Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3681/23.3T8LRS.L1-3
Relator: CRISTINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores: RECURSO DE CONTRAORDENAÇÃO
NOTIFICAÇÃO DA SENTENÇA
REGISTO CRIMINAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: A exigência de notificação pessoal da sentença que julgou a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa à recorrente, nos termos em que esta alicerça um dos fundamentos do presente recurso não tem qualquer fundamento legal e, além disso redundaria na transformação dos processos de contraordenação em mecanismos processuais ainda mais garantísticos e morosos do que o processo penal, contrariando quer os diferentes graus de relevância dos crimes e das contraordenações, por um lado, quer a própria tramitação de cada uma destas duas espécies de procedimento, ponderando que o processo contraordenacional  terá necessariamente de ser um processo mais célere e simplificado, com prazos prescricionais muito mais curtos e a possibilidade de o julgamento do recurso na fase jurisdicional ser feita por simples despacho, sem obrigatoriedade de constituição de advogado que represente a recorrente, mas em contrapartida, com um regime jurídico de notificações muito mais exigente do que aquele que vigora no âmbito do processo penal, como se pode por exemplo, retirar dos efeitos jurídicos da prestação de TIR, nos termos do art.º 196º, bem assim, do regime jurídico contido nos arts. 331º a 333º em tema de comparência do arguido à audiência de discussão e julgamento, o que seria totalmente incongruente também com a unidade do sistema jurídico. A exigência de notificação pessoal da sentença que julgou a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa à recorrente, nos termos em que esta alicerça um dos fundamentos do presente recurso não tem, pois, qualquer fundamento legal e, além disso redundaria na transformação dos processos de contraordenação em mecanismos processuais ainda mais garantísticos e morosos do que o processo penal, contrariando quer os diferentes graus de relevância dos crimes e das contraordenações, por um lado, quer a própria tramitação de cada uma destas duas espécies de procedimento, ponderando que o processo contraordenacional terá necessariamente de ser um processo mais célere e simplificado, com prazos prescricionais muito mais curtos e a possibilidade de o julgamento do recurso na fase jurisdicional ser feita por simples despacho, sem obrigatoriedade de constituição de advogado que represente a recorrente, mas em contrapartida, com um regime jurídico de notificações muito mais exigente do que aquele que vigora no âmbito do processo penal, como se pode por exemplo, retirar dos efeitos jurídicos da prestação de TIR, nos termos do art.º 196º, bem assim, do regime jurídico contido nos arts. 331º a 333º em tema de comparência do arguido à audiência de discussão e julgamento, o que seria totalmente incongruente também com a unidade do sistema jurídico.
As regras do registo criminal não são aplicáveis às contraordenações.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
Por decisão sumária proferida ao abrigo do disposto no art.º 417º nº 6 al. b) do CPP, em 16.03.2024, foi rejeitado, por extemporaneidade, o recurso interposto por FAPAJAL, PAPERMAKING, S. A. da sentença proferida em 21 de Setembro de 2023, no Recurso de Contraordenação nº 3681/23.3T8LRS do Juízo Local Criminal de Loures - Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte.
A recorrente veio reclamar para a conferência com a seguinte argumentação:

A fls. 18 in fine e 19 da Douta Decisão Sumária, encontram-se elencadas, e bem, as questões a decidir no presente Recurso, a saber:
1. questão prévia – da falta de notificação da recorrente da sentença.
2. da nulidade por falta de descrição quanto ao elemento objectivo e por falta de indicação da alínea do preceito legal alegadamente violado.
3. da alegada falta de acusação em virtude da disposição legal existente não ser violável.
4. da infracção - do inventário de fontes radioativas e do princípio do in dubio pro reo.
5. do dolo e da medida da pena.
6. da não transcrição da contraordenação.
Não obstante,

Vem a Decisão Sumária, nos pontos II e III julgar improcedentes as questões 2 a 6 supra referidas em 1º, mas a folhas 34 da Decisão julga parcialmente procedente o recurso interposto.

Não consegue, assim, a recorrente perceber porque razão, aliás erradamente, conforme infra se demonstrará, a Decisão Sumária decide pela improcedência de todas as questões elencadas de 2 a 6 e depois julga parcialmente procedente o recurso interposto, mantendo a mesma decisão, com a qual a Recorrente não se conformou.

Havendo, aqui, desconformidade, entre a fundamentação e a decisão final.

Acresce que a questão 1 que era uma questão prévia – da falta de notificação da recorrente da sentença, não se percebendo porque razão, a mesma é decidida a final, a folhas 34 e seguintes.

Após a Decisão proferida em V., a folhas 33.

Existindo segunda Decisão a folhas 38 – ponto III.

O que causa e origina confusão na interpretação da Decisão Sumária, na sua globalidade.

Pois que, após a Decisão sobre as questões elencadas de 2 a 6, decide-se pela extemporaneidade do recurso, embora erradamente, conforme se demonstrará infra, com o devido respeito.
10º
Com efeito, quanto a este aspecto – ponto 1, para além de dever ser decidido em Questão Prévia, ou seja, antes das questões 2 a 6, uma vez que o recurso é delimitado pelas questões elencadas pela Recorrente, ainda assim, quando na Decisão Sumária se decide pela extemporaneidade do recurso, não tem a Mma. Juiz Desembargadora, com o devido respeito, qualquer razão, uma vez que se aplica in casu o prazo para recurso da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, até por mais favorável à recorrente, aqui arguida.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser proferido Acórdão pela Conferência que esclareça todas estas questões, desconformidades e obscuridades.
Acresce que,
11º
Estamos aqui no âmbito de uma contraordenação ambiental, aplicando-se a Lei Quadro das Contraordenações Ambientais.
12º
Ora, nos termos do artigo 55º nº 4 da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais (Lei nº 50/2006. de 29 de Agosto) “Dos despachos e sentenças que ponham termo ao processo em sede judicial cabe recurso, a interpor no prazo de 20 dias contados nos termos do disposto no regime geral das contraordenações.” (sublinhado e negrito nossos).
13º
Pelo que, não são 10 dias, conforme a Decisão Sumária decide, seguramente por lapso.
14º
Ora, nos termos do artigo 74º do Regime Geral das Contraordenações (Decreto-lei nº 433/82, de 27 de Outubro) o prazo para interposição de recurso conta-se a partir da Sentença “ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste.”
15º
Sucede que, conforme se verifica da Acta de Leitura de Sentença, a Recorrente não estava presente.
16º
No âmbito de um processo de contraordenação, a Recorrente assume a posição de arguida.
17º
Pelo que, uma vez que nos termos do artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, aplica-se subsidiariamente às contraordenações ambientais o regime geral das contraordenações (R. G. C. O.) e, por sua vez, o artigo 41º do R. G. C. O. manda aplicar subsidiariamente os preceitos reguladores do processo criminal, temos que aplicar, in casu, o disposto nos artigos 113º nº 10 e 333º nº 5, ambos do Código de Processo Penal, com as devidas adaptações.
18º
Ou seja, decorrendo a audiência de discussão e julgamento na ausência da arguida, aqui Recorrente, esta tem que ser notificada da Sentença Condenatória, não se iniciando o prazo para interposição de recurso por parte da mesma antes de efectuada tal notificação.
19º
O que não sucedeu nos autos, compulsado o sistema CITIUS.
20º
Esta prescrição tornou-se ainda mais clara com a introdução, através da Lei nº 26/2010, de 30 de Agosto, do actual nº 6 do artigo 333º do Código de Processo Penal, no qual se lê que “Na notificação prevista no número anterior o arguido é expressamente informado do direito a recorrer da sentença e do respectivo prazo.”.
21º
O que não sucede nestes autos.
22º
Como bem realça o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10 de Março de 2003 (in CJ, Ano XXVIII, T. II, pág. 289) “Torna-se clara a ligação, ou imediação, que a lei faz entre a notificação do arguido e a possibilidade daí decorrente de interposição de recurso, dessa forma reagindo a uma decisão condenatória. Aquela define o momento a partir do qual pode ser exercido.” (igualmente no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05.07.2005, in CJ, Ano XXX, T. IV, pás 220/221).
Assim sendo, nestes termos, deve a Recorrente, arguida, ser devidamente notificada nos termos supra expostos, e apenas a partir dessa notificação começar a contagem do prazo para recurso.
23º
Quanto às restantes questões elencadas nos pontos 2 a 6 supra - artigo 1º, também não tem a Mma. Juiz Desembargadora Relatora qualquer razão, com o devido respeito, apesar de não se entender da procedência parcial do recurso.
Vejamos:
I – DA NULIDADE POR FALTA DE DESCRIÇÃO QUANTO AO ELEMENTO OBJECTIVO E POR FALTA DE INDICAÇÃO DA ALÍNEA DO PRECEITO LEGAL ALEGADAMENTE VIOLADO:
a)
A Recorrente, no âmbito da sua Impugnação Judicial, em suma, veio alegar que:
A decisão notificada à arguida, aqui recorrente, é um despacho acusatório, sendo que, do mesmo consta apenas “violação dos deveres por parte dos titulares de práticas previstos no n.º 1 do artigo 49.º (…) do Decreto-Lei n.º 108/2018, de 03 de dezembro (…)”.
Ora, o artigo 49º nº 1 do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro tem 10 alíneas.
Sendo que não pode vir agora a decisão condenar a recorrente numa das alíneas, a b), quando na acusação não a identificou.
Pelo que, nos termos do artigo 283º nº 3 do Código de Processo Penal, a decisão final é nula.
*
b) Por seu turno, a Sentença agora objecto de recurso, em síntese, afirma que:
“Importa pois notar que, tal despacho realizado ao abrigo do disposto no art.º 49.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto visa, à semelhança do preceituado no art.º 50.º do R. G. C. O., assegurar o direito de audiência e, consequentemente, o direito de participar na conformação do caso, (…)
Não pode, por isso, o despacho em causa ser considerado um despacho acusatório.
Aliás, no âmbito contraordenacional, o legislador determinou que, vale como despacho acusatório o despacho pelo qual o Ministério Público torna os autos presentes ao juiz após recebido o recurso (…)
Para mais, com o referido despacho da autoridade administrativa foi igualmente enviado à Recorrente cópia do auto de notícia (…)”.
c)
Não pode a Recorrente concordar com tal Douta apreciação:
Vejamos:
Estamos aqui perante o ofício enviado à Recorrente, com data de 29 de Junho de 2022 – fls. 92 do processo administrativo instrutor, através do qual a Recorrente é notificada da DECISÃO FINAL proferida no âmbito do processo de contraordenação.
Nessa DECISÃO FINAL consta expressamente que
“Infração constante do Despacho
Violação dos deveres por parte dos titulares de práticas previstas no artigo 49.º n.º 1 do Decreto-Lei (DL) n.º 108/2018 (…)”
PRIMEIRO: A decisão final não é um despacho – é uma DECISÃO FINAL, pelo que, a mesma NÃO é efectuada ao abrigo do artigo 49º do Decreto-Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto (contrariamente ao que Sentença preconiza) que prescreve: Artigo 49.º Direito de audiência e defesa do arguido 1 - O auto de notícia, depois de confirmado pela autoridade administrativa e antes de ser tomada a decisão final, é notificado ao infrator conjuntamente com todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, para, no prazo de 15 dias úteis, se pronunciar por escrito sobre o que se lhe oferecer por conveniente. 2 - No mesmo prazo deve, querendo, apresentar resposta escrita, juntar os documentos probatórios de que disponha e arrolar testemunhas, até ao máximo de duas por cada facto, num total de sete. 3 - Consideram-se não escritos os nomes das testemunhas que no rol ultrapassem o número legal, bem como daquelas relativamente às quais não sejam indicados os elementos necessários à sua notificação.
Mas sim, ao abrigo do disposto no artigo 59º do R.G.C.O. – Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, que estipula:
Artigo 59.º Forma e prazo 1 - A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial. 2 - O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor. 3 - O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.
Pelo que, erra a Sentença aqui objecto de recurso, quando considera a DECISÃO FINAL um mero despacho administrativo, violando o artigo 59º do R.G.C.O. – Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.
Pois que, se assim fosse, jamais deveria ter admitido a IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, pois que a mesma é feita no âmbito do artigo 59º nº 1 do R. G. C. O.!
Assim, erra também a Sentença quando refere que tal notificação visa apenas assegurar o direito de audiência e de participar no processo administrativo.
Errado!
Já tínhamos passado tal fase.
Já estamos na fase da DECISÃO FINAL, a qual, tem natureza acusatória, pois é a mesma que a Recorrente tem direito a impugnar judicialmente.
SEGUNDO: Efectivamente, nos termos do artigo 62º do R. G. C. O., recebido o recurso, o despacho do Ministério Público, após tornar os autos administrativos presente ao juiz, valerá este acto como acusação.
Então, neste caso, de duas uma:
a)
Esta DECISÃO FINAL, sub judice, não tem carácter acusatório e o que vale é o Despacho do Ministério Público;
b)
Se é válido o Despacho do Ministério Público – que se junta para melhor compreensão, uma vez que no sistema CITIUS a folha aparece toda preta (cfr. doc. nº 1) – JAMAIS este despacho em concreto pode valer como acusação.
Sendo que, o despacho do Ministério Público, a valer como acusação, deveria conter todos os elementos previstos no artigo 283º do Código de Processo Penal.
O que não sucede.
O Digníssimo Magistrado do Ministério Público apenas apresenta o “expediente a fim de ser registado e distribuído como Recurso de Contraordenação”, declara que não se opõe à decisão por despacho e indica os meios de prova.
Portanto, é este o Despacho que o Tribunal “a quo” considera como Acusatório?!?!?
Então, maior a nulidade do mesmo!
Ora, não constando nenhuma infracção no dito despacho do Ministério Público, só temos aquela que consta da DECISÃO FINAL, a qual não invoca qual a alínea violada!
Pelo que, ficamos num impasse! Do qual, a Recorrente, arguida, não pode jamais ficar prejudicada!
Aliás, se acrescente ainda que se tal Despacho do Ministério Público é a acusação, então a Recorrente não foi dele notificada, o que consubstancia uma irregularidade, nos termos do artigo 123º do Código de Processo Penal, devendo ser tal despacho notificada à mesma, a fim de se sanar tal irregularidade, com todas as consequências legais.
TERCEIRO: Não se pode vir alegar que, apesar de a norma infringida não constar da DECISÃO FINAL, a Recorrente podia consultar o processo, ler o auto de notícia, entre outros elementos constantes do processo administrativo instrutor.
Errado, com o devido respeito.
E manifestamente violador do disposto no artigo 283º nº 3 do Código de Processo Penal.
Esse ónus não pode ser exigido ao Recorrente, aqui arguida. Mal seria!
Seria o mesmo que exigir a um arguido num processo crime, onde da acusação conste apenas, por exemplo, o artigo 213º do Código Penal (crime de Dano Qualificado), sem indicar a alínea, e o arguido ter que ir ao auto de notícia verificar qual a alínea que ali constava. Não se pode admitir!
Aliás, tanto assim não é que o próprio artigo 58º do R. G. C. O. estipula:
Artigo 58.º Decisão condenatória 1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) A identificação dos arguidos; b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) A coima e as sanções acessórias.
Nesta senda, importa atentar no que referem Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa in “Contraordenações, Anotações ao Regime Geral”, 2ª edição, 2002, pág. 334: “Não se prevê no R. G. C. O. A consequência processual da falta de requisitos da decisão previstos neste artigo, pelo que deverão aplicar-se os preceitos do processo criminal relativos às decisões condenatórias, em consonância com o preceituado no art.º 41.º, n.º 1, daquele diploma.
Assim, a falta dos requisitos previstos no n.º 1 constitui uma nulidade da decisão (…)”.
Assim sendo, em conclusão:
Nos termos do artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, aplica-se subsidiariamente às contraordenações ambientais o regime geral das contraordenações (R.G.C.O.), senso que, por sua vez, o artigo 41º do R.G.C.O. manda aplicar subsidiariamente os preceitos reguladores do processo criminal.
Ora, o processo penal, e consequentemente, o processo contra-ordenacional têm natureza acusatória.
De acordo com o Prof. Germano Marques da Silva in Direito Processual Português, pág. 366, “a acusação em processo penal consubstancia a formulação e uma pretensão e a indicação da causa dessa pretensão”, sendo o seu conteúdo formado pela indicação da verificação e um facto típico, ilícito e culposo, praticado por um determinado agente, e a sua pretensão o pedido de aplicação da sanção prevista na Lei para a violação do interesse protegido pela norma penal concretamente infringida.
Assim sendo, a decisão final notificada à arguida, aqui recorrente, é um despacho acusatório.
Sendo que, do mesmo não constam os factos que são imputados à arguida, ora Recorrente.
Aliás, da decisão notificada à arguida consta apenas “Violação dos deveres por parte dos titulares de práticas previstas no artigo 49.º n.º 1 do Decreto-Lei (DL) n.º 108/2018 (…)”
Ora, o artigo 49º nº 1 do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro tem 10 alíneas.
Sendo que não pode vir agora a decisão condenar a Recorrente numa das alíneas, a b), quando na acusação não a identificou.
Pelo que, conforme se disse, configurando o despacho natureza acusatória, não indicando a alínea do nº 1 do referido artigo 49º alegadamente violada pela arguida, é o despacho nulo, por faltarem elementos básicos da contraordenação praticada, nomeadamente, todos os factos tipificadores da infracção.
Como é doutrina e jurisprudência unânime, na fase administrativa do processo, o despacho que notifica a arguida para defesa deve conter os elementos que constam do artigo 283º do Código de Processo Penal, cuja razão de ser se prende com o exercício pela recorrente do seu direito de defesa.
Deste modo, circunscrevendo-se ao campo de aplicação ao processo contra-ordenacional também aqui o despacho segue a estrutura da acusação em processo penal, definida no artigo 283º nº 3 do Código de Processo Penal.
Ora, no caso dos autos, a decisão não cumpre o referido artigo 283º nº 3 alínea b) do Código de Processo Penal, nomeadamente, não consta do mesmo “A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.”.
Pelo que, nos termos do artigo 283º nº 3 do Código de Processo Penal, a decisão final é nula.
Até porque a definição dos factos em causa e a sua comunicação à arguida é uma garantia da defesa da mesma.
Sob pena ainda de violação, do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
Veio, em resposta (cfr. fls. 131 do processo administrativo instrutor), a entidade administrativa alegar que, apesar de não constarem no despacho acusatório todos os elementos que deveriam constar (confessando a nulidade!), a recorrente, então arguida, conseguiria saber todos os elementos que estavam em causa pelo Auto de Notícia e pelo Relatório de Inspecção.
Com todo o devido respeito, nada de mais errado.
Não se pode exigir à arguida, recorrente, que tenha que se socorrer dos meios de prova da entidade administrativa para conseguir coligir todos os factos de que vem acusada, uma vez que no despacho acusatório os mesmos não constam!
Não compete à recorrente ir à “procura” dos factos que lhe são imputados.
Compete, sim, à entidade administrativa, descriminá-los e identificá-los, para que a arguida possa apresentar a sua defesa sem quaisquer entraves ou dúvidas.
Não tendo feito, assumindo isso mesmo, também a decisão impugnada padece do vício de nulidade.
E mesmo que se venha a considerar o despacho do Ministério Público como a acusação, padece o mesmo de nulidade por violar o disposto no artigo 283º nº 3 do Código de Processo Penal e de irregularidade por não ter sido a Recorrente dele notificada.
Sendo nula a DECISÃO FINAL nos termos do disposto no artigo 379º nº 3 alínea b) do Código de Processo Penal (aplicável ex vi artigo 41º do Regime Geral das Contraordenações e ex vi artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto), nulidade essa que aqui se invoca para todos os devidos efeitos.
Nesta conformidade, deve ser declarada a nulidade da decisão aqui impugnada, nos termos do disposto no artigo 379º nº 3 alínea b) do Código de Processo Penal (aplicável ex vi artigo 41º do Regime Geral das Contraordenações e ex vi artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto), ordenando-se o arquivamento dos presentes autos e consequentemente, a absolvição da recorrente.
Ao decidir de outro modo, o Tribunal “a quo” violou manifestamente os artigos 41º, 59º e 62º do R. G. C. O., o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 283º nº 2 do Código de Processo Penal.
***
Não obstante, para o caso de V. Exas. assim não considerarem, acrescenta-se ainda o seguinte:
II – DA ALEGADA FALTA DE ACUSAÇÃO EM VIRTUDE DA DISPOSIÇÃO LEGAL EXISTENTE NÃO SER VIOLÁVEL:
a) A Recorrente, no âmbito da sua Impugnação Judicial veio alegar que:
Conforme consta da decisão final notificada, a recorrente vem acusada de praticar uma contraordenação ambiental grave, prevista no artigo 49º nº 1 do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de dezembro, o qual, estabelece sob a epígrafe de “Deveres dos titulares no que respeita a fontes radioativas seladas”, “O titular de práticas que envolvam fontes radioativas seladas deve:”, disposição que não é violável, o que equivale à falta de acusação.
*
b) Por seu turno, a Sentença agora objecto de recurso, em síntese, afirma que:
A nulidade invocada não merece provimento porque, em primeiro lugar o preceito violado constar do auto de notícia e em segundo lugar da norma em causa resulta uma obrigação legal.
c) Não pode a Recorrente concordar com tal Douta apreciação:
Com efeito,
PRIMEIRO: como se pode facilmente constatar, tal norma legal - artigo 49º nº 1 do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro - refere unicamente quais os deveres dos titulares abrangidos pelo âmbito de aplicação do indicado diploma legal, não consubstanciando, assim, uma norma proibitiva.
Para que uma determinada conduta possa configurar como uma infracção punível como contraordenação, torna-se necessário que subsista a violação de uma norma que proíba um dado comportamento, assumindo deste modo, índole proibitiva.
A violação de um ilícito de mera ordenação social depende, pois da violação de um comando legal e a norma referida na decisão condenatória não reveste tal natureza.
Com efeito, dever-se-ia ter identificado na decisão condenatória a norma legal exactamente, alegadamente, violada pela arguida.
Pelo que, o certo é que a arguida não pode ser condenada pela violação do nº 1 do artigo 49º do referido diploma, porque aquela disposição não é sequer violável.
O que equivale à falta de acusação.
Uma vez que, não se pode condenar a recorrente por violação de norma não violável.
SEGUNDO: De novo se repete que não se pode exigir à Recorrente, arguida, que tenha que procurar informação “fora” da DECISÃO FINAL para poder completar a infracção da qual é acusada.
Pelo que não se pode concordar com o Tribunal “a quo”.
Sendo também a DECISÃO FINAL em causa nula, nos termos do disposto no artigo 283º nº 3 alínea c) do Código de Processo Penal (aplicável ex vi artigo 41º do Regime Geral das Contraordenações e ex vi artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto).
Nesta conformidade, deve ser declarada a nulidade da DECISÃO FINAL, nos termos do disposto no artigo 283º nº 3 alíneas b) e c) do Código de Processo Penal (aplicável ex vi artigo 41º do Regime Geral das Contraordenações e ex vi artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto), ordenando-se o arquivamento dos presentes autos e consequentemente, a absolvição da arguida.
Em todo e qualquer caso, se assim V. Exas. não vierem a considerar o que se rejeita, mas por mera cautela de patrocínio se diz, a arguida deve ser, obrigatoriamente, absolvida, por falta de violação de qualquer norma.
Decidindo de forma contrário, violou o Tribunal “a quo” o artigo 283º nº 3 alínea c) do Código de Processo Penal.
***
Não obstante, e para o caso de assim não se considerar, invoca-se ainda o seguinte:
III – DA INFRACÇÃO - DO INVENTÁRIO DE FONTES RADIOATIVAS e DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO:
Vem a Recorrente condenada: “(…) pela prática, a título de negligência, de 1 (uma) contraordenação ambiental grave de falta de envio à autoridade competente, até ao dia 31 de janeiro do ano subsequente, cópia do inventário das fontes radioactiva selada, prevista e punida pelos artigos 49.º, n.º 1, al. b) e 184.º n.º 3, al. q) do Decreto-Lei n.º 108/2018, de 3 de dezembro, nos termos previstos no 22.º, n.º 3, al. b) e 23.º-B, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, no pagamento de uma coima especialmente atenuada, fixada em €6.000,00 (seis mil euros).”
E em consequência: “no pagamento de custas do processo na fase administrativa, no valor de € 75,00 (setenta e cinco euros)” e “a suportar as custas processuais, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal – cfr. artigos 92.º, nº 1 e 93.º, n.º 3 do R.G.C.O., artigo 8º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processais e Tabela III anexa.”
Não se pode a Recorrente conformar.
Vejamos, então:
Desde logo o Facto 7. dos Factos provados:
“7. Não o tendo feito em tempo, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz.”
Deve ser retirado dos Factos Provados, uma vez que não consubstancia qualquer facto, mas sim uma conclusão que o Tribunal “a quo” ou a entidade administrativa (não se percebe) retira da alegada actuação da Recorrente.
*
Dos restantes Factos Provados:
Para o aqui releva, a Sentença objecto de recurso deu como provados os seguintes Factos:
“2. (…) no dia 10 de agosto de 2020, pelas 14h25m, a IGAMAOT procedeu a uma inspeção (…)
(…)
5. Até julho de 2020 a “Fapajal Papermaking, S.A.” era detentora da FRS referente à licença de funcionamento n.º 1533/18 para a prática de radiologia industrial.
6. A Arguida não enviou, até ao dia 31 de janeiro de 2020, à APA, I.P. cópia do inventário das fontes radioactivas sob a sua responsabilidade com indicação da sua localização, transmissão e transferência.
(…)
8. O equipamento contendo FRS, permaneceu nas instalações da Recorrente até ser enviado para eliminação no IST em julho de 2020, conforme autorização da APA, I.P.
9. O envio do inventário da FRS à APA, I.P. ocorreu em 25 de setembro de 2020.
10. O cancelamento da licença de funcionamento n.º 1533/18 foi solicitado em 25 de setembro de 2020, tendo sido o mesmo confirmado em 2 de outubro de 2020 pela APA, I.P.
11. A fonte radioactiva selada correspondente à Licença nº 1533/18, estava em processo de eliminação, aquando da inspecção.
12. (…) o processo e eliminação da fonte radioactiva selada encontrava-se concluído na plataforma de resíduos radioactivos da APA em Julho de 2020 – Processo nº A-0668/2020.
13. A arguida manteve actualizado um inventário de todas as fontes radioactivas seladas sob a sua responsabilidade, bem como todos os elementos referentes às mesmas, nomeadamente, localização, transmissão e transferência, estando tal informação disponível.
14. A arguida não provocou qualquer concreto dano ou prejuízo ambiental.
15. A arguida mantém um seguro de responsabilidade civil.
(…)
21. A Recorrente não tem antecedentes contraordenacionais.” (sublinhado e negrito nosso)
Face aos factos provados, há que aplicar o Direito.
Não obstante, tal aplicação do Direito há que resultar de um juízo de prognose analítico de toda a prova produzida e da conjugação de todos os factos provados.
Não existem dúvidas, pois é um facto assente por ambas as partes que “6. A Arguida não enviou, até ao dia 31 de janeiro de 2020, à APA, I.P. cópia do inventário das fontes radioactivas sob a sua responsabilidade com indicação da sua localização, transmissão e transferência.”
Mas fácil será a decisão que se basta com tal facto, sem atentar na conjugação dos restantes.
Vejamos, então, várias questões:
Da entidade responsável – APA – Agência Portuguesa do Ambiente:
A APA - Agência portuguesa do Ambiente é a entidade responsável pela implementação das políticas de ambiente em Portugal.
A APA tem como objectivo contribuir para um elevado nível de protecção e valorização do ambiente através da prestação de serviços de qualidade aos cidadãos.
Ora, nos termos dos artigos 12º e 13º do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro, aqui em causa: Artigo 12.º Autoridade competente 1 - A Agência Portuguesa do Ambiente, I. P. (APA, I. P.), é a autoridade competente, para efeitos do presente decreto-lei. 2 - À autoridade competente compete zelar pela existência de um elevado nível de proteção radiológica e de segurança nuclear, bem como a gestão segura do combustível irradiado e dos resíduos radioativos. 3 - A autoridade competente exerce as competências previstas no presente decreto-lei com independência, devendo ser funcionalmente distinta de qualquer outro organismo ou organização relacionado com a promoção ou utilização de práticas abrangidas pelo presente decreto-lei e ser dotada dos recursos humanos, técnicos e financeiros próprios necessários ao seu funcionamento. Artigo 13.º Atribuições São atribuições da autoridade competente: (…) c) Emitir as orientações necessárias para a implementação das disposições do presente decreto-lei, no âmbito da sua competência; (…) l) Disponibilizar informações, nomeadamente no que respeita à justificação de classes ou tipos de práticas, regulação das fontes de radiação e da proteção contra radiações, de modo a que as mesmas estejam disponíveis para os titulares, os trabalhadores, os elementos da população, os pacientes e outras pessoas sujeitas a exposição médica, sem prejuízo do disposto na legislação de proteção de dados pessoais ou em matéria de segurança; m) Fomentar ações de formação e de informação na área da proteção contra radiações ionizantes, com a participação das autoridades de saúde e em colaboração com outras entidades públicas ou privadas, sempre que adequado; (…) p) Estabelecer e manter atualizado o inventário nacional de titulares de práticas abrangidas pelo presente decreto-lei; (…) an) Organizar campanhas de sensibilização para a existência de fontes órfãs, bem como dar orientações sobre os comportamentos a adotar a esse respeito; ao) Estabelecer planos para a recuperação, gestão, controlo e eliminação de fontes órfãs; (…)
ar) Emitir orientações no que respeita à exposição dos cuidadores; (…)”
Vejamos, então, o que releva para os autos e que deveria ter sido apreciado pelo Tribunal “a quo” e não foi:
Nos termos do Artigo 207º do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro, este diploma entrou em vigor em 03 de Abril de 2019.
Ora, nos termos dos artigos 195º e 196º do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro, mantêm-se em vigor até ao final do seu prazo de validade original as licenças, autorizações ou reconhecimentos emitidos ao abrigo de legislação vigente antes da entrada em vigor do presente decreto-lei, com excepção das emitidas até 31 de dezembro de 2012, tendo os titulares de licenças emitidas ao abrigo de legislação vigente antes da entrada em vigor do presente decreto-lei devem conformar-se com o regime neste estabelecido, no prazo máximo de cinco anos, a contar da data da sua entrada em vigor e sempre que for solicitada a renovação da licença.
Ou seja, a Licença aqui em causa – Licença nº 1533/18, emitida em 12 de Julho de 2018, estava válida até 11 de Julho de 2023 – cfr. fls. entre fls. 6 e 7 do processo administrativo instrutor – folha não numerada – que ora se junta para melhor compreensão sob doc. nº 2 e fls. 41 do processo administrativo instrutor).
Ou seja, até 11 de Julho de 2023, a Recorrente tinha licença válida, sendo que no prazo máximo de cinco anos a contar de 03 de Abril de 2019, ou seja, até 02 de Abril de 2024, a Recorrente teria então que se conformar com o disposto neste diploma que agora vem acusada de o ter violado – o Decreto-Lei nº 108/2018.
Seja como for, outra interpretação não poderia ser efectuada, uma vez que a própria APA – entidade reguladora, orientadora e informadora, aquando da informação prestada a 22 de Agosto de 2019 pela Recorrente a solicitar a anulação da fonte radioactiva selada correspondente à Licença nº 1533/18, responde, por email de 25 de Agosto de 2019 explicando os procedimentos que devem ser tomados para o cancelamento da licença e anulação da fonte e NUNCA, mas NUNCA refere que em Janeiro de 2020, já com a fonte radioactiva selada em processo de eliminação, teria a Recorrente, ainda assim que entregar um inventário (Cfr. fls. 82 e 83 do processo administrativo instrutor)..
Facto este que deveria constar dos Factos Provados, pois que é relevante apreciar a morosidade das entidades competentes em anular a fonte radioactiva selada.
Ou seja, em 2019, a Recorrente solicita à APA a anulação da fonte radioactiva selada e apenas em Julho de 2020, a APA concluiu o processo de eliminação na plataforma – Facto Provado 12.
Destarte, se a entidade competente demora e não informa a Recorrente da necessidade de entregar qualquer inventário quando a fonte radioactiva já estava fora de uso, e tendo em conta as disposições legais supra referidas, é perfeitamente lógico e racional que a Recorrente não considerasse que deveria ter que entregar um inventário em Janeiro de 2020 de uma fonte fora de uso (cfr. conceito de “Fonte fora de uso” – artigo 4º alínea ap) do Decreto-Lei nº 108/2018).
E, neste âmbito vimos de encontro ao Facto 8. dos Factos Provados na Sentença que refere: “O equipamento contendo FRS, permaneceu nas instalações da Recorrente até ser enviado para eliminação no IST em julho de 2020, conforme autorização da APA, I.P..”.
Ou seja, a fonte qui em causa, estava licenciada, a licença estava dentro do prazo de validade e ainda em prazo para se conformar com o disposto no Decreto-Lei nº 108/2018, com autorização da APA, sem que esta tivesse informado a Recorrente da necessidade de inventário em Janeiro de 2020.
Pelo que, não se entende a condenação da Recorrente na contraordenação aqui em causa.
Da epígrafe do artigo 49º nº 1 do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro:
Refere o artigo 49º nº 1 que “O titular de práticas que envolvam fontes radioativas seladas deve:”.
Ora, conforme se verifica por folhas 82 e 83 do processo administrativo instrutor – Facto que deveria constar dos Factos Provados – a fonte radioactiva selada aqui em causa entrou em processo de eliminação em 2019.
Logo, em 2020, a Recorrente não era titular de práticas que envolvessem fontes radioactivas seladas.
Pelo que, não tinha a Recorrente até pelo que atrás foi dito que entregar qualquer inventário de fonte radioactiva.
Tal como a APA não informou e mais tarde, já após a acção inspectiva, a Recorrente utilizando todas as cautelas envia email à APA a questionar se tinha que entregar, afinal, o inventário, a APA responde reencaminhando para um link – resposta tipo para qualquer situação – nem querendo saber ou não se a fonte radioactiva tinha sido eliminada (tendo sido o processo de eliminação efectuado pela própria APA na plataforma em data anterior a tal email!!), sendo que nessa sequência, a Recorrente enviou o Inventário (cfr. fls. 42 e 43 do processo administrativo instrutor).
Mas, em bom abono da verdade, diga-se, nem precisaria de o ter feito.
E muito menos condenada pela prática de qualquer infracção.
*
Do princípio do in dubio pro reo:
Dá-se por reproduzido tudo o atrás exposto neste ponto.
Não obstante, ainda se diga que, sempre a arguida manteve actualizado um inventário de todas as fontes radioactivas seladas sob a sua responsabilidade, bem como todos os elementos referentes às mesmas, nomeadamente, localização, transmissão e transferência, estando tal informação disponível, conforme previsto no artigo 50º do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro (Facto Provado 13.)
Jamais a arguida colocou em causa a protecção do público aos riscos de radiação e jamais a arguida provocou algum dano ou prejuízo ambiental (Facto Provado 14).
Tratando-se o envio do processo de inventário de uma mera formalidade (estamos a falar do preenchimento de uma plataforma) que, a não ser cumprida, não provoca qualquer dano, muito menos quanto a normas de segurança de base relativas à proteção contra os perigos resultantes da exposição a radiações ionizante (cfr. artigo 1º do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro).
Ademais se acrescente que, a arguida mantém um seguro de responsabilidade civil, conforme dispõe o artigo 175º do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro – Facto Provado 15.
Posto isto e considerando o supra referido, a entidade administrativa, teria que ter feito, ao receber o auto de notícia, uso do princípio do “in dubio pro reo”, uma vez que não tem prova suficiente que logre provar qualquer infracção, princípio esse máximo regulador do processo penal e que se mostra manifestamente violado.
Não pode a entidade administrativa ter certezas sobre a actuação da arguida.
E muito menos, tendo a própria entidade administrativa a actuação que já e relatou.
A dúvida sobre a realidade de um facto deve ser sempre decidida a favor da arguida.
Seja qual for a natureza dos factos probandos a que se refere a falta ou insuficiência de prova, vigora sempre, e em toda a sua extensão, o princípio da presunção da inocência ou do “in dubio pro reo”.
“Não há, em processo penal, repartição do ónus da prova. Vigora sempre a presunção de inocência e por isso a necessidade de prova plena em desfavor do Réu (Professor Cavaleiro de Ferreira – Curso de Processo Penal, 1986 – 1 volume, páginas 216 e 217).” (Cfr. Ac. do TRL, de 09.07.91, processo nº 0014855, “in” www.dgsi.pt).
A violação do princípio do “in dubio pro reo” deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, aplicado “ex vi” artigo 41º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, o que aqui se invoca.
Violou, assim, a Sentença ao condenar a Recorrente pela prática de contraordenação o disposto nos artigos 12º, 13º, 49º nº 1, 195º, 196º, 207º do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro.
Por mera cautela de patrocínio, sem se conceder, mas a não se considerar a absolvição da Recorrente, diz-se o seguinte:
IV - DO DOLO e DA MEDIDA DA PENA:
Nos termos do artigo 32º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, aplicam-se subsidiariamente aos presentes autos, as normas do Código Penal.
Ora, estabelece o Código Penal, no seu artigo 74º que “pode o tribunal declarar o réu culpado mas não aplicar qualquer pena se:
a)
A ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas;
b)
O dano tiver sido reparado; e
c)
À dispensa de pena não se opuserem razões de prevenção.”.
Ora, o caso dos autos preenche na totalidade tais requisitos, conforme se referiu e demonstrou supra, mesmo através da matéria dada como provada.
Com efeito:
a) é por demais óbvio que a ilicitude do facto e a culpa da recorrente foram diminutas e o dano foi inexistente.
b)
Por outro lado, a recorrente era titular de uma Licença válida e nada faria crer que não tivesse o tempo suficiente para se adequar à nova legislação, ou seja, à dispensa de pena não se opõem quaisquer razões de prevenção.
Face à situação descrita, entende a recorrente que, efectivamente, poderia o Tribunal “a quo” ter aplicado tal instituto da dispensa de pena à Recorrente, até porque todos os requisitos objectivos se encontram devidamente cumpridos.
Pelo que, deveria ter sido aplicado à arguida este normativo e deveria ter ficado a arguida devidamente dispensada de pena. Não o tendo feito, violou o Tribunal “a quo” o artigo 74º do Código Penal.
Até porque nos termos do artigo 12º nº 1 da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, sob a epígrafe de “Erro sobre a Ilicitude” age sem culpa quem actua sem consciência da ilicitude do facto, que é o caso, se o erro não lhe for censurável que é o caso, face a tudo o exposto e demais Factos Provados.
Pelo que, também pela aplicação desta disposição, a Recorrente deveria ter sido dispensada de pena.
*
Sem conceder, para o caso de ainda assim não se entender, pelo menos a coima no montante de 6.000,00 euros jamais poderá ser agravada.
Antes até mais atenuada.
Conforme supra se explicou, jamais a recorrente provocou qualquer dano ou prejuízo ambiental.
Pelo que, face a tudo o que supra se explicou, a recorrente jamais poderia ter actuado com dolo.
Pelo que, caso venha a ser mantida a condenação, o que se rejeita, mas face ao disposto no indicado artigo 75º da LQCOA, jamais pode sê-lo a título de dolo, mas apenas a título de negligência, como a Sentença assim o decreta.
Também face a tudo o supra exposto, considera a recorrente que nunca poderá vir a ser condenada em coima superior ao mínimo estabelecido para a infracção por negligência.
Com efeito, seria demasiado gravoso se sucedesse o contrário e desadequado à conduta da recorrente e a todos os princípios ambientais que a mesma tem promovido, desde sempre.
Ora tudo visto e ponderado, é por demais óbvio ainda que, a coima ainda pode ser especialmente atenuada, como a Sentença o preconizou.
***
V – DA NÃO TRANSCRIÇÃO DA CONTRA-ORDENAÇÃO:
Vem a Douta Sentença recorrida, após pedido da Recorrente, caso viesse a ser condenada de não transcrição da pena no cadastro nacional de contraordenações ambientais referir, em suma:
a) que não existe actualmente cadastro, por falta de regulamentação;
b) que não se pode aplicar a Lei 37/2015, de 05 de Maio aos presentes autos.
Vejamos, então, ambas as questões:
a. que não existe actualmente cadastro, por falta de regulamentação;
Com o devido respeito, o Tribunal “a quo” não fundamenta a razão pela qual não existe cadastro nacional de contraordenações ambientais e onde se encontra estipulada a necessidade de regulamentação.
As Sentenças, nos termos do artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal (aplicável ex vi artigo 41º do Regime Geral das Contraordenações e ex vi artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto), têm que estar fundamentadas de Direito.
Ora, quanto a este aspecto, a Sentença não invoca qualquer fundamentação de Direito para alegar que o cadastro nacional previsto nos artigos 62º e seguintes da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais – Lei 50/2006, não está em vigor e necessita de regulamentação.
E esta situação tem que ser devidamente esclarecida, pois que, a Recorrente todos os anos tem que informar se tem cadastro ambiental, nomeadamente, se foi condenada em alguma contraordenação ambiental, a fim de poder prosseguir com a actividade ou de obtenção de algum apoio estatal.
Pelo que, ao não invocar a fundamentação legal sobre a não existência de cadastro nacional ambiental e a necessidade da sua regulamentação, a Sentença, nesta parte é nula, face ao disposto no artigo 379º nº 1 alínea a) do Código de Processo Penal.
*
b) que não se pode aplicar a Lei 37/2015, de 05 de Maio aos presentes autos.
Não se concorda.
In casu, aplicam-se todas as normas decorrentes do processo criminal, por via do disposto no artigo 41º do Regime Geral das Contraordenações e ex vi artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de agosto.
Com efeito, tal artigo 41º refere que Artigo 41.º Direito subsidiário 1 - Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal. 2 - No processo de aplicação da coima e das sanções acessórias, as autoridades administrativas gozam dos mesmos direitos e estão submetidas aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal, sempre que o contrário não resulte do presente diploma.
Ou seja, sem margem para dúvidas, refere que as entidades administrativas estão submetidas aos mesmos deveres e, desde logo, naturalmente, os arguidos, a aqui Recorrente têm os mesmos direitos que um arguido em processo penal.
Ora, a Sentença também é omissa quanto aos motivos pelos quais considera “os critérios para a não transcrição não são passíveis de ser aplicados às contraordenações”.
Pois que os critérios são apenas:
a) a condenação em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade;
b) o arguido não ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza;
c) e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.
Todos estes requisitos estão cumpridos no caso dos autos.
E mesmo que se considere que não se pode aplicar a Lei 37/2015 ao caso dos autos, o que não se concede, e se diga que existe uma impossibilidade de aplicação analógica daquela Lei, o artigo 11º do Código Civil permite a interpretação extensiva, a qual é aplicada nas hipóteses em que, por falha do legislador, a Lei não diz tudo o que deveria dizer, cabendo ao juiz (intérprete) ampliar o seu alcance para além do que está expresso no texto legal.
Sendo que, no caso dos autos, uma vez a Recorrente não pode ficar prejudicada por uma alegada falha da Lei, por inexistência de regulamentação, e ver a sua actividade poder parar, considera-se que, caso não se considere ser de ordenar a não transcrição desta condenação (a manter-se) pelo menos será de se ordenar à entidade administrativa que apenas informe a presente condenação para efeitos judiciais, abstendo-se de informar as outras entidades, uma vez que ao fazê-lo (se não existe cadastro nacional) estará a violar o disposto nos artigos 62º e seguintes da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, por prejudicar gravemente o funcionamento da Recorrente, a fim de não impedir que esta possa prosseguir com a actividade ou obtenção de algum apoio estatal.
Nestes termos e nos mais de Direito, face às questões jurídicas aqui em causa, de relevante importância, necessário se torna proferir Acórdão pela Conferência que decida sobre as mesmas, o que se requer.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser o presente RECURSO admitido e julgado procedente, e em consequência:
Em questão prévia: deve a Recorrente, arguida, ser devidamente notificada nos termos supra expostos, e apenas a partir dessa notificação começar a contagem do prazo para recurso.
A não se considerar:
Deve ser declarada nula a DECISÃO FINAL da entidade administrativa nos termos do disposto no artigo 379º nº 3 alínea b) do Código de Processo Penal (aplicável ex vi artigo 41º do Regime Geral das Contraordenações e ex vi artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto), ordenando-se o arquivamento dos presentes autos e consequentemente, a absolvição da recorrente
Deve ser declarada nula a DECISÃO FINAL, nos termos do disposto no artigo 283º nº 3 alínea c) do Código de Processo Penal (aplicável ex vi artigo 41º do Regime Geral das Contraordenações e ex vi artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto), ordenando-se o arquivamento dos presentes autos e consequentemente, a absolvição da arguida.
Em todo e qualquer caso, se assim V. Exas. não vierem a considerar o que se rejeita, mas por mera cautela de patrocínio se diz, a arguida deve ser, obrigatoriamente, absolvida, por falta de violação de qualquer norma.
A considerar-se ser de condenar a arguida:
a) Deve ser a mesma dispensada de pena;
ou
b) Jamais deve ser aumentada a coima para valor superior a 6.000,00 euros.
Sendo que, no caso dos autos, uma vez a Recorrente não pode ficar prejudicada por uma alegada falha da Lei, por inexistência de regulamentação, e ver a sua actividade poder parar, considera-se que, caso não se considere ser de ordenar a não transcrição desta condenação (a manter-se) pelo menos será de se ordenar à entidade administrativa que apenas informe a presente condenação para efeitos judiciais, abstendo-se de informar as outras entidades, uma vez que ao fazê-lo (se não existe cadastro nacional) estará a violar o disposto nos artigos 62º e seguintes da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, por prejudicar gravemente o funcionamento da Recorrente, a fim de não impedir que esta possa prosseguir com a actividade ou obtenção de algum apoio estatal.
Julgando assim, estareis, Venerandos Desembargadores, a fazer uma vez mais, JUSTIÇA.!!!!!
Nestes termos e nos mais de Direito, requer-se a V. Exas, Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, se dignem deferir a presente Reclamação, admitindo-se o recurso instaurado, com a tramitação subsequente e proferindo-se Acórdão pela Conferência.
*
Face a esta reclamação, a primeira constatação a fazer é a de que o prazo de interposição do recurso da decisão que apreciou a impugnação judicial foi efectivamente mal contado na decisão sumária ora impugnada para a conferência e, portanto, o prazo não é o de dez dias, como erradamente, foi determinado na mesma decisão sumária, porque o prazo de interposição do recurso não é o de dez dias fixado no art.º 74º nº 1 do RGCO, mas antes o de vinte dias previsto no art.º 55º nº 4 da Lei 50/2006 de 29 de Agosto.
Com efeito a Recorrente ...foi condenada pela prática, a título de negligência, de 1 (uma) contraordenação ambiental grave de falta de envio à autoridade competente, até ao dia 31 de janeiro do ano subsequente, cópia do inventário das fontes radioactiva selada, prevista e punida pelos artigos 49.º, n.º 1, al. b) e 184.º n.º 3, al. q) do Decreto-Lei n.º 108/2018, de 3 de dezembro, nos termos previstos no 22.º, n.º 3, al. b) e 23.º-B, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, no pagamento de uma coima especialmente atenuada, fixada em €6.000,00 (seis mil euros).
E, nos termos do art.º 55º nº 4 da referida Lei 50/2006 de 29 de Agosto, «dos despachos e sentenças que ponham termo ao processo em sede judicial cabe recurso, a interpor no prazo de 20 dias contados nos termos do disposto no regime geral das contraordenações».
Assim, considerando que a sentença foi depositada no mesmo dia 21 de Setembro, que o prazo legal de 20 dias para interpor o recurso começou a correr no dia seguinte (cfr. artigo 279º, alínea b), do Código Civil), portanto, no dia 22 de Setembro de 2023, quando o requerimento de interposição de recurso foi remetido ao tribunal, pelo correio, em 11 de Outubro de 2023, ainda estava em curso o referido prazo de vinte, sendo, pois, tempestivo, o presente recurso.
Quanto ao que se invoca nos artigos 2º, 3º e 23º da reclamação as afirmações aí proferidas não têm o alcance que a recorrente lhes pretende atribuir e só uma manifesta falta de leitura da decisão na sua totalidade as explicam: o recurso não foi julgado parcialmente procedente na decisão sumária ora impugnada, nem sequer correspondendo à realidade o que a recorrente afirma no art.º 3º da reclamação, que a Decisão Sumária tenha decidido pela improcedência de todas as questões elencadas de 2 a 6 e depois julgado parcialmente procedente o recurso interposto, mantendo a mesma decisão, com a qual a Recorrente não se conformou.
O recurso foi rejeitado com fundamento na sua extemporaneidade, em sintonia com a aplicação do prazo geral de recurso de dez dias previsto no art.º 74º do RGCO que, como acabou de se expor, não afinal, o que é aplicável, nestes autos.
Em conformidade com essa decisão as demais questões nem sequer forma apreciadas por estarem prejudicadas.
O que consta a fls. 34 é apenas a reprodução do dispositivo da decisão recorrida, nada havendo de contraditório, obscuro ou ambíguo, como se pode constatar da simples leitura de todo o texto da referida decisão sumária.
Do mesmo modo também não foram, nem poderiam ter sido proferidas duas decisões ao contrário do que é invocado nos arts. 6º e 7º da reclamação - «6º Após a Decisão proferida em V., a folhas 33., 7º Existindo segunda Decisão a folhas 38 – ponto III.», alegações que só à falta de leitura atenta da decisão sumária impugnada, na sua integralidade, se podem atribuir.
Feito este ponto de ordem e reconhecida a razão da recorrente quanto à tempestividade do presente recurso, cumpre, pois, apreciar os seus fundamentos.
Assim:
Por sentença proferida em 21 de Setembro de 2023, no Recurso de Contraordenação nº 3681/23.3T8LRS do Juízo Local Criminal de Loures - Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, o Tribunal julgou parcialmente procedente o recurso interposto, alterando a decisão administrativa da Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (I.G.A.M.A.O.T.), e em consequência, decidiu:
a) Julgar improcedentes as nulidades invocadas pela Recorrente.
b) Condenar a Recorrente Fapajal Papermaking, S.A. pela prática, a título de negligência, de 1 (uma) contraordenação ambiental grave de falta de envio à autoridade competente, até ao dia 31 de janeiro do ano subsequente, cópia do inventário das fontes radioactiva selada, prevista e punida pelos artigos 49.º, n.º 1, al. b) e 184.º n.º 3, al. q) do Decreto-Lei n.º 108/2018, de 3 de dezembro, nos termos previstos no 22.º, n.º 3, al. b) e 23.º-B, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, no pagamento de uma coima especialmente atenuada, fixada em €6.000,00 (seis mil euros).
c) Condenar a Arguida Fapajal Papermaking, S.A. no pagamento de custas do processo na fase administrativa, no valor de €75,00 (setenta e cinco euros).
d) Condenar a Recorrente Fapajal Papermaking, S.A. a suportar as custas processuais, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal - cfr. artigos 92.º, nº 1 e 93.º, n.º 3 do R.G.C.O., artigo 8º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processais e Tabela III anexa.
e) Indeferir o pedido de não transcrição da coima no cadastro ambiental.
A recorrente interpôs recurso desta sentença, tendo, para o efeito, formulado as seguintes conclusões:
VI QUESTÃO PRÉVIA - da falta de notificação da Recorrente da Sentença - a Recorrente não esteve presente na Leitura da Sentença, pelo que deveria ter sido notificada da mesma e só após se iniciará o prazo para interposição de recurso.

Assim sendo, nestes termos, deve a Recorrente, arguida, ser devidamente notificada nos termos supra expostos, e apenas a partir dessa notificação começar a contagem do prazo para recurso.
Não obstante, por mera cautela de patrocínio, sem se conceder, apresentam-se, desde já as Alegações de Recurso, não vá ser outro o entendimento de V. Exas.:

I - DA NULIDADE POR FALTA DE DESCRIÇÃO QUANTO AO ELEMENTO OBJECTIVO E POR FALTA DE INDICAÇÃO DA ALÍNEA DO PRECEITO LEGAL ALEGADAMENTE VIOLADO:

Estamos aqui perante o ofício enviado à Recorrente, com data de 29 de Junho de 2022 - fls. 92 do processo administrativo instrutor, através do qual a Recorrente é notificada da DECISÃO FINAL proferida no âmbito do processo de contraordenação.

Nessa DECISÃO FINAL consta expressamente que “Infração constante do Despacho Violação dos deveres por parte dos titulares de práticas previstas no artigo 49.º n.º 1 do Decreto-Lei (DL) n.º 108/2018 (...)”

PRIMEIRO: A decisão final não é um despacho - é uma DECISÃO FINAL, pelo que, a mesma NÃO é efectuada ao abrigo do artigo 49º do Decreto-Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto (contrariamente ao que Sentença preconiza), mas sim, ao abrigo do disposto no artigo 59º do R.G.C.O. - Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.

Pelo que, erra a Sentença aqui objecto de recurso, quando considera a DECISÃO FINAL um mero despacho administrativo, violando o artigo 59º do R.G.C.O. - Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.

Assim, erra também a Sentença quando refere que tal notificação visa apenas assegurar o direito de audiência e de participar no processo administrativo.

Já estamos na fase da DECISÃO FINAL, a qual, tem natureza acusatória, pois é a mesma que a Recorrente tem direito a impugnar judicialmente.
SEGUNDO: Efectivamente, nos termos do artigo 62º do R.G.C.O., recebido o recurso, o despacho do Ministério Público, após tornar os autos administrativos presente ao juiz, valerá este acto como acusação.
11º
Então, neste caso, de duas uma:
a) Esta DECISÃO FINAL, sub judice, não tem carácter acusatório e o que vale é o Despacho do Ministério Público;
b) Se é válido o Despacho do Ministério Público - JAMAIS este despacho em concreto pode valer como acusação.
12º
Sendo que, o despacho do Ministério Público, a valer como acusação, deveria conter todos os elementos previstos no artigo 283º do Código de Processo Penal, o que não sucede.
13º
O Digníssimo Magistrado do Ministério Público apenas apresenta o “expediente a fim de ser registado e distribuído como Recurso de Contra-Ordenação", declara que não se opõe à decisão por despacho e indica os meios de prova.
14º
Ora, não constando nenhuma infracção no dito despacho do Ministério Público, só temos aquela que consta da DECISÃO FINAL, a qual não invoca qual a alínea violada!
Pelo que, ficamos num impasse! Do qual, a Recorrente, arguida, não pode jamais ficar prejudicada!
16º
Aliás, se acrescente ainda que se tal Despacho do Ministério Público é a acusação, então a Recorrente não foi dele notificada, o que consubstancia uma irregularidade, nos termos do artigo 123º do Código de Processo Penal, devendo ser tal despacho notificada à mesma, a fim de se sanar tal irregularidade, com todas as consequências legais.
17º
TERCEIRO: Não se pode vir alegar que, apesar de a norma infringida não constar da DECISÃO FINAL, a Recorrente podia consultar o processo, ler o auto de notícia, entre outros elementos constantes do processo administrativo instrutor.
18º
E manifestamente violador do disposto no artigo 283º nº 3 do Código de Processo Penal.
19º
Esse ónus não pode ser exigido ao Recorrente, aqui arguida. Mal seria!
20º
Aliás, tanto assim não é que o próprio artigo 58º do R.G.C.O. estipula:
Artigo 58.º
Decisão condenatória
1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
21º
Nesta senda, importa atentar no que referem Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa in “Contraordenações, Anotações ao Regime Geral”, 2a edição, 2002, pág. 334: “Não se prevê no R. G. C. O. A consequência processual da falta de requisitos da decisão previstos neste artigo, pelo que deverão aplicar-se os preceitos do processo criminal relativos às decisões condenatórias, em consonância com o preceituado no art.º 41º, nº 1, daquele diploma.
Assim, a falta dos requisitos previstos no n.º 1 constitui uma nulidade da decisão (...)”
22º
Nos termos do artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, aplica-se subsidiariamente às contraordenações ambientais o regime geral das contraordenações (R.G.C.O.), senso que, por sua vez, o artigo 41º do R.G.C.O. manda aplicar subsidiariamente os preceitos reguladores do processo criminal.
23º
Ora, o processo penal, e consequentemente, o processo contra-ordenacional têm natureza acusatória.
24º
De acordo com o Prof. Germano Marques da Silva in Direito Processual Português, pág. 366, “a acusação em processo penal consubstancia a formulação e uma pretensão e a indicação da causa dessa pretensão”, sendo o seu conteúdo formado pela indicação da verificação e um facto típico, ilícito e culposo, praticado por um determinado agente, e a sua pretensão o pedido de aplicação da sanção prevista na Lei para a violação do interesse protegido pela norma penal concretamente infringida.
25º
Assim sendo, a decisão final notificada à arguida, aqui recorrente, é um despacho acusatório.
26º
Sendo que, do mesmo não constam os factos que são imputados à arguida, ora Recorrente.
27º
Aliás, da decisão final notificada à arguida consta apenas “Violação dos deveres por parte dos titulares de práticas previstas no artigo 49.º n.º 1 do Decreto-Lei (DL) n.º 108/2018 (...)”
28º
Ora, o artigo 49º nº 1 do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro tem 10 alíneas.
29º
Sendo que não pode vir agora a decisão condenar a Recorrente numa das alíneas, a b), quando na acusação não a identificou.
Pelo que, nos termos do artigo 283º nº 3 do Código de Processo Penal, a Decisão Final é nula.
31º
Até porque a definição dos factos em causa e a sua comunicação à arguida é uma garantia da defesa da mesma.
32º
Sob pena ainda de violação, do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
33º
Veio, em resposta (cfr. fls. 131 do processo administrativo instrutor), a entidade administrativa alegar que, apesar de não constarem no despacho acusatório todos os elementos que deveriam constar (confessando a nulidade!), a recorrente, então arguida, conseguiria saber todos os elementos que estavam em causa pelo Auto de Notícia e pelo Relatório de Inspecção.
34º
Não se pode exigir à arguida, recorrente, que tenha que se socorrer dos meios de prova da entidade administrativa para conseguir coligir todos os factos de que vem acusada, uma vez que no despacho acusatório os mesmos não constam!
35º
Não compete à recorrente ir à “procura” dos factos que lhe são imputados.
Compete, sim, à entidade administrativa, descriminá-los e identificá-los, para que a arguida possa apresentar a sua defesa sem quaisquer entraves ou dúvidas.
37º
Não tendo feito, assumindo isso mesmo, também a decisão impugnada padece do vício de nulidade.
38º
E mesmo que se venha a considerar o despacho do Ministério Público como a acusação, padece o mesmo de nulidade por violar o disposto no artigo 283º nº 3 do Código de Processo Penal e de irregularidade por não ter sido a Recorrente dele notificada.
39º
Sendo nula a DECISÃO FINAL nos termos do disposto no artigo 379º nº 3 alínea b) do Código de Processo Penal (aplicável ex vi artigo 41º do Regime Geral das Contraordenações e ex vi artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto), nulidade essa que aqui se invoca para todos os devidos efeitos.
40º
Ao decidir de outro modo, o Tribunal “a quo” violou manifestamente os artigos 41º, 59º e 62º do R. G. C. O., o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 283, nº 2 do Código de Processo Penal.
II - DA ALEGADA FALTA DE ACUSAÇÃO EM VIRTUDE DA DISPOSIÇÃO LEGAL EXISTENTE NÃO SER VIOLÁVEL:
42º
Como se pode facilmente constatar, tal norma legal - artigo 49º nº 1 do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro - refere unicamente quais os deveres dos titulares abrangidos pelo âmbito de aplicação do indicado diploma legal, não consubstanciando, assim, uma norma proibitiva.
43º
Para que uma determinada conduta possa configurar como uma infracção punível como contraordenação, torna-se necessário que subsista a violação de uma norma que proíba um dado comportamento, assumindo deste modo, índole proibitiva.
44º
A violação de um ilícito de mera ordenação social depende, pois da violação de um comando legal e a norma referida na decisão condenatória não reveste tal natureza.
45º
Com efeito, dever-se-ia ter identificado na decisão condenatória a norma legal exactamente, alegadamente, violada pela arguida.
46º
Pelo que, o certo é que a arguida não pode ser condenada pela violação do nº 1 do artigo 49º do referido diploma, porque aquela disposição não é sequer violável.
O que equivale à falta de acusação.
48º
Uma vez que, não se pode condenar a recorrente por violação de norma não violável.
49º
De novo se repete que não se pode exigir à Recorrente, arguida, que tenha que procurar informação “fora” da DECISÃO FINAL para poder completar a infracção da qual é acusada.
50º
Sendo também a DECISÃO FINAL em causa nula, nos termos do disposto no artigo 283º nº 3 alínea c) do Código de Processo Penal (aplicável ex vi artigo 41º do Regime Geral das Contraordenações e ex vi artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de agosto).
51º
Em todo e qualquer caso, se assim V. Exa. não vier a considerar o que se rejeita, mas por mera cautela de patrocínio se diz, a arguida deve ser, obrigatoriamente, absolvida, por falta de violação de qualquer norma.
52º
Decidindo de forma contrário, violou o Tribunal “a quo” o artigo 283º nº 3 alínea c) do Código de Processo Penal.
53º
III - DA INFRACÇÃO - DO INVENTÁRIO DE FONTES RADIOATIVAS e DO PRINCÍPIO DO INDUBIO PRO REO:
54º
Desde logo o Facto 7. dos Factos provados:
“7. Não o tendo feito em tempo, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz”
Deve ser retirado dos Factos Provados, uma vez que não consubstancia qualquer facto, mas sim uma conclusão que o Tribunal “a quo” ou a entidade administrativa (não se percebe) retira da alegada actuação da Recorrente.
55º
Face aos factos provados, há que aplicar o Direito, sendo que tal aplicação do Direito há que resultar de um juízo de prognose analítico de toda a prova produzida e da conjugação de todos os factos provados.
56º
Não existem dúvidas, pois é um facto assente por ambas as partes que “6. A Arguida não enviou, até ao dia 31 de janeiro de 2020, à APA, I.P. cópia do inventário das fontes radioactivas sob a sua responsabilidade com indicação da sua localização, transmissão e transferência.”
57º
Mas fácil será a decisão que se basta com tal facto, sem atentar na conjugação dos restantes.
58º
Da entidade responsável - APA - Agência Portuguesa do Ambiente:
A APA - Agência portuguesa do Ambiente é a entidade responsável pela implementação das políticas de ambiente em Portugal.
A APA tem como objectivo contribuir para um elevado nível de protecção e valorização do ambiente através da prestação de serviços de qualidade aos cidadãos.
Ora, nos termos dos artigos 12º e 13º do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro, aqui em causa, a APA é a entidade competente, informadora, orientadora, formadora e orientadora.
59º
Vejamos, então, o que releva para os autos e que deveria ter sido apreciado pelo Tribunal “a quo” e não foi:
60º
Nos termos do Artigo 207º do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro, este diploma entrou em vigor em 03 de Abril de 2019.
61º
Ora, nos termos dos artigos 195º e 196º do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro, mantêm-se em vigor até ao final do seu prazo de validade original as licenças, autorizações ou reconhecimentos emitidos ao abrigo de legislação vigente antes da entrada em vigor do presente decreto-lei, com excepção das emitidas até 31 de dezembro de 2012, tendo os titulares de licenças emitidas ao abrigo de legislação vigente antes da entrada em vigor do presente decreto-lei devem conformar-se com o regime neste estabelecido, no prazo máximo de cinco anos, a contar da data da sua entrada em vigor e sempre que for solicitada a renovação da licença.
62º
Ou seja, a Licença aqui em causa - Licença nº 1533/18, emitida em 12 de Julho de 2018, estava válida até 11 de Julho de 2023 - cfr. fls. entre fls. 6 e 7 do processo administrativo instrutor - folha não numerada - que ora se junta para melhor compreensão sob doc. nº 2 e fls. 41 do processo administrativo instrutor).
63º
Ou seja, até 11 de Julho de 2023, a Recorrente tinha licença válida, sendo que no prazo máximo de cinco anos a contar de 03 de Abril de 2019, ou seja, até 02 de Abril de 2024, a Recorrente teria então que se conformar com o disposto neste diploma que agora vem acusada de o ter violado - o Decreto-Lei nº 108/2018.
64º
Seja como for, outra interpretação não poderia ser efectuada, uma vez que a própria APA - entidade reguladora, orientadora e informadora, aquando da informação prestada a 22 de Agosto de 2019 pela Recorrente a solicitar a anulação da fonte radioactiva selada correspondente à Licença nº 1533/18, responde, por email de 25 de Agosto de 2019 explicando os procedimentos que devem ser tomados para o cancelamento da licença e anulação da fonte e NUNCA, mas NUNCA refere que em Janeiro de 2020, já com a fonte radioactiva selada em processo de eliminação, teria a Recorrente, ainda assim que entregar um inventário (Cfr. fls. 82 e 83 do processo administrativo instrutor)..
65º
Facto este que deveria constar dos Factos Provados, pois que é relevante apreciar a morosidade das entidades competentes em anular a fonte radioactiva selada - ou seja, em 2019, a Recorrente solicita à APA a anulação da fonte radioactiva selada e apenas em Julho de 2020, a APA concluiu o processo de eliminação na plataforma - Facto Provado 12.
66º
Destarte, se a entidade competente demora e não informa a Recorrente da necessidade de entregar qualquer inventário quando a fonte radioactiva já estava fora de uso, e tendo em conta as disposições legais supra referidas, é perfeitamente lógico e racional que a Recorrente não considerasse que deveria ter que entregar um inventário em Janeiro de 2020 de uma fonte fora de uso (cfr. conceito de “Fonte fora de uso” - artigo 4º alínea ap) do Decreto-Lei nº 108/2018).
67º
E, neste âmbito vimos de encontro ao Facto 8. dos Factos Provados na Sentença que refere: “O equipamento contendo FRS, permaneceu nas instalações da Recorrente até ser enviado para eliminação no IST em julho de 2020, conforme autorização da APA, I.P..”.
Ou seja, a fonte qui em causa, estava licenciada, a licença estava dentro do prazo de validade e ainda em prazo para se conformar com o disposto no Decreto-Lei nº 108/2018, com autorização da APA, sem que esta tivesse informado a Recorrente da necessidade de inventário em Janeiro de 2020.
69º
Da epígrafe do artigo 49º nº 1 do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro:
70º
Refere o artigo 49º nº 1 que “O titular de práticas que envolvam fontes radioativas seladas deve:”.
71º
Ora, conforme se verifica por folhas 82 e 83 do processo administrativo instrutor - Facto que deveria constar dos Factos Provados - a fonte radioactiva selada aqui em causa entrou em processo de eliminação em 2019 e só não foi eliminada em 2019 por morosidade da APA em fazê-lo!
72º
Logo, em 2020, a Recorrente não era titular de práticas que envolvessem fontes radioactivas seladas.
73º
Pelo que, não tinha a Recorrente até pelo que atrás foi dito que entregar qualquer inventário de fonte radioactiva.
Tal como a APA não informou e mais tarde, já após a acção inspectiva, a Recorrente utilizando todas as cautelas envia email à APA a questionar se tinha que entregar, afinal, o inventário, a APA responde reencaminhando para um link - resposta tipo para qualquer situação - nem querendo saber ou não se a fonte radioactiva tinha sido eliminada (tendo sido o processo de eliminação efectuado pela própria APA na plataforma em data anterior a tal email!!), sendo que nessa sequência, a Recorrente enviou o Inventário (cfr. fls. 42 e 43 do processo administrativo instrutor).
75º
Mas, em bom abono da verdade, diga-se, nem precisaria de o ter feito.
76º
E muito menos condenada pela prática de qualquer infracção.
77º
Do princípio do in dubio pro reo:
78º
Não obstante, ainda se diga que, sempre a arguida manteve actualizado um inventário de todas as fontes radioactivas seladas sob a sua responsabilidade, bem como todos os elementos referentes às mesmas, nomeadamente, localização, transmissão e transferência, estando tal informação disponível, conforme previsto no artigo 50º do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro (Facto Provado 13.)
Jamais a arguida colocou em causa a protecção do público aos riscos de radiação e jamais a arguida provocou algum dano ou prejuízo ambiental (Facto Provado 14).
80º
Tratando-se o envio do processo de inventário de uma mera formalidade (estamos a falar do preenchimento de uma plataforma) que, a não ser cumprida, não provoca qualquer dano, muito menos quanto a normas de segurança de base relativas à proteção contra os perigos resultantes da exposição a radiações ionizante (cfr. artigo 1º do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro).
81º
Ademais se acrescente que, a arguida mantém um seguro de responsabilidade civil, conforme dispõe o artigo 175º do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro - Facto Provado 15.
82º
Posto isto e considerando o supra referido, a entidade administrativa, teria que ter feito, ao receber o auto de notícia, uso do princípio do “in dubio pro reo”, uma vez que não tem prova suficiente que logre provar qualquer infracção, princípio esse máximo regulador do processo penal e que se mostra manifestamente violado.
83º
A violação do princípio do “in dubio pro reo” deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, aplicado “ex vi" artigo 41º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, o que aqui se invoca.
84º
Violou, assim, a Sentença ao condenar a Recorrente pela prática de contra- ordenação o disposto nos artigos 12º, 13º, 49º nº 1, 195º, 196º, 207º do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro.
Por mera cautela de patrocínio, sem se conceder, mas a não se considerar a absolvição da Recorrente, diz-se o seguinte:
85º
IV - DO DOLO e DA MEDIDA DA PENA:
86º
Nos termos do artigo 32º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, aplicam-se subsidiariamente aos presentes autos, as normas do Código Penal.
87º
Ora, estabelece o Código Penal, no seu artigo 74º que “pode o tribunal declarar o réu culpado, mas não aplicar qualquer pena se:
a) A ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas;
b) O dano tiver sido reparado; e
c) À dispensa de pena não se opuserem razões de prevenção.”.
88º
Ora, o caso dos autos preenche na totalidade tais requisitos, conforme se referiu e demonstrou supra, mesmo através da matéria dada como provada.
89º
Face à situação descrita, entende a recorrente que, efectivamente, poderia o Tribunal “a quo” ter aplicado tal instituto da dispensa de pena à Recorrente, até porque todos os requisitos objectivos se encontram devidamente cumpridos.
90º
Pelo que, deveria ter sido aplicado à arguida este normativo e deveria ter ficado a arguida devidamente dispensada de pena. Não o tendo feito, violou o Tribunal “a quo” o artigo 74º do Código Penal.
91º
Até porque nos termos do artigo 12º nº 1 da Lei Quadro das Contra- Ordenações Ambientais, sob a epígrafe de “Erro sobre a Ilicitude” age sem culpa quem actua sem consciência da ilicitude do facto, que é o caso, se o erro não lhe for censurável que é o caso, face a tudo o exposto e demais Factos Provados.
92º
Sem conceder, para o caso de ainda assim não se entender, pelo menos a coima no montante de 6.000,00 euros jamais poderá ser agravada.
V - DA NÃO TRANSCRIÇÃO DA CONTRA-ORDENAÇÃO:
Com o devido respeito, o Tribunal “a quo” não fundamenta a razão pela qual não existe cadastro nacional de contraordenações ambientais e onde se encontra estipulada a necessidade de regulamentação.
94º
As Sentenças, nos termos do artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal (aplicável ex vi artigo 41º do Regime Geral das Contraordenações e ex vi artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto), têm que estar fundamentadas de Direito.
95º
Ora, quanto a este aspecto, a Sentença não invoca qualquer fundamentação de Direito para alegar que o cadastro nacional previsto nos artigos 62º e seguintes da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais - Lei 50/2006, não está em vigor e necessita de regulamentação.
96º
E esta situação tem que ser devidamente esclarecida, pois que, a Recorrente todos os anos tem que informar se tem cadastro ambiental, nomeadamente, se foi condenada em alguma contraordenação ambiental, a fim de poder prosseguir com a actividade ou de obtenção de algum apoio estatal.
97º
Pelo que, ao não invocar a fundamentação legal sobre a não existência de cadastro nacional ambiental e a necessidade da sua regulamentação, a Sentença, nesta parte é nula, face ao disposto no artigo 379º nº 1 alínea a) do Código de Processo Penal.
98º
Acresce que, in casu, aplicam-se todas as normas decorrentes do processo criminal, por via do disposto no artigo 41º do Regime Geral das Contra- Ordenações e ex vi artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de agosto.
99º
Ou seja, sem margem para dúvidas, refere que as entidades administrativas estão submetidas aos mesmos deveres e, desde logo, naturalmente, os arguidos, a aqui Recorrente têm os mesmos direitos que um arguido em processo penal.
100º
Ora, a Sentença também é omissa quanto aos motivos pelos quais considera “os critérios para a não transcrição não são passíveis de ser aplicados às contraordenações”
101º
Todos estes requisitos estão cumpridos no caso dos autos.
102º
E mesmo que se considere que não se pode aplicar a Lei 37/2015 ao caso dos autos, o que não se concede, e se diga que existe uma impossibilidade de aplicação analógica daquela Lei, o artigo 11º do Código Civil permite a interpretação extensiva, a qual é aplicada nas hipóteses em que, por falha do legislador, a Lei não diz tudo o que deveria dizer, cabendo ao juiz (intérprete) ampliar o seu alcance para além do que está expresso no texto legal.
Sendo que, no caso dos autos, uma vez a Recorrente não pode ficar prejudicada por uma alegada falha da Lei, por inexistência de regulamentação, e ver a sua actividade poder parar, considera-se que, caso não se considere ser de ordenar a não transcrição desta condenação (a manter-se) pelo menos será de se ordenar à entidade administrativa que apenas informe a presente condenação para efeitos judiciais, abstendo-se de informar as outras entidades, uma vez que ao fazê-lo (se não existe cadastro nacional) estará a violar o disposto nos artigos 62º e seguintes da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, por prejudicar gravemente o funcionamento da Recorrente, a fim de não impedir que esta possa prosseguir com a actividade ou obtenção de algum apoio estatal.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser o presente RECURSO admitido e julgado procedente, e em consequência:
Em questão prévia: deve a Recorrente, arguida, ser devidamente notificada nos termos supra expostos, e apenas a partir dessa notificação começar a contagem do prazo para recurso.
A não se considerar:
Deve ser declarada nula a DECISÃO FINAL da entidade administrativa nos termos do disposto no artigo 379º nº 3 alínea b) do Código de Processo Penal (aplicável ex vi artigo 41º do Regime Geral das Contraordenações e ex vi artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto), ordenando-se o arquivamento dos presentes autos e consequentemente, a absolvição da recorrente
Deve ser declarada nula a DECISÃO FINAL, nos termos do disposto no artigo 283º nº 3 alínea c) do Código de Processo Penal (aplicável ex vi artigo 41º do Regime Geral das Contra- Ordenações e ex vi artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto), ordenando-se o arquivamento dos presentes autos e consequentemente, a absolvição da arguida.
Em todo e qualquer caso, se assim V. Exa. não vier a considerar o que se rejeita, mas por mera cautela de patrocínio se diz, a arguida deve ser, obrigatoriamente, absolvida, por falta de violação de qualquer norma.
A considerar-se ser de condenar a arguida:
a) Deve ser a mesma dispensada de pena; ou
b) Jamais deve ser aumentada a coima para valor superior a 6.000,00 euros.
Sendo que, no caso dos autos, uma vez a Recorrente não pode ficar prejudicada por uma alegada falha da Lei, por inexistência de regulamentação, e ver a sua actividade poder parar, considera-se que, caso não se considere ser de ordenar a não transcrição desta condenação (a manter-se) pelo menos será de se ordenar à entidade administrativa que apenas informe a presente condenação para efeitos judiciais, abstendo-se de informar as outras entidades, uma vez que ao fazê-lo (se não existe cadastro nacional) estará a violar o disposto nos artigos 62º e seguintes da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, por prejudicar gravemente o funcionamento da Recorrente, a fim de não impedir que esta possa prosseguir com a actividade ou obtenção de algum apoio estatal.
Admitido o recurso, o Mº. Pº. apresentou resposta ao recurso, concluindo:
1. A douta sentença proferida não merece qualquer reparo.
2. Inexistem quaisquer nulidades, atendendo ao disposto no regime de contraordenações aplicável.
3. A coima aplicada teve na sua génese todos os elementos factuais das infrações em apreço e condições económicas da recorrente.
4. A ausência da previsão legal, não nos pode levar a uma aplicação analógica do regime penal ao contraordenacional, no que diz respeito à não transcrição no cadastro ambiental.
Termos em que deverá o recurso ser julgado improcedente e manter-se a decisão recorrida.
Remetido o processo a este Tribunal da Relação, na vista a que se refere o art.º 416º do CPP, o Exmo. Sr. Procurador Geral da República Adjunto, limitou-se a apor visto.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E IDENTIFICAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art.º 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art.º 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art.º 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto e atentas as conclusões, as questões a decidir são as seguintes:
A falta de notificação da decisão proferida, devendo a recorrente ser notificada do teor da sentença em virtude de a audiência de discussão e julgamento ter sido realizada na sua ausência ao abrigo do disposto nos artigos 113º nº 10 e 333º nº 5, ambos do Código de Processo Penal, não se iniciando o prazo para interposição de recurso por parte da mesma antes de efectuada tal notificação.
Se a sentença é nula, por falta de descrição quanto ao elemento objectivo e por falta de indicação da alínea do preceito legal alegadamente violado, nos termos do disposto no artigo 379º nº 3 alínea b) do Código de Processo Penal (aplicável ex vi artigo 41º do Regime Geral das Contraordenações e ex vi artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto).
Se a sentença é nula, nos termos do disposto no artigo 283º nº 3 alínea c) do Código de Processo Penal (aplicável ex vi artigo 41º do Regime Geral das Contraordenações e ex vi artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto).
Se inexiste acusação em virtude de a disposição legal existente não ser violável;
Se foi violado o princípio in dubio pro reo;
Se deve ser aplicado o instituto da dispensa da pena.
Se a decisão não deve ser transcrita no cadastro.
2. 2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida tem o seguinte conteúdo (transcrição integral):
No processo de contraordenação n.º C0/001006/20, a Recorrente Fapajal Papermaking, S.A., com sede na ... e NIPC ..., veio deduzir impugnação judicial à decisão da Inspeção-geral do Ambiente e do Ordenamento do Território (doravante, também, designada I.G.A.M.A.O.T.), constante de fls. 97 e ss., na qual foi condenada:
a) na coima de €12.000,00 (doze mil euros), pela prática de 1 (uma) contraordenação ambiental muito grave, p. e p. pelos artigos 49 º n.º 1 alínea b) e 184.º n.º 2 alínea r) do Decreto-Lei n.º 108/2018, de 3 de dezembro, sancionável a título de negligência nos termos previstos no artigo 22.º n.º 4 alínea b) e 23.º-B da Lei n.º 50/2006;
b) Em custas do processo, no valor de €75,00 (setenta e cinco euros).
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No recurso apresentado de fls. 97 e ss., a Recorrente invocou, em suma, a nulidade do despacho notificado à Recorrente e da decisão administrativa, por considerar que dele não constam os factos imputados à Recorrente, nem a concreta alínea da disposição legal imputada àquela.
Mais invoca a nulidade da decisão em virtude de existir falta da acusação, pelo facto da disposição legal não ser violável.
De forma subsidiária, alega ainda que a autoridade administrativa devia ter feito uso do princípio in dubio pro reo por falta de prova, uma vez que a Recorrente enviou o inventário, concluindo que a Recorrente não praticou a infração pela qual vem acusada.
Para mais, entende inexistir qualquer dolo, bem como que a coima que lhe foi aplicada pode ser especialmente atenuada, pugnando pela aplicação ao Recorrente de uma coima a título de negligência, reduzida a metade e pelo mínimo.
Para o efeito, a Recorrente arrolou testemunhas em sua defesa.
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Não tendo tal decisão administrativa sido alterada, os autos foram remetidos para os Serviços do Ministério Público, em 04.04.2023 (cfr. fls. 135 dos presentes autos).
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O recurso apresentado pela Recorrente, ora recorrente, foi admitido por despacho judicial, de fls. 136.
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Procedeu-se a audiência de julgamento com observância do formalismo legal, como melhor se pode colher das respectivas actas.
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Foi proferido despacho de alteração da qualificação jurídica e não substancial de facto, sem oposição da Recorrente.
I. Saneamento
Mantêm-se os pressupostos da validade da instância.
Cumpre apreciar as questões prévias invocadas pela Recorrente que obstam à apreciação do mérito da causa.
1. Da nulidade por falta de descrição quanto ao elemento objectivo e por falta de indicação da alínea do preceito legal
Alega a Recorrente que o despacho que lhe foi dirigido não contém os factos que lhe são imputados, nem tão pouco a norma alegadamente infringida.
Importa pois notar que, tal despacho realizado ao abrigo do disposto no art.º 49.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto visa, à semelhança do preceituado no art.º 50.º do R.G.C.O., assegurar o direito de audiência e, consequentemente, o direito de participar na conformação do caso, indicando provas que contrariem as impressões da autoridade administrativa e intervindo ativamente na sua produção, em decorrência do direito à participação na produção da prova que serve de suporte à decisão administrativa - cfr. o Ac. do Tribunal da Relação de Évora, de 24.01.2023, processo n.º 551/21.3T8ELV.E1.
Não pode, por isso, o despacho em causa ser considerado um despacho acusatório. Aliás, no âmbito contraordenacional, o legislador determinou que, vale como despacho acusatório o despacho pelo qual o Ministério Público torna os autos presentes ao juiz após recebido o recurso - cfr. o art.º 62º nº 1, do R.G.C.O. aplicável ex vi o disposto no art.º 2º nº 1 da Lei n.º 50/2006.
Para mais, com o referido despacho da autoridade administrativa foi igualmente enviado à Recorrente cópia do auto de notícia n.º 006/RAD/20, RI/006/RAD/20 e I/3815/RAD/20 (cfr. fls. 1v), fazendo assim parte integrante do mesmo e dele tendo a Recorrente sido regularmente notificada (cfr. fls. 3).
Ora, no auto de notícia consignou-se expressamente que a acção inspectiva realizada foi realizada para aferir do «envio do inventário à APA até 31 de Janeiro de acordo com a alínea b), do n.º 1 do artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 108/2018, de 3 de dezembro». Aliás, consta igualmente de tal documento que, no âmbito da inspecção «quando questionada relativamente à obrigação de envio de cópia de inventário de fontes radioactivas seladas à Autoridade Competente até 31 de janeiro, conforme alínea b), do n.º 1 do Decreto-Lei n.º 108/2018, de 3 de dezembro, a entidade afirmou não o ter efectuado» (cfr. fls. 7v).
No mais, o auto esclarece o enquadramento dos factos, o motivo da inspeção e a factualidade apurada, retirando inclusivamente o desvalor jurídico («a entidade afirmou não o ter efectuado, não cumprido com esta obrigação legal» (cfr. fls. 7v).
Note-se que, é aceite de forma uniforme na jurisprudência nacional que, sendo a fase administrativa do processo de contra-ordenacional caracterizada pela celeridade e simplicidade processuais, as exigências tanto à descrição da matéria de facto são menos profundas do que as relativas às sentenças criminais nas próprias decisões administrativas, sendo naturalmente ainda menos existentes num primeiro elemento processual como o auto de notícia.
Deste modo, apenas se pode concluir que, aquando da notificação para defesa perante a Autoridade Administrativa, a recorrente tinha pleno conhecimento do concreto facto pelo qual vinha acusada, sabendo igualmente a norma infringida aplicável.
Por conseguinte, é forçoso concluir que a factualidade imputada à Arguida consta do auto de notícia, existindo igualmente uma clara referencia no auto à norma art.º 49.º, n.º 1, al. b) do Decreto-Lei n.º 108/2018, de 3 de janeiro no mesmo auto.
De igual modo, inexiste qualquer nulidade da decisão administrativa, neste âmbito, uma vez que dela consta de forma clara, perceptível e suficientemente discriminada, o elenco factual dado como provado e não provado (cfr. fls. 90 e 90v) e ainda de forma expressa as normas nos termos das quais a Recorrente foi condenada: «uma (1) contraordenação ambiental muito grave, nos termos dos artigos 49º n.º 1 alínea b) e 184º n.º 2 alínea r) do Decreto-Lei n.º 108/2018, de 3 de dezembro» (cfr. fls. 91 e 91v).
Em face do exposto, declaram-se improcedentes as nulidades invocadas.
II.2. Da alegada falta de acusação em virtude da disposição legal existente não ser violável
A Recorrente invocou igualmente que a disposição legal em causa não é passível de ser violada, uma vez que a mesma não consubstancia uma norma proibitiva, o que equivale, no seu entender, à falta de acusação.
Também neste âmbito não merece provimento. Em primeiro lugar, em virtude de, como se concluiu supra, o preceito violado constar do auto de notícia. Em segundo lugar, porque a norma referida estabelece o seguinte: «o titular de práticas que envolvam fontes radioativas seladas deve: (...) enviar à autoridade competente, até ao dia 31 de janeiro do ano subsequente, cópia do inventário das fontes registadas nos termos da alínea anterior [todas as fontes sob a sua responsabilidade], acompanhado da cópia da apólice do seguro de responsabilidade civil, quando aplicável», o que configura uma obrigação legal que recai sobre o titular das fontes radioactivas seladas e não «uma mera formalidade» conforme pugnado pela defesa.
Tal obrigação legal constitui um ilícito contraordenacional, expressamente previsto no art.º 184.º do Decreto-Lei n.º 108/2018.
Por conseguinte, dúvidas inexistem de que tal preceito é violável, não substanciando tal vício qualquer falta de acusação.
Julgo assim, improcedente a nulidade invocada.
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Inexistem outras nulidades ou questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer e que obstem a apreciação do mérito da causa.
II. Fundamentação de Facto
II. 1. Dos factos provados
Discutida a causa, com interesse para a decisão de mérito, resultam provados os seguintes factos:
1. Na sequência da notificação enviada aos utilizadores de fontes radioativas seladas (FRS) na indústria, no sentido de comprovar o envio do inventário à APA, I.P. até 31 de janeiro de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 108/2018 de 3 de dezembro, e após análise da resposta à notificação por parte da “Fapajal Papermaking, S.A.”, ora Arguida, surgiram algumas dúvidas quanto ao número de fontes radioativas seladas sob a sua responsabilidade.
2. Deste modo, no dia 10 de agosto de 2020, pelas 14h25m, a IGAMAOT procedeu a uma inspeção no estabelecimento denominado “Fapajal Papermaking, S.A.”, sito na Rua ....
3. A inspeção compreendeu uma componente de análise documental e uma componente inspetiva in loco para observação dos locais indicados como tendo tido FRS.
4. O estabelecimento encontrava-se em funcionamento na data da ação de inspeção.
5. Até julho de 2020 a “Fapajal Papermaking, S.A” era detentora da FRS referente à licença de funcionamento n.º 1533/18 para a prática de radiologia industrial.
6. A Arguida não enviou, até ao dia 31 de janeiro de 2020, à APA, I.P. cópia do inventário das fontes radioactivas sob a sua responsabilidade com indicação da sua localização, transmissão e transferência.
7. Não o tendo feito em tempo, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz.
8. O equipamento contendo FRS, permaneceu nas instalações da Recorrente até ser enviado para eliminação no IST em julho de 2020, conforme autorização da APA, I.P..
9. O envio do inventário da FRS à APA, I.P. ocorreu em 25 de setembro de 2020.
10. O cancelamento da licença de funcionamento n.º 1533/18 foi solicitado em 25 de setembro de 2020, tendo sido o mesmo confirmado em 2 de outubro de 2020 pela APA, I.P.
Da impugnação
11. A fonte radioactiva selada correspondente à Licença nº 1533/18, estava em processo de eliminação, aquando da inspecção.
12. Neste momento, o processo e eliminação da fonte radioactiva selada encontrava-se concluído na plataforma de resíduos radioactivos da APA em Julho de 2020 - Processo nº A-0668/2020.
13. A arguida manteve actualizado um inventário de todas as fontes radioactivas seladas sob a sua responsabilidade, bem como todos os elementos referentes às mesmas, nomeadamente, localização, transmissão e transferência, estando tal informação disponível.
14. A arguida não provocou qualquer concreto dano ou prejuízo ambiental.
15. A arguida mantém um seguro de responsabilidade civil.
Condições económicas da Recorrente
16. A Recorrente possui 88 trabalhadores a seu cargo.
17. Tem entre 7 a 8 veículos automóveis.
18. Não apresenta dívidas fiscais.
19. No ano de 2021, a Recorrente apresentou um prejuízo fiscal de €790.437,30, um total de rendimentos de €29.565.667,92 e um volume de negócios de €28.505.629,93.
20. No ano de 2022, a Recorrente possuía um total de activos financeiros de €14.572.487,43 e um total de passivos financeiros de €29.226.474,28.
Antecedentes contraordenacionais da Recorrente
21. A Recorrente não tem antecedentes contraordenacionais.
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III.2. Dos factos não provados
Inexistem factos não provados com relevo para a boa decisão da causa.
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A demais matéria alegada é desprovida de interesse e relevância para a decisão da causa, por se tratar de matéria eminentemente conclusiva ou de direito, motivo pelo qual não é integrada no elenco fáctico supra descrito.
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III.3. Da motivação da matéria de facto
Em observância do disposto no art.º 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, deve o Tribunal indicar os motivos, de facto e de direito, que fundamentam a sua decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção.
Neste âmbito, o Tribunal fundou a sua convicção na prova produzida em audiência de julgamento, mormente na análise crítica dos depoimentos das testemunhas AA e BB, ambos inspectores da IGAMAOT, e CC, diretor coordenador na área de operações da Recorrente, DD, diretor de qualidade, ambiente e segurança da Recorrente e ainda EE, consultora da Recorrente, à luz das regras da experiência comum, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova - cfr. o art.º 127.º do Código de Processo Penal.
Relevaram ainda os seguintes documentos constantes dos autos:
a) Auto de Notícia n.º AN/006/RAD/2020 e Relatório de Inspeção n.º RI/006/RAD/2020;
b) Registo fotográfico realizado no dia da inspeção (2 fotografias);
c) Resposta da “Fapajal Papermaking, S.A” à notificação enviada pela IGAMAOT (E/07882/CGI/20);
d) Licença de funcionamento n.º 1815/15 emitida pela DGS para a prática de radiologia industrial;
e) Licença de funcionamento n.º 1533/18 emitida pela DGS para a prática de radiologia industrial;
f) Confirmação de receção da fonte radioativa selada relativa à licença n.º 1815/15 emitida pela DGS por parte do fornecedor;
g) Guia de transporte do envio da fonte radioativa selada relativa à licença n.º 1533/18 para eliminação na instalação do Instituto Superior Técnico - Polo de Loures.
h) E-mail enviado à APA, I.P. em 25 de setembro de 2020;
i) Autorização de transporte de resíduos radioativos (Processo n.º A-0668/2020);
j) Folha de registo normalizada para fontes radioativas seladas;
k) Cópia de inventário das fontes radioativas seladas;
l) Cópia de licença de detenção de fontes radioativas seladas n.º 61/09;
m) Cópia de licença de introdução em território nacional de fontes radioativas seladas n.º 66/09;
n) Cópia de licença de funcionamento no âmbito da proteção radiológica n.º 1533/18;
o) E-mail da APA, I.P. enviado em 2 de outubro de 2020;
p) Condições gerais e particulares de seguro de responsabilidade civil.
Assim e em concreto,
O teor dos factos provados resulta, desde logo, da conjugação dos depoimentos das testemunhas AA e BB, ambos inspectores da IGAMAOT, os quais prestaram um depoimento objectivo, lógico, concretizado e encadeado no tempo, mostrando um vasto conhecimento técnico no âmbito da matéria das fontes radioactivas seladas, explicando o desenrolar da ação inspectiva que levaram a cabo, o motivo para o desencadear e ainda o mecanismo de funcionamento intrínseco às fontes radioactivas seladas. Para mais, ambos depuseram de forma tranquila e desinteressada, sem qualquer sanha persecutória contra a Recorrente, referindo, nomeadamente que, à data da inspecção ao local, a fonte radioactiva já tinha sido enviada para transporte no âmbito do processo de eliminação da fonte. Estas testemunhas lograram ainda identificar os concretos trabalhadores da Recorrente com quem conversaram. Por esses motivos resultou credível que inexistiu qualquer envio de inventário das fontes radioactivas seladas até 31 de Janeiro de 2020 por parte da Recorrente. Além dos fundamentos supra expostos, tais depoimentos encontram-se em consonância com o teor do Auto de Notícia n.º AN/006/RAD/2020 e Relatório de Inspeção n.º RI/006/RAD/2020, pelo que o Tribunal considerou os seus depoimentos credíveis.
Constata-se que, todo a prova existente nos autos é cristalina quanto ao não envio, por parte da Recorrente, até ao dia 31 de janeiro de 2020, à APA, I.P. do inventário das fontes radioactivas sob a sua responsabilidade com indicação da sua localização, transmissão e transferência, reportadas ao ano transacto de 2019. Além do depoimento dos inspectores neste sentido, também as testemunhas da Recorrente, FF, DD e EE referiram de forma expressa em juízo que a Recorrente não procedeu ao envio de tal inventário à autoridade competente em 31 de Janeiro de 2020, resultando a prova de tal facto igualmente do teor do e-mail enviado à APA, I.P. em 25 de setembro de 2020, por EE, constante de fls. 22 dos autos, na sequência do qual a Recorrente procedeu ao envio do inventário.
Resultou ainda dos depoimentos dos trabalhadores e consultora da Recorrente (corroborado pelo depoimento dos inspectores) que, a fonte radioactiva selada permaneceu nas instalações da Recorrente até ser transportada para eliminação pelo IST em Setembro de 2020, conforme se extrai igualmente da documentação constante dos autos, nomeadamente de fls. 24 a 34, que a Recorrente iniciou um processo de eliminação da fonte radioactiva selada, na sequência do qual esta foi transportada para eliminação pelo IST (cfr. fls. 32) e cancelado a sua licença de funcionamento (cfr. fls. 21, 82 e 83).
Na verdade, tanto as testemunhas arroladas pelo Ministério Público como pela Recorrente convergiram em toda a matéria factual dada como provada nos factos 1 a 6 e 8 a 13.
O facto n.º 7 da matéria de facto provada é relativo ao elemento subjectivo. Uma vez que este, por natureza, pertence ao mundo interior do agente, o mesmo infere-se da prova dos factos objectivos - e do encadeamento sequencial e lógico dos mesmos - conjugados com as regras da experiência e da razoabilidade. Ora, a Recorrente sendo responsável por uma fonte radioactiva selada, sabe que sobre si recaem normas específicas que regulam a sua actividade, designadamente, normas protetoras e garantísticas do meio ambiente, as quais tem que acatar. Não obstante a vasta e técnica legislação existente neste âmbito, sobre a Recorrente impende a obrigação de conhecimento das mesmas. Por conseguinte, atentos os factos provados em 1 a 6 e 8 a 13, a Recorrente violou deveres de cuidado que sobre si incumbiam, criando um risco ambiental não permitido. Por conseguinte, tal conduta expressa uma atitude de leviandade e descuido que cumpre censurar a título de negligência consciente. Deste modo, sopesando estes factores, consideramos que os mesmos possuem idoneidade suficiente para revelar a falta de cuidado do agente, dando-se, assim, por provado a conduta negligente.
Resultou igualmente provado pelas declarações consentâneas das testemunhas da Recorrente que inexistiu qualquer dano concreto ambiental originado em qualquer fonte radioactiva sob a responsabilidade da Recorrente.
Por sua vez, a existência de seguro de responsabilidade civil resulta provada pelo teor da prova documental constante de fls. 45 a 67.
Os factos referentes às condições socioeconómicas da Recorrente, resultam dos documentos juntos pela Recorrente em sede de audiência de julgamento, constantes de fls. 173 a 191 e de 217 a 282, conjugadas com a declarações da testemunha DD que afirmou os números dos trabalhadores da Recorrente e veículos automóveis o que disse de forma convicta e relativamente aos quais revelou conhecimentos concretos.
Por fim, para prova do facto n.º 21 da matéria de facto provada obteve-se atendendo à informação emitida pela Autoridade Administrativa, junta aos autos a fls. 166.
III. Fundamentação de Direito
III. 1. Do enquadramento jurídico e contra-ordenacional dos factos
A punição contraordenacional de condutas lesivas do ambiente funda-se no direito fundamental ao ambiente, constitucionalmente consagrado no artigo 66.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e, de forma indirecta, igualmente no artigo 9.º, al. e) onde se definem como tarefas fundamentais do Estado a defesa da natureza e do ambiente, bem como a preservação dos recursos naturais. As contraordenações ambientais visam assegurar a prevenção de perigos e eventuais danos ambientais.
A Recorrente foi condenada pela prática de 1 (uma) contraordenação ambiental muito grave, de falta de envio do inventário das fontes radioactivas seladas para a entidade competente, até 31 de Janeiro de 2020, p. e p. pelos artigos 49.º n.º 1 alínea b) e 184.º n.º 2 alínea r) do Decreto-Lei n.º 108/2018, de 3 de dezembro, sancionável a título de negligência nos termos previstos no artigo 22.º n.º 4 alínea b) e 23.º-B da Lei n.º 50/2006.
Estabelece o art.º do artigo 49.º n.º 1, al. b, do Decreto-Lei n.º 108/2018, de 3 de dezembro, que «o titular de práticas que envolvam fontes radioativas seladas deve enviar à autoridade competente, até ao dia 31 de janeiro do ano subsequente, cópia do inventário das fontes registadas nos termos da alínea anterior, acompanhado da cópia da apólice do seguro de responsabilidade civil, quando aplicável».
Por sua vez, o art.º 184.º, n.º 2, alínea r) do Decreto-Lei n.º 108/2018, na sua redação inicial, vigente à data da prática dos factos punia como contraordenação muito grave a «violação dos deveres por parte dos titulares de práticas previstos no n.º 1 do artigo 49.º».
Sucede que, a referida alínea foi revogada pelo Decreto-Lei n.º 81/2022, de 06 de Dezembro, punindo agora o art.º 184.º, n.º 3, alínea q), do Decreto-Lei n.º 108/2018 a mesma conduta como contraordenação ambiental grave.
Uma vez que, à data da prática dos factos se encontrava vigente a versão original do Decreto-Lei n.º 108/2018, de 3 de dezembro, e que, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 81/2022, de 06 de Dezembro, foi impressa uma alteração legislativa quanto à qualificação da infração como grave ou muito grave, cumpre aquilatar sobre a aplicação da lei penal no tempo.
Nesta sede, estabelece o art.º 4.º, n.ºs 1 e 2, do R.G.C.O. ex vi o disposto no art.º 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 108/2018, que «a punição da contraordenação é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende». Tal preceito ecoa o disposto no art.º 2.º, n.º 1, do Código Penal, consagrando o princípio da confiança implícito na previsibilidade da Lei consagrada constitucionalmente no art.º 29.º, n.º 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa, ao determinar que ninguém pode ser condenado senão em virtude de lei anterior que tipifique tal acção (ou omissão) como conduta punível a título contraordenacional. De igual modo, não podem ser aplicadas coimas que não estejam expressamente cominadas em lei anterior.
Acrescenta o art.º 2. º, n.º 2, do mesmo preceito que «se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplica-se a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado».
Uma vez que, a lei actualmente vigente, mantendo inalterado os pressupostos da contraordenação, deixou de qualificar tal conduta como um contraordenação muito grave para a cominar como uma contraordenação grave, por se mostrar tal regime concretamente mais favorável ao agente, aplicar-se-á ao caso concreto o art.º 184. º, n.º 3, al. q), do Decreto-Lei n.º 108/2018, resultante da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 81/2022.
Quanto à subsunção da matéria de facto, resulta cristalino que a Recorrente, possuindo uma fonte radioactiva selada em 2019, não a reportou, como devia, através do envio do inventário das fontes radioactivas seladas, até 31 de Janeiro de 2020, à APA, S.A. - cfr. os factos n.ºs 5, 6 e 8 da matéria de facto provada.
É inegável que, sobre a Recorrente incumbia esse dever, uma vez que a fonte radioactiva selada que tinha nas suas instalações em uso até Setembro de 2019, e armazenada nas mesmas desde essa data até ao seu transporte para eliminação esteve à sua responsabilidade e em prática no ano de 2019 (período de tempo a que se reporta o envio do inventário em causa).
Acresce que, a Recorrente incumpriu o dever de cuidado que sobre si impendia atenta a sua actividade profissional e a fonte radioactiva selada de que era responsável, actuando de forma negligente - cfr. o facto n.º 7 da matéria de facto provada.
Em suma, a conduta da Recorrente configura a prática de uma contraordenação ambiental grave de falta de envio à autoridade competente, até ao dia 31 de janeiro do ano subsequente, cópia do inventário das fontes registadas seladas, prevista e punida pelos artigos 49. º, n.º 1, al. b) e 184.º n.º 3, al. q) do Decreto-Lei n.º 108/2018, de 3 de dezembro.
IV.2. Da determinação da medida da coima
Na determinação da medida da coima deve atender-se à gravidade da contra- ordenação, à culpa do agente, à sua situação económica e ao benefício económico obtido com a prática do facto ilícito, sendo igualmente considerado o incumprimento de quaisquer recomendações constantes de auto ou notificação e a prática pelo agente de actos de coacção, falsificação, ocultação ou dissimulação tendentes a dificultar a descoberta da verdade. Importa igualmente atender à conduta anterior e posterior à prática dos factos e as exigências de prevenção - cfr. os arts. 20.º, n.º 1 da Lei n.º 50/2006 de 29 de Agosto.
Refira-se ainda, desde já que, segundo o entendimento fixado no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 6/2018, de 14 de Novembro, a pena de admoestação prevista no artigo 51.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, não é aplicável às contraordenações graves (e muito graves), pelo que não se poderá aplicar tal instituto no a qualquer das contraordenações aplicadas no presente processo.
Assim,
A violação do disposto no art.º 49.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 108/2018 é sancionável nos termos do disposto no art.º 22.º, n.º 3, al. b), da Lei 50/2006, o qual estatui que às contraordenações graves, praticadas por pessoas coletivas, corresponde uma coima de €12.000 a €72.000 em caso de negligência e de €36.000 a €216.000 em caso de dolo.
A gravidade da contraordenação depende do bem ou interesse jurídico acautelado pela punição da norma, sendo, em qualquer no caso, o direito a um ambiente de vida sadio e ecologicamente equilibrado. Cumpre ainda evidenciar que a Lei comina de grave o não cumprimento da obrigação de envio de inventário de fontes radioactivas seladas conforme resulta do supra exposto.
No que concerne à culpa da Recorrente, devem ser relevados casos em que o grau de culpa é reduzido, nomeadamente a actuação por negligência e ainda a verificação de circunstâncias que atenuem a culpa. In casu, a Recorrente actuou com mera negligência - cfr. o facto n.º 7 da matéria de facto - sendo que, em momento posterior, procedeu ao envio do inventário em falta, ao transporte para eliminação da referida fonte e ainda ao cancelamento da sua licença - cfr. os factos n.ºs 8 e 9 da matéria de facto.
Determina o n.º 1 deste artigo que, «para além dos casos expressamente previstos na lei, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contraordenação, ou contemporâneas dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da coima». Acrescenta o n.º 2 do mesmo preceito que «para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes: a) ter havido atos demonstrativos de arrependimento do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados e o cumprimento da norma, ordem ou mandado infringido;
b) terem decorrido dois anos sobre a prática da contraordenação, mantendo o agente boa conduta».
Considerando o envio do inventário em falta, o transporte para eliminação da referida fonte em momento anterior à inspecção e ainda o cancelamento da sua licença, bem andou a Autoridade Administrativa ao aplicar a atenuação especial no caso vertente.
Por conseguinte, deve manter-se a atenuação especial aplicada, com a consequente redução da moldura contraordenacional a metade nos seus limites mínimos e máximos - cfr. o art.º 23.º-B, n.º 1, da referida Lei.
Em virtude da alteração da moldura contraordenacional abstrata, ao configurar a actuação da Recorrente como contraordenação grave (e não muito grave), a moldura a aplicar no caso concreto, situa-se entre os €6.000 a €36.000.
Cumpre, assim, aferir, os demais critérios que determinam a medida da coima.
No que respeita à situação económica da Recorrente, resultou provado que a Recorrente possui 88 trabalhadores a seu cargo, tem entre 7 a 8 veículos automóveis, não apresenta dívidas fiscais e ainda que, no ano de 2021, a Recorrente apresentou um prejuízo fiscal de €790.437,30, um total de rendimentos de €29.565.667,92 e um volume de negócios de €28.505.629,93 e no ano de 2022, a Recorrente possuía um total de activos financeiros de €14.572.487,43 e um total de passivos financeiros de €29.226.474,28. - cfr. os factos n.ºs 16 a 20 da matéria de facto provada.
Por sua vez, entende-se por benefício económico todo o proveito económico que não ocorreria no património do agente se tivesse adoptado a conduta que o ordenamento lhe impunha. Ora nesta sede, não se provou a existência de qualquer benefício económico para a Recorrente com a prática da presente infracção.
Por fim, cumpre ainda que considerar a conduta anterior e posterior do agente, não havendo registo de qualquer infracção, nem tão-pouco de qualquer dano concreto causado com a omissão da conduta por si devida - cfr. os factos n.ºs 14 e 21 da matéria de facto provada.
Atendendo a tais factores, considera-se justa, adequada e proporcional punir a Recorrente com uma coima, especialmente atenuada, de €6.000,00 pela prática da contra- ordenação ambiental grave de falta de envio à autoridade competente, até ao dia 31 de janeiro do ano subsequente, cópia do inventário das fontes registadas sob a sua responsabilidade, prevista e punida pelos artigos 49.º, n.º 1, al. b) e 184.º n.º 3, al. q) do Decreto-Lei n.º 108/2018, de 3 de dezembro, sancionável a título de negligência nos termos previstos no 22.º, n.º 3, al. b) e 23.º-B, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto.
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IV. Da não transcrição da contraordenação
A Recorrente requereu a não transcrição da presente decisão no registo de cadastro ambiental.
De facto, o art.º 62.º da Lei n.º 50/2006, prevê o registo e o tratamento das sanções principais e acessórias, bem como das medidas cautelares aplicadas em processo de contraordenação e das decisões judiciais, relacionadas com aqueles processos, após decisão definitiva ou trânsito em julgado.
No entanto, tal norma, por carecer de regulamentação, ainda não possui aplicabilidade prática, não existindo, actualmente, um registo nacional de contraordenações ambientais.
Acresce que, pese embora a aplicação subsidiária das leis processuais penais no âmbito contraordenacional, ao abrigo do disposto no art.º 2.º, n.º 1, da Lei n.º 108/2018 e 41.º do R.G.C.O., o preceituado no art.º 13.º da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio é de aplicação excepcional e determina os concretos requisitos para a não transcrição da pena aplicada.
Ora, constando tal norma de legislação avulsa e de natureza excepcional, a mesma é insusceptível de aplicação analógica ou extensiva, não sendo de empregar quanto às coimas contraordenacionais. Aliás, os critérios para a não transcrição não são passíveis de ser aplicados às contraordenações.
Assim, na ausência de previsão legal expressa de não transcrição de coimas e na impossibilidade de aplicação analógica desta ao processo contraordenacional preveja a não transcrição de sanções penais.
V. Decisão
Em face do exposto, o Tribunal julga parcialmente procedente o recurso interposto, alterando a decisão administrativa da Inspeção-geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (I.G.A.M.A.O.T.), e em consequência, decide:
a) Julgar improcedentes as nulidades invocadas pela Recorrente.
b) Condenar a Recorrente Fapajal Papermaking, S.A. pela prática, a título de negligência, de 1 (uma) contraordenação ambiental grave de falta de envio à autoridade competente, até ao dia 31 de janeiro do ano subsequente, cópia do inventário das fontes radioactiva selada, prevista e punida pelos artigos 49.º, n.º 1, al. b) e 184.º n.º 3, al. q) do Decreto-Lei n.º 108/2018, de 3 de dezembro, nos termos previstos no 22.º, n.º 3, al. b) e 23.º-B, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, no pagamento de uma coima especialmente atenuada, fixada em €6.000,00 (seis mil euros).
c) Condenar a ... no pagamento de custas do processo na fase administrativa, no valor de €75,00 (setenta e cinco euros).
d) Condenar a Recorrente Fapajal Papermaking, S.A. a suportar as custas processuais, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal - cfr. artigos 92.º, nº 1 e 93.º, n.º 3 do R.G.C.O., artigo 8º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processais e Tabela III anexa.
e) Indeferir o pedido de não transcrição da coima no cadastro ambiental.
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Notifique e deposite.
Após trânsito, comunique à I.G.A.M.A.O.T. nos termos disposto no art.º 55.º, n.º 3, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto e art.º 70.º, n.º 4, do R.G.C.O.
2.3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
No que se refere à questão prévia de ausência de notificação à recorrente, cumpre esclarecer que o art.º 74º nº 1 do RGCO, ao fixar em dez dias, a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, quando a decisão tenha sido proferida na sua ausência, o prazo para a interposição do recurso para a Relação, não tem o alcance que a recorrente lhe pretende atribuir.
Em processo de contraordenação o arguido pode estar por si próprio em Juízo e assegurar directa e pessoalmente a sua defesa, ao contrário do que sucede em processo penal, em que o arguido tem de estar sempre representado por Defensor que será um Advogado (arts. 61º nº 1 als. e) e f) e 62º a 64º do CPP).
Com efeito, no processo de contraordenação, nem sequer é obrigatória a constituição de advogado, nem a nomeação de defensor, nada impondo tal constituição para a interposição da impugnação judicial da decisão administrativa, tal como resulta das disposições conjugadas dos arts. 53º nº 1 e 2 e 59º nº 2 do RGCO.
Inclusive, o arguido não é obrigado a comparecer à audiência, salvo se o juiz considerar a sua presença como necessária ao esclarecimento dos factos, tal como previsto no art.º 68º nº 1 do RGCO, cujo nº 2 prevê a possibilidade de o arguido se fazer representar por advogado com procuração escrita, nos casos em que o juiz não ordenou a sua presença.
E o art.º 68º do mesmo regime prevê a possibilidade de o julgamento da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que aplicar uma coima, ter lugar sem que o arguido compareça ou se faça representar por advogado.
Das referidas disposições legais conclui-se que em processo de contraordenação, nada sendo ordenado quanto à obrigatoriedade de comparência do arguido à audiência de julgamento, este pode, simplesmente não comparecer, comparecer em pessoa ou fazer-se representar por advogado. Neste último caso, tudo se passa como se ele estivesse presente, através do advogado ou defensor (neste sentido, Acs. da Relação de Guimarães de 6.10.2004, proc. 1874/03-2, da Relação de Coimbra de 10.03.2004, proc. 3147/03, in http://www.dgsi.pt).
«Tendo o arguido em processo contra-ordenacional visto dispensada a sua presença, e sendo ao defensor do arguido notificado o dia para a leitura pública da sentença e depósito desta na secretaria, tem este a possibilidade imediata de ainda que não possa assistir à audiência de leitura da decisão, consultar a decisão depositada na secretaria. E, de posse de uma cópia dessa sentença, pode, nos dias imediatos, reflectir sobre ela, ponderando, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma. O que não merece tutela, nem é tocado pela garantia de defesa do arguido em processo de contraordenação, é o absentismo simultâneo do arguido — que viu a sua presença logo no julgamento dispensada - e do seu mandatário constituído que foi notificado da data para leitura da decisão, ou, muito menos, a falta de interesse ou diligência deste último, no sentido de notificado do dia da leitura da decisão ainda que a esta não possa assistir, concretizar a possibilidade de tomar conhecimento da decisão e a comunicar ao arguido. Ao defensor do arguido foi dado prévio conhecimento do acto judicial de leitura da decisão, e, em processo de contraordenação, tal basta para se poder considerar notificada a decisão no momento dessa leitura, ainda que a esse acto faltem tanto o arguido como o seu mandatário constituído» ( Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 77/2005, de 15.02.2005, proc. 149/04, in http://www.tribunalconstitucional.pt).
«Sendo notificado o mandatário do dia designado para leitura de sentença, o prazo para recorrer conta-se a partir da data da leitura em audiência, esteja ou não presente o arguido ou o seu mandatário (Acórdão do TC nº 77/2005)» (Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Regime Geral das Contraordenações, UCE, Lisboa 2011, pág. 307).
Com efeito, o regime jurídico e certas garantias de defesa consagradas no CPP não são sequer transponíveis, nuns casos, e, noutros, não são transponíveis sem as necessárias adaptações, para o procedimento contraordenacional, atenta a diferente natureza das infracções objecto de uma e de outra espécie de processos, assim como os diversos graus de importância dos bens jurídicos que determinam as escolhas do legislador constitucional e ordinário em matérias de criminalização de certos comportamentos e da configuração de outros como ilícitos de mera ordenação social (cfr., nesse sentido, Assento do STJ nº 1/2003 de 16.10.2002, Diário da República n.º 21/2003, Série I-A de 25.01.2003 páginas 547 - 559; Acs. do Tribunal Constitucional nºs 659/06 e 99/2009, in http://www.tribunalconstitucional.pt).
A exigência de notificação pessoal da sentença que julgou a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa à recorrente, nos termos em que esta alicerça um dos fundamentos do presente recurso não tem, pois, qualquer fundamento legal e, além disso redundaria na transformação dos processos de contraordenação em mecanismos processuais ainda mais garantísticos e morosos do que o processo penal, contrariando quer os diferentes graus de relevância dos crimes e das contraordenações, por um lado, quer a própria tramitação de cada uma destas duas espécies de procedimento, ponderando que o processo contraordenacional terá necessariamente de ser um processo mais célere e simplificado, com prazos prescricionais muito mais curtos e a possibilidade de o julgamento do recurso na fase jurisdicional ser feita por simples despacho, sem obrigatoriedade de constituição de advogado que represente a recorrente, mas em contrapartida, com um regime jurídico de notificações muito mais exigente do que aquele que vigora no âmbito do processo penal, como se pode por exemplo, retirar dos efeitos jurídicos da prestação de TIR, nos termos do art.º 196º, bem assim, do regime jurídico contido nos arts. 331º a 333º em tema de comparência do arguido à audiência de discussão e julgamento, o que seria totalmente incongruente também com a unidade do sistema jurídico.
O art.º 74º nº 1 do RGCO estabelece que «o recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste».
O art.º 55º nº 4 estabelece que o prazo de vinte dias para interposição do recurso de decisões em matéria de contraordenações ambientais se conta nos termos previstos no regime geral das contraordenações, em sintonia com a remissão genérica feita no art.º 2º nº 1 da Lei 56/2006 de 29 de Agosto segundo o qual, «as contraordenações ambientais e do ordenamento do território são reguladas pelo disposto na presente lei e, subsidiariamente, pelo regime geral das contraordenações».
Ora, a propósito da notificação a que se refere a última parte do n.º 1 do artigo 74.º do RGCO, ou seja, a que deverá ser feita, na pessoa do arguido importa delimitar o seu âmbito de aplicação às hipóteses em que a decisão seja proferida por despacho ou em que a audiência seja realizada sem notificação regular do arguido e já não nos casos em que tenha defensor/mandatário e este haja sido notificado da data da leitura da sentença, contando-se nestes o prazo de interposição do recurso a partir do depósito da sentença mesmo que nenhum deles àquela haja comparecido, porque esta é a única interpretação compatível com as tais diferenças de importância entre crimes e contraordenações e de espécies de procedimentos destinados ao julgamento de uns e de outras, tal como com a solução preconizada no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 77/2005, de 15.02.2005 acima citado.
Acerca do art.º 74º nº 1 do RGCO importa esclarecer que este preceito «não se refere à presença física, mas antes à presença processual, considerando-se o arguido notificado da sentença, depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído, contando-se o prazo de recurso a partir dessa data, mesmo que o arguido não tenha comparecido a esse acto» (Ac. da Relação de Lisboa de 21.09.2011, proc. 2486/10.6TBOER.L1-5. No mesmo sentido, Ac. da Relação de Coimbra de 12.02.2007, proc. 241/05.4TBFND-A.C1, Ac. da Relação de Lisboa de 06.11.2012, proc. 768/11.9TBSSB.L1-5, Ac. da Relação de Lisboa de 22.10.2015, proc. 491/15.5T9PDL.L1-9, Acs. da Relação de Évora de 04.11.2016, proc. 956/16.1T8STR-A.E1, da Relação de Guimarães de 27.04.2017, proc. 491/16.8T8PTL-A.G1 e da Relação de Évora de 24.10.2023, proc. 1229/22.6T9STR.E1, todos in http://www.dgsi.pt).
E «se o Acórdão n.º 77/2005 concluiu pela não inconstitucionalidade de interpretação normativa extraída do artigo 74º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) que pressupunha que o início da contagem do prazo de recurso devia reportar-se à data da audiência de leitura da sentença, na qual não estivesse presente nem o arguido, nem o respetivo mandatário, mais razões haveria para julgar não inconstitucional uma interpretação – como aquela em apreço nos presente autos – em que o arguido se encontrou devidamente representado por mandatário portador de substabelecimento» (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 142/2012 de 13 de Março de 2012, proc. nº 54/12, in http://www.tribunalconstitucional.pt).
De resto, das disposições conjugadas dos arts. 46º, 47º e 68º, nº 1 do RGCO resulta que em processo de contraordenação, nada sendo ordenado quanto à obrigatoriedade de comparência do arguido à audiência de julgamento, este pode, simplesmente não comparecer, comparecer pessoalmente, ou fazer-se representar por advogado e, neste último caso, tudo se passa como se ele estivesse presente, através do advogado ou defensor.
Por isso, se o arguido estiver representado por advogado na audiência de julgamento, o prazo para o recurso tem de contar-se da sentença, nos termos da primeira parte do n.º 1 do art.º 74º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, desde logo, porque a notificação da sentença fica feita, no próprio acto, na pessoa do advogado, nos termos dos arts. 46º nº 2 e 47º nºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10.
No caso vertente, tal como avulta da acta da leitura da decisão recorrida, com a referência Citius ..., a Exma. Mandatária da arguida esteve presente no acto de leitura da sentença, ficando, pois, devidamente notificada da referida decisão.
E sendo assim, a notificação foi feita e de forma válida, regular e eficaz, não merecendo provimento o recurso, nesta parte.
Quanto às nulidades:
Se a sentença é nula, por falta de descrição quanto ao elemento objectivo e por falta de indicação da alínea do preceito legal alegadamente violado, nos termos do disposto no artigo 379º nº 3 alínea b) do Código de Processo Penal (aplicável ex vi artigo 41º do Regime Geral das Contraordenações e ex vi artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto).
Se a sentença é nula, nos termos do disposto no artigo 283º nº 3 alínea c) do Código de Processo Penal (aplicável ex vi artigo 41º do Regime Geral das Contraordenações e ex vi artigo 2º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto).
O art.º 283º do CPP rege sobre os requisitos de forma e de conteúdo que a acusação deduzida em processo penal deve conter.
Nos termos do disposto no art.º 283º nº 3 als. a), b), c) e d) do CPP, a acusação deve conter a identificação do arguido, «a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada», «as circunstâncias relevantes para a atenuação especial da pena que deve ser aplicada ao arguido ou para a dispensa da pena em que este deve ser condenado» e a indicação das disposições legais aplicáveis, o que também está de harmonia com os princípios da legalidade e da tipicidade do Direito Penal que impõem particulares exigências de certeza, clareza, da precisão e completude dos factos típicos imputados.
É o princípio da vinculação temática (do qual resulta que os factos descritos na acusação normativamente entendidos, isto é, em articulação com as normas consideradas infringidas pela sua prática e também obrigatoriamente indicadas na peça acusatória, definem e fixam o objecto do processo, o qual, por sua vez, delimita os poderes de cognição do tribunal, define o thema probandum, circunscrevendo a actividade probatória a realizar na fase da audiência de discussão e julgamento a esses factos e também determina os limites da decisão. Assim, o princípio da descoberta da verdade material tem de ser sempre exercido dentro dos limites fixados pela acusação ou pela pronúncia, assim se conciliando os princípios da máxima acusatoriedade e da investigação oficial.
E é o princípio da vinculação temática resultante da narração precisa dos factos imputados ao arguido, na acusação, que garante a concretização dos princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consunção do objeto do processo penal, ou seja, os de que o objeto do processo deve manter-se o mesmo, desde a dedução da acusação, até ao trânsito em julgado da sentença, deve ser conhecido e julgado na sua totalidade (unitária e indivisivelmente) e – mesmo quando o não tenha sido – deve considerar-se irrepetivelmente decidido, por efeito do caso julgado, impeditivo da repetição de outros processos penais, pelos mesmos factos, ainda que nem todos tenham sido conhecidos, mas devendo tê-lo sido, por força da imposição daquele conhecimento esgotante, assumindo relevância, neste conspecto, o princípio ne bis in idem, consagrado no art.º 29º nº 5 da CRP (Eduardo Correia, Caso Julgado e Poderes De Cognição Do Juiz, Livraria Almedina, Coimbra, 2.ª Reimpressão, 1996, pp. 318 e 319, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora Lda., p. 145 e Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, Coimbra, 1968, p. 214 e ss.).
«Quando o Ministério Público deduz acusação ou, em alternativa, quando é requerida a abertura da instrução pelo assistente, nesse momento fixam-se os factos dos quais o juiz do julgamento vai poder conhecer. Isto é, a estrutura acusatória do processo implica também, além da diferença de identidade entre acusador e julgador, que o julgador está vinculado ao tema do processo que lhe é trazido pelo acusador. O juiz do julgamento só pode pronunciar-se sobre os factos que lhe são trazidos, em princípio pelo Ministério Público. É nesse sentido que se diz que a estrutura acusatória do processo implica também o princípio da acusação ou o princípio da vinculação - temática.» (Teresa Pizarro Beleza, com a colaboração de Frederico Isasca e Rui Sá Gomes, Apontamentos de Direito Processual Penal, pp. 51 e 52).
A recorrente invocou a omissão, na decisão da autoridade administrativa, das indicações contidas na al. c) do art.º 283º nº 3 al. c) do CPP mas, face aos argumentos expendidos nas motivações e nas conclusões do recurso, parece que o que a recorrente pretende é a nulidade traduzida na omissão da narração das circunstâncias de tempo, modo e lugar, da indicação da motivação da prática da infracção, do grau de participação da recorrida, no seu cometimento, em suma, todas as circunstâncias factuais relevantes e aptas a fundamentar a imposição da sanção, sendo que a estes requisitos se refere, não a al. c) invocada pela recorrente, mas antes a al. b) e ainda, a omissão, pelo menos, em parte das disposições legais aplicáveis.
Por seu turno, o art.º 379º do CPP prevê três diferentes causas de nulidade da sentença penal: na al. a) do seu nº 1, a falta das menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, a ausência de decisão condenatória ou absolutória ou a omissão das menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F; na al. b) do seu nº 1, a condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º e, na al. c) do seu nº 1, a omissão de pronúncia e o excesso de pronúncia («quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento).
O nº 3 do mesmo art.º 379º do CPP não contém qualquer alínea, pelo que também é evidente o lapso na indicação do art.º 379º nº 3 al. b) do CPP como causa da nulidade imputada.
Considerando porém, os argumentos exarados nas conclusões 23 a 52 do recurso, é relativamente fácil concluir que o que a recorrente pretende é acusar a decisão da autoridade administrativa de falta de fundamentação factual em virtude de os factos potencialmente integradores da infracção ambiental invocada como fundamento da aplicação da coima terem de se encontrar, não na descrição feita pela autoridade administrativa que a proferiu, mas por reporte a elementos processuais que lhe são exteriores como é o caso do auto de notícia e do relatório de inspecção (conclusão 33).
Portanto, o que a recorrente pretende é que as menções constantes do art.º 374º nº 2 do CPP em matéria de fundamentação - «que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal» - se aplica à decisão proferida, nestes autos, pela Inspeção-geral do Ambiente e do Ordenamento do Território (doravante, também, designada I.G.A.M.A.O.T.), constante de fls. 97 e ss., na qual a recorrente foi condenada na coima de €12.000,00 (doze mil euros), pela prática de 1 (uma) contraordenação ambiental muito grave, p. e p. pelos artigos 49 º n.º 1 alínea b) e 184.º n.º 2 alínea r) do Decreto-Lei n.º 108/2018, de 3 de dezembro, sancionável a título de negligência nos termos previstos no artigo 22.º n.º 4 alínea b) e 23.º-B da Lei n.º 50/2006.
E para esse efeito, as normas correctas são as contidas nos arts. 374º nº 2 e 379º nº 1 al. a) do CPP.
A fundamentação das decisões judiciais implica, em geral, um processo argumentativo de justificação da afirmação de que a determinados factos é aplicável uma determinada solução jurídica, através da enumeração e explicitação das razões de facto e de direito que conduziram a uma determinada subsunção jurídica dos factos e ao sentido da decisão.
Numa dimensão endoprocessual, a fundamentação serve propósitos de clareza e compreensão pelos seus destinatários, essenciais ao cumprimento da decisão e ainda de controlo da legalidade da actividade jurisdicional e do acerto e justiça da decisão, pelas autoridades judiciárias de recurso.
Numa vertente extraprocessual, as exigências de fundamentação assumem-se como um mecanismo de legitimação democrática dos próprios Tribunais e da administração da Justiça.
«A consagração constitucional do princípio da fundamentação das decisões judiciais é uma garantia do processo judicial, no sentido de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito. Mas é sobretudo o reconhecimento de que os tribunais, constitucionalmente investidos do poder de julgar, em nome do povo, têm que dar conta do modo como exercem esse poder através da fundamentação das suas decisões, assim se legitimando a sua própria função.» (Mouraz Lopes, “Gestão Processual: Tópicos para um incremento da qualidade da decisão judicial”, in Julgar, n.º 10, janeiro-abril 2010, p. 143. No mesmo sentido, Rogério Bellentani Zavarize, A Fundamentação das Decisões judiciais. 1 ed. – Campinas/SP: Millennium, 2004, p.123; Lenio Luiz Streck e Igor Raatz, O Dever de Fundamentação das Decisões Judiciais sob o Olhar da Crítica Hermenêutica do Direito, doi:10.12662/2447-6641oj.v15i20.p160-179.2017, Julho de 2017, https://www.researchgate.net/publication/...; Michele Taruffo, Il controllo di razionalità della decisione fra logica, retorica e dialettica https://iris.unipv.it/handle/11571/210955?mode=full.47#record, Francesco Conte, Il Significato constituzionale dell´obblligo di motivazione. In: GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (Coord.) págs. 30-31, https://books.google.pt).
A independência e a imparcialidade do Juiz devem, pois, transparecer do apuramento objectivo dos factos da causa e da interpretação válida das normas de direito, em obediência ao espírito e à letra da lei.
O dever de fundamentação das decisões judiciais, seja qual for a jurisdição em que sejam proferidas, é, pois, um dos alicerces do Estado de Direito Democrático, na medida em que assegura que o processo seja justo e equitativo, de harmonia com o disposto no art.º 20º nºs 4 e 5 da Constituição, em face da aptidão do princípio da motivação para impedir a arbitrariedade e a descriminação, bem assim, para conferir imparcialidade às decisões, assegurando, por esta via, o respeito pelos direitos liberdades e garantias fundamentais dos seus destinatários, em sintonia com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da proporcionalidade, nos termos dos arts. 2º; 13º e 18º da Constituição, respectivamente.
Em suma, o princípio da exigência de fundamentação assume-se como garantia da imparcialidade do juiz, do controle da legalidade da decisão, e da possibilidade de impugnação das decisões, a par da possibilidade de controle do exercício do poder judiciário fora do contexto processual, por parte do povo em nome de quem deve ser feita a administração da justiça, no contexto de uma concepção democrática do poder.
O dever de fundamentar uma decisão judicial é uma consequência da previsão contida no artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
Na vertente processual penal, este imperativo constitucional densifica-se em várias disposições legais, desde logo, no princípio geral consagrado no art.º 97º nº 5 do CPP, quanto à exigência da especificação dos motivos de facto e de direito de qualquer decisão.
Mais especificamente, no que se refere à sentença, o artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal impõe, a propósito do requisito da fundamentação, que a mesma contenha a «exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
Trata-se de nulidades exclusivas das sentenças penais, em sintonia com os princípios da legalidade e da tipicidade das causas de nulidade (cfr. arts. 118º e 119º do CPP) e da natureza excepcional das nulidades, pois que, sejam sanáveis ou insanáveis, porque restringem ou podem colocar em crise o princípio constitucional contido no art.º 32º nº 2 da CRP, quanto ao direito a um julgamento no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa, não admitem aplicação analógica (João Conde Correia, Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, Coimbra Editora, 1999, p. 152; Costa Pimenta, Processo Penal, Sistema e Princípios, 2003, Livraria Petrony, p. 158).
Ora, um único acto decisório não pode ser, nem é qualificável, simultaneamente, como uma acusação e como uma sentença.
A decisão da autoridade administrativa não é uma decisão judicial, logo não está sujeita aos requisitos formais e substanciais acabados de referir.
Também não é uma acusação, pois que, como expressamente, estabelecido artigo 62º n.º 1 do RGCO, a apresentação pelo Ministério Público dos autos ao juiz (e não propriamente apenas a decisão administrativa), é que vale como acusação, o que significa que à decisão administrativa será aplicável, quanto muito, o regime restrito das nulidades da acusação, por referência ao artigo 283º do CPP, consagrado nos artigos 119º e 120º do mesmo diploma.
Depois, importa esclarecer a recorrente que a remissão feita no art.º 41º do Regime Geral das Contraordenações para as regras contidas no Código de Processo Penal, só consente a aplicação subsidiária das regras processuais penais aos recursos de contraordenação, ou seja, o CPP só se aplica, à tramitação de processos cujo objecto sejam ilícitos de mera ordenação social, nos casos omissos, para cuja ocorrência, não existam normas no DL n.º 433/82, de 27 de Outubro que as prevejam e regulem.
Esse é o alcance do nº 1 ao estabelecer que «sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal» e também do nº 2 com a previsão de que, «no processo de aplicação da coima e das sanções acessórias, as autoridades administrativas gozam dos mesmos direitos e estão submetidas aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal, sempre que o contrário não resulte do presente diploma».
Ora, o procedimento contraordenacional contém regras próprias, nestas matérias.
Nos termos do artigo 58º nº 1 do RGCO, a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas [alínea b)], e a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão [alínea c)], isto é, a discussão das razões de facto e de direito que fundamentam a aplicação da coima e da sanção acessória, se for o caso, sendo certo que estas exigências de forma e de substância têm de se considerar plenamente observadas, sempre que o conteúdo da decisão seja minimamente explícito e detalhado, até ao ponto em que permita ao arguido o exercício efectivo dos seus direitos de defesa, o que acontecerá, se e quando, o texto da decisão seja apto a dar ao seu destinatário o conhecimento dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e das condições em que pode impugnar judicialmente a decisão.
De qualquer forma a peça processual com a qual a decisão administrativa guarda maior similitude uma vez impugnada judicialmente, é com a acusação, pelo que, a haver deficiências, omissões ou insuficiências na descrição factual apta a integrar a prática de alguma infracção de mera ordenação social e a legitimar a aplicação de uma coima e alguma sanção acessória, sempre teria de ser apreciada à luz do que dispõem os arts. 283º e 118 a 123º do CPP.
AFJ n.º 05/2019 de 04/07/19 (in DR, I Série, 185, de 26/09/19), refere que a decisão da autoridade administrativa não impugnada assume contornos de definitividade, mas, sendo-o, converte-se, em consonância com o estipulado no art.º 62.º, n.º 1 do RGCO, numa “decisão-acusação”.
Os crimes referem-se a bens jurídicos relevantes de pendor ético e considerados essenciais ao convívio social em paz, em liberdade e em condições de dignidade para todos os cidadãos, enquanto que as contraordenações apenas tutelam conveniências de organização social e económica e outros interesses axiologicamente neutros, embora relevantes para a organização de múltiplos sectores da actividade humana.
É desta falta de ressonância ética e da substancial menor gravidade das consequências jurídicas resultantes da prática de infracções de mera ordenação social, quando comparadas com as que são aplicáveis aos crimes, que emerge a desnecessidade de um processo tão garantístico e tão formal como o processo penal, embora o procedimento contraordenacional também assegure direitos de audiência e de defesa (artigo 32º nº 10 da CRP e artigo 50º do RGCO), sendo, pois, um processo mais simplificado do que o processo penal, cujo regime jurídico geral consta dos artigos 33º e seguintes do RGCO.
Precisamente, em atenção às diferenças ontológicas entre crimes e ilícitos de mera ordenação social e à imprescindível repercussão que esses diferentes graus de importância devem ter, no iter sequencial de actos necessários à investigação e julgamento de cada uma dessas diferentes espécies de infracções, é que, «no processo de contraordenação, em sede de fundamentação da decisão administrativa não é de exigir o rigor formal nem a precisão descritiva que se exige numa sentença judicial» (Ac. da Relação de Coimbra de 03.10.2012, proc. 14/12.8TBSEI.C1 in http://www.dgsi.pt), que «as exigências de fundamentação da decisão da autoridade administrativa (no respeitante às contraordenações) são menos profundas que as relativas às sentenças criminais» (Ac. da Relação de Évora de 21.06.2016, proc. 170/15.3T8GDL.E1. No mesmo sentido, Ac. da Relação de Lisboa de 20.06.2017, proc. 127/16.7TNLSB.L1-5, Ac. da Relação do Porto de 11.09.2022, proc. n.º 1004/22.8T9AVR.P1, Ac. do STJ de 28.02.2024, proc. 576/23.4T9VLG.P1-A.S1 in http://www.dgsi.pt).
«A decisão administrativa não é uma sentença, nem tem que obedecer ao formalismo da sentença penal (…) é entendimento pacífico que na fase administrativa do processo de contraordenação, caracterizada pela celeridade e simplicidade processual, o dever de fundamentação tem uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal, comportando a decisão administrativa um modo sumário de fundamentar, desde que permita ao coimado perceber o que se decidiu e por que razão assim se decidiu» (Ac. da Relação de Coimbra de 09.01.2019, proc. 257/18.0T8SRT.C1, in http://www.dgsi.pt).
«As exigências de fundamentação da decisão da autoridade administrativa - no respeitante às contraordenações - terão de ser menos profundas que as relativas aos processos criminais, não se podendo transformar as decisões das autoridades administrativas em verdadeiras sentenças criminais, não sendo de exigir, pois, o rigor formal nem a precisão descritiva que se exige numa sentença judicial» (Ac. da Relação de Guimarães de 26.02.2020, proc. 453/18.0T8VLN.G2. in http://www.dgsi.pt).
«Os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória contraordenacional visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efetivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos» (Simas Santos e Lopes de Sousa, Contraordenações, Anotações ao Regime Geral, 3ª Edição, 2006, Vislis Editores, p. 419).
O que de facto interessa e o que «de qualquer forma deverá ser patente para o arguido as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação» (A. Oliveira Mendes e J. A. Cabral, Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas, Almedina, 2003, p.155).
O auto de notícia refere expressamente que a acção inspectiva realizada foi realizada para aferir do «envio do inventário à APA até 31 de Janeiro de acordo com a alínea b), do n.º 1 do artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 108/2018, de 3 de dezembro» e do mesmo também consta que, no âmbito da inspecção «quando questionada relativamente à obrigação de envio de cópia de inventário de fontes radioactivas seladas à Autoridade Competente até 31 de janeiro, conforme alínea b), do nº 1 do Decreto-Lei n.º 108/2018, de 3 de dezembro, a entidade afirmou não o ter efectuado» (cfr. fls. 7v).
Que a factualidade inserta na decisão administrativa objecto deste processo foi suficiente para permitir à recorrente aperceber-se dos factos que lhe são imputados, do respectivo enquadramento jurídico e com base nessa percepção, organizar a sua defesa adequadamente, está patente na profusão de argumentos de facto e de direito expostos no recurso e no requerimento de reclamação, tal como a simples leitura destas duas peças processuais e a sua comparação com aquele auto de notícia e com a decisão da autoridade administrativa, a enumeração dos factos provados e não provados nela inserta (cfr. fls. 90 e 90 verso) e ainda a menção expressa às normas à luz das quais a Recorrente foi condenada: uma contraordenação ambiental muito grave, nos termos dos artigos 49º nº 1 al. b) e 184º nº 2 al. r) do Decreto-Lei nº 108/2018, de 3 de Dezembro, constante de fls. 91 e 91 verso, o ilustram.
Desses argumentos do recurso e da reclamação resulta notório e evidente que a recorrente sabe perfeitamente quais foram os factos determinantes da aplicação da coima de €12.000,00 e com base em que contraordenação, prevista e punível por que normas jurídicas pelo que, sem necessidade de mais considerandos, impõe-se negar provimento ao recurso, também nesta parte.
O mesmo tem de dizer-se muito sucintamente, do argumento de que as normas legais com fundamento nas quais lhe foi imposta a coima de €12.000,00 pela Inspeção-geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (I.G.A.M.A.O.T.).
É precisamente porque o art.º 49º nº 1 do Decreto-Lei nº 108/2018, de 03 de Dezembro prevê quais os deveres dos titulares abrangidos pelo âmbito de aplicação do indicado diploma legal, que pode ser violado. Trata-se de normas que impõem regras de conduta e observância de deveres objectivos de cuidado, afigurando-se totalmente descabida e sem fundamento legal a construção de que por não ser norma proibitiva já pode ser inobservada, para mais que a sua violação ou a omissão do seu cumprimento está legalmente qualificada e de forma expressa, como uma infracção passível de punição com uma coima, pelo art.º 184º do mesmo D.L.
Com efeito, nos termos do art.º 49º nº 1 al. b) do DL 108/2018 de 3 de Dezembro, com a epígrafe «deveres dos titulares no que respeita a fontes radioativas seladas», o titular de práticas que envolvam fontes radioativas seladas deve: b) Enviar à autoridade competente, até ao dia 31 de janeiro do ano subsequente, cópia do inventário das fontes registadas nos termos da alínea anterior, acompanhado da cópia da apólice do seguro de responsabilidade civil, quando aplicável.
E é o art.º 184º do mesmo diploma que qualifica como contraordenação a omissão da entrega do documento em apreço, até ao limite temporal fixado no referido art.º 49º nº 1, à data da prática dos factos, como uma contraordenação muito grave, nos termos do seu nº 2 al. r) e, actualmente, apenas como uma contraordenação grave nos termos do nº 3 al. q) do mesmo preceito legal.
O que é quanto basta para negar provimento ao recurso, também nesta parte, sendo evidente a falta de fundamento legal do argumento de que as normas invocadas para justificar a aplicação da coima agora impugnada não são passíveis de violação, dada a sua expressa qualificação legal como contraordenações, de resto, como não poderia deixar de ser em estrita execução dos princípios da legalidade e da tipicidade, tal como consagrados nos arts. 1º e 2º do D.L. 433/82, de 27 de Outubro.
Quanto ao princípio in dubio pro reo.
A violação do princípio in dubio pro reo pode e deve ser conhecida como vício do texto da decisão, na modalidade de erro notório na apreciação da prova, como previsto no art.º 410º nº 2 al. b) do CPP assumindo, nesta vertente, uma natureza subjectiva de dúvida histórica que o tribunal do julgamento, deveria ter tido e não teve.
Assim, se é o estado de dúvida subjectivamente sentida pelo julgador aquando da valoração e exame crítico dos meios de prova que constitui o pressuposto específico do princípio in dubio pro reo, o mesmo não se mostrará violado quando o tribunal de julgamento não se confrontou com dúvida séria sobre a demonstração do facto desfavorável ao arguido e a aferição da sua existência é feita, como é próprio dos vícios decisórios previstos no citado art.º 410º, exclusivamente, através da análise do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, mas sem qualquer recurso à prova produzida, ou a qualquer outro elemento exterior.
«A violação do princípio in dubio pro reo, que dizendo respeito à matéria de facto (…) devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art.º 410º nº 2 do CPP, só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção» (ac. do STJ de 27.04.2011, proc. 7266/08.6TBRG.G1.S1 in http://www.dgsi.pt).
«A violação do princípio in dubio pro reo pressupõe que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de incerteza, de dúvida, quanto aos factos dados como provados e não provados, o que não sucede se não se detecta na leitura da decisão recorrida, nomeadamente, da fundamentação da matéria de facto, qualquer dúvida quanto aos factos que se devia dar por provados ou não provados» (Ac. do STJ de 27.04.2017, proc. 452/15.4JAPDL.L1.S1, in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido e na mesma base de dados, v.g., Acs. da Relação de Coimbra de 25.02.2015, proc. 28/13.0GAAGD.C1 e de 18.03.2020, proc. 93/18.4T9CLB.C1 e Ac. da Relação de Lisboa de 04.02.2020, proc. 478/19.9PBPDL.L1).
Mas o princípio in dubio pro reo também pode e deve ser entendido objectivamente, ou seja, desgarrado da dúvida subjectiva ou histórica, postulando uma análise da sua violação já não como vício decisório, mas como erro de julgamento.
Nos termos do art.º 428º do CPP, os poderes de cognição do tribunal da Relação incluem os factos fixados na primeira instância e, na medida em que o in dubio pro reo é uma vertente processual do princípio nulla poena sine culpa, a sua inobservância também pode e deve ser apreciada como um erro de julgamento, nos termos regulados pelo art.º 412º do CPP.
Com efeito, a impugnação ampla da matéria de facto, visando os chamados erros de julgamento, habilita o Tribunal da Relação, fora dos limites apertados dos vícios decisórios previstos no art.º 410º do CPP a aferir da conformidade ou desconformidade da decisão sobre os factos impugnados com a prova efectivamente produzida no processo, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com os conhecimentos científicos, bem como, com as regras específicas e os princípios vigentes em matéria probatória, entre os quais se incluem, naturalmente, os princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo.
Nesta perspectiva, o enquadramento da violação do in dubio pro reo como erro de julgamento, postula uma concepção objectiva da dúvida quanto aos factos desfavoráveis ao arguido, que é, de resto, a que melhor se coaduna com os princípios da culpa e da livre apreciação da prova, perante as dúvidas sobre os factos desfavoráveis ao arguido, no sentido em que, se o Tribunal tem a máxima liberdade, mas também a máxima responsabilidade na forma como deve, com objectividade, efectuar o exame crítico e global das provas, adquirir a sua convicção quanto aos factos provados e fundamentar a sua decisão, também a dúvida relevante para a aplicação do princípio in dubio pro reo terá de ser motivada, segundo critérios de razoabilidade e de lógica, igualmente sindicáveis e passíveis de impugnação em via de recurso.
«Só a uma convicção objectivável e motivável terá de corresponder uma dúvida também ela objectivável e motivável (…) ao pedir-se ao juiz, para a prova dos factos, uma convicção objectivável e motivável, está-se a impedi-lo de decidir quando não tenha chegado a esse convencimento; ou seja: quando possa objetivar e motivar uma dúvida. (…). Não importa tanto saber se aquela concreta pessoa teve ou não dúvida sobre o facto – do que para a ciência e discernimento que deve possuir em comum com qualquer outro julgador e o há-de levar, portanto, a uma avaliação da prova admissível por todos (ao menos no seu conteúdo essencial). Um “juiz” médio (neste sentido) ter-se-ia convencido da veracidade daquele testemunho, da autenticidade daquele documento, da espontaneidade daquela confissão? Ou, pelo contrário, não poderia deixar de duvidar, com razoabilidade, da ocorrência de determinado facto perante a prova produzida?
«O princípio da livre apreciação da prova, entendido como esforço para alcançar a verdade material, como tensão de objectividade, encontra assim no “in dubio pro reo” o seu limite normativo, ao mesmo tempo que transmite o carácter objectivo à dúvida que acciona este último.
«Livre convicção e dúvida que impede a sua formação são face e contra-face de uma mesma intenção: a de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» (Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de Inimputáveis e «In Dubio Pro Reo», Coimbra Editora, 1997, pp. 51-53).
Assim sendo, também haverá violação do princípio in dubio pro reo, sempre que o tribunal do julgamento tenha julgado provado facto desfavorável ao arguido, não obstante a prova disponível não permitir, de forma racional e objectiva, à luz das máximas de experiência comum, das regras da lógica, dos conhecimentos científicos aplicáveis, ou das normas e princípios legais vigentes em matéria de direito probatório, com o grau de certeza ou convencimento «para além de toda a dúvida razoável», dar por verificada a realidade desse facto, mesmo que do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras do senso comum, não resulte que o Tribunal se tenha confrontado, subjetivamente, com qualquer dúvida insuprível, no momento da decisão (cfr. nesse sentido, Acs. da Relação de Évora de 19.08.2016, processo 36/14.4GBLLE.E1, da Relação de Lisboa de 29.11.2016, processo 18/14.6PFLRS.L1-5; de 07.05.2019, processo 485/15.0GABRR.L2 e de 22.09.2020, proc. 3773/12.4TDLSB.L1 e da Relação do Porto de 12.01.2022, proc. 285/18.6GAARC.P1 de 21.06.2023, proc. 14110/18.4T9PRT.P1 e de 27.09.2023, proc. 480/18.8T9STS.P1, in http://www.dgsi.pt).
Acontece, porém, que, por efeito do disposto no n.º 1 do artigo 75º do DL n.º 433/82, de 27.10 (RGCO), o Tribunal da Relação apenas conhece apenas da matéria de direito, sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente os vícios decisórios enumerados no artigo 410º n.º 2 do CPP, conforme Acórdão n.º 7/95 do STJ para fixação de jurisprudência de 19.10.1995, publicado no DR, I-A Série de 28-12-95 segundo o qual, «é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito».
O regime jurídico dos vícios estruturais da sentença, enumerados no art.º 410º nº 2 als. a) a c) permitem a sindicância da decisão de facto, mas não incluem a possibilidade de reapreciação da prova, limitando-se a actuação do tribunal de recurso à detecção do defeito que a sentença revela e, não podendo saná-lo, a determinar o reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento. Por isso, nada impede que no processo contra-ordenacional, não obstante as limitações aos poderes de cognição do tribunal de recurso, impostas pelo art.º 75º, nº 1 do RGCOC, possam ser conhecidos tais vícios (cfr. António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas, 3ª Edição, 2009, Almedina, pág. 273, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contraordenações, 2011, Universidade Católica Editora, pág. 314 e Augusto Silva Dias, Direito das Contraordenações, 2018, Almedina, pág. 256).
Isto para concluir que, em sede de recurso em que esteja em causa a impugnação da decisão que julgou a impugnação judicial da decisão de aplicação da coima e eventuais sanções acessórias pela autoridade administrativa, a violação do princípio in dubio pro reo só pode ser avaliada e decidida a partir da concepção subjectiva da dúvida e não também como erro de julgamento, ao contrário que acontece nos recursos penais.
Assim sendo, a invocação do princípio in dubio pro reo só tem razão de ser se, depois do tribunal a quo reconhecer ter caído num estado de dúvida, se puder concluir da simples análise do texto, por si só ou conjugado com as regras de experiência comum, que contra as suas próprias incertezas ou dúvidas quanto à prova que analisou decidiu, sem mais, no sentido mais desfavorável ao arguido.
Ora, não foi nada disso o que aconteceu, no caso vertente.
Da simples leitura do texto da sentença, não resulta que se tenha retirado de qualquer dos factos uma conclusão inaceitável, à luz da lógica ou de critérios de razoabilidade, nem que tenha sido considerado provado algum facto de verificação notoriamente impossível, ou sido dado como não provado algo que resulta evidente que aconteceu, nem qualquer ambiguidade, ou contradição entre os factos ou entre os factos e a motivação ou entre algum destes itens e a fundamentação de direito e a decisão, do mesmo modo que não se detecta a falta de realização de alguma das diligências probatórias tidas por necessárias para o apuramento da verdade dos factos constantes da acusação, ainda possíveis mas pura e simplesmente omitidas, do mesmo modo, que a motivação da decisão revela de forma inequívoca e em total sintonia com o princípio da livre convicção do julgador em matéria e exame crítico da prova, que a dúvida razoável foi completamente ultrapassada.
E, portanto, o ponto 7 dos factos provados não será retirado, até porque foi dado como provado por ter sido extraído, por presunção judicial e muito bem e com total acerto, dos restantes factos objectivos provados e descritos em 1 a 6.
De resto como explicitado com total acerto, na decisão recorrida, concretamente, no seguinte excerto que mais uma vez se transcreve:
«O facto n.º 7 da matéria de facto provada é relativo ao elemento subjectivo. Uma vez que este, por natureza, pertence ao mundo interior do agente, o mesmo infere-se da prova dos factos objectivos - e do encadeamento sequencial e lógico dos mesmos - conjugados com as regras da experiência e da razoabilidade. Ora, a Recorrente sendo responsável por uma fonte radioactiva selada, sabe que sobre si recaem normas específicas que regulam a sua actividade, designadamente, normas protetoras e garantísticas do meio ambiente, as quais tem que acatar. Não obstante a vasta e técnica legislação existente neste âmbito, sobre a Recorrente impende a obrigação de conhecimento das mesmas. Por conseguinte, atentos os factos provados em 1 a 6 e 8 a 13, a Recorrente violou deveres de cuidado que sobre si incumbiam, criando um risco ambiental não permitido. Por conseguinte, tal conduta expressa uma atitude de leviandade e descuido que cumpre censurar a título de negligência consciente. Deste modo, sopesando estes factores, consideramos que os mesmos possuem idoneidade suficiente para revelar a falta de cuidado do agente, dando-se, assim, por provado a conduta negligente».
Consequentemente, não tem qualquer fundamento a invocação do erro sobre a ilicitude ao abrigo do disposto no art.º 12º da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, face aos factos provados, desde logo porque em se tratando de uma pessoa colectiva cuja actividade era precisamente a radiologia industrial, sendo detentora de uma licença de funcionamento com o nº 1533/18 que vigorou até julho de 2020, para esse específico fim, a “Fapajal Papermaking, S.A” não podia ignorar os deveres essenciais ao exercício de tal actividade, entre os quais se contam os enumerados no art.º 49º da Lei 50/2006 de 29 de Agosto, até porque nem sequer há notícia de que tenha omitido a elaboração do inventário das fontes radioactivas sob a sua responsabilidade com indicação da sua localização, transmissão e transferência e subsequente envio de cópia à APA, nos dois anos anteriores em que já era detentora desta licença e, portanto, já estava vinculada ao cumprimento de tais deveres objectivos de cuidado e de informação.
O recurso improcede, pois, também nesta vertente.
Quanto à fixação da coima, tal como sucede no que se refere à escolha e determinação concreta das sanções penais, principais e/ou acessórias, também, neste conspecto, o recurso mantém o seu arquétipo de simples remédio jurídico, o que vale por dizer, que não sendo a actividade de doseamento da coima uma ciência exacta e destinando-se o recurso exclusivamente à reparação dos erros de julgamento que, neste aspecto, possam ter resultado da actividade jurisdicional desenvolvida na primeira instância, no caso vertente, a decisão recorrida merece inteira concordância.
Nos termos do art.º 18º nº 1 do DL 433/82 de 27 de Outubro, a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação, estabelecendo os nºs 2 e 3 do mesmo preceito legal, regras específicas em matéria de agravação dos limites máximos das coimas por referência ao benefício económico resultante da prática do ilícito de mera ordenação social e regras sobre a redução dos limites mínimos e máximos das coimas, em casos de verificação dos pressupostos da atenuação especial.
Por seu turno, o art.º 20º da Lei 50/2006 de 29 de Agosto, estabelece que na determinação da coima e das sanções acessórias terão de ser ponderados a gravidade da contraordenação, a culpa do agente, a sua situação económica e os benefícios obtidos com a prática do facto, bem como a conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção e, por fim, serão atendíveis a coacção, a falsificação, as falsas declarações, simulação ou outro meio fraudulento utilizado pelo agente, bem como a existência de actos de ocultação ou dissimulação tendentes a dificultar a descoberta da infração.
Ora, lendo o excerto da decisão recorrida que se refere à determinação concreta da coima, resulta inequívoco que todos os factores determinantes do doseamento da quantia concreta da coima enunciados no citado art.º 20º da Lei 50/2006 de 29 de Agosto foram ponderados, quanto aos que são efectivamente aplicáveis em função da matéria de facto que resultou provada.
Em todo o caso, o que a recorrente pretende é a dispensa da pena.
Ora, nos termos do art.º 74º do CP, ex vi do art.º 32º do RGCO, são pressupostos da dispensa da pena o carácter diminuto da ilicitude do facto e a culpa do agente, a reparação do dano e a circunstância de à dispensa de pena se não oporem razões de prevenção.
No caso vertente, pese embora nenhum dano ambiental ou outro prejuízo haja sido causado, que o nexo de imputação subjectiva seja a simples negligência, a verdade é que a conduta da recorrente constituiu uma contraordenação grave, segundo a qualificação contida no art.º 184º da Lei 50/2006 de 29 de Agosto.
Por outro lado, as exigências de prevenção geral e especial, quanto à necessidade de reposição dos índices comunitários na relevância e eficácia das normas que tipificam as contraordenações ambientais, em tempo de alterações climáticas, de graus de poluição nunca antes atingidos e em face da perigosidade das fontes de radioactividade para a saúde pública, não são minimamente compatíveis com a dispensa da pena.
Por fim, a decisão de indeferimento do pedido de não transcrição
Em primeiro lugar cumpre deixar esclarecido que as sentenças não são repositórios de alegações.
Quem profere alegações são os Srs. Advogados.
As sentenças dizem o direito aplicável aos factos, sendo totalmente inapropriado o argumento de que «quanto a este aspecto, a Sentença não invoca qualquer fundamentação de Direito para alegar que o cadastro nacional previsto nos artigos 62º e seguintes da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais – Lei 50/2006, não está em vigor e necessita de regulamentação.»
Se não está regulamentado, pura e simplesmente, não é exequível, portanto, a sentença não tinha de dizer mais nada, ficando com essa simples afirmação totalmente cumpridas as exigências de fundamentação, impostas pelo art.º 205º da CRP.
Quanto à inaplicabilidade das regras do registo criminal às contraordenações também afirmada e com todo o acerto na sentença recorrida, ela resulta evidente, quer do princípio da legalidade criminal, quer da natureza específica e da razão de ser do registo criminal, que não é de todo em todo adaptável às infracções meramente administrativas.
O registo criminal contém os antecedentes criminais dos cidadãos, por forma a permitir o seu conhecimento, nos termos legais, ou a atestar a ausência de antecedentes criminais. O registo criminal contém menção: das decisões criminais condenatórias, ou que apliquem medidas de segurança, proferidas por tribunais portugueses; das decisões criminais condenatórias de pessoas portuguesas, ou de pessoas estrangeiras residentes em Portugal, proferidas por tribunais estrangeiros, que sejam comunicadas nos termos de acordos internacionais.
Antecedentes criminais não são antecedentes contraordenacionais, nem devem ser tomados por uma e a mesma coisa, sob pena de o Direito Penal e a legislação com ele conexa serem degradados à condição de direito subsidiário aplicável a toda e qualquer situação, contra princípios fundadores da ordem jurídica portuguesa, como é o caso do princípio da necessidade do Direito Penal e da sua natureza fragmentária, bem como do princípio da legalidade criminal.
De resto, mesmo que por remissão dos arts. 41º do RGCO e 2º da Lei 108/2018, se pudesse sequer ponderar a aplicação subsidiária do regime jurídico do registo criminal, nunca seria admissível a não transcrição pretendida, em virtude de a arguida ser uma pessoa colectiva.
Com efeito, as regras contidas no art.º 13º da Lei 37/2015, de 05 de Maio são de aplicação excepcional e apenas a pessoas singulares.
«Com a possibilidade de dispensa de transcrição das decisões condenatórias para o certificado de registo criminal, há um intuito de não estigmatização social do agente, nomeadamente para efeitos de exercício de atividades profissionais» (conclusões nºs 44 e 45). Nesta sequência, esclarece ainda que «a lógica da reinserção ou reintegração social não funciona, pelo menos do mesmo modo, para as pessoas singulares e entidades coletivas» (conclusão n.º 49).
«Conjugando estas afirmações com a evolução do texto do preceito, afigura-se possível inferir, com alguma segurança, que o direito à não transcrição para o certificado de registo criminal, previsto no artigo 13.º, n.º 1, da Lei 37/2015, de 5 de maio, foi configurado pelo legislador como uma ferramenta de reforço – e garantia – das finalidades preventivas das sanções penais. Equivale isto a constatar que tal prerrogativa espelha a opção pela maximização das possibilidade de reinserção e reintegração social do agente, em coerência com o disposto no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal. Ora, a finalidade que o legislador atribuiu a este direito, revela-se, assim, insuscetível de extensão às pessoas coletivas. Estas não são, pela sua natureza, passíveis de sofrer este tipo de estigmatização e, consequentemente, de verem especialmente dificultada uma possibilidade de reinserção ou reintegração social.
«Tal incompatibilidade não resulta, per se, da natureza das pessoas coletivas, mas da circunstância de este direito ter sido desenhado pelo legislador com um propósito – esse sim – incompatível com a personalidade jurídica coletiva. Esta não era, como se intui, a única solução possível, que poderia passar, por exemplo, por encarar este direito à não transcrição como um mecanismo de proteção genérica do bom nome, em casos de condenações em penas de prisão até 1 ano ou não privativas da liberdade.
«Em suma, diremos que o direito à não transcrição para o registo criminal, de decisões condenatórias «em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade», se mostra insuscetível de extensão às pessoas coletivas, atendendo à finalidade consagrada no artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio. Consequentemente, nenhuma violação do princípio da universalidade (artigo 12.º da Constituição) haverá a assinalar.
(…)
«O motivo para a consagração do direito à não transcrição prende-se com a reintegração social do arguido. Não se pretende, através deste mecanismo, acautelar ou tutelar o bom nome ou a reputação seja da pessoa singular ou coletiva, ou outros direitos de personalidade – os quais beneficiam de uma tutela jurídico-penal, através da criminalização de certos comportamentos que colocam em causa esses valores, como a injúria, a difamação ou a calúnia» (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 410/2022, de 26.05, proferido no processo n.º 150/2021 que não julgou inconstitucional a norma contida do artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, quando interpretada no sentido que «as pessoas coletivas estão excluídas do âmbito de aplicação do direito à não transcrição para o registo criminal», in http://www.tribunalconstitucional.pt).
O recurso improcede, pois, na totalidade.
DECISÃO
Termos em que:
Julgam a reclamação provada e procedente;
Julgam o recurso improcedente e confirmam, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando a Taxa de Justiça em 4 UCs – art.º 513º do CPP.
Notifique.
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Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art.º 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Juízes Adjuntos.
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Tribunal da Relação de Lisboa, 22 de Maio de 2024
Cristina Almeida e Sousa
Hermengarda do Valle-Frias
Rui Miguel Teixeira