Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4353/2007-2
Relator: JOSÉ PINTO
Descritores: EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/28/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – O art.º 486.º, n.º 2, do CPC – que prevê a extensão do prazo para a contestação até ao termo do último prazo de citação – não é aplicável ao prazo para deduzir oposição à execução, nas situações em que haja vários executados a serem citados em datas distintas.
II – O art.º 813.º, n.º 4, do CPC (tal como anteriormente o n.º 3, do art.º 816.º), prevê expressamente a inaplicabilidade daquele art.º 486.º, n.º 2, ao processo de oposição.
III – O facto daquele preceito (art.º 813, n.º 4) se tratar duma norma interpretativa, permite a sua aplicação retroactiva, pois que tudo se passa como se a lei interpretada, no momento da verificação dos factos passados, tivesse já o alcance que lhe fixa a disposição interpretativa da lei nova.
(J.P.)
Decisão Texto Integral:  Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa,

            I – RELATÓRIO

M, deduziu oposição à execução que lhe fora movida a si e a outros por B , S.A., o que fez em 23/03/2006, na sequência da citação que lhe havia sido feita em 19/10/2005.

Por despacho de 6/02/2007, indeferiu-se liminarmente a indicada oposição, ao abrigo do disposto no art.º 817.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil[1], por a mesma ter sido apresentada para além do prazo legal previsto para o efeito.

Inconformada com tal decisão veio a oponente recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteu as seguintes conclusões:

I – No recurso interposto impugna a aqui recorrente o Douto despacho que indeferiu liminarmente a presente oposição à execução, com base no art.º 817.º, n.º 1, al. a);

II – A ora recorrente foi notificada em 19/10/2005 para, querendo, se opor à execução;

III - A qual apresentou a mesma aos autos em 23/03/2006;

IV – Data na qual ainda não se encontravam devidamente notificados todos os executados;

V – A esta data ainda se desconhece se todos os executados já se encontram devidamente notificados;

VI – Tal notificação da aqui recorrente, que reporta a 19/10/2005, foi efectuada nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 813.º do CPC, ex-             -artigo 816.º do CPC;

VII – Sendo que tal dispositivo legal, no seu n.º 4, dispõe que “Não é aplicável à oposição o n.º 2, do art.º 486.º”;

VIII – No entanto tal norma é interpretativa;

IX – E assim, “A oposição à execução tem a natureza estrutural de uma defesa à acção executiva. Nas execuções com pluralidade de executados, os embargos podem ser deduzidos até ao termo do prazo do executado que foi citado em último lugar.”, conforme Ac. STJ de 27/05/1999; BMJ, 487.º-269 e Ac. R.P. de 28/09/1995; BMJ 449.º-439;

X – Sendo que a oposição à execução constitui o exercício do direito do contraditório, deverá ser aplicado o disposto no n.º 2, do art.º 486.º do CPC, tal qual acontece com a contestação a que o dispositivo legal especificamente se reporta!

XI – Assim, e atendendo a todo o exposto deverá ser a oposição à execução recebida como em tempo, atendendo a que a aqui recorrente o fez quando ainda nem todos os executados se encontravam notificados nos termos e para os efeitos do art.º 813.º do CPC.

Não foram apresentadas contra-alegações.

A Senhora Juíza sustentou a decisão recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.

           

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1, ex vi do artigo 749.º.

É apenas uma a questão que importa apreciar e que se reconduz a saber se o princípio ínsito art.º 486.º, n.º 2 – extensão do prazo para contestar até ao termo do último prazo de citação -  é aplicável ao prazo para deduzir oposição em execução, nas situações em que haja vários executados.

III – FUNDAMENTOS

1. De facto

São os seguintes os factos que se revelam relevantes para a apreciação do presente agravo:

1. A oponente e ora recorrente foi citada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artgs. 812.º e 813.º, em 19/10/2005, no âmbito do processo executivo n.º , que corre termos pelo 1.º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca do Seixal que o B S.A., lhe moveu a si e a outros;

2. A oponente e ora recorrente apresentou em 17/03/2003, junto da Segurança Social pedido de concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, bem como da remuneração do solicitador de execução designado.

3. O articulado de oposição à execução foi apresentado em Tribunal pela oponente, ora recorrente, em 23 de Março de 2006.

4. À data da apresentação do articulado referido em 3, ainda não tinham sido citados para a execução todos os executados.

2. De direito

Apreciemos agora a questão suscitada pela agravante.

Como se referiu supra, é apenas uma a questão que nos é suscitada, a qual reconduz-se a saber se o princípio ínsito art.º 486.º, n.º 2 – extensão do prazo para contestar até ao termo do prazo para tal efeito concedido ao último Réu a ser citado -  é aplicável ao prazo para deduzir oposição em execução, nas situações em que haja vários executados.

Sustentou a agravante que o facto do n.º 4 do art.º 813.º, referir expressamente que “Não é aplicável à oposição o disposto no n.º 2 do art.º 486.º”, tal não implica que esse preceito não possa ser aplicável, dado que a norma em causa é interpretativa.

Afigura-se-nos que não assiste razão à recorrente.

É efectivamente verdade que o n.º 4 do art.º 813.º, tal como anteriormente o n.º 3 do artº 816.º, veio estatuir expressamente a inaplicabilidade do n.º 2 do artº 486.º à dedução, hoje da oposição, anteriormente dos embargos, tratando-se de uma norma interpretativa, por ter vindo resolver o diferendo jurisprudencial que existia anteriormente à reforma processual civil de 1995/1996.

Na realidade e como bem se salienta no recente Ac. do STJ de 27/03/2007, em que foi relator o Senhor Conselheiro Faria Antunes[2]: “… antes dessa reforma havia decisões judiciais díspares, umas no sentido da aplicabilidade aos embargos de executado do art.º 486.º, n.º 2 do CPC (v.g. acs. do STJ de 27.7.1945, no Boletim Oficial do Ministério da Justiça, V, pág. 330, e da Rel. Lisboa, de 28.11.1991, no BMJ 411, pág. 643), e outras em sentido contrário (ac. da Relação de Lisboa, de 10.11.1994, na CJ 1994, V, pág. 95).

Sendo que, na doutrina, outras vozes igualmente autorizadas também defendiam – ao invés daqueloutras já mencionadas – a aplicabilidade do art.º 486º, nº 2 aos embargos de executado, ex vi artº 801º (cfr. Alberto dos Reis Processo de Execução, Vol. 2º, Reimpressão, 1982, pág. 46, e Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª Edição Actualizada, 1964, pág. 295).

Ora, o art.º 13.º do Código Civil diz que a lei interpretativa se integra na lei interpretada, pelo que, como escreveu Baptista Machado (citado no aresto deste Supremo, de 27.5.1999, no BMJ 487, pág. 271, que vimos seguindo de perto e que sustenta maioritariamente a tese de que o n.º 3 do art.º 816.º é uma norma interpretativa) «em princípio, não há que aplicar em relação a estas leis o princípio da não retroactividade consignado no artigo 12º, mas, antes, se procederá como se a lei interpretada, no momento da verificação dos factos passados, tivesse já o alcance que lhe fixa a disposição interpretativa da lei nova».

Se dúvidas houvesse ainda quanto à inaplicabilidade do artº 486º, nº 2 (antiga redacção) aos embargos de executado (por força do artº 801º na anterior redacção) desvanecer-se-iam, destarte, perante a norma interpretativa do actual artº 816º, nº 3 do CPC.”

            Não tem assim razão a agravante quando sustenta que pelo facto de estarmos perante uma norma interpretativa poderia aplicar-se, ao caso, o princípio consagrado no citado art.º 486.º, n.º 2, o que aliás não consegue explicitar fundamentadamente.

Relembre-se que o paralelismo entre o art.º 486.º - norma relativa à contestação em sede de processo declarativo ordinário – e o art.º 813.º, n.º 4, não é de perfilhar, pois que neste último caso estamos sim perante não uma oposição/contestação, antes sim face a uma oposição/acção, pois que é com ela (oposição) que se inicia uma fase declarativa.  

Consideramos pois que não existem razões para se aplicar o disposto no art.º 486.º, n.º 2, ex vi do art.º 466.º, n.º 1, pois que a norma expressa do apontado art,º 813.º, n.º 4, dispensa a aplicação subsidiária daquela.

Neste mesmo sentido e de forma muito clara e fundamentada foi apreciada esta mesma questão no citado Ac. do STJ de 27/03/2007, de que transcreveremos as passagens mais impressivas:

O artº 486.º reportava-se (e reporta-se) ao prazo para a contestação no processo declaratório, e, como referia Anselmo de Castro (Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 1970, pág. 311 e seg.), não só a oposição à execução não é uma oposição-contestação, mas uma oposição-acção, como também, e sobretudo, há que ver que o prazo é comum aos restantes efeitos, designadamente para o início dos actos executivos (a penhora), de maneira nenhuma parecendo conforme com as exigências da acção executiva ter de se esperar, para esse fim, pelo decurso do último dos prazos, sendo suficientemente significativa a diferença dos interesses em jogo na acção declaratória e numa acção executiva para que se propenda para a inaplicabilidade aos embargos de executado do n.º 2 daquele dispositivo legal, em caso de pluralidade de executados.

No mesmo sentido de que os embargos não podiam ser deduzidos, se os prazos para cada um dos executados acabassem em datas diferentes, até ao último deles, por aplicação do art.º 486.º, n.º 2 por força do art.º 801.º, diz Lebre de Freitas (A Acção Executiva, 2ª Edição, À Luz do Código Revisto, 1997, pág. 165): «Sendo vários os executados, pôs-se, na vigência do código anterior à revisão, o problema de saber se tem aplicação o art.º 486.º-2… À primeira vista, dir-se-ia que sim, dada a remissão genérica do antigo art.º 801.º (hoje art.º 466.º, n.º 1) … para as disposições reguladoras do processo de declaração. Mas os embargos de executado não constituem uma contestação e a norma do art.º 486.º-2 é excepcional em face da norma geral do art.º 145.º-3 (extinção da faculdade de praticar o acto no termo do prazo peremptório), aparecendo ligada ao estabelecimento do efeito cominatório decorrente da falta de contestação, que… a omissão de embargar não tem. Ora a aplicação do art.º 486.º-2 ao prazo para embargar implicaria que os actos executivos, maxime a penhora, tivessem de aguardar o termo do prazo para embargar do executado citado em último lugar, em detrimento do exequente e em contradição com o carácter individualizado das providências executivas…».

No Parecer publicado na Col. Jurisprudência, 1989, III, pág. 43 e segs., concluiu também Lebre de Freitas:

I- Não há no direito português… uma norma geral que, em situações de parte plural, determine o aproveitamento para todos os litisconsortes dos prazos processuais ainda em curso para um deles, mas tão-só uma norma (o art.º 486.º, n.º 2 do CPC) que… se contém na regulamentação específica do prazo para contestar em acção declarativa com processo ordinário e cuja aplicação ao prazo para contestar acções declarativas com outra forma de processo tem lugar subsidiariamente, sempre que não haja preceito expresso em contrário, o que acontece em alguns processos especiais.

II- A norma do art.º 486.º, n.º 2 surge num tipo de processo em que, em caso de pluralidade de réus, a contestação de um dos réus aproveita a todos, mediante o afastamento dum efeito cominatório semi-pleno e, considerado todo o âmbito da sua aplicação subsidiária, aparece, nos processos de jurisdição contenciosa, sempre ligada ao estabelecimento em geral dum efeito cominatório… por falta de apresentação de contestação dentro do respectivo prazo.

III- A norma em causa ao mesmo tempo que aumenta a possibilidade duma contestação conjunta, tem, no âmbito da jurisdição contenciosa, a finalidade de prorrogar o momento em que o interesse do réu em se defender é sacrificado pelo jogo das cominações legais resultantes da inobservância do ónus de contestar, sem prejuízo de, no âmbito da jurisdição voluntária, ter por finalidade a prorrogação do momento em que se verifica a não contribuição do contestante para a satisfação do interesse que está em jogo no processo.

IV- Dentro do âmbito da contestação em jurisdição contenciosa, houve necessidade de expressamente se estatuir a aplicação do art.º 486.º, n.º 2 no caso de pluralidade de chamados num incidente em que o efeito cominatório da contestação não é automático (chamamento à demanda) e “a contrario” afastou-se a aplicação da norma no caso de pluralidade de chamados num incidente em que não joga qualquer efeito cominatório (chamamento à intervenção principal passiva) – o que confirma a ligação entre a estatuição em causa e a produção, em princípio automática, duma cominação.

V- Fora do âmbito da contestação e precisamente por se tratar de processos especiais em que não há lugar a contestação, houve necessidade de expressamente estatuir uma norma semelhante à do art.º 486.º, n.º 2 no processo – de jurisdição voluntária – de atribuição de bens de pessoa colectiva extinta e afastou-se essa norma no processo – não cominatório – de inventário.

VI- A norma do art.º 486.º, n.º 2 é excepcional em face da do art.º 147.º e por isso insusceptível de aplicação analógica, circunscrevendo assim a sua previsão, salvo preceito em contrário, aos processos em que haja lugar a contestação, pelo que não é abrangida pela remissão geral do art.º 801.º (hoje art.º 466.º, n.º 1).

VII- Efectivamente, na acção executiva, que visa a realização – e não a declaração – do direito, não há contestação, constituindo os embargos de executado uma contra-acção, destinada a destruir a eficácia do título executivo, com tramitação autónoma e natureza declarativa e introduzida por uma petição inicial, o que afasta a aplicação directa do ar.tº 486.º, n.º 2.

VIII- A omissão de embargar não tem qualquer efeito cominatório, mas apenas o de preclusão das excepções porventura existentes contra o direito material do exequente, o que não constitui este numa situação de desvantagem, mas tão-só na perda da possibilidade de se colocar num situação de vantagem circunscrita ao processo executivo, afastando qualquer razão para uma aplicação analógica, mesmo que esta fosse possível, do art.º 486.º-2.

IX- A sentença proferida nos embargos de executado circunscreve os seu efeitos directos às partes (embargante e exequente), dela não podendo aproveitar, senão reflexamente como terceiros, outros executados que não tenham embargado ou não tenham sido chamados ao processo nos termos do ar.º 269.º do CPC, em regime diferente do da acção declarativa – o que confirma a falta de base para a aplicação analógica do art.º 486.º-2.

X- Nem o efeito cominatório decorrente da falta de nomeação de bens à penhora nem o decorrente da falta de contestação da liquidação da obrigação exequenda implica a prorrogação do prazo para embargar de executado, já porque apenas o segundo é prorrogável nos termos do art.º 486.º-2, já porque não se vê razão para que esta prorrogação impeça o termo do prazo para a prática de qualquer dos outros dois actos, mantendo-se assim inabalável a conclusão VIII.

XI- A aplicação do art.º 486.º-2 ao prazo para a dedução de embargos de executado implicaria que a efectivação da penhora tivesse de aguardar o termo do prazo para embargar do executado citado em último lugar, com as consequências ainda de atrasar o pagamento forçado e, sendo prestada caução, toda a tramitação executiva suspensa – tudo em detrimento do exequente, não obstante a pré-definição do direito deste e em contradição com o carácter individualizado que, em contraste com o que se pode passar na acção declarativa, têm a providências executivas.

A fundamentação assim desfibrada pelos referidos Professores é realmente convincente.

Impressiona o prejuízo que do entendimento contrário ao preconizado poderia advir para o exequente, que – note-se – dispõe já de um título executivo.

Sendo decisivo, a nosso ver, o facto de os embargos deduzidos separadamente por cada um dos embargantes serem processos independentes entre si.”

Encontramo-nos em inteira consonância com o entendimento acabado de descrever, pelo que se considera não poder assistir razão à agravante no caso em apreço.

Na realidade, tendo a mesma sido citada no âmbito da execução que lhe foi movida a si e a outros, em 19/10/2005, e verificando-se que apenas em 23/03/2006 apresentou em tribunal o articulado oposição, é de concluir que o fez muito para além do prazo de vinte dias que a lei lhe conferia para o efeito (art.º 813.º, n.º 1).

Desta forma há pois que confirmar a decisão proferida em primeira instância que indeferiu liminarmente a indicada oposição com fundamento na sua extemporaneidade.     

IV – DECISÃO

Assim, acorda-se em negar provimento ao agravo e, concomitantemente, mantém-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, caso não beneficie de apoio judiciário.

Lisboa, 28/06/07

     (José Maria Sousa Pinto)                                                          

   (Maria da Graça Mira)

   (João Vaz Gomes)

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[1] Diploma a que nos referiremos de ora em diante sempre que expressamente não indicarmos outro.
[2] In www.dgsi.pt