Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA DE JESUS S. HENRIQUES | ||
Descritores: | FACTOS COMPLEMENTARES FACTOS CONCRETOS FACTOS NOVOS FACTOS ESSENCIAIS FACTOS AUTONOMOS ABUSO DE DIREITO REGULAMENTO DO CONDOMINIO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/25/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. Os factos são acontecimentos envolventes de alteração ou mudança no curso das coisas ou das pessoas, no âmbito dos quais se incluem não só os acontecimentos do mundo exterior, como também os eventos do foro interno, designadamente a sua vontade real ou a sua intenção. 2. A regra, de harmonia com o princípio dispositivo, é a de que às partes incumbe afirmar os factos essenciais integrantes da causa de pedir e aqueles em que se baseiem as excepções (art. 264º, nº 1, CPC). 3. A excepção à mencionada regra só ocorre, por um lado, em relação aos factos notórios e aos instrumentais que resultem da decisão da causa e, por outro, quanto aos factos essenciais complementares ou concretizadores de outros alegados e que resultem da instrução da causa, manifestada que seja pela parte interessada a vontade do seu aproveitamento e facultado à parte contrária o exercício do contraditório (art. 264º, nºs 2 e 3,CPC). 4. Assim, os factos complementares serão aqueles que, na economia de uma fattispecie normativa complexa, desempenham claramente uma função secundária ou acessória relativamente ao núcleo essencial da causa de pedir ou da defesa – podendo, por exemplo, tratar-se de factos circunstanciais negativos ( susceptíveis de originar dúvida fundada sobre se ainda se trata de um elemento circunstancial constitutivo de uma causa petendi complexa ou, pelo contrário, de um facto impeditivo a alegar pela contraparte – sirva de exemplo , na acção de despejo para habitação própria do senhorio, a alegação de que este ainda não tinha utilizado a faculdade de denúncia) ou de factos que, na normalidade das situações da vida e segundo as regras de experiência, já fluem de outros ( estando, por isso, de algum modo implícitos na alegação dos primeiros – sirva de exemplo, em acção de responsabilidade civil extracontratual fundada numa relação comitente/comissário devidamente concretizada, a expressa alegação de que o facto danoso ocorreu no exercício das funções de comissário). 5. Por seu lado, os factos concretizadores conexionam-se antes com a ideia-base de que a matéria de facto alegada não ficou suficientemente preenchida através da alegação pela parte onerada de meros conceitos ou conclusões : só que as dificuldades práticas de distinguir, acção a acção, conforme o objecto litigioso e a pluralidade de entendimentos possíveis, o que são ainda realidades apreensíveis da vida social ou, pelo contrário, meras conclusões ou conceitos de direito, insuficientes para uma densificação mínima da factualidade alegada, conduziram exactamente a uma idêntica atenuação no funcionamento da regra da preclusão ( levando, por exemplo, a que o entendimento do juiz que preparou a audiência, admitindo que figurassem na base instrutória que então elaborou, conceitos como os de residência permanente, necessidade efectiva de habitação ou proveito comum do casal, quando derrogado pelo do juiz do julgamento, que entenda estarmos antes perante meros conceitos de direito ou conclusões, insusceptíveis de fundar as respostas à matéria de facto, conduza inelutavelmente ao naufrágio da acção, mesmo que no decurso da audiência final se tivesse provado suficientemente uma realidade factual que se tivesse provado suficientemente uma realidade factual que representasse densificação bastante de tais conceitos. 6. Quando os factos insertos em artigos aditados à BI -: (i) não complementam a factualidade vertida na base instrutória e (ii) não se podem entender como concretizadores do genérico (propostas de arrendamento) na medida respeitam a um lapso temporal (2008) posterior ao ali referido que, necessariamente, teria que ser anterior à propositura da acção - traduzem-se em factos autónomos e posteriores que careciam de ser articulados nos termos do art.506º do CPC – o que conduz ao necessário indeferimento da ampliação da base instrutória. I. 7. O estatuto da propriedade horizontal é fixado pela lei (o legislador fixa um conjunto de normas inderrogáveis pelos particulares), pelo título constitutivo da propriedade horizontal, pelo regulamento do condomínio e pelas deliberações da assembleia de condóminos, e é executado pelo administrador. 8. Num prédio constituído em propriedade horizontal a posição jurídica dos respectivos titulares não é a mesma que a dos proprietários de prédios que não estão sujeitos à propriedade horizontal. No prédio constituído em propriedade horizontal existem partes próprias e partes comuns. 9. Nas partes próprias, em propriedade horizontal, existem limitações ao poder de alterar o seu conteúdo e objecto. Na propriedade horizontal há um interesse relevante do colectivo dos titulares das fracções que se sobrepõe aos interesses individuais, manifestado num título constitutivo. O título constitutivo da propriedade horizontal estabelece as regras pelas quais se vão reger os diversos interesses, sujeitos a um regime próprio de relações, poderes e deveres, encargos e fruições de que gozam aqueles ( arts. 1420 e 1422 do CC). 10. Não está na disponibilidade de um ou de vários dos titulares das fracções, os condóminos, só por si, procederem à alteração do título de constituição desse tipo de propriedade, a menos que o título assim o tenha previsto desde o início, anteriormente à primeira alienação. (arts. 1419.º e 1422.º-A, n.º3). 11. Para que o título constitutivo seja alterado é necessário que o mesmo o permita, ou a assembleia de condóminos se pronuncie ,e aprove as alterações sem qualquer oposição, atenta a imperatividade do art.1419º C Civ. 12. São títulos constitutivos da propriedade horizontal: o negócio jurídico, a usucapião e ; a decisão ,administrativa ou judicial, proferida em acção de divisão da coisa comum ou em processo de inventário – art.1417º,n.º1, do C Civ com a redacção que lhe foi conferida pelo art.2º,n.º2, da Lei n.º 6/2006, de 27-02. 13. É pois no título constitutivo de propriedade horizontal que se menciona o fim a que se destina cada fracção. 14. E este fim não pode contrariar o constante do projecto de construção aprovado pelo município ,mantendo-se válida e actual da doutrina do Assento do STJ de 10-05-89. 15. O regulamento do condomínio é um conjunto de regras gerais e abstractas, destinado a disciplinar a acção dos condóminos no gozo e administração do edifício e, tal como o título constitutivo, vincula quer os condóminos, quer todos aqueles que exerçam ou venham a exercer poderes de facto sobre uma fracção autónoma, v.g., arrendatários, promitentes-compradores, comodatários. 16. Se constar do título constitutivo, e este for submetido a registo predial, passa a ser oponível a terceiros – artigos 2.º, n.º 1, alínea b), e 5.º, n.º 1, do CRP. Caso o título não tenha sido registado o regulamento pode ser invocado entre as próprias partes ou seus herdeiros – n.º 1, do artigo 4.º. 17. Acresce que, se a sanção para a desconformidade entre o fim estipulado no projecto ,aprovado pelo Município, e o vertido na constituição de propriedade horizontal é a nulidade ,a restrição ao fim da fracção efectuada pelo Regulamento de Condomínio também merece igual sorte. 18. Agem com abuso de direito os vendedores que aquando do acordo de venda os RR singulares sabiam que a A queria uma fracção sem restrições 19. E que, quando foi elaborado o regulamento de condomínio, sabiam que limitavam o direito da A ,tendo conhecimento da impossibilidade de instalar uma farmácia na fracção e considerando que já tinham o preço da fracção em seu poder. | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório I.A.- Antecedentes processuais A S.F., S.A. intentou a presente acção ordinária contra Condomínio do Prédio sito na R.,n.º… a …, em L…;L.C.; M.P.; P.P. e; R.C. pedindo que: i) Seja declarada a nulidade da cláusula 2.ª, n.º 2, do Regulamento de Condomínio do 1.° R; e, Cumulativamente,- ii) Sejam os RR condenados a pagarem-lhe uma indemnização correspondente aos montantes que deixou de auferir a título de renda, no valor de € 4.500/mês, e que se venceriam desde o mês de Outubro de 2005 até à declaração de nulidade da referida cláusula 2.ª, n.º 2 do Regulamento de Condomínio, acrescida dos respectivos juros de mora que se vencerem desde a data da citação até integral e efectivo pagamento; Em alternativa, iii) Caso o pedido referido em i) não proceda, devem os 2.ºs, 3.°s e 4.ª RR ser condenados a pagar à apelante uma indemnização no montante global de € 671.428,50,acrescida de juros de mora que se vencerem desde a citação até integral e efectivo pagamento da referida quantia; Alegou , em síntese, que : 1) Foi arrendatária da loja onde se situava a farmácia que identifica até 28 de Março de 2001, onde se manteve até ao final de Março de 2003; 2) Acordou, em 2001, com os então proprietários do imóvel onde a mesma se situava a venda da loja onde se encontrava instalada a referida farmácia; 3) A venda acordada era inexequível porque o prédio não estava constituído em propriedade horizonta; 4) Acordou então com os 2º e 3º RR, que estes outorgariam uma procuração irrevogável a favor e no interesse da autora, conferindo-lhe poderes para os representar e, em seu nome, vender a quem entendesse conveniente, incluindo a si própria, a fracção autónoma que viesse a corresponder à loja para que, quando fosse juridicamente possível, se procedesse à formalização da compra e venda; 5) Neste contexto pagou o preço convencionado (20.000.000$00) aos 2º e 3º RR que lhe conferiram a procuração referida em iv); 6) Devido à concentração de farmácias na zona e ao decréscimo do número de clientes, decidiu transferir a referida farmácia da loja do imóvel em questão, para O…, encontrando-se a loja do prédio da R… desocupada desde o dia 2 de Abril de 2003, mas na sua posse, pretendendo arrendá-la e tendo recebido propostas nesse sentido; 7) Descobriu que os 2ºs. e 3ºs RR tinham transmitido a propriedade da totalidade do prédio para a 4ª R, de que são os únicos sócios e gerentes impedindo, dessa forma, a e outorga da escritura pública de compra e venda da fracção correspondente á loja, pois, a procuração irrevogável que tinha em seu poder conferia-lhe poderes apenas para representar os 2ºs. e 3ºs.apelados , que já não eram seus proprietários; 8) Foi informada que o prédio se encontrava em regime de propriedade horizontal e com regulamento de condomínio aprovado tendo constatado, com espanto, que este continha uma cláusula, aprovada pela 4.ª R, então única proprietária do prédio, que estabelece que a fracção A, que corresponde à loja, apenas poderá ser usada para a exploração de farmácia; 9) Na data em que foi acordado o negócio não existia qualquer limitação de uso ou actividade e então encontrava-se já em curso o processo de transferência da farmácia, tendo os 2ºs. e 3ºs. RR conhecimento desse facto e, também, a 4.ª R ; 10) Deixou de ter uma farmácia para instalar na loja e o I. também não autoriza a instalação de farmácia pela grande concentração de farmácias na zona, sendo que, a limitação de uso impossibilita o arrendamento da fracção;--- 11) Manifestou o seu desagrado pela limitação de uso, e a mesma representa uma ilegal limitação do direito de propriedade;--- 12) Tendo já cumprido todas as obrigações para si emergentes do negócio celebrado com os 2.ºs. e 3ºs RR , não restou outra alternativa à autora senão outorgar a escritura de compra e venda da fracção, mas jamais desistiu de ver declarada nula a referida cláusula do regulamento de condomínio; 13) Na prática encontra-se impedida de dar qualquer destino à fracção 14) Ao contrário do título constitutivo da propriedade horizontal, o regulamento do condomínio apenas pode disciplinar o uso, fruição e conservação, não o fim de cada fracção autónoma devendo ser declarada nula a referida cláusula do regulamento de condomínio;--- 15) Caso se considere válida a cláusula sempre terá a autora de ser indemnizada pela desvalorização que a fracção sofreu fruto da limitação imposta ao seu fim, defraudando as expectativas que havia criado, o que os réus sabiam, tendo sido de má fé que fizeram aprovar a referida cláusula do regulamento de condomínio; e 16) A fracção livre da cláusula do regulamento de condomínio, que limita o seu destino, tem o valor de € 771.428,50 e, com a referida limitação, o seu valor não ultrapassa os € 100.000,00, devendo os apelados ser condenados a pagar a diferença (€ 671.428,50). Os RR contestaram dizendo em síntese que: i) A petição é inepta e verifica-se erro na espécie de acção. ii) Foi acordada a venda da fracção autónoma que viesse a corresponder ao r/c onde funcionava a farmácia pelo preço de Esc. 20.000.000$00,mas com a condição de denúncia dos arrendamentos do r/c e do 2º andar que a apelante detinha. iii) Foi logo convencionado, que o uso da fracção do r/c ficaria limitado à actividade de farmácia, o que foi aceite como condição indispensável à conclusão do negócio; iv) Houve obras no prédio e na farmácia que foram efectuadas de acordo com as especificações técnicas exigidas para esse tipo de estabelecimento; v) Na escritura de venda efectuada entre a 4ª R e a A não constam quaisquer reservas ou condições, sendo falsa e de má fé a alegação de que esta foi impedida ou perdeu o interesse na outorga da escritura de compra e venda da fracção, vi) Se assim fosse, não teria acete comprá-la sem quaisquer reservas, ou teria alegado erro-vício, o que não fez, vii) A A litiga de má fé, e deve ser condenada em multa e indemnização não inferior a € 8.750,00 a repartir entre os 1º a 4ºapelados. Foi ainda apresentada réplica, concluindo a A pela improcedência da excepção de ineptidão da petição inicial ou pela alteração do pedido – com supressão da expressão “em alternativa” na al. b) – e, pugnando pela improcedência das demais excepções e do pedido de condenação como litigante de má fé.--- Os RR arguiram ainda a nulidade da apresentação da réplica, pretensão a que a A se opôs. Foi proferido despacho a julgar parcialmente inadmissível a réplica, decisão de que foi interposto recurso que, contudo, foi declarado deserto.-- Posteriormente , foi proferido despacho de aperfeiçoamento da petição inicial, convite a que a A correspondeu, apresentando nova petição inicial [cujo resumo consta do início deste relatório]. Foi proferido despacho a dispensar a realização da audiência preliminar, a fixar o valor da causa e a proceder ao saneamento dos autos[ tendo sido julgada improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial e julgado verificado erro na forma de processo, determinando-se o prosseguimento do tipo de acção adequado], com selecção da matéria de facto então já assente e elaboração da base instrutória. Após a 2ªsessão da audiência de julgamento, A requereu a ampliação da base instrutória, com o aditamento de 4 artigos. Os RR responderam, opinando pelo indeferimento alegando que, sendo essenciais os factos constantes dos artigos a aditar, teriam de constar de articulado superveniente pelo que, o que não ocorreu. No decurso da 3ª sessão da audiência de julgamento, em 08/05/2012, foi deferida pretensão da A , e ampliada a base instrutória com a inserção dos art. 35º,36º, 37ºe 38º. Os RR recorreram do despacho em questão, recurso admitido como de agravo, com subida diferida, e efeito devolutivo. Julgada a causa foi proferido despacho de sustentação do agravo e, seguidamente, foi proferida sentença, cujo dispositivo é o seguinte:” Nestes termos e de acordo com o exposto e de harmonia com o disposto nos preceitos legais supra citados, julgo a presente acção, onde prosseguem como autora S.F., S.A. e como réus, CONDOMÍNIO DO PRÉDIO URBANO SITO NA R…, N.ºS. ... A .., EM L…, M.C., P.P., L.C., R.C. e H., LDA., parcialmente procedente e, em consequência, declaro nula a cláusula 2.ª, n.º 2 do Regulamento de Condomínio do 1.º réu.--- No mais, julgo a acção improcedente e, em consequência, absolvo os réus do demais peticionado pela autora.-“ Apelaram da sentença A e RR. I.B. Conclusões I.B.1.Agravo Agravantes (…). M) Ao não ter julgado em conformidade com as antecedentes conclusões, salvo o devido respeito, o douto despacho recorrido sofre de erro de julgamento e viola as sobre citadas disposições legais. Agravada 1) INADMISSIBILIDADE DO RECURSO 2) Inexistência de erro de julgamento; 3) Inexistência de violação do contraditório; 4) Tempestividade do requerimento de ampliação da base instrutória. I.B.2.Apelação da A Alegações (…) O. Termos em que deve a decisão Recorrida ser revogada na parte que indefere o pedido de indemnização formulado pela Recorrente na al. b) do seu petitório e substituída por outra que considere procedente, por provado, tal pedido e condene os Recorridos na restituição à Recorrente dos valores que esta deixou de auferir a título de renda, no montante de € 4.500/mês, que se venceriam desde o mês de Outubro de 2005 até à declaração de nulidade da referida cláusula 2.º,n.º2 do Regulamento de Condomínio (i. é até ao trânsito em julgado da Sentença), acrescida dos respectivos juros de mora que se vencerem desde a data da citação até integral e efectivo pagamento. Contra-alegações (…) V) Face a tudo o acima exposto, fica demonstrado que a alegação da recorrente é manifestamente infundada, e que litiga com o único propósito temerário de conseguir um enriquecimento ilícito às custas dos RR, pelo que pelo que deveria ter sido condenada como litigante de má fé, tal como peticionado pelos RR. I.B.3.Apelação dos RR Alegações (…). FF) Ao não julgar a acção de acordo com as antecedentes conclusões, salvo o devido respeito, a sentença recorrida violou as sobre citadas disposições legais. Contra-alegações 1) DO INCUMPRIMENTO DO ÓNUS QUE IMPENDIA SOBRE OS RECORRENTES PARA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO. 2) DA IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO 3) DA IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO I.C. Objecto dos recursos. Agravo- Viabilidade da ampliação da base instrutória, atenta a factualidade inserta na mesma . Apelação A –i) Reapreciação da matéria de facto; ii)- Verificação de prejuízo decorrente da nulidade da cláusula de regulamento de condomínio. Apelação RR- i)Interesse na apreciação do agravo ;ii) Reapreciação da matéria de facto ;iii) Validade da cláusula de regulamento de condomínio . II. Fundamentação II.A. Facto 1(…) II.B.Direito II.B.1. Agravo II.B.1.a .Questão prévia Entende a A que o recurso devia ser rejeitado porquanto ao caso em preço cabe reclamação, a ser incluída no recurso final , atento o disposto nos art.650,n.º5, e 511º,n.º2 e 3 ,CPC. Efectivamente o art.650º,n.º3, do CPC, estipula que “É aplicável às reclamações deduzidas quanto à ampliação da base instrutória, o disposto nos n.º 2 e 3 do art.511º”. Mas, o que está em causa não é a redacção dos artigos. E é quanto a este aspecto que a reclamação é permitida , o que resulta, com mediana clareza, do texto da lei quando se prevê que ”As partes podem reclamar contra a selecção da matéria de facto ,incluída na base instrutória ou considerada como assente, com fundamento em deficiência ,excesso ou obscuridade”. O modo de reacção dos RR (recurso de agravo) é pois o adequado. II.B.1.b.Factos Os constantes do relatório supra II.B.1.c. Direito O teor do despacho impugnado, na parte que releva, é o seguinte : “Salvo melhor juízo, a previsão do art.506º,n.º3, do CPC, não obsta a que as partes utilizem da faculdade também prevista na mesma lei mencionada no referido art.264ºdo CPC, desde que, como é óbvio, se verifiquem os respectivos pressupostos para o efeito. “Também , salvo melhor juízo, não preclude a possibilidade do uso da faculdade prevista no art.264º do CPC, a circunstância de os factos serem essenciais para a procedência da pretensão (ou de parte da pretensão) formulada pela A, pois, claramente, o n.º3 do referido art.264º,prescreve que a observação do ritualismo aí previsto se reporta aos factos essenciais e não aos instrumentais, sobre os quais respeita o n.º2 da mesma norma. “De igual modo, a circunstância de a autora ser uma das negociantes da proposta que se pretende quesitar e de , nessa medida os factos que se pretendem incluir na base instrutória serem do seu conhecimento, ou pessoal a si próprio, não é atendível por lei para a exclusão do uso da faculdade processual prevista no mencionado art.264º. “Considerando o depoimento da testemunha supra referida, o alegado pela autora na petição inicial, o vertido o art.5º da base instrutória e a circunstância de os factos a quesitar se reportarem a momento ulterior à entrada da referida petição, conjugado com o que resulta do disposto no art.663ºdo CPC, bem como do art.664º do mesmo código, e a pretensão ora formulada pela autora ,observado que foi o contraditório, são circunstancialismos que determinam a precedência do requerimento, determinando-se ao abrigo do disposto no art.264º,n.º3,e 65ºº,n.º2,al.ªf),a inclusão na base instrutória do seguintes artigos e respectiva numeração.” 35º) Entre 2005 e 2008 a A e o Banco S. mantiveram negociações tendentes à celebração de um contrato de arrendamento da fracção identificada na al.ª A) dos factos assentes? 36º) Que culminaram com a apresentação em 2008,por parte do referido Banco, de uma proposta de arrendamento da referida fracção ,contra o pagamento de uma renda mensal de €4.500,00 ? 37º)Não tendo o arrendamento sido celebrado atendendo à limitação do uso da fracção decorrente da cláusula 2.2 do regulamento de condomínio junto aos autos(despacho proferido em 18/06/2012-6ª sessão de julgamento) 38º)Mantendo-se o interesse do Banco em tomar a fracção de arrendamento nos mesmos termos e condições que em 2008? (inicialmente art.37º-despacho de 18/06/2012) Nos termos do art.264º,n.º3,do CPC “Serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório. “ Como diz Lebre de Freitas””….trata-se sempre de casos em que a causa de pedir ou excepção está individualizada, mediante alegação fáctica suficiente para o efeito(diverso é ocaso de ineptidão da petição inicial por falta total de factos que integrem a causa de pedir:art.193-2),mas não completa, mediante a alegação de todos os factos necessários à integração a previsão normativa. O que o n.º 3 permite é que, ainda na fase de instrução ou na discussão de facto da causa, a parte a que o facto em causa aproveita alegue, a convite do juiz ou não, os factos complementares que a prova produzida tenha patenteado, com consequente aditamento da base probatória e possibilidade de resposta e contraprova da parte contrária.” Os factos são acontecimentos envolventes de alteração ou mudança no curso das coisas ou das pessoas, no âmbito dos quais se incluem não só os acontecimentos do mundo exterior, como também os eventos do foro interno, designadamente a sua vontade real ou a sua intenção.[1] A regra, de harmonia com o princípio dispositivo, é a de que às partes incumbe afirmar os factos essenciais integrantes da causa de pedir e aqueles em que se baseiem as excepções (art. 264º, nº 1, CPC). A excepção à mencionada regra só ocorre, por um lado, em relação aos factos notórios e aos instrumentais que resultem da decisão da causa e, por outro, quanto aos factos essenciais complementares ou concretizadores de outros alegados e que resultem da instrução da causa, manifestada que seja pela parte interessada a vontade do seu aproveitamento e facultado à parte contrária o exercício do contraditório (art. 264º, nºs 2 e 3,CPC).[2] Como diz Lopes do Rego[3] “….perante a nova redacção dada ao art. 264º - carece o intérprete e aplicador do direito de operar uma distinção – dentro da referida categoria dos factos substantivamente relevantes – entre aqueles que integram o núcleo essencial da causa de pedir ou de certa excepção peremptória deduzida – e que efectivamente carecem de ser alegados em articulado formal, produzido espontaneamente ou na sequência das alargadas possibilidade de convite ao aperfeiçoamento da matéria de facto alegada por qualquer das partes, mesmo no âmbito da audiência preliminar – e os factos complementares ou concretizadores do referido núcleo essencial: é que, quanto a estes, mesmo que já se mostre ultrapassada a fase de saneamento e condensação – e, portanto, precludida a possibilidade de formulação de convite ao aperfeiçoamento – admite-se que , quando a factualidade que os integra vier a ser revelada ou fluir da prova produzida em julgamento, o tribunal os possa tomar em consideração na sentença, desde que se mostrem respeitados os princípios dispositivo e do contraditório. As realidades práticas que cada uma das categorias de factos circunstanciais previstos no nº3 do art. 264º pretende abarcar são diversas – embora traduzam sempre a mesma ideia de que um défice ou omissão de integral especificação ou concretização de uma realidade factual complexa não deve fazer, sem mais, funcionar uma regra de preclusão. Assim, os factos complementares serão aqueles que, na economia de uma fattispecie normativa complexa, desempenham claramente uma função secundária ou acessória relativamente ao núcleo essencial da causa de pedir ou da defesa – podendo, por exemplo, tratar-se de factos circunstanciais negativos ( susceptíveis de originar dúvida fundada sobre se ainda se trata de um elemento circunstancial constitutivo de uma causa petendi complexa ou, pelo contrário, de um facto impeditivo a alegar pela contraparte – sirva de exemplo , na acção de despejo para habitação própria do senhorio, a alegação de que este ainda não tinha utilizado a faculdade de denúncia) ou de factos que, na normalidade das situações da vida e segundo as regras de experiência, já fluem de outros ( estando, por isso, de algum modo implícitos na alegação dos primeiros – sirva de exemplo, em acção de responsabilidade civil extracontratual fundada numa relação comitente/comissário devidamente concretizada, a expressa alegação de que o facto danoso ocorreu no exercício das funções de comissário). Por seu lado, os factos concretizadores conexionam-se antes com a ideia-base de que a matéria de facto alegada não ficou suficientemente preenchida através da alegação pela parte onerada de meros conceitos ou conclusões : só que as dificuldades práticas de distinguir, acção a acção, conforme o objecto litigioso e a pluralidade de entendimentos possíveis, o que são ainda realidades apreensíveis da vida social ou, pelo contrário, meras conclusões ou conceitos de direito, insuficientes para uma densificação mínima da factualidade alegada, conduziram exactamente a uma idêntica atenuação no funcionamento da regra da preclusão ( levando, por exemplo, a que o entendimento do juiz que preparou a audiência, admitindo que figurassem na base instrutória que então elaborou, conceitos como os de residência permanente, necessidade efectiva de habitação ou proveito comum do casal, quando derrogado pelo do juiz do julgamento, que entenda estarmos antes perante meros conceitos de direito ou conclusões, insusceptíveis de fundar as respostas à matéria de facto, conduza inelutavelmente ao naufrágio da acção, mesmo que no decurso da audiência final se tivesse provado suficientemente uma realidade factual que se tivesse provado suficientemente uma realidade factual que representasse densificação bastante de tais conceitos. “ Também Teixeira de Sousa[4] refere que factos essenciais são aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da excepção e cuja falta determina a inviabilidade da acção ou da excepção; factos instrumentais, probatórios ou acessórios são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos; factos complementares ou concretizadores são aqueles cuja falta não constitui motivo de inviabilidade da acção ou da excepção, mas que participam de uma causa de pedir ou de uma excepção complexa e que por isso são indispensáveis à procedência dessa acção ou excepção Dizem os RR que os factos vertidos nos artigos aditados são “novos” pelo que a sua inclusão deveria ter sido requerida em sede de articulado superveniente. Os artigos em questão respeitam a factos que terão ocorrido já depois da propositura da acção (as negociações entre 2005 e 2008 e a proposta em 2008). No art.92º da petição foi alegado pela A que recebeu “diversas “propostas de arrendamento do espaço , nomeadamente pela sociedade “F.”. Este artigo foi transposto para o art. 5º da base instrutória cujo teor é o seguinte. “Tendo recebido propostas de arrendamento do referido espaço, tendo-lhe sido proposto pela sociedade “F.” o pagamento de uma renda mensal de €4.500,00,proposta que ainda se mantém?” Assim, a A alega como prejuízo do condicionamento do uso da fracção, a impossibilidade de arrendamento da mesma e exemplifica com uma proposta que terá recebido. Este artigo contém um facto genérico e um específico- relativo a uma entidade proponente. Como do mesmo resulta as propostas teriam que ser necessariamente anteriores à propositura da acção(11-10-2005) . Ora os factos insertos nos artigos aditados, e supra transcritos, não complementam a factualidade vertida no art.5º da base instrutória, porquanto nada falta ao mesmo. E também não se pode entender como concretizadores do genérico (propostas de arrendamento) na medida respeitam a um lapso temporal (2008)posterior ao ali referido que, necessariamente, teria que ser anterior à propositura da acção. Assim sendo, traduzem-se em factos autónomos e posteriores que careciam de ser articulados nos termos do art.506º do CPC, o que, manifestamente, não ocorreu. As conclusões dos agravantes procedem pois. II.B.1.d. Considerando o que se acaba de expor ,concede-se provimento ao agravo e revoga-se o despacho proferido na 3ª sessão de audiência de julgamento, ocorrida em 08/05/2012,com o consequente indeferimento de ampliação da base instrutória. Custas pela agravada. II.B.2- Apelações II.B.2.a- Impugnação da matéria de facto Impugnação da matéria de facto por parte da A A A impugna a respostas negativas dadas aos artigos n.º37 e 38º. No entanto, o conhecimento deste segmento da apelação encontra-se prejudicado , atento o provimento do agravo que, na prática, que eliminou estes artigos da base instrutória. Impugnação da matéria de facto por parte dos RR Cabe referir que, contrariamente ao sustentado pela A , os RR impugnam a decisão sobre a matéria com fundamento em :documentos; violação de normas injuntivas de direito processual e ;violação de normas de direito probatório material. E entendem que, consequentemente, devem ser consideradas não escritas ou não provadas as respostas impugnadas. Esta conduta processual integra a previsão do art. 690º-A,n.º1,al.ªa9 e b) do CPC, pelo que nada obsta à apreciação da pretensão que aqueles formularam. Por outro lado há que considerar que, na apreciação da matéria de facto, a regra geral é a liberdade de julgamento, que só cede perante a exigência de prova legal.-art.655º CPC No entanto, a Relação, no uso dos poderes que lhe são conferidos ao abrigo do art.712º do CPC, também forma a sua convicção, pelo que com os mesmos elementos pode decidir de forma diferente, assim assegurando um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto .[5] Os RR impugnam as respostas dadas aos seguinte blocos de artigos: i) 5º,35º e 36º;ii)8º,9º e 10º;iii)11º,15º e 19º;iv)17º e 19º. E referem que os concretos meios probatório que impõem decisão diversa são os seguintes: quanto ao artigo 5º da B.I. (artigo 36º do probatório da sentença): os documentos de fls. 85 e 454 dos autos, respectivamente fax enviado por P.P. oferecendo pagar €4.500,00 pela renda da fracção e, quadro de avaliação da CPU consultores quanto aos artigos 8.º), 9.º), 10.º) da B.I (artigo 31º do probatório da sentença): os documentos a fls. 562 a 564 e fls. 594-595 ( resposta do I.)a fls. 601-602 (resposta da CML), e plantas a fls. 603 e 605. quanto aos artigos 11.º), 15.º), 16.º), 17º e 19º da B.I. (artigos 40º e 9º do probatório da sentença): os documentos a fls. 330 (I.) , 445 a 463 (Avaliação da CPU consultores), 562 a 564 e 594-595(I.), e o relatório pericial de fls. 620 a 628. Analisados estes documentos , constata-se que consistem no seguinte : i) fl.85 fax ,com nome do proponente oferecendo determinado valor pela renda da fracção(4.500,00 €); ii) fl.445 a 463,relatório de avaliação de CPU Consultores que tem por objecto determina o valor das fracções do prédio ,incluindo aquela a que se reportam os autos, referindo para a renda mensal o valor de €5.519,00 e, para venda, o valor de €883.008,00; iii) fl.594/595 e 562 a 564, comunicações do I. , referindo, respectivamente, o cancelamento do alvará da farmácia da A e , possibilidades de instalação de nova farmácia na fracção dos autos -por transferência e por concurso- explicando, resumidamente ,como se processam ambas, sendo que no primeiro dos documentos e afirmado que “ ---considerando que o concelho de Lisboa dispõe de uma capitação inferior a 3.00 habitante por farmácia e a menos de 2km da R…,nº… a …,…, existem farmácias instaladas, não é possível a instalação de nova farmácia por esta via(concurso)”; iv) fl.601/602-ofício da Câmara Municipal de L… informando sobre as 6 farmácias instaladas num raio de 350 m contados do limite exterior da fracção dos autos . v) fl.620/628 peritagem colegial relativa ao valo de mercado da fracção ,com e sem restrições ao uso. Artigos 5º,35º e 36º No que respeita aos artigos 35º e 36º,remete-se para o a que se disse acerca dos artigos 37º e 38º ,aquando da apreciação do agravo. Assim cabe apenas apreciar a resposta dada ao art. 5º . O artigo em questão perguntava o seguinte: 5º)Tendo recebido propostas de arrendamento do referido espaço, tendo-lhe sido proposto pela sociedade F.” o pagamento de uma renda mensal de € 4.500,00, proposta que ainda se mantém? A resposta dada foi a seguinte : Provado que a autora recebeu propostas de arrendamento do local onde se situava a farmácia ,nomeadamente por parte de P.(em Agosto de 2005)e do Banco S.(tendo este banco mantido negociações com a autora nesse sentido entre 2005 e 2008),mediante o pagamento de uma renda mensal de €4.500,00 . Os RR pretendem - Não provado. O Mmº Juiz fundamentou a respostas dada com os depoimentos de H.T., J.C., J.S. e A.R. e, com os documentos de fl.85 e 454. No que respeita à parte relativa ao Banco S., remete-se para o que se disse a propósito do agravo, ou seja, atento o provimento do mesmo, os artigos 35º e 36º são eliminados, pelo que a segunda parte da resposta não carece de apreciação. Dizem os recorrentes que os documentos de fl. 85 e 454 impõe decisão diversa , para além da resposta constituir preterição de prova legal. Começando por esta última parte diz-se o seguinte. O artigo respeita a uma proposta , e não um contrato-promessa, ou contrato, não se perguntando se foi celebrado o contrato.. A proposta, enquanto primeiro passo da celebração de um contrato, que culmina com a respectiva aceitação, insere-se no âmbito das negociações preliminares, que podem assumir forma verbal, pelo que a prova testemunhal é admissível.[6] A entender-se como os RR, também haveria preterição de prova legal no facto n.º8 da sentença, quando se refere o acordo “verbal “ de venda da fracção, uma vez que ,à data, a compra e venda de imóveis só podia celebrar-se por escritura pública , o mesmo se aplicando ao contrato-promessa (art.410 º e 875º CIV,este último na redacção anterior ao DL n.º116/2008 ,de 04-07). Não existe assim qualquer preterição de prova legal. Dizem, ainda, os recorrentes, que a apreciação do Mmº Juiz viola os princípios da substanciação e do dispositivo ,porquanto deu como provado que a proposta de arrendamento foi formulada por P.P. . No entanto sem razão. A proposta de arrendamento encontra-se junta aos autos a fl. 85, sendo que o artigo em questão refere ”propostas”. A resposta dada precisou o que era indefinido. No tocante ao documento de fl.85 ,remete-se para o que já se disse supra. Quanto ao doc de fl. 454(quadro de avaliação), sendo o mesmo genérico, há que considerar que o MmºJuiz também referiu os depoimentos das testemunhas supra referidas-que os recorrentes nem sequer referem, sendo caso de aplicação do art.655º,n.º1, CPC Não existe fundamento para alterar o decidido quanto ao art .5º. A resposta é pois a seguinte Provado que a autora recebeu propostas de arrendamento do local onde se situava a farmácia ,nomeadamente por parte de P.P. (em Agosto de 2005)),mediante o pagamento de uma renda mensal de €4.500,00. Art.17º e 19º e Art.8º,9ºe 10º- fundamentação conjunta pelo MmºJuiz. O Mmº Juiz fundamentou a sua resposta com base no depoimento das testemunhas P.D., J.C., J.S., F.G., M.S. e B.T. , bem como no teor dos documentos de fls. 51 a 84, 562 a 564, 594-595, 601 a 603 e 605. Nos 17º e 19º ,perguntava-se o seguinte : 17º)Aquando da celebração do acordo referido em F), os RR. sabiam que a Loja em causa se poderia destinar à instalação de qualquer estabelecimento comercial e que era nesse pressuposto que a A. celebrava o referido acordo, cumprindo integralmente com as suas obrigações contratuais?--- 19º) Os referidos RR. estavam cientes que, com esta limitação, a referida fracção autónoma deixava de ter interesse para a A.? A resposta dada aos quatro artigos foi -Provado apenas que, aquando da celebração do acordo referido em F), os réus sabiam que a autora, ficando dona da fracção referida em A), poderia instalar qualquer estabelecimento comercial e que era nesse pressuposto que a autora celebrava o referido acordo, bem como, que, com a limitação referida em Q), a referida fracção deixava de ter interesse económico para a autora. Impugnam os RR o segmento da resposta a partir de “Com a limitação” que respeita ao conhecimento de desvalorização da fracção devido à restrição ao seu uso. Quanto a estes dois artigos invocam os RR a regras da “lógica” e “experiência “ pelo que , sem necessidade de mais considerandos se remete os mesmos para o disposto no art.655ºdo CPC “liberdade de julgamento”. O que aqui está em causa, é a sua divergência de convicção face ao decido pelo Mmº Juiz ,e essa circunstância não é, evidentemente, fundamento de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.. Nos 8º,9º e 10º,perguntava-se o seguinte: 8º)Era do pleno conhecimento dos 2.ss. e 3.s RR. e da 4.ª R., já que aqueles eram seus sócios gerentes, que a A. não pretendia, nem poderia instalar na loja do prédio referido em A, uma farmácia?--- 9º)…Pois, a A. deixara de ter uma farmácia para aí instalar e não é titular de qualquer estabelecimento de farmácia que possa instalar na fracção referida em A?--- 10º)…E o I. não autoriza a implantação de uma outra farmácia na referida Loja, atenta a grande concentração de farmácias na zona (cerca de 7 em 160 m2), bem como, a capitação de cada uma das farmácias do Concelho de Lisboa – inferior a 1 por 1000 habitantes?--- A resposta dada aos três artigos foi a seguinte :Provado apenas o que consta da resposta dada aos artigos 17º) e 19º) da base instrutória e que, aquando do referido em N) era do pleno conhecimento dos 2ºs, 3ºs e 4ª réus, já que aqueles eram seus sócios gerentes, que a autora já tinha concretizado a transferência da farmácia, como referido nas respostas dadas aos artigos 1º), 2º) e 3º) da base instrutória, sendo que, presentemente, atenta a grande concentração de farmácias na zona (cerca de 13 num raio de 500 metros contados dos limites exteriores da fracção autónoma sita na R…, n.º … a …, …, em L…, ou 6 num raio de 350 metros contados nos mesmos termos), bem como, a capitação de cada uma das farmácias do concelho de L… que é de 1638 habitantes por farmácia, a instalação de uma farmácia na fracção referida em A) não é autorizada pelo I. nessas condições. Os RR pretendem que seja eliminada a parte da resposta conjunta[ a partir de “sendo que”] que refere a impossibilidade de instalação da farmácia dizendo, uma vez mais, que foi preterida prova legal, porquanto a apreciação dos requisitos legais para a instalação e/ou transferência de localização de farmácias compete ao I.. Uma vez mais o RR alegam preterição de prova legal porquanto , em seu entender ,só o I. pode conceder licenças para instalação de farmácias, pelo que não é admissível qualquer o outro meio de prova para aferir da impossibilidade de licenciamento e , invocam ainda, errada apreciação e valoração da prova documental. No que respeita à preterição de prova legal diz-se o seguinte. O I. é , efectivamente, a entidade licenciadora [ art. 6º,n.º1, e 3 ,al.ªe) do DL n.º 495/99, de 18-11, (posteriormente DL n.º 269/2007 de 26-07, actualmente DL n.º46/2012, de 24-02], mas, nada impede que o tribunal interprete os requisitos de que depende a concessão da licença ou da transferência, pois ,sendo aquela entidade um Instituto Público(cfr. legislação supra ) as suas decisões são impugnáveis(cfr. art.2º da Lei n.º3/2004 de 15-01). Quanto à apreciação e valoração da documentação junta aos autos remete-se para o que se disse supra sobre a divergência de convicção, na medida em que o Mmº Juiz, ouviu testemunhas, apreciou e valorou documentos, e formou a sua convicção . –art.655º,n.º1, CPC. Finalmente no documento de fl.594/595 , o I. afirma que ,por concurso não é possível a instalação de nova farmácia na zona, sendo que quanto à transferência conjugado com o documento emitido pelo Município ,com o disposto no na Portaria n.º936-B/99 ,de 22-10(estabelece as regras e condições de instalação de novas farmácias, bem como as aplicáveis à transferência de farmácias, aplicável à data),conclui-se com mediana clareza como concluiu o MmºJuiz. Não se vislumbra pois fundamento para alterar o decidido. Art.11º,15º e 16º Perguntava-se nestes artigos o seguinte. 11º) …Não podendo a A. consiga transmitir o gozo do imóvel a terceiros para nele instalarem uma farmácia? 15º) A fracção A do prédio referido em A), com a afectação do seu uso para farmácia, tem o valor de € 100.000,00?--- 16º) …E sem tal afectação, tem o valor de € 771.428,50?--- A resposta dada aos 3 artigos foi a seguinte . Provado apenas que, a fracção A do prédio referido em A), com a afectação do seu uso para farmácia, não é comercializável para terceiros, não conseguindo a autora transmitir o gozo da mesma a terceiros para aí ser instalada uma farmácia, tendo tal fracção, sem tal afectação, o valor de € 783.000,00.--- Antes do mais há que alterar a resposta no que respeita ao valor da fracção porque exorbitando do perguntado[o valor inserto na resposta é superior ao valor constante da pergunta].[7] O Mmº Juiz fundamentou a resposta dada com os depoimentos de P.D., J.C. e F.G., e ainda, com os documentos de fl. 330, 445 a 463, 562 a 564, 594 e 595 ,e com o relatório de fl.620 a 628. Impugnam os RR a resposta no tocante à impossibilidade de transmissão da farmácia a terceiros, alegando preterição de prova legal e errada apreciação e valoração da prova documental. No que respeita ao primeiro dos fundamentos , reitera-se o que se disse supra. Altera-se a resposta , mas com o fundamento supra pelo que o valor será de €771.428,50.. No que respeita à reapreciação da matéria de facto ,suscitada pelos RR, altera-se apenas o valor da fracção inserto na resposta conjunta dada aos art.11º,15º e 16º, mantendo-se em tudo o mais. II.B.2.b -Validade da cláusula de regulamento de condomínio. Conformidade da cláusula com o art.1418º do C Civ. Na escritura de constituição de propriedade horizontal A cláusula de regulamento de condomínio estipula o seguinte: «a fracção A apenas poderá ser usada para exploração da actividade de farmácia», mencionado assim o fim a que se destina a fracção. Na sentença impugnada decidiu-se que a cláusula de regulamento de condomínio era nula porque “contrária à disciplina legal respeitante ao regulamento do condomínio (cfr. artigo 280.º, n.º 1 do Código Civil)”. O estatuto da propriedade horizontal é fixado pela lei (o legislador fixa um conjunto de normas inderrogáveis pelos particulares), pelo título constitutivo da propriedade horizontal, pelo regulamento do condomínio e pelas deliberações da assembleia de condóminos, e é executado pelo administrador. Num prédio constituído em propriedade horizontal a posição jurídica dos respectivos titulares não é a mesma que a dos proprietários de prédios que não estão sujeitos à propriedade horizontal. No prédio constituído em propriedade horizontal existem partes próprias e partes comuns. Nas partes próprias, em propriedade horizontal, existem limitações ao poder de alterar o seu conteúdo e objecto. a propriedade horizontal há um interesse relevante do colectivo dos titulares das fracções que se sobrepõe aos interesses individuais, manifestado num título constitutivo. O título constitutivo da propriedade horizontal estabelece as regras pelas quais se vão reger os diversos interesses, sujeitos a um regime próprio de relações, poderes e deveres, encargos e fruições de que gozam aqueles ( arts. 1420 e 1422 do CC)[8]. Não está na disponibilidade de um ou de vários dos titulares das fracções, os condóminos, só por si, procederem à alteração do título de constituição desse tipo de propriedade, a menos que o título assim o tenha previsto desde o início, anteriormente à primeira alienação. (arts. 1419.º e 1422.º-A, n.º3). Para que o título constitutivo seja alterado é necessário que o mesmo o permita, ou a assembleia de condóminos se pronuncie ,e aprove as alterações sem qualquer oposição, atenta a imperatividade do art.1419º C Civ. São títulos constitutivos da propriedade horizontal : o negócio jurídico, a usucapião e ; a decisão ,administrativa ou judicial, proferida em acção de divisão da coisa comum ou em processo de inventário – art.1417º,n.º1, do C Civ com a redacção que lhe foi conferida pelo art.2º,n.º2, da Lei n.º 6/2006, de 27-02. O título constitutivo é um acto modelador do estatuto da propriedade horizontal e o seu conteúdo tem natureza real e, portanto, eficácia erga omnes , vinculando, desde que registado, os futuros adquirentes das fracções, independentemente do seu assentimento. Trata-se de um dos poucos casos em que a autonomia da vontade pode intervir na fixação do conteúdo dos direitos reais, o qual, nesta medida, deixa de ser um conteúdo típico. [9] Estipula o artigo 1418.º do Código Civil que «1 - No título constitutivo serão especificados as partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio. 2 - Além das especificações constantes do número anterior, o título constitutivo pode conter, designadamente: a) Menção do fim a que se destina cada fracção ou parte comum;--- b) Regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das fracções autónomas;--- c) Previsão do compromisso arbitral para a resolução dos litígios emergentes da relação de condomínio. 3 - A falta da especificação exigida pelo n.º 1 e a não coincidência entre o fim referido na alínea a) do n.º 2 e o que foi fixado no projecto aprovado pela entidade pública competente determinam a nulidade do título constitutivo». “ O título constitutivo de um regime de propriedade horizontal não pode violar disposições legais imperativas. Mas, no seu domínio de aplicação, é o elemento normativo com força superior, não podendo ser contrariado por qualquer regulação inferior, seja por um regulamento do condomínio, seja por uma deliberação da assembleia de condóminos ou por um acto do administrador.”[10] E ,ainda que impondo limitações aos proprietários ,visa salvaguardar interesse de ordem pública tais como as condições de salubridade, estética e segurança dos edifícios e ainda condições estéticas urbanísticas e ambientais.[11] É pois no título constitutivo de propriedade horizontal que se menciona o fim a que se destina cada fracção. E este fim não pode contrariar o constante do projecto de construção aprovado pelo município ,mantendo-se válida e actual da doutrina do Assento do STJ de 10-05-89.[12].[13] Nos termos do título constitutivo da propriedade horizontal do imóvel, a fracção A destina-se a “uso terciário facto n.º26 E está licenciada para comércio.- facto n.º35 No que respeita ao regulamento de condomínio ,destina-se o mesmo a disciplinar a acção dos condóminos no gozo e administração do edifício. O regulamento de condomínio está previsto no supra citado art.1418º do C Civ e ,ainda, no art.1429º-A ,do mesmo normativo, de acordo com o qual “1 - Havendo mais de quatro condóminos e caso não faça parte do título constitutivo, deve ser elaborado um regulamento do condomínio disciplinando o uso, a fruição e a conservação das partes comuns. 2 - Sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 1418.º, a feitura do regulamento compete à assembleia de condóminos ou ao administrador, se aquela o não houver elaborado.” O regulamento do condomínio é um conjunto de regras gerais e abstractas, destinado a disciplinar a acção dos condóminos no gozo e administração do edifício e, tal como o título constitutivo, vincula quer os condóminos, quer todos aqueles que exerçam ou venham a exercer poderes de facto sobre uma fracção autónoma, v.g., arrendatários, promitentes-compradores, comodatários. Se constar do título constitutivo, e este for submetido a registo predial, passa a ser oponível a terceiros – artigos 2.º, n.º 1, alínea b), e 5.º, n.º 1, do CRP. Caso o título não tenha sido registado o regulamento pode ser invocado entre as próprias partes ou seus herdeiros – n.º 1, do artigo 4.º.[14]” No regulamento de condomínio, como já se referiu supra, a fracção “ apenas poderá ser usada para exploração da actividade de farmácia.” Alegam os RR que o n.º2 do art.1418º do C Civ não tem carácter imperativo pelo que nada impede que no regulamento de condomínio se possa disciplinar o uso a fruição e a conservação , quer das partes comuns , quer das fracções autónomas . Ora respeitando este preceito ao título constitutivo da propriedade horizontal , há que discordar. Com efeito é o título constitutivo que se define o fim a que se destina a fracção. E este fim não se confunde com o “uso ,fruição e conservação”” a que se refere o n.º2,al.ªb) do citado art.1418º,que respeita ao modo como é exercido o direito ,dentro do “fim” qeu é atribuído na escritura de propriedade horizontal. Sandar Passinhas exemplifica[15]..” o regulamento inserido no título constitutivo pode estabelecer a proibição da colocação de vasos de flores nas varandas, da secagem da roupa em determinados dias ou em determinadas partes do edifício…”. Assim , não estando em causa o destino da fracção .-habitação- pode o mesmo ser disciplinado dentro de determinadas condicionantes . No caso dos autos a fracção está destinada a uso terciário [” compreende as áreas afectas a comércio e serviços, com exclusão das áreas afectas a uso logístico.- art. 4º al.ªC) PDM Lisboa-PDML[16]] Como se disse na sentença impugnada “..É que, mesmo quando conste do título constitutivo da propriedade horizontal (ou seja, nos casos aludidos no artigo 1418.º do Código Civil), o regulamento do condomínio não pode, sob pena de transmutar a sua natureza e função, dispor sobre o fim a que se destina cada fracção autónoma.--- Na realidade, a regulamentação de uso não pode ser efectuada de tal forma que colida com a própria destinação da fracção, pois, de outra forma, a regulamentação de uso, fruição e conservação transmutar-se-ia em estatuição sobre elementos definidores do próprio conteúdo do direito de propriedade da fracção, designadamente, os atinentes ao seu destino.--- Note-se que, aliás, esta é uma distinção expressamente consagrada na lei, no aludido artigo 1418.º do Código Civil. Só assim se compreende que na alínea a) do n.º 2 se preveja que o título constitutivo mencione «o fim a que se destina cada fracção» e, na alínea b) do mesmo normativo, se estatua que o regulamento (contido no título) possa disciplinar, não sobre o fim ou destinação da fracção, mas sobre o seu uso, fruição ou conservação (claro está, de forma não incompatível com tal definição de destino). Não compete pois ao regulamento de condomínio estipular o FIM a que a fracção se destina, ainda que este regulamento esteja contido na escritura pública de constituição da propriedade horizontal [como entendem os RR ]. São normativos totalmente diferentes. Acresce que, se a sanção para a desconformidade entre o fim estipulado no projecto ,aprovado pelo Município, e o vertido na constituição de propriedade horizontal é a nulidade ,a restrição ao fim da fracção efectuada pelo Regulamento de Condomínio também merece igual sorte. Argumentam os RR com a “classificação “ da Farmácia no PDML. Efectivamente ,no PDML, a fracção em questão está classificada[17] como “Bem imóvel de interesse municipal”. Mas tal classificação significa .apenas, que “— Não poderá realizar -se qualquer intervenção ou obra, no interior ou no exterior de monumentos, conjuntos ou sítios classificados como de interesse nacional ou de interesse público, ou em vias de classificação como tal, nem mudança de uso susceptível de os afectar, no todo ou em parte, sem autorização expressa e o acompanhamento do órgão competente da administração central “ Art. 26º,n.º 5 “do PDML A cláusula em apreço é pois nula.-art.280º,n.º1, C Civ Improcedem pois as conclusões dos recorrentes nesta parte. Abuso de direito A sentença impugnada refere ainda como causa de nulidade da cláusula o abuso de direito . por «desequilíbrio no exercício» da actuação dos réus, aquando da elaboração do regulamento do condomínio uma vez que a R sociedade” ao elaborar o regulamento de condomínio, enquanto única dona do prédio, actuou de forma materialmente desconforme com o regime jurídico que regula o instituto da propriedade horizontal e do próprio direito de propriedade da actual autora, sabendo que afectaria, ilegitimamente, «comprimindo-o» de forma intolerável.-“ Refutam os RR a existência de abuso de direito. Ora os factos essenciais são os seguintes A A era arrendatária dos RR.-n.º1 Decidiu transferir a farmácia para O…, atenta a diminuição de receita.-n.º6 Em 2000, o I. autorizou a transferência da farmácia.-n.º7 Em 2001,acordou ,verbalmente, com os RR ,a compra da fracção.-n.º8 Os RR (singulares )sabiam que a A só estava interessada na compra para ali instalar qualquer estabelecimento comercial.-n.º9 E outorgaram procuração irrevogável a favor ,e no interesse, da A , conferindo-lhe plenos poderes para os representar e, em seu nome, vender a quem entendesse conveniente, incluindo a si própria, a fracção autónoma que viesse a corresponder à loja onde funcionava a Farmácia.-n.º14 A procuração foi outorgada e a A “pagou” o preço acordado.-n.º16 e 17 Em 07/11/200 os RR singulares venderam a totalidade do prédio à R sociedade.- n.º18. Em 05/08/2003 ,efectuou-se escritura de constituição de propriedade horizontal , contendo a mesma o regulamento de condomínio, que não teve qualquer participação da A .-n.º25 e30 Aquando deste acto, os RR sabiam que a A já tinha transferido a farmácia para O… e que ,atento o circunstancialismo existente, o I. não autorizava a instalação de uma farmácia na fracção. –n.º31 No mês seguinte à escritura a R sociedade, fez entregar à A cópia do regulamento de condomínio e ,esta manifestou o seu desagrado.-n.º29 A escritura de compra e venda da farmácia foi outorgada em Outubro de 2005.-n.º33 Preceitua o art. 334º do Código Civil que «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito “ Como se constata , a actuação dos RR excede os limites impostos pela boa-fé. Refere Almeida Costa[18] o seguinte: «Como se verifica, o nosso legislador aceitou a concepção objectiva do abuso de direito. Não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito exercido. Basta que na realidade esse acto se mostre contrário. Exige-se, todavia, um abuso nítido: o titular do direito deve ter excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício. A lei refere-se ao exercício de direitos - o caso paradigmático de actuação do instituto. A sua letra,portanto, não abrange imediatamente quaisquer hipóteses de inércia ou omissão de exercício que possam também considerar-se abusivas. Mas parece que isso não deve constituir obstáculo insuperável, contanto que se encontrem soluções do segundo tipo clamorosamente ofensivas da boa fé, dos bons costumes ou do fim social e económico do direito (...)» Menezes Cordeiro [19] citado na sentença impugnada ,refere vários tipos que consubstanciam abuso de direito: A exceptio doli (que permitia no Direito Romano deter uma posição jurídica do adversário, num caso, invocando o defendente a prática, pelo autor, de dolo no momento da formação da situação jurídica levada a juízo e, noutro, contrapondo o defendente o incurso do autor em dolo no próprio momento da discussão da causa); - O venire contra factum proprium (ablação do brocardo latino “venire contra factum proprium nulli concidetur”, significando, que a ninguém é permitido agir contra o seu próprio acto, expressando a reprovação social e moral que recai sobre aquele que assume comportamentos contraditórios); - As inalegabilidades formais (consistente na alegação, em contradição com a boa fé, de nulidade derivada da inobservância da forma prescrita por lei para certos negócios); - A supressio (posição jurídica que não tendo sido exercida durante certo tempo, não mais o pode ser, pois, tal exercício atenta contra a boa fé) e a surrectio (caso em que uma pessoa vê surgir na sua esfera jurídica, por força da boa fé, uma possibilidade que, de outro modo, não lhe assistiria); - O tu quoque (expressão que visa cobrir os casos em que aquele que viole uma norma jurídica não pode tirar partida do violação exigindo, a outrem, o acatamento das consequências daí resultantes); e- - O desequilíbrio no exercício (ou seja, aquelas situações em que ocorre desequilíbrio no exercício de várias posições jurídicas, nos diversos casos em que tal desequilíbrio se pode manifestar: a) exercício danoso inútil;b) dolo agit qui petita quod statim redditurus est(significando que -é contrario à boa-fé exigir aquilo que depois se deve restituir); e; c) a desproporcionalidade). Cabe então referir o seguinte Como consta dos facto supra referidos aquando do acordo de venda os RR singulares sabiam que a A queria uma fracção sem restrições. E quando foi elaborado o regulamento de condomínio os RR sabiam que limitavam o direito da A ,tendo conhecimento da transferência para O… e da impossibilidade de instalar uma farmácia na fracção entretanto devoluta. E já tinham o preço da fracção m seu poder. Argumentam os RR com a classificação da fracção nos termos do PDML- remete-se para o que se disse supra. Acresce que a classificação não é impeditiva da mudança de uso, como refere o art.30º do PDML”, Nos imóveis e conjuntos arquitectónicos da Carta Municipal do Património é admitida a mudança de uso desde que não comprometa a manutenção das respectivas características urbanas e paisagísticas, históricas, construtivas, arquitectónicas e decorativas.”(cfr, ainda rt.60º,n.º5 do PDML) . Argumentam ainda com a desproporcionalidade do preço pago com o valor da fracção “desimpedida”, invocando que a haver prejuízo será seu . Há que lembrar a actualidade do relatório de avaliação(Novembro de 2010) e a data em que o negócio foi firmado(2001),ou seja a fracção valorizou-se, em 9 anos. Mas são as leis do mercado. Não se vê a desproporção do lado dos RR. Na prática ,a A comprou aos RR uma fracção que estes sabiam que a mesma não poderia usar. É manifesto o desequilíbrio, sendo evidente o abuso de direito. A sanção também é evidente -a nulidade da cláusula.[20] Improcedem pois as conclusões dos RR na totalidade e improcede a sua apelação.. II.B.2.c- Indemnização Finalmente resta apreciar a apelação da A relativamente à improcedência do seu pedido de indemnização . Peticionava a A[sendo procedente o pedido de nulidade da cláusula de condomínio] que os RR fosse condenados a“ pagarem-lhe lhe uma indemnização correspondente aos montantes que deixou de auferir a título de renda, no valor de € 4.500/mês, e que se venceriam desde o mês de Outubro de 2005 até à declaração de nulidade da referida cláusula 2.ª, n.º 2 do Regulamento de Condomínio” Entendeu a sentença impugnada que na ocasião em que prosseguiu as negociações de arrendamento já tinha conhecimento das limitações impostas ao uso da fracção pelo regulamento de condomínio, não sendo assim aos RR a frustração de quaisquer negócios . Está-se no domínio da responsabilidade extracontratual ou aquiliana. Preconiza o art. 483º do C Civ que «1 - Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2 – Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei». São pressupostos, da obrigação de indemnizar , no âmbito da responsabilidade por factos ilícitos, os seguintes[21]: a) Um facto (comportamento ou forma de conduta humana, que se pode traduzir numa acção ou omissão); b) A ilicitude desse facto (ou sua antijuridicidade, sob a forma de violação de um direito subjectivo de outrem ou de violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios, sem que existam causas exclusão ou de justificação para tal);--- c) A imputação culposa do facto ao lesante (censurabilidade da conduta do agente pelo direito, que pode assumir a forma de dolo ou de negligência);--- d) O dano ou prejuízo e) O nexo de causalidade entre o facto e o dano (sendo indemnizáveis todos os danos - mas só esses - causados pela acção ou omissão do agente). Estipula o art.487º C Civ que” É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão.” Está assente que a cláusula de regulamento de condomínio é nula por abuso de direito. A consequência foi a nulidade da mesma. Provou-se que a A recebeu uma proposta de arrendamento por parte de P.P. . Mas aquando da negociação A estava ciente do condicionamento imposto pelo regulamento de condomínio, sendo que não se provou que a proposta permanecesse. Não se vê assim o dano causado, sendo que a existir , a A teria contribuído para a sua produção ,oque acarreta a redução/ exclusão da indemnização. (cfr.art.570ºC Civ). Improcede pois a apelação da A. III.Decisão Considerando o que se acaba de expor, i) Concede-se provimento ao agravo, e revogando-se o despacho que ampliou a base instrutória no decurso da discussão da causa, considera-se “não escritos” os quesitos 35º a 38º. : ii) Julga-se improcedentes ambas as apelações ,confirmando-se a sentença impugnada. Custas do agravo pela A. Custas das apelações pelos apelantes. Lisboa, 25 de Junho de 2013 Teresa de Sousa Henriques Isabel Maria Bras da Fonseca Eurico José Marques dos Reis [1] Alberto dos Reis ,CPC Anot,III vol,206 /207. [2] Ac STJ de 22/06/2005,proc n.º05B1933(Salvador da Costa); [3] Ac STJ de 24/04/2013,proc n.º403/08.2TBFAF.G1.S1 [4] M. Teixeira de Sousa, "Estudos Sobre o Novo Processo", Lex ,2a ed., p. 70 [5] AC. STJ de 19-03-2009, proc n.º 08B3745 (Santos Bernardino),; de 18-06-2009,proc n.º 08B2998(Maria dos Prazeres Beleza) de 03.02.2011 , proc n.º 29/04.0TBBRSD.P1.S1( Maria dos Prazeres Beleza);24.05.2011, proc n.º376/2002.E1.S1(Garcia Calejo) , disponíveis in www.dgsi.pt [6] Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, Almedina, 12ª edição, pág. 299, Inocêncio Galvão Telles, in Direito das Obrigações, Coimbra, 7ª edição, reimpressão, pág. 69. [7] Ac STJ de 06-12-2012,proc n.º 871/06.7TBPMS.C1(Ana Paula Boularot) [8]Oliveira Ascensão, in Direitos Reais, Coimbra,1971, / 498. [9] Henrique Mesquita; A propriedade Horizontal no Código Civil Português, RDES, ano XXIII, n.º 1-4 (1976) pp. 94 e ss [10] Sandra Passinhas Os Animais e o Regime Português da Propriedade Horizontal”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 66.º, Setembro de 2006, t. II, p. 843 e 844” , disponível in www.oa.pt . [11] Ac TCn.º44/99, de19/01/1999,DR II,de 05.08.199, citado por Aragão Seia in “Propriedade Horizontal,Condóminos e Condomínios”, Almedina,”2 ªEd,/55. [12] in DR.I,n.º161, de 15/07/1989,pg 2.814 [13] Ac STJ de 27/02/2003,proc n.º03B2355(Ferreira de Almeida) [14] Aragão Seia , ob cit/49 e seg e Abílio Neto, “Manual da Propriedade Horizontal”, Ediforum ,3.ª Edição, / 83 [15] Ob e loc cit [16] Aprovado pela Deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa n.º 46/AML/2012, de 24 de Julho de 2012,publicada no DR ,II, n.º168 de 30-08-2012 [17] Anexo III,DR cit,pg.30.351 [18] Direito das Obrigações ;Almedina 3ª Ed., 1980, I,p. 436) [19] Tratado de Direito Civil Português; Vol. I, Almedina, 2007, pp. 399 a 419 [20] Ac STJ de 12/11/2009 ,proc.n.º5242/06.2TVLSB.S1(Helder Roque) [21] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”,3ª ed, Almedina,1980, I,746/810 | ||
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Decisão Texto Integral: |