Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1932/19.8T8PDL-U.L1-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: PRORROGAÇÃO DO PRAZO PARA CONTESTAR
PRINCÍPIO DO PEDIDO
PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO E PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Tendo sido, nos termos dos art.ºs 569º, n.º 5, e 586º do CPC, prorrogado a quatro dos indicados afectados pela qualificação da insolvência o prazo de resposta à oposição deduzida por outro, esse prazo não aproveita ao administrador da insolvência para efeito de resposta a deduzir nos termos do art.º 188º, n.º 10, do CIRE.
2. A extensão da beneficiação excepcional contemplada na lei a quem a não pediu viola o princípio do pedido (art.º 3º, n.º 1, do CPC).
3. Denota-se na submissão do incidente ao princípio do pedido e no afastamento da oficiosidade na prorrogação do prazo da contestação, o racional de autorresponsabilização do titular do direito na gestão da defesa dos seus interesses processuais.
4. Do princípio da plenitude da assistência dos juízes consagrado no art.º 605º do CPC, decorre que a intervenção do juiz transferido se restringe aos actos de julgamento e de elaboração da sentença e não aos que logicamente os antecedem, como a prolação do despacho saneador, a identificação do objecto do litígio, a enunciação dos temas da prova e a decisão sobre a admissão dos meios de prova requeridos pelas partes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. AA…SA, a requerimento do credor BANCO …. S.A., foi declarada insolvente, por sentença transitada em julgado, datada de 28/11/2019.
Posteriormente, aquele credor requereu a qualificação da insolvência como culposa e a afectação pela qualificação da insolvência dos administradores da AA…SA, CC… e KK… (Apenso B).
Por despacho de 3/02/2020 foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com caracter pleno.
O administrador da insolvência apresentou parecer, no qual propôs a qualificação da insolvência da sociedade requerida como culposa e a afectação pela qualificação de CC…, KK..., JJ…, LL…, HH…. e MM....
O M.P. emitiu igualmente parecer concordante com o emitido pelo administrador da insolvência.
Ordenada a notificação da devedora e a citação dos indigitados afectados, estes últimos deduziram oposição ao incidente de qualificação.
Por decisão de 20-10-2020, foi dispensada a realização da tentativa de conciliação, proferido despacho saneador.
No decurso da realização do julgamento (a que presidiu a Sra Juíza Andreia Pinho), por requerimento de 20/02/2021, CC… requereu a afectação de RR…, o que foi indeferido por despacho proferido dia 22/02/2021, do qual aquele interpôs recurso.
No dia 19/04/2021 foi proferida sentença, na qual se decidiu:
“1. Qualifico a insolvência de AA… S.A. como culposa,
2. Declaro pessoalmente afetado CC…:
2.1. sendo a sua culpa elevada,
2.2. determino a sua inibição para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de quatro anos,
2.3. Determino a perda de quaisquer créditos que detenha sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente e condeno-o na restituição dos bens ou direitos eventualmente já recebidos em pagamento desses créditos.
3. Declaro pessoalmente afetado KK…:
3.1. sendo a sua culpa elevada,
3.2. determino a sua inibição para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de quatro anos,
3.3. Determino a perda de quaisquer créditos que detenha sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente e condeno-o na restituição dos bens ou direitos eventualmente já recebidos em pagamento desses créditos.
4. Condeno CC… e KK… a indemnizar os credores da AA…, S.A. no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios, sendo solidária a responsabilidade entre os afetados.
5. Absolvo os demais requeridos do pedido.
6. Custas a cargo dos administradores afetados com a qualificação da insolvência”.
Dessa sentença foram interpostos recursos pelos afectados KK… e CC…, bem como pelo AI.
Por acórdão proferido dia 8/02/2022 por este TRL decidiu-se:
“1. Julgar procedente o recurso tramitado nos autos em apenso L, com consequente revogação do despacho dele objeto, que se substitui por outro a determinar a citação de RR… para os termos do incidente de qualificação da insolvência em apenso B nos termos e para os efeitos dos art.ºs 188º, nº 6 e 7, e 133º do CIRE (acompanhado das alegações e do requerimento de 27.02.2020 do credor Banco …, dos pareceres do Administrador da Insolvência e do MP, das oposições apresentadas nos autos e do requerimento de 20.01.2021 do recorrente CC…).
2. Julgar procedente a nulidade da sentença arguida pelo recorrente CC… e, consequentemente:
i) anular a sentença proferida nestes autos para permitir a citação de RR… para os termos do incidente e,
ii) determinar a renovação da produção de prova para instrução dos factos que por ele venham a ser impugnados na oposição que vier a deduzir ao incidente, sem prejuízo do aproveitamento dos que não resultem por ela prejudicados, e sem prejuízo da compatibilização que se mostre necessária para evitar contradições no julgamento e resultado do conjunto dos factos.
3. Consequentemente, e com exceção da questão da nulidade da sentença invocada pelo recorrente CC…., declarar prejudicado o conhecimento dos recursos que da sentença e que posteriormente à sua prolação foram apresentados nos autos (em apenso B).
4. Condenar nas custas dos recursos os responsáveis a final pelas custas do incidente de qualificação da insolvência (cfr. acórdão desta Relação de 06.02.2020, proc. 2775/19.4T8FNC-A.L1-2, disponível na página da dgsi).”
Citado o referido RR…, veio este deduzir oposição no dia 5/05/2022.
A oposição foi notificada ao MP, bem como ao AI e demais interessados, conforme certificação Citius de 6/05/2022.
Por requerimento de 17/05/2022, os requeridos JJ…, HH…, LL… e MM… solicitaram:
“a) Que seja declarada nula a notificação efectuada pela secretaria com a referência Citius nº 53264328 e, em consequência, ordenada a sua repetição acompanhada de todos documentos que o requerido, RR…, protestou juntar;
b) Em todo o caso e sem prescindir, que seja o requerido, RR…, convidado a aperfeiçoar a oposição que apresentou, numerando e ordenando todos os documentos que juntou, por forma a permitir o pleno exercício do contraditório.
c) Caso assim não se entenda, seja prorrogado o prazo para apresentação da resposta, por um prazo não inferior a 10 dias.”
Por despacho de 18/05/2022 decidiu-se, além do mais:
“(…)
Em face do exposto, indefere-se o requerido no sentido de considerar nula a notificação efectuada pela secretaria com a referência Citius nº 53264328 e bem assim de convidar o requerido a perfeiçoar a oposição.
Notifique.

Da prorrogação do prazo para apresentação de resposta:
Em caso de improcedência da nulidade alegada e bem assim do convite ao aperfeiçoamento da oposição, os Ilustres Mandatários requereram a prorrogação do prazo para apresentação da resposta, por um prazo não inferior a 10 dias.
Cumpre apreciar e decidir.
O requerido beneficiou de uma prorrogação do prazo de 15 (quinze) para deduzir a sua oposição.
 Na base dessa decisão esteve a consideração da complexidade subjacente ao presente incidente (o que também levou havia levado à concessão da prorrogação do prazo para apresentação do relatório da qualificação de insolvência).
Em face do exposto, julga-se adequada a prorrogação do prazo para apresentação da resposta por 10 dias, pelo que se defere o requerido nesta parte.
Notifique”.
No dia 30/05/2022 os requeridos MM…, JJ…, HH… e LL… apresentaram resposta à oposição deduzida por RR….
E no dia 31-05-2022, PP…, Administrador Judicial nomeado nos autos, apresentou resposta à oposição deduzida por RR….
Após, por despacho prolatado dia 14/07/2022, decidiu-se:
“O Administrador de Insolvência juntou aos autos um requerimento com a referência 4672614, datado de 31.05.2022, em resposta à oposição apresentada por RR…, em 05.05.2022, e ainda se pronuncia sobre “DO PARECER EMITIDO PELO ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA NO APENSO M”, dando o mencionado parecer nestes autos – apenso B – por reiterado e requerendo que seja considerado neste apenso.
Tendo tido conhecimento desse requerimento – do qual não foram notificados – vieram os requeridos MM…, JJ…, HH… e LL… pronunciar-se, alegando, em suma, a extemporaneidade da sua apresentação.
Cumprido o contraditório, veio o Sr. A.I. pugnar pelo indeferimento do requerido.
Cumpre apreciar e decidir.
Compulsados os autos resulta o seguinte:
- RR… foi citado para os termos e efeitos do presente incidente de qualificação de insolvência, conforme determinado pelo douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa;
- RR… veio apresentar a sua oposição, no dia 05.05.2022, depois de lhe ter sido deferida uma prorrogação do prazo para apresentação da oposição;
- em 06.05.2022 foi o Sr. Administrador de Insolvência notificado da oposição apresentada pelo requerido RR…;
- em 30.05.2022 vieram os requeridos MM…, JJ…, HH… e LL… apresentar a sua resposta à oposição apresentada pelo requerido RR…, depois de lhes ter sido deferida uma prorrogação do prazo para apresentação da resposta;
- em 31.05.2022 veio o Sr. Administrador de Insolvência apresentar a sua resposta à oposição apresentada pelo requerido RR…. e bem assim, no mesmo requerimento reiterar e requerer que seja considerado neste apenso o parecer emitido no apenso M, que reproduz, sobre a qualificação de insolvência relativamente a RR….
Preceitua o artigo 188.º, n.º 10 do CIRE que “O administrador da insolvência, o Ministério Público e qualquer interessado que assuma posição contrária à das oposições pode responder-lhe dentro dos 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no número anterior.”
 Ora, considerando os factos acima enunciados e a norma agora exposta, o prazo para o Sr. Administrador de Insolvência se pronunciar/responder à oposição apresentada pelo requerido RR… terminou no dia 19 de Maio de 2022, sendo certo que a prorrogação que foi concedida ao requerido RR… para apresentar a sua oposição ou aos requeridos MM…, JJ…, HH… e LL… para apresentarem a sua resposta àquela oposição não é extensível ao Sr. Administrador de Insolvência.
 Na verdade, o Sr. Administrador de Insolvência, à semelhança aliás do que já fez noutras ocasiões nestes autos, poderia, se assim o entendesse, ter requerido a prorrogação do prazo para apresentação da sua resposta, o que não fez, pelo que a prática do acto – resposta e pronúncia sobre a qualificação da insolvência relativamente a RR… – é extemporânea.
Em face do supra exposto, e ao abrigo do que dispõe o artigo 188.º, n.º 10 do CIRE, considero extemporânea a resposta/pronúncia do Sr. Administrador de Insolvência através do requerimento com a referência 4672614, datado de 31.05.2022, e determino o seu desentranhamento.
Sem custas, atenta a simplicidade do incidente.
 Notifique.

Na sequência da decisão proferida pelo douto Acórdão da Relação de Lisboa de 08.02.2022, e em complemento ao despacho proferido em 22.10.2020, por forma a abranger agora o requerido RR…, profere-se o seguinte despacho:

I. Dispensa da tentativa de conciliação (artigo 136.º, n.º 1, ex vi artigo 188.º, nº 11, do CIRE) Atenta a factualidade controvertida e as posições manifestadas nos articulados, afigura-se-nos que a realização da tentativa de conciliação configuraria um acto inútil, motivo pelo qual não se realizará a mesma.
*
Uma vez que o estado do processo não permite a apreciação imediata do mérito da causa, atendendo a que ainda se encontra controvertida matéria cuja prova é relevante para a decisão da causa, nos termos do disposto nos artigos 595.º e 596.º do Código Do Processo Civil ex vi 136.º, n.º 3 ex vi artigo 188.º, n.º 11, ambos do CIRE, passa-se a proferir:
II. Despacho Saneador
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem totalmente.
As partes, dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.
*
Questões Prévias:
1. Da suspensão da Instância requerida por RR… (pela pendência da acção 24/22.7BEPDL, que corre seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada):
(…)
Não há, pois, prejudicialidade, entre aquela ação e a presente.
Pelo exposto, indefere-se a requerida suspensão da instância com este fundamento.

2. Do pedido de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia):
(…)
Pelo exposto, recusa-se o reenvio prejudicial para o TJUE.
*
Não existem outras nulidades, exceções processuais ou questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer. Fixo o valor da causa em 11 097 699,12 € (artigos 296.º, 304.º Código de Processo Civil, ex vi artigo 17.º do CIRE e ainda artigo 301.º do CIRE).

III. Da identificação do objeto do litígio e da enunciação dos temas da prova:
(…)
IV. Do requerimento Probatório apresentado pelo Requerido RR…. na sua oposição:
 Prova documental:
Admito os documentos juntos.
 Depoimento de parte:
Requer o oponente RR… o seu depoimento de parte.
Ora, o depoimento de parte apenas pode ser requerido, nos termos do disposto no artigo 452.º do C.P.C, da parte contrária ou dos seus compartes.
 Em face do exposto, por inadmissibilidade legal, indefere-se o requerido depoimento de parte. Das declarações do Sr. Administrador da Insolvência:
Nos termos do disposto no artigo 139.º, alínea a), do CIRE, o Sr. Administrador da Insolvência será ouvido após o depoimento de parte e declarações de parte (que infra se deferirá relativamente aos demais requerimentos probatórios).
Da prova testemunhal:
 Por legal e tempestivo, admito o rol de testemunhas apresentado por RR…, todas a apresentar (artigo 25.º, n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ex vi artigos 134.º, n.º 1 e 188.º, todos do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas).

V. Do requerimento Probatório apresentado pelos Requeridos MM…, JJ…, HH… e LL…. na sua resposta:
 (…)
VI. Do requerimento Probatório apresentado pelo Requerido CC…. na sua resposta:
(…)
Requisição de documentos:
 a) Oficie o Banco de Portugal para que, no prazo de 10 dias, informe quais as contas bancárias que eram tituladas pela AA…, S. A. desde 11 de Março de 2019 até à data da declaração da insolvência.
 b) Notifique o Sr. Administrador de Insolvência, Dr. PP…, para que, no prazo de 10 dias, apresente nos autos extracto bancário da Massa Insolvente da AA…, a fim de se conhecer a conta de origem de todos os pagamentos feitos por RR… e/ou a MM…Lda. à massa insolvente, com base no Acordo junto como Doc. 4.

VII. Programação e marcação da audiência final:
 Conforme decidido pelo Douto Tribunal da Relação de Lisboa, que determinou a renovação da produção de prova para instrução dos factos que viessem a ser impugnados na oposição que viesse a ser deduzida pelo requerido RR…, sem prejuízo do aproveitamento dos que não resultem por ela prejudicados, e sem prejuízo da compatibilização que se mostre necessária para evitar contradições no julgamento e resultado do conjunto dos factos, a audiência de julgamento terá de ser realizada pela Mma. Juíza que presidiu às anteriores sessões de julgamento.

Em face do exposto, determino que sejam os autos remetidos fisicamente à Mma. Juiz de Direito, Dra. Andreia Pinho, a quem devem ser conclusos, devendo ser averiguado e salvaguardado pela secção que tal ocorre num dia em que a Mma. Juiz não se encontre em situação de gozo de férias, dada o período de férias judicias que agora se avizinha.
Notifique e demais D.N.”
Inconformado com o assim decidido, veio o Administrador da Insolvência interpor recurso de apelação, tendo apresentado alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
1. A decisão do tribunal a quo determina o desentranhamento da Resposta/Pronúncia apresentada pelo Sr. Administrador de Insolvência, através do requerimento com a referência 4672614, datado de 31.05.2022, por considerar aquele requerimento extemporâneo.
2. O requerimento apresentado pelo Sr. Administrador de Insolvência corresponde a uma Resposta à oposição apresentada pelo Requerido RR…, bem como, também junta um parecer da KPMG e arrola uma testemunha.
3. RR…. foi citado para os termos e efeitos do presente incidente de qualificação de insolvência, conforme determinado pelo douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa;
4. O Requerido, RR… veio apresentar a sua oposição, no dia 05.05.2022, depois de lhe ter sido deferida uma prorrogação do prazo para apresentação da oposição.
5. Em 06.05.2022 foi o Sr. Administrador de Insolvência notificado da oposição apresentada pelo requerido RR….
6. Em 30.05.2022 vieram os requeridos MM…, JJ…, HH… e LL… apresentar a sua resposta à oposição apresentada pelo requerido RR…, depois de lhes ter sido deferida uma prorrogação do prazo para apresentação da resposta.
7. Em 31.05.2022 veio o Sr. Administrador de Insolvência apresentar a sua resposta à oposição apresentada pelo requerido RR…. e bem assim, no mesmo requerimento reiterar e requerer que seja considerado neste apenso o parecer emitido no apenso M, que reproduz, sobre a qualificação de insolvência relativamente a RR….
 8. Salvo o devido respeito, não pode a aqui Recorrente concordar com a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
9. O pedido de prorrogação do prazo efetuado pelo Requeridos MM…, JJ…, HH… e LL… deve ser extensível ao Sr. Administrador de insolvência.
 10. A lei que determina que a resposta às oposições pode ser apresentada pelo administrador de insolvência e por outros interessados.
11. Além dos interessados, a intervenção do administrador de insolvência nos incidentes de qualificação de insolvência está expressamente prevista na lei (cfr. artigos 188.º e 189.º do CIRE).
12. Cabe aqui evidenciar a igualdade entre as partes, cfr. artigo 4.º do CPC, aplicável ex vi artigo 17.º, n.º 1, do CIRE.
13. Se parte dos interessados em responder à oposição de RR…. pôde beneficiar de uma prorrogação de prazo, naturalmente que essa prorrogação beneficia também todos os demais que, nos termos da lei, dispõem da faculdade de praticar o mesmo ato.
14. Incluindo-se o administrador de insolvência.
15. É o que decorre do princípio da igualdade das partes, tal como se encontra consagrado no artigo 4.º do CPC.
16. Em tal sentido, pronuncia-se a doutrina afirmando que, no caso de pluralidade de réus, se a prorrogação do prazo de defesa for concedida apenas a um deles tal benefício deve considerar-se extensivo aos restantes demandados, por aplicação adaptada do regime do artigo 569º, nº2, do CPC.
17. Deste modo, fica assegurada a possibilidade de defesa conjunta e em nada se prejudica a celeridade processual, já que os autos sempre aguardariam o decurso do último prazo (cfr., art.º 572º, nº 2) – in “Processo Civil Declarativo”, Almedina 2014, p. nota 454, e António Montalvão Machado e Paulo Pimenta, “O Novo Processo Civil”, Almedina 2007, p.185-186, nota 424.
18. Também a jurisprudência tem demonstrado o mesmo entendimento, por exemplo, no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 12-09-2017, o qual refere: “Em caso de pluralidade de réus, se a prorrogação do prazo de defesa for concedida apenas a um deles tal benefício deve considerar-se extensivo aos restantes demandados, por aplicação adaptada do regime do artigo 569º, nº2, do CPC.”
19. É do entendimento da Recorrente que a circunstância de estes serem visados no presente incidente de qualificação de insolvência não lhes concede nenhum direito especial ou exclusivo no que respeita especificamente a esta prorrogação.
20. Veja-se que os próprios Requeridos, quando requereram a prorrogação de prazo, fizeram-no por referência ao prazo de 10 dias concedido pelo artigo 188.º, n.º 10, do CIRE (cfr. artigos 23.º e 24.º do requerimento de prorrogação de prazo apresentado em 17-05-2022).
21. O Tribunal a quo, ao conceder a prorrogação, foi também claro ao afirmar que está em causa a apresentação de uma resposta nos termos do artigo 188.º, n.º 10, do CIRE e que a prorrogação se justificava em face complexidade subjacente ao incidente.
22. É do entendimento da Recorrente, que o fundamento da prorrogação, a complexidade do processo, é extensível a todos os que podem responder à oposição nos termos do 188.º do CIRE.
23. Entende a aqui Recorrente, que o Administrador de Insolvência deveria ter sido notificado no âmbito do apenso B para se pronunciar sobre a qualificação ou sobre se mantinha o parecer do apenso M,
24. Ao contrário do que sucedeu naquele apenso, a Comissão de Credores requereu a prorrogação do prazo para se pronunciar no apenso M e, sem prejuízo disso, foi notificada nos termos do 188.º já no apenso B.
25. O requerimento de resposta do Administrador de Insolvência à oposição apresentada deveria ter sido tomado pelo Tribunal a quo como favorável para a economia processual e celeridade dos autos.
26. No que concerne ao Despacho Saneador proferido e no seguimento do determinado, na medida em que, o julgamento deveria ser feito pela MM. Juiz que era titular do processo à data da 1.ª sentença, do mesmo modo, também deveria ser a mesma MM. Juiz a fixar os temas da prova e determinar os articulados e meios de prova que deveriam ser admitidos.
27. É do entender da aqui Recorrente que o Despacho Saneador proferido viola o princípio da imediação.
28. Face ao exposto, entende a aqui Recorrente que a decisão proferida no despacho que ora se recorre deverá ser revogada e substituída por outra que considere o requerimento apresentado pelo Sr. Administrador dentro do prazo para o efeito, bem como, seja proferido Despacho Saneador pela MM. Juiz titular do processo.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS QUE V.EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRECENTE RECURSO SERÁ FEITA INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.
Os requeridos MM…, JJ…, HH… e LL… apresentaram contra-alegações, nas quais formularam as seguintes conclusões:
1. A recorrente interpôs recurso do douto despacho que determinou o desentranhamento da Resposta do AI à oposição do requerido RR….
2. A recorrente não indica o modo de subida nem o efeito a atribuir ao recurso que interpôs, o que deverá ser corrigido.
3. A recorrente não logrou instruir devidamente o recurso – que sobe em separado – o que terá, também, de ser corrigido.
4. O recurso é um recurso de direito quanto ao pedido de revogação do despacho saneador, sem que a recorrente tenha indicado a norma jurídica, alegadamente, violada, nos do artigo 639º, do CPC, devendo ser rejeitado, nos termos legais.
5. O AI dispunha de um prazo de 10 dias para responder à oposição apresentada pelo requerido RR… ou, no mesmo prazo, requerer a prorrogação desse prazo – o que não fez.
6. O AI apresenta a sua resposta no dia 31 de Maio de 2022 – fora de prazo.
7. O AI não beneficia da prorrogação do prazo para apresentar resposta requerida pelos ora recorridos.
8. A prorrogação do prazo é extensível aos demais requeridos, não sendo o AI requerido nestes autos.
9. A recorrente invoca a norma legal prevista no artigo 569º, nº 5 do CPC, que prevê a possibilidade do Juiz conceder a prorrogação do prazo ao réu ou ao seu mandatário judicial para a organização da defesa – in casu, da resposta – a requerimento deste.
10. Norma que se refere a Réus – nestes autos tidos, naturalmente, como os requeridos - e não o Administrador da Insolvência, que não ocupa esta posição processual.
11. O AI não requereu qualquer prorrogação de prazo - pelo que a resposta que apresentou foi extemporânea.
12. A decisão de desentranhamento da resposta apresentada pelo AI deve ser mantida.
13. Não foi violada o princípio da igualdade das partes, pois o AI não é parte nestes autos, mas apenas um colaborador do tribunal.
14. Pelo que se extinguiu o direito de praticar o acto – a resposta – pelo decurso do prazo legal, que é peremptório.
15. O AI foi notificado, no presente apenso, nos termos do artigo 188º, nº 6, do CIRE para emitir parecer, bem como para responder à Oposição do requerido RR…, nos termos do artigo 188º, nº 10, do CIRE.
16. Pelo que a decisão deverá ser mantida.
17. A recorrente interpõe recurso do despacho saneador – no seu todo – alegando que foi violado o princípio da imediação.
18. O princípio da imediação relaciona-se com a valoração da prova produzida em audiência de julgamento e não com a enunciação dos temas da prova, em despacho recorrido.
19. Sendo o recurso, também neste aspecto, manifestamente infundado.
20. Pelo que o despacho saneador recorrido deverá manter-se.
21. As questões suscitadas no recurso interposto são de manifesta simplicidade, devendo ser objecto de decisão sumária.
22. E o douto despacho saneador proferido, mantido. JUSTIÇA!
Por despacho do relator foi admitido o recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II. As questões a decidir resumem-se essencialmente em saber:
- se a prorrogação do prazo para a apresentação de resposta à oposição deduzida por um dos indicados afectados pela qualificação da insolvência é extensível ao administrador da insolvência para efeitos do art.º 188º, n.º 10, do CIRE;
- se, tendo sido anulada a sentença, a prolação do despacho saneador, a identificação do objecto do litígio, a enunciação dos temas da prova e a decisão sobre a admissão dos meios de prova requeridos pelas partes, compete ao juiz que presidiu ao julgamento, e entretanto transferido, ou ao juiz do processo;
- se é caso de revogar a decisão recorrida.
*
III. Os factos provados são os descritos na decisão recorrida acima transcrita, para além dos referenciados no relatório do presente acórdão.
*
IV. Do mérito do recurso:
Um dos indicados afecatdos pela qualificação da insolvência, RR…, deduziu no dia 5/05/2022 oposição à qualificação da insolvência como culposa.
O administrador da insolvência e os demais afectados foram notificados dessa oposição, conforme certificação Citius de 6/05/2022.
Estes consideram-se notificados dia 9/05/2022.
Por requerimento de 17/05/2022, os indicados afectados, JJ…, HH…, LL… e MM…, solicitaram, além do mais, a prorrogação do prazo para apresentação da resposta, por um prazo não inferior a 10 dias.
Por despacho de 18/05/2022 foi deferida a requerida prorrogação, tendo aqueles apresentado resposta à oposição dia 30/05/2022.
E no dia 31-05-2022, PP…, Administrador Judicial nomeado nos autos, apresentou resposta à oposição deduzida por RR….
Na decisão recorrida não se admitiu esta resposta deduzida pelo AI por ter sido considerada extemporânea, entendendo-se que o prazo de resposta de 10 dias (art.º 188º, n.º 10, do CIRE) terminou dia 19/05/2022, não sendo a prorrogação do prazo concedido a quatro dos indicados afectados pela qualificação da insolvência extensível àquele.
Dissentindo deste entendimento, na apelação o AI propugna pela extensão daquele prazo a todos os que podem responder à oposição nos termos do 188.º do CIRE.

A questão a delucidar consiste, pois, em saber se, tendo sido prorrogado a quatro dos indicados afectados pela qualificação da insolvência o prazo de resposta à oposição deduzida por outro, esse prazo aproveita ao administrador da insolvência para efeito de dedução de resposta, nos termos dos art.ºs 569º, n.º 5, e 586º do CPC e 188º, n.º 10 do CIRE.
A resposta a esta questão tem a ver com a interpretação dos referidos artigos.
Estipulam estes normativos:
Art.º 569º:
1 - O réu pode contestar no prazo de 30 dias a contar da citação, começando o prazo a correr desde o termo da dilação, quando a esta houver lugar; no caso de revogação de despacho de indeferimento liminar da petição, o prazo para a contestação inicia-se com a notificação em 1.ª instância daquela decisão.
2 - Quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.
3 - Se o autor desistir da instância ou do pedido relativamente a algum dos réus não citados, são os réus que ainda não contestaram notificados da desistência, contando-se a partir da data da notificação o prazo para a sua contestação.
4 - Ao Ministério Público é concedida prorrogação do prazo quando careça de informações que não possa obter dentro dele ou quando tenha de aguardar resposta a consulta feita a instância superior; o pedido deve ser fundamentado e a prorrogação não pode, em caso algum, ir além de 30 dias.
5 - Quando o juiz considere que ocorre motivo ponderoso que impeça ou dificulte anormalmente ao réu ou ao seu mandatário judicial a organização da defesa, pode, a requerimento deste e sem prévia audição da parte contrária, prorrogar o prazo da contestação, até ao limite máximo de 30 dias.
6 - A apresentação do requerimento de prorrogação não suspende o prazo em curso; o juiz decide, sem possibilidade de recurso, no prazo de vinte e quatro horas e a secretaria notifica imediatamente ao requerente o despacho proferido, nos termos da segunda parte do n.º 5 e do n.º 6 do artigo 172.º.
Art.º 586º:
É aplicável à réplica a possibilidade de prorrogação prevista nos n.ºs 4 a 6 do artigo 569.º, não podendo a prorrogação ir além do prazo previsto para a sua apresentação.
Art.º 188º, n.º 10, do CIRE:
O administrador da insolvência, o Ministério Público e qualquer interessado que assuma posição contrária à das oposições pode responder-lhe dentro dos 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no número anterior.
A jurisprudência e a doutrina dividem-se em relação à interpretação do disposto no art.º 569º, n.ºs 2 e 5 do CPC.
Assim:
Entendeu o Acórdão da Relação de Lisboa 15 de Maio de 2013 (processo nº 293/13.3TVLSB.L1-6, acessível em www.dgsi.pt, assim como os adiante citados) que a prorrogação do prazo da contestação concedido a um dos réus prevista no nº 5 do art.º 486º do CPC antigo (actual art.º 569º) não pode ser aproveitada pelos demais.
Exarou-se nesse acórdão que:
“Na verdade, como se disse, o nº 2 do artigo 486º refere “o prazo que começou correr em último lugar” e este prazo só pode ser o previsto referido no nº 1 com ou sem dilação, consoante o caso.
Na verdade, a circunstância prevista no nº 5 não corresponde a um prazo que começa a correr, é antes uma prorrogação concedida pelo juiz em vista da justificação apresentada para essa prorrogação, a qual tem de constituir motivo ponderoso. Quer dizer, tem de haver uma motivação importante e convincente para que o juiz conceda essa prorrogação. Portanto, a prorrogação é deferida tendo em conta os motivos apresentados pelo Réu que a peça, sendo certo que esses motivos só a este dizem respeito. Se eles são comuns a outros co-Réus, então também estes terão de os invocar.
As situações em que mais se configura uma defesa semelhante reportam-se aos litisconsortes ou quando há possibilidade de coligação, mas em tais casos, como flui do artigo 327º nº 3 e nº 4, do CPC, não tem aplicação a referida norma.
Assim, não pode ser convocado o único argumento no sentido de estender a prorrogação aos demais co-Réus considerando o interesse de proporcionar a possibilidade de defesas conjuntas.
Em suma, entendemos que a prorrogação prevista no nº 5 do artigo 486º acontece num circunstancialismo intuitu personae, o qual por ser próprio do Réu que a requer não pode alargar-se aos demais co-Réus.”
Do mesmo modo, reportando-se ao art.º 569º, n.º 2, dizem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2, pág. 549, que esta “norma não se aplica quando o prazo de algum dos réus seja prorrogado, nos termos do nº 4 e do nº 5. Esta prorrogação é concedida pelo juiz ao requerente que dele careça, não se estendendo o benefício aos co-réus que não a requeiram. Para saber, por conseguinte, qual o prazo que termina em último lugar, considera-se tão-só a dilação e o prazo peremptório inicial, abstraindo da eventual prorrogação deste despacho judicial. A manutenção, em 95-96, da redacção do preceito, com rejeição da redacção alternativa do art.º 381-2 do Projecto da comissão Varela (“até ao termo do prazo da contestação que possa ser apresentada em último lugar”) é, neste sentido, elucidativa.
Em sentido oposto, no Acórdão da Relação de Coimbra de 12.09.2017, processo 293/13.3TVLSB.L1-6, embora com um voto de vencido, decidiu-se que, em caso de pluralidade de réus, se a prorrogação do prazo de defesa for concedida apenas a um deles tal benefício deve considerar-se sempre extensivo aos restantes demandados, por aplicação adaptada do regime do artigo 569º, nº 2, do CPC.
Assinalou-se nesse acórdão que:
Reconhecemos tratar-se de um benefício pessoal atribuído à parte que dele careça e que a jurisprudência maioritária vai também no sentido de que tal efeito se restringe aos réus requerentes..
Contudo, sendo também aqui aplicável o apelo à necessidade de facultar aos vários réus a possibilidade de concertação das suas defesas, não se descortina qualquer razão para, uma vez concedido àquele que o requeira, o mesmo não se estenda aos restantes que dele se queiram aproveitar.
Em tal sentido, se vem pronunciando Paulo Pimenta, afirmando que, no caso de pluralidade de réus, se a prorrogação do prazo de defesa for concedida apenas a um deles tal benefício deve considerar-se extensivo aos restantes demandados, por aplicação adaptada do regime do artigo 569º, nº 2, do CPC. Deste modo, fica assegurada a possibilidade de defesa conjunta e em nada se prejudica a celeridade processual, já que os autos sempre aguardariam o decurso do último prazo (cfr., art.º 572º, nº2).
Concluindo, para além de se considerar que o requerimento de prorrogação do prazo da contestação se encontrava igualmente subscrito pela Ré/Apelante, e que só por mero lapso de escrita, nele não constou desde logo, o nome da Ré, também por esta via chegaríamos à tempestividade da contestação apresentada por tal Ré”.
Na mesma linha de entendimento, exarou-se no Ac. da RP 28 de Novembro de 2017, proc. n.º11403/16.9T8PRT:
“Note-se, porém, desde logo, que estará em causa o prazo daquele réu que requereu a prorrogação do mesmo na medida em que, por força da dilação de cinco dias atribuída à pessoa singular que não assine o aviso de recepção da sua citação (artigos 228.º e 245.º do CPC), foi em relação a si próprio que o prazo começou a correr em último lugar. Deste modo, mesmo numa interpretação literal do nº 2 do artigo 569º, teria que se aceitar estar ainda em tempo a contestação do recorrente; doutro modo, teríamos que repristinar um término de prazo que o próprio tribunal entendeu dever eliminar ao permitir que, para esse concreto réu, o prazo continuasse a correr.
Mas, ainda que assim não fosse, o princípio de igualdade de armas com a já referida dimensão estruturante no âmbito de qualquer processo jurisdicional sempre imporia que o prazo de contestação termine na mesma data para todos os réus.
Admitir solução contrária por força de uma leitura estrita do preceito em apreço e que, conforme decorre das doutas alegações, parece ser desmentida por uma interpretação que se atenha ao elemento histórico, permitiria que, nomeadamente no que concerne aos próprios co-réus, uns tivessem a possibilidade de deduzir a sua argumentação já após conhecer a dos restantes, sendo certo que, em alguns casos, a defesa de uns pode ser divergente, ou mesmo oposta, à de outros.
Aceitar que um dado réu pudesse contestar após conhecer a alegação de um co-réu, sabendo que o seu prazo de contestação apenas terminaria em data necessariamente posterior à do outro, exemplificaria uma desigualdade de armas entre as partes que a teleologia do nosso ordenamento jurídico sempre veria como tendencialmente inadmissível.
Concluímos, portanto, que o carácter “intuitu personae” que esteve na origem de uma dada prorrogação de prazo a um réu não pode pôr em causa o interesse processualmente superior que impõe fazer coincidir na mesma data o prazo de contestação de todos os réus.”
Em sentido idêntico, António Montalvão Machado e Paulo Pimenta, in O Novo Processo Civil, Almedina 9ª edição, pág. 185, entendem que a possibilidade de prorrogação do prazo, até ao máximo de 30 dias, quando o réu o requeira e o tribunal considere relevantes os motivos invocados deve, em caso de pluralidade de réus, considerar-se extensivo aos restantes.
Importa tomar posição sobre esta divergência doutrinal e jurisprudencial.
Assim:
Como é sabido, havendo pluralidade de réus o termo final do prazo para contestar de cada um pode ocorrer em datas diferentes.
Para tanto basta que tenham sido citados em datas diversas, que alguns beneficiem de prazo de dilação ou que estes prazos dilatórios sejam diferentes.
Em tal caso, por força do n.º 2 do art.º 569º citado, qualquer um dos réus pode oferecer a sua contestação até ao termo do prazo que findar mais tarde.
Facilita-se, assim aos réus a defesa conjunta, sem qualquer prejuízo para o andamento do processo e com a vantagem de manter aberta a possibilidade da contribuição de todos os réus para a determinação e o apuramento da matéria fática da causa.
Certo é que o “prazo que começou a correr em último lugar”, a que o n.º 2 do artigo 569.º do CPC se refere, só pode ser o prazo peremptório (e não também o dilatório), pois que só desse modo se tratará do prazo que finda em último lugar – cfr. neste sentido Lebre de Fritas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, 2º Volume, 3ª edição, pág. 548.
Todavia, esse prazo peremptório é apenas o previsto no n.º 1, do art.º 569º do CPC, e não o prazo peremptório de algum dos réus que seja prorrogado, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do mesmo normativo.
De outro modo, o “prazo que começou a correr em último lugar” poderia não ser o último a findar.
Não possui assim qualquer vínculo à letra da lei a extensão do benefício da prorrogação do prazo aos réus que não peticionaram tal.
De resto, como assinalam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, parece ter sido propósito do legislador não abranger no n.º 2 do art.º 569º do CPC as situações da prorrogação do prazo.
É que o “motivo ponderoso que impeça ou dificulte anormalmente ao réu ou ao seu mandatário judicial a organização da defesa” (n.º 5 do art.º 569º) respeita apenas a um determinado réu e não a outro.
E se os réus pretendessem exercitar a defesa conjunta, então caberia a todos eles peticionarem conjuntamente ao tribunal a prorrogação do prazo da contestação.
Não o tendo feito, por certo que prescindiram da aludida defesa conjunta e da concertação por essa via das suas defesas
Não se ignora que a extensão daquele prazo a todos os réus não causaria prejuízo para o andamento do processo, atento regime prescrito no art.º 575º do CPC, no qual se manda aguardar pelo decurso do prazo de oferecimento de todas as contestações.
Porém, aquela opção legislativa mostra-se concordante com um dos princípios vigentes no processo civil: o princípio do pedido.
Tal princípio tem consagração inequívoca no art.º 3.º, n.º 1, do CPCivil: "o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (...)”.
Deste modo, os sujeitos processuais que pretendam a prorrogação do prazo da contestação terão de a requerer para que, dentro das circunstâncias enunciadas no n.º 5 do art.º 569º, o julgador pondere as razões invocadas e assim possa apreciar e decidir tal pretensão.
Só através do pedido formulado é que a pretensão do peticionário pode ser analisada.
Denota-se na submissão do incidente ao princípio do pedido e no afastamento da oficiosidade na prorrogação do prazo da contestação, o racional de autorresponsabilização do titular do direito na gestão da defesa dos seus interesses processuais.
Na verdade, não se vê quem melhor que o sujeito processual afectado poderá aferir da oportunidade do pedido e fazer prevalecer em juízo as situações em que o prazo geral de contestação impeça ou dificulte anormalmente ao réu ou ao seu mandatário judicial a organização da defesa.
A extensão da beneficiação excepcional contemplada na lei a quem a não pediu viola, pois, o citado princípio. Concedê-la a quem não a requereu é retirar ao decisor o dever da ponderação da situação concreta que a possa e deva justificar. E possibilita a verificação de uma evidente situação anómala e incongruente, de havendo mais do que um requerente da prorrogação do prazo, na ponderação individual de cada uma delas haver decisões com tempos de ampliação de prazo diferentes, resolução com absoluta falta de utilidade, pois que mesmo o beneficiário de um prazo menor, sempre poderia usufruir do prazo mais alargado que eventualmente fosse concedido (acompanhamos de perto a argumentação expendida sobre a ampliação do prazo de recurso penal na decisão sumária do Tribunal Constitucional n.º 405/2019, Lino Rodrigues Ribeiro – relator).
O preceito legal em causa não pode, pois, ser interpretado da forma alargada, afastando-se assim do perímetro da prorrogação do prazo de contestação os casos em que não exista justificação bastante ou o beneficiário do prazo entenda, pela simplicidade das questões a colocar à apreciação do Tribunal, ou em virtude de escolha estratégica assente na minimização das delongas processuais, que o prazo geral é suficiente.

Ademais, o disposto no art.º 569º, n.º 2, do CPC não é aplicável à réplica (e, por identidade de razão, à resposta à oposição), posto que a remissão do art.º 586º do mesmo diploma é apenas feita para os n.ºs 4 a 6 daquele normativo.
De resto, como sustentam Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 3ª edição, Quid Juris, pag. 691, o citado art.º 569º, n.º 2, não é sequer aplicável à oposição de cada uma das pessoas chamadas ao incidente.

Assim sendo, conclui-se que, no caso em análise, o ora apelante dispunha apenas do prazo de 10 dias para deduzir articulado de resposta à oposição apresentada pelo afectado RR…, prazo esse que terminou dia 19/05/2022, sendo nessa medida extemporânea a resposta apresentada dia 31/05/2022.

Sustenta, porém, o apelante que a interpretação das normas legais acolhida na decisão recorrida e por nós subscrita, viola o princípio da igualdade das partes contemplado no art.º 4º do CPC, o que sempre imporia que o prazo de resposta à oposição termine na mesma data para todos os sujeitos processuais.
Não assiste razão ao apelante.
Estipula o art.º 4º citado:
O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, 1º Volume, 3ª edição, pág. 11, trata-se de garantir a ambas as partes, ao longo do processo, a identidade de faculdades e meios de defesa e a sua sujeição a ónus e cominações idênticos.
De sua vez, prescreve o art.º 13º da Constituição:
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
Ora, como assinalou o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 409/99:
«O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adoção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional.»
E no acórdão n.º 269/2008:
«Como sempre se tem dito – e como foi repetido, em síntese expressiva de todo o acervo jurisprudencial anterior, pelo Acórdão nº 232/2003 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) – enquanto vínculo específico do poder legislativo (pois só essa sua ‘qualidade’ agora nos interessa), o princípio da igualdade não tem uma dimensão única. Na realidade, ele desdobra-se em duas «vertentes» ou «dimensões»: uma, a que se refere especificamente o nº 1 do artigo 13º, tem sido identificada pelo Tribunal como proibição do arbítrio legislativo; outra, a referida especialmente no nº 2 do mesmo preceito constitucional, tem sido identificada como proibição da discriminação. Em ambas as situações está em causa a dimensão negativa do princípio da igualdade. Do que se trata – tanto na proibição do arbítrio quanto na proibição de discriminação – é da determinação dos casos em que merece censura constitucional o estabelecimento, por parte do legislador, de diferenças de tratamento entre as pessoas. Mas enquanto, na proibição do arbítrio, tal censura ocorre sempre que (e só quando) se provar que a diferença de tratamento não tem a justificá-la um qualquer fundamento racional bastante, na proibição de discriminação a censura ocorre sempre que as diferenças de tratamento introduzidas pelo legislador tiverem por fundamento algumas das características pessoais a que alude – em elenco não fechado – o nº 2 do artigo 13º. É que a Constituição entende que tais características, pela sua natureza, não poderão ser à partida fundamento idóneo das diferenças de tratamento legislativamente instituídas.»
Já no Ac. n.º 227/2015 o TC assinala que:
“O legislador não tem de escolher a “melhor solução”, nem sequer uma “boa solução”, podendo (embora não deva) optar por soluções irracionais ou incongruentes. O que esta irracionalidade ou incongruência não pode é implicar «diversidades de tratamento não fundadas em motivos razoáveis.» (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 546/2011).
É que, constituindo o princípio da igualdade uma «norma de controlo», não pode desconsiderar-se que «em sede de controlo da constitucionalidade, não cabe aos respetivos órgãos emitir propriamente um juízo “positivo” sobre a solução legal: ou seja, um juízo em que o órgão de controlo comece por ponderar a situação como se fora o legislador (e como que “substituindo-se” a este) para depois aferir da racionalidade da solução legislativa pela sua própria ideia do que seria, no caso, a solução “razoável”, “justa” ou “ideal”. Os órgãos de controlo da constitucionalidade não podem ir tão longe: o que lhes cabe é tão-somente um juízo “negativo” que afaste aquelas soluções legais de todo o ponto insuscetíveis de credenciar-se racionalmente» (Parecer n.º 26/82 da Comissão Constitucional, «in» Pareceres da Comissão Constitucional, 20.º Volume, 1984, pp. 223/224). Nesta linha, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/90 resumiu: «a “teoria da proibição do arbítrio” não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência de controlo jurisdicional.»
Acrescente-se que, «embora o juízo de igualdade seja um juízo relativo, a comparação não está confinada ao confronto entre disposições normativas, devendo igualmente atender-se, tendo em conta uma perspetiva sistémica, ao modo como a solução normativa sindicada se integra no sistema jurídico como um todo» (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, cit., p.226).
Por último, «a caracterização de uma medida legislativa como inconstitucional, por ofensa do princípio da igualdade, dependerá, em última análise, da ausência de fundamento material suficiente, isto é, da falta de razoabilidade e consonância com o sistema jurídico» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 270/09).”
Assim sendo, é nítido que no caso em apreciação não se coloca um problema de violação do princípio da igualdade, pois que, o direito à prorrogação do prazo de resposta à oposição pode ser exercido pelo administrador da insolvência, pelo M.P., ou por qualquer interessado que assuma posição contrária à da oposição apresentada pelo oponente, aplicando-se esse regime de modo absolutamente igual a esses sujeitos. E a lei, ao sujeitar o benefício da prorrogação desse prazo ao princípio do pedido, encontra justificação na promoção da efetividade do sistema processual, por via da autorresponsabilização do titular do direito subjetivo, ao mesmo tempo que assegura a verificação judicial de pressupostos materialmente justificadores da inerente extensão do prazo de defesa.
Essa exigência legal não acarreta onerosidade significativa, em termos de se poder reputar desproporcionada, por excessiva, a sua imposição.
Por outro lado, não se afigura que o direito à defesa, que a Constituição expressamente reconhece (art.º 20º da CRP), possa integrar, no seu âmbito de proteção constitucional, o invocado direito a beneficiar da prorrogação do prazo de defesa concedido a outro sujeito processual, que o requereu, no interesse próprio, não provocando tal prorrogação um agravamento da posição processual daquele outro sujeito, em termos de o prazo legalmente definido deixar de oferecer as suficientes garantias de defesa.
Conclui-se assim, sem hesitações, não ofender o princípio da igualdade previsto no art.º 4º do CPC e no art.º 13º da Constituição, o disposto no n.º 5 do artigo 569º do CPC, aplicável “ex vi” do art.º 586º do mesmo diploma, interpretado nos moldes apontados, no segmento em que condiciona a prorrogação do prazo da resposta à oposição à apresentação de requerimento com esse propósito por parte de um sujeito processual.
Improcede, por isso, a apelação na parte em referência.

Da putativa violação do princípio da imediação:
Diz o apelante que:
26. No que concerne ao Despacho Saneador proferido e no seguimento do determinado, na medida em que, o julgamento deveria ser feito pela MM. Juiz que era titular do processo à data da 1.ª sentença, do mesmo modo, também deveria ser a mesma MM. Juiz a fixar os temas da prova e determinar os articulados e meios de prova que deveriam ser admitidos.
27. É do entender da aqui Recorrente que o Despacho Saneador proferido viola o princípio da imediação.
28. Face ao exposto, entende a aqui Recorrente que a decisão proferida no despacho que ora se recorre deverá ser revogada e substituída por outra que considere o requerimento apresentado pelo Sr. Administrador dentro do prazo para o efeito, bem como, seja proferido Despacho Saneador pela MM. Juiz titular do processo.
Vejamos.
Não constitui objeto de recurso a questão de saber se o julgamento que cumpre realizar deverá ser presidido pela Sra. Juíza (Dra. Andreia Pinho) que realizou o julgamento e proferiu a sentença que veio a ser anulada por acórdão deste TRL e que, entretanto, foi transferida para outro tribunal.
A questão restringe-se a saber se também devia ser a mesma Sra. Juíza a proferir despacho saneador, a fixar os temas da prova e a determinar os articulados e meios de prova que deveriam ser admitidos.
Invoca o apelante o princípio da imediação, o qual se mostra consagrado, nomeadamente, no art.º 604º do CPC.
Este implica “que sempre que a prova seja produzida através de pessoas, se privilegie o recurso à palavra falada, e que, sempre que estejam em causa coisas, a elas deverá o juiz aceder directamente, assim como os debates deverão decorrer directamente perante o órgão julgador” – Pereira Batista, Reforma do Processo Civil, Princípios Fundamentais, pág. 94.
Instrumentais relativamente a este princípio são os da oralidade e da concentração
Em ligação com estes princípios temos o da livre apreciação da prova e em derivação deste o princípio da plenitude da assistência dos juízes – cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, págs. 156 a 161.
Este último princípio mostra-se consagrado no art.º 605º do CPC, onde se dispõe que o juiz transferido conclui o julgamento e elabora a sentença (n.ºs 3 e 4).
Porém, a intervenção do juiz transferido restringe-se a esses actos e não aos que logicamente os antecedem, como a prolação do despacho saneador, a identificação do objecto do litígio, a enunciação dos temas da prova e a decisão sobre a admissão dos meios de prova requeridos pelas partes, posto que estes actos têm lugar em momento processual anterior, nos termos dos art.ºs 136º a 138º do CIRE, aplicáveis por força do disposto no art.º 188º, n.º 11, do CIRE.
E tendo tais actos sido no caso praticados pelo juiz titular do processo, não se mostram violados os aludidos princípios da imediação e da plenitude da assistência do juiz.
Improcede, por isso, também nesta parte, a apelação.

As custas da apelação ficam a cargo da massa insolvente, nos termos dos art.ºs 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC, e 303º do CIRE

*
Sumário:
5. Tendo sido, nos termos dos art.ºs 569º, n.º 5, e 586º do CPC, prorrogado a quatro dos indicados afectados pela qualificação da insolvência o prazo de resposta à oposição deduzida por outro, esse prazo não aproveita ao administrador da insolvência para efeito de resposta a deduzir nos termos do art.º 188º, n.º 10, do CIRE.
6. A extensão da beneficiação excepcional contemplada na lei a quem a não pediu viola o princípio do pedido (art.º 3º, n.º 1, do CPC).
7. Denota-se na submissão do incidente ao princípio do pedido e no afastamento da oficiosidade na prorrogação do prazo da contestação, o racional de autorresponsabilização do titular do direito na gestão da defesa dos seus interesses processuais.
8. Do princípio da plenitude da assistência dos juízes consagrado no art.º 605º do CPC, decorre que a intervenção do juiz transferido se restringe aos actos de julgamento e de elaboração da sentença e não aos que logicamente os antecedem, como a prolação do despacho saneador, a identificação do objecto do litígio, a enunciação dos temas da prova e a decisão sobre a admissão dos meios de prova requeridos pelas partes.

***
V. Decisão:
a. Pelo acima exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida;
b. Custas do recurso pela massa insolvente, nos moldes definidos art.º 303º do CIRE;
c. Notifique.

11 de Abril de 2023
Manuel Marques
Pedro Brighton
Teresa Sousa Henriques