Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26690/21.2T8LSB.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
ELECTRICIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Os princípios da autonomia privada, da liberdade contratual e da concorrência, pelos quais a R. se deve reger na prossecução da sua actividade, tendo presente a sua natureza de pessoa colectiva de direito privado (sob a forma de sociedade comercial), apenas são susceptíveis de ser limitados por via do regime legal que regula essa mesma actividade (CUR de electricidade), densificado pelo Regulamento de Relações Comerciais e pelo Regulamento Tarifário aprovados pela ERSE.
2. A concreta regulação a que a R. está sujeita prende-se com a realização efectiva de um serviço universal de fornecimento de electricidade, não estabelecendo o respectivo regime legal regulatório qualquer proibição de aquisição de electricidade a quem não seja PRE, também não resultando tal proibição da finalidade dessa regulação, quando aplicável à actividade da R. de aquisição de electricidade para abastecer os seus clientes, e antes se apreendendo a partir desse regime legal a expressa possibilidade de a R. adquirir electricidade a quem não seja PRE, designadamente através de contrato celebrado com o produtor em questão.
3. Estando em causa um contrato de compra e venda de electricidade, pelo qual a R. se obrigou a pagar à A. a remuneração devida pela electricidade produzida por esta, na sua central hidroeléctrica, e entregue à R. na sua totalidade, e sendo tal remuneração determinada através do Regulamento Tarifário publicado pela ERSE, tendo presente que se tratava de electricidade fornecida por um PRE, a circunstância de a A. ter transitado para o regime de mercado (deixando de ter essa qualidade de PRE mas continuando a produzir electricidade e a injectá-la na rede, como anteriormente), não determinou o desaparecimento do objecto do contrato.
4. Tendo a R. passado a considerar que não mais estava a receber a electricidade produzida pela A. e injectada na rede, o que decorreu exclusivamente da actuação da própria R. relativamente ao operador de rede, ainda que fosse de considerar que tal não recebimento corresponde ao não cumprimento da obrigação contratual de entrega de electricidade por parte da A., esse não cumprimento é exclusivamente imputável à R., havendo que afirmar a mora da mesma no recebimento da prestação devida pela A., e continuando assim obrigada a pagar à A. o preço dessa electricidade.
5. Não mais podendo tal preço ser determinado através do Regulamento Tarifário publicado pela ERSE e aplicável aos PRE, por já não estar em causa electricidade fornecida nos termos desse regime especial, e tendo a DGEG considerado que a R. estava obrigada ao pagamento da electricidade de acordo com os valores de mercado que apurou junto da R., é a partir desse apuramento que fica determinado o preço a pagar pela R. à A.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

E., Ld.ª intentou acção declarativa com processo comum contra SU Electricidade, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 132.631,02, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento.
Alega para tanto, e em síntese, que:
· A A. construiu uma central hidroeléctrica para a qual obteve a respectiva licença de exploração, tendo a mesma sido licenciada, instalada e explorada no âmbito do D.L. 189/88, de 27/5;
· Em 2/12/1992 a A. celebrou com a EDP – Electricidade de Portugal, S.A. (doravante EDP), um contrato de compra de electricidade, nos termos do qual a EDP se obrigou a adquirir à A. toda a electricidade produzida na referida central hidroeléctrica, e ficando estipulado que o contrato teria o seu termo quando, por qualquer motivo, cessasse a licença de utilização das águas na central hidroeléctrica;
· Nos termos do contrato em questão a A. ficou obrigada a injectar na rede pública toda a electricidade produzida, enquanto a EDP ficou obrigada a comprar toda essa mesma electricidade produzida, através da aplicação de uma tarifa garantida, nos termos das condições remuneratórias constantes do D.L. 189/88, de 27/5, e sendo que o valor em questão foi objecto de várias modificações ao longo dos anos;
· A R. sucedeu à EDP na comercialização de electricidade no mercado regulado;
· No contexto da alteração operada pelo D.L. 35/2013, de 28/2, em 12/7/2017 a A. foi notificada pela DGEG no sentido de a central hidroeléctrica passar para regime de mercado, o que ocorreu em 9/2/2018;
· A produção da central hidroeléctrica não tem expressão significativa para ser remunerada em regime de mercado, sendo que o modo de funcionamento da mesma também não permite prever a sua produção, o que inviabilizou a possibilidade de a A. interessar qualquer empresa na aquisição da electricidade que continuou a ser produzida, em regime de mercado;
· Em 16/2/2018 a A. informou a DGEG que continuava a injectar electricidade na rede através do contador da R., solicitando ainda que fosse ordenada a remuneração dessa mesma electricidade;
· Toda a electricidade produzida pela central hidroeléctrica da A. foi fornecida à R. e por esta comercializada juntos dos seus clientes;
· A DGEG informou a A. que havia notificado a R. para que esta providenciasse pelo pagamento do valor em dívida relativo à produção de electricidade proveniente da central hidroeléctrica da A., mais referindo que a R. havia informado a DGEG que no período compreendido entre 9/2/2018 e 24/4/2019 haviam sido produzidos 2.305.023 KWh, sendo o valor total de facturação de € 103.726,04 (sem IVA), a liquidar no prazo habitual;
· Não obstante a R. ter considerado um valor de € 45,00/MWh para efeitos da referida remuneração da electricidade produzida na central hidroeléctrica da A., há que considerar que o preço médio de mercado, entre Fevereiro de 2018 e Abril de 2019, foi de € 57,54/KWh, perfazendo assim € 132.631,02 a remuneração devida pela R. à A.
A R. contestou, confirmando o contrato e a sua obrigação legal de comprar a electricidade produzida pela A. segundo o referido regime de preço garantido, e alegando, em síntese, que:
· Quando o quadro legal foi alterado e a A. passou para o regime de mercado a relação contratual entre as partes cessou, dado que a R. ficou legalmente impedida de adquirir a electricidade produzida pela A. em regime de mercado, uma vez que apenas podia actuar no mercado regulado;
· A R. nunca deu qualquer indicação à A. de que iria adquirir a electricidade produzida em regime de mercado, nem que a A. deveria continuar a injectar na rede a electricidade que produzisse, para ser comercializada pela R.;
· A electricidade injectada na rede pela A. não foi adquirida nem comercializada pela R.
Conclui pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.
A A. exerceu o contraditório quanto à matéria de excepção constante da contestação.
Em audiência prévia foi proferido despacho saneador, mais se identificando o objecto do litígio e enunciando-se os temas da prova.
Foi realizada a audiência final, após o que foi proferida sentença onde a acção foi julgada improcedente, sendo a R. absolvida do pedido formulado pela A.
A A. recorre desta sentença, sendo que na sua alegação invoca que as conclusões do recurso são aquelas que constam dos 39 pontos que aqui se reproduzem integralmente:
I. O recurso visa a douta sentença proferida, em 18 de Junho de 2024, pela Mma. Juíza do Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 2, que julgou a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré do pedido deduzido pela Autora.
II. Versando quer a apreciação do evidente erro de julgamento da matéria de facto, quer a correcta aplicação do direito.
III. Quanto à matéria de facto, entende a Autora que deveria a sentença recorrida ter dado como provado, no seguimento da matéria que consta dos pontos 68., 69., 70., 71., 72. e 73. da matéria provada que a energia que foi produzida e entregue à rede pela Autora, a partir de 09.02.2018, só deixou de figurar na informação dada pela E-REDES porque foi a própria Ré que transmitiu à E-REDES que esta deveria deixar de considerar a energia injectada pela Autora.
IV. Era imperativo que a sentença tivesse dado como provado que foi por decisão exclusiva da Ré que a energia que continuou a ser produzida (e entregue na rede) pela Autora após 09.02.2018 deixou de constar da listagem da empresa responsável pela gestão da rede (a E-REDES) e que era periodicamente enviada à Ré.
V. Foi a Ré que, sem que alguma vez tivesse dado conhecimento desse facto à Autora, informou a E-REDES que a partir de Fevereiro de 2018 deveria deixar de considerar a ora Autora como seu fornecedor de energia e para efeitos de apuramento e contabilização da energia que a mesma foi entregando diariamente à rede.
VI. Este facto decorre dos depoimentos prestados pelas testemunhas da Ré M., funcionária da E-REDES, e L., funcionário da Ré.
VII. Conforme referiu a testemunha M. [aos 00:10:25 do ficheiro áudio 20240417153714_20290202_2871019, 17-04-2024 [15:37:16]]: Neste caso, em regime de tarifa garantida, a SU informou a E-REDES que este produtor tinha deixado de estar neste regime e o produtor tinha passado a regime de mercado, e nós ficámos a aguardar que nos fosse informado qual era o comercializador.
[00:12:38] Mandatário da Ré: Sra. Eng. temos aqui um email da SU Electricidade dirigido a uma S., isto é o tal aviso da SU a dizer à E-REDES: alto lá, a partir deste dia não entra na nossa carteira, passou para mercado.
[00:12:44] M.: Sim, tem anexo aqui o ofício (…) S. é uma colega minha.
[00:12:50] Meritíssima Juíza: É mesmo dirigido à E-REDES? [00:12:52] M.: Sem dúvida.
(…)
[00:13:39] Mandatário da Autora: Disse-nos bocado que, em Fevereiro de 2018, deixaram de considerar esta energia produzida por esta central pertencente à Autora, a sociedade E., e deixaram de considerar por indicação de quem?
[00:13:52] M.: Por indicação desse mail e do sistema, o ofício que vem anexo informa que aquele produtor deixou de operar em mercado de tarifa garantida. [00:13:58] Mandatário da Autora: Certo, mas não diz que deixou de operar, não diz nada relativamente a vínculos que ele possa ter.
[00:14:05] M.: Certo (…)
VIII. Por seu turno, a testemunha L. no seu depoimento constante do ficheiro áudio 20240417155328_20290202_2871019.wma, 17-04-2024 [15:53:32], afirmou:
[00:47:33] Mandatário da Autora: pouco disse-nos aqui que esta energia deixou de constituir portfolio da EDP SU.
[00:47:38] L.: A partir de 9 de Fevereiro.
[00:47:44] Mandatário da Autora: Mas deixou de constituir por decisão da EDP SU, a EDP SU é que comunicou à E-REDES que estes senhores deixaram de pertencer ao vosso portfolio?
[00:47:48] L.: Sim, que estes senhores deixaram de ter remuneração garantida e como tal deixaram de ter condições para pertencer à carteira da SU.
[00:48:01] Mandatário da Autora: Mas foram vocês que comunicaram à E-REDES essa situação?
[00:48:03] L.: Sim, à E-REDES e à REN.
IX. A Mma. Juíza do Tribunal a quo deveria ter julgado provado que, com fundamento na prova acima descrita, a E-REDES apenas deixou de considerar, no portefólio da Ré, a energia produzida pela Autora, a partir de 09.02.2018, porque a EDP SU, ora Ré, lhe deu essa ordem
X. Acresce que este facto afigurava-se de significativa relevância para a boa decisão do caso, uma vez que evidencia que foi a Ré que, por sua exclusiva iniciativa e sem que qualquer entidade a tivesse obrigado a tal, decidiu pela exclusão da energia que estava a ser produzida e entregue à rede pela Autora deixasse de ser considerada
XI. No fundo, este facto demonstra que foi a Ré quem tomou a iniciativa de recusar receber a prestação da Autora, incorrendo, por esse motivo, em mora e incumprindo com o contrato que mantinha em vigor.
XII. Pelo que se peticiona que seja aditada à matéria de facto dada como provada o seguinte facto:
A energia injectada pela Autora a partir de 09.02.2018 só deixou de figurar na informação dada pela E-REDES – conforme consta dos factos provados sob os pontos 72 e 73 – porque foi a própria Ré que informou a E-REDES – através do email referido nos factos provados sob o ponto 70 – que deveria deixar de considerar a energia injectada pela Autora.
XIII. No que tange ao interpretação e aplicação do direito, considera a Recorrente que douta sentença proferida não fica igualmente isenta de críticas.
XIV. Desde logo, discorda da falta de aplicação que o douto Tribunal a quo fez das normas previstas nos artigos 44.º e 49.º do Decreto-lei n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro e no art.º 55.º do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto.
XV. É que em todas estas disposições legais resulta inequívoco que o Comercializador de Último Recurso (CUR), função que estava atribuída à Recorrida, pode efectivamente celebrar contratos bilaterais de compra e venda de energia para assegurar o fornecimento aos seus clientes.
XVI. Como tal e contrariamente ao que refere a sentença recorrida, não estava impedida a Recorrida de manter em vigor o contrato de compra e venda de energia que mantinha com a Recorrente.
XVII. É aliás sintomático da falta de sustentação jurídica da decisão proferida a circunstância da sentença concluir pela impossibilidade de manutenção da vigência do contrato, embora nunca seja invocada qualquer disposição legal que possa sustentar essa conclusão.
XVIII. Em momento algum da sentença é invocada uma única norma legal da qual se possa extrair a caducidade do contrato em consequência da passagem da Recorrente para o sistema de remuneração em mercado.
XIX. No mesmo sentido é igualmente desprovido de qualquer fundamento legal a conclusão expressa na sentença de que a passagem para o regime de mercado (que, recorde-se, apenas interfere com o valor a pagar pela energia) impossibilita o objecto do contrato de compra e venda de energia que existia entre Recorrente e Recorrida.
XX. O objecto do contrato de compra e venda de energia eléctrica é essa mesma energia.
XXI. A impossibilidade do objecto só poderia ocorrer caso o fornecimento do bem em causa se revelasse inexequível.
XXII. Mas não é esse o sentido da decisão ora recorrida.
XXIII. Na sentença proferida a impossibilidade do objecto é extraída da alteração do regime de remuneração.
XXIV. O que a sentença proferida afirma é que a impossibilidade do objecto ocorreu na data em que a Recorrente passou de um regime de tarifa garantida (em que o preço pago pela energia de produz estava fixado administrativamente), para uma tarifa de mercado.
XXV. E esta conclusão revela-se impossível de aceitar uma vez que além de carecer em absoluto de qualquer suporte legal (sendo ilustrativa dessa falta de amparo legislativo, a circunstância da sentença recorrida não invocar uma única disposição legal em apoio dessa tese), não possui qualquer lógica de raciocínio.
XXVI. A alteração do regime de remuneração apenas poderia ter determinado, nos termos do próprio contrato em vigor, a alteração da cláusula referente ao valor do pagamento devido à Recorrente pela Recorrida.
XXVII. Contudo a Recorrida apenas cessou de cumprir com o contrato vigente e recusou‑se a renegociar com a Recorrente no que se refere ao preço aplicável, nos termos previstos na Cláusula 23.ª daquele contrato, após ter sido interpelada pela Autora para o fazer – cfr. facto provado sob o ponto 34.
XXVIII. Não ocorreu o desaparecimento do objecto do contrato, como se lê na sentença recorrida, ou sequer qualquer limitação legal à prossecução desse objecto
XXIX. De acordo com o artigo 813.º do Código Civil o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.
XXX. Por sua vez, dispõe o art.º 762.º, n.º 1, do Código Civil que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado e que no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.
XXXI. No caso em apreço, a Autora continuou a cumprir com a sua obrigação contratual de produzir e entregar na rede a respectiva energia e foi a Ré que actuou de molde a deixar de receber tal energia e de não remunerar a Autora
XXXII. Deve, pois, a Recorrente ser ressarcida dos danos causados pela frustração da confiança legítima porquanto a violação da boa fé pode configurar um facto ilícito gerador de responsabilidade civil, no caso em apreço, de responsabilidade civil contratual, uma vez que houve incumprimento do contrato por parte da Ré
XXXIII. Sendo que de acordo com o artigo 406.º, n.º 1 do Código Civil: “O contrato deve ser pontualmente cumprido, e pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.”
XXXIV. A liberdade contratual é a faculdade de criar um pacto que, uma vez concluído, nega a cada uma das partes a possibilidade de se afastar unilateralmente dele - pacta sunt servanda.
XXXV. Já nos termos do disposto no artigo 798.º do Código Civil: “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.
XXXVI. No caso em apreço, a Recorrida estava obrigada não só ao que expressamente se previa no contrato, mas também ao que decorre do convencionado segundo os ditames da boa fé.
XXXVII. O princípio ético-jurídico da confiança deve ser utilizado como critério jurídico interpretativo da norma ínsita no artigo 813.º do Código Civil.
XXXVIII. Acresce que no caso sub judice, a Recorrente tinha a confiança legítima de que haveria lugar à renegociação do contrato que mantinha com a Recorrida, no que se refere à remuneração pela disponibilização de energia, e que, enquanto tal não estivesse acordado, a Recorrida lhe iria pagar tal energia.
XXXIX. A Recorrida remeteu-se ao silêncio e não procedeu de boa fé pois violou a confiança da Recorrente quando não quis renegociar os termos do contrato com esta e, pura e simplesmente, actuou de molde a deixar de “receber” a energia da Central da Recorrente e a que esta ficasse impedida de receber o que quer que fosse por essa energia que produziu e entregou, sem que tivesse recebido qualquer contrapartida por isso.
A R. apresentou alegação de resposta, aí pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
***
Nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, as quais hão-de corresponder à indicação, de forma sintética, dos fundamentos pelos quais vem pedida a alteração ou anulação da decisão.
Os 39 pontos da alegação da A. acima reproduzidos não correspondem, de todo, à referida indicação sintética.
Todavia, e sem necessidade de lançar mão do disposto no nº 3 do art.º 639º do Código de Processo Civil (desde logo porque se antevê a incapacidade de síntese que se pretende), é possível identificar como questões a conhecer as que a seguir se enunciam:
· A alteração da matéria de facto;
· A (im)possibilidade de manutenção da relação contratual em consequência da deslocação da produção de electricidade pela A. para o regime de mercado.
***
Na sentença recorrida considerou-se como provada a seguinte matéria de facto (corrigem-se as referências processuais, eliminam-se as referências probatórias desnecessárias, eliminam-se os pontos 63. e 78., por serem repetição do ponto 38., elimina-se o ponto 33., por ser repetição (incompleta) do ponto 83., elimina-se o ponto 79., por ser repetição do ponto 64., e procede-se à sequenciação cronológica e correspondente renumeração, com indicação da anterior numeração):
1. (ex-1.) A A. construiu e obteve licença de exploração da Central Hidroeléctrica de O., sita em O.
2. (ex-5.) Desde 1992 que a A. explora a Central Hidroeléctrica de O.
3. (ex-2.) Em 02.12.1992 a A. celebrou com a EDP - Electricidade de Portugal, S.A. um contrato de compra de energia eléctrica produzida naquela central.
4. (ex-3.) De acordo com a cláusula 3ª de tal contrato a EDP obrigou-se a adquirir à A. a totalidade da energia eléctrica disponível gerada na Central Hidroeléctrica de O. (…).
5. (ex-4.) De acordo com a cláusula 25.ª do referido contrato, o mesmo terá o seu termo quando por qualquer motivo cessar a licença de utilização das águas na central do aproveitamento a que se refere a cláusula 1.ª.
6. (ex-27.) A A. obteve ainda uma licença de exploração relativamente à Central Hidroeléctrica de O. com data de 09.02.1993.
7. (ex-28.) Em 19.12.2006, a E-REDES – Distribuição de Electricidade, S.A. (na altura, denominada EDP Distribuição – Energia, S.A.) constituiu a R. (na altura, denominada EDP Serviço Universal, S.A.), por via de uma cisão-fusão, com destaque da parte do seu património relativa à compra e à venda de energia eléctrica regulada.
8. (ex-21.) Por carta de 18-01-2007 (documento 11 junto com a contestação) a EDP Serviço Universal comunicou à A. a cessão da posição contratual nos termos que consta da dita carta, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. (ex-22.) Por carta de 18-01-2007 (documento 10 junto com a contestação) a EDP Distribuição comunicou à A. a cessão da posição contratual nos termos que consta da dita carta, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10. (ex-29.) Conforme previsto na lei, por despacho do Sr. Director Geral da Energia e Geologia de 18.02.2008 foi então atribuída à R., com efeitos reportados a 01.01.2007, a licença de comercializador de último recurso (CUR).
11. (ex-30.) A R. adquiria a energia eléctrica produzida na Central de O. ao abrigo do citado contrato de compra de energia eléctrica.
12. (ex-31.) A R. apenas exerce no sector energético as actividades associadas ao seu estatuto de CUR, que são as actividades para as quais se encontra juridicamente habilitada.
13. (ex-18.) Por despacho da DGEG de 25-11-2015 foi autorizada a alteração à licença de exploração nos termos do documento 5 junto com a P.I. e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
14. (ex-19.) A DGEG veio informar a A. “que a data da passagem para o regime de mercado desta Central será a partir de 9 de Fevereiro de 2018, conforme Licença de Exploração anexa e não a partir de 16 de Dezembro de 2017, como indicado no  ofício n.º 10373, de 12 de Julho de 2017” em termos e condições que consta do documento 8 junto com a P.I. e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
15. (ex-6.) A A. transitou para o regime de mercado no dia 09.02.2018.
16. (ex-8.) A A. havia aderido ao denominado sistema de autofacturação que a R. coloca à disposição dos produtores a quem adquire energia, sistema através do qual a R. faz a simulação do valor de facturação de uma determinada central num determinado mês, cabendo ao produtor aprovar a simulação efectuada para a posterior emissão da factura.
17. (ex-9.) Em 05.03.2018, a A. recebeu a simulação do mês de Fevereiro de 2018 que apenas considerava a energia produzida até ao respectivo dia 8.
18. (ex-10.) A referida simulação foi aprovada pela A. às 18h10 do mesmo dia 05.03.2018.
19. (ex-11.) Em 06.03.2018, foi emitida a autofactura que apenas considerava a produção de energia até ao dia 08.02.2018.
20. (ex-7.) A factura da energia do mês de Fevereiro de 2018 apenas compreendeu a energia injectada pela A. até ao dia 8 desse mês.
21. (ex-43.) A A. continuou, até Abril de 2019, a produzir e a fornecer a energia produzida na sua central mini-hídrica para a rede pública.
22. (ex-36.) A rede não é operada pela R.
23. (ex-37.) A R. nunca deu à A. qualquer indicação no sentido de esta continuar a injectar energia na rede, tal como nunca referiu que iria (ou sequer poderia) adquirir a energia oriunda da Central de O. após a transição para o regime de mercado.
24. (ex-68.) Não tendo a seu cargo a operação da rede, a R. recebe regularmente a informação do operador de rede (E-REDES) sobre o volume de energia injectado pelos produtores da PRE com remuneração garantida, a quem, como vimos, a R. legalmente adquire a energia produzida.
25. (ex-69.) Uma vez que a R. vende a energia adquirida nestes termos no mercado grossista (designadamente no mercado diário), o operador da rede comunica-lhe diariamente o volume de energia injectado pelos produtores da PRE com remuneração garantida.
26. (ex-70.) A R. enviou o email de fls. 117 à e-redes. (alterado, nos termos adiante decididos)
27. (ex-71.) A informação recebida pela R. a este respeito deixou de fazer qualquer referência à energia produzida pela A. pelo que, a partir da referida data, a energia vendida pela R. no mercado grossista diário deixou de incluir os volumes de energia que a A. terá continuado a injectar na rede.
28. (ex-72.) Para efeitos de facturação, a R. recebe mensalmente da E-REDES a informação sobre o volume total mensal da energia injectada na rede por cada um dos produtores em PRE com remuneração garantida.
29. (ex-73.) Informação que também deixou de incluir qualquer energia injectada pela A. a partir de 09.02.2018.
30. (ex-74.) Do mesmo modo, a cessação da aquisição da energia da A. pela R. manifestou-se ainda no plano das tarifas devidas pelo facto de a energia adquirida à PRE transitar na rede de transporte (uso da rede de transporte).
31. (ex-75.) Com efeito, verifica-se que, a partir de 09.02.2018, o Operador da Rede de Transporte (a REN – Rede Eléctrica Nacional, S.A) deixou de considerar a energia oriunda da Central de O. para efeitos de cobrança da tarifa de uso da rede de transporte, enquanto a lista relativa a Fevereiro ainda mencionava a A., a lista referente a Março deixou de mencionar a A. (a lista já não faz referência ao código do ponto de entrega (CPE) referente à Central de O., ou seja, já não contém a referência “PTxxxxxxxxxxxxxxxxXY”).
32. (ex-76.) O mesmo sucede com a informação que a R. envia mensalmente à DGEG, identificando os produtores em PRE e o volume da energia produzida.
33. (ex-77.) Informação essa que, a partir de Março de 2018, também deixou de incluir qualquer referência à A., nos documentos de Energias e Valores que são enviados mensalmente à DGEG, exibindo apenas a informação relativa às centrais hídricas e a informação necessária para verificar a ausência do CPE da A. na lista de Março enquanto o mês de Fevereiro, associando a central em questão ao CPE PTxxxxxxxxxxxxxxxxXY).
34. (ex-12.) Por carta de 16 de Fevereiro de 2018 enviada à DGEG a A. refere: “(…) continuamos a injectar energia na rede através do contador da EDP SU, energia essa que solicitamos ao Exmo. Sr. Director que ordene a sua remuneração”.
35. (ex-13.) Por carta de 22 de Outubro 2018 enviada à DGEG a A. informa que continuava a injectar a energia na rede, através do “nosso contador da EDP SU sem termos recebido até à data os KW injectados (…) informem qual o ponto da situação, referente à nossa carta de 16/2/2018”.
36. (ex-14.) A DGEG em 22 de Outubro de 2018, enviou carta à A. onde refere estar “ciente das dificuldades desta central, bem como de todas as pequenas centrais que passaram ou irão passar para regime de mercado e uma vez que ainda não foi criada a figura do facilitador/agregador de mercado, tem desenvolvido esforços no sentido de resolver esta situação” estando a “analisar o assunto com o objectivo de providenciar uma proposta para submissão à Tutela, esperando poder brevemente ter uma solução que seja razoável e não impeditiva da continuidade de laboração”.
37. (ex-15.) Em 12.02.2019 a A. apelou ao Secretário de Estado da Energia para uma solução da sua situação.
38. (ex-16.) Em 25.03.2019 a A. recebeu um email do gabinete do Secretário de Estado da Energia do qual consta: “no âmbito das alterações legislativas actualmente em curso, está a ser equacionada uma solução passível de resolver, situações do tipo da que apresentou” e “que existem vários comercializadores em regime livre capacitados para apresentar propostas comerciais para a colocação da energia eléctrica produzida pela central hídrica”.
39. (ex-35.) Entre a R. e a DGEG foi trocada a correspondência que constitui os documentos 15 a 17 juntos com a contestação, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
40. (ex-17.) Em 12.09.2019 a Subdirectora Geral da DGEG informou a A. que “a EDP Serviço Universal na sequência da notificação destes Serviços para que providenciassem o pagamento do valor em dívida relativo à produção de energia proveniente da sua central hidroeléctrica, aquela entidade informou esta Direcção Geral que de acordo os dados fornecidos pelo Operador de Rede, a energia produzida no período compreendido entre 9 de Fevereiro de 2018 e 24 de Abril de 2019 foi de 2.305.023kWh, sendo o valor total de facturação de 103.726,04 (valor sem IVA), o qual será liquidado no prazo habitual”.
41. (ex-25.) A R. enviou uma comunicação à DGEG referindo que «Na sequência do seu telefonema, junto envio a série dos valores resultantes das médias aritméticas simples dos preços de fecho do Operador do Mercado Ibérico de Energia (OMIE) para Portugal (mercado diário), relativos ao mês m, em €/MWh (definição constante na alínea c) do artigo 24º do Decreto-Lei nº 153/2014, de 20 de Outubro).
2018
FEV… 54,98 €/MWh
MAR…39,75 €/MWh
ABR… 42,66 €/MWh
MAI… 55,08 €/MWh
JUN… 58,48 €/MWh
JUL… 61,84 €/MWh
AGO… 64,29 €/MWh
SET… 71,30 €/MWh
OUT… 65,39 €/MWh
NOV… 62,01 €/MWh
DEZ… 61,87 €/MWh
2019
JAN… 62,69 €/MWh
FEV… 54,71 €/MWh
MAR… 49,2 €/MWh
ABR… 50,65 €/MWh
42. (ex-26.) Os preços médios da energia eléctrica no mercado diário OMIE, para o período compreendido entre Fevereiro de 2018 e Abril de 2019, são os que a R. referiu na citada comunicação (e que se encontram transcritos em 44.), com uma média geral de 53,43 €/MWh.
43. (ex-23.) A DGEG enviou à A. em 18-12-2019 (a referência a 18-02-2019 deve-se a lapso de escrita, revelado no contexto do documento respectivo) os e-mails que constam do documento 16 junto com a P.I., e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
44. (ex-24.) A energia produzida no período compreendido entre 9 de Fevereiro de 2018 e 24 de Abril de 2019 foi de 2.305.023 kWh.
45. (ex-20.) A R. não pagou à A. qualquer injecção de energia desde 09-02-2018.
46. (ex-44.) A R. não foi notificada pela DGEG para proceder a qualquer pagamento respeitante à energia produzida na Central de O. relativamente a qualquer período subsequente à transição da Central de O. para o regime de mercado.
47. (ex-45.) Tão-pouco a R. comunicou à DGEG que iria proceder à liquidação de qualquer montante relativo à produção de energia da A. posterior a 08.02.2018.
48. (ex-46.) Os contactos entre a R. e a DGEG cingiram-se à solicitação de um conjunto de informações, pedidos que a R. satisfez.
49. (ex-47.) Até à citação para a presente acção, a R. não teve conhecimento das comunicações trocadas entre a A. e a DGEG, e entre a A. e o Secretário de Estado da Energia, constantes dos autos.
50. (ex-40.) A dimensão da central hidroeléctrica da A. é de 530 KW, pelo que a sua produção não tem expressão significativa para ser remunerada em regime de mercado.
51. (ex-41.) Por não utilizar qualquer armazenamento de água (vulgo barragem) - antes depender do fio de água que corre continuamente e cujas oscilações em termos de caudal são totalmente imprevisíveis - não é possível estabelecer previsões de produção.
52. (ex-42.) Estes dois factores acabaram por inviabilizar a possibilidade de a A. interessar qualquer empresa na aquisição, em regime de mercado, da energia que continuava a ser produzida, no momento em que passou para o regime de mercado.
53. (ex-32.) Apenas em Abril de 2019 a A. terá logrado contratar no mercado com um comercializador disposto a adquirir a sua energia.
54. (ex-34.) Assim, em 29.03.2019, a A. (na pessoa de LA) dirigiu à R. (na pessoa do Eng.º AB) uma mensagem de correio electrónico (email), em termos que constam do documento 14 junto com a contestação, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
55. (ex-80.) Em 26.06.2019, o Sr. (LA), sócio da A., dirigiu-se pessoalmente às instalações da Direcção de Compra de Energia da R., em Coimbra, indagando novamente da disponibilidade da R. para celebrar com a A., ao abrigo do regime de mercado, um contrato para a aquisição da energia produzida na Central de O.
56. (ex-81.) Durante esse contacto, a R. transmitiu novamente ao Sr. (LA) que, enquanto CUR, apenas podia adquirir a energia oriunda de PRE com regime de remuneração garantida, o que, desde 09.02.2018, já não era o caso da A.
57. (ex-82.) Na mesma ocasião, o Sr. (LA) deu ainda nota de que a A. já havia contratado no âmbito do regime de mercado.
58. (ex-33. e ex-83.) Mais concretamente, a A. já havia celebrado com a PH Energia um contrato de venda da energia produzida na Central de O., contrato cujos efeitos se produziram desde 25.04.2019 e que estabelecia um período de fidelização de um ano.
59. (ex-84.) Após este contacto pessoal, a A. não voltou a contactar a R., seja para comunicar qualquer cessação do seu contrato com a PH Energia, seja para propor a aquisição da energia pelo CUR.
60. (ex-48.) O preço médio a que a R. adquire a energia aos produtores em regime especial (PRE) sempre foi superior ao preço de mercado, circunstância que apenas se deixou de verificar, a partir de Julho/Agosto de 2021, devido ao conhecido aumento, excepcional e significativo, dos preços de energia no Mercado Ibérico de Electricidade (MIBEL).
61. (ex-49.) Durante todo o período em que competia legalmente à R. comprar a energia da A., o preço médio a que a R. adquiria energia aos PRE – incluindo à A. – era superior ao preço médio de transacção de energia no MIBEL.
62. (ex-50.) No entanto, a energia adquirida à PRE com remuneração garantida, como era o caso da A., é vendida pela R. nos mercados organizados (diário e a prazo), a preços de mercado.
63. (ex-51.) Esta circunstância traduzia-se num sobrecusto que representa um custo para o sistema eléctrico nacional, que se reflectia nas tarifas pagas pelos consumidores finais, em particular, na tarifa de uso global do sistema.
64. (ex-52.) A posição do CUR relativamente à aquisição de energia eléctrica em PRE com remuneração garantida, como foi o caso da A. até 08.02.2018, é neutra e não tem qualquer impacto, positivo ou negativo, nos rendimentos da R., que se limita a auferir os proveitos permitidos definidos administrativamente pela ERSE.
65. (ex-53.) A ERSE define, depois, para cada actividade regulada, o método de cálculo dos proveitos permitidos, de acordo com as fórmulas matemáticas que constam do Regulamento Tarifário.
66. (ex-54.) De igual modo, a ERSE define também, para cada período de regulação, os parâmetros que, aplicados às fórmulas matemáticas que constam do Regulamento Tarifário – e em conjunto com as demais variáveis – permitem a determinação anual dos proveitos permitidos.
67. (ex-55.) São, depois, estabelecidas pela ERSE as tarifas para cada ano por forma a proporcionarem os proveitos permitidos.
68. (ex-56.) Por conseguinte, quer os proveitos permitidos quer as tarifas são estabelecidos ex ante, para cada ano, com base em certas estimativas e previsões.
69. (ex-57.) Durante o ano, a entidade regulada aufere os proveitos definidos antecipadamente pela ERSE.
70. (ex-58.) Uma vez que a definição ex ante das tarifas se funda em estimativas e previsões, no final do ano, existirão desvios, positivos ou negativos, entre os proveitos efectivamente auferidos ex post e os proveitos permitidos definidos pela ERSE ex ante.
71. (ex-59.) Esses desvios são obrigatoriamente corrigidos (i.e. anulados), com dois anos de desfasamento, através de ajustamentos por forma a garantir que a entidade regulada aufere exactamente os proveitos permitidos que haviam sido fixados ex ante.
72. (ex-60.) No caso concreto da R., estão em causa três actividades reguladas distintas, a saber:
(i) compra e venda de energia eléctrica; (ii) compra e venda do acesso às redes de transporte e distribuição e (iii) comercialização.
73. (ex-61.) Os proveitos permitidos que a R. aufere limitam-se à recuperação, através das tarifas, dos custos incorridos com as referidas actividades: a R. não aufere qualquer rendimento da compra e venda de electricidade.
74. (ex-62.) Os custos e as receitas da compra e venda de energia eléctrica são custos e receitas do sistema eléctrico nacional, e não da R.
75. (ex-65.) A energia injectada pela A. na rede no período em questão (09.02.2018 a 24.04.2019) não foi contabilizada pela R. para este efeito.
76. (ex-66.) Ou seja, o portefólio da R., relativo à energia adquirida aos produtores em PRE e disponível para venda nos referidos mercados organizados, não integrou qualquer energia injectada pela A. na rede durante aquele período.
77. (ex-67.) O que significa, pura e simplesmente, que a R. não adquiriu nem vendeu a energia da Central de O. injectada na rede no período compreendido entre 09.02.2018 e 24.04.2019.
78. (ex-38., ex-63. e ex-78.) Os proveitos permitidos da R. não são influenciados por energia injectada na rede não adquirida pela R.
79. (ex-64. e ex-79.) São, portanto, apenas estes proveitos permitidos definidos administrativamente pela ERSE, com exclusão de quaisquer outros, que constituem as receitas da R.
80. (ex-39.) A A., para efeitos de executar o processo de remodelação da central em 2019, contraiu um financiamento de € 300.000,00 junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…).
***
Na sentença recorrida considerou-se ainda que de relevo para a decisão da causa ficaram por provar os demais factos e ainda que a energia que foi produzida pela A. na central de O. foi fornecida pela A. à R. e por esta comercializada junto dos seus clientes.
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Da alteração da matéria de facto
Decorre da conjugação dos art.º 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 640º, nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que estão errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respectiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão.
A respeito do disposto no referido art.º 640º do Código de Processo Civil, refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pág. 196-197):
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou incongruente”.
E, mais adiante, afirma (pág. 199-200) a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, designadamente quando se verifique a “falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto”, a “falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados”, a “falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou neles registados”, a “falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda”, bem como quando se verifique a “falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, concluindo que a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Do mesmo modo, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 770) afirmam que “cumpre ao recorrente indicar os pontos de facto que impugna, pretensão esta que, delimitando o objecto do recurso, deve ser inserida também nas conclusões (art. 635º)”, mais afirmando que “relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, o recorrente tem o ónus de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder apresentar a respectiva transcrição”.
E, do mesmo modo, vem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça (como no acórdão de 29/10/2015, relatado por Lopes do Rego e disponível em www.dgsi.pt) que do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil resulta “um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação (…) e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes (…)”.
Por outro lado, e impondo-se a especificação dos pontos concretos da decisão que estão erradamente julgados, bem como da concreta decisão que deve ser tomada quanto aos factos em questão, há-de a mesma reportar-se, em primeira linha, ao conjunto de factos constitutivos da causa de pedir e das excepções invocadas. É que, face ao disposto no nº 1 do art.º 5º do Código de Processo Civil, a decisão da matéria de facto tem por objecto, desde logo, os factos essenciais alegados pelas partes, quer integrantes da causa de pedir, quer integrantes das excepções invocadas. Todavia, e porque do nº 2 do mesmo art.º 5º resulta que o tribunal deve ainda considerar os factos instrumentais, bem como os factos complementares e concretizadores daqueles que as partes hajam alegado, e que resultem da instrução da causa, daí decorre que na decisão da matéria de facto devem esses factos ser tidos em consideração.
Tal não significa, no entanto, que a decisão da matéria de facto (provada e não provada) deve comportar toda a matéria alegada pelas partes e bem ainda aquela que resulte da prova produzida, já que apenas a factualidade que assuma juridicidade relevante em razão das questões a conhecer é que deve ser objecto dessa decisão.
Isso mesmo enfatizam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 721),  quando explicam que o juiz da causa deve optar “por uma descrição mais ou menos pormenorizada ou concretizada, de acordo com as necessidades do pleito, desde que seja assegurada uma descrição natural e inteligível da realidade que, para além de revelar o contexto jurídico em que se integra, permita a qualquer das partes a sua impugnação”. E mais explicam (pág. 722) que “o regime consagrado no CPC de 2013 propugna uma verdadeira concentração naquilo que é essencial, depreciando o acessório, sendo importante que o juiz consiga traduzir em linguagem normal a realidade apreendida, explicitando, depois, os motivos que o determinaram, com destaque para a explanação dos factos instrumentais que o levaram a extrair as ilações ou presunções judiciais”.
Assim, e como tal delimitação deve estar igualmente presente na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto (neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/5/2017, relatado por Fernanda Isabel Pereira e disponível em www.dgsi.pt, quando conclui que “o princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo”, e bem ainda que “nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir”), só há lugar à apreciação dos pontos indicados como impugnados na medida em que, não só devam constar do elenco de factos provados e não provados, no respeito pelo disposto no art.º 5º, nº 1 e nº 2, al b), do Código de Processo Civil, mas igualmente correspondam a factos com efectivo interesse para a decisão do recurso.
Por outro lado, e a respeito da enunciação dos factos instrumentais, decorre do nº 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil que os mesmos não carecem de ser discriminados no elenco de factos provados, mas apenas referidos na medida das ilações que forem tiradas dos mesmos, para a demonstração dos factos essenciais alegados pelas partes.
Isso mesmo explicam igualmente António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 718‑719), afirmando a necessidade de enunciação dos “factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as excepções, e de outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a acção ou a excepção proceda”, bem como a necessidade de “enunciação dos factos concretizadores da factualidade que se apresente mais difusa” (e sendo que “a enunciação dos factos complementares e concretizadores far-se-á desde que se revelem imprescindíveis para a procedência da acção ou da defesa, tendo em conta os diversos segmentos normativos relevantes para o caso”), mas afirmando igualmente que, quanto aos factos instrumentais, “atenta a função secundária que desempenham no processo, tendente a justificar simplesmente a prova dos factos essenciais, para além de, em regra, não integrarem os temas da prova, nem sequer deverão ser objecto de um juízo probatório específico”, já que “o seu relevo estará limitado à motivação da decisão sobre os restantes factos, designadamente quando a convicção sobre a sua prova resulte da assunção de presunções judiciais”.
Revertendo tais considerações para o caso concreto, verifica-se que no ponto XII. daquilo que pretende ser as conclusões do seu recurso a A. identifica um concreto ponto como devendo ser aditado ao elenco de factos provados.
Todavia, e se a partir dessa identificação se pode afirmar que a A. deu cumprimento formal ao referido ónus primário de delimitação do objecto da impugnação a que alude o art.º 640º do Código de Processo Civil, do mesmo modo se pode afirmar que a A. mais não visa que afirmar uma conclusão, a qual retira a partir da conjugação de uma declaração vertida num suporte escrito com outros factos provados.
Com efeito, a A. pretende que se afirme que foi a R. que informou a E-REDES no sentido de deixar de considerar a electricidade injectada pela A. na rede, e que foi só por isso que a R. deixou de receber da E-REDES qualquer referência à electricidade produzida pela A., com as consequências constantes dos factos elencados em 27. a 29. (ex-71. a ex‑73.).
Por isso mesmo faz apelo ao depoimento da testemunha M. (funcionária da E‑REDES), bem como ao depoimento da testemunha L. (funcionário da R.), por entender que tal afirmação resulta dos dois depoimentos em questão.
Quanto à primeira testemunha, a mesma confirmou a recepção da mensagem de correio electrónico enviada pela R. (corresponde ao documento 19 junto com a contestação), nos termos da qual a R. “informou a E-REDES que este produtor [a A.] tinha deixado de estar neste regime e o produtor tinha passado a regime de mercado”, mais explicando que foi “por indicação desse mail e também por indicação do sistema” (referindo-se ao ofício anexo na mensagem, “que informa que o operador, que aquele produtor deixou de operar em mercado de tarifa garantida”), e explicando ainda que foi devido à A. ter passado “a regime de mercado” que a E-REDES deixou de considerar a electricidade produzida pela A. como sendo entregue à R. porque esta “é o operador da tarifa garantida” e “é mesmo assim no mercado”.
Quanto à segunda testemunha, confirmou o envio da referida mensagem de correio electrónico e justificou tal envio porque a A. deixou “de ter remuneração garantida e, como tal”, deixou de “ter condições para pertencer à carteira” da R., o que precisava de ser comunicado à E-REDES.
Ou seja, está demonstrado que a R. enviou à E-REDES a mensagem de correio electrónico com o teor que consta do documento 19 junto com a contestação.
E está igualmente demonstrado que a partir daí (9/2/2018) a informação diária que a R. recebia da E-REDES, com a quantidade de electricidade injectado na rede pelos produtores com remuneração garantida (pontos 24. e 25., correspondentes aos ex‑68. e ex-69.), deixou de fazer qualquer referência à quantidade de electricidade produzida pela A. e injectada na rede (pontos 27. a 29., correspondentes aos ex-71. a ex‑73.).
Mas, como bem observa a R., corresponde a um juízo conclusivo a afirmação de que a E-REDES só deixou de imputar ao portefólio da R. a electricidade injectada pela A. na rede porque a R. lhe disse que assim deveria proceder.
O que significa, na esteira da doutrina e jurisprudência acima referida, que tal juízo conclusivo e não factual não deve ser incluído no elenco de factos provados.
Todavia, sempre há que incluir no elenco dos factos provados a factualidade correspondente ao teor da referida mensagem de correio electrónico, desde logo porque do ponto 26. (ex-70.) apenas se retira o seu envio (e respectivos remetente e destinatário), mas não o seu conteúdo.
Assim, impõe-se a alteração do referido ponto 26., que passa a ter a seguinte redacção:
26. (ex-70.) Pelas 10.49 h. de 9/2/2018 a R. enviou à E-REDES uma mensagem de correio electrónico, com o seguinte teor:
Fazemos referência ao PRE nº 40 – E., LDA (…)
Conforme a digitalização que se anexa do Ofício nº 10828 da DGEG, o referido PRE transitou para o regime de mercado a partir de 9 de Fevereiro de 2018.
A potência instalada da central é de 625 kVA, tendo o produtor aderido à autofacturação electrónica.
Agradecia que considerasse o disposto no referido Ofício e que desse conhecimento à equipa da Direcção de Gestão de Energia.
Vimos solicitar-lhe a introdução na Aplicação GPCE da energia produzida de 1 de Fevereiro até às 0h do dia 9 de Fevereiro.
Com os melhores cumprimentos”.
***
Em suma, e para além da alteração ora efectuada ao ponto 26., mantém-se inalterada a factualidade provada, improcedendo assim a alteração da decisão de facto nos termos pretendidos pela A.
***
Da manutenção da relação contratual
Não está colocado em crise que entre as partes vigorou, desde 2/12/1992, um contrato de compra e venda de electricidade, pelo qual a EDP (e depois a R., por lhe ter sido cedida a posição contratual da EDP nesse contrato) se obrigou a pagar à A. a remuneração devida pela electricidade produzida por esta, na sua central hidroeléctrica, e entregue à R. na sua totalidade.
Também não está colocado em crise que essa remuneração não era determinada por acordo das partes, ou mesmo por determinação unilateral de qualquer uma delas, sendo antes decorrente da tarifa fixada por via regulatória, mais concretamente, através do Regulamento Tarifário publicado pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).
Do mesmo modo, não está colocado em crise que se está perante um regime especial de produção de electricidade (porque produzida a partir de fontes renováveis e através de uma “pequena central hídrica”, recorrendo à nomenclatura constante do D.L. 33-A/2005, de 16/2), daí resultando uma remuneração garantida aos produtores em regime especial (PRE), a qual foi superior ao preço de mercado até ao Verão de 2021 (e, logicamente, ao tempo dos factos em apreço nos autos, mais concretamente em 2018 e 2019), como resulta do ponto 60.
E também não está colocado em crise que em consequência das alterações ao referido regime especial, designadamente as decorrentes do referido D.L. 33-A/2005, de 16/2, e do D.L. 35/2013, de 28/2, a A. deixou de ser considerada um PRE e de ter direito à referida remuneração garantida, passando a actividade de produção de electricidade através da sua central hidroeléctrica a estar sujeita ao referido “regime de mercado”, o que ocorreu em 9/2/2018.
A controvérsia instala-se, então, no que respeita às consequências dessa alteração ocorrida por via legal, relativamente à manutenção (ou cessação) da relação contratual entre A. e R.
Tal controvérsia foi decidida na sentença recorrida com recurso à seguinte fundamentação:
(…) a R. podia comprar energia à A.. Tinha de o fazer ao preço de mercado, pois o regime legal passou a ser esse. Mas não era obrigada a tal. Qualquer pessoa podia adquirir a energia produzida pela A., como aliás esta veio a encontrar quem o fizesse. Nada impedia a R. de o fazer. Porém importa saber se tinha de o fazer.
E cremos que não.
O contrato que as unia foi, desde logo celebrado ao abrigo do DL nº 189/88, de 27 de Maio, cfr. fls. 1 do contrato a pág. 17 dos autos. Era uma obrigação de aquisição da totalidade da energia produzida pela A. ao preço bonificado.
Ora, embora nos termos contratuais o termo do contrato ocorreria quando cessasse a licença de utilização de águas na central da A., a verdade é que o mesmo poderia ser resolvido nos casos previstos na legislação em vigor, cfr. clausula 26ª.
E cremos ter sido isso que sucedeu.
A alteração do regime legal e a passagem da A. para o regime de mercado conduziu a que a obrigação de aquisição da totalidade da energia produzida pela A. ao preço bonificado tivesse desaparecido. Ou seja, o objecto do contrato deixou de existir. O contrato foi celebrado ao abrigo dessa legislação contemplando obrigações legais que da mesma decorriam, com vista a incentivar as energias renováveis e os pequenos produtores. Mas esse incentivo legal cessou, pelo decurso do tempo, e a A. passou a ser um produtor como qualquer outro e integrado num regime de mercado a par dos demais. Não se vê como é que desaparecendo o objecto do seu contrato a mesma pretenda ver neste um incumprimento.
Note-se que não existiu uma alteração das circunstâncias.
É que o regime legal da alteração anormal das circunstancias pressupõe uma modificação insólita ou inabitual da base negocial em que as partes tenham fundado a celebração do contrato, sendo que essa base negocial, no domínio da alteração das circunstâncias, assume carácter objectivo e deve respeitar simultaneamente a ambos os contraentes, atingindo proporções tais que subvertam a própria economia do contrato, tornando-o lesivo para uma das partes contratantes ao ponto de, caso o contrato se mantenha nos termos em que foi celebrado, a exigência das obrigações por ela assumidas, sem se mostrar coberta pelos riscos próprios do contrato, afecte gravemente os princípios da boa-fé.
E como vimos a aquisição por parte da R. da energia da A., com sobrecusto, não era lesiva para si pois esta não suportava o prejuízo, os seus proveitos ou prejuízos não ocorriam como em qualquer empresa particular, pois a R. apenas podia ter proveitos que estivessem fixados pela ERSE.
Não saindo a R. afectada com a aquisição a preço bonificado ou de mercado não existe uma verdadeira situação de alteração anormal das circunstâncias que seja lesiva dos interesses de uma parte atentatória da boa fé contratual.
Existe sim, repete-se, um desaparecimento do objecto do contrato. A obrigação de aquisição de energia a preço bonificado desapareceu e o contrato ficou desprovido de objecto. A R. ficaria investida na posição de CUR, ao abrigo do DL nº 76/2019, de 3 de Junho, enquanto não fosse atribuída a licença de facilitador de mercado, mas tal só veio a suceder em 2019, após vigorar o diploma mencionado (45 dias depois na verdade).
Isto significa que em 9/2/2018 a R. não assumia a obrigação de CUR perante a A., não tinha a obrigação de adquirir a energia a preço bonificado.
Ora, o que se passou foi que o cumprimento da obrigação por parte da R. se tornou impossível por força da mudança do regime legal e da passagem da A. para o regime de mercado. Nos termos do art.º 790º do CC, A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.
E nos termos do art.º 795º do mesmo diploma:  Quando no contrato bilateral uma das prestações se torne impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa.
Nessa medida, com a passagem para o regime de mercado a obrigação de aquisição de energia a preço bonificado tornou-se impossível. Mesmo querendo a R. não o podia fazer pois não age livremente como qualquer empresa. Como se provou apenas pode adquirir energia ao preço fixado pela ERSE e auferir os proveitos que desta fixação de tarifas resulta. E nessa medida fica desobrigada da sua contraprestação a que se tinha vinculado. Significa isto que a mudança do regime legal aplicável à A., e ao contrato que regia as relações contratuais entre A. e R., tornou a contraprestação da R. impossível e extinguiu a obrigação.
Não tinha, pois, a R. a obrigação de adquirir a energia, nem tinha de comunicar a resolução do contrato, nem nada distinto que não a efectiva mudança de regime legal, como sucedeu, pois por essa simples mudança tornou o objecto do contrato inexistente e a obrigação de cumprimento impossível.
Nessa medida não assiste razão à A. de pretender que a R. proceda ao pagamento da energia por força de um incumprimento contratual por banda desta posto que tal nunca ocorreu”.
Contrapõe a A., em síntese, que o objecto do contrato não deixou de existir, desde logo porque o mesmo correspondia à venda de electricidade pela A. à R., sendo que tal electricidade continuou a ser produzida pela A. após ter deixado de beneficiar do regime da remuneração garantida, e sendo ainda que inexistia qualquer impedimento legal a que a R. adquirisse tal electricidade, a preços de mercado.
Recuperando a razão de ser da R., importa desde logo atentar que esta foi constituída para actuar no sistema eléctrico nacional como comercializador de último recurso (CUR).
Segundo a definição constante da al. j) do art.º 3º do D.L. 29/2006, de 15/2, o CUR é a “entidade titular de licença de comercialização de energia eléctrica sujeita a obrigações de serviço universal”. Do preâmbulo do diploma em questão resulta que “no âmbito da protecção dos consumidores, define-se um serviço universal, caracterizado pela garantia do fornecimento em condições de qualidade e continuidade de serviço e de protecção quanto a tarifas e preços e de acesso a informação em termos simples e compreensíveis”, consagrando-se ainda “a figura do comercializador de último recurso, sujeito a regulação, que assume o papel de garante do fornecimento de electricidade aos consumidores, nomeadamente aos mais frágeis, em condições de qualidade e continuidade de serviço. Trata-se de uma entidade que actuará enquanto o mercado liberalizado não estiver a funcionar com plena eficácia e eficiência, em condições de assegurar a todos os consumidores o fornecimento de electricidade segundo as suas necessidades. Neste sentido, as funções de comercializador de último recurso são atribuídas, provisoriamente, aos distribuidores de electricidade pelo prazo de duração da sua concessão”.
E é por isso que o art.º 48º do D.L. 29/2006, de 15/2, dispõe sobre a obrigação do CUR de fornecimento de electricidade em condições reguladas pela ERSE (ou seja, fora dos quadros típicos do denominado “mercado liberalizado”, enformado pelos princípios da autonomia privada, da liberdade contratual e da concorrência).
Todavia, e no que respeita à actividade de aquisição de electricidade pelo CUR, o art.º 49º do mesmo diploma prevê a possibilidade de o CUR adquirir electricidade em regime de mercado, para além do dever de adquirir a electricidade produzida pelos PRE, tudo tendo em vista a obtenção da electricidade necessária ao abastecimento dos consumidores seus clientes.
Do mesmo modo, o art.º 55º do D.L. 172/2006, de 23/8 (diploma que desenvolve os princípios gerais aprovados pelo D.L. 29/2006, de 15/2), dispõe sobre a forma como o CUR deve adquirir a electricidade destinada a garantir o abastecimento dos seus clientes, não proibindo o CUR de fazer aquisições em mercados organizados ou através de contratos bilaterais, mas apenas estabelecendo um dever de o CUR dar preferência a aquisições aos PRE.
E ainda que a actividade de compra e de venda de electricidade por parte do CUR seja objecto de regulação pela ERSE, através do seu enquadramento nos regulamentos aprovados e aplicados por esta entidade (correspondentes ao Regulamento de Relações Comerciais e ao Regulamento Tarifário, tipificados nos art.º 65º, 66º e 67º, nº 1, todos do D.L. 172/2006, de 23/8), isso não retira ao CUR a capacidade de exercício própria da sua natureza jurídica, já que os instrumentos regulatórios, pela sua própria natureza, apenas densificam o regime legal de onde decorrem.
Dito de forma mais simples, e reconduzido tais considerações ao caso concreto da R., os princípios da autonomia privada, da liberdade contratual e da concorrência pelos quais a R. se deve reger na prossecução da sua actividade, tendo presente a sua natureza de pessoa colectiva de direito privado (sob a forma de sociedade comercial), apenas são susceptíveis de ser limitados por via do regime legal que regula essa mesma actividade, densificado pelo Regulamento de Relações Comerciais e pelo Regulamento Tarifário aprovados pela ERSE.
Por outro lado, e face ao acima exposto quanto à natureza e atribuições do CUR, apreende-se, no caso concreto, que a razão de ser da R. prende-se com a necessidade de assegurar a existência de um serviço universal de fornecimento de electricidade, mas já não com uma qualquer necessidade especial de assegurar a existência de uma entidade que se dedique, em exclusivo, a pagar a remuneração aos PRE (remuneração essa que se define como garantida porque, para além de cumprir a sua função típica de preço, tem igualmente uma componente de “prémio” pelo  esforço do PRE na promoção da produção de electricidade a partir de fontes renováveis).
Do mesmo modo, constata-se que do regime legal acima explanado, e aplicável à actividade desenvolvida pela R., não emerge a proibição de a mesma figurar como compradora num contrato de compra e venda de electricidade, nem tão pouco a proibição de a R. adquirir electricidade a quem não seja PRE, nem tão pouco a proibição de pagar pela electricidade que adquire qualquer outro preço que não corresponda à referida remuneração garantida.
Ou seja, a concreta regulação a que a R. está sujeita prende-se com a realização efectiva de um serviço universal de fornecimento de electricidade. E o respectivo regime legal regulatório não estabelece qualquer proibição de a R. adquirir electricidade a quem não seja PRE (isto é, que não beneficie da referida remuneração garantida). Do mesmo modo, a finalidade dessa regulação (a referida realização efectiva do serviço universal de fornecimento de electricidade), quando aplicável à actividade da R. de aquisição de electricidade para abastecer os seus clientes, também não demanda, por si só, essa proibição, mas antes a expressa possibilidade de a R. adquirir electricidade a quem não seja PRE, designadamente através de contrato celebrado com o produtor em questão.
Pelo que se impõe a conclusão da inexistência de qualquer proibição no sentido de a R. adquirir a electricidade produzida pela A., a partir da transição desta para o regime de mercado, em 9/2/2018.
Nesta medida, não é de acompanhar a argumentação do tribunal recorrido, no sentido do desaparecimento do objecto do contrato.
Com efeito, e estando em causa um contrato de compra e venda, pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço (art.º 874º do Código Civil), pode-se afirmar, como é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência, que o mesmo “tem por objecto essencial a transmissão de um direito (seja de propriedade, seja de outra natureza), que, para ser transferido, necessita de existir previamente como tal, na titularidade do vendedor” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, volume II, 3ª edição revista e actualizada, 1986, pág. 167).
Para além deste efeito translativo ou real (a transmissão da propriedade ou da titularidade do direito), resulta do art.º 879º do Código Civil que o contrato de compra e venda tem ainda outros efeitos obrigacionais, essencialmente a obrigação do vendedor de entregar a coisa, e a obrigação do comprador de pagar o preço.
Todavia, a concreta configuração de cada uma destas obrigações não permite afirmar que o objecto do contrato é integrado pelas mesmas.
Com efeito, basta atentar, no que respeita à determinação do preço, que o art.º 883º do Código Civil admite a omissão de tal determinação ou a omissão do modo de o determinar, e sem que essa omissão conduza à destruição dos efeitos do contrato, mas antes ao recurso às regras de determinação aí previstas supletivamente.
E, do mesmo modo, a falta de cumprimento da obrigação de pagamento do preço não conduz (salvo estipulação em contrário) à destruição do efeito translativo que constitui o objecto da compra e venda, como resulta do art.º 886º do Código Civil.
Recuperando tais considerações para o caso concreto dos autos, a coisa que a A. estava obrigada a entregar à R. correspondia à totalidade da electricidade produzida na sua central hidroeléctrica.
Não sofre qualquer dúvida que a A. era a proprietária dessa electricidade, por ter sido por si produzida na sua central hidroeléctrica, através da transformação de energia hídrica, decorrente das águas para as quais detinha a necessária licença de aproveitamento, para tal produção.
Também não sofre qualquer dúvida que o efeito translativo dessa propriedade operava com a entrega da electricidade produzida na central hidroeléctrica da A., a qual se concretizava na injecção da electricidade produzida na rede pública.
E não sofre igualmente qualquer dúvida que tal injecção se manteve por parte da A. após 8/2/2018.
Ou seja, o objecto do contrato mais não correspondia que à electricidade produzida pela A. (se se quiser ser mais preciso, à transmissão onerosa do direito de propriedade da A. sobre tal electricidade), a qual continuou a ser produzida após 8/2/2018, mais continuando a ser injectada na rede pública, como até aí.
Pelo que, continuando a A. a figurar como proprietária da electricidade por si produzida, e continuando a dispor dessa electricidade, entregando-a à R., não se pode afirmar que o objecto do contrato desapareceu, com a transição da A. para o regime de mercado.
Do mesmo modo, não se pode afirmar que a electricidade em questão deixou de ser entregue à R.
É certo que resulta provado que a electricidade que foi injectada na rede pela A. (2.305.023 kWh, entre 9/2/2018 e 24/4/2019) deixou de ser comunicada à R. pelo operador de rede (a E-REDES), apesar de continuar a ser medida pelo mesmo (e só assim ficou apurada a referida medida total de 2.305.023 kWh).
Mas também resulta provado que tal cessação de comunicação ocorre na sequência da mensagem de correio electrónico de 9/2/2018, dirigida pela R. à E‑REDES, nos termos da qual a R. deu conhecimento à E-REDES que a A. transitou para o regime de mercado nesse mesmo dia, mais solicitando que essa informação fosse transmitida à “equipa da Direcção de Gestão de Energia”, e solicitando ainda que na “Aplicação GPCE” fosse apenas considerada a electricidade produzida pela A. até 8/2/2018 (inclusive).
Tendo presente que as medições efectuadas pela E-REDES são comunicadas à R. no exclusivo interesse desta, pois que servem para efeitos de facturação da electricidade adquirida e revendida pela R. (ponto 25.), aquilo que se apreende do teor da comunicação de 9/2/2018 é que a R. não mais pretendia conhecer a quantidade de electricidade injectada na rede pela A.
Ou seja, se é certo que as medições da quantidade de electricidade injectada pela A. na rede deixaram de ser comunicadas à R. pela E-REDES, tal só sucedeu em razão da vontade da R. nesse sentido.
E como é dessa vontade da R. (quanto ao desconhecimento da quantidade de electricidade injectada na rede pela A.) que emerge a consequente não facturação de 2.305.023 kWh, injectados entre 9/2/2018 e 24/4/2019 (ponto 75.), é forçoso concluir que a exclusão dessa quantidade de electricidade do portfolio de electricidade adquirido pela R. nesse período (ponto 75.), bem como a consideração da sua não aquisição e consequente não venda (ponto 77.), desde logo para efeitos do apuramento por parte da ERSE dos proveitos permitidos da R. (pontos 65. a 71.), apenas à R. é imputável.
Dito de forma mais simples, a consideração do não recebimento por parte da R. da electricidade produzida pela A. decorre exclusivamente da actuação da R.
Pelo que, ainda que fosse de afirmar que esse não recebimento corresponde ao não cumprimento da obrigação contratual de entrega de electricidade por parte da A., a partir de 8/2/2018, tal não cumprimento nunca seria imputável à A., mas antes seria exclusivamente imputável à R., porque foi a mesma quem criou as condições para passar a considerar que não recebeu da A. a electricidade produzida pela mesma.
Ou seja, e como bem refere a A., a falta de cumprimento da sua prestação (a entrega da electricidade) é de imputar à actuação da R., credora dessa prestação. Nessa medida, e tendo presente o disposto no art.º 813º do Código Civil, há que afirmar a mora da R. no recebimento dessa prestação, a determinar que, ainda que a R. possa ter perdido o direito à electricidade produzida pela A. e injectada na rede (2.305.023 kWh, entre 9/2/2018 e 24/4/2019), não ficou desobrigada da contraprestação, por força do disposto no nº 2 do art.º 815º do Código Civil.
O que é o mesmo que afirmar a obrigação da R. de pagar à A. o preço dessa electricidade, cuja propriedade a A. transmitiu para a R., nos termos do contrato celebrado em 2/12/1992.
E se é certo que tal preço não mais podia ser aquele correspondente à remuneração garantida a um PRE (situação em que a A. já não se encontrava, porque havia transitado desse regime especial para o regime de mercado), também se viu já que inexistia qualquer proibição de a R. adquirir electricidade pagando outro preço (de mercado) distinto da remuneração garantida aos PRE. O que significa, desde logo, que não se pode acompanhar a fundamentação constante da sentença recorrida, no sentido de o contrato se ter por resolvido ao abrigo da sua cláusula 26ª (onde se convencionou, para além do mais, que “o presente contrato resolve-se nos casos previstos na legislação em vigor”), face à inexistência de preceito legal que determine tal resolução, no caso da transição da A. do regime especial para o regime de mercado.
Acresce que a possibilidade de a R. adquirir electricidade a preço de mercado resulta igualmente dos termos da licença de CUR identificada em 10. (o seu teor consta do documento 9 junto com a contestação), na medida em que aí se prevê expressamente o dever de a R. adquirir electricidade em cumprimento de obrigações definidas ou reconhecidas por despacho do Director Geral da DGEG.
Está demonstrado que a A. solicitou à DGEG que ordenasse à R. o pagamento da remuneração devida pela electricidade produzida e que a A. continuava a injectar na rede, após 8/2/2018. Na sequência dessa solicitação a DGEG manteve contactos com a R., no âmbito dos quais esta facultou à DGEG os elementos necessários à determinação do referido valor de mercado da electricidade produzida pela A. e injectada na rede (2.305.023 kWh, entre 9/2/2018 e 24/4/2019). Pelo que, tendo presente a comunicação da Subdirectora Geral da DGEG à A., no âmbito dos contactos em questão com a R., é de afirmar o competente reconhecimento da obrigação contratual da R. de pagar à A. o preço de mercado da electricidade produzida pela A. e injectada na rede (2.305.023 kWh, entre 9/2/2018 e 24/4/2019).
E tendo presente que por esse organismo da administração pública central foi ainda apurado que a média geral mensal dos preços no mercado ibérico de electricidade se situou em € 53,43 por MWh., entre Fevereiro de 2018 e Abril de 2019, o preço total de mercado dos referidos 2.305.023 kWh de electricidade ascende então a € 123.157,38.
O que equivale a afirmar que a obrigação da R. de remunerar a A. pela electricidade produzida por esta e injectada na rede entre 9/2/2018 e 24/4/2019 corresponde ao pagamento da referida quantia de € 123.157,38.
E, como já se referiu, inexiste qualquer impedimento legal a que a R. cumpra com essa sua obrigação contratual de pagamento desse preço devido pela electricidade produzida e entregue pela A., sendo irrelevante que, para efeitos de apuramento dos proveitos devidos à mesma, não haja sido considerada aquela quantidade de energia produzida e entregue, dado tratar-se de uma situação estranha à A. e exclusivamente imputável à R.
Por outro lado, e ainda que a conjugação da transição da A. para o regime de mercado com os deveres da R. como CUR conduzisse ao entendimento de que a R. não mais podia remunerar a A. pela electricidade produzida e injectada na rede após 8/2/2018 (designadamente se se entendesse que tal remuneração carecia de ser autorizada pela ERSE), sempre se tornava necessário atentar ao teor da cláusula 23ª do contrato. Com efeito, aí ficou convencionado que “a alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar que implique alteração do clausulado contratual e a alteração da legislação em vigor à data do presente contrato constituem motivo para a renegociação deste”, devendo a parte que pretendesse usar desse direito à renegociação interpelar a outra parte por escrito, apresentando as propostas de alteração que tivesse por necessárias, e mantendo‑se em vigor o contrato na sua versão original, até à outorga da nova versão.
Ora, a R. não alegou nem provou ter dirigido qualquer interpelação à A. nesse sentido, como era seu ónus. Antes resulta demonstrado que a R. entendeu que já não havia que considerar qualquer entrega de electricidade pela A. (e a correspondente remuneração), nos termos já cima explicitados, actuando em conformidade com essa sua vontade exclusiva.
Esse comportamento da R. poderia ser válido se o contrato não estivesse sujeito ao princípio da pontualidade que emerge do art.º 406º do Código Civil (ou mesmo se a R. estivesse investida de um qualquer jus imperii que lhe permitisse essa decisão unilateral). Mas não é esse o caso, como já se viu.
Em suma, importa concluir que a R. está obrigada a pagar à A. a referida quantia de € 123.157,38, a título de remuneração pela electricidade produzida pela A. e injectada na rede entre 9/2/2018 e 24/4/2019, e a que acrescem juros de mora à taxa legal supletiva, contados desde a citação e até integral pagamento, face ao disposto nos art.º 804º a 806º do Código Civil.
Procedem assim, e nesta medida, as conclusões do recurso, com a revogação da sentença recorrida e sua substituição por decisão que condene a R. em conformidade com o acima referido.
***
DECISÃO
Em face do exposto julga-se procedente o recurso e revoga-se a sentença recorrida, que se substitui por esta outra decisão em que, na parcial procedência da acção, condena‑se a R. a pagar à A. a quantia de € 123.157,38 (cento e vinte e três mil cento e cinquenta e sete euros e trinta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva, contados desde a citação e até integral pagamento.
Custas em ambas as instâncias por A. e R., na proporção do decaimento.

13 de Fevereiro de 2025
António Moreira
Higina Castelo
Paulo Fernandes da Silva