Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ARLINDO CRUA | ||
Descritores: | CITAÇÃO DAS PESSOAS COLECTIVAS FALTA DE CITAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/07/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Sumário I – No âmbito da citação das denominadas pessoas colectivas, conforme remissão operada pelo nº. 1, do artº. 246º, do Cód. de Processo Civil, a primeira opção ou modalidade legal é a citação (pessoal) postal inicial do artigo 228º, mas condicionada com as especificidades do nº. 2 daquele normativo, devendo a citação operar-se na sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas ; II – reflecte tal normativo a natureza especial das pessoas colectivas, num juízo em que a criação ou participação numa inculca e comporta ónus e deveres, cuja imputabilidade recai sobre o ente colectivo, o que enforma ou justifica a relevância que o mesmo normativo concede ao registo obrigatório da sede (e eventual mudança desta) ; III – a incondicional preferência legal, operada no Novo Código de Processo Civil – redacção conferida pela Lei nº. 41/2013, de 26/06 -, é a da citação na sede estatutária, contrariamente ao antecedente regime de alternatividade de citação igualmente na sede de facto ; IV –tendo passado a recair sobre as pessoas colectivas (e sobre as sociedades) o ónus de correspondência efectiva entre o local inscrito como sendo o da sua sede e aquele onde esta se situa de facto, o que as obriga a actualizá-lo, em caso de alteração, sob pena de, não o fazendo, a sua citação poder vir a ser operatória em local correspondente a uma antecedente sede ; V – para a verificação do vício de falta de citação, nos termos da alín. e), do nº. 1, do artº. 188º, do Cód. de Processo Civil, determinante da verificação de nulidade principal, exige-se que se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável ; VI – não bastando à invocante a alegação de que não teve conhecimento do acto de citação, sendo ainda mister que alegue, e prove, não só que tal aconteceu, mas ainda que sucedeu por circunstâncias que não lhe são imputáveis. Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]: I – RELATÓRIO 1 – A…………… LIMITED, executada nos autos de execução nº. 891/17.6T8OER, deduziu, em 01/06/2017, oposição mediante embargos de executado, na qual cumulou oposição à penhora, contra o Exequente ANTÓNIO ……………………, requerendo que os embargos, bem como a oposição à penhora, sejam julgados procedentes e, consequentemente: § “que seja reconhecida a inadmissibilidade da penhora e a extensão com que a mesma foi realizada e que, consequentemente, seja ordenada de imediato o levantamento da penhora efetuada, no montante de €11.000,00 (onze mil euros); § que seja reconhecida a nulidade da citação efetuada na ação declarativa de condenação de processo comum, com o número de processo 922/15.4T8CSC e, consequentemente, seja decretada a anulação de todo o processado posterior à petição inicial ; § que a Exceção Peremptória da prescrição seja julgada procedente, e em consequência, seja a Executada absolvida do pedido”. Alegou, em súmula (apenas na parte que ora importa), o seguinte: - serve de base aos presentes autos de execução sentença condenatória, alterada por acórdão da 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em sede de recurso de Apelação, no processo comum n.º 922/15.4T8CSC ; - no âmbito de tal Acórdão, a ora Executada A…………… Limited foi condenada a restituir a António ………….., aqui Exequente, a quantia de €6.748,20 (seis mil setecentos e quarenta e oito euros e vinte cêntimos), acrescida de juros à taxa legal aplicável a juros civis, desde 27/11/2006 até ao integral e efectivo pagamento, peticionando a Exequente o valor global de € 9.514,77 (nove mil quinhentos e catorze euros e setenta e sete cêntimos) ; - aquele valor de €6.748,20 corresponde ao valor facial da livrança n.º 500905479011445084, emitida em 19/02/2002, pelo Banco ……………, S.A. (doravante o “BANCO”), a favor de Ana ……………. e avalizada por António ………………, aqui Exequente, com data de vencimento em 24/02/2004 ; - decorrendo o seu preenchimento do incumprimento do contrato de crédito pessoal ILS1383203522 ; - no ano de 2004, o BANCO executa este título, por via do processo n.º 15794/04.6YYLSB, que correu termos na 2.ª Secção, do 1.º Juízo dos Juízos de Execução de Lisboa, tendo sido executada no mesmo processo a livrança emitida em 15/09/1999, pelo Banco Pinto & Sotto Mayor, S.A. (integrado por fusão no Banco Comercial Português, S.A.), com o valor facial de €325.993,21, a favor de Ana …………. e avalizada por António ……………….., aqui Exequente, com data de vencimento a 24/02/2004 ; - tendo ambas as livranças servido de título executivo ao processo executivo n.º 15794/04.6YYLSB ; - em 20 de Dezembro de 2005, os então Executados, Ana ……….. e António ……………… celebraram com o BANCO, um Contrato Promessa de Dação em Cumprimento ; - prometendo dar ao BANCO, em dação em cumprimento, a fracção autónoma designada pela letra ”E” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana com o artigo ..., da freguesia da Ericeira ; - e prometendo o BANCO exonerar aqueles, integralmente, pelo valor de €136.404,62 (cento e trinta e seis mil quatrocentos e quatro euros e sessenta e dois cêntimos), das seguintes responsabilidades: MLS314243153, MLS314245093, ILS1378958802, ILS1383203522 e saldo devedor na DDA 140130857 ; - concluindo-se, assim, ter o BANCO prometido exonerar, por dação em cumprimento, o aqui Exequente da responsabilidade ILS1383203522 que levou ao preenchimento da livrança n.º 500905479011445084, no valor de €6.748,20, cuja exigibilidade é agora discutida ; - todavia, apesar da supra prometida dação em cumprimento, em 28 de Junho de 2006, o BANCO celebrou com a INVESTMENTS ………………. um Contrato de Cessão de Créditos, no âmbito do qual o BANCO CEDEU OS CRÉDITOS decorrentes das duas livranças executadas no Processo n.º 15794/04.6YYLSB ; - consequentemente, e com fundamento contratual e legal, em 02/01/2007, a INVESTMENTS …………….. deduz o competente Incidente de Habilitação de Cessionário e, inexistindo oposição, aquele douto tribunal, por sentença proferida em 30 de Novembro de 2011, habilitou a INVESTMENTS ……………… a prosseguir nos termos da demanda, em substituição do então Exequente BANCO ; - em 27 de Novembro de 2006, ou seja, em MOMENTO POSTERIOR à celebração do Contrato de Cessão de Créditos, foi outorgada escritura pública de dação em cumprimento, sendo inegável que, o BANCO conhecia, ou não devia ignorar, que o crédito ILS1383203522 na origem do preenchimento da livrança n.º 500905479011445084, executada no processo n.º 15794/04.6YYLSB não poderia ser objecto, entre os restantes créditos, da dação em cumprimento ; - tendo o BANCO recebido indevidamente o valor do crédito, com a realização deste negócio jurídico, sendo que não foi comunicar tal pagamento, por via de dação em cumprimento, à execução que se encontrava a correr ; - a qual prosseguiu até ao mesmo vir a ser pago por penhora de pensão de reforma, não obstante já estar pago ; - ulteriormente, em 14 de Maio de 2010, a INVESTMENTS ……………… cedeu à A……… os já referidos créditos, conforme cópia de Contrato de 6/148 Cessão de Créditos e respectivo Anexo 3 ; - neste contexto contratual e de acordo com o disposto no artigo 376.º do Código processo Civil, tendo, perante total falta de contestação, sido a A………….. habilitada nos referidos autos de execução, para prosseguir na acção como Exequente, em substituição da INVESTMENTS …………….. ; - entretanto, o aqui Exequente deu entrada de acção declarativa de condenação de processo comum, contra o BANCO e contra a A……., com o número de processo 922/15.4T8CSC, que correu termos no J4, da Secção Cível, da Instância local de Cascais, da Comarca de Lisboa Oeste ; - sendo que o pedido formulado nesta acção assentou em enriquecimento sem causa, por entender o aqui Exequente que a livrança n.º 500905479011445084, cujo preenchimento decorreu do incumprimento do contrato de crédito pessoal ILS1383203522 terá, alegadamente, sido pago em duplicado ; - ou seja, que: a) O crédito ILS1383203522 foi pago ao BANCO, por via da dação em cumprimento, 27 de Novembro de 2006; E, b) O crédito ILS1383203522 foi pago à A………, por via de penhora de reforma, que decorreu no período de Fevereiro de 2012 a Outubro de 2014, num total penhorado de €10.097,66 (dez mil noventa e sete euros e sessenta e seis cêntimos) ; - nesta acção, o BANCO contestou por impugnação invocando que o Contrato de Cessão de Créditos à INVESTMENTS ………………., não englobou a quantia relativa à livrança em causa : - o que não corresponde à verdade, pois, conforme se comprova pelos documentos juntos, o BANCO efectivamente cedeu tais créditos ; - por sua vez, a A………….não contestou esta acção por falta de citação ; - o Tribunal, por sentença proferida em 11/04/2016, decidiu no sentido de absolvição da A………., atenta a cessão do crédito e no sentido da condenação do BANCO na restituição da quantia de €6.748,20, acrescida de juros à taxa legal aplicável a juros civis, desde 27.11.2006 até integral e efectivo pagamento ; - todavia, interposto recurso de apelação pelo Banco, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que, face à não contestação da ação pela A…….. deveria o tribunal a quo ter atendido aos efeitos da revelia ; - pelo que, à luz destes efeitos revogou a sentença recorrida e, em consequência, condenou a A…….. a restituir a quantia de €6.748,20, acrescida de juros à taxa legal aplicável a juros civis, desde 27.11.2006 até integral e efectivo pagamento ; - todavia, até à citação para a presente acção executiva, a ora Executava A……… desconhecia a tramitação processual que correu termos naquela acção declarativa de condenação em processo comum ; - e, por conseguinte, também não era do seu conhecimento, até este momento, o sentido da sentença proferida ao abrigo daquela acção e do posterior Recurso de Apelação do BANCO ; - o que sucedeu porque a A…….. não foi citada para a morada da sua sede social, ou seja, Belvedere, 12 Booth Street M24AW Manchester – United Kingdom ; - sendo que próprio Autor indica sua petição inicial: “(…) A……………. (doravante A…..), NIPC ..., com sede nos nº.s 20/22, Bedford Row – London WC1R4JS, UK - e com mandatária em Portugal, na pessoa da Ilustre advogada, Dra. Ana ……….., com escritório da Torre Colombo Ocidente, Rua … Lisboa (…)” ; · tendo vindo a ora Executada a tomar conhecimento que terá sido citada por motivos que lhe são alheios na Rua …, em Lisboa, em morada que não se afigura o correta ; - o que culminou no seu julgamento à revelia, com todas as consequências legais inerentes. Juntou 7 documentos. 2 – Conforme despacho de 04/10/2018 – cf., fls. 123 -, foram tais embargos recebidos, tendo-se determinado a notificação do Exequente para, querendo, contestá-los. 3 – A fls. 124 a 126, veio o Exequente apresentar contestação, aduzindo, em resumo, que: - no âmbito da acção declarativa, a A……., ora Executada, não contestou por que não quis ; - e não porque não tivesse sido citada e ou desconhecesse a existência de uma acção contra si ; - pelo que bem andou o juiz dos autos de processo declarativo em considerar realizada a citação da A………., ora Executada ; - bem como o Tribunal da Relação quando fez operar a revelia. Conclui, no sentido da improcedência dos embargos. Juntou 4 documentos. 4 – Pelo despacho de fls. 131, determinou-se a notificação da Embargante para juntar aos autos documento comprovativo da localização da sua sede, bem como esclarecer a que se refere a morada indicada num documento junto pelo Embargado. 5 – Em resposta, veio a Embargante, em 10/01/2019, apresentar o requerimento e documentos de fls. 135 a 145, com o seguinte teor: “A……………… LIMITED, Embargante, notificada que foi de douto despacho (V. Ref. 116504701), nos autos à margem referenciados, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte: 1. A ora Embargante, à data da citação, nos autos de processo comum n.º 922/15.4T8CSC, tinha como sua sede social a seguinte morada: 20-22 Bedford Row, London, United Kingdom, WC1R4JS; 2. Facto que aqui se comprova através de certidão do registo comercial (“Certificate of Incorporation of a Private Limited Company”), que aqui se junta como Documento n.º 1; 3. Bem como, através de cópia de Certidão de Identificação de Entidade Equiparada Estrangeira, com data de criação de 14/05/2010, a qual foi emitida pelo Registo Nacional de Pessoas Coletivas, que aqui se junta como Documento n.º 2; 4. Tendo sido à Embargante A……………. LIMITED, atribuído o NIPC ...; 5. Ressalve-se o conteúdo do identificado documento n.º 2, no que respeita à sua sede, cujo conteúdo aqui se transcreve: “Dados da Entidade: Nome da Entidade: A……………. LIMITED Sede: Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte” 6. Concomitantemente, não podia a aqui Embargante A……………..LIMITED, conhecer a tramitação processual que correu termos na ação declarativa de condenação em processo comum, bem como o sentido da sentença proferida ao abrigo daquela ação e ainda do posterior Recurso de Apelação; 3/21 7. Considerando que, por motivos que lhe são alheios, a citação terá sido remetida para a morada do antigo domicílio profissional da Mandatária, Advogada Ana ……………, sito na Rua …, em Lisboa; 8. Mandatária que, à data da citação na ação declarativa comum, que correu termos sob o n.º 922/15.4T8CSC, tinha como domicílio profissional: Torre Colombo Ocidente, Rua … Lisboa; 9. Ou seja, a citação não foi efetuada nem para a morada correta da sede da Embargante, nem para a morada correta do domicílio profissional da Mandatária; 10. Concluindo-se que, a morada oferecida pelo Embargado no documento n.º 2 da sua Contestação não se afigura correta! 11. Acresce que, a ora Embargante ARROW …………….LIMITED não pode deixar de informar os presentes autos que tem a sua atual sede em Belvedere 12, Booth Street, Manchester, United Kingdom, M2 4AW, conforme cópia de certidão do registo comercial (“Change of Registered Office Address”), datada de 19/09/2016, que aqui se junta como Documento n.º 3. 12. Morada na qual foi a Embargante efetivamente citada, para os presentes autos, conforme seu requerimento junto em 10/04/2018 (Ref. 28781555). Junta: 3 (três) documentos”. 6 – Notificadas as partes da oficiosa junção aos autos de elementos documentais do processo nº. 922/15.4T8CSC, para se pronunciarem, querendo, veio a Embargante fazê-lo em 02/03/2020, expondo o seguinte (tal requerimento possui dois números 7 e três números 8): “A……………. LIMITED, Embargantes nos autos acima referenciados, notificada da junção aos autos dos documentos solicitados por douto despacho (V. Ref: 123121222), vem, mui respeitosamente, expor e requerer: 1. Reitera desde logo a Embargante, toda a defesa já esgrimida nos presente autos, quanto à falta de citação, a qual por mero motivo de economia processual vem, em curtas linhas, reafirmar à luz da ora junta documentação. 2. A Embargante, à data da citação, nos autos de processo comum n.º 922/15.4T8CSC, e conforme certidão de registo comercial já junta, tinha como sua sede social a morada de: 20-22 Bedford Row, London, United Kingdom, WC1R4JS. 3. Morada essa, aliás, constante da Certidão de Identificação de Entidade Equiparada Estrangeira, na qual lhe foi atribuído o NIPC ..., conforme documento já junto com requerimento apresentado com a referência 13883925. 4. Morada essa, inclusivamente, indicada pelo próprio autor na sua petição inicial. 5. Não obstante, não se verifica qualquer tentativa de citação para a morada então indicada pelo Autor na petição inicial, mas sim, 5. um conjunto de tentativas de notificação, junto do anterior domicílio da ora mandatária, sito na Rua … Lisboa. 6. Nesta senda, reitera a Embargante que nunca deteve a sua sede social na morada supra mencionada, representando esta apenas e tão-somente o anterior domicílio profissional da sua mandatária, a qual, à data dos atos já detinha inclusivamente um domicílio diferente. 7. Domicílio esse, que aliás resultava, também erradamente, desde logo na Petição inicial no preenchimento da identificação eletrónica das partes em formulário próprio na plataforma Citius. 8. No entanto, não se verifica, mais uma vez qualquer tentativa de citação da ora Embargante, nem mesmo na morada da identificação eletrónica das partes, mas sim em morada díspar, sem que nada o faça, da documentação ora junta, prever. 7. Aliás, da documentação em causa, se verifica que a 1 de Abril de 2015, foi realizada mera pesquisa a informação quanto à ora Embargante, na plataforma eletrónica https://pis.mj.pt. 8. Tendo sido utilizada a, reitera-se, errónea informação de uma “morada” na Rua … Lisboa, uma vez que a Embargante nunca apresentou sede na morada da mesma constante. 8. No entanto, certamente por considerar a ora informação por insuficiente e falível, foi a 29-04-2015 proferida conclusão pugnando pela obtenção da “certidão permanente da R. Arrow, abrindo de seguida, nova conclusão.”. 9. No entanto, não se verifica na documentação ora disponibilizada a realização de tal ato ou qualquer conclusão sobre o mesmo, pelo que se entende nunca este ter decorrido. 10. Face ao exposto, persiste a nulidade da citação efetuada na Acão declarativa de condenação de processo comum, com o número de processo 922/15.4T8CSC e, consequentemente, deverá ser decretada a anulação de todo o processado posterior à petição inicial”. 7 – Em 23/10/2020 – cf., fls. 228 -, decidiu-se o seguinte: § foi dispensada a realização da audiência prévia ; § foi proferido saneador stricto sensu ; § foi fixado o valor da causa ; § foi proferido saneador-sentença, em cuja Decisão consta que: “Pelo exposto, julgam-se os embargos totalmente improcedentes. Custas pela embargante. Registe e notifique”. No âmbito desta sentença considerou-se: - improcedente a invocada excepção de falta de citação ; - improcedente a invocada excepção de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa ; - improcedente a oposição à penhora. 8 – Inconformada com o decidido, a Executada/Embargante interpôs recurso de apelação, em 25/11/2020, por referência à decisão prolatada. Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES: “A. O presente recurso tem por objeto a sentença proferida, em 23-10-2020, a qual determinou a improcedência total dos embargos deduzidos. B. Contudo, o Tribunal a quo fez, salvo melhor opinião, uma incorreta interpretação das disposições legais aplicáveis, nomeadamente do artigo 246.º do Código de Processo Civil, com a qual a Recorrente não pode, por conseguinte, concordar. C. Assim sendo, deve proceder-se à realização de um novo exame jurídico da questão suscitada, de forma a promover a adequada e célere realização e aplicação do Direito ao caso concreto, revogando-se, em consequência, a sentença recorrida. D. Conforme o exposto no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, disponível em www.dgsi.pt, relativo ao processo n.º 3073/16.0T8STB, datado de 28-03-2019, o qual dispõe: “I - Relativamente à citação de pessoas coletivas, o CPC de 2013 instituiu a regra da sua citação na sede estatutária constante do ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, cuja inscrição nesse ficheiro seja obrigatória (art. 246.º, n.º 2, do CPC e arts. 1.º e ss. do DL n.º 129/98, de 13-05). II - Enviada a carta registada com aviso de receção para a sede legal da pessoa coletiva pode suceder que a carta seja entregue a representante legal ou a um empregado ou seja por estes recusada a assinatura do aviso de receção ou mesmo o recebimento da carta. Em qualquer destas situações, tem-se a citação (pessoal) por efetuada (art. 223.º, n.º 3, do CPC). 10/11 III - Se, no entanto, a carta para citação da pessoa coletiva, ainda que enviada para a sua sede estatutária, for recebida por terceira pessoa, sem qualquer vínculo à sociedade, é de presumir, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário e que este teve conhecimento dos elementos que foram deixados ao terceiro (arts 225.º, n.º 4, 228.º, n.os 2, 3 e 4, 230.º, n.º 1, e 246.º, n.º 1, do CPC).” (sublinhado nosso). E. Conforme vem sendo demonstrado no decorrer das presentes alegações de recurso, é manifesta a incorreta interpretação do Tribunal A Quo, relativamente ao artigo 246.º do Código de Processo Civil, a qual gera um prejuízo desproporcional e injustificado à Recorrente, bem como prejudica de forma grave os direitos da mesma. F. Assim, a Recorrente continua a ter razões, de facto e de direito, já apresentadas nos Embargos de Executado acima mencionados, para acreditar que a citação da Recorrente nunca se concretizou. G. Conclui-se, assim, que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 246.º do Código de Processo Civil, razão pela qual deverão V. Exas. conceder provimento ao presente recurso de apelação, revogando, em consequência, a sentença recorrida, substituindo-a por outra julgue totalmente procedente os Embargos apresentados”. Conclui, no sentido da procedência dos embargos, devendo ser revogada a sentença recorrida, “por violação do disposto no artigo 246º do Código de Processo Civil, substituindo-se por outra que decrete totalmente procedente os Embargos de Executado”. 9 – Não consta que o Recorrida tenha apresentado contra-alegações. 10 – O recurso foi admitido por despacho datado de 29/01/2021, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo. 11 – O Exmo. Relator, a quem os autos foram distribuídos nesta Relação, determinou, por despacho de 19/11/2021, a baixa dos presentes autos à 1ª instância, para junção de uma certidão considerada essencial para a apreciação do presente recurso. 12 – Retornados os autos à presente Relação, e perante a posterior jubilação do Sr. Relator, procedeu-se à sua redistribuição. 13 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir. * II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que: “1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas ; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”. Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede, limitada à ponderação de matéria de direito, consiste em apreciar se existe, quanto à Executada/Embargante/Apelante, falta ou nulidade de citação para a acção declarativa condenatória, na qual se formou o título executivo (concretamente, a sentença judicial dada em execução). O que determina o concreto e efectivo conhecimento das seguintes questões: § da incorrecta interpretação do artº. 246º, do Cód. de Processo Civil e do incumprimento do nº. 2 de tal normativo ; § da ocorrida falta de citação na acção declarativa nº. 922/15.4T8CSC. * III - FUNDAMENTAÇÃO A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A factualidade a ponderar é a que resulta do iter processual supra exposto, à qual se adita, nos termos dos nºs. 3 e 4 do artº. 607º, ex vi do nº. 2, do artº. 663º, ambos do Cód. de Processo Civil, e tendo por base a prova documental junta, os seguintes FACTOS PROVADOS: I) Na acção declarativa, sob a forma de processo comum, nº. 922/15.4T8CSC, figurou como Autor António ……………… e como Ré/demandada (para além de outra) A……………., Limited – cf., certidão da p.i. junta aos autos a fls. 165 vº. a 170, replicada a fls. 354 vº. a 359 ; II) Surgindo tal demandada, no cabeçalho de tal articulado, identificada nos seguintes termos: “A………………, LIMITED, (doravante A……….), NIPC nº. ..., com sede nos nºs. 20/22, Bedford Row – London WC1R4JS, UK – e com mandatária em Portugal, na pessoa da ilustre advogada, Dra. Ana …………., com escritório na Torre Colombo Ocidente, Rua … LISBOA” - cf., certidão da p.i. junta aos autos a fls. 165 vº. a 170, replicada a fls. 354 vº. a 359 ; III) Nos mesmos autos, em 01/04/2015, foi enviada, para citação da identificada demandada, carta registada com AR, para a seguinte morada: “Rua ..., Edf Alto das Amoreiras 1250-133 Lisboa” – cf., certidão de fls. 193, replicada a fls. 350 ; IV) Tendo tal carta sido devolvida ao remetente, em 07/04/2015, com a menção de “mudou” - cf., certidão de fls. 192 vº., replicada a fls. 350 vº. ; V) No dia 08/04/2015, foi enviada nova carta registada com aviso de recepção à citanda – citação via postal 2ª tentativa -, constando como assunto “Citação Pessoas Colectivas – art. 246º do CPC”, para a mesma morada, ou seja, “Rua ..., Edf Alto das Amoreiras 1250-133 Lisboa” – cf., certidão de fls. 164 vº. e 165, replicada a fls. 351 ; VI) Constando do verso do aviso de recepção da mesma a seguinte DECLARAÇÃO: “No dia 13-4-15 às 11.45 Na impossibilidade de Entrega depositei no Receptáculo Postal Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ela referente” - cf., certidão de fls. 163. e 165, replicada a fls. 353 vº. ; VII) Tal carta registada, foi devolvida ao remetente, constando do rosto da mesma a menção de “desconhecido”, bem como carimbo aposto pelos CTT, com a seguinte redacção: “Depois de devidamente entregue voltou ao Correio com a nota (imperceptível)….e sem nova franquia”, figurando ainda anotada a “data” – 14/4/15 -, o número de “giro” e uma “assinatura” - cf., certidão de fls. 163 vº., replicada a fls. 352 ; VIII) No âmbito da mesma acção declarativa, em 29/04/2015, foi proferido o seguinte despacho: “Obtenha certidão permanente da R. A…., abrindo, de seguida, nova conclusão” - cf., certidão de fls. 222, replicada a fls. 354 ; IX) E, em 04/05/2015, consignou-se o seguinte despacho: “Considero realizada a citação da R. A……………. Limited, nos termos do artº. 246º, do CPC. Aguarde-se pelo decurso do prazo para contestação” - cf., certidão de fls. 221 vº. ; X) No âmbito do mesmo processo, em 01/04/2015, foi efectuada pesquisa pelo NIPC ao TMenu das pessoas colectivas – https://pis.mj.pt -, tendo resultado como morada da A………….. Limited, a seguinte: “Rua ..., Lisboa” - cf., certidão de fls. 348 vº e 349. ; XI) Em 05/05/2010, a A………….. Limited encontrava-se registada em Inglaterra e Gales como tendo a sua sede em: “20-22 Bedford Row London United Kingdom WC1R 4JS” - cf., doc. junto a fls. 136 vº e 137 ; XII) Conforme cópia de Certidão de Identificação de Entidade Equiparada Estrangeira, emitida pelo Instituto dos Registos e do Notariado – Registo Nacional de Pessoas Colectivas, com data de criação de 14/05/2010, constam os seguintes dados da entidade A…………….. Limited: “Sede: Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte Acto declarado para o pedido de identificação: Prática de acto isolado em Portugal Acto identificado: Abertura de conta bancária” - cf., doc. junto a fls. 144. * B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO I) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS - Da modalidade de citação (in)operada Nos presentes autos de oposição à execução, mediante embargos, aduziu a Embargante A………………. Limited, ora Apelante/Recorrente, como um dos fundamentos, a sua alegada falta de citação no âmbito da acção declarativa, na qual se constituiu o título executivo – sentença – ora dado em execução. Invocou, em súmula, o seguinte: § Até à citação para a acção executiva, desconhecia a tramitação processual da acção declarativa de condenação, correspondente ao processo nº. 922/15.4T8CSC ; § O que aconteceu em virtude de não ter sido citada para a morada da sua sede social, ou seja, Belvedere, 12 Booth Street M24AW Manchester – United Kingdom ; § Tendo sido citada, por motivos que lhe são alheios, para uma morada não correcta, nomeadamente para a Rua ..., em Lisboa ; § Sendo que, nos autos de execução, em 12/04/2017, foi citada para a morada ora indicada, ou seja, Belvedere, 12 Booth Street M21AW Manchester – United Kingdom. Na contestação aos embargos, o Embargado/Exequente, ora Apelado, referenciou, em resumo, que: - A embargante contesta e confessa ao mesmo tempo (cf., os artigos 38º e 46º dos embargos), pelo que acaba por confessar-se citada para a acção declarativa ; - Tem a mesma embargante/executada negócios em Portugal, com a denominação A…………. Portugal, possuindo em Londres ou Manchester a denominação de A…………. Global ; - Sendo que tem NIPC dado pelas autoridades portuguesas ; - Na data da citação par a acção declarativa – Maio de 2015 – tinha o seu domicílio profissional em Portugal na Rua ..., Lisboa. Notificada a Embargante para prestar esclarecimentos relativamente à localização da sua sede, a fls. 135 e 136 veio referenciar, em resumo, o seguinte: - À data da citação para a acção declarativa nº. 922/15.4T8CSC – Maio de 2015 -, tinha a sua sede social na seguinte morada: “20-22 Bedford Row, London, United Kingdom, WC1R 4JS” (alterando, assim, o aduzido em sede de petição inicial de embargos, onde referenciava que a citação deveria ter ocorrido para a morada da sua sede social, que indicou como sendo Belvedere, 12 Booth Street M21AW Manchester – United Kingdom) ; - O que sucederia, conforme doc. nº. 1 junto, pelo menos desde 05/05/2010 ; - Comprovando, ainda, tal morada, o teor da certidão de identificação de entidade equiparada estrangeira, emitida pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas (Instituto dos Registos e Notariado), junto como doc. nº. 2, donde consta, quanto à sede da entidade A……………… Limited, a menção de “Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte” (e não propriamente a menção a qualquer morada específica ou concreta) ; - Todavia, a citação na acção declarativa foi enviada para a morada do antigo domicílio profissional da sua mandatária, ou seja, Rua ..., Lisboa ; - Sendo que esta, à data daquela citação, já tinha como domicílio profissional Torre Colombo Ocidente, … 1500-392 Lisboa” ; - Mencionando, ainda, que presentemente a sua sede é Belvedere, 12 Booth Street M24AW Manchester – United Kingdom (o que acontecerá, conforme documento junto a fls. 144 vº., pelo menos, desde 19/09/2016). Por sua vez, o saneador sentença apelado raciocinou mediante o seguinte discurso: - a carta de citação foi enviada, em 01/04/2015, para a morada constante do registo consultado - Rua ..., Lisboa -, que não corresponde à indicada no artº. 46º da petição de embargos ; - tal carta não foi entregue, pelo que foi enviada nova carta, para a mesma morada constante do registo consultado - Rua ..., Lisboa -, depositada em 13/04/2015, que viria posteriormente a ser devolvida aos correios ; - a carta registada com aviso de recepção para citação de pessoas colectivas é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas, conforme o nº. 2, do artº. 246º, do Cód. de Processo Civil ; - tendo sido cumpridas as formalidades legais – depósito da 2ª carta na morada constante do ficheiro -, não se verifica a invocada falta de citação, o que determina a improcedência da invocada excepção. A Recorrente Embargante questiona tal entendimento, o que radica, essencialmente, no seguinte argumentário: - Não foi feita uma correcta interpretação das disposições aplicáveis, nomeadamente do artº. 246º, do Cód. de Processo Civil, pelo que se impõe um novo exame jurídico da questão suscitada ; - Não existiu qualquer tentativa de citação da Recorrente para a sua sede, existindo, apenas, tentativas de citação para o antigo domicílio da sua mandatária ; - Pelo que, com a expedição de tais cartas, por reporte ao endereço Rua ..., Lisboa, não se deu cumprimento ao estatuído no nº. 2 do citado artº. 246º ; - Existindo, assim, falta de citação da Recorrente/Apelante/Embargante, que deverá conduzir à revogação da sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra que decrete a total procedência dos embargos. Atentos os diferenciados entendimentos, urge então aferir se existiu falta de citação da Embargante, no âmbito da acção declarativa condenatória, onde se formou a sentença ora dada em execução. Analisemos. A secção II – referente a citação e notificações -, do capítulo II – relativa a actos especiais -, do título I – respeitante aos actos processuais -, do livro II – relativo ao processo em geral – do Código de Processo Civil, prevê acerca: § das disposições comuns – artºs. 219º a 224º (subsecção I) ; § da citação de pessoas singulares – artºs. 225º a 245º (subsecção II) ; § da citação de pessoas colectivas – artº. 246º (subsecção III). Para a análise do caso sub júdice, assume particular relevo o prescrito neste artigo 246º, o qual estatui que: “1 - Em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente subsecção, à citação de pessoas coletivas aplica-se o disposto nas subsecções anteriores, com as necessárias adaptações. 2 - A carta referida no n.º 1 do artigo 228.º é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas. 3 - Se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência. 4 - Nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º. 5 - O disposto nos n.os 3 e 4 não se aplica às citandas cuja inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas não seja obrigatória. 6 - Quando a citação for efetuada por via eletrónica, nos termos do n.º 5 do artigo 219.º, não é aplicável a dilação a que se refere o artigo anterior”. E, nomeadamente e com especial enfoque, o disposto no transcrito nº. 2, ao consagrar a regra segundo a qual a carta registada com aviso de recepção destinada a citar a pessoa colectiva é endereçada para a sede inscrita no Registo Nacional de Pessoas Colectivas. Apreciando acerca da sequência das diligências de citação, nos casos em que o citando está sujeito a inscrição obrigatória no ficheiro central de pessoas colectivas, referencia Rui Pinto [2] que “a primeira modalidade é a citação (pessoal) postal inicial do artigo 228º mas com as especialidades do nº. 2: citação na sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas”. Acrescenta que nos casos em que se frustre tal citação, por motivo diferenciado do mencionado no nº. 3 – recusa da assinatura do aviso de recepção ou do recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda -, “procede-se à repetição da citação postal mediante envio de nova carta registada com aviso de receção”. Situação em que “(i) a citação considera-se efectuada por depósito na caixa do correio na data certificada pelo distribuidor do serviço postal devendo o distribuidor do serviço postal certificar a data e o local exato em que depositou o expediente e remeter de imediato a certidão ao tribunal ; ou (ii) no caso de ter sido deixado aviso por impossibilidade de depósito ao abrigo do artigo 229º nº 5 in fine a citação considera-se efectuada no 8º dia posterior a essa data, presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados – a carta, de modelo oficial, contendo cópia de todos os elementos referidos no artigo 227º”. Acrescentam Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro [3] que “o regime previsto neste artigo está desenhado à imagem das pessoas colectivas, refletindo a sua natureza especial. A criação de uma pessoa coletiva – ou a participação numa – comporta ónus e deveres, subjectivamente imputáveis ao ente colectivo, assim se explicando a relevância aqui dada ao registo obrigatório da sede”. Por sua vez, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre [4] referenciam que “acompanhando a evolução verificada no âmbito do direito das sociedades, o DL 329-A/95 introduziu a sede de facto (local onde funciona normalmente a administração) como local onde pode ser efectuada a citação (ou notificação) da pessoa colectiva, em alternativa à citação na sede estatutária e antes de se tentar a citação na residência ou no local de trabalho do representante”. Todavia, acrescentam, que com as alterações introduzidas no Código de Processo Civil em 2013, “cessa a alternativa e regressa-se à citação na sede estatutária, constante do ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Colectivas (…)” (sublinhado nosso). Assim, nos casos descritos no nº. 4 de tal normativo, em que a evolução do expediente ocorre por motivo diferenciado do previsto no nº. 3 - recusa da assinatura do aviso de recepção ou do recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda -, “é deixado aviso, se possível, aplicando-se os nºs. 5 e 7 do art. 228. Devolvido o expediente, também se se tratar de pessoa colectiva cuja inscrição no Registo Nacional de Pessoas Colectivas é obrigatória, é repetida a citação, mediante nova tentativa de citação postal, desta vez com a cominação de que a citação se considera efetuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal, ou, se tiver que ser deixado aviso, no 8º dia posterior a essa data (art. 230-2). Não sendo de novo possível a entrega da carta, por motivo diferente de recusa, o distribuidor postal deposita a carta em local que certifica ou, sendo isso impossível, deixa aviso nos termos do art. 228-5 (art. 229-5), considerando-se feita a citação (pessoal (…)) na data referida no art. 230-2. Também este ponto de regime é, pois, idêntico ao da citação em domicílio convencionado (art. 229, nºs. 4 e 5)”. Entendimento que é replicado por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa [5], acrescentando que, “nos termos do nº. 2, incumbe à secretaria aceder à base de dados e averiguar qual a sede estatutária da pessoa colectiva para onde será remetida a citação postal, observando-se o disposto nos arts. 227º e 228º, nº. 1” (sublinhado nosso). Ajuizando acerca da controvérsia em equação nos presentes autos, enunciemos, exemplificativamente, o exposto nos doutos arestos, que ora se expõem de forma cronológica (todos in www.dgsi.pt): - da RL de 17/11/2015 – Relatora: Rosa Ribeiro Coelho, Processo nº. 2070/13.2TVLSB-B.L1-7 -, no qual se exarou que contrariamente do que constava do antecedente nº. 1, do artº. 236º, do Cód. de Processo Civil revogado, impõe presentemente a lei “a expedição da carta de citação para a sede inscrita no ficheiro central do Registo Nacional e passou a prever – nº 4 do mesmo preceito - que em qualquer caso poderia proceder-se ao depósito da carta nos termos previstos no nº 5 do art. 229º”, e não apenas nos casos de domicílio convencionado. Acrescenta ter passado a recair sobre as pessoas colectivas (e sobre as sociedades), “o ónus de garantir a correspondência entre o local inscrito como sendo a sua sede e aquele em que esta se situa de facto, atualizando-o com presteza, a fim de evitar que à sua citação se venha a proceder em local correspondente a uma sede anterior”. Donde, poder afirmar-se ter deixado de “ser tolerada uma situação de “clandestinidade”, com a manutenção indefinida, voluntariamente ou por simples negligência dos órgãos competentes, de uma sede desatualizada, em prejuízo de terceiros ou do Estado”. Assim, a vigente previsão legal “passou a fazer impender sobre a pessoa coletiva o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento, em tempo oportuno, uma citação que lhe seja enviada por um tribunal, o que poderá fazer por qualquer meio à sua escolha, como sejam, a periódica e regular inspeção do seu antigo recetáculo postal, o acordo estabelecido com o novo detentor do local das suas anteriores instalações, no sentido do aviso de recebimento ou da entrega do expediente, ou a contratação do serviço de reexpedição junto dos CTT. Todavia, porque nenhum destes meios – ou outros que possam conceber-se – tem relevância legal, o risco da sua eventual falha sempre correrá por conta da entidade citanda que poderá vir a ser citada sem disso tomar efetivo conhecimento”. Ressalva que tal exigência não se configura como “insuportável ou particularmente severa, pois que no caso teria bastado que a ré tivesse tomado a deliberação de mudança de sede e procedido ao seu registo em tempo devido”. Pelo que, “não o tendo feito, deve-se a motivo que lhe é imputável o facto de não ter tido conhecimento da citação realizada, não podendo ter-se como verificada a hipótese de falta de citação prevista na al. e) do nº 1 do art. 188º” (sublinhado nosso) ; - da RL de 20/10/2016 – Relatora: Teresa Prazeres Pais, Processo nº. 1243/14.5TVLSB.L1-8 -, que reafirmou o entendimento exposto no antecedente aresto, no sentido de ter passado a recair sobre as pessoas colectivas (e sociedades), “o ónus de garantir a correspondência entre o local inscrito como sendo a sua sede e aquele em que esta se situa de facto, atualizando-o com presteza, a fim de evitar que à sua citação se venha a proceder em local correspondente a uma sede anterior”. O que implica, nos termos expostos, ter a vigente solução legal passado a fazer “impender sobre a pessoa colectiva o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento, em tempo oportuno, uma citação que lhe seja enviada por um tribunal”. Todavia, no caso ali analisado, a sociedade apelante havia a reexpedição do correio aos CTT (o que se encontrava vigente no período em que lhe foram remetidas as cartas de citação), não tendo este cumprido o acordado, pelo que se concluiu que aquela “não teve conhecimento da citação por facto imputável a terceiro”. Por outro lado, também a apelada havia, na pendência dos autos, dado informação acerca da nova morada da sede da Ré, o que o aresto considerou que deveria ter sido comprovado, não se devendo o Tribunal a quo ter “escudado em critérios, puramente formalistas, quando estava ao seu alcance a referência material para garantir a defesa da Ré”. Donde, “se o Tribunal tivesse prestado atenção a esta informação, sempre poderia ter tido o cuidado de confirmar junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas a nova alteração da morada da sede social, tal como está previsto no artº 6 al d) e 11 nº 1 do Dl nº 129/98 de 13 de Maio” (sublinhado nosso) ; - da RL de 07/12/2016 – Relator: Ezagüy Martins, Processo nº. 2044/16.1T8SNT-B.L1-2 -, ao ajuizar que “determinando a lei de processo que a citação de “pessoa coletiva” se faça por reporte à sede constante do ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, assim abandonando a consideração da sede de facto – e não estando agora aqui em causa a hipótese de domiciliação convencionada para efeitos de citação, previsto no artigo 229º, do Código de Processo Civil – fica estabelecida, sendo tal inscrição obrigatória, como é o caso, a irrelevância, no plano da citação, da expedição de carta para citação dirigida a morada que, tendo sido a sede da sociedade comercial citanda, já deixou de o ser há vários anos à data de tal expedição, de acordo com o constante do FCRNPC”. Situação que, conclui, considera “equiparável à de completa omissão do ato de citação” (sublinhado nosso) ; - da RC de 12/12/2017 – Relator: Vítor Amaral, Processo nº. 565/12.4TBSRT-A.C1 -, em que se ajuizou situação concreta com manifesta atinência ao caso sub júdice. Efectuando a análise do transcrito artº. 246º, do Cód. de Processo Civil, acerca da citação das pessoas colectivas, referencia impor-se a distinção “entre pessoas coletivas citandas sujeitas a inscrição obrigatória no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas e pessoas coletivas não sujeitas a tal obrigação de inscrição”, sendo que, “tratando-se de pessoa coletiva sujeita à obrigatoriedade de inscrição, deve proceder-se à citação (pessoal) postal, na sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas (cfr. art.ºs 228.º, n.º 2, e 223.º, n.ºs 1 e 3, ambos do NCPCiv.)”. Acrescenta ter a 1ª instância considerado “que a sociedade Opoente/Apelante é pessoa coletiva de inscrição obrigatória naquele ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, razão pela qual considerou validamente realizada a citação ao abrigo do disposto no art.º 246.º, mormente o seu n.º 4, do NCPCiv.”. E, não tendo a sociedade apelante, inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, referenciando “que inexistisse tal obrigatoriedade de inscrição sua de âmbito/pendor registal (dito ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Coletivas)”, deve concluir-se estar, a mesma, ao tempo da citação, “sujeita à obrigatoriedade de inscrição de âmbito registal, quanto ao aludido ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Coletivas. Por isso, vale a sede levada, ao tempo, a esse registo, aplicando-se, como entendido na sentença recorrida, o disposto nos n.ºs 2 a 4 do art.º 246.º do NCPCiv., normação especial aplicável à citação das sociedades obrigadas a inscrição no ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Coletivas”. Donde, acrescenta, mostrando-se cumpridas as formalidades enunciadas naquele artº. 246º, “não se impunha o recurso à citação através de agente de execução ou funcionário judicial ou sequer a citação edital. Donde que não ocorra vício de citação na ação declarativa”. Efectivamente, “observadas as formalidades a que aludem os n.ºs 2 a 4 daquele normativo legal (em conjugação com o n.º 5 do art.º 229.º e o n.º 2 do art.º 230.º), a citação postal considera-se efetuada, ainda que a correspondência, depois de depositada no recetáculo postal, venha a ser devolvida, operando, ainda assim, a presunção legal – não ilidida (a Apelante não mostra que a carta deixada no recetáculo postal correspondente à sua sede de então não chegou ao seu conhecimento e que não foi por si, ou por alguém a seu mando, devolvida) – de que a destinatária teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados”. Donde, julgou improcedentes “os argumentos da Apelante em contrário, só podendo concluir-se, salvo o devido respeito, pela não demonstração de falta ou nulidade de citação. Assim, naufraga a oposição e subsiste, incólume, a execução, nada havendo a censurar à decisão impugnada” (sublinhado nosso) ; - do STJ de 28/03/2019 – Relatora: Maria do Rosário Morgado, Processo nº. 3073/16.0T8STB-A.E1.S2, citado nas alegações de recurso -, o qual consignou que “relativamente à citação de pessoas coletivas, o CPC de 2013 instituiu a regra da sua citação na sede estatutária constante do ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, cuja inscrição nesse ficheiro seja obrigatória - cf. n° 2 do art. 246°, do CPC e os arts. Io e ss. do DL n° 129/98, de 13/5”. No caso ali apreciado, e “como fundamento da revisão da sentença proferida na ação principal, a recorrente (sociedade anónima, e, como tal, sujeita a inscrição no rnpc) veio precisamente alegar factos tendentes a demonstrar que, não obstante a carta ter sido enviada para a sua sede legal, sem culpa sua. não tomou conhecimento do ato de citação, dado que a pessoa que assinou o aviso de receção não lhe entregou a carta, nem lhe transmitiu o seu conteúdo. Mais alegou que a pessoa em causa não era representante legal da sociedade nem seu empregado”. Situação em que, “constituindo a citação pressuposto necessário do exercício do direito de defesa que a garantia constitucional de acesso à justiça postula, a ilidibilidade da presunção estabelecida, nos termos já referidos, não pode deixar de ser assegurada” ; - da RG de 16/01/2020 – Relator: Paulo Reis, Processo nº. 3873/19.0T8VNF-A.G1 -, considerando ser aplicável à citação da ali recorrente o disposto nos nºs. 2 a 4 do Cód. de Processo Civil, enquanto regime especial que regula a citação das pessoas colectivas obrigadas a inscrição no ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Colectivas. Nesta situação, cabia, então, à “secretaria do Tribunal aceder à base de dados e averiguar qual a sede estatutária da pessoa coletiva para onde deverá ser remetida a citação postal, observando-se o disposto nos arts. 227.º e 228.º, n.º1”. Tentada a citação, constatou-se, então, que “a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta não foi recusada por qualquer funcionário ou representante legal da citanda, nos termos previstos no artigo 246.º, n.º 3, do CPC, certo é que se observa ainda que a primeira carta enviada foi devolvida por outro motivo (que não o indicado no referido n.º 3), pelo que tem aplicação o disposto no n.º 4 do referido artigo 246.º do CPC, sendo, por isso, repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-se da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º. E, tal como entendeu - e bem - a decisão recorrida, na situação em apreciação foram efetivamente observadas as formalidades antes enunciadas. Assim, verificada a morada da sede da requerida inscrita no ficheiro central do registo Nacional de Pessoas Colectivas, foi tentada uma primeira citação para essa morada, tendo a carta registada com A/R sido devolvida. Foi então efetuada uma segunda remessa, de cujo depósito no respetivo recetáculo postal foi feita certificação pelo distribuidor do serviço postal, com a data de 27-06-2019, às 10:30, constando da certificação exarada no correspondente A/R, entretanto junto aos autos, o seguinte: «Na impossibilidade de Entrega depositei no Recetáculo postal Domiciliário da morada indicada a citação a ela referente». Mais resulta dos elementos constantes dos autos que da carta enviada e depositada consta as advertências legais, designadamente a cominação de que a citação se considera efectuada na data certificada pelo distribuidor postal, presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados. Como tal, deve entender-se que foram observadas pelo Tribunal a quo as formalidades legais para a citação da requerida, devendo considerar-se a mesma validamente efetuada”. Questionou, seguidamente, se não existiria falta de citação, com enquadramento na alínea e), do nº. 1, do artº. 188º, do Cód. de Processo Civil, onde se exige que se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável. Com efeito, “a conclusão de que a citação da requerida/apelante se deve considerar realizada na data em que foi certificado o depósito da carta no recetáculo postal da sede da ré que consta do ficheiro do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, por aplicação do regime previsto no artigo 246.º, n.º 4, do CPC, conjugado com o artigo 230.º, n.º 2, do CPC, implica a presunção de que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados”. Donde, incumbia à destinatária da citação “o ónus de alegar e provar que não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável”, ou seja, estava sob o seu encargo a alegação de factualidade relevante que permitisse concluir “que o eventual desconhecimento do ato de citação, consubstanciado no certificado depósito da carta no receptáculo postal da sede da ré que consta do ficheiro do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, só aconteceu devido a facto que não lhe é imputável”. Efectivamente, para que ocorra falta de citação, “nos termos do artigo 188.º, n.º1, al. e), do CPC não basta a alegação pela requerida/citanda de que não teve conhecimento do ato de citação, revelando-se ainda necessário que aquela alegue e demonstre não só que tal aconteceu, mas ainda que sucedeu devido a circunstâncias que não lhe são imputáveis” (sublinhado nosso). - Da nulidade principal de falta de citação Ora, no âmbito do enquadramento que vimos efectuando, urge, ainda, aferir acerca do regime das nulidades principais, nomeadamente a que decorre de falta de citação, estatuindo a alínea a), do artº. 187º, do Cód. de Processo Civil, ser “nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta: a) quando o réu não tenha sido citado”. Acrescenta a alínea e), do nº. 1, do normativo seguinte – 188º - ocorrer “falta de citação: e) quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável”, referenciando o artº. 189º que se o réu “intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade” [6]. Deste modo, atento o exposto quadro legal, “se o réu conseguir ilidir a presunção de cognoscibilidade ou conhecimento do acto, ocorrerá o vício de falta de citação, nos termos da alínea e) do art. 195º” [7]. Nulidade que é, prima facie [8], de conhecimento oficioso, a não ser que se deva considerar sanada – cf., artº. 196º -, sendo que “a natureza recetícia do ato, constituindo a citação pressuposto necessário do exercício do direito de defesa, justifica o tratamento do caso como falta de citação. A ausência, por exemplo, do citando durante todo o prazo para a contestação, sem contacto com a pessoa que tenha recebido a citação ou com pessoa que lhe comunicasse a afixação da nota de citação ou a receção da carta expedida nos termos do art. 233, pode por ele ser alegada e provada, sem prejuízo de o tribunal dever usar de elevado grau de exigência na verificação da inimputabilidade do desconhecimento ao citando. O mesmo se diga quando a carta para citação tenha sido enviada para local que não corresponde à residência ou local de trabalho do citando (…)” [9]. Existe, assim, falta de citação, também na situação em que ocorre “certeza de que, sem culpa sua, o réu não chegou a ter conhecimento da citação quase-pessoal, por esta não lhe ter sido comunicada por quem a recebeu, ou por não ter podido ver a nota de citação afixada nem dela ter sabido (art. 188-1-e)”. Esta solução legal entende-se e justifica-se num quadro de “generalização do emprego da citação por via postal e pelo alargamento da citação com hora certa, que têm levado à progressiva substituição da antiga certeza do conhecimento da citação pela presunção desse conhecimento, cuja ilidibilidade, em nome do direito de defesa, havia que garantir” [10]. - Do regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas Já constatámos que a pedra de toque no âmbito da citação das pessoas colectivas traduz-se na consideração e adopção da sede estatutária, por referência à que se encontra inscrita no ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Colectivas. O regime de tal registo nacional encontra-se previsto no DL nº. 129/98, de 13/05, enunciando o artº. 1º ter tal registo nacional “por função organizar e gerir o ficheiro central de pessoas colectivas, bem como apreciar a admissibilidade de firmas e denominações”. Acrescenta o artº. 2º, prevendo acerca de tal ficheiro central, ser este “constituído por uma base de dados informatizados onde se organiza informação actualizada sobre as pessoas colectivas necessária aos serviços da Administração Pública para o exercício das suas atribuições”, contendo, ainda, “com os mesmos objectivos, informação de interesse geral relativa a entidades públicas ou privadas não dotadas de personalidade jurídica, bem como pessoas colectivas internacionais e pessoas colectivas de direito estrangeiro”. Estatuindo acerca do âmbito pessoal de tal ficheiro, aduzem as alíneas a) e b), do nº. 1, do artº. 4º, integrar o mesmo “informação relativa a: a) Associações, fundações, sociedades civis e comerciais, cooperativas, empresas públicas, agrupamentos complementares de empresas, agrupamentos europeus de interesse económico, bem como quaisquer outros entes colectivos personalizados, sujeitos ao direito português ou ao direito estrangeiro, que habitualmente exerçam actividade em Portugal; b) Representações de pessoas colectivas internacionais ou de direito estrangeiro que habitualmente exerçam actividade em Portugal”. Ajuizando acerca das pessoas colectivas, a alínea d), do artº. 6º, consigna estarem sujeitos a inscrição em tal ficheiro colectivo o acto ou facto de “alteração da localização da sede ou do endereço postal, incluindo a transferência da sede de e para Portugal”, o que é reafirmado na alínea c), do artº. 7º, a propósito das Representações de pessoas colectivas internacionais ou de direito estrangeiro, consignando-se estarem sujeitos a inscrição entre os actos ou factos relativos a tais pessoas colectivas, que exerçam actividade em Portugal, a “alteração da localização da sede ou do endereço postal”. No que se reporta à função e actualização dos dados, adita o artº. 21º, nº. 1, alín. a), que “os dados constantes da base de dados do FCPC destinam-se: a) A fornecer aos organismos e serviços do Estado e demais pessoas colectivas de direito público a informação básica sobre pessoas colectivas e entidades equiparadas de que necessitem para prossecução das suas atribuições legais ou estatutárias”. Acrescentando o artº. 22º, nºs. 1 e 2, alíneas a) e c), a propósito da comunicação dos dados, que os constantes naquela base de dados e ficheiro central “podem ser comunicados às entidades e para as finalidades previstas no artigo anterior. 2 - A consulta online e a cedência de cópias totais ou parciais podem ser autorizadas: a) Aos serviços e entidades referidos no artigo 21.º; (….) c) Aos magistrados judiciais e do Ministério Público, juízes de paz, bem como aos agentes de execução e aos administradores da insolvência, no âmbito da prossecução das suas atribuições”. No que se reporta aos fins do registo, enuncia o nº. 1, do artº. 1º, do Código do Registo Comercial – aprovado pelo DL nº. 403/86, de 03/12 –, destinar-se o registo comercial “a dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”. O artº. 3º, nº. 1, veio prescrever acerca dos factos, relativos às sociedades comerciais e sociedades civis sob forma comercial, sujeitos a registo, enunciando na sua alínea o) “a mudança da sede da sociedade e a transferência de sede para o estrangeiro”, sendo que o nº. 1, do artº. 15º, do mesmo diploma, prevê a obrigatoriedade do registo de tal facto. - Da resolução do caso sub judice Efectuado o enquadramento legislativo, doutrinário e jurisprudencial, retornemos ao caso concreto, concatenando os espraiados entendimentos ao caso sub júdice. Provou-se que no âmbito da acção declarativa na qual se formou o título executivo (sentença) que fundamenta a execução instaurada, e na qual a ora Embargante/Apelante figurou como Ré, no dia 01/04/2015, foi enviada, para citação da identificada demandada, carta registada com AR, para a seguinte morada: “Rua ..., Edf Alto das Amoreiras 1250-133 Lisboa”, tendo tal carta sido devolvida ao remetente tribunal, em 07/04/2015, com a menção de “mudou” – cf., factos provados III e IV. Provou-se, ainda, que no dia 08/04/2015, foi enviada nova carta registada com aviso de recepção à citanda – citação via postal 2ª tentativa -, constando como assunto “Citação Pessoas Colectivas – art. 246º do CPC”, para a mesma morada, ou seja, “Rua ..., Edf Alto das Amoreiras 1250-133 Lisboa”. Consta do verso do aviso de recepção de tal 2ª carta registada enviada a seguinte DECLARAÇÃO: “No dia 13-4-15 às 11.45 Na impossibilidade de Entrega depositei no Receptáculo Postal Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ela referente”. Sendo que esta carta registada, foi devolvida ao remetente, constando do rosto da mesma a menção de “desconhecido”, bem como carimbo aposto pelos CTT, com a seguinte redacção: “Depois de devidamente entregue voltou ao Correio com a nota (imperceptível)….e sem nova franquia”, figurando ainda anotada a “data” – 14/4/15 -, o número de “giro” e uma “assinatura” – cf., factos V a VII. No âmbito do mesmo processo declarativo, em 01/04/2015, foi efectuada pesquisa pelo NIPC ao TMenu das pessoas colectivas – https://pis.mj.pt -, tendo resultado como morada da A……………….. Limited, a seguinte: “Rua ..., Lisboa”. Sendo que, posteriormente, foi proferido despacho no sentido de ser junto aos autos certidão permanente da R. A………, com comando de posterior abertura de conclusão. Concretizada esta, foi proferido despacho, datado de 04/05/2015, com o seguinte teor: “Considero realizada a citação da R. A…………….. Limited, nos termos do artº. 246º, do CPC. Aguarde-se pelo decurso do prazo para contestação” – cf., factos VIII a X. Ora, de tal panóplia factual resulta, de forma evidente, ter sido devidamente cumprido o iter processual legalmente equacionado no citado artº. 246º, pois a citação da ali Ré, e ora Embargante, foi devidamente endereçada para a sua sede inscrita, à data, no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas. E, perante a devolução da carta registada com aviso de recepção inicialmente enviada, o que acorreu por outro motivo, que não o inscrito no nº. 3 daquele normativo, cumpriu-se o disposto no nº. 4, remetendo-se nova carta registada com aviso de recepção à citanda Ré, com observância do disposto no nº. 5, do artº. 229º e com a cominação inscrita no nº. 2, do artº. 230º. Carta que, na impossibilidade da sua entrega, foi devidamente depositada no receptáculo postal domiciliário, em 13/04/2015, o que foi devidamente certificado. Tal carta, acabou, no dia seguinte – 14/04/2015 -, por ser devolvida ao remetente, constando do rosto da mesma a menção de “desconhecido”, bem como carimbo aposto pelos CTT, com a seguinte redacção: “Depois de devidamente entregue voltou ao Correio com a nota (imperceptível)….e sem nova franquia”, figurando ainda anotada a “data” – 14/4/15 -, o número de “giro” e uma “assinatura”. Assim, de acordo com os normativos supra enunciados, a citação da Ré para aquela acção declarativa (onde se constituiu o título ora dado em execução) considera-se efectuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal, ou seja, no dia 13/04/2015, funcionando a legal presunção de que a Ré destinatária teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados. Tal conclusão tem por subjacente a consideração do seguinte: § Foi devidamente ponderada a morada estatutária da citanda Ré, vigente à data da pretendida citação, o que foi devidamente confirmado mediante consulta efectuada pelo NIPC ao TMenu das pessoas colectivas – https://pis.mj.pt ; § Pelo que, caso em tal data a citanda Ré já não possuísse de facto tal sede, a não alteração na base de dados do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, apenas a si lhe era imputável, sujeitando-se aos efeitos advenientes de tal incumprimento ; § Por outro lado, a morada da citanda Ré, registada em Inglaterra e Gales, indicada no facto XI - 20-22 Bedford Row, London, United Kingdom, WC1R 4JS -, correspondia, efectivamente, ao registo naquele território, por referência à indicada data de 05/05/2010 ; § Donde resulta que, não só que aquela morada de sede inscrita se reporta ao espaço do Reino Unido, e não a Portugal, nomeadamente à constante no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, como era ainda reportada ao ano de 2010, enquanto que a aferição necessariamente se reportava ao ano de 2015 ; § Adrede, o exarado no facto XII provado, traduz, apenas, que naquela data – 14/05/2010 -, os dados constantes relativos à ora Embargante/Apelante aludiam situar-se a sua sede no Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, sem indicação de qualquer outra morada mais específica ou concreta. Assim, a Certidão de Identificação de Entidade Equiparada Estrangeira ali referenciada, para além da validade de uma datação com o intervalo de quase 5 anos relativamente à data da pretendida citação, apenas se reportava à sede da citanda, que efectivamente é originária e foi constituída de acordo com as leis do Reino Unido, mas não significa ou traduz que, em 2015, fosse essa a sua sede inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas ; § Acresce não ser matéria controversa nos presentes autos, a que nem sequer a Embargante/Apelante alude no objecto recursório, estarmos perante entidade com inscrição obrigatória no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas ; § Obrigatoriedade que, para além do mais, parece desde logo resultar dos transcritos artigos 1º, 3º, nº. 1, alín. o) e 15º, nº. 1, todos do Código do registo Comercial ; § Donde resulta a concreta aplicabilidade do enunciado nº. 4, do artº. 246, que, aliás, não é questionada, pois a Apelante antes se limita a colocar em causa o local da sua efectiva sede à data da citação no âmbito da acção declarativa ; § Ademais, tal juízo não é colocado em causa pelo facto de não se ter tentado a citação da Ré na morada indicada pelo Autor na Petição inicial, sita no estrangeiro - 20-22 Bedford Row, London, United Kingdom, WC1R 4JS ; § Com efeito, estando-se perante citação de uma sociedade constituída de acordo com as normas do Reino Unido, configurando-se em Portugal como entidade equiparada a estrangeira, a sua citação, através de carta registada com aviso de recepção – cf., o nº. 1, do artº. 228º, do CPC -, sempre deveria de operar-se para a sua sede estatutária, de acordo com o prescrito no nº. 2, do artº. 246º, do mesmo diploma ; § O que determinava incumbir à secretaria aceder à base de dados e averiguar qual a sede estatutária da pessoa colectiva para onde deveria ser remetida a citação postal ; § Procedimento que terá sido observado, atenta a constatação de que a morada para onde foram remetidas as cartas de citação correspondia, efectivamente, à sede estatutária da ali Ré, inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas ; § Não se estando perante situação equivalente ou semelhante à documentada no citado douto Acórdão desta Relação de 20/10/2016, na qual estava em causa, após a frustração da citação, a indicação superveniente, por parte da Autora, de uma nova morada da sede da Ré ; § A determinar ou impor, até pelo lapso de tempo entretanto decorrido, que se aferisse junto do registo nacional das pessoas colectivas acerca da eventual correspondência de tal nova morada com a ali inscrita ; § Todavia, in casu, não houve qualquer indicação superveniente de uma qualquer nova morada, que não tivesse merecido a devida comprovação, antes se tendo concluído, em contrário, que a morada da sede da citanda, inscrita no RNPC, não tinha qualquer correspondência com a enunciada em sede de articulado inicial. Ora, concluindo-se pela observância das devidas formalidades, poderá, ainda assim, dever concluir-se pela existência de uma situação correspondente a falta de citação ? Nomeadamente a enunciada na alínea e), do nº. 1, do artº. 188º, já supra exposta ? Vejamos. Conforme legal imposição, para aquele enquadramento determinante da verificação da aludida nulidade, exige-se que se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável. Ou seja, para que ocorra a equacionada falta de citação, tradutora de nulidade principal, não bastaria à Embargante, ora Recorrente, a alegação de que não teve conhecimento do acto de citação, sendo ainda mister que alegasse, e provasse, não só que tal aconteceu, mas ainda que sucedeu por circunstâncias que não lhe são imputáveis. Ora, na oposição apresentada, mediante embargos, a Embargante apenas aludiu ao desconhecimento do acto de citação naquela acção declarativa, nada aduzindo, em termos factícios, no sentido de tal ter sucedido devido a causas ou circunstâncias que não lhe pudessem ser imputadas, ou seja, a alusão a factualidade demonstrativa que aquele desconhecimento ocorreu, determinantemente, sem culpa sua. O que sempre impediria concluir-se pela existência de uma situação configurável como falta de citação. Pelo exposto, inverificado que se mostra o fundamento de oposição à execução inscrito na alínea d), do artº. 729º, do Cód. de Processo Civil, o juízo é de necessária improcedência das conclusões recursórias, com consequente confirmação do saneador sentença apelado/recorrido, que julgou os embargos totalmente improcedentes, devendo a execução prosseguir os seus ulteriores termos. * Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo a Apelante/Recorrente decaído no recurso interposto, é responsável pelo pagamento das custas devidas. * IV. DECISÃO Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em: a) Julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Apelante/Executada A……………………. LIMITED, em que surge como Apelado/Exequente ANTÓNIO …………………… ; b) Em consequência, confirma-se o saneador sentença recorrido/apelado, que julgou os embargos totalmente improcedentes, devendo a execução prosseguir os seus ulteriores termos ; c) Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo a Apelante/Recorrente decaído no recurso interposto, é responsável pelo pagamento das custas devidas. Lisboa, 07 de Abril de 2022 Arlindo Crua António Moreira Carlos Gabriel Castelo Branco _______________________________________________________ [1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original. [2] Notas ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 225 e 226. [3] Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Vol. I, Almedina, pág. 241. [4] Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 4ª Edição, Almedina, pág. 495 e 496. [5] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, Reimpressão, pág. 283. [6] Correspondente ao então vigente 196º. [7] Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª Edição, 2004, Almedina, pág. 231. [8] No caso enunciado na transcrita alínea e), do nº. 1, do artº. 188º, o réu tem o ónus de alegar e provar que, sem culpa sua, a citação não chegou ao seu conhecimento, o que constitui excepção à reconhecida oficiosidade. [9] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 387. [10] José Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 93 e nota 39. |