, não o apurou.
Pelo exposto, importará expurgar a matéria de facto provada daquele segmento, passando o referido facto a ter a seguinte redacção:
A) No dia 14.03.2020, pelas 10H45, pouco mais ou menos, no Posto de Abastecimento de Combustível da BP, sito na ..., freguesia do ..., concelho de Lisboa, que é um local público e acessível a qualquer pessoa.
Procedendo, como tal, nesta parte o recurso do assistente.
A segunda questão suscitada pelo assistente:
(…) a Meritíssima Juiz fez constar: “(…) após a criança ter passado a data de aniversário da mãe (em 13 de março de 2020) com a arguida quando, de facto, o filho comum do ex-casal passou a semana com a arguida, desde o dia 06 de março (sexta-feira) até ao sábado 14 de março, e não apenas o dia de aniversário. (…)
Trata-se de outra irrelevância para o processo, num duplo sentido: em primeiro lugar, porque é irrelevante essa circunstância para o cometimento, ou não, do crime que vem imputado e que [repete-se] constitui objecto do processo; em segundo lugar, porque a sentença não diz que o menor não esteve com a mãe nos restantes dias, limitando-se a dizer que esteve num específico dia, que era o dia relevante, lá está, para o objecto deste processo.
A referida alegação, como tal, não tem qualquer justificação legal neste contexto, improcedendo a referida pretensão.
Alega também o assistente que o Tribunal a quo, (…) ultrapassando a competência jurisdicional criminal, arrogou-se a Juiz de Família e Menores e deu por provado algo que jamais poderia fazer nesta jurisdição: julgou a inexistência de incumprimento do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais fixado.
Duas notas a este respeito.
Em primeiro lugar, o Tribunal criminal averigua o que entender averiguar, desde que isso se mostre relevante para o objecto que está a julgar.
Este poder mais não é do que o chamado princípio da investigação, já acima referido, que resulta evidente de várias normas processuais, sobretudo do disposto nos arts. 7º e 323º, al. a) do Cód. Proc. Penal.
Ao que resulta do processo, evidente aliás no requerimento recursivo em analise, é também o próprio assistente que, amiúde, traz a referência a circunstâncias que nada têm que ver com o crime que aqui se julga, no que, para além do mais, concorre com os restantes intervenientes, o que até levou a que este Tribunal se estendesse na parte desta decisão que configura o objecto do recurso, além daquilo que normalmente é chamado a fazer ou se justifica, precisamente para deixar claro que objecto tem este recurso e a apreciação que aqui fica feita.
Em segundo lugar, a questão não estará, como tal, em saber se o Tribunal a quo conheceu além dos limites da sua competência, pois já vimos que não, tendo sido os intervenientes que, nas peças processuais que juntaram ao processo, fizeram questão de conferir latitude suficiente à margem de decisão do Tribunal a quo ao trazerem para este processo o que aqui não se discutia.
A questão está, sim, em saber se o Tribunal a quo tinha de o fazer.
E a resposta é que não tinha necessidade de o fazer porque não era esse o objecto deste concreto processo e toda essa factualidade, servindo para aumentar a litigiosidade entre os intervenientes, não tem aqui o mínimo préstimo.
Até podia a entrega do menor ter sido feita em violação de regime fixado. Isso era irrelevante para saber se a arguida podia, ou não, fotografar o assistente naquelas concretas circunstâncias e depois juntar a fotografia a um processo.
Ainda assim, aceitando-se que para o Tribunal de primeira instância tal factualidade teve relevo, até porque são a acusação e pronúncia que começam por atribuir importância à mesma – desde logo para incluir ou excluir da sua ponderação a eventual verificação de elementos justificativos da actuação de ambos os intervenientes –, impõe-se aceitar que a mesma permaneça, e nos exactos termos em que consta da decisão, porque são esses que se provam.
Vejamos.
O que resulta da legislação aplicável, seja o Cód. Civil seja a Lei nº 141/2015 de 08.09, é que todo o regime relativo à regulação de responsabilidades parentais aponta no sentido de que, salvaguardado o superior interesse da criança, os pais vinculam-se por acordo, seja ele o que está homologado pelo Tribunal seja, à margem dele e nas situações em que tal se justifique, por acordo pontual. Não havendo acordo, pelo que lhes seja imposto.
Não resulta do processo que neste caso tenha sido diferente quanto à data em que os factos ocorreram, dizendo mesmo isso o recorrente:
(…)
14. A entrega da criança teria de ter sido realizada pela arguida, de acordo com o regime provisório em vigor desde ... de ... de 2020, até às 16 horas e 15 minutos, do dia 13 de março de 2020 – cfr. registo áudio ..., declarações da arguida, 04:58 a 06:40.
15. Contudo, não o foi, e o assistente, sensível ao facto de tratar-se do dia de aniversário da arguida – 13 de março de 2020 –, flexibilizou a entrega até às 22 horas e 30 minutos desse mesmo dia, permitindo que, como julga emocionalmente saudável, a criança (seu filho) passasse o dia de aniversário com a progenitora (…).
Sendo assim, como efectivamente é, no que respeita à data concreta em que ocorre o facto relevante para ser julgado neste processo [quanto à captação da imagem], havia acordo, de facto, quanto à entrega do menino naquela hora, local e termos.
Aliás, quanto a isso é esclarecedora também a correspondência em e-mails trocada entre pai e mãe da criança, junta a este processo.
Pelo que, quando o Tribunal a quo diz, em B) da factualidade provada, que:
(…) sendo a entrega da criança efectuada em cumprimento do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais que fixou a residência alternada semanal do menor com cada um dos pais, tendo AA solicitado que a entrega da criança se realizasse no mencionado local, o que ficou acordado.
Está apenas a concretizar aquilo mesmo, tomando a posição que entendeu dever tomar sobre um assunto que foi levado à sua apreciação e que podia, no limite, ter relevância para as conclusões a retirar da actuação da arguida.
Nem extrapolação, nem ilegitimidade de conclusão e nem qualquer outro vício afecta a validade da decisão quanto ao referido segmento.
Improcendo quanto a isso também o recurso.
O assistente vem também dizer que em C) da factualidade provada o Tribunal a quo dá como assente que a esquadra do Campus de Justiça não tem atendimento ao público, o que, na sua perspectiva, estará em desconformidade com a informação constante dos autos, em documento que foi junto na sessão de audiência de julgamento de 25 de maio de 2023 pelo próprio assistente.
Ora, sendo do conhecimento geral, e funcional de quem trabalha ou trabalhou no Campus de Justiça [onde se incluem, por coincidência (que as há), não apenas o assistente nestes autos, a juiz a quo mas também as três juízes que subscrevem esta decisão], que existe um serviço policial disponível no piso de garagem do Edifício A, precisamente onde se situam as chamadas Varas Criminais de Lisboa [agora Juízo Central Criminal], a prova da existência de tal serviço de apoio ao Campus de Justiça bastava-se com uma fundamentação que assim o explicasse.
No que respeita ao facto de esse serviço ter, ou não, atendimento ao público, independentemente do referido documento, o Tribunal a quo [caso não quisesse recorrer ao argumento do conhecimento funcional] tinha a possibilidade de consultar a norma específica de criação daquele serviço [Portaria nº 1195/2009 de 8 de Outubro] e eventuais posteriores alterações para ultrapassar qualquer hesitação que tivesse quanto à competência de intervenção que foi solicitada já que, como se conclui com clareza, seria irrelevante, depois de percebida a natureza daquele serviço, se houve, ou não, ordem que contrariasse a competência de origem, uma vez que a mesma, caso não estivesse em causa uma situação de excepção que a justificasse formalmente, só seria válida quando ao abrigo do respectivo regime de vinculação. E isto porque, como também nos parece de meridiana inteligência poder conclui, as competências de intervenção dos serviços públicos estão vinculadas legalmente e não dependem apenas da vontade de quem os dirige.
Como pode ler-se naquele diploma:
(…)
Não obstante a relativa proximidade da 40.ª Esquadra da 2.ª Divisão Policial da cidade de Lisboa, o serviço policial específico nesta área implica um efectivo próprio particularmente especializado na tarefa de segurança a instalações, devidamente chefiado e coordenado, o que revela a necessidade de proceder à criação de uma Esquadra do Campus de Justiça de Lisboa, com comando próprio, salientando-se que foram criadas as condições físicas adequadas à instalação dessa nova subunidade operacional no Campus de Justiça de Lisboa.
(…)
Ora, esta informação, em adição ao depoimento que se refere da testemunha MM [veja-se fls. 13 e 14 da sentença recorrida], que no meio de todas as hesitações e excesso de cuidados respondeu prontamente quando isso lhe foi perguntado, levaram o Tribunal a quo a consignar na fundamentação que:
(…)
Confirmando o teor de fls. 671, referiu que a esquadra do ... não está aberta ao público.
(…)
Aliás, não apenas afirmou isso como, com igual espontaneidade, disse que o referido posto não tem atendimento ao público e que a ordem dada foi pelo graduado NN que lhes ordenou que fossem presenciar a entrega de um menor porque, ao que recorda, alguém «tinha falhado» a hora ou o dia, não se lembra já, quanto ao acordo que havia. E foi o mesmo NN que depois fez o auto, sem ter estado no local com eles, de acordo com o que lhe foi transmitido pelo declarante e colega.
E do depoimento da testemunha PP, de que extrai o Tribunal a quo que:
(…)
Questionado, II admitiu prontamente que, atentas as suas funções na esquadra, que inclui transportar os detidos para as salas onde decorrem as audiências de discussão e julgamento, já conhecia o assistente por ser Juiz nas Varas Criminais.
(…)
Destes elementos de prova resulta que, em rigor aquilo que o conhecimento funcional poderia aportar e o conhecimento geral permite concluir, ou seja, que o serviço policial existente no Campus de Justiça não está aberto ao público no sentido de, querendo lá fazer-se uma participação de facto não ocorrido naquele local, seja possível fazê-lo.
E o documento em se que baseia a convicção do Tribunal a quo, e o que se encontra a fls. 67, não diz mais do que se provou, daí constando claramente que a Esquadra existe para apoio ao Campus de Justiça, não tendo competência territorial própria fora daquele âmbito, ou seja, os profissionais da polícia que ali prestam funções asseguram apenas o serviço relativo ao funcionamento dos Tribunais.
Acrescendo a isto, está a circunstância de o dia em causa (14.03.2020) ter sido um sábado. Sendo do conhecimento geral, e isso mesmo constando do Cód. Proc. Penal conjugado com a Lei nº 62/2013 de 26.08, que aos sábados não é prestado serviço regular no Campus de Justiça, apenas funcionando ali serviço de turno, a processar no edifício B onde funciona o Tribunal Central de Instrução Criminal7.
Por estas razões, não vemos o que devia o Tribunal de primeira instância ter considerado de diferente do que deixou feito.
Pelo que, em rigor, nenhuma inverdade deu como provada a sentença, que bem podia ter assente o facto provado na simples normalidade e na respectiva legislação. Normalmente, como ali se diz, aquele não é um serviço de atendimento ao público que intervenha em circunstância que não tenham que ver com o apoio ao Campus de Justiça, aliás como decorre desse diploma de criação expressamente.
O que divergiu, pois? O facto de ter sido dada uma ordem aos agentes pelo seu superior hierárquico, NN, que também decidiu lavrar o expediente por si, muito embora não tenha sequer estado no local, de acordo com as testemunhas, com base no que lhe relataram [sendo certo, por exemplo, que nenhuma das testemunhas em causa mencionou, como referem no depoimento, qualquer processo de que tivessem conhecimento e respeitasse a estes intervenientes e o mesmo foi indicado naquele expediente].
Mas a legitimidade dessa ordem é objecto deste processo? Não.
Apesar disso, está esclarecida neste processo? Também não.
Não estando aqui em causa a investigação sobre essa legitimidade, tem-se, no entanto, atenção à circunstância de a arguida declarar que, parte das razões que justificaram a sua actuação, têm que ver com a sua intenção de esclarecer porque razão compareceram ali dois agentes da PSP, quando a entrega do menino naquele horário e local estava acordada entre os pais.
Como decorre da resposta ao recurso por parte do Ministério Público na primeira instância, todos os depoimentos convergem num mesmo sentido e esse é o sentido de conferir, como fez o Tribunal recorrido, credibilidade à arguida quando diz que, nessas específicas circunstâncias, quis documentar o momento e, para além da identificação que solicitou aos agentes, ficar com um documento daquilo que foi o momento vivido por si e do facto de, tendo sido acordada a entrega nesses termos, ainda assim ter sido surpreendida no local com a presença da polícia.
Não encontramos incongruências sobre isto na decisão.
O assistente vem também insurgir-se contra a decisão quanto à matéria provada em E), dizendo, que o Tribunal a quo deu como provado que a arguida capturou a imagem do assistente contra a vontade deste.
De facto, em 51 da sua motivação, é isto que o assistente diz, sendo certo que não se percebe porque razão o faz, até porque logo depois parece baralhar esta com outra factualidade.
O assistente diz em 51 da sua motivação8:
51. No facto provado E) consigna-se que a arguida registou, contra a vontade do assistente, a imagem deste “(…) para posteriormente vir a demonstrar a eventual (in) justificada presença de agentes da Polícia de Segurança Pública no local naquele momento estando igualmente presente o assistente (conduta que é objecto de investigação em processo crime que corre termos na Procuradoria Geral Regional de Lisboa) e para demonstrar, junto do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais do seu filho menor, o comportamento do assistente nesta circunstância e na presença do filho BB.”
E diz logo depois, em 52 da motivação de recurso:
52. Ora, em primeiro lugar, nem a própria arguida afirmou tal primeiro segmento do facto, nem o segundo segmento é verdadeiro.
53. e, em segundo lugar, não se percebe de onde a Meritíssima Juiz a quo retirou a ideia que na Procuradoria-Geral Regional de Lisboa se investiga a justificada ou injustificada presença de agentes da Polícia de Segurança Pública no local naquele momento.
54. A Meritíssima Juiz a quo não dispõe nos autos de qualquer peça processual respeitante a tal inquérito para concluir ser aquele o respetivo objeto, até porque não o é.
Se a questão inicial que refuta é a que destaca, ou seja, que a arguida capturou a sua imagem contra a sua vontade, tal constitui uma contradição com todo o recurso, uma vez que, tal como o próprio alega e a arguida aceita, a fotografia foi capturada sem o seu consentimento.
Presumindo, como tal, que não é disso que se trata, mas tão só, ao contrário do que parece dali resultar, do que se lhe segue, diremos duas coisas:
Primeira, é o próprio assistente quem assume, em diversos segmentos do recurso, que o que a arguida queria era apresentar a fotografia no processo de família e menores, o que a arguida não desmente quando diz, entre o mais:
(…)
Eles [agentes da PSP] terem-se deslocado àquele local a pedido de um magistrado que era magistrado aqui no tribunal, para fazerem algo que lhes foi pedido pelo AA para fazer”
Queria mostrar que aquilo estava a acontecer, aquilo, aquela situação, primeiro de estarem, de o AA ter chamado polícias para aquele momento da entrega do BB, que aqueles polícias estavam ali, queria perceber se aquilo podia ser assim, também queria perceber, se aquilo não pudesse ser assim, participar de alguma forma de maneira que aquilo parasse, porque já não era a primeira situação, era só mais uma.
(…)
Mas também é verdade que a arguida assume que também pretendeu documentar aquele momento porque considerou que a circunstância não justificava a presença da polícia e que, eventualmente, o assistente exacerbara poderes profissionais de forma injustificada.
Aliás, isso é tanto mais verdade que é a arguida quem o assume mesmo na resposta ao recurso que agora fez.
E a segunda observação prende-se com a circunstância de o assistente invocar que quando o Tribunal a quo diz que tal factualidade estaria a ser investigada na PGRL, de facto o desconhecia. Ora, a decisão recorrida fundamenta do seguinte modo:
(…)
Refira-se que foi mencionado pela arguida, e confirmado pelo assistente, a pendência de processo crime contra AA junto do Tribunal da Relação de Lisboa por crime de abuso de poder relacionado com a presença do mesmo e dos agentes da Polícia de Segurança Pública no local na data dos factos (pelo que resultou demonstrado o que se aludiu a este respeito no facto E)), sendo que os factos mencionados na contestação e que se reportam a tal conduta não são respondidos por este tribunal por não relevarem nos presentes autos (tendo sido considerados apenas os factos alegados na contestação que revestem relevância) e por serem objecto de tal processo.
(…)
Ou seja, o que se diz na decisão recorrida é que tal factualidade resulta apurada com base nas declarações de arguida e assistente, que o confirmaram. Dizendo logo depois que não é a mesma objecto deste processo, o que é uma evidência.
Portanto, se era preciso algum esclarecimento adicional sobre se foi dada, ou não, essa informação ao Tribunal a quo, esse esclarecimento encontra-se na motivação da decisão de facto vertida pelo Tribunal a quo na decisão de que se recorre, não necessitando o mesmo Tribunal de documento que o comprovasse porque se limitou a consignar o que decorreu do julgamento, assumido pelas partes, ou seja, o que foi declarado.
E quanto à circunstância de a arguida declarar que lhe foi equívoco o facto de os agentes policiais poderem estar a exorbitar funções a pedido do assistente, também o alegado pelo assistente não passa de uma divergência de opinião relativamente à convicção expressa pelo Tribunal a quo: o assistente assenta argumentos no depoimento da testemunha II, como aliás diz, e o Tribunal a quo fá-lo nas declarações da arguida.
Retirar dessa simples constatação que o Tribunal recorrido devia ter entendido o oposto é só mesmo a opinião do assistente, limitando-se o mesmo a invocar isso mesmo, sem que demonstre porque razão e que circunstâncias probatórias concretas deviam ter determinado o Tribunal a quo a decidir-se pelo inverso.
As teorias de valoração expressas no recurso também são apenas isso mesmo, pois que, ao dizer-se:
59. Quem regista de forma genuína e mnésica os factos sabe ordená-los sem esta hesitação e inconsistência.
Está, não só a emitir-se uma opinião, mas sobretudo a esquecer-se que na maioria das situações de stresse, quem as vive ou testemunha, não as consegue reproduzir com fidelidade, com lógica e sequência. Resultando isso mesmo da experiência de vida e da normalidade das coisas.
Retirar daquela afirmação a conclusão de que o depoente ou declarante mente é só mesmo uma opinião ou percepção [se se quiser apropriar conceitos], divergente daquela que teve o Tribunal a quo e deixou muito claramente expressa na decisão, bem como as razões porque o fez.
A arguida assume que quis registar o momento, razão pela qual também tirou a fotografia.
Neste concreto aspecto, no entanto, o motivo por que o fez pode não ser irrelevante.
De facto, em face do tipo legal em causa, de duas, três:
Ou a arguida não quis tirar a fotografia e a máquina disparou inadvertidamente, o que não aconteceu e nenhuma prova permite sustentar, sendo que a própria arguida confessou ter tirado a fotografia – caso em que, a verificar-se, resultaria aqui na prova de uma acção não intencional;
Ou a arguida quis tirar a fotografia, como de facto assume e com isso se prova, desconhecendo, no entanto, a proibição de o fazer, sem vontade de com esse acto violar quaisquer proibições – circunstância em que teremos ausente o elemento subjectivo do tipo;
Ou, finalmente, muito embora querendo tirar a fotografia e sabendo que a lei não lhe permitiria, ou tendo disso dúvidas, quis ter uma prova de que os seus próprios direitos estavam a ser violados, julgando assim legitimada a recolha da imagem que fazia – circunstância em que podemos estar perante uma causa de justificação da ilicitude [a haver] do seu acto.
Ora, o que o Tribunal a quo entendeu foi que a arguida agiu ao abrigo de uma causa de justificação da ilicitude.
E é o próprio assistente que no seu recurso cita parte das declarações da arguida:
(…)
Mma. Juiz: Mas isto não quer dizer que uma pessoa esteja a fotografar as outras.
Arguida: Para mim. Para mim, também não me… a situação a mim, não. Naquele momento, com aquilo tudo que se estava a passar, não me, não me suscitou que, que ele… ou seja, que lhe tivesse de lhe pedir autorização para relatar um momento e conseguir registar o que se estava ali a passar. Porque o que se tinha passado um mês antes, tinha sido muito complicado.
(…)
Portanto, quanto à captação da imagem, nenhuma incongruência da decisão com a prova se verifica.
Vejamos quanto à junção da fotografia ao processo de família e menores.
A este respeito, diz a decisão recorrida que:
(…)
F) A referida fotografia contém a imagem de corpo e rosto de AA e dos agentes da Polícia de Segurança Pública, tendo a arguida feito juntá-la ao processo judicial n.º 3425/19.4..., que corre termos no Juízo de Família e Menores de Cascais, juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, por requerimento datado de 18.03.2020, sendo a arguida e AA partes no referido processo, no qual existia à data um conflito entre os progenitores.
G) Junção que a arguida fez contra a vontade de AA, captado na fotografia.
(…)
A arguida terá junto a referida fotografia a um processo que pendia no Tribunal de Família e Menores de Sintra.
Diz o assistente que a arguida abusou do seu direito ao silêncio, faltando à verdade na explicação dada para esse facto em Tribunal, correspondendo à pergunta sugestiva que o mesmo Tribunal lhe fez.
O assistente fala de abuso do direito ao silêncio por parte da arguida.
No entanto, como sabemos, o arguido em processo penal não está obrigado a falar e nem a estar em silêncio podendo, inclusivamente, prestar declarações cujo conteúdo não seja verdadeiro.
Este direito do arguido tem sido entendido de forma muito ampla, pelo que não pode falar-se de um abuso do direito ao silêncio quando em causa está, realmente, o uso do direito a falar, como entender fazê-lo.
Em segundo lugar, interpretamos a pergunta feita à arguida pelo Tribunal recorrido, ao contrário do que faz o assistente, como contextualizando a própria interrogação, no sentido de conseguir que a arguida percebesse exactamente o que parecia não estar a entender. Aliás, como resulta do diálogo, de que se extrai uma sucessiva tentativa do Tribunal a quo para perceber exactamente o que se pretendeu com a referida recolha de imagem e junção.
A postura defensiva dos arguidos em julgamento leva-os, muitas vezes, a hesitações próprias de quem não quer dizer mais do que deve, independentemente de estar a falar verdade ou não.
Neste caso, temos uma arguida a defender-se perante um Tribunal num julgamento para que tinha sido acusada pelo Ministério Público e pronunciada por um outro juiz, e por um crime que teria sido de fotografar um também juiz e dois polícias, num processo em cuja própria capa, a título de curiosidade - e desconhecendo-se porque razão assim acontece, uma vez que o processo respeita a factos que dizem respeito à vida pessoal, e não profissional, do assistente e nem o mesmo aqui alguma vez se identificou desse modo -, ao identificar os intervenientes do processo, se identifica o assistente como Juiz de Direito AA [veja-se a capa destes autos, que aliás se manteve no recurso]. E, note-se, sem que o mesmo sequer tenha nisso qualquer interferência, pois que o próprio nem a si mesmo se refere desse modo ao longo do processo.
No entanto, mesmo que assim seja, como se percebe, todas estas são condicionantes que resultam evidentes.
Natural seria, como tal, em face destas circunstâncias todas, que a arguida estivesse particularmente renitente em julgamento, como resulta percepcionado das suas declarações citadas pelo próprio assistente:
(…)
Mma. Juiz: Portanto, a senhora estava no interior de um carro.
Arguida: Foi quando eu entrei para o carro para me ir embora.
Mma. Juiz: Pronto, mas nesta fotografia, pela aparência disto, a senhora estava no interior de um carro.
Arguida: Sim.
Mma. Juiz: É isso? Em cujo exterior estava o senhor AA e os dois agentes da P.S.P.?
Arguida: Sim. Depois, estava eu a dizer, na esquadra dos Olivais, disseram-me que não tinham registo nenhum da ocorrência, não tinham sido chamados, para local nenhum, que não tinham referência nenhuma àquela situação.
Mma. Juiz: Mas ali, a senhora, no fundo, quis mostrar o senhor AA nesta posição, ou o que é que a senhora queria mostrar?
Arguida: Eu queria mostrar, registar, congelar aquele momento, para mostrar que aquilo tinha acontecido, ali, porque eu não sabia o que é que iria se passar, o que é que iria ser feito, não sabia se o aqueles senhores podiam fazer aquilo, na altura fiquei a perceber…
Mma. Juiz: Mas aquilo o quê?
Arguida: Irem para a esquadra…
Mma. Juiz: Aqueles agentes?
Arguida: Eram agentes que depois, eu mais tarde, no inquérito, vim a perceber que eram agentes do Tribunal, e das salas do Tribunal, e o AA, na altura, era aqui juiz.
Mma. Juiz: Mas o que é que os agentes estavam ali a fazer, que a senhora queria registar?
Arguida: Eles terem-se deslocado àquele local, a pedido de um magistrado, que era magistrado aqui no tribunal, para fazerem algo que lhes foi pedido pelo AA, fazer.
Mma. Juiz: Mas era o quê?
Arguida: Aquilo que eles me disseram a mim, era para me identificarem. E foi isso que me fizeram. Foi recolher a minha identificação. Pediram-me o meu cartão do cidadão e recolheram a minha identificação.
Mma. Juiz: Portanto, era isso que a senhora queria registar?
Arguida: Sim.
Mma. Juiz: Era o facto de estar ali no interior de um carro, com o senhor AA, que estava ali na qualidade de pai do BB, que não estava ali como juiz, certo?
Arguida: Ele, ali não tava como juiz.
Mma. Juiz: Pronto.
Arguida: Mas aqueles funcionários.
Mma. Juiz: E aqueles agentes chegaram a pedir-lhe a identificação?
Arguida: Sim, sim.
Mma. Juiz: Pronto. Era isso que a senhora queria registar. O facto destes dois agentes lhe estarem a pedir a identificação?
Arguida: Eu queria registar o momento, senhora doutora. Eu queria registar… aquilo estava a acontecer naqueles moldes…
(…)
Como tal, não vemos qualquer quebra de regras na inquirição por parte do Tribunal a quo ou condicionamento relativo à produção e valoração da prova.
O recurso tece, ainda, juízos e imputações relativamente à direcção de julgamento e ao depoimento de algumas das testemunhas, a despropósito daquilo que efectivamente resulta da prova, não exercendo qualquer outra analise crítica objectiva que se prenda com a verificação de qualquer dos vícios capazes de ferir a decisão, como os referenciados nos arts. 410º e 412º do Cód. Proc. Penal.
Do que acima resulta, nada há a apontar, também nesse aspecto, à decisão.
O assistente insurge-se, ainda, com o último segmento provado em E) e o facto não provado em 1), dizendo que o Tribunal a quo não tinha como retirar essa convicção da prova.
Em causa está, neste particular, o facto de esta circunstância de a polícia ter comparecido no local, tendo identificado a arguida, ter ocorrido na presença do filho menor de ambos.
Este terá sido, como já foi também dito em peças processuais, um dos motivos pelos quais a arguida tirou a fotografia e a fez juntar ao processo de família.
Acontece, porém, que esta circunstância só entra neste processo por via, precisamente, dessa justificação para a referida junção, sendo completamente irrelevante para a investigação da verificação, ou não, da prática do crime neste processo que o filho estivesse no local, ou não, tivesse assistido a isto, ou não.
Podia estar e verificar-se a circunstância.
Podia não estar e estar a arguida convencida de que estava.
Podia estar, ainda que à distância. E estaria certamente, uma vez que a entrega era ao pai e não a qualquer outra pessoa, ainda que acompanhante deste. O que fora combinado foi a entrega ser feita ao pai, pelo que quando a arguida saiu do carro para fazer a entrega, e já lá estavam os polícias, como eles mesmos dizem nos seus depoimentos, estavam lá todos, desde a criança aos pais e aos referidos polícias. Não havendo nisto qualquer inverdade.
A referida factualidade é demonstrativa de muitas outras coisas, mas não é demonstrativa da prática, ou não, do crime aqui imputado.
E nem revela mais ou menos verdade das declarações da mãe da criança ou do pai da criança, ainda que por contraposição.
E nem o facto de o filho estar dentro ou fora do carro invalida que estivesse no local, a menos que se provasse que já não estava, o que sempre seria estranho porque, como se disse, a entrega devia ser feita ao pai e a mais ninguém, de acordo com o que resulta dos mails trocados, e o pai estava efectivamente no local.
Portanto, nada de substancial se retira desta factualidade, sobre a qual se diz aqui apenas o mínimo, e apenas porque a arguida pretendeu também que esse fosse um facto relevante na justificação do seu acto.
A dada altura da fundamentação, o Tribunal a quo assenta, sobre as declarações da arguida, que:
(…)
Explicitou que enquanto o assistente acompanhava BB até ao automóvel que ali se encontrava parado (precisando o assistente, JJ e II que o veículo de AA estava parado a cerca de dez metros de distância do local onde ficou imobilizado o veículo em que seguia a arguida), o menor olhava para trás para a mãe tendo visto a mesma a ser abordada pelos agentes que lhe disseram ali estarem para a identificar.
Com isenção, a arguida referiu que o filho não ouvia a conversa dos agentes consigo embora a tenha visto ser abordada pelos agentes, justificando a sua afirmação, no que denotou verosimilhança, por BB olhar para trás, para onde estava a arguida, enquanto caminhava na companhia do pai em direcção ao automóvel. Não resultou, pois, demonstrado o facto descrito em 1), tendo o tribunal considerado as declarações da arguida sobre o facto descrito em D).
(…)
O assistente vem dizer que assim não foi e que a própria arguida, em requerimento anterior feito ao processo, declarou coisa diversa.
Mais uma vez, estamos no campo das meras discordâncias e nada mais.
O Tribunal julga com a prova que é produzida em audiência e, nesta, com as declarações prestadas pelos intervenientes, depoimentos directos e presenciais.
As declarações da arguida em julgamento, atendidas pelo Tribunal a quo, têm o teor que o Tribunal a quo lhes confere. Desconhecendo-se de quem vem o que se escreveu antes no processo.
E ainda que se presuma que a advogada da arguida verteu em requerimento anterior ali junto o que a mesma lhe contou, isso é apenas uma presunção, ilidível [quanto ao concreto e completo teor], aliás, para além de uma alegação escrita subscrita por advogado e, por isso mesmo, não constituindo depoimento ou declaração [da arguida] para efeitos de prova de julgamento.
À parte aquele escrito, nenhuma outra prova, além das declarações do assistente, se apresenta para contrariar o que se provou, conquanto o Tribunal a quo tenha deixado perfeitamente clarificado que declarações valorou e porque razão, nesse juízo não merecendo censura por via do que antes se expôs.
No que improcede também o recurso.
Ainda em F) dos factos provados, o Tribunal a quo deixa dito que:
(…)
F) A referida fotografia contém a imagem de corpo e rosto de AA e dos agentes da Polícia de Segurança Pública, tendo a arguida feito juntá-la ao processo judicial n.º 3425/19.4..., que corre termos no Juízo de Família e Menores de Cascais, juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, por requerimento datado de 18.03.2020, sendo a arguida e AA partes no referido processo, no qual existia à data um conflito entre os progenitores.
(…)
O assistente, em discordância, vem dizer que àquela data não existia qualquer conflito no processo de regulação das responsabilidades parentais.
Como refere a arguida na sua resposta, em rigor, a simples existência do referido processo é demonstrativa da existência de conflito. Como aliás resulta claramente evidenciado do teor dos documentos 7 e 8 juntos pela arguida ao processo em 24.05.2023 e do depoimento da testemunha KK.
Para além de que a simples circunstância de o assistente ter comparecido no local para aí convocando dois polícias, demonstra isso mesmo, como demonstra a troca de mails que antecedeu a entrega.
O conflito existia no referido processo e fora dele, como, aliás, este processo demonstra à saciedade.
Daqueles elementos extrai-se a existência, de facto, àquela data, de divergências entre o casal, sendo certo que o Tribunal a quo, desde que não o fizesse em violação de normas de proibição, e não fez, era livre na formação da sua convicção a esse respeito, verificando-se que a formou com base em circunstâncias reais e concretas, documentadas nos autos inclusivamente, para além da prova testemunhal.
Repetindo-se: a conclusão de prova a que chegue o Tribunal de julgamento, desde que constitua uma das soluções plausíveis, com isso não sendo contraditória, omissiva ou excessiva ou com ponderação de meios nulos de obtenção, cumpre o pressuposto da livre convicção, nada podendo ser-lhe censurado.
Quando ao que o assistente alega em 91 do seu recurso, deixa-se apenas um comentário, já que esse assunto é totalmente irrelevante para o objecto deste processo: o Tribunal a quo não insinua nada. Afirma. Afirma claramente cada um dos segmentos da decisão recorrida, como resulta da simples leitura da mesma.
Insinuar é afirmar algo sub-repticiamente e com a finalidade de criar suspeição. A insinuação nunca parte de uma vontade bem formada. E a sentença recorrida não se enquadra num perfil da vontade mal-formada, sendo, por oposição a isso, clara, objectiva e sempre sustentada na lógica que deixa evidente relativamente à prova que analisa e ao juízo probatório que também explica.
Quanto ao provado em H), vem o recorrente dizer que jamais essa factualidade poderia resultar provada porque a arguida terá já feito, no processo, designadamente em instrução, afirmações que resultam no oposto.
Diz o recurso para demonstrar a impossibilidade de a arguida ter agido convencida da licitude da sua conduta:
(…)
97. Primeiro porque a arguida, como consta da decisão instrutória e das declarações prestadas pela mesma naquela sede: “Esclareceu que, perante o ar agressivo do pai do BB, resolveu entrar dentro do seu carro e é verdade que tirou uma foto aos agentes (muito embora tenha enquadrado também o próprio Assistente) que se debruçou, levantando o braço e tendo na mão o seu próprio telemóvel. Sendo-lhe perguntado, esclareceu que interpretou o gesto com o braço do Assistente como dando a entender que não queria ser fotografado, mas agiu perante aquilo que considerou, na altura, a necessidade de documentar a presença da polícia naquele local o que motivou que, alguns dias depois, tenha juntado a fotografia ao processo de poder paternal.” logo, soube ab initio que o assistente se opunha ao registo fotográfico – pelo que não pode estar convencida da licitude da sua conduta, bem pelo contrário, tem a certeza que não colhe a concordância do titular do direito à imagem,
98. em segundo lugar, se estava convencida desta licitude o lógico teria sido começar a registar, em filme e não fotograficamente, o episódio, o que não fez,
99. como se tal não bastasse, o facto é que a arguida só o faz (ou seja, só tira a fotografia) quando já encerrada no interior do seu veículo automóvel, precisamente, porque sabedora da incapacidade de reação de quem quisesse opor-se à ilicitude da sua conduta,
(…)
Não percebemos, no entanto, de onde extrai o recorrente aquela conclusão.
Em primeiro lugar, a haver a apontada contradição, sempre poderia a mesma ter sido objecto de clarificação no julgamento, requerendo-se ou oficiosamente, resultando por isso evidente que o Tribunal a quo não encontrou qualquer contradição relevante.
Em segundo lugar, não será pelo facto de o visado se opor à recolha da imagem que daí se pode extrair que a arguida, por isso, tivesse de convencer-se da ilicitude do seu próprio acto.
É que, tal como em todas as demais causas de justificação, porque foi este o caminho que seguiu o Tribunal a quo, estamos perante actos que se desenvolvem como reacção a determinado acontecimento [presente ou anunciado/eminente], actos justificados em face desse acontecimento/evento e, como tal, estando o agente, realmente, convicto de que age legitimamente.
Para já não dizer que, mesmo ciente de que agia ilicitamente, se considerasse ser essa a única maneira de salvaguardar o seu direito, reputando-o, pelo menos, de igual valor/importância ao direito à imagem do visado, ainda assim a ilicitude se podia considerar justificada [veja-se arts. 31º e 34º do Cód. Penal].
Nada na prova invalida a conclusão de facto retirada pelo Tribunal a quo.
A lógica, a que apela o recurso, não é, no entanto, particularmente lógica.
De facto, porque razão se filma em vez de fotografar? É assim tão ilógico que, podendo filmar uma ocorrência [se é que podia, desconhecemos] se fotografe a mesma?
O natural, diz-nos a normalidade das coisas, é que, estando a arguida receosa com o que se estava a passar – e isso extrai-se claramente de todas as declarações da mesma, que foi surpreendida no local com a presença da polícia – esperasse para estar em segurança, no interior do carro, para poder documentar o momento.
E a normalidade das coisas também nos diz [pelo menos no que respeita às gerações anteriores a 2010] que é mais fácil lançar mão da máquina fotográfica do telemóvel do que procurar e colocar o mesmo em modo vídeo, até porque, normalmente, o mesmo assume a posição de fotografia por defeito.
Qual é então a falta de lógica disto? Nenhuma.
Assim como também não se percebem as alegações seguintes.
Parece que o recorrente entende que a arguida, porque nunca disse antes à testemunha CC que queria juntar a fotografia ao processo de família, não agiu com essa determinação.
No entanto, o recorrente retira do facto de essa testemunha dizer em Tribunal que a arguida não lho disse, que a mesma não tinha intenção de o fazer.
E mesmo que não o tenha verbalizado à testemunha, essa omissão prova o quê? O inverso?
O recorrente procura refutar a prova de um facto com uma omissão de comportamento alheio.
No entanto, quanto ao processo intencional da arguida, as suas declarações constituem prova directa da mesma, apenas refutável por contraprova que evidencie o inverso ou diverso, de modo a colocar sobre as primeiras, pelo menos, a dúvida quanto à sua veracidade. Do simples facto de a arguida não ter afirmado a alguém o que pretendia fazer, não se extrai uma vontade de sentido contrário.
Mais uma vez, o que está em causa é a discordância relativamente à convicção formada pelo Tribunal a quo. Sendo que essa discordância, no entanto, não significa que o Tribunal a quo tenha – porque é disso que se recorre – avaliado mal a prova, ou errado na sua ponderação.
E ao contrário do que alega o recorrente, nem dos depoimentos que cita resultam quaisquer contradições, bastando ler as próprias passagens que transcreve.
Exemplificando.
O recorrente diz, iniciando-se no ponto 122 do seu recurso9:
(…)
122. A arguida afirmou: a) “Juntei, na altura falei com a minha advogada para expor o que é que tinha acontecido …” – cfr. registo áudio ..., declarações da arguida, 08:15 a 08:20 – e nem uma referência a aconselhamento com as testemunhas CC e GG; b) “Aliás, eu na altura também cheguei a falar com a minha advogada sobre isso se, sobre, bem, temos… eu tirei a fotografia e foi-me dito não há problema nenhum, pode-se juntar, portanto no de família, dizer que podia juntar e, na altura, também falei com umas amigas minhas … ah, ah, que são magistradas e disse: «olha, isto aqui pode acontecer. Mas lá está, eu não perguntei se podia tirar a fotografia, eu nem sequer tinha isso… isto era uma coisa… tipo tive dúvidas se podia, eu para mim era – isto pode acontecer? Aquela situação ali pode acontecer?»” 7 – cfr. registo áudio ..., declarações da arguida, 41:28 a 42:10.
123. Ou seja, a arguida, em declarações prestadas em audiência de julgamento, deita por terra o contraditoriamente referido pela testemunha CC (cfr. 102. e 117.), ou seja, as alegadas conversas que a testemunha CC afirmou ter ocorrido e respetivo conteúdo, simplesmente não tiveram lugar.
124. A arguida sustenta (– cfr. registo áudio ..., declarações da arguida, 39:50 a 40:02) que os agentes da P.S.P. se identificaram em momento anterior ao registo fotográfico – logo não faz sentido que tenha dito à testemunha CC que tirou as fotografias para identificar os agentes – mais ainda, por não saber do motivo da respetiva atuação, quando a própria arguida o sabia, porque lho foi dito, e assim o declarou a 38:13 8 a 39:19; e sustenta igualmente que a questão para si não eram as dúvidas quanto ao registo fotográfico – tese a testemunha CC em 25 de maio de 2023 – era sim saber se o que se passou naquele dia, podia acontecer – revelando quatro coisas: a) desconhecimento do disposto no artigo 249, do Código Penal; b) desconhecimento do que diariamente acontece em torno dos conflitos de regulação das responsabilidades parentais no nosso país e intervenção das autoridades policiais; c) desconsideração da dimensão do assistente como pai, cidadão, impondo-lhe as vestes constantes de magistrado judicial, a que despoja o direito de solicitar a intervenção das autoridades como e quando entende dever fazê-lo; e d) que perspetiva de forma invertida a realidade – o assistente não é litigioso, nem conflituoso, limita-se a reagir, como tem direito, a todos os atos que atentam contra os seus direitos, e são muitos, não se permitindo ser “saco de pancada” de ninguém – esses sim, indivíduos conflituosos – não ofendidos como o assistente.
(…)
Mas a arguida estava obrigada a dizer à sua advogada que tinha falado com amigas, fossem ou não magistradas, ou vice-versa? Em que é que o facto de isso não ter acontecido constitui contradição?
Baralha-se o tirar com o juntar, sendo certo que estamos a falar de momentos distintos e sem que a arguida, em substância, e sem prejuízo do que normalmente se acrescenta quando se concretiza, tenha alterado a sua versão sobre os acontecimentos ao longo do processo.
Concretizar, correspondendo até a perguntas de esclarecimento, não equivale a mentir.
A mentira, por oposição, vem da afirmação de um facto e do seu contrário ou da afirmação de um facto que é contrariada por outras verdades que resultam, no saldo, mais verdadeiras [desculpando-se a redundância].
Pretende-se também encontrar uma contradição entre versões, mas não entre versões ditas em julgamento. Entre versões do que se disse algures antes, noutras circunstâncias, por vezes nem sequer pelos mesmos intervenientes, com o que se depõe depois em audiência.
No entanto, como sabemos, o processo penal também tem como resolver esse assunto.
Caso as declarações o sejam efectivamente e existam contradições [quanto ao mesmo sujeito ou entre este e testemunhas], há mecanismo legal para confrontar um declarante com versões não coincidentes, retirando das explicações as devidas conclusões.
Ao afirmar-se que a arguida se contradiz e contradiz a testemunha porque disse à testemunha que tinha tirado a fotografia para identificar os polícias e depois se diz que a arguida sabia ao que os mesmos ali iam porque lhe foi explicado, e quando já se tinha dito antes que, como os mesmos polícias se identificaram perante ela, já não tinha de os identificar, está-se a confundir ou pretender que se confundam coisas distintas. Nenhuma destas afirmações se anula reciprocamente.
A arguida pretendeu documentar o momento, como ela mesma diz.
Até pode invocar à amiga ou à advogada fundamentos diversos [desde logo, por não querer partilhar os reais], desde que seja coerente e congruente em Tribunal, porque a pessoa que tem de convencer é o juiz.
Para além disso, uma coisa é pedir a identificação dos polícias no local [aliás, a testemunha QQ, um dos agentes, nem ideia tem de terem identificado ninguém ou de alguém lhes ter pedido a identificação no local, como afirma nas suas declarações], e outra diversa é documentar o momento, uma vez que, havendo acordo quanto à entrega naquele local, nem estava esclarecido devidamente o que foi lá fazer a polícia, nem o auto foi ali lavrado e nem foi dada uma cópia à arguida do mesmo, de onde constasse um teor que a mesma aceitasse e a identificação formal dos dois polícias.
Por outro lado, e como se disse antes, o Tribunal a quo deixou claro o que ponderou das declarações da arguida e nisso actua com liberdade, sendo certo que nada do que explica na decisão recorrida é contraditório ou insuficiente, ou sequer revela uma ponderação além do consentido pela prova ou ao arrepio dela.
Finalmente, ainda que lhe tivesse sido dito o nome dos agentes no local, como se estava a dizer, isso não invalidava que a arguida pretendesse documentar o momento, como ela mesma afirma, já a própria presença dos polícias numa situação que achou não ter de envolver a polícia, trazidos ali pelo assistente e por causa da entrega do seu filho menor de idade que havia sido previamente combinada entre ambos, fê-la sentir essa necessidade. E documentar o momento significou, para si, ficar com a imagem dos agentes na presença do assistente, porque considerou tudo aquilo um excesso, injustificado e violador dos seus próprios direitos, como afirma diversas vezes.
Isto é o que resulta das suas declarações, tenha-o dito mais diretamente ou não, e foi o que delas extraiu também o Tribunal de julgamento.
Mais uma vez, nada há a apontar à decisão também neste aspecto.
Vem ainda alegar o recorrente outras discordâncias.
Insurgindo-se quanto ao facto provado em I), que considera verdadeiro, ao que percebemos, mas desnecessário.
Não merece qualquer comentário a sua posição, além da constatação do óbvio: trata-se de uma discordância em face do que entendeu ser relevante o Tribunal a quo.
Tem importância, realmente, essa factualidade? Tem.
Dela resulta que, não tendo sido suscitado incidente e tendo essa factualidade acontecido, não havendo motivo para isso [os pais acordaram que a entrega da criança fosse ali feita], na perspectiva da arguida, não se justifica a presença da polícia no local.
E é importante esta factualidade e conclusão que dela se extrai. Desde logo, na perspectiva da arguida, assumida desde cedo no processo, já que isso integra um dos motivos por que terá tirado a fotografia [para além do motivo que a levou a juntá-la ao referido processo].
E é esta factualidade importante para o objecto deste processo? É, de facto.
Pois que isso reforça a perspectiva do Tribunal a quo de que o acto da arguida estava legitimado dentro da «conformação da sua vontade» de fotografar o mesmo.
E, ao contrário do que alega, também pode não ser irrelevante para a posição do assistente, já que, como o mesmo diz, a poder este episódio concretizar um acto susceptível de integrar uma reiteração que seja elemento típico de outro crime, é o próprio assistente quem lhe confere importância, ainda que em contexto diverso deste.
Diz ainda o recorrente que:
(…)
133. Quanto aos factos provados em J) a N), salvo melhor opinião, a mesma decorre de uma desconsideração legal, designadamente do disposto no artigo 369, n.º 1, do Código de Processo Penal, pois, vigorando o Princípio da Césure Mitigado, apenas em caso de aplicação de pena, tais factos têm de ser considerados para a decisão.
(…)
Como é evidente, trata-se de mais uma discordância do recorrente em face da decisão recorrida, sem que seja invocado qualquer vício concreto quanto a isso, até porque não existe de facto.
Essa factualidade terá relevância se o Tribunal de julgamento decidir dar-lhe. E o Tribunal a quo entendeu dar como provados factos relativos à vida pessoal da arguida, designadamente a profissional.
Conquanto não tivesse de o fazer, sempre permite que mesmo algumas das alegações que o assistente faz possam estar enquadradas substancialmente em prova, como quando alega que a arguida é advogada de profissão e vive com a testemunha relativamente a quem nem foi cumprido o art.º 134º do Cód. Proc. Penal, por exemplo. Sendo que aquele facto, em rigor, pode ser levado em consideração, desde logo nas suas capacidades para discernir e interiorizar parte dos actos ocorridos de um modo ou outro, não sendo irrelevante a sua situação pessoal (aliás, como o próprio recorrente invoca), porque o Tribunal o deu como provado.
A matéria que diz respeito às condições dos arguidos, uma vez investigadas nos processos, desde logo pela junção do CRC respectivo e relatório social, sendo obrigatória a sua ponderação em caso de condenação, não fica necessariamente subtraída à apreciação do Tribunal. Tanto mais quando se pondere a existência de causa de exclusão de ilicitude. A césure (princípio mitigado) significa [aqui] apenas que, havendo culpabilidade a ponderar, essa matéria deve estar presente e ser ponderada na determinação da pena.
Nada mais do que isso.
Quanto à factualidade não provada também o recorrente vem expor argumentos.
No que tange ao facto não provado em 1), que devia ter-se dado por provado nos termos que alega, conquanto se renovem as conclusões acima deixadas, sempre se deixa aqui o que especificamente disse o Tribunal a quo:
(…)
Ao chegarem à bomba de combustível a arguida viu AA com dois agentes.
Imobilizado o veículo, a arguida saiu do lugar que ocupava para retirar BB do interior do automóvel (atento o número de portas do veículo), entregando-o, nesse momento, ao pai.
Explicitou que enquanto o assistente acompanhava BB até ao automóvel que ali se encontrava parado (precisando o assistente, JJ e II que o veículo de AA estava parado a cerca de dez metros de distância do local onde ficou imobilizado o veículo em que seguia a arguida), o menor olhava para trás para a mãe tendo visto a mesma a ser abordada pelos agentes que lhe disseram ali estarem para a identificar.
Com isenção, a arguida referiu que o filho não ouvia a conversa dos agentes consigo embora a tenha visto ser abordada pelos agentes, justificando a sua afirmação, no que denotou verosimilhança, por BB olhar para trás, para onde estava a arguida, enquanto caminhava na companhia do pai em direcção ao automóvel. Não resultou, pois, demonstrado o facto descrito em 1), tendo o tribunal considerado as declarações da arguida sobre o facto descrito em D).
Admitindo que os agentes não referiram estarem ali a pedido do assistente, explicitou que a dado momento os polícias dirigiram-se a AA (que entretanto se aproximou do local onde estavam a arguida e os agentes) apelidando-o de “doutor”, tendo a arguida sentido familiaridade entre os agentes da Polícia de Segurança Pública e o assistente, razão pela qual a própria exclamou “afinal vocês conhecem-se” (sic) dizendo-lhes que os mesmos “estavam ali porque AA lhes tinha pedido” (sic). Com firmeza, referiu que os agentes lhe responderam que “estavam ali por uma ordem do chefe” (sic).
(…)
Como resulta do que antecede, o que aqui se evidencia, mais uma vez, é uma dissidência entre o que o recorrente conclui e o que o Tribunal a quo concluiu da prova, e o que um e outro consideraram relevante.
O Tribunal a quo explicou porque razão entendeu como deixou dito e nenhum vício fere esse entendimento, decorrendo o mesmo da lógica de analise a que processou, sendo a conclusão consentida pela prova ali enunciada.
Nada mais há a acrescentar ao que já se disse.
Quanto aos factos 2) e 3), o Tribunal a quo a considerar não provado o que se dizia na acusação, usando a mesma linguagem. Aliás, notando-se que a linguagem usada pela acusação/pronúncia nem sequer se mostra adequada, porque conclusiva e retórica, tendo arrastado atrás de si as demais peças processuais.
Esses factos, que constavam de 3 e 4 da acusação, em rigor, nada dizem.
O que significa «estar legitimada» neste contexto? Ser profissional de fotografia? Ter autorização do visado? Estar em vigilância discreta ou menos discreta ao local? Ter saudades do assistente e pretender ficar com mais uma foto sua? Estar convencida de que só assim prova um evento injusto? O que é que, de facto, se pretendia dizer com essas expressões na acusação/pronúncia?
Em rigor, desconhece-se.
Em processo penal, como sabemos, o Tribunal não pode «deitar-se a adivinhar» ou «tirar umas pelas outras» quando está em causa uma coisa tão grave como imputar a alguém o cometimento de um crime.
Muito embora percebamos que o Tribunal a quo formou a convicção de que a circunstância que a acusação/pronúncia terá ali pretendido considerar não se provou de facto, em rigor, podia limitar-se a dizer que ali não estavam factos e, como tal, nem sequer se imputava ali parte substancial do elemento subjectivo do crime imputado.
Preferiu simplesmente considerar aquelas afirmações como não provadas, porque concluiu da prova o inverso.
Quanto ao não provado em 4), diz o recorrente que há falta de demonstração da utilidade, ou mesmo uma inutilidade da referida captação ou junção, e nós já dissemos supra o que havia para dizer a esse respeito.
Sendo certo que, útil ou inútil, o Tribunal a quo se limita a dar como não provada uma conclusão, ainda por cima parcialmente inverdadeira porque a fotografia está espalhada pelo processo em formatos mais do que suficientes, nela sendo perfeitamente clara a presença de dois polícias, para além do assistente [e até outras pessoas].
Ao dar como não provada aquela conclusão, mais uma vez e ao invés do alegado no recurso, o Tribunal a quo afastou-se do processo decisório baseado nas meras especulações.
Para além de que não competia ao Ministério Público concluir sobre a utilidade da referida fotografia, tendo-o feito, como parece evidente, com a preocupação antecipada de afastar eventuais causas de justificação que pudessem vislumbrar-se, no que se excedeu, mas também deixou evidente que a respectiva intenção era essa, por não ser isso compatível com nenhuma outra.
Pelo que, neste amplo contexto, ou até naquele a que se devia ter cingido a própria acusação, resultando provada factualidade que prova o oposto, bem andou o Tribunal a quo quando decidiu como fez.
Tal não constitui vício de sentença, mas precisamente o seu contrário.
Persistindo apenas no âmbito do objecto deste processo, a que necessariamente devia ter-se cingido também o recurso, e sendo aquele que fixa os limites de cognição do Tribunal de recurso, vejamos o que de mais releva.
Diz também o recorrente:
(…)
114. Chegamos ao depoimento da testemunha JJ, colhido sem observância do disposto no artigo 134, do Código de Processo Penal.
115. Desde o início ressalta a primeira falsidade – se a testemunha tivesse conhecimento do “acordo de entrega do BB” saberia que deveria rumar à Estação de Serviço da BP junto do Campus da Justiça, quando na realidade se deslocou a Miraflores (residência do assistente) e para junto do edifício “A” e não para a Estação de Serviço.
116. Sem descuidar as razões da inverosimilhança deste depoimento, avancemos sobre 227. a 243. e analisemos o que realmente tem de demolidor este depoimento:
117. Admitamos, como motiva a Meritíssima Juiz a quo, que: “Com firmeza, JJ referiu que ficou perturbado com o que estava a presenciar, explicitando não compreender por que razão a polícia estava a fazer um controlo de identificação da arguida que, na sua visão, teria que ter um fundamento/razão para ser realizado, explicitando que o próprio é de nacionalidade belga e no seu país o controlo de identificação tem que estar sustentado numa razão seja por questões rodoviárias ou outras. Com esta justificação que apresentou, decidiu, a partir do local onde permaneceu a observar o que relatou, registar vinte e cinco fotografias com o seu telemóvel que disse não mostrar por recear ‘também ser alvo de um processo crime» (sic), não tendo compreendido o motivo para o «cenário todo ali no momento» (sic).”
118. Admitamos que a testemunha JJ tirou vinte e cinco fotografias ao que estava a acontecer, porque perturbado com a ação policial sobre a arguida, sua companheira (pois não ficou para presenciar a identificação do assistente e antes nada tinha acontecido de relevante).
119. Sabemos que a arguida exibiu a fotografia à testemunha.
120. Não é crível que a testemunha tenha omitido a exibição das fotografias que tirou à arguida.
121. Nesta lógica (que não pode ser outra), a arguida jamais deveria juntar ao processo a fotografia que tirou ao assistente, quanto tinha à sua disposição as fotografias tiradas pelo seu companheiro, a testemunha JJ, essas sim retratando o episódio de identificação policial em que a arguida estava envolvida, e que o terá perturbado.
122. Estas fotografias, tiradas pelo seu companheiro, serão mais exatas para descrever o “momento”, o “episódio de identificação policial” por que passou.
123. Mas mais importante que isso – seriam fotografias que não teriam de contemplar a imagem do assistente e documentariam bastante melhor os acontecimentos, sem ter de sujeitar-se a uma responsabilização criminal como a presente.
124. Por isso, das duas uma: ou tais vinte e cinco fotografias nunca existiram e a testemunha não podia ter visto o seu depoimento valorizado (desmoronando todo o processo de formação de convicção da Meritíssima Juiz a quo), ou se existem, teriam sido estas as escolhidas, sem risco de responsabilidade criminal, para juntar a quaisquer autos, para demonstrar que o episódio aconteceu.
125. Admitir que tais fotografias existem, exclui a justificação/legitimidade sustentada pela Meritíssima Juiz a quo, precisamente porque existia forma de demonstração do episódio sem que o direito à imagem do assistente fosse sacrificado – as fotografias tiradas pelo companheiro da arguida, precisamente num momento em que os factos – identificação policial – estava a decorrer, e não depois de ter cessado todo o episódio – momento em que a arguida tira a fotografia.
(…)
Mais uma vez, estamos perante considerações, juízos de valor e discordância com a decisão recorrida.
O Tribunal não tem, em face da acusação/pronúncia, de indagar qual foi o passeio que deu a testemunha antes de chegar à bomba de combustível e porque razão o fez.
Os factos ocorreram no posto de abastecimento. Todos os intervenientes colocam ali esta testemunha: a arguida, o assistente, as testemunhas policiais.
Caso a testemunha viesse dizer que ali esteve sem ter estado, percebia-se a relevância do passeio. Desta forma, não.
E nem se diga que daí se retira a avaliação da credibilidade do seu depoimento, porque já se viu que o Tribunal a quo apenas ponderou essas declarações na medida da sua coincidência com as da arguida, a que conferiu credibilidade, assistente e testemunhas da polícia.
Depois, de conclusão em conclusão, vem o recurso dizer-nos o que devia ter feito a testemunha, ou a arguida, dizendo designadamente que devia ela ter junto ao já indicado processo de família e menores as fotografias que a referida testemunha tirou e não esta, que a arguida tirou, porque aquelas até seriam mais.
Mas nada disto é impugnação de matéria de facto, como é evidente. É só, mais uma vez, o recorrente a dar à prova um desfecho diverso daquele que deu o Tribunal a quo? E porque isso lhe parece mais lógico.
No entanto, não decidiu assim o Tribunal recorrido e nem o seu processo de decisão denuncia qualquer vício que importe reconhecer aqui.
E a conclusão a que chega o recorrente nem sequer faz sentido.
Aquela que se tem vindo a referir como «legitimação» da vontade de fotografar e a vontade de juntar ao processo as fotografias por parte da arguida é uma realidade do seu foro íntimo, tendo que ver com o processo de formação da sua vontade e no momento da realização de quaisquer desses actos.
Não tem que ver com o que quis ou deixou de querer ou fazer alguma das outras pessoas envolvidas.
E a arguida esclareceu que a fotografia que tirou, a que está no processo, que retratou os visados com a mesma, foi o que pretendeu demonstrar, quer quando captou a imagem quer quando a juntou ao processo. Nada mais do que isso.
Porque razão ia juntar outras fotos, se é que ainda existiam a essa data, que nem sequer, porventura, retratavam o que pretendia evidenciar? Qual é a lógica, perguntamos nós, de achar que isto tem mais lógica do que aquilo que aconteceu?
A resposta é simples: nenhuma.
Estamos apenas perante a opinião do assistente de que, na sua própria perspectiva, teria sido mais proveitoso para a arguida juntar ao processo de família e menores as várias [não sabemos quantas ou se existem, mas referidas pelo assistente] fotografias que outra pessoa terá tirado no local em vez de ter junto apenas esta, que a própria tirou.
O recorrente ainda imputa a algumas das testemunhas, aquelas que a arguida indicou no processo, por sinal, faltas de rigor, coerência e verdade e ao Tribunal a quo a falta de rigor na apreciação da prova e na valorização da mesma.
Como já vimos antes a propósito das restantes questões, sendo recorrente esta argumento, não resulta da decisão recorrida qualquer erro ou vontade de avaliar a prova em violação das determinações legais.
As testemunhas a que o recorrente refere prestam depoimentos coerentes, sem que deles se retire mais do que lhes é perguntado e respondido, sem insinuações ou juízos de carácter.
São testemunhas não presenciais de qualquer dos factos aqui relevantes para o preenchimento típico, que esclarecem isso mesmo e cujo depoimento é avaliado pelo Tribunal a quo nesse mesmo pressuposto.
Aliás, das pessoas que assistiram a factos relevantes, apenas se conta mesmo as declarações de arguida e assistente, já que os polícias que assistiram a parte dos factos, aos ocorridos na bomba de combustível onde foi captada a imagem de que se fala, como bem refere o Tribunal a quo, prestaram fracos depoimentos, selectivos nas respostas, podendo perceber-se das gravações as respectivas hesitações e insuficiências.
Por contraposição a estes, em nenhum momento as supra citadas testemunhas assumem um qualquer protagonismo decisivo para os factos que aqui se julgam: nenhuma delas tirou a fotografia ou a juntou ao processo de família e menores, nenhuma delas esteve sequer presente nas circunstâncias, nenhuma delas teve, como tal, conhecimento presencial daquele lapso de tempo em que ocorreram, nenhuma delas teve conhecimento do que se ia passar antes de ocorrer e, tal como resulta evidente das suas declarações, nenhuma delas pretendeu convencer o Tribunal a quo do contrário.
No entanto, perante o objecto deste concreto processo, nenhuma delas tem sequer a relevância que o recorrente lhes quer dar, exclusão feita quanto às circunstâncias que possam ser ponderadas quanto ao elemento subjectivo do crime imputado ou da causa de justificação ponderada.
Aliás, basta ler as actas de julgamento e ouvir as respectivas gravações para perceber que incidentes foram suscitados, por quem e em que situações, bem como a forma como com eles lidou o Tribunal recorrido.
O recorrente tece juízos sobre esses depoimentos sem qualquer fundamento, sem que demonstre, com recurso a prova, para além da sua própria argumentação, que faltaram à verdade. E à parte o pormenor de uma discrepância no período de tempo em que uma delas diz ter trabalhado com o assistente, e que é aqui absolutamente irrelevante, como quase tudo o resto sobre que depõem, sendo, contudo, perfeitamente aceitável o lapso, de acordo com a normalidade da vida, nada se consubstancia no recurso quanto às inúmeras afirmações que aí se fazem.
Pelo contrário, o Tribunal a quo fundamenta porque razão as considerou credíveis e em que medida, confrontando esses elementos com outros que expressamente também indica.
No mais que se diga, as passagens das declarações da arguida, e do depoimento das testemunhas trazidos à colação pelo recorrente em relação aos alegados factos incorrectamente julgados, não impõem decisão diversa da recorrida, uma vez que através delas o recorrente não demonstra a existência de nenhum erro patente de julgamento, ou qualquer outro vício, limitando-se genericamente a divergir do modo como o Tribunal recorrido valorou a prova produzida na audiência de julgamento socorrendo-se para tanto de excertos, alguns até descontextualizados, invocando a existência de discrepâncias e imprecisões que não se verificam.
Improcede também quanto a isto o recurso.
Do não cumprimento do art.º 134º do Cód. Proc. Penal
Quanto à circunstância, alegada também pelo recorrente, de a referida testemunha JJ ter prestado declarações sem advertência do disposto no art.º 134º do Cód. Proc. Penal, importa deixar alguns esclarecimentos, atento a que a matéria pode constituir nulidade [embora não alegada como tal] e, como tal, merece tratamento diferenciado específico.
E diz o art.º 134º do Cód. Proc. Penal citado que:

Artigo 134º - Recusa de depoimento



1 - Podem recusar-se a depor como testemunhas:
a) Os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os afins até ao 2.º grau, os adoptantes, os adoptados e o cônjuge do arguido;
b) Quem tiver sido cônjuge do arguido ou quem, sendo de outro ou do mesmo sexo, com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos cônjuges, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação.
(…)

Ora, como resulta evidente da norma em causa, o que releva é a data dos factos e a da convivência.
Note-se que estes factos não ocorrem entre testemunha e arguida, pelo que não dizem respeito à sua vivência em comum.
Para além disto, o preceito refere-se à faculdade de não se ser testemunha num processo por via de uma das circunstâncias aí referidas, ou seja, de a pessoa se poder recusar a depor. E não a impedimentos em ser testemunha, estes, previstos no art.º 133º do mesmo diploma.
Estes factos (14.03.2020 e 18.03.2020), como se dizia, não dizem respeito à vida deste casal (arguida e testemunha), independentemente da data em que iniciaram vivência em comum (15.03.2020).
O art.º 134º prevê a possibilidade de se recusar a prestação depoimento na qualidade de testemunha qualquer um dos três grupos de pessoas ali indicadas:
Sendo que, na al. b) do nº 1 está inclusa a pessoa que tiver sido cônjuge do arguido ou quem, sendo de outro ou do mesmo sexo, com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos cônjuges, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação.
O nº 2 impõe à entidade competente para receber o depoimento, que informe as pessoas referidas dessa prerrogativa de recusarem depoimento, sendo a omissão de tal advertência cominada com a sanção da nulidade.
Como afirma Cruz Bucho10, Dentro do quadro das provas, a prova testemunhal é a que mais utiliza e mais aproveita ao processo penal, pois o testemunho é o modo mais adequado para recordar e reconstituir os acontecimentos humanos, é a prova na qual a investigação judicial se desenvolve com maior energia.
Mas é também a mais falível e uma das que convoca maiores cautelas de valoração e tratamento como fonte de formação da convicção do julgador.
Como teremos ideia, este dispositivo aparece na sequência de alteração legislativa que, entre o mais, a este respeito, pretendeu corrigir um problema do código anterior, em que a distinção entre as figuras das testemunhas e dos declarantes acabava por criar entropias no sistema, sendo frequentemente percebido que a proeminência do depoimento assentava sobretudo no juramento prestado, conquanto os declarantes o não fizessem precisamente pelo estatuto de proximidade ao arguido, com isso se desvirtuando a busca da verdade.
No antigo art.º 216º do Cód. Proc. Penal de 1929, tal como anunciado na Lei de autorização legislativa em matéria de processo penal, com o nº 43/86 de 26 de Setembro (cfr. artigo 2º, nº 2, al. 23) dizia-se expressamente que a alteração legislativa por introdução do citado art.º 134º destinava-se a esclarecer e para colmatar a falta de clareza e de correcção do anterior regime jurídico.
A primazia da prova testemunhal sobre a prova por declarações (a que ficavam votados os familiares próximos, por exemplo) conferia um verdadeiro estatuto de subordinação a estas, assente apenas na presunção de que o juramento era suficiente para garantir a maior verdade daquela.
Tal como refere o Tribunal Constitucional, o artigo 134.º do Código de Processo Penal de 1987 surgiu na sequência da supressão da distinção entre as figuras de testemunha e de declarante, que existia no direito anterior (cf. artigo 214.º e segs. do Código de Processo Penal de 1929), e do alargamento do princípio geral de que todas as pessoas poderão depor como testemunha, com exclusão dos interditos por anomalia psíquica, nos termos do artigo 131.º, e daqueles que estão legalmente impedidos de prestar testemunho, em função do seu posicionamento processual (os arguidos, assistentes e partes cíveis) ou por estarem sujeitos ao “dever de segredo”. Insere-se num conjunto de situações típicas (cf. artigos 132.º, n.º 2, 134.º e 135.º) que, em derrogação do dever jurídico de prestar declarações que incumbe às testemunhas [cf. artigo 132.º n.º 1, alínea d); dever penalmente censurado no artigo 360º do Código Penal, em caso de falso testemunho], consagram o direito a recusar depoimento (aliás, em algumas das hipóteses a recusa é um dever profissional ou deontológico)11.
O direito de recusa previsto neste art.º 134º corresponde a uma tomada de posição expressa do legislador no sentido de resolver um conflito de deveres, no confronto entre o poder punitivo do Estado na administração da justiça penal e o dilema ou conflito de consciência das pessoas nas condições previstas no citado art.º 134º nº 1 als. a) a c) entre responder com verdade às perguntas sobre os factos objecto do processo, assim contribuindo decisivamente para a responsabilização criminal do seu familiar ou cônjuge ou parceiro íntimo, ou a sociedade de que é sócio, ou, ao invés, mentirem, com isso praticando um crime – o crime de falsidade de testemunho - para encobrirem ou favorecerem o arguido, quebrando, ora os valores de solidariedade e confiança considerados essenciais à instituição familiar, ora entorpecendo a acção da justiça e descredibilizando-a, produzindo provas deliberadamente inverídicas, por iniciativa e com a conivência do próprio do Mº. Pº., dos OPC e dos Tribunais.
Por isso, o legislador penal entendeu fazer ceder o interesse público da descoberta da verdade, no processo penal, ao interesse da comunidade na existência de relações de confiança entre os membros da mesma família, garantindo o interesse da testemunha em não ser forçada a prestar declarações, de forma a que não sinta a sua consciência violentada por incriminar, por força do seu depoimento, pessoa que lhe é próxima em virtude das ligações de parentesco, de afinidade ou societárias.
Nos casos das als. a) e b) do art.º 134º nº 1 do CPP, «trata-se, inter alia e fundamentalmente de: prevenir formas larvadas e indirectas de auto-incriminação; preservar a integridade e a confiança nas relações de maior proximidade familiar; proteger o alargado espectro de valores individuais e supra-individuais pertinentes à área de tutela da incriminação da violação de segredo profissional ou de segredos para este efeito equivalentes, como, v. g., o segredo de ministro de religião; poupar as pessoas concretamente envolvidas às situações dilemáticas de conflito de consciência de ter de escolher entre mentir ou ter de contribuir para a condenação de familiares ou de clientes» (Costa Andrade, “Bruscamente no verão passado”, a reforma do Código de Processo Penal – Observações críticas sobre uma lei que podia e devia ter sido diferente, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 137º, n.º 3950, pág. 280
12.
Verificados os pressupostos aí constantes, agora é a lei que deixa na mão da testemunha a responsabilidade de, ultrapassados constrangimentos, decidir livremente se quer, ou não, prestar depoimento, sendo que, na afirmativa, lhe imputa os mesmos deveres que receiem sobre uma normal testemunha e o mesmo tratamento.
Como também diz o Tribunal Constitucional13, Trata-se de uma forma de protecção dos escrúpulos de consciência e das vinculações sócio-afectivas respeitantes à vida familiar que encontra apoio no n.º 1 do artigo 67.º da Constituição e que outorga ao indivíduo uma faculdade que se compreende no direito (geral) ao desenvolvimento da personalidade, também consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, enquanto materialização do postulado básico da dignidade da pessoa humana (…).
Quanto à inobservância do disposto no art.º 134º do Cód. Proc. Penal, é o próprio, no seu número 2, que comina a falta com nulidade.
Também aqui, no entanto, temos divergido da maioria que coloca a questão no âmbito das proibições de prova, portanto das nulidades absolutas, por considerar que o incumprimento envolve a tomada em consideração de prova que, por isso, é proibida.
Esta concepção parte, no entanto, da ideia de que o que está em causa no referido preceito é a protecção da intimidade da vida, relativamente aos intervenientes, no que se conclui que, por ser assim e tanger o núcleo fundamental dos direitos pessoais, a violação estará ao abrigo do disposto no art.º 126º, nº 1 do Cód. Proc. Penal.
No entanto, estamos em crer14 que não é este, rigorosamente, o âmbito em que deve colocar-se a questão, uma vez que o legislador deixou claro, no regime fixado, que o que se pretende é preservar emocionalmente a testemunha, impedindo que sobre si fique um ónus que não consegue suportar, com duas opções apenas: ou mentir no entendimento de que está a zelar pelos interesses do seu próximo; ou falar a verdade, correndo o risco emocional, e ser diminuto o valor das suas declarações porque se acredita que o depoimento foi viciado pela proximidade afectiva existente.
Este resultado é precisamente o que o legislador da reforma legislativa pretendeu evitar.
A partir do momento em que se entenda que este normativo, não estando directamente relacionada com a intromissão na vida privada, está relacionado, sim, mas com o facto de as pessoas ligadas ao arguido por vínculos de parentesco e/ou de afinidade não serem obrigadas a prestar um depoimento incriminatório contra este, sujeitando-se à prestação de juramento e às consequências que lhe são inerentes, conseguimos perceber a diferença.
Ou seja, o que está em causa neste normativo não é a protecção da intimidade das pessoas, ainda que vista do ponto de vista externo ou simplesmente relacional, mas o que está em causa é, verdadeiramente, como decorre da lei de autorização citada, a protecção emocional do depoente que, neste sistema, fica livre de optar entre prestar, ou não, declarações e só na afirmativa fica vinculado, como aceitou e desejou, ao dever de verdade assumido por juramento.
E a ser assim, como nos parece de maior acerto, esta nulidade a que refere o nº 2 do preceito em causa não se prende com o núcleo fundamental dos direitos liberdades e garantias, mas antes com o conteúdo formal do acto de testemunhar, poupando a testemunha ao conflito entre o dever jurídico de falar com verdade e o dever ético de fidelidade a um seu familiar próximo, da omissão do dever de informação não resulta qualquer violação da vida privada da testemunha, porque não ocorre qualquer acção do Tribunal que viole esse bem jurídico.
A ser assim, estamos apenas perante a inobservância de uma formalidade, cuja consequência é a nulidade do acto - como a própria lei expressamente indica quando diz sob pena de nulidade -, nulidade que é, por isso, sanável, porque excluída do catálogo das mencionadas no art.º 119º do mesmo diploma legal15, tendo legitimidade para a invocar apenas a testemunha visada16 e no respectivo acto, sob pena de se ver a mesma sanada.
Pelo exposto, improcede também nesta parte o recurso.
V. a questão de direito
Autonomizando este aspecto para lhe conferir a devida importância.
Como bem diz o Ministério Público na sua resposta:
(…)
O Tribunal, face ao enquadramento da situação que opunha (e opõe) as partes, existindo outros litígios judiciais, vem aplicar o disposto nos artigos 31º, nº 1 do Código Penal, conjugado com o artigo 79º, nº 2 do Código Civil, excluindo a ilicitude da conduta em causa.
Justificou, em síntese, a sua posição conforme teor de páginas 27 a 28, “Nos presentes autos, a fotografia foi registada pela arguida em local público e acessível (bomba de combustível).
Tal fotografia contém as imagens do assistente e dos agentes da Polícia de Segurança Pública, sendo que tal registo fotográfico não atenta contra o núcleo essencial do bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora face ao teor da mesma, tendo a arguida actuado motivada pelas razões constantes da factualidade assente, onde se inclui a presença dos agentes com o assistente e as circunstâncias dessa presença naquele momento da entrega da criança ao pai, não podendo desconsiderar-se o disposto no artigo 250.º, do Código de Processo Penal.”
Face a todo o acima exposto e porque não se verifica qualquer nulidade da sentença ou contradição entre o julgamento da matéria de facto e respectiva fundamentação, consideramos que tal interpretação jurídica, dentro do contexto relacional entre estas partes e, especialmente, no momento a que se refere a fotografia e o fim a que se destinava, não colide com um Princípio de Justiça e Equidade entre os valores em confronto.
(…)
De facto, o Tribunal a quo conclui da prova que foi praticado um acto criminalmente relevante.
Conclui, ainda, que esse acto é ilícito.
E depois considera que a ilicitude do acto se mostra justificada nos termos do art.º 31º, nº 1 do Cód. Proc. Penal por referência ao art.º 79º, nº 2 do Cód. Civil.
Vejamos, então.
Como se diz na sentença recorrida:
(…)
O tipo objectivo de ilícito é constituído por uma miríade de tipos, importando, no caso dos autos, apenas o registo fotográfico de imagem.
Prevê a norma duas modalidades de conduta típica: a) registo fotográfico ou audiovisual da imagem de qualquer parte do corpo de outra pessoa ou b) utilização (traduz-se na visualização pelo próprio que produziu a fotografia ou filme) ou permissão de utilização dessas imagens por terceiros (consiste na cedência a terceiro da fotografia ou filme).
O objecto da acção é outra pessoa, pelo que quem se fotografa ou filma a si mesmo não comete o crime em apreço.
É atípica a representação de outra pessoa por desenho (incluindo por caricatura), pintura, escultura, mímica ou encenação.
Exige-se que a fotografia ou filme ou a utilização da fotografia ou filme ou a permissão que estes se utilizem seja realizada contra a vontade expressa ou presumida do portador concreto do direito à imagem.
O acordo (expresso ou presumido) exclui a tipicidade da conduta.
Nos presentes autos resultou demonstrado que a arguida registou a fotografia descrita na factualidade assente e fê-la juntar ao processo indicado em F) da factualidade assente e ambos os casos sem o consentimento de AA cuja imagem consta, também, da fotografia.
Questiona-se, porém, se se verifica, in casu, desde logo, alguma causa de justificação que exclua a ilicitude da conduta da arguida.
Em matéria de causas de justificação importa atender, neste tipo de crime, a outras causas de exclusão da ilicitude para além das causas gerais como sejam o consentimento, acordo, legitima defesa, direito de necessidade (31.º, n.º 2, do Código Penal).
Com efeito, estatui o artigo 31.º, n.º 1, do Código Penal, que “1 - O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade.”.
Ao abrigo do princípio da unidade da ordem jurídica vertido neste normativo, o ordenamento jurídico deve ser encarado no seu conjunto de tal modo que as normas de outros ramos do direito que estabelecem a licitude de uma conduta têm reflexos em matéria criminal, agindo pois no exercício de um direito o agente cuja conduta é autorizada por uma disposição de qualquer ramo de direito, estando excluída a ilicitude penal do seu comportamento.
Importa atender, nesta matéria, ao disposto no artigo 79.º, n.º 2, do Código Civil, nos termos do qual “2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.”.
Segundo este normativo, é criminalmente atípica a obtenção de fotografias ou de filmagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento pelo preenchimento de qualquer das situações a que alude a norma.
O único limite à verificação desta justa causa é a inviolabilidade dos direitos humanos e, como tal, a inadmissibilidade de atentados intoleráveis à liberdade, dignidade e à integridade moral do visado, ou seja, quando está em causa o núcleo essencial da vida privada e mais sensível de cada pessoa, como sejam a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento de terceiros.
Entre as situações previstas no artigo 79.º, n.º 2, do Código Civil, encontram-se as medidas cautelares ou de polícia (cfr. artigos 179.º, 189.º e 250.º, n.º 2, do Código de Processo Penal) e as exigências de justiça. Neste último caso, importa atender ao disposto no artigo 167.º, do Código de Processo Penal, sendo que o propósito de carrear provas para um processo penal onde se busca a verdade material não justifica, sem mais, o registo nem a reprodução arbitrária de fotografias ou filmes. Em matéria de processo civil e em particular nas acções sobre o estado das pessoas (v.g. divórcios) tem-se entendido que é legítima a produção e valoração não consentidas de gravações ou fotografias.
Refira-se que a jurisprudência portuguesa tem uniformemente considerado que não constituem provas ilegais, podendo pois ser valoradas pelo tribunal (não constituindo métodos proibidos de prova) a gravação de imagens (no caso filmagem) por privados em locais públicos ou acessíveis ao público (v.g. para proteção de bens) desde que exista uma justa causa para a sua obtenção (como é o caso de documentarem a prática de uma infração criminal) e desde que as mesmas não digam respeito ao “núcleo duro da vida privada” da pessoa, aplicando-se igual entendimento quando estão em causa a reprodução (v.g. em suporte de papel) de imagens que dessa gravação ou filmagem sejam retirados.
Em matéria de junção de registos fotográficos em processos da jurisdição de família e menores para prova de factos, vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/10/2011, proferido no processo n.º 1488/09.0TAMTS.P1, disponível in www.dgsi.pt.
Nos presentes autos, a fotografia foi registada pela arguida em local público e acessível (bomba de combustível).
Tal fotografia contém as imagens do assistente e dos agentes da Polícia de Segurança Pública, sendo que tal registo fotográfico não atenta contra o núcleo essencial do bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora face ao teor da mesma, tendo a arguida actuado motivada pelas razões constantes da factualidade assente, onde se inclui a presença dos agentes com o assistente e as circunstâncias dessa presença naquele momento da entrega da criança ao pai, não podendo desconsiderar-se o disposto no artigo 250.º, do Código de Processo Penal.
Acresce que atendendo ao motivo relacionado com o registo fotográfico e a sua posterior junção ao regulação do exercício das responsabilidades parentais e porque o direito ou interesse que com ela se pretende tutelar (superior interesse da criança em contextos de conflito dos progenitores), face ao teor da fotografia registada, prevalece sobre o direito à imagem dos visados, justificando-se, in casu, que o retratado suporte a recolha e uso da sua imagem em função da tutela daquele direito ou interesse, mostram-se preenchidos os pressupostos da referida causa de justificação.
Pelo exposto, não se mostrando preenchidos os pressupostos da punição, deve a arguida ser absolvida da prática do crime pelo qual vinha pronunciada.
(…)
Não nos parece que haja mais o que dizer.
O recorrente não tem razão, sendo a decisão de acerto quando por confronto com a prova e com o direito.
Analisando.
O artigo 126º do Cód. Proc. Penal quando nos diz quais são os métodos proibidos de prova, diz também, ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular.
A jurisprudência vem entendendo que não constituem provas ilegais e, portanto, podem ser valoradas pelo tribunal (não constituindo métodos proibidos de prova) quer a gravação de imagens (no caso filmagem) por privados em locais públicos ou acessíveis ao público, v.g. para proteção de bens, desde que "exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentarem a prática de uma infração criminal, e não digam respeito ao «núcleo duro da vida privada» da pessoa visionada (onde se inclui a sua intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas)» "quer a reprodução (v.g. em suporte de papel) de imagens que dessa gravação ou filmagem sejam retirados. Assim, entre muitos outros, Ac. do STJ de 28.09.2011 (relator Santos Cabral), proferido no processo n? 22/09.6YGLSB.S2, Acs. do TRP de 23.11.2011 (relator Mouraz Lopes) proferido no processo nº 1373/08.2PSPRT.Pl, de 16.1.2013 (relator Ernesto Nascimento), proferido no processo n? 2011l0.3GAMCD.Pl, Ac. do TRL de 28.5.2009 (relatora Fátima Mata-Mouros) proferido no processo n° 10210/2008-9 e Ac. do TRE de 24.4.2012 (relatora Maria Filomena Soares) proferido no processo n° 932/J0.8PAOLHE117.
A imagem captada em local público por câmara de videovigilância, como tal, vem sendo entendida, independentemente da questão dos licenciamentos porque aqui não interessam, como prova legal.
Continuando o citado Aresto:
(…)
Não sendo ilícita, nos termos da lei penal, essa filmagem de imagens em local público, feita por particular, nas circunstâncias acima descritas, também a reprodução mecânica dessa filmagem (através da junção ao processo, quer do CD contendo a dita gravação de imagens, quer da reprodução em papel de imagens dela retiradas) é permitida, tal como decorre do art.º 176º nº 1 do CPP.
Aliás, como é referido no citado Ac. do STJ de 28.9.2011, "Na intima relação que coexiste entre o regime de admissibilidade de prova por reprodução mecânica - artigo 167 do Código de Processo Penal e o crime de gravação e fotografia ilícita - artigo 199 do Código Penal pode-se dizer, de forma redutora, que a gravação, ou fotografia, que não é crime, é admissível como prova", adiantando que "o direito à palavra e o direito à imagem não são, nem devem ser, sacralizados como núcleo essenciais da vivência pessoal, e da comunidade, que se sobreponham a todo e qualquer tipo de ponderação de outros valores" e, acrescentando-se ainda que "age no exercício de um direito e, portanto vê excluída a ilicitude do seu comportamento, o agente cuja conduta é autorizada por uma disposição de qualquer ramo de direito", o que está de acordo com o princípio da unidade da ordem jurídica.
(…)
Ora, o que diverge para este caso?
Não sendo embora este um caso de «privatização da investigação», como lhes chama Costa Andrade, não deixa de consistir num caso especial, que deve ser analisado por si. Porque o que está em causa é a captação de imagem de um particular por outro particular, sem o consentimento deste, e posterior junção dela a um processo judicial.
Como sabemos, no direito à imagem convergem, para a protecção do bem jurídico, tutelas diversas, desde logo o direito a não ser fotografado ou filmado sem o seu consentimento e o direito a não ver exibida tal imagem ou filmagem.
Conquanto o art.º 26º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa disponha que a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação, nem todos os actos que consistam na violação desse direito são punidos.
Mesmo para quem entenda [que não é o nosso caso] que esse direito se sobrepõe a qualquer outro, quando por confronto, como no caso destes autos, ainda assim pode ser considerada justificada a violação.
Foi a tese que o Tribunal a quo defendeu e considerou ser a consequente da decisão sobre a matéria de facto que antecedeu e fundamentou.
A arguida, como já dissemos, e se prova, numa situação de vulnerabilidade em que, estando em cumprimento do acordado antes, comparece no local indicado pelo assistente para lhe entregar o menor e ali é surpreendida com a presença de dois polícias que, num local público e à vista de todos [aliás, e como a própria fotografia documenta, estavam pessoas a assistir ao que se passava], a abordaram e identificaram, entendeu, depois de regressada ao interior do carro onde já se sentiu em segurança, fotografar os três, assistente e polícias, para registar o momento.
E porque estava em cumprimento do acordado e considerou tudo isto rocambolesco [não há como concluir de outro modo de acordo com a prova que se produziu, sendo que o que sentiu a arguida naquele momento perpassa das suas declarações em audiência], demonstrando também isso que, não estando ela em incumprimento, o seu ex companheiro, pai do menor cuja entrega se concretizava ali, não teria razão em alegar o inverso, pelo que fez também juntar essa fotografia ao citado processo.
A fundamentação de direito vertida para a sentença pelo Tribunal de julgamento, convencido dessa realidade como demonstra a matéria de facto fixada, não padece, como tal, de qualquer enfermidade jurídica.
Vejamos os aspectos relevantes.
Os factos ocorreram num posto de abastecimento de combustível, à hora de funcionamento normal do mesmo, no exterior, onde se encontravam presentes outros pessoas além do assistente e arguida [dois agentes policiais e outras pessoas, como é evidente na fotografia junta].
Depois de desentendimento entre ambos quanto à prorrogativa de a arguida poder ficar até ao dia seguinte com o filho de ambos [era o aniversário dela], acordaram pai e mãe que o menor seria entregue ao assistente [pai] pela arguida [mãe], naquele local e àquela hora.
No local, a arguida foi surpreendida com a presença de dois polícias [os agentes identificados e testemunhas], que a identificaram e que ali compareceram por intervenção do assistente [pai do menor].
Depois de entregar o menor ao pai, depois de ser identificada pelos referidos polícias [que também se identificaram a solicitação da mesma], a arguida, já dentro carro fechada, usou o seu telemóvel para captar uma fotografia em que são visíveis o assistente e os dois referidos polícias.
Essa imagem foi capturada sem o consentimento do assistente e foi, posteriormente, junta pela arguida a um processo pendente com vista à regulação das responsabilidades parentais relativas ao menor filho de ambos.
A arguida diz que tirou a referida fotografia para identificar os polícias, cuja legitimidade da presença considera não justificada por qualquer comportamento seu, e porque ela é, na sua perspectiva, demonstrativa da capacidade do pai do menor para a sujeitar a acto vexatório sem fundamento, na medida em que isso põe também em causa o interesse do menor que estaria inclusivamente no local. Ou seja, de acordo com o que pode retirar-se da posição da arguida, o que se pretendia demonstrar era, por um lado, que nenhuma violação do acordado existia da sua parte e, ainda assim, foi exposta a esta situação pelo assistente e, por outro lado, reforçando com isso a sua posição naquele processo quanto à medida das responsabilidades parentais que reivindica.
Cada um destes objectivos se reporta, de facto, a cada um dos momentos a que se reputam os acontecimentos: captação e junção.
Nos termos do art.º 79º do Cód. Civil prevê-se que18:

Artigo 79º - Direito à imagem



1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no n.º 2 do artigo 71.º, segundo a ordem nele indicada.
2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.
3. O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada.

Esta é a estrutura base da tutela legal do direito à imagem.
À parte isto, sempre em obediência ao princípio da intervenção mínima, dispõe o art.º 199º do Cód. Penal que:

Artigo 199º - Gravações e fotografias ilícitas



1 - Quem sem consentimento:
a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas;
é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, contra vontade:
a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 197.º e 198.º

Não há entre estes dois normativos qualquer conflito.
O que se retira da sua conjugação é que a lei protege o direito à imagem da pessoa, razão pela qual, para captação/utilização da sua imagem, em regra, é preciso o respectivo consentimento.
A falta desse consentimento, nas situações em que a regra se aplique, constitui crime.
Nas situações de excepção, que devem ser sempre [no que aqui importa] por exigências de polícia ou de justiça, é afastada a criminalização da conduta.
Aqui, do nosso ponto de vista, não se prefigura a situação de relevância da circunstância de ser lugar público como potenciadora daquela exclusão de ilicitude.
Ainda que esse aspecto seja relevante, pois que se o lugar em causa é público e está, inclusivamente como se viu, obrigado a resguardo adicional imposto por lei quanto à presença de vídeo vigilância, estas circunstâncias prendem-se mais com a segurança do local e exposição do mesmo, mas por reporte a valores gerais de segurança e tranquilidade públicas.
Aqui, o que verdadeiramente pode fazer a diferença é a finalidade da captação da imagem que, por efeito de arrastamento lógico, acaba por contaminar a junção da imagem que é posteriormente feita.
Ao provar-se que a arguida actuou com qualquer daqueles objectivos, a situação enquadra-se nas excepções referidas.
E estas excepções, por referência ao disposto no art.º 31º do Cód. Penal, podem consubstanciar o reconhecimento de que a ilicitude do acto se justificou.
Pode, como tal, haver justificação para a ilicitude do seu comportamento.
Mas pode também, na nossa perspectiva, não haver sequer ilicitude, pois que a actuação pode ser vista no quadro mais amplo da situação que se configurou simplesmente como sendo uma situação de justiça, ou seja, sem sequer se afirmar no quadro da relevância penal.
Seja como for, em face dos factos provados, sempre estaríamos num quadro de absolvição da arguida, mostrando-se a solução de direito tomada pelo Tribunal a quo como uma das plausíveis perante tal quadro, e aquela que os factos provados consentem e impõem.
Pelo que, também nesta parte se impõe julgar improcedente o recurso.
Resumindo:
O recurso interposto pelo assistente visando o despacho proferido em acta pelo Tribunal a quo e que indeferiu a alteração requerida de factos é totalmente improcedente.
O recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo é de julgar apenas parcialmente procedente, na decorrência do que se determina a exclusão, no facto provado em A) da sentença recorrida, do segmento «e dotado de videovigilância», que passará a constar como facto 10) não provado por dúvidas, uma vez que não foi apurado em concreto, para além da obrigação legal constante da Lei nº 34/2013 de 16.05 e Portaria nº 273/2013 de 20.08, sendo que em tudo o mais é de julgar o mesmo recurso improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.
Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar:
- totalmente não provido o recurso interposto do despacho proferido em acta pelo Tribunal a quo, que indeferiu a alteração de factos querida pelo assistente, mantendo-se o referido despacho;
- parcialmente provido o recurso interposto pelo assistente da sentença, na decorrência do que se determina a exclusão, no facto provado em A) da sentença recorrida, do segmento «e dotado de videovigilância», que passará a constar como facto não provado por dúvidas como determinado supra, para que se remete, em tudo o mais improcedendo o mesmo recurso e mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UC’s e demais encargos legais.

Lisboa, 08 de Maio de 2024
Texto processado e revisto.
Redacção sem adesão ao AO
Hermengarda do Valle-Frias
Ana Paula Grandvaux
Maria Antónia Dias Rodrigues Andrade
_______________________________________________________
1. Ainda acta de 16.06.2023.
2. Ainda acta de 16.06.2023
3. Na mesma acta de 16.06.2023.
4. Vendo-se, entre muitos outros, Acs. TC ns. 130/98, 463/2004 e nº 226/2008, disponíveis na respectiva base de dados.
5. Direito Processual Penal, Coimbra Ed., 1974, p. 145.
6. José Manuel Cruz Bucho – Alteração substancial dos factos em processo penal, Revista Julgar, nº 9, Junho de 2009.
7. Sem prejuízo das vicissitudes ocorridas com sucessivas transferências dos serviços do então TCIC que, no entanto, em nada interferiram com a factualidade relevante neste processo.
8. Os destaques são do próprio.
9. Destaques nossos.
10. A Recusa de Depoimento de Familiares do Arguido: o Privilégio Familiar em Processo Penal (notas de estudo), ano 2015, p. 3, nota 2, citando Eugénio Florian, https://www.trg.pt/ficheiros/estudos/recusa%20de%20depoimentotexto.pdf.
No mesmo sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, 5ª ed. Verbo, Lisboa 2011, p. 201.
11. Ac. do TC nº 154/2009, disponível em: http://www.tribunalconstitucional.pt.
12. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.02.2024, subscrito pela aqui relatora enquanto ali juiz adjunto.
13. Ac. Tribunal Constitucional nº 154/2009, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt..
14. Posição que subscrevemos e expressa no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa supra citado.
15. Neste sentido, ainda: Acs. do STJ de 04.07.2018 [proc. 1006/15.0JABRG-D.S1] e de 21.03.2019 [proc. nº 356/17.6GACSC-A.S1]; Ac. da Relação de Évora de 13.07.2017 [proc. 1508/15.9T9BJA.E1]; da Relação de Coimbra de 07.03.2018 [processo 94/14.1GBPBL.C1]; da Relação do Porto de 06.04.2022 [proc. 2218/20.0T9VFR.P1], todos disponíveis em http://www.dgsi.pt\.
16. Acs. do STJ de 21.10.2009 [proc. 12124/04.0TDLSB–A.S1] e 20.06.2018 [processo 1014/11.0PHMTS-B.P1.S1], disponíveis igualmente em http://www.dgsi.pt\stj..
17. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29.03.2016, disponível em www.dgsi.ptr\tre..
18. Destaques nossos nas citações de teor normativo.