Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | NUNO GONÇALVES | ||
Descritores: | PROCESSO ESPECIAL AECOP FORMA DE PROCESSO EMPREITADA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/06/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | - O processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei; o processo comum é aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial; - Peticionando a sociedade autora a condenação da ré no pagamento da quantia de € 5.737,52, acrescida dos juros, invocando a realização de um contrato de empreitada, a acção declarativa prevista no Capítulo I do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, é o processo próprio para aquela exercer o seu direito. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório. 1.1. A autora F Unipessoal, Lda., intentou contra a ré O Electricidade, S.A., acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1/9. Peticionou a condenação da ré no pagamento da quantia de € 5.737,52, acrescida dos juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento. Alegou que foi contratada pela ré para realizar serviços de mão-de-obra necessária à montagem de equipamentos, caminhos cabos, passagem de cabos elétricos, tubagens, ligações, sendo os equipamentos e materiais fornecidos por esta. Referiu ainda que não foi previamente acordado o preço a pagar pela realização dos serviços. E que os trabalhos solicitados e realizados pela autora consistiram no seguinte: “Trabalhos efetuados, preparação de trabalhos, receção de material, limpeza de estaleiro e trabalhos não previstos: período de 28/04/2022 a 27/05/2022”, conforme consta da discriminação constante da fatura nº FT 2023/59, no valor de € 5.346. * 1.2. A ré contestou a acção, aceitando que contratou a autora para prestar determinados serviços, sendo que muitos não foram realizados ou foram mal-executados, até que esta abandonou a obra. Apenas reconhece a realização de trabalhos cujo valor ascende a € 1.312,50, que descriminou. Os trabalhos não realizados pela Autora tiveram de ser subempreitados à empresa S, Lda.. Os mesmos trabalhos que a Autora havia orçamentado pelo valor de 72.306,71 € foram orçamentados pela S em 76.982,78 €. Teve que corrigir os defeitos da obra da autora e despendeu os valores de € 252 e de € 224,22. Em trabalho extraordinário teve um custo de 150 €. Terminou pugnando pela procedência da excepção de ineptidão; pela improcedência do pedido, excepto quanto ao valor admitido de € 1.312,50; e pelo reconhecimento da compensação pelo valor total de € 5.302,29. * 1.3. Procedendo ao saneamento dos autos, foi proferido o despacho recorrido, que referiu o seguinte a propósito do erro na forma de processo: “A questão que cabe resolver ab initio é a adequação da forma de processo utilizada pelo Requerente. Mas antes impõe-se atender à qualificação jurídica do contrato celebrado pelas partes. Entendemos que, atento o disposto no art.º 1207º do CC estamos antes perante um contrato de empreitada. Considerando, além do mais, que a tradução exprime a realização de uma obra, indo mais além do que um mero contrato de prestação de serviços, do qual aquele é subespécie (arts. 1154º e 1155º ambos do CC). Quanto à forma de processo escolhida pelo autor deve ser a adequada à pretensão que deduz e deve determinar-se pelo pedido que é formulado e, adjuvantemente, pela causa de pedir. É em face da pretensão de tutela jurisdicional deduzida pelo autor que deve apreciar-se a propriedade da forma de processo, a qual não é afectada pelas razões que se ligam no fundo da causa. A causa de pedir mostra-se fundamentada no âmbito de um contrato de empreitada. Ora, o procedimento de injunção e da acção declarativa especial visa o cumprimento de uma obrigação pecuniária – directamente - emergente de contrato. Têm surgido algumas dúvidas quanto à relação entre a AECOP e o processo comum. Já se tem entendido que a AECOP constitui uma opção concedida ao credor, que assim, quanto a um crédito não superior a € 15.000 e emergente de um contrato, pode optar entre a AECOP e o processo comum. Esta orientação, favorável a um carácter facultativo da AECOP, não pode ser seguida. A razão para a rejeição da referida orientação não é doutrinária, mas legal. O art.º 546.º, n.º 1, CPC estabelece que o processo, declarativo ou executivo, pode ser comum e especial; o art.º 546.º, n.º 2 1.ª parte, CPC determina que o processo especial se aplica aos casos expressamente designados na lei, ou seja, aos casos nos quais a lei define o âmbito de aplicação de um determinado processo em função de determinados critérios (quase sempre relativos ao objecto). É precisamente isso que sucede no caso da AECOP: esta acção tem um âmbito de aplicação delimitado em função da matéria (obrigação pecuniária emergente de contrato) e do valor (obrigação pecuniária não superior a € 15.000). Perante esta delimitação, o processo comum tem um âmbito de aplicação residual (art.º 546.º, n.º 2 2.ª parte, CPC), o que, em concreto, significa que este processo só é aplicável se a AECOP não dever ser aplicada. Esta, enquanto “providência que permite que o credor de uma prestação obtenha de uma forma célere e simplificada um título executivo (…) quando se consubstancie no cumprimento de uma obrigação pecuniária”, nasceu com o DL 404/93 de 10/12 (cf. preâmbulo desse diploma). Nele previa-se, que na ausência de oposição, fosse aposta no requerimento injuntivo uma imediata fórmula executória, “Execute-se”, o que era realizado pelo próprio secretário judicial do tribunal territorialmente competente, e não era previsto como acto jurisdicional. A existência de oposição, pelo contrário, implicava a apresentação obrigatória dos autos ao juiz (art.º 6º, nº2), passando a observar-se a tramitação prevista para o processo sumaríssimo, com a designação imediata do dia para julgamento. Pressupunham-se, no entanto, obrigações pecuniárias decorrentes de contrato cujo valor não excedesse metade do valor da alçada do tribunal de 1ª instância – que na altura era a de 500 contos – pelo que estavam em causa obrigações pecuniárias até 250.000$00. Teve tal “providência” pequena aceitação, como disso dá conta o proémio do DL 269/98, sobretudo pelo difícil enlace entre a providência e as questões incidentais nela suscitadas a exigirem resolução judicial, caso em que a injunção passava a seguir como acção sumaríssima. Acresce que se levantaram muitas questões referentes à constitucionalidade deste diploma. Surgiu então o DL 269/98 de 1/9 - que revogou o DL 404/93 de 10/12 - e que logo se afirmou como especialmente vocacionado para as “acções de baixa densidade”, entendendo-se por tais, as que têm por objecto a cobrança de dívidas por parte dos “grandes utilizadores”, os ditos credores institucionais (bancos, seguradoras, operadoras telefónicas, instituições financeiras…). Enquanto diploma destinado, segundo o seu art.º 1º, a aprovar o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância, passou a designar-se por AECOP. Destinava-se apenas ao cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e que não excedessem o valor da alçada do tribunal de 1ª instância. À data, este DL alterou o então art.º 222º do CPC, criando na espécie 3ª, ao lado do processo sumaríssimo, uma outra modalidade, “acções especiais para o cumprimento de obrigações emergentes de contratos”, actualmente o art.º 212º e 2º espécie. O espírito deste DL – cf. Salvador da Costa, “ A injunção e as conexas acção e execução”, 5ª ed, p 40 - era o do credor poder utilizar um destes dois mecanismos à escolha, acção declarativa ou injunção, de forma facultativa e alternativa, num caso e noutro, independentemente do próprio valor do contrato em causa, desde que o montante da prestação exigida fosse igual ou inferior ao valor da alçada do tribunal de 1ª instância e desde que declarasse haver renunciado à outra parte do crédito. Naquela primeira variante, trata-se de um procedimento para aposição de fórmula executória sob a forma de uma acção declarativa especial para exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância. Na segunda variante, referente à injunção, trata-se de uma providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância (art.º 7º). Deduzida oposição, ou frustrada a notificação do requerido, os autos iam à distribuição e seguiam os termos da acção declarativa especial para exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância (art.ºs 16º e 17º). Surgiu, entretanto, o DL 32/2003 de 17/2, que pretendeu transpor a Directiva nº 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, para a ordem jurídica interna, com a finalidade de combater os atrasos de pagamento nas transacções comerciais (art.º 1º). Alargou a possibilidade de recurso às injunções a todos os pagamentos efectuados como remuneração de transacções comerciais (art.º 2º), mas definiu “transacção comercial” (art.º 3º al a), como “qualquer transacção entre empresas, ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração”, e, “empresa” (art.º 3º al b)), como “qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular”. E determinou que, estando em causa o atraso de pagamento em tais “transacções comerciais”, o credor teria direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida (art.º 7º/1 do DL 32/2003 e art.º 7º AECOP na redacção do DL 32/2003). A dedução de oposição nestas injunções, desde que estas tivessem valor superior à alçada do tribunal de 1ª instância, determinaria a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma do processo comum (art.º 7º/ 1 e 2 deste DL). Por isso, eram susceptíveis de virem a ser processadas em processo sumário, ou mesmo ordinário. O DL 107/2005 de 1/7, que não revogou nenhum dos outros anteriores, apenas deu nova redacção a muitos dos preceitos do DL 269/98 e ao art.º 7º do DL 32/2003 de 17/2, veio introduzir alterações nesta matéria de formas processuais. Sob a motivação de descongestionar os tribunais de processos destinados ao cumprimento de obrigações pecuniárias, elevou a possibilidade de utilização dos dois já referidos mecanismos (a injunção por um lado, a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, por outro) para a exigência do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior ao da alçada do tribunal de Relação. No caso da injunção, sendo deduzida oposição ou frustrando-se a notificação do requerido, transmuta-se a mesma em acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos. Para as transacções comerciais, tais como previstas no DL 32/2003, e que como se viu, se podem fazer valer do disposto nesse diploma legal independentemente do valor, estipulou-se neste DL 107/05, que, quando o valor fosse superior à alçada do tribunal da Relação, a dedução de oposição ou a frustração da notificação do procedimento de injunção, determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum - portanto a acção transmuta-se de injunção, em acção comum – art.º 7º/2 do DL 32/2003 17/2 na redacção do DL 107/2005 de 1/7. Mas, quando o valor da dívida resultante da tal transacção comercial, seja inferior à alçada do tribunal da Relação, a oposição e a não notificação do procedimento da injunção, já dão lugar à acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato - art.º 7º/4 do DL 32/2003 17/2 na redacção do DL 107/2005 de 1/7. Donde se vê que actualmente, desde que o art.º 8º do DL 32/2003 alterou a redacção do art.º 7º do DL 269/98, o procedimento da injunção passou a ser utilizável no caso do cumprimento das obrigações a que se refere o art.º 1º do diploma preambular – obrigações pecuniárias emergentes de contrato – e a obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL 32/2003 de 17/2, aqui independentemente do valor. Voltando ao caso dos autos, impõe-se aferir da causa de pedir aposta no requerimento injuntivo e atentar se poderá estar em causa uma obrigação pecuniária emergente de contrato, perante as duas finalidades admitidas para as injunções. Ora, in casu, apesar do concreto preenchimento daqueles pressupostos objectivos exigidos para a utilização do procedimento de injunção – cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, concretamente contrato de empreitada; obrigação pecuniária de valor inferior a 15.000,00 €, estando em causa concretamente o valor de 5.737,52€, a complexidade das questões a apreciar, ilegítimam, o uso, por parte da Autora do procedimento de injunção. Repare-se desde logo o contexto da própria Oposição que trás à discussão o cumprimento da própria obra, ou seja, situações de contornos complexos referentes a responsabilidade civil obrigacional, cujos pressupostos não são de fácil e liminar verificação, antes exigindo, as mais das vezes, aturada discussão e trabalhosa decisão, mormente quando os próprios contratos em discussão são de natureza complexa pelos feixes de direitos e deveres recíprocos que movimentam. O que, desde logo, configura excepção inominada, obstativa do conhecimento do mérito da causa e determinante de decisão de absolvição da instância, nos quadros dos artigos 577º e 578º, ambos do Código de Processo Civil. Refere o Acórdão do STJ de 14.02.2012 (processo nº. 319937/10.3YIPRT.L1.S1, in www.dgsi.pt) ainda que ajuizando acerca de situação em que a transmutação do processo de injunção é para a forma do processo comum – cf., o nº. 1, do art.º 7º, do então vigente DL 32/2003 -, que a decisão de absolvição da instância, quando não se verifica o preenchimento dos pressupostos que legitimam o recurso ao processo injuntivo, “é fruto da responsabilidade do requerente da injunção quando decide iniciar um procedimento de injunção para o qual não lhe assistia direito a obtê-la, podendo mesmo considerar-se que, a não se obviar pela assinalada forma da absolvição da instância, se contribui para aumentar o risco de os credores procurarem obter títulos executivos por via de injunção, aproveitando-se do facto de o controlo não ser exercido jurisdicionalmente, apesar de saberem que o crédito invocado não lhes permitia o recurso à injunção”. Acrescenta que “as condições que a lei impõe para que seja decretada a injunção são condições de natureza substantiva que devem verificar-se para que a injunção seja decretada; no entanto, ultrapassada esta fase, elas não assumem expressão na fase subsequente do processo que venha a ser tramitado sob a forma de processo comum ordinário quando o seu valor seja superior à alçada da Relação ( artigo 7.º/2 do DL n.º32/2003)”. Todavia, “no caso da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais de valor não superior à alçada da Relação, prescreve o n.º 3 do artigo 7.º do DL n.º 32/2003 que tais acções “seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos”. Acrescenta, então, que “a questão de direito substantivo - por exemplo, saber se houve uma transacção comercial com consumidor – tem incidência no processo especial a utilizar; por isso, o pedido de condenação no pagamento da quantia reclamada não pode, nessa acção, ser concedido se não se provar que o crédito que o autor invoca tem origem em transacção comercial que esteja abrangida no âmbito do Decreto-Lei n.º 32/2003. Assim, se a causa tiver de prosseguir por se mostrar necessário averiguar questões de facto atinentes com a efectiva natureza da transacção comercial, o juiz não poderá deixar de as apreciar”. Resumindo, “no caso de o pedido de injunção se transmudar nesta acção especial, então, se o crédito reclamado não for nenhum daqueles que a lei correlaciona com este processo especial, a acção não pode proceder; a acção apenas será julgada procedente desde que o crédito invocado seja um daqueles que pelas suas características a lei faça corresponder a este processo especial”. Daqui já é possível concluir não haver lugar à utilização do mecanismo processual a que o Requerente lançou mão. Há erro na forma de processo. Nos termos do artigo 193.º do Código de Processo Civil, o erro na forma do processo importa a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida por lei. Tal nulidade, de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no art.º 196º do diploma citado, pode e deve ser conhecida logo que detectada, já que não faz qualquer sentido, e contraria o princípio da economia processual que o legislador acentuou, manter intocada a forma processual indicada pelo autor, apesar de inadequada à respectiva pretensão. Por conseguinte, se a referida nulidade for constatada pelo juiz na fase liminar do processo, deve ordenar que se siga a forma de processo que reputar adequada e, para o caso de ser totalmente inidónea a utilizada deve determinar a extinção da instância com base na nulidade de todo o processado (nesse sentido, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, TEMAS DA REFORMA DO PROCESSO CIVIL, I Volume, página 281 e 282). Cumpre referir que resulta claro que o requerimento injuntivo não poderá ser aproveitado para seguir qualquer outra forma de processo adequada ao caso concreto. Pelo exposto e nos termos do art.º 577º, alínea b), do Código de Processo Civil, impõe-se declarar nulo todo o processado e, em conformidade, absolver o requerido da instância. IV – DECISÃO Tendo em atenção as considerações expendidas e as normas legais citadas, julga-se procedente a excepção dilatória de nulidade de todo o processo e, em consequência, decide-se absolver a Ré O ELECTRICIDADE, SA, da instância”. * 1.4. A autora interpôs o presente recurso de apelação em que formulou as seguintes conclusões: I – O presente recurso de apelação tem por objecto a decisão proferida em 08.07.2024, com a referência Citius 152036504, que, julgando procedente a excepção dilatória de nulidade de todo o processo por existência de erro na forma de processo, absolveu a Ré da instância. II – O tribunal recorrido qualificou juridicamente o contrato em causa nos presentes autos como contrato de empreitada, decidindo que a causa de pedir alegada na petição inicial se mostra fundamentada no âmbito desse tipo contratual. III – De igual modo, considerou preenchidos os pressupostos objectivos para a utilização do procedimento de injunção, quais sejam, o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, mais concretamente de contrato de empreitada; e obrigação pecuniária de valor inferior a 15.000,00€, estando em causa concretamente o valor de 5.737,52€. IV - Contudo, de forma errada, considerou que a “complexidade das questões a apreciar ilegitimam o uso por parte da Autora do procedimento de injunção”. V – A não admissão do recurso ao processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, decorrente da apresentação da oposição a contratos que originem questões eventualmente com maior complexidade carece totalmente de fundamento. VI – Sendo certo que não existe no nosso ordenamento jurídico qualquer norma legal que imponha essa interpretação. VII – O critério de aferição da propriedade ou impropriedade da forma de processo consiste em determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual empregue pelo autor. VIII – A determinação se a forma de processo adequada à obrigação pecuniária escolhida pelo autor se adequa ou não à sua pretensão diz respeito apenas à análise da petição inicial no seu todo e já não com a controvérsia que se venha a suscitar ao longo da tramitação do procedimento, quer com os factos trazidos pela defesa, quer com outros que venham a ser adquiridos ao longo do processo, por força da actividade das partes. Vide, nesse sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.04.2022 (Proc. 84273/20.0YIPRT.L1-7 T, Relator José Capacete). IX – Ou seja, a forma de processo escolhida pelo autor deve ser adequada à pretensão que deduz, determinando-se pelo pedido e pela causa de pedir no seu conjunto. X – A possível maior complexidade das questões suscitadas no seguimento da contestação apresentada pela Ré, não leva a que se possa entender verificar-se erro na forma do processo. XI - O Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, aprovou e regula os procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que não excedam 15.000€. XII - Conforme reconhecido pela doutrina e jurisprudência dos nossos tribunais, para cobrar obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000€, como é o caso da divida peticionada nos presentes autos, existem dois procedimentos, alternativos entre si: a) o procedimento de injunção, sendo que em caso de transação comercial prevista no DL 62/2013, pode ser utilizado independentemente do valor nos termos do artigo 10º desse diploma legal e a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, vulgarmente designada por AECOP. XIII - Tal significa que só em caso da cobrança de créditos de transações comerciais de valor superior a 15.000€ é que se terá de utilizar o procedimento de injunção e, posteriormente, em caso de remessa à distribuição, o processo comum. XIV - Conforme reconhece, e bem, o tribunal a quo, o recurso à AECOP não é facultativo. XV - Esta ação tem um âmbito de aplicação delimitado em função da matéria (obrigação pecuniária emergente de contrato) e do valor (obrigação pecuniária não superior a 15.000€), tendo, assim, o processo comum um âmbito de aplicação residual, nos termos do disposto no artigo 546º, nº 2, 2ª parte do CPC, o que significa que só é aplicável se a AECOP não dever ser aplicável. XVI - Porém, pese embora tal reconhecimento, o tribunal recorrido veio decidir, ao arrepio do entendimento supra plasmado, que a complexidade das questões a apreciar ilegitimam o recurso à AECOP. XVII – Ora, a complexidade das questões a apreciar não constitui um pressuposto negativo autónomo de aplicabilidade da forma especial de processo prevista no artigo 269/98, de 1 de Setembro, previsto em qualquer disposição legal, pelo que mal andou o tribunal recorrido ao decidir pela absolvição da Ré da instância com esse único fundamento. XIX – A sentença recorrida enferma, assim, de manifesto erro de julgamento, por má interpretação e aplicação do disposto nos artigos 1º do diploma preambular do DL 268/98, bem como dos artigos 6º, 152º, nº 1, 193º, 196º, 278 alínea b), 546º, 547º e 577º, alínea b), todos do CPC. XX - Devendo ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos, ordenando, caso entenda necessário, em face da contestação apresentada, a tramitação processual adequada na decorrência do dever de gestão processual, previsto no artigo 6º do CPC. XXI– Não existindo qualquer fundamento legal válido para que o tribunal se escuse, no caso em apreço, a administrar a justiça. * 1.6. A ré contra-alegou sustentando que não há um crédito titulado. Há uma relação contratual de empreitada que tem de ser discutida e apreciada pelo tribunal nas vertentes dos trabalhos e do preço, que excede o âmbito da pretensão legislativa para a aplicação das AECOPS. Pelo que bem foi a sentença recorrida ao considerar que o caso dos Autos não tem a simplicidade prevista para uma AECOP, nem sequer se insere no seu propósito legislativo. Pugnou pela improcedência do recurso. * 1.7. As questões a decidir estão delimitadas pelas conclusões da recorrente e centram-se em saber se a autora errou ao eleger a presente forma de processo especial para exercer a sua pretensão contra a ré. * 2. Fundamentação. 2.1. Os factos a considerar são os referidos no antecedente relatório. * 2.2. Desde já cumpre assinalar que a decisão recorrida assenta na afirmação que: “Há erro na forma de processo”. O artigo 2.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, refere que a todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação. O processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei; o processo comum é aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial – cfr. art.º 546.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Por outro lado, o juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo – art.º 547.º, do Código de Processo Civil. Como vimos, a autora pretende a condenação da ré no pagamento da quantia de € 5.737,52, acrescida dos juros, invocando a prestação de serviços no âmbito de uma empreitada. O artigo 550.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, refere que o processo comum para pagamento de quantia certa é ordinário ou sumário. Porém, o artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, na redação em vigor, prevê um regime para os procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000. Tal regime foi consagrado em anexo a esse diploma e prevê nomeadamente que na petição, o autor exporá sucintamente a sua pretensão e os respectivos fundamentos. Não há dúvida que a pretensão da autora se enquadra na previsão desse procedimento especial, na medida em que a autora invoca que celebrou um contrato com a ré (empreitada); daí emergindo uma obrigação pecuniária (o pagamento do preço não convencionado de € 5.737,52); e que aquela exige por meio da condenação desta. A decisão recorrida admite a verificação desses pressupostos, embora referindo-se repetidamente à injunção prevista no Capítulo II do aludido regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, quando a autora apresentou a petição a dar início à acção declarativa prevista no Capítulo I desse mesmo regime. De resto, a argumentação da decisão recorrida assenta no pressuposto de estarmos perante um procedimento de injunção, quando a autora indicou como forma de processo, quer no formulário, quer na petição inicial: “Acção Especial para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contratos”. E precisamente a circunstância da lide ter sido iniciada por meio da apresentação de uma petição e não de um requerimento de injunção a que alude o art.º 9.º, n.º 2, desse regime, evidencia que as considerações expostas na decisão se reportam ao procedimento de injunção. Estando perante a acção declarativa prevista no Capítulo I desse mesmo regime, tais considerações não são atendíveis, por se reportarem ao procedimento previsto no Capítulo II. E a própria invocação na decisão recorrida da jurisprudência sufragada no acórdão do STJ de 14.02.2012 (processo nº. 319937/10.3YIPRT.L1.S1, in www.dgsi.pt) não se revela feliz e concordante com a presente situação, considerando que se referia aí a um processo que era inicialmente de injunção e, ainda assim, se concluiu que “Não estamos, assim, face a uma exceção dilatória inominada que imponha, neste caso em que a injunção foi convertida em ação declarativa com processo ordinário, a absolvição da instância, podendo, por conseguinte, os autos prosseguir para se averiguar à luz dos factos alegados se é procedente o pedido de pagamento da quantia reclamada pelo autor”. Tão pouco há que apelar à complexidade das questões a apreciar, na medida em que tal questão não resulta como um pressuposto negativo relativamente à admissão da acção declarativa prevista no Capítulo I do regime anexo ao Decreto-Lei. nº 269/98, de 1 de Setembro. É certo que tal regime consagra algumas limitações ou restrições (por comparação ao processo comum) em termos de prazos, produção de prova ou de fundamentação da sentença, mas tal simplificação ou aligeiramento do formalismo decorre justificadamente da opção do legislador em face dos propósitos anunciados no preâmbulo do diploma que o consagrou e subsequentes alterações. Tal regime foi concebido como uma resposta à necessidade decorrente do elevado número de acções e assenta na natureza da prestação (obrigações pecuniárias emergentes de contratos) e nos valores em causa (não superiores a € 15.000). Não se acompanha a posição contraditória da apelada que objecta simultaneamente com a inexistência de um orçamento para os trabalhos e com a complexidade da causa. É que geralmente as questões e negócios mais simples são tratadas de forma informal, enquanto as questões e negócios mais complexos são tendencialmente tratadas com maior rigor formal. Poder-se-á objectar com algumas dificuldades previsíveis na presente acção, nomeadamente: Como é que a autora pretende que se realize a medição dos trabalhos realizados, considerando que alega que não foi acordado previamente um preço ou elaborado um orçamento e se limita a apresentar uma fatura que não descrimina todos os trabalhos realizados e identifica 396 unidades de uma quantidade não especificada? Poderá o tribunal simplificar a complexidade da medição dos trabalhos realizados por meio de uma perícia, sem que tenha sido previamente indicado quais são esses trabalhos? Não seria necessário ou, no mínimo, conveniente saber exactamente quais foram os trabalhos prestados, as horas que importou a sua realização, a qualificação dos operários (serventes, electricistas, etc.) e o custo horário (de cada trabalhador e da margem de lucro), com vista à determinação do preço (cfr. art.º 1211.º, do Código Civil)? Deverá o tribunal contentar-se com o teor da lacónica fatura que a autora juntou? Estas questões (não concretizadas na decisão recorrida) e outras poderão evidenciar alguma complexidade do litígio, mas estão perfeitamente ao alcance do tribunal em face dos procedimentos consagrados no regime especial que a autora elegeu para intentar a acção. Por último, a decisão recorrida escusou-se a adoptar a regra geral prevista no artigo 193.º: 1 - O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei. 2 - Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu. 3 - O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados. Optou pela absolvição da instância, invocando que resulta claro que o requerimento injuntivo não poderá ser aproveitado para seguir qualquer outra forma de processo adequada ao caso concreto. Porém, não indicou qual seria a acção adequada para a autora fazer reconhecer em juízo o seu direito, em termos de se aferir se poderá ou não haver aproveitamento dos actos do presente processo. Nem tão pouco porque é que a petição inicial não pode ser aproveitada. E novamente considerou que estamos perante uma injunção, o que não é manifestamente o presente caso. Em suma, estamos perante a acção declarativa especial prevista no Capítulo I do regime anexo ao Decreto-Lei. nº 269/98, de 1 de Setembro; tal forma de processo é a própria em face do pedido formulado pela autora; e, consequentemente, impõe-se o prosseguimento dos autos. * 3. Decisão: 3.1. Pelo exposto, acordam em julgar procedente a apelação, em revogar a decisão recorrida, julgar o processo próprio e determinar o prosseguimento dos autos, caso nada mais obste a tal. 3.2. As custas são a suportar pela apelada, que saí vencida. 3.3. Notifique. Lisboa, 6 de Fevereiro de 2025 Nuno Gonçalves Jorge Almeida Esteves João Brasão |