Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15/24.3YHLSB.L1-PICRS
Relator: BERNARDINO TAVARES
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
MARCA
IMITAÇÃO
CONCORRÊNCIA DESLEAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - A matéria relativa às marcas é regulada pelo CPI, pelo que, nos termos do artigo 232.º, n.º 1, al. b), do referido diploma legal, a marca registanda confrontada com a existência de uma marca prioritária que se reporta aos mesmos produtos e serviços, com semelhanças gráficas e fonéticas suscetíveis de confundir o consumidor quanto às marcas, ou à proveniência dos produtos, deve ser recusado o registo da marca;
- Deve igualmente ser recusado o registo da marca quando, disputando as partes a mesma clientela, se apura existir uma intenção “tóxica” de deslealdade comercial por parte do requerente ou quando este possa ocorrer objetivamente, conforme decorre dos artigos 232.º, n.º 1, al. h), e 311.º do CPI.     
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - Relatório
Partilha Indiscutível, Lda, intentou recurso, ao abrigo do disposto nos artigos 38.º e seguintes do Código da Propriedade Industrial, do despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), de 8 de novembro de 2023, que indeferiu o pedido de registo da marca nacional n.º 703427 HUGO DRINKS.
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Cumprido o disposto no artigo 42.º do Código da Propriedade Industrial, o INPI remeteu o processo administrativo.
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O Tribunal da Propriedade Intelectual proferiu a seguinte decisão:
“Por todo o exposto, julgo totalmente improcedente o recurso interposto por PARTILHA INDISCUTÍVEL, LDA e em consequência mantenho o despacho recorrido que recusou o registo da marca nacional nº 703027 “HUGO DRINKS” para todos os produtos e serviços assinalados nas classes 32, 33 e 43 da Classificação Internacional de Nice.”
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A Recorrente, inconformada com tal decisão, veio interpor recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:
“I. Não restam dúvidas que de que os produtos ora assinalados, e os produtos e serviços
da recorrente, tratam-se de produtos e serviços totalmente distintos, não sendo complementares, nem concorrentes entre si, tendo naturezas e finalidades sem qualquer tipo de conexão (considerando, nomeadamente, a atividade da recorrente).
II. A lista de serviços assinalados pelas marcas recorridas, é demasiado geral e pode alocar demasiadas variáveis, não revelando, por si só, a natureza e as características comerciais dos serviços abrangidos, tais como o respetivo destino, o método de utilização, o público destinatário relevante, os canais de distribuição, o setor de mercado pertinente ou a origem comercial habitual ou mesmo os produtos com os quais se relacionam.
III. Quanto á questão da alocação da marca de prestígio ao abrigo do artigo 235º do C.P.I. não basta a mera invocação, como é o caso sub judice.
IV. Sendo exigível que outrem “procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio” dessa marca (o que sucede, por exemplo, se o consumidor puder atribuir os produtos ou serviços à mesma origem empresarial ou a entidade com alguma relação entre si), “ou possa prejudicá-los” (nomeadamente, através da diluição da singularidade e do valor da marca que o uso de sinal igual o semelhante em produtos ou serviços não afins também pode acarretar).
V. Face à natureza dos produtos e serviços em relação aos quais a marca anterior goza prestígio, a marca registanda nunca iria colocar em crise o espírito da outra marca.
VI. Até por maioria de razão não se encontram preenchidos os pressupostos para efeitos de concorrência desleal não sendo aqui aplicável o disposto no artigo 232º/1 h) do C.P.I.
VII. Afigura-se que se não se encontram preenchidos todos os requisitos para a existência de imitação de direitos anteriores, nem tão pouco para a aplicação dos regimes da marca notória ou da marca de prestígio.
VIII. Inclusive a nível de grafismo é evidente que existe uma clara diferença entre as marcas que se apresenta como considerável e objetivamente distinta para quem nem sequer exista confusão.
IX. Uma das marcas prioritárias atua no ramo da moda não existindo qualquer tipo de ligação.
X. Ao invés a marca registanda pretende atuar no mercado do sector das bebidas
XI. Esta situação ocorre quando o sinal apesar de ter um mínimo de capacidade distintiva, é na verdade, constituído quase em exclusivo por elementos de uso comum ou trivial ou de uso muito vulgarizado.
XII. Perante esta factualidade o registo da marca é considerado como válido, mas o âmbito da proteção é mais reduzido.
XIII. Conforme refere o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-04-2020 “A distintividade da marca, como resulta do que acima se expôs, não pode ser determinada em abstracto, antes tendo de ser apreciada em relação aos produtos e serviços que se destina assinalar.”
XIV. Estamos perante uma marca nominativa a qual é composto pelo nome de uma pessoa em conjugação com a expressão Drinks
XV. O mero facto de um dos nomes em termos nominativos ser idêntico só por si não faz prova plena de risco de confundibilidade, imitação,
XVI. E teremos igualmente ainda de acautelar o princípio da igualdade entre os concorrentes.
XVII. Conforme salienta o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-12-2017 Tais palavras ou expressões podem integrar qualquer marca mas esta não pode ser concedida em exclusivo a quem quer que seja, já que ninguém pode ficar com o seu monopólio sob pena de se desvirtuarem as regras da concorrência. Tratando-se, portanto, duma marca débil ou fraca, constituída por uma expressão integrante da linguagem ou património comum, diversamente do que ocorreria se se tratasse duma marca forte (em que apenas uma diferença relevante poderia afastar o juízo de imitação), uma simples alteração morfológica do nome do produto/serviço ou a mera adição dum elemento figurativo minimamente expressivo pode ser bastante para afastar o juízo de confusão”
XVIII. Pelo que, se não se encontra em momento algum preenchido os fundamentos de recusa elencados mormente o estatuído no artigo 232º/1 b) do C.P.I.
XIX. Em matéria de concorrência não estamos perante qualquer tipo de prática pela exponente de um comportamento desonesto.
XX. A marca que se pretende registar não é suscetível de poder ser confundida ou associado às marcas da recorrida
XXI. Devendo, por conseguinte, ser permitido o registo da marca nacional nº 703427 XXII. Considera-se que um consumidor minimamente atento consiga fazer a diferenciação sem recorrer a um exame profundo ou confronto de tal forma complexo que impeça de alcançar as diferenças.
XXIII. Pelo que, se não se encontra em momento algum preenchido os fundamentos de recusa elencados mormente o estatuído no artigo 232º/1 b) do C.P.I.
XXIV. Por outro lado, o titular da marca a registar não irá tirar qualquer proveito no âmbito da sua atividade
XXV. Nem será associado ao registo
XXVI. Não se encontrando preenchidos os requisitos previstos no artigo 238/1 e 232º/1 b) e h) e 235º, 238 do C.P.I.
XXVII. Face ao exposto a decisão proferido pelo Tribunal ad Quo viola os artigos 235 e 238º/C do Código da Propriedade Industrial.
XXVIII. Devendo, por conseguinte, ser permitido o registo da marca nacional nº 703427.
XXIX. Inclusive foi concedido recentemente o registo da marca nacional nº703841 na marca Hugo Paints em que as recorridas eram as mesmas entidades.
XXX. Não tendo existindo qualquer impedimento por parte da entidade administrativa.”
Tendo concluído que:
“TERMOS EM QUE e noutros que VV. Exas. suprirão, concedendo-se a apelação e revogando-se a decisão revidenda, substituindo-se por outra que admitir o registo da marca nacional nº703427, far-se-á JUSTIÇA.”
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Hugo Boss Trademark Management GMBH & CO. KG respondeu ao recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I. Em 03.04.2023, a Apelante apresentou o pedido de registo de marca nacional n.º 703427 HUGODRINKS junto Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), destinado a assinalar produtos e serviços nas classes 32, 33 e 43 da Classificação Internacional de Nice.
II. Julgando-se prejudicada com a apresentação daquele pedido de registo, em 10.07.2023, a Apelada deduziu reclamação com fundamento no prestígio e na imitação e risco de confusão dos seus registos prioritários das marcas, designadamente a Marca da União Europeia n.º 49254 HUGO BOSS, a Marca da União Europeia n.º 18246370 HUGO, e a Marca da União Europeia n.º 49262 BOSS HUGO BOSS, para assinalar produtos e serviços nas classes 25, 32, 33 e 43 da Classificação Internacional de Nice.
III. Em08.11.2023, o INPI considerou totalmente procedente aquela reclamação e recusou o registo da marca nacional n.º 703427 HUGO DRINKS à Apelante.
IV. Por discordar daquela decisão, em 09.01.2024, a Apelante interpôs recurso para o Tribunal da Propriedade Industrial (TPI) que, por sentença datada de 09.10.2024, julgou o recurso totalmente improcedente, e confirmou o despacho recorrido que recusou o registo da marca nacional n.º 703427 HUGO DRINKS à Apelante.
V. Não se conformando com aquela sentença do TPI, a Apelante veio interpor o presente Recurso de Apelação, não lhe assistindo porém qualquer razão, pois a sentença recorrida não merece censura, e procedeu a uma correta e fundamentada comparação das marcas em confronto e, bem assim, a uma exemplar análise e aplicação do conceito legal de imitação de marca, bem como do regime aplicável às marcas de prestígio, previstos nos artigos 238.º e 235.º do CPI, respetivamente.
VI. Começa a Apelante por alegar que o despacho que recusou o pedido de registo da marca nacional n.º 703427 HUGO DRINKS deveria ter sido revogado pelo Tribunal a quo e, consequentemente, ter-lhe sido concedido o registo dessa marca.
VII. Em suma, a Apelante defende que não se encontra preenchido o conceito de imitação constante do artigo “245.º” do CPI, tese que sustenta com base nos mesmíssimos argumentos elencados nas instâncias inferiores, invocando novamente normas legais já revogadas e litigando com pouca seriedade.
VIII. Ao contrário do que sustenta a Apelante, é evidente que sentença recorrida não merece qualquer censura ao ter concluído pela verificação do conceito legal de imitação de marca contemplado no artigo 238.º do CPI.
IX. A verificação do primeiro requisito do conceito legal de imitação de marca não é contestada pela Apelante, sendo assente que os registos das Marcas da União Europeia n.º 49254 HUGO BOSS, n.º 18246370 HUGO e n.º 49262 BOSS HUGO BOSS da Apelada, invocados na reclamação, são prioritários face ao pedido de registo da marca nacional n.º 706427 HUGO DRINKS.
X. A Apelante insurge-se, assim, contra a conclusão de que se encontram preenchidos os restantes requisitos do conceito legal de imitação de marca. Porém, sem razão.
XI. A Apelante invoca que não se verifica afinidade entre os produtos ou serviços assinalados pelas marcas em confronto, uma vez que: “uma das marcas prioritárias atua no ramo da moda (…) Ao invés a marca registanda pretende atuar no mercado do sector das bebidas”, concluindo ainda que a lista dos serviços assinalados pelas marcas da Apelada é, em sua opinião, “demasiado geral e pode[ria] alocar demasiadas variáveis”.
XII. Para efeitos de verificação do requisito do artigo 238.º, n.º 1, b) do CPI o que releva é a comparação direta entre os produtos e os serviços especificamente listados pelas marcas em confronto. A atividade económica eventualmente desenvolvida em cada momento ou do setor de negócios dos respetivos titulares dessas marcas.
XIII. Ora, a este respeito importa relembrar que na reclamação a Apelada invocou as Marca da União Europeia n.º 18246370 HUGO e a Marca da União Europeia n.º 49262 BOSS HUGO BOSS, assinalam “cervejas; águas minerais e gasosas e outras bebidas não alcoólicas; bebidas de fruta e sumos de fruta; xaropes e outras preparações para bebidas”, na classe 32 e “bebidas alcoólicas (com exceção de cervejas)”, na classe 33, bem assim, a Marca da União Europeia n.º 18246370 HUGO que assinala na classe 43, nomeadamente, os seguintes serviços “Serviços de fornecimento de alimentos e bebidas; Alojamento temporário; Aluguer de mobiliário.”
XIV. E que a marca em crise assinala, no essencial, “cerveja, ales e cocktails, bebidas não alcoólicas, preparações e essências para a produção de bebidas” na classe 32, “bebidas alcoólicas (excluindo cerveja)”, na classe 33, e “serviços de fornecimento de alimentos e bebidas; serviços de alojamento”, na classe 43.
I. Por conseguinte, verifica-se que é incontestável que os produtos e os serviços assinalados pelas marcas HUGO e HUGO DRINKS são exatamente os mesmos, não restando quaisquer dúvidas sobre a existência de identidade entre os produtos e serviços assinalados por HUGO e HUGO DRINKS.
II. Alega também a Apelante que as marcas sub iudice não seriam semelhantes nem confundíveis para os consumidores, pois HUGO DRINKS e as marcas HUGO e HUGO BOSS da Apelada seriam diferentes ao nível de “grafismo”, de “linguística” e de “fonética”.
III. Alega, ainda, que HUGO é um nome de uma pessoa e uma expressão comum de uso vulgarizado, e que, por esse motivo, as marcas HUGO e HUGO BOSS da Apelada seriam marcas fracas, tendo um âmbito de proteção mais reduzido.
IV. Desde logo, é completamente irrelevante in casu se HUGO é um nome de uma pessoa ou não, pois o artigo 208.º do CPI e 4.º do Regulamento da Marca UE determinam que a marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente nomes de pessoas, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
V. Ora, as marcas HUGO e HUGO BOSS são absolutamente adequadas a distinguir os produtos e serviços da Apelada dos de outras empresas, pelo que sendo a Apelada titular de direitos demarca registados e exclusivos sobre HUGO, para assinalar produtos e serviços nas classes 25, 32, 33 e 43, a mesma tem o direito de exclusivo e encontra-se legalmente habilitada a opor-se ao uso e ao registo da marca nacional n.º 703427 HUGO DRINKS, nos termos do artigo 9.º do Regulamento da Marca UE.
VI. Por outro lado, é falso que HUGO seja uma expressão de uso comum, trivial e vulgarizado, e a Apelante também não explica, nem demonstra, a sua alegação, não existindo qualquer elemento de facto no processo que permita alcançar tal conclusão. Na sentença em crise não se deu como provada essa alegação e a Apelante não impugna a matéria de facto.
VII. É indubitável que HUGO DRINKS é gráfica, fonética e concetualmente muitíssimo semelhante às marcas HUGO e HUGO BOSS.
VIII. Com efeito, tal como dado como assente na sentença recorrida, “DRINKS” é uma expressão inglesa que significa “bebida” ou “beber”, pelo que possui pouquíssima ou nenhuma distintividade ou aptidão para distinguir as bebidas e os serviços de restauração da Apelante, tal como decorre do disposto nos artigos 208.º e 209.º, n.º 1, alínea c) do CPI.
IX. Isto mesmo foi exemplarmente explicado na sentença recorrida “palavra de cariz totalmente abstrato, sem qualquer distintividade ou aptidão para distinguir as bebidas e os serviços de restauração da Recorrente, pelo que deverá ser desconsiderada na análise dos elementos que compõem a marca.” A Apelante não impugnou esta conclusão de facto.
X. Pelo que os elementos a comparar são HUGO e HUGO.
XI. HUGO e HUGO são absolutamente iguais e as semelhanças gráficas, fonéticas e concetuais são tão óbvias que defender o contrário revela uma litigância com falta de seriedade ou mesmo de má-fé.
XII. Assim, o consumidor que conheça as marcas HUGO, quando confrontado com produtos e serviços HUGO DRINKS, produtos e os serviços esses que são idênticos, irá necessariamente confundir ou associar a origem empresarial dos produtos e serviços assinalados pelas marcas em causa, sendo induzido em erro ou engano.
XIII. Engano esse que é claramente ambicionado pela Apelante pois, para além da marca em crise HUGO DRINKS, a Apelante apresentou, também, o pedido de registo da marca nacional n.º 703023 DRINK BOSS, para assinalar produtos e serviços nas classes 32, 33 e 43.
XIV. Pedido esse que foi também, à semelhança do pedido de registo da marca em crise, recusado pelo INPI por despacho datado de 07.11.2023 – cf. Documento n.º 1 junto com a resposta ao recurso no Tribunal da Propriedade Intelectual.
XV. Ora, o pedido de registo da marca em crise HUGO DRINKS e o pedido de registo da marca DRINK BOSS fazendo, obviamente, parte de uma estratégia da Apelante com vista a usar HUGO (DRINKS DRINK) BOSS, pretensão que é manifestamente ilegal e censurável.
XVI. Efetivamente, a Apelante tentou a habilidade de apresentar a registo duas marcas, uma HUGO, outra BOSS, combinando-as com os elementos genéricos
“drink” ou “drinks”, com o objetivo de usar tais marcas lado a lado, isto é, de usar as marcas HUGO BOSS, conforme ilustrado acima.
XVII. Por fim, contrariamente ao que alega a Apelante, as marcas HUGO e HUGO BOSS não são marcas fracas. Antes pelo contrário, conforme se demonstrará adiante, são marcas de grande notoriedade e prestígio na União Europeia, que granjearam um elevadíssimo poder de atração junto dos consumidores.
XVIII. HUGO é um substantivo forte e marcante, com elevada distintividade e sem qualquer relação indicativa ou descritiva com produtos e serviços nas classes 25, 32, 33 e 43.
XIX. Aliás, foi por este motivo que na reclamação, para além da Marca da União Europeia n.º 18246370 HUGO e da Marca da União Europeia n.º 49262 BOSS HUGO BOSS, que assinalam produtos e serviços nas classes32,33 e43, a Apelada invocou também a Marca da União Europeia n.º 49254 HUGO BOSS, que assinala produtos na classe 25, que é uma marca de prestígio e que, por esse motivo, beneficia da aplicação do regime disposto no artigo 235.º do CPI, que corresponde a uma tutela reforçada que ultrapassa os limites do princípio da especialidade.
XX. Acresce que a notoriedade e inclusivamente o prestígio das marcas da Apelada foram já por diversas vezes reconhecidos a nível comunitário, inclusivamente por este Instituto, no âmbito de diversos pedidos de registo de marcas nacionais, designadamente: Marca nacional n.º 480835 BOSS; Marca nacional nº 643553 BOSSBOSS; Marca nacional nº 680142 FERBOSS; Marca nacional nº 690377 LASH BOSS; Marca nacional nº 698263 DIGITAL BOSS; Marca nacional nº 454389 MISSBOSS; Marca nacional nº 487660 JEANS BOSS; Marca nacional nº 596051 LIVING LIKE THE BOSS - PRESTÍGIO BOSS; Marca nacional nº 580734 TOSS; Marca nacional nº 565359 VILBOSS.” – cf. Documento n.º 2 junto com a resposta ao recurso junta no Tribunal da Propriedade Intelectual.
XXI. Em suma, contrariamente ao que defende a Apelante, a conclusão que se retira é que as marcas HUGO e HUGO BOSS são marcas fortes, notórias e de prestígio e que HUGO DRINKS é uma evidente imitação daquelas marcas.
XXII. Consequentemente, não restam dúvidas sobre a existência de fortíssimas semelhanças entre as marcas HUGO DRINKS, HUGO e HUGO BOSS, que conduzirão a um elevadíssimo risco de confusão e de associação, tendo andado muitíssimo bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu e a concluir pela verificação do terceiro requisito do conceito de imitação, constante da alínea c) do art.º 238.º do CPI.
XXIII. Por outro lado, embora não conteste o prestígio das marcas HUGO e HUGO BOSS da Apelada, a Apelante invoca que não se encontram verificados in casu os requisitosdoartigo235.ºCPI pois não ficou demonstrado que a marca em crise procuraria tirar partido indevido do caráter distintivo ou do prestígio daquelas marcas ou que pudesse prejudicá-las.
XXIV. Ora, tratando-se de marcas de prestígio, é evidente que o grande público, ou seja, qualquer consumidor, seja ele de bebidas, de serviços de restauração e alojamento, ou de qualquer outro tipo de produtos ou serviços, conhece as marcas HUGO e HUGO BOSS e associa-as a uma ideia de excelência, de qualidade e de satisfação.
XXV. Esse consumidor, caso fosse confrontado com os produtos e serviços HUGO DRINKS, iria (i) associar os produtos e serviços da Apelante às marcas HUGO e HUGO BOSS e aos produtos e serviços da Apelada e (ii) confundir as entidades em causa e induzido a crer que se trata de nova cadeia de expansão das marcas HUGO e HUGO BOSS.
XXVI. Ora, tal raciocínio associativo potenciará a transferência pelo consumidor para os produtos e serviços HUGO DRINKS das expectativas e valores que atribui aos produtos e serviços HUGO e HUGO BOSS e, desse modo, potenciará a solicitação de tais produtos e serviços alicerçada no caráter distintivo e reputação de HUGO e HUGO BOSS.
XXVII. Em suma, a marca em crise iria retirar partido indevido do caráter distintivo ou do prestígio da marca, circunstância que não terá sido alheia aos desígnios da Apelante, sobretudo considerando a estratégia de apresentação conjunta de dois pedidos de registo de marca, um composto por HUGO e outro por BOSS.
XXVIII. Por outro lado, tal raciocínio associativo é suscetível de causar prejuízo ao caráter distintivo e reputação das marcas HUGO e HUGO BOSS, porquanto poderá enfraquecer a capacidade de HUGO e HUGO BOSS indicar uma única origem comercial.
XXIX. O que significa que HUGO DRINKS permite o aproveitamento indevido do carácter distintivo e reputação de HUGO e HUGO BOSS, com diluição da sua capacidade distintiva.
XXX. Encontram-se, assim, preenchidos os pressupostos constantes do art.º 235.º do CPI, motivo pelo qual andou muitíssimo bem a sentença recorrida ao decidir como decidiu e ao recusar o registo da marca em crise.
XXXI. Por outro lado, alega muito sumariamente a Apelante que a marca em crise deveria ser concedida, uma vez que existiriam outros registos de marca compostos por HUGO.
XXXII. A este respeito, o Tribunal a quo foi também exímio ao esclarecer que: “O facto de existirem outras marcas que utilizam a palavra HUGO, não nos vincula a aceitar o registo de outra, pois desconhecemos em que circunstâncias e por que razão tais marcas foram concedidas, sendo que bem ou mal, o certo é que o foram e não nos cabe, nestes autos, apreciar a bondade de tais concessões”.
XXXIII. A eventual existência de outros registos de marca não integra os critérios legais para a aferição da existência do conceito legal de imitação de marca, exaustivamente elencados no artigo 238.º do CPI, nem é apta a demonstrar que HUGO seria uma expressão vulgarizada, banal ou com reduzida distintividade.
XXXIV. Alega, por fim, a Apelante que atendendo às diferenças existentes entre os produtos e serviços assinalados e entre as marcas HUGO e HUGO DRINKS, ficaria excluída a possibilidade de ocorrência de concorrência desleal.
XXXV. À semelhança dos argumentos anteriores, não assiste razão à Apelante e as suas alegações não podem proceder.
XXXVI. Conforme se concluiu – e bem – na sentença recorrida “No caso dos autos, disputando as partes, a mesma clientela, é real a possibilidade da recorrente, alcançar um benefício ilegítimo, resultante do facto dos consumidores, poderem adquirir os seus serviços, por confundi-los ou associá-los aos serviços assinalados pela marca da Recorrida.”
XXXVII. Ora, da factualidade alegada resulta que os produtos e serviços assinalados pelas marcas HUGO, HUGO BOSS e HUGO DRINKS, nas classes 32, 33 e 43, são idênticos e, por conseguinte, concorrentes diretos e imediatos pela escolha do consumidor com vista à satisfação das mesmíssimas necessidades.
XXXVIII. HUGO DRINKS não é um sinal apto a permitir que os produtos e serviços da Apelante se distingam ou conquistem o mercado com base na diferenciação da oferta, pois os consumidores poderiam optar por esses produtos e serviços por transferirem para os mesmos, inadvertidamente, as qualidades que associam à Apelada e às marcas HUGO e HUGO BOSS.
XXXIX. Sendo certo que, recorda-se, essa é precisamente a intenção da Apelante, com a apresentação dos pedidos de registo das marcas HUGO DRINKS e DRINK BOSS, e o uso conjunto de HUGO (DRINKS e DRINK) BOSS.”
Tendo concluído que:
“Nestes termos, e nos mais de direito, deve o presente recurso de Apelação ser julgado totalmente improcedente, por não provado, e, em consequência ser confirmada na íntegra a sentença proferida pelo Tribunal a quo, mantendo-se a recusa do registo de Marca Nacional n.º 703427 HUGO DRINKS para todos os produtos assinalados nas classes 32, 33 e 43 da Classificação Internacional de Nice, com todas as consequências legais.”
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Os autos foram à conferência.
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II - Questões a decidir
O objeto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito, conforme resulta dos artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1, e 608.º, todos do CPC.
Assim, importa, no caso, apreciar e decidir:
- se deve ser concedido o registo da marca nacional n.º 703427 “HUGO DRINKS” (afinidade nos produtos ou serviços; imitação das marcas da “União Europeia n.º 49254 HUGO BOSS, a Marca da União Europeia n.º 18246370 HUGO, e a Marca da União Europeia n.º 49262 BOSS HUGO BOSS”; as marcas “HUGO BOSS, HUGO e BOSS HUGO BOSS” são marcas notórias e ou marcas de prestígio); 
- e, também, se existe a possibilidade de concorrência desleal entre os referidos sinais.
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II – Fundamentação
A – Factos provados
A decisão recorrida declarou como provados os seguintes factos:
1. Do acordo das partes, dos documentos juntos pelas mesmas e remetidos pelo INPI e a consulta efectuada aos sites oficiais do INPI e aos identificados pelas partes, resultam como provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
1.1 Em 03.04.2023, a Recorrente apresentou o pedido de registo da marca nacional n.º 703427 HUGO DRINKS, para assinalar os seguintes produtos e serviços:
a. Classe 32: cerveja e cerveja sem álcool; ales; bebidas não alcoólicas com aroma de cerveja; bebidas à base de cerveja; cerveja; cerveja (ale); cerveja bock; cerveja com sabor a café; cerveja de malte; cerveja de trigo; cerveja lager; cerveja pale ale; cerveja preta [cerveja de malte torrado]; cerveja sazonal; cerveja sem glúten; cervejas; cervejas aromatizadas; cervejas artesanais; cervejas com baixo teor alcoólico; cervejas enriquecidas com minerais; cervejas sem álcool; cocktails à base de cerveja; mosto de cerveja; mosto de malte; porter [cervejas pretas]; shandy; stout; sucedâneos de cerveja; vinho de cevada [cerveja]; vinho à base de cevada [cerveja]; preparações para a produção de bebidas; essências para a preparação de bebidas;
b. Classe 33: bebidas alcoólicas (excluindo cerveja); bebidas alcoólicas pré-misturadas; aperitivos alcoólicos amargos; aperitivos à base de bebidas alcoólicas; aperitivos à base de vinho; bebidas alcoólicas aromatizadas; bebidas alcoólicas contendo frutas; bebidas alcoólicas contendo frutos; bebidas alcoólicas de frutas; bebidas alcoólicas à base de café; bebidas à base de rum; bebidas à base de vinho; bebidas que contêm vinho [spritzers]; cocktails; cocktails alcoólicos preparados; cocktails de frutas com álcool; cocktails de vinho preparados; ponche alcoólico; ponche de rum; ponches de vinho; vinhos de aperitivo; bebidas espirituosas; absinto; aguardente; aguardente (akvavit); aguardente [bebidas espirituosas à base de cana-de-açúcar]; aguardentes; araca; arak; bebidas alcoólicas fermentadas; bebidas destiladas; bebidas espirituosas destiladas; bebidas espirituosas potáveis; brandy para cozinhar; cachaça; cerejas (aguardente de -) [kirsch]; conhaque [brandy]; digestivos [licores e bebidas espirituosas]; espirituosos (bebidas alcoólicas); gin; kirsch; licor de gengibre; licor de ginja; licor de ginseng vermelho; licor tónico com extratos de ervas [homeishu]; licores tónicos aromatizados; rum; rum com adição de vitaminas; rum de sumo de cana-de-açúcar; shochu [aguardentes]; vodka; whisky; whisky canadiano; whisky de malte; whisky de mistura; aguardente de pêra; amargos [licores]; anis; anisete; aperitivos à base de licor alcoólico destilado; bebidas alcoólicas à base de açúcar de cana; bebidas aperitivas; bebidas com baixo teor alcoólico; curaçau; hidromel; licor de groselha preta; licor de menta; licores; licores alcoólicos de sabor amargo; licores cremosos; licores de ervas; licores à base de café; nira [bebida alcoólica à base de cana de açúcar]; vinho; vinhos; amontillado; vermute; vinho branco; vinho de ameixa; vinho de amoras; vinho de morangos; vinho de uvas; vinho espumante de frutos; vinho à base de framboesa preta [bokbunjaju]; água-pé; vinho espumante de uvas; vinho tinto; vinhos alcoólicos; vinhos com baixo teor de álcool; vinhos com indicação geográfica protegida; vinhos de denominações de origem protegidas; vinhos de fruta; vinhos de mesa; vinhos de sobremesa; vinhos doces; vinhos espumantes; vinhos espumantes brancos; vinhos espumantes naturais; vinhos espumantes tintos; vinhos fortificados; vinhos generosos; vinhos para cozinhar; vinhos quentes (vinhos aquecidos e adoçados com especiarias); vinhos rosé; vinhos sem gás; essências e extratos alcoólicos; preparações alcoólicas para fazer bebidas; preparações para produzir bebidas alcoólicas; bebidas alcoólicas exceto cerveja; bebidas alcoólicas destiladas à base de grãos; licores contendo natas; gelatinas alcoólicas; gemada alcoólica; e
c. Classe 43: serviços de fornecimento de alimentos e bebidas; bares de cocktails; pizzarias; preparação de alimentos e bebidas; preparação de refeições; bares de vinhos; fornecimento de alimentos e bebidas para clientes; organização de banquetes; restaurantes de comida rápida (fast food); restaurantes de grelhados; restaurantes de iguarias refinadas; restaurantes de self-service; restaurantes para serviço rápido e permanente (snack-bares); serviços de alimentação e bebidas em restaurantes e bares; serviços de alimentação e bebidas take-away; serviços de alimentos e bebidas em cibercafés; serviços de banquetes; serviços de bar; serviços de bar de cocktails; serviços de bar de vinhos; serviços de bares; serviços de bebidas alcoólicas; serviços de buffet para bares de cocktail; salões de chá; serviços de alimentação e bebidas em pastelarias; serviços de alimentação e bebidas para clientes; serviços de alojamento e pequeno-almoço; serviços de alimentação e bebidas para clientes de restaurantes; bares; bares (pubs); disponibilização de alimentos e bebidas em bistrôs; disponibilização de alimentos e bebidas em cibercafés; disponibilização de alimentos e bebidas em pastelarias; fornecimento de alimentos e bebidas para clientes de restaurantes; fornecimento de alimentos e bebidas em restaurantes e bares; fornecimento de bebidas em microcervejeiras; fornecimento de bebidas em pubs com fabrico de cerveja; receção de boas-vindas de empresas (fornecimento de alimentos e bebidas); preparação e fornecimento de alimentos e bebidas para consumo imediato; serviços de bar de cerveja; serviços de bistrô; serviços de comida para fora; serviços de consultoria relativos à preparação de refeições; serviços de degustação de vinhos (fornecimento de bebidas); serviços de fornecimento de bebidas; serviços de fornecimento de comida para fora (takeaway); serviços de estabelecimentos de café; serviços de casas de chá; serviços de casa de chá; serviços de preparação de alimentos; serviços de restaurante de comida rápida; serviços de pub; serviços de restaurante e bar; serviços de restaurante em hotéis; serviços de restaurante fornecidos por hotéis; serviços de restaurante incluindo instalações de bar licenciadas; serviços de restauração [alimentação e bebidas]; serviços de restaurante para o fornecimento de comida rápida; serviços de restaurantes; serviços de restaurantes self-service; serviços de restaurantes take away; serviços de salas de chá; serviços para fornecimento de alimentos; serviços relacionados com a preparação de alimentos e bebidas; fornecimento de alimentos e bebidas em carrinhas; fornecimento de alojamento para cerimónias; organização de receções de casamento [alimentos e bebidas]; organização de refeições em hotéis; serviços de cervejaria ao ar livre; serviços de escanção; serviços de cozinhado de alimentos; serviços de preparação alimentar; serviços de restaurante de rodízio; serviços de snack-bar; serviços de snack-bares; serviços de snack-bars; snack-bares; snack-bars.
1.2 Em 10.07.2023, a Recorrida deduziu reclamação contra o pedido de registo da marca nacional n.º 703427 HUGO DRINKS, invocando a titularidade dos seguintes registos de marca:
a. Marca da União Europeia n.º 49254 HUGO BOSS, apresentada em 01.04.1996 e concedida em 26.03.2008, para assinalar, entre outros, vestuário para homem, senhora e criança; collants ou coulãs; chapelaria; roupa interior; roupa de dormir, fatos de banho; roupões de banho; cintos; xailes; acessórios, nomeadamente lenços de cabeça, lenços de seda (foulards), echarpes, lenços de bolso; gravatas; luvas [vestuário]; sapatos; cintos em couro, na classe 25 da Classificação de Nice;
b. Marca da União Europeia n.º 18246370 HUGO, apresentada em 28.05.2020 e concedida em 13.07.2021, para assinalar, entre outros, cervejas, águas minerais e gasosas e outras bebidas não alcoólicas; bebidas de fruta e sumos de fruta; xaropes e outras preparações para bebidas, na classe 32, e serviços de fornecimento de alimentos e bebidas; alojamento temporário; aluguer de mobiliário, na classe 43; e
c. Marca da União Europeia n.º 49262 BOSS HUGO BOSS, apresentada em 01.04.1996 e concedida em 06.07.2007, para assinalar, entre outros, cervejas; águas minerais e gasosas e outras bebidas não alcoólicas; bebidas de fruta e sumos de fruta; xaropes e outras preparações para bebidas, na classe 32, e bebidas alcoólicas (com excepção de cervejas), na classe 33.
1.3 Em 08.11.2023, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) considerou totalmente procedente aquela reclamação e recusou o registo da marca nacional n.º 703427 HUGO DRINKS.
1.4 A Recorrida, uma sociedade do conhecido Grupo HUGO BOSS, é a proprietária do portfolio de marcas HUGO e HUGO BOSS.
1.5 O Grupo HUGO BOSS foi fundando em 1924, em Metzingen, na Alemanha, tendo vindo a desenvolver a sua actividade à escala global e desde cedo que as marcas HUGO e HUGO BOSS se revelaram centrais na sua actividade (cfr. http://group.hugoboss.com/en/group/about-hugo-boss/history/).
1.6 As marcas HUGO e HUGO BOSS foram lançadas no início dos anos 70 do século XX, para colecções de roupa para homem de elevada qualidade (cfr. http://group.hugoboss.com/en/group/about-hugo-boss/history/).
1.7 Nessa mesma altura, a Recorrida começa a patrocinar desportos motorizados e a Fórmula 1, actividades que se revelam o veículo perfeito para promover a imagem das marcas HUGO e HUGO BOSS e fomentar a popularidade junto de um público global (cfr. http://group.hugoboss.com/en/group/about-hugo-boss/history/).
1.8 Em 1994, foi concedida a primeira licença para sapatos.
1.9 A primeira licença para relógios HUGO e HUGO BOSS foi concedida em 1996, tendo a colecção BOSS Orange sido aditada em 2007 (cfr. http://group.hugoboss.com/en/group/about-hugo-boss/history/).
1.10 Em 1997, a Recorrida decide aproveitar a sua duradoura experiência resultante do patrocínio de golf e lança a BOSS Golf Collection que inclui roupa de desporto de elevada qualidade que vai ao encontro dos padrões dos golfistas dentro e fora do percurso (cfr. http://group.hugoboss.com/en/group/about-hugo-boss/history/).
1.11 Em 1999, a linha BOSS Orange de casual wear é lançada juntando-se à clássica e elegante colecção BOSS e à mais jovem e progressiva marca HUGO (cfr. http://group.hugoboss.com/en/group/about-hugo-boss/history/).
1.12 No ano de 2000, a primeira colecção feminina BOSS é lançada em alinhamento com a colecção masculina BOSS no mercado da moda de gama alta (cfr. http://group.hugoboss.com/en/group/about-hugo-boss/history/).
1.13 Em 2003, a linha BOSS Golf passa a BOSS Green, em que de destacam os materiais funcionais e o know-how de moda HUGO e HUGO BOSS, que são transportados para vestuário de dia-a-dia e com um toque desportivo (cfr. http://group.hugoboss.com/en/group/about-hugo-boss/history/).
1.14 Em 2004, surge a linha de luxo BOSS Selection que inclui produtos que cobrem totalmente o segmento de vestuário de homem de elevada qualidade e o Grupo incorpora  o  fabrico de calçado e produtos de pele  (cfr. http://group.hugoboss.com/en/group/about-hugo-boss/history/).
1.15 Na estação de Verão de 2006, dá-se o lançamento da colecção feminina BOSS Orange com características alinhadas à equivalente colecção masculina BOSS Orange (cfr. http://group.hugoboss.com/en/group/about-hugo-boss/history/).
1.16 Em Fevereiro de 2009, a BOSS apresenta a sua linha mais luxuosa de vestuário, a BOSS Selection Tailored Line (cfr. http://group.hugoboss.com/en/group/about-hugo-boss/history/). 1.17 No ano de 2009, BOSS concede uma licença para colecção de vestuário para criança BOSS, que inclui um guarda-roupa com uma variedade rica de visuais para crianças e adolescentes e que são adequadas tanto para lazer, como ocasiões mais formais (cfr. http://group.hugoboss.com/en/group/about-hugo-boss/history/).
1.18 Em 2013, dá-se a integração da linha BOSS Selection na colecção HUGO e HUGO BOSS, o que faz com os padrões de luxo e premium associados à marca principal sejam reforçados, melhorando a singularidade da imagem global da marca (cfr. http://group.hugoboss.com/en/group/about-hugo-boss/history/).
1.19 Posteriormente, as marcas HUGO e HUGO BOSS passaram a assinalar também relógios, carteiras, artigos de perfumaria, produtos de higiene e de beleza, artigos de escritório, chapéus, óculos, (cfr. https://www.hugoboss.com/pt/en/gifts-men/ e https://www.hugoboss.com/pt/en/gifts-women/).
1.20 O Grupo HUGO BOSS tem vindo a investir de forma substancial na protecção das suas marcas e na publicidade dos seus produtos à escala global.
1.21 Os produtos HUGO e HUGO BOSS são objecto de divulgação e promoção também na rede social Facebook, cuja página (https://www.facebook.com/hugoboss/) conta com mais de 8,5 milhões de seguidores; na rede social Instagram, cuja página (https://www.instagram.com/boss) tem mais de 11,6 milhões de seguidores; nas plataformas Pinterest (https://www.facebook.com/hugoboss/app/305927716147259/)       e       YouTube (https://www.youtube.com/channel/UCFKQYs1RovAG8SqFUjXAkTw), são     inúmeras as publicações, visualizações e partilhas de conteúdos pelo público.
1.22 Os produtos assinalados com as marcas da Recorrida são frequentemente objecto de divulgação na imprensa escrita e digital, em especial, dedicada a moda e lifestyle.
1.23 As marcas da Recorrida são ainda divulgadas através de acordos de patrocínio e parcerias, a título exemplificativo, o acordo celebrado para que a reputada equipa de futebol Real Madrid usasse fatos HUGO e HUGO BOSS, conforme se poderá confirmar no sítio da internet do Real Madrid, em https://www.realmadrid.com/pt/noticias/2017/10/o-plantel-posou-com-o-fato-oficial-da-hugo-boss .
1.24 As marcas HUGO e HUGO BOSS têm presença mundial, incluindo em Portugal, registando volumes de negócio na ordem das centenas de milhões de euros, como vem sendo publicitado cfr., a publicação disponível em http://pt.fashionnetwork.com/news/Hugo-Boss-eleva-a-projecao-de-volume-de-negocios-para-2017,887532.html#.Wnspc-jFK70.
1.25 Na selecção de BEST GLOBAL BRANDS 2015 efectuada pela INTERBRAND, HUGO e HUGO BOSS foi considerada, tendo sido evidenciadas as suas décadas de sucesso no vestuário para homem na Europa e na América do Norte e ainda o ressurgimento da HUGO BOSS no segmento de vestuário feminino com BOSS, uma forte submarca.
1.26 Em Novembro de 2011, um relatório de estudo de mercado foi elaborado com base nos dados recolhidos entre 14 de Setembro de 2011 e 14 de Outubro de 2011 com o objectivo de obter informação quanto a comportamento de compra, status das marcas da Recorrida e das marcas concorrentes, recordação publicitária e de media das marcas da Recorrida e das marcas concorrentes, conhecimento e imagem das linhas de produtos BOSS da Recorrida em oito mercados, em concreto, Alemanha, França. Itália, Espanha, Reino Unido, China, Rússia e Estados Unidos (cfr. Documento n.º 3 (página 3).
1.27 As linhas de produtos HUGO e HUGO BOSS foram primeiramente associadas às seguintes afirmações: “representa qualidade”, “luxo, premium”, “clássico, elegante”, “é uma marca agradável” (cfr. Documento n.º 3 (página 58)).
1.28 Adicionalmente, as marcas HUGO e HUGO BOSS passaram a assinalar uma prestigiada e vastíssima gama de artigos de perfumaria e cuidados de pele para homens, incluindo perfumes, loções, desodorizantes e cremes, (cfr. https://www.hugoboss.com/pt/fragrances-men/).
1.29 Sendo que actualmente, se encontram à disposição do consumidor mais de 100 (cem) artigos de perfumaria e de cuidados de beleza masculinos, em https://www.hugoboss.com/pt/fragrances-men/.
1.30 Em concreto, na presente data, a actividade da Recorrida apresenta os seguintes números (cfr. https://group.hugoboss.com/en):
1.31. A Recorrida e as marcas HUGO e HUGO BOSS encontram-se hoje disponíveis online à escala internacional, offline e online.
1.32 Actualmente, a marca HUGO destaca-se e assume-se como a linha mais exclusiva da Recorrida – cf. https://www.hugoboss.com/pt/pt/hugo-men/ e https://www.hugoboss.com/pt/pt/hugo-women/.
1.33 De acordo com um estudo de Outubro de 2022, denominado “Findings of a representative survey on the reputation of the word mark in the sense of trade mark law” efetuado pelo Institut für Demoskopie Allensbach, BOSS é uma marca de prestígio (cfr. Documento n.º 4, junto pela recorrida)
1.34 E de acordo com um estudo recente, de marco de 2023, denominado “Findings of a representative survey on the reputation of the word mark in the sense of trade mark law”, efetuado pelo Institut für Demoskopie Allensbach, HUGO é, por si só, uma marca de prestígio (cfr. Documento n.º 5, junto pela recorrida).
1.35 A Recorrente apresentou, também, o pedido de registo da marca nacional n.º 703023 DRINK BOSS1, para assinalar produtos e serviços nas classes 32, 33 e 43 (cfr. https://servicosonline.inpi.justica.gov.pt/pesquisas/GetSintesePDF?nord=8260400).
1.36 Este pedido foi também, recusado pelo INPI por despacho datado de 07.11.2023, (cfr.  Documento n.º 1, junto pela recorrida).
*
B - Factos não apurados
A decisão recorrida declarou inexistirem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.
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III - Do mérito do recurso
 Como referido supra, os presentes autos reportam-se a um pedido de registo de marca nacional, no caso, o n.º 703427, cujo regime legal se mostra previsto no Código de Propriedade Industrial (CPI).
Vejamos as questões suscitadas.
Da concessão do registo da marca nacional n.º 703427.
O presente recurso vem interposto da sentença que confirmou o despacho do INPI que indeferiu o pedido de registo da marca nacional n.º 703427 “HUGO DRINKS”.
A sentença proferida pelo tribunal a quo identifica convenientemente a questão sub judice.
Também, em resumo, qualifica as marcas como nominativas/ complexas; atesta os produtos/ serviços incluídos (classe 32.ª, 33.ª e 43.ª de Nice); salienta o facto do sinal registando ser composto por “HUGO” e por “DRINKS”, sendo o primeiro que sobressai e que é acentuado na pronunciação e o segundo, de origem inglesa, significa “bebidas”, não tendo distintividade ou aptidão para distinguir as bebidas e os serviços de restauração da Recorrente; salienta ainda o público consumidor a que se reporta; mais salienta o facto de as marcas prioritárias gozarem de prestígio em Portugal e na União Europeia; e conclui que falta caráter distintivo ao sinal registando.
A Recorrente considera que “os produtos ora assinalados, e os produtos e serviços da recorrente, tratam-se de produtos e serviços totalmente distintos, não sendo complementares, nem concorrentes entre si, tendo naturezas e finalidades sem qualquer tipo de conexão (considerando, nomeadamente, a atividade da recorrente)” e que a “lista de serviços assinalados pelas marcas recorridas, é demasiado geral e pode alocar demasiadas variáveis, não revelando, por si só, a natureza e as características comerciais dos serviços abrangidos, tais como o respetivo destino, o método de utilização, o público destinatário relevante, os canais de distribuição, o setor de mercado pertinente ou a origem comercial habitual ou mesmo os produtos com os quais se relacionam.
Mais considera que “a nível de grafismo é evidente que existe uma clara diferença entre as marcas que se apresenta como considerável e objetivamente distinta para quem nem sequer exista confusão” e que “o sinal apesar de ter um mínimo de capacidade distintiva, é na verdade, constituído quase em exclusivo por elementos de uso comum ou trivial ou de uso muito vulgarizado.”
Finalmente, considera ainda que o “mero facto de um dos nomes em termos nominativos ser idêntico só por si não faz prova plena de risco de confundibilidade, imitação,” e que “teremos igualmente ainda de acautelar o princípio da igualdade entre os concorrentes”.
A Recorrida, nas contra-alegações de recurso, considera que é “a comparação direta entre produtos e serviços especificamente listados pelas marcas em confronto” que releva para se determinar se são idênticos ou afins e não “a atividade económica eventualmente desenvolvida em cada momento ou do setor de negócios dos respetivos titulares dessas marcas”, sendo que, no caso, “são exatamente os mesmos”.      
Mais considera que a “lei não contempla a figura de listas de produtos ou serviços demasiado extensas”, sendo que as “empresas e empresários são totalmente livres de requerer marcas para os produtos ou serviços que entenderem”.  
Considera que “HUGO” não é “uma expressão de uso comum, trivial e vulgarizado”, que “HUGO DRINKS é gráfica, fonética e concetualmente muitíssimo semelhante às marcas HUGO e HUGO BOSS” e que “os elementos a comparar são HUGO e HUGO”; sendo irrelevante “HUGO” ser ou não nome de pessoa e que as marcas prioritárias “são absolutamente adequadas a distinguir os produtos e serviços da Apelada dos de outras empresas.”
Finalmente, que “o consumidor que conheça as marcas HUGO, quando confrontado com produtos e serviços HUGO DRINKS, produtos e os serviços esses que são idênticos, irá necessariamente confundir ou associar a origem empresarial dos produtos e serviços assinalados pelas marcas em causa”, em particular por aquelas serem marcas de “grande notoriedade e prestígio na União Europeia, que granjearam um elevadíssimo poder de atração junto dos consumidores.”
Vejamos.
A Marca da União Europeia - Marca da UE - encontra-se regulada pelo Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de junho de 2017.
Esta adquire-se por registo (art.º 6º do RMUE) produz os mesmos efeitos em toda a União Europeia - carácter unitário - (art.º 1º, n.º 2, do RMUE) e, a sua disciplina jurídica é autónoma das leis nacionais no que diz respeito aos efeitos da Marca da UE (art.º 17º, n.º 1, do RMUE).
Dispõe o artigo 4.º do RMUE, sob a epígrafe “Sinais suscetíveis de constituir uma marca da UE”, que:
“Uma marca da UE pode consistir em sinais, nomeadamente em palavras, incluindo nomes de pessoas, ou em desenhos, letras, algarismos, cores, na forma dos produtos ou da embalagem dos produtos, ou em sons, desde que esses sinais possam:
a) distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos produtos ou serviços de outras empresas; e
b) ser representados no Registo de Marcas da União Europeia («Registo»), de um modo que permita que as autoridades competentes e o público identifiquem de forma clara e precisa o objeto da proteção concedida ao titular da marca.” (os destaques são nossos)
Estabelece o artigo 9.º do RMUE, sob a epígrafe “Direitos conferidos por uma marca da UE”, que:
“1. O registo de uma marca da UE confere ao seu titular direitos exclusivos.
2. Sem prejuízo dos direitos dos titulares adquiridos antes da data de depósito ou da data de prioridade da marca da UE, o titular dessa marca da UE fica habilitado a proibir que terceiros, sem o seu consentimento, façam uso, no decurso de operações comerciais, de qualquer sinal em relação aos produtos ou serviços caso o sinal seja:
a) Idêntico à marca da UE e seja utilizado para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca da UE foi registada;
b) Idêntico ou semelhante à marca da UE e seja utilizado para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais a marca da UE foi registada, se existir risco de confusão no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca;
c) Idêntico ou semelhante à marca da UE, independentemente de ser utilizado para produtos ou serviços idênticos, ou afins àqueles para os quais a marca da UE foi registada, sempre que esta última goze de prestígio na União e que a utilização injustificada do sinal tire indevidamente partido do caráter distintivo ou do prestígio da marca da UE ou lhe cause prejuízo.
…”. (os destaques são nossos)

Dispõe o artigo 11.º do RMUE, sob a epígrafe “Data a partir da qual os direitos são oponíveis a terceiros”, que:
“1. Os direitos conferidos por uma marca da UE são oponíveis a terceiros a partir da data de publicação do registo da marca.
2. Pode ser exigida uma indemnização razoável por atos posteriores à data de publicação de um pedido de marca da UE que, após a publicação do registo da marca, sejam proibidos em virtude dessa publicação.
3. O tribunal em que uma ação for interposta não pode decidir do mérito da causa enquanto o registo não for publicado.” (o destaque é nosso)
Estabelece o artigo 17.º do RMUE, sob a epígrafe “Aplicação complementar do direito nacional em matéria de infração”, que:
“1. Os efeitos da marca da UE são exclusivamente determinados pelo disposto no presente regulamento. Por outro lado, as infrações a marca da UE são reguladas pelo direito nacional em matéria de infrações a marcas nacionais nos termos do disposto no capítulo X.
2. O presente regulamento não exclui que sejam intentadas ações respeitantes a marcas da UE com base no direito dos Estados-Membros, nomeadamente em matéria de responsabilidade civil e de concorrência desleal.
3. As normas processuais aplicáveis são determinadas nos termos do disposto no capítulo X.” (o destaque é nosso)
Por sua vez, dispõe o artigo 1º do Código da Propriedade Industrial, sob a epígrafe “Função da propriedade industrial”, que:
“A propriedade industrial desempenha a função de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza.”(o destaque é nosso).
Por sua vez, estabelece o artigo 208.º do CPI, aprovado pelo DL n.º 110/2018, de 10 de dezembro, sob a epígrafe “Constituição de marca”, que:
“A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, cor, a forma do produto ou da respetiva embalagem, ou por um sinal ou conjunto de sinais que possam ser representados de forma que permita determinar, de modo claro e preciso, o objeto da proteção conferida ao seu titular, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.” (os destaques são nossos).
Dispõe o artigo 232.º do CPI, sob a epígrafe “Outros fundamentos de recusa”, que:
1 - Constitui ainda fundamento de recusa do registo de marca:
a) A reprodução de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços afins;
b) A reprodução de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços afins ou a imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;

h) O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção.”
… (os destaques são nossos).
Estabelece o artigo 234.º do CPI, sob a epígrafe “Marcas notórias”, que:
“1. É recusado o registo de marca que constitua:
a) A reprodução de marca anterior notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos;
b) A reprodução de marca anterior notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços afins, ou a imitação ou tradução, no todo ou em parte, de marca anterior notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins, sempre que com ela possa confundir-se ou se, dessa aplicação, for possível estabelecer uma associação com o titular da marca notória.
…”. (os destaques são nossos).
Dispõe o artigo 235.º do CPI, sob a epígrafe “Marcas com prestígio”, que:
“1. Sem prejuízo do disposto no número anterior, o pedido de registo será igualmente recusado se a marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem identidade ou afinidade, constituir tradução, ou for igual ou semelhante, a uma marca anterior registada que goze de prestígio em Portugal ou na União Europeia, se for marca da União Europeia, e sempre que o uso da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca, ou possa prejudica-los.” (os destaques são nossos).
Estabelece o artigo 238.º do CPI, sob a epígrafe “Conceito de imitação ou de usurpação”, que:
1 - A marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.”
2 - Para os efeitos da alínea b) do n.º 1:
a) Produtos e serviços que estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem não ser considerados afins;
b) Produtos e serviços que não estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem ser considerados afins.” (os destaques são nossos).
Resulta, assim, da conjugação dos preceitos legais em análise constituir fundamento de recusa do registo de marca a reprodução, ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, se ambas se destinarem a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins, quando ambas tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada.
Mas, especialmente relevante para o caso sub judice, resulta ainda que o pedido de registo será igualmente recusado se a marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem identidade ou afinidade, for igual ou semelhante, a uma marca anteriormente registada que goze de prestígio em Portugal ou na União Europeia e sempre que o uso da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca, ou possa prejudica-los.
Vejamos então.
Importa ter presente que, como refere o STJ, “a marca é o primeiro e mais importante dos sinais distintivos do comércio, funcionando, de um lado, como identificação de um produto ou serviço proposto ao consumidor e permitindo, por outro, distingui-lo e diferenciá-lo de outros idênticos ou afins.” (Ac. de 12 de julho de 2018, proc. N.º 346/15.3YHLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt). (o destaque é nosso). 
Por sua vez, a respeito das marcas nominativas, o mesmo STJ entendeu “que é pelos sons das palavras e das expressões que estas se fixam na memória (repare-se como as crianças aprendem a falar tentando imitar aquilo que dizem os adultos, sem sequer entender o seu sentido) - deve prestar-se primordial atenção aos fonemas que as compõem (assim, entre outros, o Ac. do STJ de 02-10-2003 ( Ferreira Girão), na revista nº03B2236 . A apresentação varia. O som fica ….”.(Ac. de 9 de junho de 2016, proc. n.º 124/14.7YHLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt).
Refere Pedro Sousa e Silva que “A abordagem correcta no exame da confundibilidade das marcas é aquela que - no respeito do princípio da interdependência - coloca, num dos “pratos da balança” os factores de semelhança dos sinais, ao nível fonético, visual e conceptual e, no outro “prato”, os factores de diferenciação desses sinais, podendo a grande semelhança no contexto de um desses níveis ser compensada pela elevada dissemelhança no contexto dos demais.” (in Direito Industrial, 2.ª Ed., pág. 286).
Como referido supra, temos por assente que as marcas tituladas pela Recorrida são prioritárias.
Temos ainda por assente, apesar da oposição da Recorrente, que as marcas em confronto se destinam a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins.
Efetivamente, resulta da factualidade apurada (cfr. factos 1.1 e 1.2) que as marcas em confronto se destinam a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins (ex. cervejas; águas minerais e gasosas e outras bebidas não alcoólicas; bebidas alcoólicas; serviços de fornecimento de alimentos e bebidas) e que estes se reportam às classes 32.ª, 33.ª e 43.ª da Classificação Internacional de Nice.
A comparação entre os produtos e os serviços “registados” pelas marcas é disso demonstrativo, ou seja, porque satisfazem as mesmas necessidades do consumidor, permite concluir pela referida identidade ou afinidade.
Impõe-se, ainda assim, acrescentar, por reporte à lista de serviços assinalados pelas marcas recorridas, que a mesma é suficientemente clara para se lograr determinar o objeto da proteção conferida ao seu titular.
Acresce ainda referir que a circunstância de a Recorrida ser (manifestamente) conotada com o “ramo da moda” não invalida que tenha ou mesmo que pretenda ter outras áreas de atuação, o que releva nesta área do Direito das Marcas é o respetivo registo e este é inequívoco.     
Dito de outra forma, não vemos que a mesma padeça dos vícios que a Recorrente lhe imputa e muito menos que os produtos e serviços concretamente registados não permitam revelar, repita-se, para o efeito a que se propõe a Propriedade Industrial em matéria de marcas, os tipos de produtos e os serviços da Recorrida.
Finalmente, importa ainda referir que a pugnada “extensão da lista”, seja de produtos seja de serviços, não encontra apoio legal, ficando, por isso, com é bom de ver, na disponibilidade/ liberdade do requerente do registo.
Vejamos agora os sinais em confronto.
Importa, como bem refere a decisão em crise, referir que estamos perante sinais nominativos e complexos.
Dito isto, reportando-nos aos sinais sub judice, passemos então a considerar os elementos assinalados. 
Os elementos em análise são «HUGO DRINKS» e «HUGO; HUGO BOSS; BOSS HUGO BOSS».
A grafia é idêntica e o primeiro vocábulo da marca registanda (HUGO) é comum ao/ ou a um dos vocábulos das marcas registadas.
A expressão «DRINKS», de origem inglesa, como dá conta a sentença, “significa “bebidas”, abrangendo toda a vastidão de bebidas existentes no Mundo, pelo que é uma palavra de cariz totalmente abstracto, sem qualquer distintividade ou aptidão para distinguir as bebidas e os serviços de restauração da Recorrente, pelo que deverá ser desconsiderada na análise dos elementos que compõem a marca” e, reportada ao conjunto, acrescentamos, a sua leitura não permite, com facilidade e de forma natural, manter a autonomia daquelas.
Efetivamente, a apreciação de conjunto produzida pelos sinais em análise, ou seja, atendendo aos seus elementos distintivos e dominantes, seguramente que o elemento prevalente, suscetível de perdurar na memória do público, corresponde ao vocábulo «HUGO».   
Esta perceção mostra-se inequivocamente reforçada pelo facto de corresponder ao vocábulo, num caso, ou a um dos vocábulos, nos demais, de marcas de prestígio.
É, pois, manifesto que as marcas da Recorrida gozam de notoriedade em Portugal, na União Europeia e mesmo no Mundo. Tal conclusão, sendo uma evidência para o comum dos consumidores, decorre, de forma cristalina, da matéria de facto provada.
Essa circunstância, tem reflexos evidentes na memória do público, pois que este tende mais facilmente a evocar sinais conhecidos. 
Aliás, não podemos deixar de ter presente que habitualmente o consumidor não se confronta em simultâneo com as duas marcas para as poder comparar, pelo que, quando se vê confrontado com uma das marcas, tendo reminiscências na memória da outra marca, possa, no imediato, não as distinguir e, como referido, é natural que se lhe assalte à memória o sinal conhecido. 
Por isso, concordamos com a apreciação efetuada na sentença em crise, quando, a esse respeito, consigna que “o consumidor que conheça as marcas “HUGO”, quando confrontado com os idênticos produtos e serviços “HUGO DRINKS”, irá, inevitavelmente, associar a origem empresarial dos produtos e serviços assinalados à primeira, ora recorrida, crendo que os produtos e serviços da recorrente se encontram de alguma forma associados à recorrida.
Este inevitável risco de associação é enganador para os consumidores e potencia a subversão de uma das principais funções das marcas, nomeadamente a função distintiva ou de indicação de origem, risco esse que não pode admitir-se.
No caso dos autos, deparamo-nos com sinais de elevadíssima semelhança quer gráfica, quer fonética, quer conceptual, acrescentando-se que sendo idênticos os produtos que as marcas visam assinalar, o grau de semelhança entre os sinais terá de ser maior, conforme defende o Tribunal de Justiça da EU.”
Entendemos, pois, que apesar das diferenças assinaladas às marcas sub judice, existe um elemento semelhante de maior impacto ao nível da “audição” e mesmo da “visão” que, em termos globais, originam uma proximidade entre elas, suscetíveis de transmitir uma impressão idêntica que, mesmo um consumidor médio normalmente distraído em relação aos pormenores, possibilita a associação da marca da Recorrente com as marcas da Recorrida.
Efetivamente, a semelhança do sinal que compõe a marca registanda, analisada no seu conjunto, é suscetível de induzir facilmente o consumidor em confusão, designadamente por associação com os produtos da Apelante que, recorde-se, são idênticos/afins.
Dito de outra forma, os sinais das marcas em análise não são suficientemente diversos, em termos de apreciação de conjunto, que possibilitem ao consumidor médio a que se destinam os produtos, mesmo quando na presença de apenas um deles, distingui-los, existindo, pois, o risco de associação destas.
Entendemos, pois, que o dito consumidor, perante qualquer uma das marcas em análise retenha a ideia do “HUGO” e, assim, associe os produtos de uma à outra.
Nessa medida, tal como decidiu o Tribunal a quo, entendemos que a marca registanda preenche o conceito de imitação ou de usurpação a que alude o citado artigo 238.º, n.ºs 1 e 2, do CPI.  
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Naturalmente, como já referimos e a decisão proferida pelo Tribunal a quo dá conta, a circunstância de se estar perante marca de prestígio é suscetível de operar o citado artigo 235.º do CPI. 
O STJ, no acórdão de 13 de outubro de 2010, proferido no âmbito do proc. n.º 3/05.9TYLSB.P1.S1, in www.dgsi.pt, refere “A marca de prestígio é mais que uma marca notória, gozando de maior protecção legal, não valendo quanto a ela o princípio da especialidade e, por isso, deve ser conhecida não só do público interessado nos produtos marcados, mas também do público em geral, que ante o nome da marca a associa, sem hesitar, a elevados padrões de qualidade dos produtos ou dos serviços que se distinguem dos seus competidores; a simples alusão à marca implica a intuição fulgurante da sua identificação e inquestionável qualidade, mesmo que sob ela sejam comercializados diversos produtos”(são nossos os destaques).
 
Por sua vez, o TRL, no acórdão de 20 de maio de 2024, proferido no âmbito do processo n.º 472/19.0YHLSB.L2, a esse respeito, referiu que: “A marca de prestígio é aquela que tem uma reputação elevada, individualidade e originalidade significativas e surja associada a produtos ou serviços de alta qualidade sendo reconhecida pelos consumidores como símbolo de distinção e excelência (ou, na feliz expressão constante do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.01.2009, processo n.º 10533/2008-6, in http://www.dgsi.pt, «gozar de excepcional atracção e/ou satisfação junto dos consumidores».
Os objetivos subjacentes a esta tutela muito específica e muito focada são os de impedir a erosão ou diluição de marcas que funcionam como referentes no mercado (relevando mesmo em distintos mercados) salvaguardando o seu valor comercial, designadamente na vertente essencial desse valor que é a capacidade de atração do público – vd. neste sentido, as adequadas referências lançadas com mais detalhe por Pedro Sousa e Silva, in Direito Industrial, 2020, Almedina, Coimbra (ebook), pág. 245.
Só quando tal ocorra pode a marca gozar da proteção especial que o Direito de propriedade industrial lhe confere especificamente em atenção a tais factos.” (destaques são nossos)
A decisão em análise, reportada ao reconhecimento das marcas da Recorrida como de prestígio, não é objeto de recurso, sendo, por isso consensual a referida qualificação.
Porém, a Recorrente sufraga o entendimento que não se lhe aplica o regime do citado artigo 235.º do CPI, uma vez que não se demonstrou que o uso da marca registanda procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca, ou possa prejudica-los.
Aliás, conforme foi referido no acórdão deste TRL, de 24 de fevereiro de 2022, proferido no âmbito do processo n.º 170/21.4YHLSB.L1, “o titular da marca de prestígio deve demonstrar a existência de elementos que permitam concluir pelo risco sério de diluição, degradação ou parasitismo, para que proceda a recusa de registo de marca posterior” (in www.dgsi.pt). 
Efetivamente, em termos da atribuição da tutela prevista no artigo 235.º do CPI, Ana Maria Pereira da Silva refere que “… depende do circunstancialismo casuístico e da prova de factos de que se possa inferir num dado momento e contexto que aquele elevado valor simbólico-evocativo inere à marca e que do uso da marca ulterior resulte um aproveitamento desse valor distintivo e prestígio ou reputação, ou o possa afetar. Dada a amplitude da excecionalidade da sua efetividade a atribuição desta tutela conferida às marcas de prestígio deve revestir-se de rigor e exigência” (cfr. in CPI Anotado, Coordenação Luís Couto Gonçalves, Almedina, pág. 939).
Dito isto, temos para nós, na linha da referida exigência, que a Recorrida logrou demonstrar que a Recorrente com o uso da marca “HUGO DRINKS” procura tirar partido indevido do caráter distintivo das marcas “HUGO”, “HUGO BOSS” e “BOSS HUGO BOSS” ou que possa prejudica-los.
Efetivamente, a demostração a que nos referimos resulta sobejamente da factualidade apurada, nomeadamente da circunstância da Recorrente, logo num primeiro momento, ter requerido o registo da marca nacional n.º 703023 “DRINK BOSS1” para assinalar os mesmos produtos e serviços. Ou seja, a Recorrente solicitou ao INPI o registo dos sinais “HUGO DRINKS” e “DRINK BOSS1”, o que não manifestamente evidência uma intenção de colagem e / ou aproveitamento da marca da Recorrida e jamais uma coincidência.
 Nessa medida, tal como decidiu o Tribunal a quo, entendemos que a marca da Recorrente também poderia ser recusada por força do citado artigo 235.º do CPI.
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- Da concorrência desleal.
No que diz respeito à segunda questão, saber se o registo da marca da Recorrente é suscetível de gerar concorrência desleal, importa chamar à colação o citado artigo 232.º do CPI.
Estabelece o citado artigo, sob a epígrafe “Outros fundamentos de recusa”, que (n.º 1) “constitui ainda fundamento de recusa do registo de marca” (h) “o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção.”
A respeito da concorrência desleal importa ainda fazer apelo ao disposto no artigo 311.º do referido diploma legal.
Dispõe o aludido artigo, sob a epígrafe “Concorrência desleal”, que (1) “constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica, nomeadamente” (a) “os atos suscetíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue.” (os destaques são nossos).
Resulta do citado regime legal que a concessão do registo de marca deve ser negada quando existe “uma intenção tóxica de deslealdade comercial por parte do requerente;” mas “esta proteção preventiva é também aplicável quando esse desacerto ético possa ocorrer objetivamente, i.e. independentemente da subjacência de uma intenção daquele jaez.” (cfr. CPI Anotado, Luís Couto Gonçalves, pág. 931). 
No caso, como vimos, porque as partes disputam a mesma clientela, naturalmente reportada aos produtos e serviços a que nos temos vindo a referir, julgamos evidente a intenção de colagem e/ ou de aproveitamento da(s) marca(s) da Recorrida e, por maioria de razão, também julgamos existir a possibilidade de induzir facilmente o consumidor em confusão/ risco de associação, existindo, por isso, a possibilidade de desvios de clientela.
Efetivamente, o consumidor é suscetível de poder “comprar” os produtos ou serviços da “HUGO DRINKS” a pensar que está a comprar da “HUGO BOSS”, “BOSS” ou “BOSS HUGO BOSS” ou de pensar que esta “tem a ver” com aquela.
Por todo o exposto, ao abrigo dos artigos 208.º, 232.º e 238.º, todos do CPI, entendemos que não deve ser concedido o registo da marca nacional n.º 681766, revogando-se a decisão do tribunal a quo.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso interposto pela PARTILHA INDISCUTÍVEL, LDA, confirmando a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância que recusou o registo da marca nacional n.º 703427.
“HUGO DRINKS”
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Custas pela Recorrida (artigo 527.º do CPC).
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Lisboa, 24 de fevereiro de 2025
Bernardino Tavares
Eleonora Viegas
Paulo Abrantes Registo