Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES | ||
Descritores: | INVENTÁRIO RELAÇÃO DE BENS CABEÇA DE CASAL PRECLUSÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/06/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. No actual regime processual do processo de inventário, aos desideratos de celeridade e de simplificação processual, o legislador fez corresponder um princípio de auto-responsabilidade das partes, instituindo um sistema de preclusões que, concorrendo embora para uma marcha processual mais ágil, onera as partes com o exercício tempestivo das faculdades que adjectivamente lhes são conferidas. II. Ao situar-se sistematicamente tal regime no Código de Processo Civil serão plenamente aplicáveis os princípios gerais do Código, bem como o regime do processo comum de declaração, com as adaptações necessárias. III. A marcha processual do processo de inventário caracteriza-se, assim, por fases distintas e estanques, que fluem inexoravelmente para a realização da partilha, e entre as quais não há, nem pode haver, vasos comunicantes. São elas: (i) a fase dos articulados, que tem por elemento axial a relação de bens e a declaração de compromisso de honra, (ii) a fase de oposição, impugnação e reclamação, (iii) o despacho de saneamento, forma à partilha e agendamento da conferência de interessados, (iv) conferência de interessados e, finalmente, (v) mapa de partilha e sentença homologatório. IV. Apresentado o requerimento inicial por um interessado que não assumirá as funções de cabeça de casal, nos termos do artº 1099º do Código de Processo Civil, sempre competirá à cabeça de casal apresentar a relação de bens que entenda corresponder aos bens que compõem o acervo hereditário, sendo que tal dever não pode ter por referência a impugnação dos bens indicados por quem não assume a qualidade de cabeça de casal. (Sumário elaborado pela relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: O presente processo de inventário por óbito de A…, ocorrido no dia 29 de Março de 2021, foi apresentado por S…, menor, representada por sua mãe MT…, tendo sido indicados como herdeiros além da requerente, mais dois filhos: AR… e HR…, tendo junto escritura de habilitação, onde não se indica cabeça de casal, sugerindo a filha, dado o filho viver na maioria do tempo no estrangeiro. No requerimento de interposição da acção a requerente veio desde logo dizer que “tem um conhecimento apenas parcial e muito reduzido dos bens, activo e passivo que compõem a herança, razão pela qual apenas enumera (…)”, indicando 8 verbas e passivo. Conclui, porém, que: “1- Requerer autorização para aceitar a herança a benefício de inventário e outorgar partilha extrajudicial de todos os bens que constituem o acervo hereditário e, 2- Mais requer especificamente, a autorização para vender os bens (todos ou só alguns) que vierem a caber à menor, informando o tribunal da venda do mesmo e comprovando a aplicação do produto da venda em conta bancária a prazo em nome da menor; 3- Requer autorização para em representação da menor e com os demais herdeiros assinar escritura de venda do prédio urbano sito em Lisboa, destinado a habitação, fração autónoma designada pela letra “L” registada na extinta freguesia de … e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo urbano com o nº 33 do Concelho e Distrito de Lisboa, bem da herança, desde que haja acordo de todos os interessados, nos termos do artigo 2091º do CC., cujo produto da venda deverá assegurar o pagamento de todo o passivo sendo possível apurar algum ativo a partilhar.”. A 8/11/2022, foi proferido o seguinte despacho: “Veio a requerente intentar a presente acção de inventário nos termos do art. 1082.º a) do C.P.C., formulando a final pedidos que não são compatíveis nem se confundem com a finalidade de um processo de inventário judicial. Em face do exposto, determina-se a notificação da A. para, querendo, no prazo de 10 dias se pronunciar e/ou requerer o que tiver por conveniente quanto a referida incompatibilidade.”. Veio então a requerente aperfeiçoar o pedido nos seguintes termos: “I) Deve o presente Requerimento de Inventário ser admitido para fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens; II) Devem ordenar-se a citação dos demais herdeiros e ainda o Ministério Público se assim considerar que se justifica; III) Confirmar-se a designação da pessoa que exercerá as funções de cabeça de casal com as advertências e funções estabelecidas na Lei.”. A secretaria, sem que exista despacho nesse sentido, notificou AR…, na qualidade de cabeça de casal, do despacho proferido a 8/11/2022. Na sequência dessa notificação, veio a interessada por requerimento dizer que: “tendo sido notificada na qualidade de Cabeça de Casal relativamente aos autos à margem identificados, não tendo no entanto, até ao momento, sido citada para qualquer processo dessa natureza, vem desde já requerer a junção aos autos de procuração(…)”. Foi, assim, proferido o seguinte despacho, a 14/03/2024, “Uma vez que não foi determinada a citação nem a notificação dos interessados, declara-se sem qualquer efeito as notificações remetidas a 11/11/2022. Para exercer as funções de cabeça-de-casal, nomeia-se HR…, filho mais velho do de cujus (art. 2080.º n.º 2 do Cód. Civil). Cite-se o cabeça-de-casal, nos termos e para os efeitos do art. 1100.º n.º 2 b) e 1102.º do C.P.C. Cite-se o M.P. (art. 1100.º n.º 2 c) do C.P.C.).” Na sequência veio a requerente reiterar que deve ser nomeada cabeça de casal a filha, sendo que o interessado veio igualmente formular a mesma pretensão, invocando indisponibilidade. Pelo que por despacho de 11/09/2023, decidiu-se que: ”Ao abrigo do disposto no artigo 2084º do CC e 1103º, n.ºs 1 e 2 do CPC, considerando o acordo de todos os interessados, determino a substituição HR… no exercício das funções de cabeça de casal pela interessada AR…. Cite-se a cabeça-de-casal, nos termos e para os efeitos do artigo 1100.º n.º 2 b) e 1102.º do CPC.”. Foi então que a cabeça de casal, por requerimento de 8/11/2023, veio aceitar o cabecelato, dizer que alguma da factualidade invocada pela requerente fundamentava alguns dos pedidos que foram suprimidos e, no que respeita ao dever de apresentar a relação de bens (arts. 1102º nº 1 al. b), art. 1097º nº 3 als. c) e d) e 1098º todos do CPC) requereu prazo (de 30 dias) para juntar a relação de bens. Juntou ainda declaração de compromisso de honra. Porém, no prazo requerido, ao invés, juntou a 11/12/2023, requerimento que intitula “oposição ao inventário”, mas no qual apenas põe em causa questões relacionadas com os bens apresentados pela requerente como pertencendo ao acervo hereditário, e depois de alegar erros e omissões em tal indicação, descreve no mesmo articulado os bens em oito verbas e uma verba de passivo. Reitera ainda o compromisso de honra, junta prova documental e apresenta testemunhas. Importa referir que tal requerimento foi subscrito por outros mandatários, tendo sido junto substabelecimento. Face a tal requerimento a requerente veio responder, a 23/01/2024, invocando os dois requerimentos da c.c., e impugnando a relação de bens indicada no requerimento de 11/12/2023, invocando a ausência de indicação de bens móveis. Juntou prova. A 5/02/2024, a c.c. veio “responder” ao requerimento apresentado pela interessada, dizendo que mantém tudo o indicado na “oposição”. Voltou a interessada a 19/02/2024, a “responder” à c.c. mantendo o indicado no requerimento de 23/01/2024, mais dizendo “aguardar que o tribunal agende conferencia, emita autorização requerida e a Sra. Cabeça de Casal diligencie pela venda.”. A 23/05/2024, foi proferido o seguinte despacho: “A interessada S…, representada pela mãe, MT… apresentou reclamação à relação de bens. A reclamação à relação de bens consubstancia um incidente, sujeito a tributação, sendo devida taxa de justiça pelo impulso processual conforme resulta do disposto no n.º 4 do artigo 1130.º e n.º 1 do art. 539.º, ambos do CPC e tabela II anexa ao RCP (cfr., neste sentido, o “Guia Prático das Custas Processuais”, 5.ª edição, Março de 2021, CEJ, p. 106 e 107) A Reclamante não efectuou tal pagamento aquando da apresentação daquela reclamação, nem nos dez dias subsequentes (cfr. n.º 3 do art. 145.º do CPC). Assim sendo, antes de mais, cumpra-se o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 570.º do CPC.”. Paga a taxa de justiça em falta, veio a ser proferido o despacho objecto do presente recurso nestes termos: “Compulsados os autos constata-se que os mesmos enfermam neste momento de irregularidades processuais passíveis de afectar a regular e célere tramitação dos autos. Assim, constata-se que após ter sido citada a cabeça-de-casal para efeitos do art. 1102.º do C.P.C., veio a mesma, após aceitar a nomeação (requerimento de 08/11/2023) apresentar um requerimento de oposição ao inventário nos termos do art. 1104.º, vindo impugnar a relação de bens, requerendo até produção de prova. A tal requerimento respondeu a requerente requerendo a produção de prova e a notificação da cabeça-de-casal para corrigir a relação de bens. Veio a cabeça-de-casal responder invocando o direito ao contraditório, mantendo o teor da oposição apresentada. Em resposta veio a requerente invocar aguardar a marcação de conferência e emissão pelo tribunal de autorização para venda de um imóvel. Isto posto, é por demais evidente que a tramitação processual legalmente prevista se encontra largamente desrespeitada, colocando em crise a célere e justa composição do litígio. Em face do exposto, ao abrigo do dever de gestão processual, julgam-se inadmissíveis todos os requerimentos apresentados após a citação da cabeça-de-casal e determina-se o respectivo desentranhamento. Notifique e d.n., designadamente devolvendo o montante pago a título de taxa de justiça pela reclamação. Mais se adverte e a futura apresentação de requerimentos/incidentes que desrespeitem a tramitação processualmente prevista ou extravasem o âmbito do conhecimento destes autos dará lugar a condenação em multa. Determina-se a notificação da cabeça-de-casal para, no prazo de 10 dias, dar integral cumprimento aos termos previstos no art. 1102.º do C.P.C.” Inconformada, a 23/10/2024, veio a cabeça de casal recorrer formulando as seguintes conclusões: «1) A requerente, no requerimento inicial com que instaurou a presente acção, não se limitou a efectuar as menções previstas nas alíneas a) a d) do art.º 1099.º do CPC, pois procedeu também à identificação dos bens que, na sua perspectiva, devem integrar a relação de bens da herança, alegou pretensos factos, nomeadamente, sobre o conhecimento que afirma ter quanto à composição da herança do Inventariado, e nele inseriu o seu requerimento probatório, no qual arrolou testemunhas, requereu a prestação de informações por parte de terceiros e juntou documentos; 2) Após ter sido citada nos presentes autos de inventário, a cabeça-de-casal, em 11/12/2023, deduziu oposição ao inventário, o que fez ao abrigo das disposições conjugadas dos n.ºs 1, alínea a) e 2, ambos do art.º 1104.º, n.º 2, do CPC, através da qual não só impugnou a factualidade alegada no requerimento inicial, como deu cumprimento ao disposto nas alíneas a) a c) do n.º 1 do art.º 1102.º do CPC, e também nele inseriu o seu requerimento probatório, no qual arrolou testemunhas, requereu a prestação de informações por parte de terceiros e juntou documentos; 3) Por força do disposto no n.º 2 do art.º 1104.º do CPC, o cabeça-de-casal que não tenha apresentado o requerimento inicial da acção de inventário, pode deduzir oposição a esse inventário, nos termos da alínea a) do n.º 1 da mesma norma, como sucedeu no caso concreto dos autos, em que, ao abrigo das mencionadas normas legais, a cabeça-de-casal deduziu oposição ao inventário e nela inseriu as declarações e menções necessárias para também dar cumprimento ao disposto nas alíneas a) a c) do n.º 1 do art.º 1102.º do CPC; 4) A faculdade de o cabeça-de-casal deduzir oposição ao inventário não traduz mais do que manifestação do princípio do contraditório, previsto nos art.ºs 3.º, n.º 3, e 415.º, n.º 1, ambos do CPC, na tramitação do processo especial de inventário, quando não seja aquele o requerente do inventário; 5) O despacho recorrido violou o previsto nas disposições conjugadas das normas constantes do n.º 1, alínea a), e n.º 2, ambos do art.º 1104.º do CPC, assim como o princípio do contraditório previsto nos art.ºs 3.º, n.º 3, e 415.º, n.º 1, ambos do mesmo Código; 6) O Exmo. Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado o disposto nos art.ºs 1104.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do CPC, assim como o princípio do contraditório previsto nos art.ºs 3.º, n.º 3, e 415.º, n.º 1, ambos do mesmo Código, no sentido de admitir a oposição deduzida pela cabeça-de-casal, bem como os requerimentos e peças processuais subsequentes. Termos em que deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente, devendo, consequentemente, ser revogado o despacho recorrido e substituído por douto Acórdão que admita a oposição apresentada pela cabeça-de-casal e todas as peças processuais subsequentes, nomeadamente, requerimentos, com o que se fará a devida e costumada Justiça.». A 29/10/2024, depois de ter apresentado recurso, veio a c.c. em requerimento, indicar os elementos do inventário, mas a título de “resposta” ao requerimento inicial, veio igualmente quanto à relação de bens apresentada na mesma, invocar factos a título de resposta, começando por dizer que “A relação de bens não é a que a requerente indica nos art.ºs 12.º a 26.º do r.i”, descrevendo de seguida os bens. Por despacho de 8/01/2025, além de ter sido admitido o recurso, decidiu-se ainda que: “Não obstante o já determinado, a cabeça-de-casal não juntou aos autos documento autónomo com a relação de bens e elaborado nos termos do art. 1098.º do C.P.C. Na verdade, como já exposto anteriormente, recaindo sobre a cabeça-de-casal o ónus de apresentar (ou corrigir) a relação de bens, não tem cabimento legal qualquer impugnação (ou oposição) que a mesma dirija à relação de bens apresentada pela requerente, colocando tal comportamento processual em causa a regular tramitação dos autos (posterior oposição pelos interessados e subsequente decisão). Em face do exposto, determina-se que os autos aguardem o devido impulso processual, sem prejuízo do disposto no art. 281.º do C.P.C.” Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir. * Questão a decidir: O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. Importa assim, saber se, no caso concreto: - São de admitir os requerimentos apresentados pela cabeça de casal de “oposição ao inventário” e subsequentes ou, os originados por este. * II. Fundamentação: Os elementos fácticos pertinentes para a decisão são os constantes do relatório que antecede e relativos às ocorrências processuais relevantes, que se dão por reproduzidas. * III. O Direito: Na decisão que se pretende que seja tomada por este Tribunal e da resenha dos actos processuais contidos nos autos principais, constante do relatório, importa ter presente o fim próprio do inventário, o papel de cada um dos interessados no mesmo, em especial a cabeça de casal e a requerente herdeira, bem como todo o regime que preside a tal acção. Do acervo hereditário fazem parte, como é sabido, todos os bens do de cujus, bem como os direitos e obrigações de que este era titular e que em consequência da sua morte não devam extinguir-se, em razão da sua natureza ou por força da lei (cfr. art.ºs 2024 e 2025, n.º 1 do CC). Havendo necessidade de proceder à partilha desse acervo em face do chamamento de vários sucessores do falecido, o processo de inventário apresenta-se, precisamente, como uma forma de por termo à comunhão hereditária, pois que quer eventualmente o cônjuge meeiro ou qualquer co-herdeiro têm o direito de exigir essa partilha (art.ºs 2101, n.º 1, 2102, n.º 1, segunda parte, ambos do CC e art.º 1326, n.º 1, do CPC). No regime do processo de inventário aprovado pela Lei 117/2019, de 13/09, aqui aplicável, o legislador reforçou os poderes inquisitório e de direção e gestão processual do juiz, o que resulta desde logo dos princípios gerais constantes do Código de Processo Civil, os quais passaram a ser directamente aplicáveis ao processo de inventário, a partir do momento em que este passou a integrar aquele Código. É consabido que o quadro processual do regime do inventário na redacção dada pela Lei n.º 117/2019, de 13/09 introduziu amplas alterações ao paradigma pregresso, sendo uma delas a existência de fases processuais estanques, numa lógica de auto-responsabilização das partes. Aos desideratos de celeridade e de simplificação processual inerentes à reforma do processo de inventário, o legislador fez corresponder um princípio de auto-responsabilidade das partes, instituindo um sistema de preclusões que, concorrendo embora para uma marcha processual mais ágil, onera as partes com o exercício tempestivo das faculdades que adjectivamente lhes são conferidas. Com efeito, com a entrada em vigor do designado novo regime do processo de inventário, este passou a situar-se sistematicamente no âmbito do CPC, pelo que a este processo especial serão plenamente aplicáveis os princípios gerais do Código, bem como o regime do processo comum de declaração, com as adaptações necessárias. Ademais, com este novo modelo, o processo de inventário apresenta-se como uma verdadeira ação, pelo que, nomeadamente, a reclamação contra a relação de bens já não constitui um incidente do processo de inventário, inserindo-se na marcha regular do processo em causa, mas obriga a que os interessados concentrem os “meios de defesa” no articulado que apresentam e indiquem aí todos os meios de prova, sob pena de preclusão. Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa (in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2ªedição, p. 553 e 554) “para além do recuo na experiência de desjudicialização que foi adoptada pela Lei nº23/13, importa sublinhar a vontade de alteração do paradigma a que obedecia o processo de inventário judicial quando era regulado segundo as normas inscritas no CPC de 1961. É este o verdadeiro contraponto do novo regime legal, sendo de notar que recebe os contributos das regras gerais do processo e da acção declarativa, o que especialmente se evidencia pelo que se dispõe acerca da concentração e da preclusão dos actos respeitantes a cada fase processual, como forma de potenciar a celeridade e a eficácia da tramitação. Assim, fixada a pessoa que irá desempenhar o cargo de cabeça de casal, por designação do juiz ou por confirmação judicial quem se arrogue tal qualidade, e juntos aos autos os elementos essenciais atinentes à abertura da herança, identificação dos interessados e acervo patrimonial hereditário, é estabelecido um verdadeiro contraditório, recaindo sobre cada interessado que venha a ser convocado o ónus de deduzir todos os meios de defesa e de alegar tudo o que se revele pertinente para a tutela dos seus interesses e para o objectivo final do inventário… É nesta primeira fase (fase dos articulados, que engloba a fase inicial e da oposições e verificação do passivo), em face do requerimento inicial e dos actos e documentos apresentados pelo requerente (arts. 1097º e l099º) ou pelo cabeça de casal judicialmente designado ou confirmado (art. 1100º, nº1, al. b)), que deve ser concentrada a discussão de todos os aspectos essenciais relevantes. Sem embargo das excepções salvaguardadas por regras gerais de processo (Vg. meios de defesa supervenientes) ou por regras específicas do inventario que permitem o diferimento (v.g. avaliação dos bens, incidente de inoficiosidade), cada interessado tem o ónus de suscitar nesta ocasião, com efeitos preclusivos, as questões pertinentes para o objectivo final do inventário (art. 1104º), designadamente tudo quanto respeite à sua admissibilidade, identificação e convocação dos interessados, relacionamento e identificação dos bens a partilhar, dividas e encargos da herança e outras questões atinentes à divisão do acervo patrimonial(…)”. E concretamente sobre o preceito contido no art. 1104º do CPC, explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa (ob. cit., p. 603). que “tal corresponde a um verdadeiro ónus e não a uma mera faculdade, já que o decurso do prazo de 30 dias determina, por regra, efeitos preclusivos quanto a tais iniciativas, sendo que a não impugnação dos elementos factuais e documentais vertidos nas alegações do requerente de inventário ou do cabeça de casal tem os efeitos previstos nos arts. 566º, 567º e 574º ex vi art. 549º, n°1. Mantêm-se as excepções ao efeito cominatório semipleno decorrentes dos arts. 568° e 574, nºs 2 a 4(…). Este regime diverge do que estava consagrado no CPC de 1961 (art. 1348) e integra-se, agora, no modelo geral dos processos de natureza contenciosa, sendo o efeito preclusivo justificado, além do mais, por razões de celeridade e de eficácia da resposta a um conflito de interesses, que importa resolver, em torno da partilha”. Já quanto à reclamação contra a relação de bens com fundamento na insuficiência, no excesso ou na inexactidão da descrição ou do valor, afirmam os mesmos autores (ob. cit., p. 606) que “Contrariando a solução prevista no art. 1348° CPC de 1961, a reclamação relativa à relação de bens não suporta o diferimento que tal regime permitia. Uma vez que os bens são relacionados pelo cabeça de casal e só depois se procede a citação dos interessados, facilmente se compreende que também tenha sido marcado um prazo peremptório para o exercício do direito de defesa mediante reclamação, de modo que, uma vez exercido o contraditório e produzidas as provas pertinentes, as questões atinentes ao activo e passivo da herança estejam definitivamente decididas quando for convocada a conferência de interessados(...)”. Esta tramitação evidencia, como faz notar Lopes do Rego, in “A Recapitulação do Inventário”, Revista Julgar on line, Dezembro 2019, p. 12 e 13, que “(…) toda a defesa (incluindo a contestação quanto à concreta composição do acervo hereditário, activo e passivo) deve ser deduzida no prazo de que os citados beneficiam para a contestação/oposição, só podendo ser ulteriormente deduzidas as excepções e meios de defesa que sejam supervenientes (isto é, que a parte, mesmo actuando com a diligência devida, não estava em condições de suscitar no prazo da oposição, dando origem à apresentação de um verdadeiro articulado superveniente), que a lei admita expressamente passado esse momento (como sucede com a contestação do valor dos bens relacionados e o pedido da respectiva avaliação, que, por razões pragmáticas, o legislador admitiu que pudesse ser deduzido até ao início das licitações) ou com as questões que sejam de conhecimento oficioso pelo tribunal. Daqui decorre, por exemplo, que as reclamações contra a relação de bens tenham de ser necessariamente deduzidas, salvo demonstração de superveniência objectiva ou subjectiva, na fase das oposições – e não a todo o tempo, em termos idênticos à junção de prova documental, como parecia admitir o art. 1348.º, n.º 6, do anterior CPC.”. É assim hoje pacífico que o processo de inventário é hoje uma verdadeira acção, obrigando a que os interessados concentrem os meios de defesa no articulado que apresentam e indiquem aí todos os meios de prova, sob pena de preclusão.(cfr. Acórdão desta Relação e secção de 24/10/2024, proc. nº 7778/21.6T8SNT-A.L1-6, in www.dgsi.pt). Aqui chegados, importa ter presente que o art.º 1097º do Código de Processo Civil regula o requerimento inicial apresentado por cabeça de casal e o art.º 1099º do mesmo diploma regula o requerimento inicial apresentado por outro interessado. Como alude Pedro Pinheiro Torres: “Procurou valorizar-se o processo de partes, configurado pelos articulados, o que, de modo significativo, se traduz na imposição ao requerente do inventário, quando este se arrogue ser titular (por direito ou obrigação legal) do exercício das funções de cabeça de casal, de um ónus de alegação e prova em tudo semelhante ao cometido a um qualquer autor numa ação judicial, passando a competir-lhe, nos termos do artigo 1097.º do CPC, trazer aos autos os elementos de identificação e prova suficientes para que sejam conhecidos a causa de pedir (abertura de sucessão) a sua legitimidade e dos demais interessados, todos os elementos que entenda poderem influenciar a partilha, e a relação dos bens e dos créditos e dívidas da herança, deste modo se reunindo naquela peça processual diversos actos até aqui dispersos. Considerou-se, neste mesmo sentido, promover a substituição do modo e tempo da prestação de compromisso de cabeça de casal, que se prevê passe a ser feita por declaração junta pelo Requerente à petição, nos termos da alínea e) do n.º 2 deste artigo 1097.º. Com esta previsão transforma-se o requerimento de inventário numa verdadeira petição inicial” ( in “Notas Breves de Apresentação do Processo de Inventário na redação dada pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, Inventário: o novo regime”, CEJ, Maio 2020, pág. 21). Porém, prossegue o mesmo autor: “É claro que o ónus processual imposto ao requerente no artigo 1097.º do CPC, quando a este competir o exercício das funções de cabeça de casal, não poderia ser imposto a outro interessado, que pretendesse requerer o inventário, sem se arrogar a competência para exercer as funções de cabeça de casal, sendo, no entanto, enunciadas no artigo 1099.º obrigações que o inibem da apresentação de simples requerimento de instauração de inventário (como até aqui sucedia), nomeadamente que, “na medida do seu conhecimento, dar cumprimento às obrigações impostas ao requerente/cabeça de casal, pelo n.º 1 do artigo 1097.º. Esta imposição não pode ser considerada mera retórica, pois poderá ser objecto de apreciação pelo tribunal a conduta do requerente que, ostensivamente, omita ao Tribunal factos de que não pode deixar de ter conhecimento (nomeadamente testamentos, documentos ou mesmo a identificação dos outros interessados) podendo ser severa e exemplarmente sancionado. Procurou, assim, em suma, evitar-se que seja “relegada para momento posterior” à entrada nos autos do requerimento de inventário a informação aos autos de uma série de elementos essenciais à boa prossecução de inventário, como no regime revogado sucedia e que apenas contribuía para atrasar a tramitação desses autos”. (Pedro Pinheiro Torres, in obra citada, pág. 22). No entanto, não deixa de existir diferença significativa entre o requerimento inicial de um qualquer interessado ou o apresentado pelo cabeça de casal. Nas esclarecedoras palavras de Pedro Pinheiro Torres, a propósito do ónus de alegação e prova a cargo do cabeça de casal, “[p]rocurou valorizar-se o processo de partes, configurado pelos articulados, o que, de modo significativo, se traduz na imposição ao requerente do inventário, quando este se arrogue ser titular (por direito ou obrigação legal) do exercício das funções de cabeça de casal, de um ónus de alegação e prova em tudo semelhante ao cometido a um qualquer autor numa ação judicial, passando a competir-lhe, nos termos do artigo 1097.º do CPC, trazer aos autos os elementos de identificação e prova suficientes para que sejam conhecidos a causa de pedir (abertura de sucessão) a sua legitimidade e os demais interessados, todos os elementos que entenda poderem influenciar a partilha, e a relação dos bens e dos créditos e dívidas da herança, deste modo se reunindo naquela peça processual diversos actos até aqui dispersos” ( in ob. cit. pág. 21). Também Lopes do Rego deixa clara a mudança de paradigma, sublinhando que é possível destrinçar, actualmente, uma fase de articulados, que abrange a fase inicial (espoletada com um requerimento que, quando apresentado pelo cabeça de casal, assume a natureza de petição inicial) e as fases de oposições e de verificação do passivo, “em que as partes, para além de requererem a instauração do processo, têm obrigatoriamente de suscitar e discutir todas as questões que condicionam a partilha, alegando e sustentando quem são os interessados e respectivas quotas ideais e qual o acervo patrimonial, activo e passivo, que constitui objecto da sucessão”( in “A recapitulação do processo de inventário”, Julgar Online, Dezembro de 2019, p. 9). Daqui resulta que a marcha processual do processo de inventário caracteriza-se, assim, por fases distintas e estanques, que fluem inexoravelmente para a realização da partilha, e entre as quais não há, nem pode haver, vasos comunicantes. São elas: (i) a fase dos articulados, que tem por elemento axial a relação de bens e a declaração de compromisso de honra, (ii) a fase de oposição, impugnação e reclamação, (iii) o despacho de saneamento, forma à partilha e agendamento da conferência de interessados, (iv) conferência de interessados e, finalmente, (v) mapa de partilha e sentença homologatório. É através deste recorte processual que o legislador pretende que se estabilizem, na fase de saneamento do processo, todas as questões que possam influir na partilha, quais sejam a identificação das pessoas que a ela concorrem, os respectivos quinhões ideais e o acervo patrimonial a partilhar. Daí que, uma vez proferidos os despachos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art. 1110.º do CPC, não seja admitida a reapreciação das questões de facto e direito sobre as quais eles incidiram, sendo a interposição de recurso o meio processualmente próprio para reagir a tais decisões, como previsto no art. 1123.º, n.º, 2, al. b). Nos autos, o requerimento inicial não foi apresentado pelo cabeça de casal, mas sim por uma das interessadas na partilha, pelo que é de aplicar o artº 1099º do Código de Processo Civil, resultando assim, que apenas lhe competiria identificar o autor da herança, o lugar da sua residência habitual, a data e o lugar em que haja falecido ( alínea a)), indicar quem deve exercer o cargo de cabeça de casal ( alínea b)), na medida do seu conhecimento identificar os interessados, respectivos cônjuges e regime de bens, legatários, herdeiros legitimários e donatários ( alínea c) por remissão para a alínea c) do nº 2 do artº 1097º) e, por fim, juntar os documentos comprovativos dos factos alegados ( alínea d)). É certo que em tal requerimento inicial a interessada extravasa o que lhe incumbia por força do artigo em causa, tendo, desde logo, indicado alguns dos bens que, no seu entender, pertencem à herança e fazem parte do acervo a partilhar. Porém, tal excesso não determina que se alterem as regras e as preclusões previstas no regime do inventário nos termos supra aludidos. Aliás, a possibilidade de a requerente do inventário, que não assume a qualidade de cabeça de casal, indicar alguns dos bens resulta do teor do artº 1102º nº 1 alínea b), que permite à cabeça de casal citada do requerimento inicial apresentar ou “completar a relação de bens”. Mas a possibilidade de completar não se confunde com a apresentação da relação de bens, esta compete à cabeça de casal. Donde, citada a cabeça de casal ( na segunda nomeação, dada as razões invocadas pelo primeiro indicado, cuja indicação assentou apenas na circunstância de ser o mais velho, mas que invocou não residir na maioria do tempo em Portugal) nos termos e para os efeitos do artº 1102º do Código de Processo Civil, de forma correcta e nos termos adjectivamente previstos veio a cabeça de casal, por requerimento de 8/11/2023, aceitar o cabecelato, juntando a declaração de compromisso de honra, dizer que alguma da factualidade invocada pela requerente fundamentava alguns dos pedidos que foram suprimidos e, no que respeita ao dever de apresentar a relação de bens (arts. 1102º nº 1 al. b), art. 1097º nº 3 als. c) e d) e 1098º todos do CPC) requereu prazo para juntar a mesma. Manifestamente tal requerimento teve por base o previsto no actual Código de Processo Civil e inseria-se na marcha processual do inventário. Porém, findo o prazo concedido, veio a cabeça de casal de forma totalmente incompreensível e ao arrepio das mais elementares regras processuais aplicáveis, juntar requerimento que intitulou “oposição ao inventário”, mas no qual apenas põe em causa questões relacionadas com os bens apresentados pela requerente como pertencendo ao acervo hereditário, e depois de alegar erros e omissões em tal indicação, descreve, no mesmo articulado, os bens em oito verbas e uma verba de passivo. Reitera ainda o compromisso de honra, junta prova documental e apresenta testemunhas. Impõe-se afirmar que o dever de apresentar a relação de bens não pode ter por referência a impugnação dos bens indicados por quem não assume a qualidade de cabeça de casal. Aliás, permitir tal forma de encarar a pretensa apresentação da relação de bens dificultará a justa composição do litígio, pois relativamente ao co-herdeiro, que não é a requerente ou a cabeça de casal, confrontado com duas posições, pode ver-se na contingência de ter de se pronunciar sobre ambas, não se criando nos autos a existência concreta de uma apresentação da relação de bens. Outrossim, manifestamente não assiste razão à apelante, frise-se cabeça de casal, quando convoca neste recurso e como fundamento da admissibilidade dos requerimentos juntos, a possibilidade de deduzir “oposição ao inventário” e demais questões nos termos previsto no artº 1104º do Código de Processo Civil. Na verdade, ao ser citada nos termos e para os efeitos do artº 1102º do Código de Processo Civil, o requerimento que deva ser apresentado pela cabeça de casal em obediência ao aí previsto assume nos autos a natureza de petição inicial, não constituindo o mero requerimento de outro interessado tal particularidade. Todavia, a cabeça de casal, ao invés, vem deduzir oposição ao inventário, sem invocar em que assenta tal “oposição”, por um lado, pois nada nos autos nos permite concluir que o mesmo não deva ter lugar. Por outro lado, parece pretender que se inverta a posição processual de cada um, à cabeça de casal não pode ser facultada a oposição, impugnação ou reclamação da relação de bens, mas sim indicar os elementos que entenda relevantes, como se o fizesse ab initio, nos termos do artº 1102º, mormente a relação de bens. É perante tais elementos e a relação de bens apresentada pela cabeça de casal, que os demais interessados são citados ou notificados (consoante já tenham ou não sido chamados aos autos) para deduzir a oposição que entendam efectuar. É certo que o nº 2 do artº 1104º do Código de Processo Civil permite à cabeça de casal deduzir oposição ou impugnar, mas como bem se alude em tal preceito “com as devidas adaptações” e estas reportar-se-ão ás alíneas a) (oposição ao inventário, ou seja factos de onde se conclua que o mesmo não deva ter lugar), b) ( impugnar a legitimidade dos interessados citados ou alegar outros), pois as demais relacionadas quer com a nomeação da cabeça de casal ( alínea c), quer dos bens que devam compor a relação ( alínea d), ou até mesmos os créditos e as dívidas ( alínea c), fazem parte de um acto próprio da cabeça de casal – cf. artº 1102º b) do Código de Processo Civil – competindo-lhe assim, indicar os bens, créditos e dívidas (passivo) que fazem parte da herança e é sobre tal relação que, com efeito preclusivo, os demais interessados, entre os quais a própria requerente, podem deduzir oposição – artº 1104º nº 1 alíneas d) – que seguirá a tramitação do artº 1105º do Código de Processo Civil. Como bem referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa ( in ob. cit. pág. 569) não é de estranhar que o nº 2 do artº 1104º faculte ao próprio requerente do inventário a possibilidade de suscitar questões ou meios de defesa, pois o requerimento inicial deste não representa qualquer compromisso definitivo relativamente a todos os aspectos relevantes, pois visa apenas proceder à partilha de uma herança indivisa. Prosseguindo os mesmos autores “(o) mesmo se diga, com a necessária adaptação, no que concerne ao cabeça de casal: constituindo um cargo de natureza essencialmente administrativa, a sua designação ou confirmação dessa qualidade não o podem inibir de suscitar meios de defesa e as questões ou excepções que, na sua perspectiva, tenham pertinência” e mais adiante se alude que pode haver razões para que não se realize, “invocando designadamente a ilegitimidade do requerente, a invalidade do testamento apresentado por este, o facto de já ter sido realizada a partilha por via extrajudicial válida ou de todos os bens indicados como pertencendo à herança já terem sido adquiridos por outrem por via da usucapião”. A propósito de tal preceito também Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres referem que não sendo o cabeça de casal o requerente do inventário, pode o mesmo apresentar, a título pessoal, qualquer oposição, impugnação ou reclamação contra o requerimento inicial, como qualquer interessado, pois não deixa de ser co-herdeiro, mas a “título institucional, isto é, no exercício da suas funções como cabeça de casal é no articulado complementar que deve corrigir ou completar qualquer indicação que conste do requerimento inicial” ( in “o Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na legislação Processual civil” – reimpressão, pág. 84). Acresce que a diferenciação do requerimento inicial apresentado por um interessado ou pelo cabeça de casal tem as particularidades supra aludidas, não se encontrando prevista a possibilidade de a relação de bens ser apresentada pela requerente do inventário quando não assuma a qualidade de cabeça de casal. Devendo salientar-se que a oposição prevista no nº 2 do artº 1104º quando facultada à cabeça de casal terá de se prender com os actos que possam ser praticados por outro interessado, nomeadamente os indicados no artº 1099º do Código de Processo Civil. Nos autos, a cabeça de casal limitou-se a deduzir “oposição ao inventário” fundamentando apenas a sua desarmonia na indicação dos bens constantes do requerimento inicial pela interessada, quando lhe competia, nos termos do artº 1102º alínea b), ou complementar ou apresentar a relação de bens, sendo que esta é que seria, por banda dos demais herdeiros, objecto de notificação tendo em vista a sua impugnação, seguindo os tramites previstos no artº 1105º do Código de Processo Civil. Aliás, é perante tal relação (apresentada pela cabeça de casal) que com a notificação para os interessados se pronunciarem, em prazo, ocorre a preclusão conforme aludido, ou seja, caso os herdeiros não deduzam oposição consolidar-se-á tal relação de bens e não outra. Aqui chegados é apodíctico que a decisão objecto de recurso foi elaborada tendo por base a tramitação própria do inventário e formulada ao abrigo do princípio da gestão processual – artº 6º do Código de Processo Civil, apenas passível de recurso face ao disposto na parte final do artº 630º nº 2 do Código de Processo Civil. Somos em corroborar o que presidiu a tal decisão, dado que a cabeça de casal, ao contrário do que estava previsto e havia sido citada/convocada - nos termos e para os efeitos do artº 1102º, numa segunda fase, pois nada a apontar à sua primeira intervenção, na qual juntou compromisso de honra, confirmou os interessados e requereu prazo para a apresentação da relação de bens, veio, ao invés, deduzir oposição aos bens indicados no requerimento inicial, quando o que deveria ter ocorrido é a apresentação pela própria da relação de bens, de forma independente ou complementar, como bem alude o despacho do juiz a quo. Logo, permanecerem e serem permitidos nos autos “oposições”, “respostas” e “contra-respostas”, apenas iria dificultar a decisão, por tais requerimentos estarem completamente desconformes com o regime e tramitação própria do inventário, com todos os ónus inerentes ao mesmo, considerando inclusive os efeitos preclusivos nos termos sobreditos. Não há que olvidar e haverá que evidenciar que o legislador procurou concentrar os meios de defesa dos interessados (oposição, impugnação e reclamação), fixando o prazo de 30 dias, estabelecendo o artigo 1104º que, nesse prazo, deve apresentar-se reclamação à relação de bens ou impugnar os créditos e as dívidas. E o princípio da concentração e da autorresponsabilidade das partes também funciona em relação à apresentação da relação de bens que, na perspectiva das novas regras, deve funcionar como uma verdadeira petição inicial, pelo que os aditamentos só serão justificados, tal como ocorre com a oposição, se tiverem natureza objectiva ou subjectivamente supervenientes, sob pena da fase de apresentação da relação de bens de bens e reclamação quanto à mesma se eternizar. Mas a tudo isto, não é despiciendo considerar que neste regime, até pela sua inserção no Código de Processo Civil, há um reforço dos poderes de gestão processual do juiz, que além de ter acolhimento em algumas das normas especificas ( p. ex. artº 1105º nº 4 quanto à possibilidade de realização oficiosa de provas, artº 1109º, quanto à conveniência de designação de audiência prévia, artº 1110º organização da partilha, e do mapa nos termos do artº 1120º, ou ainda a determinação oficiosa da avaliação dos bens – artº 1118º nº 3 ), também os poderes de direção e gestão processual do juiz resultam desde logo dos princípios gerais constantes do Código de Processo Civil, os quais passaram a ser directamente aplicáveis ao processo de inventário. Como bem aludem Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, passando o processo de inventário a integrar-se no Código de Processo Civil, são plenamente aplicáveis os princípios gerais que presidem ao mesmo, nomeadamente o de gestão e adequação formal ( artº 6º e 547º ) e da cooperação do juiz ( artº 7º ), poderes e deveres esses orientados para uma finalidade específica – que é a realização de uma partilha justa entre todos os interessados. Os requerimentos juntos e objecto do despacho, quer os provenientes da cabeça de casal, quer os juntos pela co-herdeira requerente, são no seu todo aptos a não permitir obter a finalidade pretendida, pois tal como se refere na decisão sob recurso é por demais evidente que a tramitação processual legalmente prevista se encontra largamente desrespeitada, colocando em crise a célere e justa composição do litígio. Como deixámos sobejamente referido, a cabeça de casal no âmbito do inventário não se insurge quanto ao mesmo, ocorrendo, segundo se crê, a sua contrariedade quanto aos bens que devam compor o acervo a partilhar. Ora, a mesma foi notificada nos termos e para os efeitos do artº 1102º do Código de Processo Civil, especificamente no que tange à alínea b) apresentar a relação de bens, juntando a prova que entenda relevante. É perante tal relação que os demais interessados podem deduzir impugnação, juntando prova ( artº 1105º nº 2), tal tramitação é clara e precisa e visa a partilha justa. Permitir nos autos requerimentos, respostas e contra-respostas não possibilita atingir tal objectivo, pelo que somos em corroborar a decisão proferida que, ao abrigo de tais princípios, modelou e corrigiu a tramitação, competindo, em conformidade, à cabeça de casal apresentar a relação de bens que entenda corresponder aos bens que compõem o acervo hereditário, juntando a prova que entenda útil ou necessária. E, perante esta, podem os demais co-herdeiros reclamar contra a relação de bens apresentada, com fundamento na insuficiência, no excesso ou na inexactidão da descrição ou até do valor, apresentando prova. Pois é igualmente perante tais peças processuais e com base nas provas apresentadas, juntamente com os ónus de prova respectivos, que se procederá à instrução e por fim, se decidirá. Deste modo, improcede a apelação, devendo sim manter-se o desentranhamento ordenado, e caso a cabeça de casal não dê cumprimento ao previsto na realização da função que assumiu, devem ser retiradas as devidas consequências, ou por iniciativa dos demais interessados ou sob impulso do Tribunal. * IV. Decisão: Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos Réus e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos. Custas pela apelante. Registe e notifique. Lisboa, 6 de Março de 2025 Gabriela de Fátima Marques Teresa Pardal Nuno Lopes Ribeiro |