Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | CONCEIÇÃO SAAVEDRA | ||
| Descritores: | CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL TRIBUNAL COMPETÊNCIA ALIMENTOS | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 03/12/2019 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | Compete ao Tribunal, e não à Conservatória do Registo Civil, conhecer da pretensão formulada, ao abrigo do nº 3 do art. 989 do C.P.C., pelo progenitor convivente ao outro progenitor, de contribuição para as despesas de sustento do filho maior que não pode sustentar-se a si mesmo. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa. I- Relatório: AM… veio, em 2.3.2018, por apenso a processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais (Apenso C), requerer, contra DC…, a cessação da prestação de alimentos fixada aos dois filhos de ambos, invocando que estes atingiram já a maioridade, sendo que a filha terminou a sua vida académica e o filho recebe um subsídio mensal de € 372,68 por incapacidade. Por sua vez, em 9.3.2018, também por apenso ao mesmo processo principal (Apenso D) e ao abrigo do disposto no art. 989, nº 3, do C.P.C., requereu DC… contra AM… a fixação de uma pensão mensal de alimentos a favor dos dois referidos filhos maiores, em valor não inferior a € 300,00 para o filho ND… e não inferior a € 200,00 para a filha SF…. Alega que os mesmos vivem consigo, encontram-se ainda a estudar e o primeiro padece de patologia grave que o limita de forma permanente, tendo sido requerida a respetiva interdição. Mais refere que estes estão a seu cargo, suportando a requerente a generalidade das respetivas despesas, e que o seu salário bruto mensal é de apenas € 580,00. Por despacho de 28.6.2018 proferido no Apenso D, foi determinada a apensação dos indicados processos, nos seguintes termos: “(…) Assim, e porque um e o outro pedido podem ser deduzidos reconvencionalmente contra a outra parte, determino a junção destes autos ao apenso C, por ter sido o primeiro a ser instaurado, nos termos do nº 1 do art. 267º do CPC. (…).” Em 24.9.2018, foi, no indicado Apenso C, proferido o seguinte despacho: “I. Relativamente à jovem SF…, de 22 anos de idade: A requerente DC… instaurou contra AM… a presente acção de alteração relativa à filha de ambos, SF…, nascida em … de Outubro 1995, requerendo a fixação de uma pensão de alimentos. No entanto, nos termos da al. a) do n.° 1 do art. 5° do DL 272/2001, de 13 de Outubro, e al. ii) do n° 2 do art. 3° da L 82/2001, de 3 de Agosto é da exclusiva competência da conservatória do registo civil o pedido de alimentos a filhos maiores ou emancipados. Isto porque, o diploma legal que estabeleceu a obrigação alimentícia dos progenitores para com os filhos até aos 25 anos de idade apenas entrou em vigor em 1 de Outubro de 2015 (L 122/2015, de 1 de Setembro), sendo que, na data em que o jovem atingiu a maioridade, ainda não vigorava a referida lei. Assim, resta concluir que os Tribunais não podem tramitar e decidir este tipo de processo, verificando-se assim uma excepção dilatória inominada, havendo que extinguir a instância. Pelo exposto, julgo a presente instância extinta, absolvendo o requerido da mesma — al. e) do n° 1 do art. 288° do Código de Processo Civil. Custas pela requerente com taxa de justiça que fixo em 1 UC. R.N. II. Relativamente ao jovem ND…, nascido em … de Janeiro de 2000, actualmente com 18 anos, corre termos acção de interdição. Nos termos do art. 140° e 144° do Código Civil compete ao tribunal por onde corre o processo de interdição a competência atribuída ao tribunal de menores nas disposições que regulam o suprimento do poder paternal. Assim, cumpre aguardar o desfecho da referida acção pois nela se fixará o montante de pensão de alimentos caso o jovem deles necessite. Pelo exposto, suspendo a presente instância até trânsito em julgado da acção de interdição relativa ao jovem. (…)” Inconformada, interpôs recurso a requerente DC…, culminando as alegações por si apresentadas com as seguintes conclusões que se transcrevem: “ 1. A douta sentença recorrida considerou o Tribunal a quo incompetente para julgar a "ação de alteração relativa à filha" SF…, uma vez que "é da exclusiva competência da conservatória do registo civil o pedido de alimentos a filhos maiores ou emancipados", nos termos do disposto do art. 5°, n.° 1, alínea a), do decreto-lei n.º 272/2001, de 13 de outubro, e do art. 3°, n.º 2, alínea ii), da lei n.º 82/2001, de 3 de agosto. 2. A douta sentença recorrida, salvo melhor opinião, não explicita o seu raciocínio apoiando-se exclusivamente na data de início de vigência da lei n.º 122/2015, de 1 de setembro. 3. O art. 1880° do Código Civil prevê, na redação ainda vigente que lhe foi dada pelo decreto-lei n.º 496/77, de 25 de novembro, a extensão da obrigação de os pais proverem ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação à maioridade dos filhos e até que estes completem a sua formação profissional. 4. A norma contida no art. 1905°, n.° 2, do Código Civil, aditada pela lei n.° 122/2015, de 1 de setembro, cuja vigência teve início em 01/10/2015, vem esclarecer que a obrigação referida no art. 1880º do mesmo Código se mantém até que o alimentado complete 25 anos de idade. 5. Do seu elemento literal resulta que a nova norma vem esclarecer ou interpretar o que já se dispunha no art. 1880° do Código Civil, nomeadamente a extensão da obrigação alimentícia para além dos 18 anos do alimentado. Trata-se, portanto, de uma norma interpretativa que, tendo esta qualidade, não é inovatória, tal como prevê o art. 13º, n.º 1, do Código Civil, segundo o qual a lei interpretativa integra-se na lei interpretada. 6. Por sua vez, o decreto-lei n.º 272/2001, de 13 de outubro, no uso da autorização concedida pela lei n.º 82/2001, de 3 de agosto, veio estabelecer no seu art. 5°, n.° 1, alínea a), que "O procedimento regulado na presente secção aplica-se aos pedidos de: a) Alimentos a filhos maiores ou emancipados", referindo-se à Secção I do Capítulo III, cujas epígrafes são, respetivamente, "Do procedimento tendente à formação de acordo das partes" e "Do procedimento perante o conservador do registo civil". A mencionada lei de autorização previa no seu art. 3º, n.º 2, alínea i) (e não ii) que se crê mencionada por lapso) a atribuição de competência aos conservadores de registo civil para decidir em matéria de alimentos a filhos maiores. 7. O novo Código de Processo Civil, aprovado pela lei n.° 41/2013, de 26 de junho, manteve no seu art. 989º a redação do revogado art. 1412º do anterior Código de Processo Civil, então com apenas 2 números. 8. Posteriormente, a lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, alterou o n.° 1 daquele preceito e aditou os n.° 3 e 4. 9. O n.° 1 passou a prever expressamente o disposto no art. 1905° (que o mesmo diploma aditou), mantendo a remissão expressa dos termos da ação de alimentos a filhos maiores para o Regime Geral do Processo Tutelar Cível ao mencionar "o regime previsto para menores". 10. Os n.° 3 e 4 do art. 989º do Código de Processo Civil vieram alargar a legitimidade ativa para a ação especial de alimentos a filhos maiores aos progenitores que suportem os respetivos encargos, bem como a natureza judicial dessa mesma ação. 11. Das normas ora em análise resulta que, efetivamente, pretendeu o legislador atribuir competência ao conservador do registo civil para decidir sobre a providência de alimentos a filhos maiores. Mas, ao contrário do que afirma a douta sentença recorrida, não o fez de forma exclusiva, nem em todas as circunstâncias. Efetivamente, a competência dos conservadores para a referida matéria esgota-se nos casos em que existe ou é alcançado acordo entre as partes. É o que resulta das epígrafes do Capítulo III e da Secção I do decreto-lei n.º 272/2001, de 13 de outubro, confirmado pelo disposto no respetivo art. 8º que prevê a remessa dos autos ao Tribunal Judicial de Primeira Instância competente. Por outro lado, prevê expressamente o art. 989º, n.º 4, do Código de Processo Civil, que o juiz pode decidir. Trata-se de uma competência do juiz e não do conservador do registo civil, pelo que a matéria é necessariamente sujeita a apreciação judicial. 12. É inequívoca a possibilidade de a providência de alimentos a filhos maiores poder correr por apenso a decisão anterior em tal matéria, como decorre da locução "não impedem". Aliás, diga-se, que nem sequer faria sentido que uma decisão fixada por Tribunal de primeira instância, órgão de soberania, pudesse vir a ser alterada por decisão do conservador de registo civil, o qual, tendo natureza administrativa (e não judicial), não é um órgão de soberania. 13. O próprio Regime Geral do Processo Tutelar Cível prevê, no seu art. 6º, alínea d), que compete às secções de família e menores da instância central do tribunal de comarca em matéria tutelar cível fixar os alimentos devidos a filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil, pelo que, também por esta se via se demonstra, não assistir razão à douta sentença recorrida quando afirma que a competência para decidir a matéria em causa é da exclusiva competência do conservador do registo civil. 14. De todo o exposto conclui-se que a competência para decidir a ação especial de alimentos a filhos menores prevista no art. 1880° do Código Civil e art. 989°, n.° 3, do Código de Processo Civil, pertence ao tribunal judicial de primeira instância territorialmente competente, isto é, o doutro Tribunal judicial a quo. 15. No sentido propugnado, várias decisões judiciais corroboram o entendimento da Recorrente, assim como o Instituto dos Registos e Notariado no Parecer do seu Conselho Consultivo n.° 85/2015 STJ-CC de 29/10/2016 16. Consequentemente, ao contrário do que prescreve a douta sentença recorrida, é o douto Tribunal a quo o competente para apreciar a ação especial de alimentos à filha maior SF….” Pede a procedência do recurso. O requerido contra-alegou, defendendo apenas que a prestação de alimentos fixada na menoridade da filha caducou com a maioridade. O recurso foi admitido como de apelação, em separado e com efeito meramente devolutivo. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. *** II- Fundamentos de Facto: A factualidade a ponderar é a que acima consta do relatório. Resulta ainda dos autos que: - SF… é filha de AM… e de DC… e nasceu em … de Outubro de 1995 (fls. 25 deste Apenso). *** III- Fundamentos de Direito: Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal ad quem conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. De acordo com as conclusões acima transcritas em causa está apenas apreciar da competência do tribunal a quo para conhecer do pedido de pagamento de alimentos formulado pela requerente DG… contra o requerido AM…, ao abrigo do art. 989, nº 3, do C.P.C., para a filha maior de ambos, SF.... Na decisão recorrida entendeu-se que era competente a Conservatória do Registo Civil, tendo em vista o disposto no art. 5, nº 1, a), e no art. 3, nº 2, al. ii), do DL nº 82/2001, de 3.8. Invocou-se, além do mais, que a Lei nº 122/2015, de 1.9, que estabeleceu a obrigação de pagamento de alimentos dos progenitores até aos 25 anos de idade dos filhos, apenas entrou em vigor em 1.10.2015, pelo que quando a filha SF… atingiu a maioridade ainda não vigorava a referida lei. Vejamos. Prevê o art. 1879 do C.C., sob a epígrafe “Despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos”, que: “Os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos.” Dispõe, por sua vez, o art. 1880 do C.C., com a epígrafe “Despesas com os filhos maiores ou emancipados”, que: “Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.” Para um entendimento jurisprudencial maioritário, os alimentos fixados na menoridade cessavam com a maioridade, passando a caber ao filho, se quisesse continuar a receber a prestação de alimentos, propor contra o pai uma ação especial de alimentos, instaurada por apenso à ação em que aquela prestação tivesse sido fixada, em que deveria provar encontrar-se nas condições referidas no indicado art. 1880 do C.C. (cfr. art. 989 do C.P.C., na primitiva redação da Lei nº 41/2013, de 26.6). A Lei nº 122/2015, de 1.9, que entrou em vigor no dia 1.10.2015, veio alterar o art. 1905 do C.C., aditando-lhe um nº 2, passando o referido normativo a ter a seguinte redação: “1 - Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor. 2 - Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.” Com a nova formulação criou-se uma presunção legal de carência do filho maior até à idade de 25 anos, dispensando-se o mesmo de alegar e provar encontrar-se na condição de receber alimentos do progenitor, e passou a onerar-se este último com a prova de que é inexigível a manutenção da obrigação alimentar que, de outro modo, se manterá. Assim nos diz J. H. Delgado de Carvalho: “(…) O n.º 2 aditado ao art. 1905.º do CCiv dispensa o filho maior de alegar e provar tais pressupostos até que complete 25 anos de idade, competindo ao progenitor não convivente, atingida a maioridade do seu filho, requerer contra este a cessação ou alteração dos alimentos, nos termos previstos na parte final daquele normativo, uma vez que a continuação da prestação de alimentos para além desse momento é agora automática. É, pois, ao progenitor obrigado que cabe o ónus de alegar e provar os pressupostos que tornam inexigível a permanência da obrigação alimentar. A situação do filho maior ou emancipado que continue a prosseguir os seus estudos e formação profissional passa a ser salvaguardada no âmbito do regime do acordo dos pais sobre o exercício das responsabilidades parentais, mais concretamente do regime relativo a alimentos em caso de divórcio, separação ou anulação do casamento. (…) Se os progenitores não regularem a situação do filho que continua a prosseguir os seus estudos e formação profissional para além da maioridade, mantém-se a obrigação de alimentos nos termos fixados para a menoridade do filho. (…).”([1]) A referida Lei nº 122/2015 alterou ainda o art. 989 do C.P.C., com a epígrafe “Alimentos a filhos maiores ou emancipados”, aditando-lhe os dois últimos números: “1 - Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores. 2 - Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respetivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso. 3 - O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores. 4 - O juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte, aos filhos maiores ou emancipados.” Explica-nos J. H. Delgado de Carvalho que o novo nº 3 do art. 989 do C.P.C. contempla uma possibilidade alternativa à inércia do filho maior, permitindo ao progenitor que assume, a título principal, o encargo de suportar as despesas desse filho maior que não pode sustentar-se, a possibilidade de exigir do outro progenitor a comparticipação nessas despesas, através do que designa por “ação para a contribuição do progenitor não convivente nas despesas com a educação e formação profissional de filho maior ou emancipado”([2]). Neste caso, e segundo o referido autor, o progenitor requerente exerce um direito próprio, novo e distinto, que não é sucedâneo do direito de alimentos ao filho maior ou emancipado, conferindo-lhe legitimidade processual para instaurar a ação judicial correspondente (ao abrigo dos arts. 45 a 47 do RGPTC ex vi do nº 3 do art. 989 do C.P.C.) e a respetiva execução que correrá por apenso([3]). Por conseguinte, a indicada ação especial prevista no art. 898, nº 3, do C.P.C., não visa alterar a pensão de alimentos fixada para a menoridade, mas antes obrigar o progenitor não convivente a comparticipar nas despesas com o sustento e a educação de filho maior, o que vale por dizer que pode ser instaurada quer exista processo anterior no qual tenha sido estabelecido o regime de alimentos devidos a menor, quer não exista tal processo, e o filho não tenha apresentado na Conservatória do Registo Civil o pedido de alimentos para efeitos do disposto no art. 1880 do C.C.([4]). Sobre o mesmo procedimento previsto no nº 3 do art. 989 do C.P.C. também se defende que, quer se trate da figura da sub-rogação legal antecipatória ou da substituição processual, a titularidade do direito pertence ao filho maior de idade, exercendo o progenitor um direito do filho e em nome deste([5]). Nesse caso, a lei reconhece ao progenitor uma legitimidade indireta([6]). Conclui, por isso, J. H. Delgado de Carvalho que a referida ação prevista no art. 989, nº 3, do C.P.C., tem uma natureza especial, estando excluída do procedimento especial previsto e regulado nos arts. 5 a 10 do DL nº 272/2001, de 13.10 (Diploma que operou a transferência de competência decisória em determinados processos de jurisdição voluntária dos tribunais judiciais para o Ministério Público e para as Conservatórias do Registo Civil): “(…) O pedido para a contribuição nas despesas de filho maior que não pode sustentar-se a si mesmo está, pois, excluído do procedimento especial previsto e regulado nos arts. 5.º a 10.º do Dec.-Lei n.º 272/2001, de 13/10. A parte final do n.º 3 aditado ao art. 989.º do NCPC, devido à formulação utilizada (“nos termos dos números anteriores”), é explícita em mandar aplicar os termos do Código de Processo Civil; por sua vez, o n.º 1 do art. 989.º do NCPC torna aplicável, mutatis mutandis, o regime previsto para os alimentos a menores, ou seja, o regime previsto na OTM, nomeadamente nos seus arts. 157.º e 186.º a 188.º.(…).”([7]) Resumindo, temos hoje duas ações distintas: aquela em que o filho maior formula o pedido de alimentos contra o progenitor, e que competirá, em princípio, à Conservatória do Registo Civil (desde que a pretensão não seja cumulada com outros pedidos no âmbito da mesma ação judicial, nem constitua incidente ou dependência de ação pendente), nos termos do art. 5, nºs 1, a), e 2, e do art. 6, nº 1, do DL nº 272/2001, de 13.10, e a ação em que o progenitor convivente requer, ao outro progenitor, a contribuição para as despesas de sustento do filho maior (art. 989, nº 3, do C.P.C.). Neste último caso, compete ao tribunal o seu processamento, nos termos dos arts. 3, al. d), 45 a 47 do RGPTC (ex vi do nº 3 do art. 989 do C.P.C.).([8]) No caso em análise, e contra o que sugere a decisão recorrida, a requerente DG… veio pedir, em 9.3.2018, ao abrigo do disposto no art. 989, nº 3, do C.P.C., e no que aqui releva, a fixação de alimentos a favor da filha maior SF…, invocando que esta consigo habita e está a seu cargo, auferindo a requerente um salário bruto mensal de apenas € 580,00. Estamos, sem dúvida, no âmbito da denominada “ação para a contribuição do progenitor não convivente nas despesas com a educação e formação profissional de filho maior ou emancipado”, prevista no art. 989, nº 3, do C.P.C., daí resultando, precisamente, e como acima vimos, a legitimidade processual da requerente progenitora. O que importa reter quanto à Lei nº 122/2015, de 1.9, que alterou o art. 1905 do C.C. e o art. 989 do C.P.C., criando o novo nº 3 deste último, é que a mesma entrou em vigor em 1.10.2015, sendo indiscutível que as regras processuais são de aplicação imediata. Além disso, as alterações decorrentes da Lei nº 122/2015 são de aplicar aos maiores de 18 anos e menores de 25 que se enquadrem nos pressupostos ali definidos([9]). Não se mostra, a nosso ver, relevante discorrer aqui, em detalhe, sobre o art. 1905, nº 2, do C.C.. Apenas diremos que este normativo se aplica, a nosso ver, às relações jurídicas já constituídas e subsistentes à data da sua entrada em vigor, independentemente do filho ter atingido a maioridade, embora apenas a partir da sua entrada em vigor (1.10.2015)([10]). Quando a requerente DG… formulou o seu pedido, a filha Sandra contava 22 anos de idade, mostrando-se alegados os factos que integram a previsão normativa contida no mencionado art. 989, nº 3, do C.P.C.. Ou seja, a pretensão foi deduzida depois da filha SF… ter atingido a maioridade mas antes de atingir os 25 anos de idade. Forçoso é, pois, concluir que assiste razão à recorrente ao defender que a competência para o conhecimento da sua pretensão cabe ao Tribunal e não à Conservatória do Registo Civil. Recorde-se, ainda, a favor deste entendimento, a argumentação expendida no Ac. da RL de 23.3.2017 citado em rodapé: “(…) o legislador não ignorava, quando legislou, que nos termos do artigo 5º nº 1 al. a) e 6º do DL 272/2001, a competência para o procedimento tendente à formação de acordo relativo a alimentos a filhos maiores ou emancipados, pertencia às Conservatórias de Registo Civil, sendo que podia ter aditado ao artigo 5º a situação nova de contribuição para as despesas suportadas pelo progenitor convivente com o filho maior, o que porém não fez. Acresce a atribuição ao juiz, nos termos do nº 4 do artigo 989º do Código de Processo Civil, do poder de decidir se, no todo ou em parte, a contribuição é entregue aos filhos. (…).” Mas, ainda que não nos encontrássemos no âmbito da ação especial citada, uma outra ordem de razões sempre determinaria que fosse o Tribunal o competente para decidir da pretensão da requerente DG…. Com efeito, nos termos do art. 123, nº 1, al. e), da Lei n.º 62/2013, de 26.8, que aprovou a Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), compete aos Juízos de família e menores fixar os alimentos devidos a menores e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o art. 1880 do C.C.. Porém, de acordo com al. a) do nº 1 do art. 5 do acima indicado DL nº 272/2001, de 13.10, passou a constituir procedimento perante o conservador do registo civil (entre outros) o pedido de alimentos a filhos maiores ou emancipados, mais se estabelecendo no nº 2 deste artigo que “O disposto na presente secção não se aplica às pretensões referidas nas alíneas a) a d) do número anterior que sejam cumuladas com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial, ou constituam incidente ou dependência de acção pendente, circunstâncias em que continuam a ser tramitadas nos termos previstos no Código de Processo Civil.” Já o art. 6 do referido DL nº 272/2001 estipula que “Os processos previstos no artigo anterior podem ser instaurados em qualquer conservatória do registo civil”. Prevê, além do mais, o art. 8 quanto ao procedimento na Conservatória que “Tendo havido oposição do requerido e constatando-se a impossibilidade de acordo, são as partes notificadas para, em oito dias, alegarem e requererem a produção de novos meios de prova, sendo de seguida o processo, devidamente instruído, remetido ao tribunal judicial de 1.ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição a que pertence a conservatória.” Os dispositivos referidos do DL nº 272/2001 encontram-se inseridos na Secção I (Do procedimento tendente à formação de acordo das partes) do Capítulo III (Do procedimento perante o conservador do registo civil), mostrando à evidência que a competência decisória das Conservatórias de Registo Civil nos processos de jurisdição voluntária que passaram para a sua alçada assenta na previsão do acordo dos interessados. De resto, é o próprio preâmbulo do Diploma que o anuncia ao referir: “(…) Procede-se ainda à transferência de competências para as conservatórias de registo civil em matérias respeitantes a um conjunto de processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares - a atribuição de alimentos a filhos maiores e da casa de morada da família, a privação e autorização de apelidos de actual ou anterior cônjuge e a conversão da separação em divórcio -, na estrita medida em que se verifique ser a vontade das partes conciliável e sendo efectuada a remessa para efeitos de decisão judicial sempre que se constate existir oposição de qualquer interessado. (…).” Temos, assim, que tanto os Tribunais como as Conservatórias do Registo Civil terão hoje competência para apreciar certos processos de jurisdição voluntária, como o respeitante à atribuição de alimentos a filhos maiores, mas tal competência dependerá, como é conforme a razões de simplificação e economia processual, de uma antecipada probabilidade de acerto entre os interessados. Ora, no presente caso, mostram-se, além do mais e à partida, formulados pedidos antagónicos por cada um dos progenitores contra o outro, sendo evidente a divergência entre ambos. Deste modo, ainda que não fosse decisiva a argumentação que acima aduzimos quanto à competência do Tribunal para tramitar a ação especial referida no art. 989, nº 3, do C.P.C., sempre a competência a este seria deferida com este último fundamento. Em suma, é o Tribunal recorrido o competente para apreciar da pretensão da requerente Dora Gonçalves, formulada ao abrigo do art. 989, nº 3, do C.P.C., com relação à filha maior SF…, e não a Conservatória do Registo Civil como se entendeu em 1ª instância. Procede, assim, o recurso. *** IV- Decisão: Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação, na procedência da apelação, em revogar a decisão recorrida e julgar o Tribunal a quo competente para apreciar da pretensão da requerente DC…, ao abrigo do art. 989, nº 3, do C.P.C., contra AM…, em relação à filha maior de ambos, SF…. Sem custas. Notifique. *** Lisboa, 12.3.2019 Maria da Conceição Saavedra Cristina Coelho Luís Filipe Pires de Sousa [1] “O novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado; contributo para a interpretação da Lei n.º 122/2015, de 1/9”, disponível na internet, págs. 2 e 3. [2] Ob. cit., loc. cit.. [3] Ainda J. H. Delgado de Carvalho, ob. cit., págs. 4 a 8. [4] J. H. Delgado de Carvalho, ob. cit., págs. 7 e 8. [5] Ver “Família e Crianças: As Novas Leis- Resolução de Questões Práticas”, Cadernos do CEJ, Janeiro 2017, pág. 60. [6] Cfr. Gonçalo Oliveira Magalhães, “A tutela (jurisdicional) do direito a alimentos dos filhos maiores que ainda não concluíram a sua formação profissional”, Julgar Online, Março de 2018, pág. 13. [7] Ob. cit., pág. 7. [8] Cfr., a propósito, o Ac. da RG de 17.5.2018, Proc. 602/18.9T8VCT.G1, o Ac. RL de 23.3.2017, Proc. 2257/17.9T8LSB.L1-6, o Ac. da RE de 13.7.2017, Proc. 1362/16.3T8PTG.E1, e o Ac. da RE de 9.3.2017, Proc. 26/12.1TBPTG-D.E1, todos em www.dgsi.pt. [9] Ver “Família e Crianças: As Novas Leis- Resolução de Questões Práticas”, Cadernos do CEJ, Janeiro 2017, págs. 58 e 59. [10] Neste sentido, ver o Ac. da RC de 7.3.2017, Proc. 6782/16.0T8CBR-A.C1, em www.dgsi.pt. Ver, ainda, no mesmo sítio, o Ac. da RL de 30.6.2016, Proc. 6692/05.7TBSXL-C.L1.-2. |