Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL ADVÍNCULO SEQUEIRA | ||
Descritores: | PRESUNÇÕES JUDICIAIS TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE PENA DE PRISÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/11/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I – O objecto do processo penal é constituído apenas pelos factos essenciais penalmente relevantes, estando totalmente fora daquele quaisquer provas, razões de ciência ou subsunções; II – A frequente mistura de uns com outros na descrição factual é gravemente danosa para a administração da justiça, já que promove complicada, confusa, penosa e demorada actividade dos tribunais; III – Quando a pretensão recursiva for a substituição da leitura probatória levada a cabo por um tribunal, dentro dos limites da livre apreciação, pela de um interessado, claudica liminar e justamente por tal motivo. IV – As presunções constituem convicções essenciais à verdade total do quadro a apurar, sem o qual o erro judiciário surge fatalmente. V – Exigir pormenorizada e inalcançável minúcia descritiva factual equivale a impossibilitar ou obliterar gravemente toda a verdade. VI – O “dealer” de rua integra cadeia de tráfico, sendo elemento essencial desta. Sem ele o estupefaciente não chega ao consumidor, do que bem ciente está a comunidade e o próprio. Por isso e por regra, a sua actividade cabe na previsão do art.º 21º da Lei da Droga. VII – O preceito legal privilegiador (art.º 25º) visa situações que fujam à inserção do traficante naquela cadeia, isto é, com actos isolados de detenção ou cedência de drogas, válvula de escape relativamente ao preceito base em cuja previsão de outra forma caberia. Daí a enorme diferença de molduras penais. VIII – Não há tráfico de rua que equivalha ao de menor gravidade quando o agente não consome a droga que vende, ainda que apenas na rua, excepto grande vulnerabilidade a impôr sujeição a tal papel. IX – As obrigações internacionais de Portugal vão no sentido da imposição de penas de prisão efectiva aos agentes de tráfico de droga. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa. * AA foi condenado na pena e três anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art.º 25º do Dec.-Lei nº 15/93 de 22.1. * Interpôs o arguido o presente recurso concluindo em resumo: “(...) Ao valorar os relatórios de vigilância como se efetiva prova se tratasse o Acórdão proferido padece do vício de erro notório na apreciação da prova (...) Afirmar-se que “… o arguido AA procedia à venda de cocaína a terceiros…” “… arguido AA foi abordado no exterior do lote por diversos indivíduos, tendo, após este contacto, entrado no interior do prédio, sendo seguido por aqueles, onde lhes entregou embalagens do produto pretendido.”, “… as vendas de cocaína a terceiros, realizadas no interior do ..., em ... foram efetuadas pelo arguido AA.” “O arguido AA supervisionava…” “… o arguido AA e os indivíduos identificados em 1) encontravam-se a proceder à venda de cocaína e de heroína a terceiros…” “… o arguido AA deslocou-se ao local, para dar instruções…”, mais não são do que (...) imputações genéricas, um conjunto fáctico não concretizado (...) Os referidos pontos poderiam ser apresentados em sede de fundamentação de Direito do Acórdão, mas, com o devido respeito, nunca como matéria de facto, estamos claramente perante matéria conclusiva (...) Quanto aos pontos 1 (...) 2 (...) 3 (...) 4 (...) consubstanciam matéria puramente conclusiva (...) Quanto aos pontos 27 (...) 28 (...) 48 (...) não existe qualquer prova (...) em relação ao Arguido não existe qualquer prova direta dos factos que lhe foram imputados, nomeadamente, de uma alegada atividade de tráfico de estupefacientes (...) Quanto aos pontos 54 (...) 55 (...) deveriam ter sido dados como não provados (...) Pontos 59, 60 e 61 são contraditórios, por um lado afirma-se que o arguido AA encontrava-se a proceder à venda de cocaína e de heroína a terceiros, por outro lado, dá se como “Não Provado” que o Recorrente se dedicasse à venda de heroína a terceiros (...) 1.2 factos não provados (...) A pena aplicada ao Arguido é manifestamente desadequada e desproporcional, considerando a imagem global dos factos ao Arguido nunca deveria ter sido aplicada uma pena superior a 1 (um) ano de prisão (...) Os factos pelos quais o arguido se encontra acusado e foi condenado pelo Tribunal “a quo” não se pode considerar que tenham uma gravidade que imponham a aplicação de uma pena de prisão efetiva; XXXV Resultou da matéria de facto dada como provada que o Arguido encontra-se social e familiarmente inserido (...) Assim sendo, ponderado, o circunstancialismo descrito deveria a pena aplicada ao Arguido ser suspensa na sua execução (...) Acresce que, nos termos do artigo 43º do Código Penal considerando que o Arguido foi condenado na pena de três anos de prisão e beneficiou do perdão de um ano, nos termos do artigo 3º, n.º1, da Lei n.º38-A/2023, de 2 de agosto, deveria ter sido condenado a cumprir os dois anos de prisão em regime de permanência na habitação (...)” * O Ministério Público junto da primeira instância pugnou fosse rejeitado o recurso, sem concluir. * Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso. * Corridos os vistos, foram os autos à conferência. -- // -- // -- Fundamentação. * O acórdão recorrido estabeleceu como tal o seguinte provado: “1. Desde, pelo menos, julho de 2021, que o arguido AA (conhecido por “...”), juntamente com BB, CC (conhecido por “...”), DD, EE, FF, GG (conhecido por “...”), HH (conhecido por “...”), II, JJ, KK (conhecido por “...”) LL e outros indivíduos não identificados, se vinham dedicando, de comum acordo, e em concertação de esforços e intentos à aquisição e comercialização de cocaína a terceiros, em troca de quantias monetárias, na zona da ..., na Rua ..., Lote .., …. 2. Atividade que mantiveram diariamente, durante 24 horas, de forma ininterrupta, cientes de que àqueles locais acorrem diariamente inúmeros indivíduos com vista a adquirirem os referidos produtos, para seu consumo. 3. Para tanto, o arguido AA e os restantes indivíduos, procediam à entrega de cocaína na Rua ...: - Na via pública, junto ao Lote ...; - Junto das viaturas em que que se faziam transportar os compradores quando se dirigiam ao local; - No interior do Lote.... 4. Na concretização desta atividade, acordaram que: - O arguido AA supervisionava e coordenava a atividade em apreço, dando instruções aos indivíduos identificados em 1); - Enquanto os outros indivíduos procediam às entregas de cocaína aos consumidores que os abordavam, solicitando o produto pretendido, recebendo, em troca, a respetiva quantia monetária, exercendo, também funções de vigilância, permanecendo no exterior dos aludidos imóveis, durante as transações realizadas. 6. As entregas de cocaína eram, na maioria das vezes, realizadas no interior do referido ..., para onde se dirigiam os vendedores e os compradores, para evitarem serem detetados pelas autoridades policiais. 6. Assim, de acordo com o plano previamente acordado entre todos: 7. No dia .../.../2021, pelas 17h50, o HH chegou à Rua ..., junto ao Lote .... 8. Nessa altura, após estabelecer um breve diálogo com o arguido AA, entrou no Lote ..., para ir buscar embalagens que foi dissimular junto de um monte de pedras existente na via pública. 9. Pelas 18h03, após ter sido contactado por um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, o HH, dirigiu-se junto do monte de pedras onde tinha dissimulado embalagens, tendo dali retirado algumas e, de seguida entrou no Lote ..., para onde se tinha deslocado o referido indivíduo. 10. No dia .../.../2021, pelas 14h05, o arguido AA foi ao encontro do HH, que se encontrava junto da entrada do Lote ..., tendo estabelecido com o mesmo um breve diálogo. 11. Ato contínuo, o HH entrou no Lote ..., tendo dali regressado, pouco depois, trazendo embalagens que dissimulou junto de um monte de pedras da calçada existentes na via pública. 12. Pelas 14h25, um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, deslocou-se junto do HH. 13. Após ter estabelecido com o HH um breve diálogo, dirigiu-se ao Lote ..., onde entrou. 14. Após esse contacto, o HH dirigiu-se junto do monte de pedras onde dissimulara as embalagens, tendo dali recolhido algumas dessas embalagens. 15. Seguidamente, entrou no Lote .... 16. No dia .../.../2021, pelas 19h25, um indivíduo conhecido por MM, referenciado pela Polícia de Segurança Pública como sendo consumidor de produtos estupefacientes, deslocou-se junto do Lote ... da Rua …, tendo aí contactado com o II, que se encontrava sentado nas escadas ali existentes. 17. Após terem estabelecido um breve diálogo, o II entrou no lote 8, tendo sido seguido por MM, e ali entregou-lhe o produto pretendido. 18. Prosseguindo com o plano previamente acordado entre todos, no dia .../.../2021, o II encontrava-se a proceder à venda de cocaína a terceiros, consumidores destes produtos, no lote … da Rua .... 19. Para tanto, este encontrava-se sentado nos degraus existentes junto à porta do referido lote 8, aguardando aí ser abordado por consumidores de cocaína. 20. Após este contacto, deslocava-se ao interior do Lote ... e subia as escadas, sendo seguido pelo consumidor que aguardava no hall de entrada. 21. De seguida, o II descia as escadas e entregava ao comprador a embalagem do produto pretendido, e regressava para os degraus existentes junto à porta do imóvel. 22. Neste dia, no período compreendido entre as 22h00 e as 23h45, este II foi contactado por quatro indivíduos, tendo procedido da forma descrita. 23. No dia .../.../2021, pelas 21h00, o arguido AA encontrava-se junto ao Lote... da Rua …, nesta cidade. 24. Nessa altura, foi abordado por um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar. 25. Ato contínuo, o arguido AA entrou para o referido Lote, tendo sido seguido pelo indivíduo. 26. Pouco depois, ambos saíram para o exterior. 27. No dia .../.../2021, pelas 19h51, o arguido AA procedia à venda de cocaína a terceiros, no interior do Lote … da Rua .... 28. Nesta ocasião, este arguido AA foi abordado no exterior do lote por diversos indivíduos, tendo, após este contacto, entrado no interior do prédio, sendo seguido por aqueles, onde lhes entregou embalagens do produto pretendido. 29. Pelas 21h19 deste dia, o II encontrava-se à janela do 2º D do Lote .... 30. Nessa altura, um indivíduo, cuja identificação não se logrou apurar, dirigiu-se-lhe, estabeleceu com o II um breve diálogo e deslocou-se para junto da entrada do Lote .... 31. Seguidamente, o II desceu as escadas e entregou embalagens ao referido indivíduo. 32. Após esta entrega, o indivíduo não identificado saiu do local. 33. No dia .../.../2021, pelas 16h30, o CC e o GG, encontravam-se junto ao ... a proceder à venda de cocaína. 34. Neste dia, no período compreendido entre as 16h31 e as 18h40, o CC foi contactado por dois indivíduos, cujas identidades não se lograram apurar. 35. Após este contacto, o CC deslocou-se com esses indivíduos ao interior do ..., dali saindo, pouco depois, permanecendo no exterior do prédio. 36. Pelas 18h40, NN e OO, consumidores de cocaína, pretendendo obter este produto para seu consumo, deslocaram-se à Rua ..., fazendo-se transportar numa viatura “táxi”. 37. Ali chegados, solicitaram ao condutor da viatura que a imobilizasse junto do CC. 38. De seguida, solicitaram-lhe o referido produto. 39. Ato contínuo, o CC dirigiu-se ao Lote ..., subiu as escadas, desceu-as, saiu do prédio e regressou para junto da viatura “táxi”, tendo entregue: - A NN: uma embalagem, vulgo “quarta” de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 0,138 gramas; - A OO: uma embalagem, vulgo “quarta” de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 0,144 gramas; e recebido, em contrapartida, quantia que, em concreto, não foi possível apurar. 40. Estas embalagens foram apreendidas por Agentes da Polícia de Segurança Pública, tendo contra NN e OO, por tais factos, sido instaurado procedimento contraordenacional. 41. No dia .../.../2021, o CC encontrava-se junto da porta do Lote ... da Rua …, em …. 42. Neste dia, no período compreendido entre as 15h30 e as 17h00 foi abordado por três indivíduos, cujas identidades não se lograram apurar, com quem entrou no interior do Lote ..., dali saindo, momentos depois, juntamente com aqueles. 43. No dia .../.../2021, a venda de cocaína foi realizada no interior do Lote ... da Rua … por um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, 44. Sendo que o HH e o GG se encontravam no exterior do Lote ..., exercendo funções de vigilância. 45. No dia .../.../2021, pelas 05h30, o EE encontrava-se a proceder à venda de cocaína a terceiros, consumidores deste produto, no Lote ... da Rua …, em …. 46. Nessa altura, foi intercetado e revistado por agentes policiais que encontraram na sua posse e apreenderam, uma embalagem, vulgo “bolsa” que continha no interior, 6 embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina) com o peso líquido de 1,747 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 74,9%, sendo o equivalente a 43 doses de consumo. 47. Por estes factos foi o EE detido e presente a primeiro interrogatório judicial tendo-lhe sido aplicada medida de coação. 48. Neste mesmo dia .../.../2021, pelas 18h30, as vendas de cocaína a terceiros, realizadas no interior do Lote… da Rua ..., em … foram efetuadas pelo arguido AA. 49. O FF, o CC e o JJ encontravam-se no exterior do Lote ..., em diferentes locais, exercendo funções de vigilância, para garantir que as transações de estupefaciente eram realizadas em segurança. 50. Neste dia, ao ver no local uma viatura policial, o JJ gritou por três vezes a palavra: “UGA!” (palavra utilizada para alertar o PP da presença de Agentes da autoridade). 51. No período compreendido entre as 18h30 e as 20h20, diversos indivíduos (entre os quais QQ, RR e SS, referenciados pela Polícia de Segurança Pública como consumidores de estupefacientes), acederam ao Lote ..., de onde saíram, breves segundos depois. 52. Cerca das 19h22, perante a chegada ao local de um carro patrulha da Polícia de segurança Pública, o JJ gritou de novo a palavra “UGA!”. 53. Ato contínuo, o arguido AA foi visto a sair apressadamente do interior do Lote .... 54. No dia .../.../2021, o arguido AA, o II e dois indivíduos cujas identidades não se lograram apurar, substituíram a porta de entrada do Lote … da Rua ... por uma porta blindada com um postigo, que lhes permitia realizar as transações de cocaína, no interior do prédio, em segurança. 55. O arguido AA supervisionava a colocação da porta pelos outros indivíduos. 56. Assim, a partir deste dia, o vendedor permanecia no interior do prédio, realizando as vendas através do postigo existente na porta. 57. A porta de entrada, que permitia o acesso ao interior do Lote ..., encontrava-se sempre fechada, sendo apenas aberta, quando o indivíduo que se encontrava no exterior do imóvel, exercendo funções de vigilância, dava ordens ao vendedor para a abrir, para permitir aos moradores acederem ao interior do prédio. 58. Pelas 12h45 deste dia, o EE entregou embalagens, em tudo semelhantes à descritas em 46) dos factos provados a um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar. 59. Assim, no dia .../.../2021, utilizando o modus operandi descrito em 56) e 57) dos factos provados, o arguido AA e os indivíduos identificados em 1) encontravam-se a proceder à venda de cocaína e de heroína a terceiros, consumidores destes produtos, no interior do Lote … da Rua ..., em …. 60. Estas transações eram efetuadas através de um postigo existente na porta blindada ali colocada. 61. Neste dia, as vendas de cocaína foram realizadas por um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, sendo que o HH se encontrava no exterior do Lote ..., exercendo funções de vigilância. 62. No dia .../.../2021 as vendas de cocaína realizadas no Lote … da Rua..., em …, através do postigo colocado na porta blindada de acesso ao prédio foram realizadas por dois indivíduos, cujas identidades não se lograram apurar, assumindo um a tarefa de vendedor, encontrando-se no interior do Lote a proceder à entrega das embalagens da referida substância a indivíduos que ali se dirigiam para as adquirir, e a receber as respetivas quantias monetárias, 63. Enquanto o outro individuo exercia funções de vigilância a eventuais atuações policiais, de forma a controlar a sua aproximação ou presença, aquando das transações de estupefacientes efetuadas. 64. Pelas 12h35 deste dia, o arguido AA deslocou-se ao local, para dar instruções aos indivíduos que ali se encontravam a proceder à venda do aludido produto. 65. No dia .../.../2021 as vendas de cocaína realizadas no Lote … da Rua ..., em …, através do postigo colocado na porta blindada de acesso ao prédio foram realizadas por indivíduos cujas identidades não se lograram apurar. 66. Pelas 23h45 deste dia, o arguido AA deslocou-se ao local, para dar instruções aos indivíduos que ali se encontravam a proceder à venda do aludido produto, que se encontravam no exterior do Lote ..., exercendo funções de vigilância. 67. No dia .../.../2021 as vendas de cocaína realizadas no Lote … da Rua ..., em …, através do postigo colocado na porta blindada de acesso ao prédio foram realizadas pelo KK, que se encontrava no interior do Lote ..., aguardando aí ser contactado por consumidores da referida substância, 68. enquanto que no exterior permaneciam dois indivíduos, cujas identidades não se lograram apurar, que funções de vigilância a eventuais atuações policiais, de forma a controlar a sua aproximação ou presença, aquando das transações de estupefacientes efetuadas. 69. Pelas 18h00 deste dia, o arguido AA deslocou-se ao local, para dar instruções a um indivíduo que ali se encontrava a proceder à venda dos aludidos produtos, que se encontrava no exterior do Lote ..., exercendo funções de vigilância. 70. Nos dias .../.../2021, .../.../2021 e .../.../2021 as vendas de cocaína continuaram a ser realizadas no Lote … da Rua ..., em …, pelo KK, do modo supra descrito (“venda ao postigo”), tendo, nestes dias, ali se deslocado diversos indivíduos que pretendiam adquirir cocaína. 71. No dia .../.../2021 a venda de cocaína realizada no Lote … da Rua ..., em …, através do postigo colocado na porta blindada de acesso ao prédio foram realizadas pelo KK, que se encontrava no interior do prédio, aguardando ali ser contactado por consumidores da referida substância, entregando-as e recebendo, em troca as respetivas quantias monetárias, 72. Enquanto o CC permanecia no exterior do Lote ..., exercendo funções de vigilância a eventuais atuações policiais, de forma a controlar a sua aproximação ou presença, aquando das transações de estupefacientes efetuadas. 73. Pelas 17h00 deste dia, perante a aproximação ao local de dois elementos da Polícia Municipal e de um funcionário da “...” ao Lote ..., ouviu-se gritar, por diversas vezes: “UGA” (palavra utilizada para alertar da presença de agentes da autoridade). 74. Ato contínuo o KK e o CC encetaram fuga, tendo regressado ao local, e às posições que ocupavam, cerca de cinco minutos após os dois elementos da Polícia Municipal e o funcionário da “...” saírem daquele local. 75. No dia .../.../2021 a venda de cocaína realizada no Lote … da Rua ..., em ..., através do postigo colocado na porta blindada de acesso ao prédio foram realizadas pelo KK, e pelo CC, que se encontravam no interior do prédio, aguardando ali serem contactados por consumidores da referida substância, entregando-a e recebendo, em troca as respetivas quantias monetárias, 76. Enquanto que um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, permanecia no exterior do Lote ..., exercendo funções de vigilância a eventuais atuações policiais, de forma a controlar a sua aproximação ou presença, aquando das transações de estupefacientes efetuadas. 77. Pelas 19h05 deste dia, o arguido AA dirigiu-se junto do indivíduo não identificado, que neste dia assumia a posição de “vigia” e deu-lhe instruções. 78. Após receber estas instruções, este indivíduo dirigiu-se junto da porta blindada que permitia o acesso ao ... e transmitiu tais instruções aos vendedores. 79. No dia .../.../2021, pelas 10h30, a venda de cocaína realizada no Lote … da Rua ..., em …, através do postigo colocado na porta blindada de acesso ao prédio foram realizadas por indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, que permanecia no interior do Lote, 80. enquanto que o CC encontrava-se na via pública, no exterior do Lote … da Rua ..., em …, exercendo funções de vigilância a eventuais atuações policiais, de forma a controlar a sua aproximação ou presença. 81. Pelas 15h55, o CC estabeleceu breve contacto com um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, que permaneceu no seu lugar, assumindo, a partir daí as funções de “vigia”. 82. Antes de abandonar o local, o CC dirigiu-se à porta de entrada do Lote ..., tendo recebido através do postigo ali existente embalagens. 83. Pelas 15h15 o arguido AA foi ao encontro do indivíduo que se encontra no exterior do Lote ... a exercer funções de vigilância e entregou-lhe embalagens. 84. Após esta entrega, o indivíduo entrou no Lote ..., tendo dali saído, momentos depois. 85. Neste dia, no período compreendido entre as 10h30 e as 15h55, doze indivíduos dirigiram-se à porta blindada existente no Lote ... e, após estabelecerem um breve diálogo com o indivíduo que se encontrava no interior do prédio, entregaram quantias monetárias pelo postigo, recebendo do indivíduo embalagens. 86. Pelas 15h30 deste dia, TT, referenciado pela Polícia de Segurança Pública como sendo consumidor de produtos estupefacientes, dirigiu-se à porta do Lote ..., estabelecendo um breve diálogo com o indivíduo que se encontrava no interior, após o que, entregou algo a esse indivíduo, pelo postigo, tendo recebido deste, embalagens em tudo semelhantes às anteriores. 87. Pelas 15h55, UU, consumidor de cocaína, pretendendo obter este produto para seu consumo, deslocou-se à porta de entrada do Lote … da Rua .... 88. Ali chegado, solicitou e recebeu, através do postigo existente na porta de entrada, uma embalagem de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 0,156 gramas, entregando, para o efeito, a respetiva quantia monetária. 89. Este produto foi apreendido na posse de UU por Agentes da Polícia de Segurança Pública tendo contra si, por estes factos, sido instaurado procedimento contraordenacional. 90. Pelas 19h40, o CC deslocou-se à porta do Lote ..., tendo recebido embalagens através do postigo ali existente. 91. Após, permaneceu no exterior do imóvel, assumindo a posição de “vigia”, controlando os acessos da parte de baixo da Rua ..., enquanto que o HH se encontrava na parte de cima desta rua, junto às escadas, por forma a controlar a aproximação de agentes policiais no local. 92. No dia .../.../2021 a venda de cocaína realizada no Lote … da Rua ..., em …, através do postigo colocado na porta blindada de acesso ao prédio foi realizada pelo indivíduo não concretamente identificado, que se encontrava no interior do prédio, aguardando ali ser contactado por consumidores da referida substância, entregando-a e recebendo, em troca, as respetivas quantias monetárias, 93. enquanto que o HH permanecia no exterior do Lote ..., exercendo funções de vigilância a eventuais atuações policiais, de forma a controlar a sua aproximação ou presença, aquando das transações de estupefacientes efetuadas. 94. Neste dia, no período compreendido entre as 11h30 e as 18h30, diversos indivíduos, entre os quais VV, indivíduo referenciado pela Polícia de Segurança Pública como consumidor de produto estupefaciente, deslocaram-se à porta de entrada do Lote ..., tendo entregue através do postigo notas, e recebido embalagens em troca. 95. Cerca das 17h39, o arguido AA chegou ao local, dirigiu-se junto da porta blindada do Lote ... e, através do postigo deu orientações ao indivíduo que se encontrava no interior do Lote, a proceder à venda de cocaína. 96. No dia .../.../2021, pelas 09h00, BB e LL encontravam-se no interior do Lote … da Rua ... (no hall de entrada) a proceder à venda de cocaína a terceiros, em troca de quantias monetárias, 97. Enquanto que CC e JJ se encontravam no exterior deste Lote, a exercer funções de vigilância a eventuais atuações policiais, de forma a controlar a sua aproximação ou presença e poderem alertar aqueles BB e LL. 98. Cerca das 09h25, WW, consumidor de cocaína, pretendendo obter este produto para seu consumo, dirigiu-se à entrada do referido Lote .... 99. Ali chegado, através do postigo existente na porta de entrada do prédio solicitou aos BB e LL uma embalagem do referido produto, tendo-lhes entregue, para o efeito, quantia que, em concreto, não foi possível apurar. 100. Ato contínuo, os BB e LL entregaram a WW uma embalagem, vulgo “quarta” de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 0,300 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 63,0% sendo o equivalente a 6 doses de consumo. 101. Esta embalagem foi apreendida por agentes da Polícia de Segurança Pública na posse de WW, tendo contra o mesmo, por estes factos, sido instaurado procedimento contraordenacional. 102. Neste dia, pelas 09h50, Agentes da PSP lograram entrar no interior do Lote .... 103. Ao se aperceber da sua presença, o CC gritou: “UGA” (palavra utilizada para alertar os BB e LL da presença de agentes da autoridade). 104. Ato contínuo, os BB e LL encetaram fuga, tendo apenas logrado não ser intercetado pelos agentes o LL. 105. Nessa altura, no hall de entrada do Lote … da Rua ..., em …, onde, antes de iniciarem fuga, se encontravam BB e LL foram encontrados e apreendidos: - 01 (uma) porta blindada com postigo em ferro; - 01 (uma) faca, com fita adesiva preta, utilizada para fracionar a cocaína que comercializavam; - 05 (cinco) cartões SIM; - 01 (um) Tablet; - 01 (um) Telemóvel Huawei; - 21 (vinte e um) pacotes de Cocaína; - 10 (dez) embalagens, vulgo “bolsas”, que por sua vez continham: - 12 (doze) embalagens, vulgo quartas, de Cocaína; - 29 (vinte e nove) embalagens, vulgo quartas, de Cocaína; - 11 (onze) embalagens, vulgo quartas, de Cocaína; - 11 (onze) embalagens, vulgo quartas, de Cocaína; - 12 (doze) embalagens, vulgo quartas, de Cocaína; - 11 (onze) embalagens, vulgo quartas, de Cocaína; - 34 (trinta e quatro) embalagens, vulgo quartas, de Cocaína; - 11 (onze) embalagens, vulgo quartas, de Cocaína; - 11 (onze) embalagens, vulgo quartas, de Cocaína; - 12 (doze) embalagens, vulgo quartas, de Cocaína; Num total de 175 embalagens de cocaína, sendo que: - 60 (sessenta) dessas embalagens continham cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 18,754 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 61,3%, sendo o equivalente a 383 doses de consumo; - 43 (quarenta e três) dessas embalagens continham cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 7,335 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 60,9%, sendo o equivalente a 148 doses de consumo; - 72 (setenta e duas) dessas embalagens continham cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 44,112 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 54,1%, sendo o equivalente a 119 doses de consumo; - Diversos pedaços de sacos plásticos (cantos) próprios para acondicionar a cocaína para a venda direta ao consumidor. 106. Neste mesmo dia, pelas 09h55, o DD dirigiu-se à Rua ..., Lote…, nº …, em …. 107. Ali chegado, fechou a porta blindada que permite o acesso ao prédio. 108. Neste dia, no período compreendido entre as 10h00 e as 10h35, diversos indivíduos, cujas identidades não se lograram apurar, deslocaram-se à porta de entrada do referido prédio, e entregaram, através do postigo existente na porta, quantias monetárias, recebendo do DD, em contrapartida, embalagens. 109. Pelas 10h40, o DD foi intercetado por agentes policiais, no referido local. 110. Nesta altura, o DD tinha na sua posse: - 51 (cinquenta e uma) embalagens, vulgo quartas, de Cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 6,984 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 38,0%, sendo o equivalente a 88 doses de consumo; - 49 (quarenta e nove) embalagens, vulgo quartas, de Heroína, com o peso líquido de 7,246 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 6,1%, sendo o equivalente a 4 doses de consumo; - 47 (quarenta e sete) embalagens, vulgo quartas, de Heroína, com o peso líquido de 6,586 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 6,6%, sendo o equivalente a 4 doses de consumo; - 20 (vinte) embalagens, vulgo quartas, de Cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 2,108 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 37,9%, sendo o equivalente a 26 doses de consumo; - a quantia monetária de € 270,30 (duzentos e setenta e trinta) euros; - 01 (um) telemóvel de marca e modelo “I-phone 8”; - 01 (uma) chave da residência do 1.º andar esquerdo daquele imóvel. 111. Pelas 10h45 deste dia, o DD tinha no interior da habitação sita na Rua ..., Lote …, nº 2, 1º ..., em …, vários cantos de sacos de plástico. 112. Neste mesmo dia .../.../2021, pelas 10h00, o II tinha no interior da sua habitação sita na Rua..., nº …, 2º …: - um caderno com apontamentos; - 3 fechaduras de culatra, idênticas às existentes nas portas blindadas. 113. Na mesma altura, o II tinha na sua posse, no interior do bolso direito das calças que envergava: - a quantia monetária de € 900,00 (novecentos euros). 114. O arguido AA, que atuou em comunhão de esforços e intentos com os restantes indivíduos identificados em 1) dos factos provados, conhecia as características e natureza estupefaciente da cocaína apreendida, destinando-a à venda a terceiros, mediante contrapartida monetária. 115. O arguido AA sabia que a aquisição, detenção e comercialização de produtos estupefacientes é criminalmente punida por lei. 116. A faca e os cantos de sacos de plástico apreendidos eram utilizados para fracionar e embalar a cocaína e a heroína que transacionavam. 117. As quantias monetárias apreendidas - com exceção da quantia apreendida ao II - tinham sido obtidas com os proventos resultantes de transações de cocaína efetuadas. 118. O arguido AA agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida por lei. 119. À data das circunstâncias que deram origem ao presente processo judicial, o arguido AA apresentava o contexto familiar que mantém no presente. O arguido reside com a companheira, grávida de 8 meses, o filho em comum de 10 meses, o enteado de 7 anos, o filho do arguido de 10 anos de uma primeira relação, e os progenitores do arguido. 120. O agregado familiar reside numa habitação de gestão camarária atribuída aos progenitores, e são estes que assumem o encargo mensal da renda no valor de € 51 euros mensais. 121. Os progenitores do arguido, que sempre se dedicaram à venda ambulante, estão ambos doentes. 122. A progenitora do arguido é beneficiária do rendimento social de inserção e o progenitor beneficia de um apoio complementar do Estado, cujos montantes não foi possível concretamente apurar. 123. O arguido AA e a companheira dedicam-se à atividade de venda ambulante de segunda a sexta-feira na feira de ... e, no domingo, na feira do … em …, a companheira vende ainda alguma bijuteria através de vendas em direto nas plataformas eletrónicas, pelo que os rendimentos de ambos variam em função das vendas efetuadas, num valor estimado entre os € 450 e os € 500 euros mensais. 124. O arguido AA aufere o abono de família do filho menor, no valor de € 138 euros, não auferindo qualquer outro apoio social do Estado. 125. O arguido AA frequentou o sistema de ensino até ao 7.º ano, pautado por algumas retenções associadas ao absentismo, abandonando os estudos por iniciativa própria. 126. O processo de desenvolvimento do arguido AA decorreu junto dos progenitores e de mais 3 irmãos, vendedores ambulantes, num bairro social conotado como zona de problemática social, nomeadamente com carência económica. 127. O arguido iniciou a atividade laboral na venda ambulante a acompanhar os progenitores aos 15 anos de idade. 128. O arguido iniciou o consumo de haxixe aos 18 anos de idade, em contexto grupal, tendo optado por deixar tal consumo por iniciativa própria, sem recurso a apoio especializado, motivado por o início de um relacionamento amoroso aos 29 anos de idade. 129. De um primeiro relacionamento amoroso o arguido tem um filho atualmente com 10 anos, que apesar de não haver regulação das responsabilidades parentais, vive no equivalente ao regime de guarda partilhada. 130. De uma segunda relação o arguido, tem um filho de 10 meses, a companheira está grávida e tem um enteado de 7 anos de idade. 131. O arguido AA passa os tempos livres com a família, e dedica o seu tempo à atividade de … e ao apoio aos cuidados de saúde do progenitor. 132. O presente processo não teve impacto significativo a nível pessoal do arguido AA, o qual adota um discurso desresponsabilizador e vitimizador relativamente à instauração do presente processo. 133. O arguido AA sofreu as seguintes condenações: - Por sentença proferida em 15/05/2015, no processo n.º 141/15.0GBGDL, do Juízo de Competência Genérica de Grândola – Juiz 1, transitada em julgado em 05/04/2017, foi condenado pela prática, em 01/05/2015, de um crime de furto simples, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de € 5. Tal pena foi declarada extinta, pelo cumprimento; - Por sentença proferida em 14/02/2017, no processo n.º 19/14.4S9LSB, do Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 6, transitada em julgado em 17/10/2017, foi condenado pela prática, em 21/01/2014, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 12 meses, com regime de prova. Tal pena foi declarada extinta nos termos do artigo 57.º do Código Penal; - Por sentença proferida em 11/07/2017, no processo n.º 8/16.4SMLSB, do Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 4, transitada em julgado em 09/04/2018, foi condenado pela prática, em 14/01/2016, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, com regime de prova. Por despacho proferido em 19/01/2021 e transitado em julgado em 05/05/2021, foi prorrogado o período de suspensão pelo período de 1 ano; - Por sentença proferida em 03/02/2016, no processo n.º 443/14.2PLLSB, do Juízo local de Pequena Criminalidade de Lisboa – Juiz 5, transitada em julgado em 22/04/2016, foi condenado pela prática, em 12/07/2014, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 70 dias de multa, à razão diária de € 5. Tal pena foi declarada extinta pelo cumprimento.” * E o seguinte não provado: “a) O arguido AA, se dedicasse, de comum acordo e em concertação de esforços e intentos com os indivíduos identificados em 1) dos factos provados, à comercialização de heroína a terceiros, em troca de quantias monetárias, na ..., e à comercialização de heroína e cocaína na .... b) Na concretização da atividade referida em 1) dos factos provados, o arguido AA recolhia as quantias provenientes das vendas. c) Aquando do referido em 39) dos factos provados, o CC tenha recebido concretamente a quantia de € 20 (vinte euros). d) Nas circunstâncias referidas em 45) dos factos provados: - cerca das 05h40, um indivíduo de sexo feminino, cuja identificação não se logrou apurar, dirigiu-se à entrada deste Lote e perguntou: “Está aí alguém?”. - Ato contínuo, o EE desceu as escadas do Lote .... - Nesse instante, um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar gritou “UGA” (palavra utilizada para alertar da presença de Agentes da autoridade). - Nesse momento, o arguido EE subiu as escadas. - Cerca de cinco minutos depois, um indivíduo conhecido por “XX” chegou ao Lote ... e perguntou: “Está aí alguém?”. - Ato contínuo, o arguido EE desceu, de novo, as escadas. e) Nos dias ..., ... e ... de ... de 2021, as vendas de cocaína que foram realizadas no Lote … da Rua ..., em …, tenham sido concretamente realizadas por KK. f) Aquando do referido em 99) dos factos provados, WW tenha entregue concretamente a quantia de € 20 (cinte euros). g) O caderno apreendido a II contivesse concretamente apontamentos alusivos às transações de estupefacientes. h) A quantia monetária apreendida a II tenha sido obtida com os proventos resultantes de transações de cocaína e heroína efetuadas.” * E como motivação do que antecede, explanou o colectivo: “Ao nível da prova pré-constituída e também da prova documental e pericial junta aos autos (por referência às folhas constantes destes autos, visto que estes tiveram origem em certidão extraída do processo n.º 31/21.7SMLSB), teve-se em consideração: - O relatório de vigilância de fls. 65/66, relativo ao dia .../.../2021, em que foi observada a banca em funcionamento na Rua ..., em ..., onde o arguido AA, então identificado pela alcunha “...” é visto no local; - O relatório de vigilância de fls. 66 verso e 67, relativo ao dia .../.../2021, onde volta a ser observada a mesma banca, e as movimentações que aí estão descritas em que têm intervenção o arguido AA e o HH; - O relatório de vigilância de fls. 68, relativo ao dia .../.../2021, onde continua a ser observada a mesma banca, e onde voltam a ser vistos o arguido AA e o HH, em termos similares ao referidos no relatório que antecede; - O relatório de vigilância de fls. 69/70, relativo ao dia .../.../2021, em que é observado na mesma banca o II; - O relatório de vigilância de fls. 71/72, relativo ao dia .../.../2021, onde novamente é observado o II em movimentações junto à banca; - O relatório de vigilância de fls. 72 verso a 74, relativo ao dia .../.../2021, onde é observado o arguido AA; - O relatório de vigilância de fls. 74 verso a 77, relativo ao dia .../.../2021, onde novamente é observado o arguido AA; - O relatório de vigilância de fls. 77 verso e 80, relativo ao dia .../.../2021, em que são observadas as movimentações do arguido AA e de II junto à mesma banca; - O relatório de vigilância de fls. 81/83, relativo ao dia .../.../2021, em que são observados na banca CC e GG; nesta situação foram abordados pela PSP dois compradores, designadamente NN e OO, a quem veio a ser o produto estupefaciente fotografado a fls. 84 verso e 86; - De fls. 86 verso a 89 encontra-se o expediente relativo à apreensão a NN e OO de produto estupefaciente; - O relatório de vigilância de fls. 90/92, relativo ao dia .../.../2021, onde foi observado na banca o CC; - O relatório de vigilância de fls. 93/95, relativo ao dia .../.../2021, onde foram observados na banca o GG e o HH; - O relatório de vigilância de fls. 95 verso a 99, relativo ao dia .../.../2021, onde foram observados na banca FF, CC e JJ; - A fls. 110/111 temos o expediente relacionado com a detenção do EE por factos ocorridos no dia .../.../2021, com o auto de apreensão de fls. 111 verso e 112, e fotogramas de fls. 113 a 114, que correspondem ao produto estupefaciente apreendido e às «bolsas» vazias que se encontravam no hall de entrada, junto às escadas, junto ao elevados e no parapeito da janela do 1.º andar, do ... da ..., em ..., demonstrativas de que naquele local se procedia à venda de produtos estupefacientes (uma vez que estas bolsas acondicionam doses individuais para venda); - O relatório de vigilância de fls. 102/104, relativo ao dia .../.../2021, onde foram observados na banca o arguido AA, o II e o EE; - O relatório de vigilância de fls. 105/106, relativo ao mesmo dia .../.../2021, onde foram observados no local o arguido AA, o II e outros dois indivíduos não identificados quando estava a ser montada uma porta blindada na zona onde até aí estava e onde continuou a estar instalada a banca de venda. Este tipo de porta blindada, com o postigo, como é do conhecimento geral, é utilizada nas bancas de venda de estupefaciente por forma a permitir a concretização das vendas sem que seja visualizada a pessoa que se encontra por trás da porta, bem como para impedir o acesso mais fácil ao interior do imóvel, onde estará o produto estupefaciente que se encontra a ser comercializado; - O relatório de vigilância de fls. 106 verso a 109, relativo ao dia .../.../2021, onde foi observado que a venda já estava a ser feita ao “postigo”, estando no local o HH a exercer funções de vigia; - O relatório de vigilância de fls. 116/120, relativo ao dia .../.../2021, onde é observado na banca o arguido AA; - A fls. 122 verso e 123 fotogramas do exterior da porta do prédio sito na ..., bem como do interior da entrada desse prédio e do postigo instalado na porta de entrada, o qual, como já mencionado, é habitualmente utilizado para proceder à venda de produtos estupefacientes com maior segurança para quem desenvolve essa atividade; - O relatório de vigilância de fls. 124/125, relativo aos dias ... de ... de 2021, onde foi observado na banca o arguido AA; - O relatório de vigilância de fls. 126/128, relativo ao dia .../.../2021, onde são observados o arguido AA e KK; - O relatório de vigilância de fls. 129/130, relativo ao dia .../.../2021, onde foi observado a banca em funcionamento, com a venda a ser feita ao postigo; - O relatório de vigilância de fls. 132/133, relativo ao dia .../.../2021, onde foi observado a banca em funcionamento, com a venda a ser feita ao postigo; - O relatório de vigilância de fls. 134/135, relativo ao dia .../.../2021, onde foi observado a banca em funcionamento, com a venda a ser feita ao postigo; - O relatório de vigilância de fls. 136/138, relativo ao dia .../.../2021, onde foram observados KK e CC na banca; - O relatório de vigilância de fls. 138 verso a 141, relativo ao dia .../.../2021, onde foram observados na banca KK, CC e o arguido AA; - O relatório de vigilância de fls. 142/146, relativo ao dia .../.../2021, onde foram observados o arguido AA e EE. Este relatório embora comprove que a banca em causa estava em funcionamento, sempre em moldes semelhantes, e que, neste dia estiveram envolvidos nas vendas o arguido AA e o referido EE, trata-se de factualidade que não foi levada à acusação, pelo que apenas constitui prova sobre a atividade mais geral que ali era levada a cabo; - O relatório de vigilância de fls. 147/167, relativo ao dia .../.../2021, onde foram observados CC, o arguido AA e HH. Nesta ocasião foi intercetado um comprador, UU, o qual tinha na sua posse uma embalagem de cocaína (fotograma de fls. 168); - A fls. 169/172 encontra-se o expediente elaborado na sequência da apreensão a UU de produto estupefaciente; - O relatório de vigilância de fls. 173/190, relativo ao dia .../.../2021, em que são observados na banca HH e o arguido AA; - O relatório de vigilância de fls. 191/196, relativo ao dia .../.../2021, onde foram observados BB, LL, CC e JJ em atividade na banca. Nesta situação foi intercetado um comprador, WW, na posse de uma embalagem de cocaína; - A fls. 199/201 encontra-se o auto de busca e apreensão relativo ao local onde estava instalada a banca, busca e apreensão estas realizadas na sequência da intervenção dos elementos da PSP que vieram a deter BB; - De fls. 204 a 208 encontram-se fotogramas relativos ao produto estupefaciente, quantias monetárias e outros bens, assim como do interior do local onde ficavam os vendedores, no Lote … da Rua ... (e não como, por mero lapso, por vezes se legenda em alguma das fotos, ..., pois não só resulta da sequência do expediente que foi naquela rua onde estava instalada a banca que vinha sendo a ser observada que foi executada a busca, como também isso mesmo foi confirmado em audiência de julgamento pelas testemunhas agentes da PSP que tiveram intervenção na diligência); - A fls. 211 verso e 212 encontra-se o auto de apreensão de produto estupefaciente e quantias monetárias a DD, no dia .../.../2021; - O relatório de vigilância de fls. 213, relativo ao dia .../.../2021, tendo sido observado DD a proceder à venda de estupefacientes na banca sita na Rua ..., em ...; - A fls. 215/216 encontram-se fotogramas da porta de entrada do prédio onde DD procedia às vendas de estupefaciente, na qual também existe um postigo, bem como do interior da entrada do prédio, onde aquele ficava, assim como dos locais onde era guardado o produto estupefaciente; - A fls. 218 consta o auto de busca e apreensão a II, tendo-lhe sido apreendido uma quantia monetária, um caderno e três fechaduras similares às existentes na porta blindada da banca, os quais estão fotografados a fls. 219; - A fls. 222 dos autos temos o auto de busca e apreensão, onde foram apreendidos vários cantos de sacos de plástico. - A fls. 238/239 encontra-se o expediente elaborado na sequência da apreensão de produto estupefaciente a WW; - Os exames periciais de fls. 115, 131 e 253 a 263. Relativamente aos relatórios de vigilância importa referir que tribunal os valorou de forma conjugada com os depoimentos dos agentes da PSP que tiveram intervenção nos mesmos, os quais confirmaram os autos de vigilância relacionados com as concretas movimentações do arguido AA e restantes indivíduos. Salienta-se que, como foram recolhidas imagens fotográficas nos presentes autos, tal reforça a validade e força probatória dos aludidos relatórios de vigilância. Assim, e no que diz respeito à prova testemunhal a mesma revelou-se clara, segura, credível e objetiva no sentido de confirmar, não só os autos de vigilância, bem como os autos de notícia, autos de apreensão e autos de busca e apreensão juntos aos autos, tal como descrito no acervo fáctico, à exceção de detalhes de somenos importância, transladados para os factos não provados. A testemunha YY disse ter participado nas vigilâncias ao local e aos suspeitos, esclarecendo que a investigação visava uma banca (ponto de venda) de produto estupefaciente que funcionava na Rua..., no ..., a qual começou com a detenção de um indivíduo. Aquele era um local para onde os consumidores se deslocavam para aquisição de produto estupefaciente. Foram presenciadas algumas movimentações do arguido. A determinada altura da investigação, é colocada no local uma porta com um postigo no Lote ... e a banca continuou a funcionar, com a porta fechada e apenas com a entrega ao postigo. Referiu que o início das operações de vigilância ocorreu em .../… de 2021. A banca funcionava no interior do hall de entrada do Lote .... Normalmente o vendedor encontrava-se na rua e dirigia-se para o interior do Lote ... para atender os “clientes”. Os compradores também entravam para o interior do Lote ... e compravam, depois saíam e o vendedor continuava por ali. Também havia vigias no exterior, na parte de cima e de baixo da Rua .... Era este o modo de atuação da banca. Concretamente no que refere ao arguido AA, foi visto a contactar com os vendedores e a dar instruções aos vigias e aos vendedores. Tem presente uma vigilância em que o arguido avisa o vendedor porque o vigia grita UGA na altura em que passa um carro patrulha. O arguido, que se encontra a sair do interior do Lote ..., vê o carro patrulha e grita também UGA. Disse que o arguido era visto no local diariamente. Umas vezes ficava lá grande parte do dia, outras vezes deslocava-se (saía de lá). O arguido, para além de contactar com os vendedores e vigias era visto a deslocar-se ao 1.º andar do ..., onde viva um dos outros arguidos do processo (processo inicial do qual foi extraída a certidão que deu origem a estes autos), o II, o que era visível nas vigilâncias porque os prédios na ... têm janelas nas escadas, nos patamares de cada andar. Eles até sabiam quanto o arguido se deslocava a casa do II, porque sendo que o arguido se encontrava em casa daquele, a mulher do II vinha sempre à janela e mantinha uma postura vigilante. Foi confrontado com os relatórios de vigilância juntos aos autos, confirmou o seu teor, precisou o local onde se encontravam a efetuar as diligências, a visibilidade que tinham para o ..., alvo das vigilâncias, as movimentações que visualizou e prestou esclarecimentos sobre os mesmos. Confirmou as deslocações ao 1.º andar do Lote ..., onde vivia o II. Esclareceu que nos relatórios o arguido AA é indicado como sendo conhecido por ... por ser essa a forma como ele era conhecido por toda a gente, todas as pessoas que frequentavam aquele meio o conheciam por ..., é a alcunha dele, eles sabiam que o AA é conhecido por .... Mesmo antes desta investigação, o arguido já era referenciado por .... Algumas fotos foram tiradas por si outras pelo seu colega. Trabalhavam em conjunto. Disse que era o arguido quem controlava a banca, referindo que tal conclusão se ficou a dever aos movimentos levados a cabo pelo arguido, a forma como este contactava com os vigias, a forma como entrava na banca (a porta abria-se quando o arguido chegava, não era preciso bater, era só dizer alguma coisa), a reverência com que era tratado pelos vigias e pelos vendedores, a sua atitude corporal, a forma como indicava, por gestos, para entrarem no lote. Todo o funcionamento daquela banca tinha um ponto em comum, o arguido AA. Até na montagem duma porta no prédio onde o arguido nada tinha a ver, uma vez que os pais dele viviam no prédio ao lado, no Lote 9, a montagem da porta blindada com postigo, foi controlada pelo arguido. Descreveu a forma como se processava a venda do produto estupefaciente no referido Lote e a atuação do arguido. Antes da colocação da porta blindada, os compradores entravam no Lote e o arguido, por vezes, também entrava. As entregas/vendas eram todas no interior do lote. No dia da operação, a droga estava no hall do Lote ..., nas caixas do correio das pessoas que residiam no prédio, as quais não tinham portas. Foi confrontado com o relatório de vigilância de .../.../2021, esclarecendo que o arguido sai do interior do Lote alertado pelo vigia, vê o carro da polícia e grita UGA. Relativamente às viaturas utilizadas pelo arguido, disse que o mesmo utilizava uma viatura ... e também um veículo ..., dos pequeninos e desportivo. Os pais do arguido vivem prédio ao lado daquele onde se procedia à venda do estupefaciente (no Lote 9). Arguido nem sempre pernoitava na casa dos pais. Normalmente os vigias eram consumidores e habitualmente recebiam em troca estupefacientes. Quem ficava a vender eram indivíduos que não eram consumidores de produto. Explicou os fotogramas constantes do relatório referente à colocação da porta blindada na entrada do prédio do Lote ..., afirmando que, a porta blindada não tinha fechadura, só abria por dentro e era em ferro, era impossível arrombar a porta. Tinha só o postigo. Os moradores não conseguiam entrar. Havia situações que a banca parava e nessa altura a porta estava aberta. Quando a banca estava em funcionamento a porta fechava. Nunca apreenderam produto estupefaciente na posse do arguido. Era o arguido quem controlava a venda e nada se passava sem que ele não soubesse. Arguido contactava com várias pessoas e nunca ouviu nenhum diálogo entre o arguido e os restantes. Não sabe quem adquiriu a porta nem se a mesma foi adquirida pelo arguido. Arguido foi visto a contactar com os vendedores, a dar instruções ao vendedor e aos vigilantes A testemunha ZZ esclareceu que o processo teve início porque tiveram informação de ter sido aberta uma nova “banca” (local de venda de produto estupefaciente) na Rua ..., que era a “banca” do .... Iniciaram as diligências, foram ao local e foi detido o indivíduo de nome AAA, no final do mês de ....de 2021. A partir daí iniciaram as vigilâncias no local e foi intercetado e detido um outro indivíduo por suspeitas de tráfico de produto estupefaciente. Nas vigilâncias, constatou que o arguido AA tem a função de dono da banca, concretizando que tal constatação se ficou a dever ao facto de, sempre que o arguido AA chegava ao local e dava instruções tanto aos vendedores como aos vigias, e estes faziam o que aquele mandava. Arguido dirigia-se aos vigias, gesticulava para eles e, pela linguagem corporal, era notório que o arguido dava instruções. Esclareceu que o arguido AA é conhecido como ..., afirmando que no bairro todos o conhecem por ..., que ele próprio só o conhecia por ... e que só depois soube que o arguido se chamava AA. Disse que o arguido vivia na mesma rua, no lote ao lado (Lote …) do local onde se processava a venda de produto estupefaciente e que, no início, a venda se processava com a porta aberta, explicando como a mesma ocorria e o comportamento dos vendedores e dos vigias. Disse a testemunha que, habitualmente, quem lá se encontravam eram o vendedor e os vigias. As restantes pessoas que vivem ali, por norma, estão mais da parte de baixo, junto ao café. O arguido dirigia-se ao vendedor e aos vigias e depois sentava-se numas escadas junto ao café, a cerca de 10 metros do local da venda e ficava aí, esclarecendo que, desse local, o arguido tinha visibilidade para o Lote .... Via o arguido a falar com eles, a gesticular e depois via as movimentações das pessoas com quem o arguido falava. Viu também o arguido a encaminhar vendedores para o local da venda, afirmando que via os consumidores a falar com o arguido (por vezes, estando eles de costas, não se apercebiam se falavam, ou não), sendo que, após, os consumidores se dirigiam ao lote 8. Disse ainda que, numa das vigilâncias, o arguido contacta com um dos consumidores, depois entram no lote 8, o arguido sobe ao primeiro andar enquanto o consumidor permanece no rés-do-chão. Entretanto o arguido desce e, depois, o consumidor saiu. Nesta situação, não sabem se houve transação porque não tinham visibilidade para o interior do lote nem o consumidor foi intercetado. Não tem conhecimento que o arguido seja consumidor de drogas duras, drogas leves talvez, mas não sabe. A partir de determinada altura, a venda deixa de ser à porta aberta e passa a ser ao postigo. Tiverem a informação que no local estava a ser montada a porta, passaram no local e viram lá a porta, numa carrinha de um indivíduo de nome BBB, sendo que no local estavam também os vigias que costumam estar lá no local. Disse que os vigias eram quase sempre os mesmos: o HH, conhecido por “...”; o GG, conhecido por “...”. Quando passaram no local da parte da tarde, a porta estava a ser montada e aí se encontrava o arguido. A ideia com que ficou do que viu foi que o arguido assumiu uma postura de supervisão na montagem da porta, concretizando que tal se ficou a dever ao facto do arguido estar a ver a montagem da porta, muito embora não tenha sido percetível se este deu instruções na sua montagem. Descreveu a porta, sem fechadura e com um postigo, e a forma como a mesma se encontrava colocada, com ferros cravados na parede e várias trancas, afirmando que no dia da operação, não conseguiram tirar a porta, tiveram que chamar os funcionários da ..., que tiveram que retirar a porta com recurso a uma rebarbadora. Afirmou que, depois da montagem da porta, o comportamento do arguido era a mesma, saída de casa, falava com as pessoas que aí se encontravam, vendedor, vigias e consumidores, e depois viam as movimentações destes na sequência do contacto com o arguido. Numa vigilância, viu o arguido a conduzir uma viatura onde seguia, ao lado, um indivíduo de nome, CCC, saiu da viatura, entrou no Lote..., permanece no seu interior cerca de 15 minutos, voltou a sair e dirigiu-se de novo para a viatura. O arguido usava viaturas automóveis, recordando-se de ver o arguido deslocar-se num Porsche e com outros carros, nomeadamente uma viatura da marca ..., mas não fizeram diligências no sentido de apurar a quem pertenciam os veículos usados pelo arguido. Disse ainda que não lhe conhecia atividade profissional que lhe permitisse ter tais viaturas, nunca tendo visto o arguido a vender na feira com os pais. O arguido permanecia no local por períodos distintos, uns dias mais tempo outros dias menos, era incerto. Permanecia afastado da porta e não a olhar diretamente para a porta, mais para o exterior a ver se se aproximava alguma viatura policial, não fosse os vigias estarem mais distraídos, referindo que após a colocação da porta blindada, os vigias estavam mais à vontade e o arguido já não parava lá tantas vezes. Após a colocação da porta, o arguido falava ao postigo, abriam a porta e ele entrava no lote. A testemunha disse ainda ter participado no dia da operação, nas buscas, nas detenções do DDD (no final do mês de ...), do EE (um ou dois dias antes da montagem da porta que teve lugar no início do mês de ...), ambos vendedores. A sua busca foi na casa do II, que vivia no 1.º andar do lote …, onde não encontraram produto estupefaciente. O produto estupefaciente que foi apreendido estava no Lote ..., dentro das caixas do correio no hall de entrada, onde também havia um colchão para descansarem, um balde para fazerem as necessidades, uma cadeira, uma mesa, carregadores de telemóvel, sacos de comida (McDonald´s). Participou também na interceção do CC, no dia da operação (.../.../2021), o qual tentou colocar-se em fuga e foi intercetado. As vigilâncias eram à banca e a todos os movimentos à sua volta. Não fizeram seguimentos ao arguido para apurar para onde o mesmo se deslocava. Não era percetível o que o arguido falava com os outros indivíduos. À distância a que se encontravam a efetuar as vigilâncias era visível que estavam a falar, mas não era percetível o que estavam a dizer. Não viu mais ninguém a chegar ao local e a falar, a gesticular ou a apontar com os vigilantes e os vendedores para além do arguido. Quando os vigias ou o arguido queriam entrar no lote, batiam à porta, abriam o postigo, alguém gritava limpo e abriam a porta. O mesmo se passava com os moradores do prédio. Se gritassem “UGA” era porque a polícia estava no local e não podiam entrar. Arguido falava com o vigia, apontava um local e o vigia deslocava-se para esse local. Já a testemunha EEE disse ter participado numa busca e detenção a um indivíduo na Rua ..., no final do mês de ... de 2021. No local existia uma porta de ferro com ferrolhos por dentro. O indivíduo vendia no R/C mas vivia no 1.º andar do mesmo prédio. Conseguiram entrar no prédio e surpreenderam arguido a vender produto estupefaciente e apreenderam cocaína, heroína e dinheiro Não teve qualquer intervenção com o aqui arguido e foi esta a sua única intervenção neste processo. Foi confrontado com o auto de notícia por detenção de fls. 210/211 e confirmou o seu teor. Disse que o relatório vigilância de fls. 213 foi por si elaborado e confirmou igualmente o seu teor. Os fotogramas de fls. 215/216 foram tiradas por si, cujo teor confirmou e explicou. A testemunha FFF, por sua vez, disse ter apenas cumprido um mandado na Rua ... em .... de 2021. Nessa altura, entraram pelo telhado do Lote ... e surpreenderam os dois vendedores no R/C, que fugiram. Foi atrás do GGG e deteve-o. Encontraram cocaína no hall de entrada, balde para necessidades, mesa com restos de comida, cadeira para carregar telemóveis, canto para dormirem. A porta foi retirada pela .... A testemunha HHH afirmou ter participado em buscas domiciliárias em .../2021, no Lote ... da Rua ..., em casa do arguido II, onde apreenderam dinheiro, cerca de € 1.000, e ferrolhos em metal de portas um pouco maiores do que o normal. III disse ser o coordenador de uma das equipas responsáveis pela investigação em causa nestes autos. Teve intervenção na operação, sob a sua coordenação, e participou na abordagem aos vendedores no local da venda. Face à dificuldade de se introduzirem pela porta principal, entraram pelo 7.º andar, desceram as escadas e surpreenderam LL e BB que estavam a vender produtos estupefacientes. Aí encontraram cartões SIM, pacotes de cocaína, plásticos, telemóveis, tabletes. Encetou perseguição ao BB, mas não logrou proceder à sua interceção. O outro indivíduo foi detido. Disse ainda que o arguido AA é conhecido por .... Toda a gente o conhece por .... A testemunha JJJ conhece o arguido por AA. Sabe que este tem uma alcunha, da qual não se conseguiu recordar. Só teve intervenção numa busca a uma residência, no 1º… do nº 2 da Rua ..., residência do DD, e apreenderam o que lá se encontrava. O referido indivíduo foi abordado no interior do lote, junto à porta, e tinha com ele uma mala preta com heroína e cocaína e algum dinheiro. KKK afirmou não ter feito parte da operação. Fez a apreensão de uma porta de entrada de um prédio e fez busca a uma casa onde não se apreendeu nada. Foi ele quem fez o auto de apreensão constante de fls. 221 e confirmou que a porta dele constante foi a porta que apreendeu. Esta foi esta a sua única intervenção. A testemunha LLL, participou numa busca a uma residência em ..., casa do MMM, afirmando que não teve qualquer outra intervenção nesta investigação. VV, motorista táxi, disse não conhecer o arguido assim como não conhece nenhum indivíduo com a alcunha de .... Comprava produto estupefaciente para seu consumo na ..., no Bairro ..., atrás do Centro Comercial das ..., a uns brasileiros que andavam na rua e que tinham a droga com eles. No que diz respeito às declarações do arguido AA, que as quis prestar no final da audiência do julgamento, este disse que nunca teve nenhuma banca e nunca vendeu produtos estupefacientes. É vendedor ambulante e barbeiro e já o era na data dos factos. Sabia que se vendia produto estupefaciente no Lote .... Consumia haxixe e nunca comprou produto estupefaciente no Lote .... Quando entrava no Lote ... era para ir ao segundo andar, visitar um amigo, de seu nome NNN, e não sabe o seu apelido. Não conhece a maioria dos indivíduos referidos na acusação, referindo que conhece o GG (“...”) do Bairro, esclarecendo que fala com ele, mas não tem muita ligação com o mesmo, é um conhecido. O II é seu conhecido e do Bairro. O LL conhece do bairro, referindo que são amigos de infância. Trabalha como vendedor ambulante e como barbeiro sita a cerca de 600 metros do local dos factos. Disse que nunca indicou a porta do Lote ... a ninguém. Relativamente à viatura ... disse ser um seu amigo, OOO, que tem um stand, e que lho emprestou. Não tinha carro. Não conhece nenhum indivíduo conhecido como “…”. Não sabe o nome de todos os seus amigos, alguns só conhece pela alcunha. Assistiu à substituição da porta do Lote ... e achou estranho e ficou a ver a montagem da porta. Referiu que um seu irmão vivia no Lote ... e acha que este ainda vivia na data dos factos. Fala com desconhecidos que lhe pedem indicações, dando como exemplo, a Casa da Juventude. Ora, analisando as declarações do arguido, percebe-se com facilidade que o mesmo não relatou os factos com veracidade, pelo menos quando globalmente considerada a sua conduta que resultou demonstrada em face dos relatórios de vigilância e dos depoimentos das testemunhas, agentes policiais. O arguido estava com frequência junto da banca, assumindo uma postura de supervisão e coordenação da atividade, dando instruções aos vendedores e vigias, tendo assumido também, de forma mais esporádica, funções de vigia e vendedor. Assim, também, a explicação do motivo pelo qual andava pelo local perto da banca não colhe. Ainda no que tange com a prova, resta esclarecer que pese embora não tenha sido possível presenciar todos os atos de venda levados a cabo pelo arguido e pelos indivíduos identificados no ponto 1) dos factos provados, assim como não foi possível obter por parte dos compradores identificados a confirmação de que adquiriram produto estupefaciente naquela banca, a valoração sequencial da prova agora enunciada, também constitui indícios que nos permite alcançar as conclusões a que se chegou. A prova, mesmo que seja indiciária, pode ser valorada, desde que as conclusões que dela se retirem correspondem a processos lógicos de inferência de factos concretos (...) Com efeito, atentas as movimentações visualizadas na banca, foi possível concluir que a venda era efetuada 24 horas por dia, sendo que existiam indivíduos que estiveram encarregues da venda e outros das vigias e alguns de ambas as atividades. Foi apreendido produto estupefaciente na banca no dia em que foi realizada a busca, o que nos permite concluir que produtos eram ali comercializados. Os compradores que foram intercetados pelos agentes da PSP, logo após terem sido vistos a adquirir produto estupefaciente no local, também permitem que se conclua que, entre muitos outros que não foram intercetados pela PSP, estes adquiriram o produto estupefaciente naquela banca. Logo, se existia produto estupefaciente que foi apreendido no local da venda e a compradores, nas demais situações visualizadas em que existem indivíduos a deslocar-se ao local da venda, há que concluir que também aí se efetuaram vendas de produtos estupefacientes. Depois, cada indivíduo teve níveis de intervenção distintas neste processo, incluindo o aqui arguido AA, sendo certo que apenas poderão ser consideradas nesta decisão as situações que foram visualizadas pela PSP e que foram levadas à acusação, das quais ressalta, com cristalina clareza, terem todos tidos uma atuação conjunta e concertada na venda de produtos estupefacientes. Também a colocação de uma porta blindada num prédio habitacional não é um facto inócuo, pois a mesma permitiu exatamente para que a venda passasse a ser realizada com mais discrição e com o resguardo de uma porta blindada com postigo, o que espelha bem o nível de incrementação de segurança que a operação de venda de estupefacientes justificava. Importa ainda salientar ter o tribunal tido em consideração o teor do relatório social elaborado pela DGRSP a pedido do tribunal, onde se descrevem os dados relevantes do processo de socialização do arguido, as suas condições pessoais e sociais, bem como o impacto da presente situação jurídico-penal na sua pessoa, relatório social este cujo teor o arguido confirmou na sua essência. Relativamente aos antecedentes criminais do arguido, valorou o tribunal o seu certificado de registo criminal junto aos autos. Por fim, no que tange à factualidade subjetiva, a mesma decorre da atuação levada a cabo pelo próprio arguido, porquanto evidente se afigura que quem age da forma descrita, sabe, porque não pode desconhecer, que a aquisição, a detenção e a comercialização de produtos estupefacientes é criminalmente punida por lei. Nesta sede, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 04/05/1994, disponível no sítio www.dgsi.pt, segundo o qual, “o dolo não é suscetível de apreensão direta por pertencer ao foro íntimo de cada um, pelo que só poderá ser captado através de presunções legais, em conexão com o princípio da normalidade e as regras da experiência que permitam inferi-lo a partir de factos materiais comuns, entre os quais avulta o preenchimento da materialidade da infração”. Relativamente à factualidade julgada não provada, esta resultou da ausência de elementos de prova que permitissem concluir, com certeza e segurança, pela sua verificação. Concretizando: a) O arguido AA, se dedicasse, de comum acordo e em concertação de esforços e intentos com os indivíduos identificados em 1) dos factos provados, à comercialização de heroína a terceiros, em troca de quantias monetárias, na ..., e à comercialização de heroína e cocaína na .... No que tange à atividade objeto de prova, nenhum meio de prova foi produzido que permitisse concluir que na ..., se procedia à venda de heroína. De facto, no dia em que foi realizada a busca na banca, o produto estupefaciente apreendido foi cocaína, tendo sido este também o produto estupefaciente apreendido aos compradores que foram intercetados pelos agentes da PSP, sendo que, nem numa nem noutra dessas diligências foi encontrada heroína. Assim, impõe-se concluir pela ausência de prova de que nesse local se dedicassem também à venda de heroína. No que se refere à atividade de venda de produtos estupefacientes na ..., também nenhum dado probatório foi produzido que permitisse concluir que o arguido AA e os restantes indivíduos estivessem ligados a essa atividade, pela que, ficou igualmente por demonstrar tal facto. b) Na concretização da atividade referida em 1) dos factos provados, o arguido AA recolhia as quantias provenientes das vendas. Não obstante ter ficado demonstrado que o arguido supervisionava e coordenava a atividade da dita banca, dando instruções aos indivíduos que aí se encontravam, nenhum dado probatório foi produzido que permitisse concluir que o arguido também recolhia as quantias provenientes das vendas. c) Aquando do referido em 39) dos factos provados, o CC tenha recebido concretamente a quantia de € 20 (vinte euros). Os compradores em causa não foram inquiridos como testemunha em audiência de julgamento. Assim, embora seja claro que o produto estupefaciente foi pago, e até porventura com valor aproximado ao que aqui se refere, não foi possível a determinação em concreto desse valor. d) Nas circunstâncias referidas em 45) dos factos provados: - cerca das 05h40, um indivíduo de sexo feminino, cuja identificação não se logrou apurar, dirigiu-se à entrada deste Lote e perguntou: “Está aí alguém?”. - Ato contínuo, o EE desceu as escadas do Lote .... - Nesse instante, um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar gritou “UGA” (palavra utilizada para alertar da presença de Agentes da autoridade). - Nesse momento, o arguido EE subiu as escadas. - Cerca de cinco minutos depois, um indivíduo conhecido por “XX” chegou ao Lote ... e perguntou: “Está aí alguém?”. - Ato contínuo, o arguido EE desceu, de novo, as escadas. Muito embora a testemunha ZZ tenha afirmado ter procedido à detenção do EE e constar dos autos o auto de notícia onde são descritas as circunstâncias que levaram à detenção deste, certo é que a testemunha nada disse quanto às mesmas, ficando assim por demonstrar tal factualidade. e) Nos dias ..., 10 e ... de ... de 2021, as vendas de cocaína que foram realizadas no Lote ... da Rua …, em …, tenham sido concretamente realizadas por KK. Dos relatórios de vigilância respetivos não consta que fosse o referido KK quem estava, nestes dias, a realizar as vendas. Logo não existiu prova que permitisse sustentar a demonstração desta factualidade. f) Aquando do referido em 99) dos factos provados, WW tenha entregue concretamente a quantia de € 20 (cinte euros). Também aqui não foi possível inquirir o comprador dos produtos estupefacientes e, consequentemente, sendo claro que o produto foi pago e até em valor próximo ao indicado, não pode afirmar-se com segurança que tenha sido este o valor concretamente entregue. g) O caderno apreendido a II contivesse concretamente apontamentos alusivos às transações de estupefacientes. O caderno em causa não se encontra nos autos (nem com cópia do seu interior), pelo que não foi possível ao tribunal analisar os escritos que o mesmo continha para depois afirmar que fossem apontamentos alusivos às transações de estupefacientes. h) A quantia monetária apreendida a II tenha sido obtida com os proventos resultantes de transações de cocaína e heroína efetuadas. No que tange com a atividade deste indivíduo, apenas é possível concluir que o mesmo esteve a levar a cabo vendas em três dias distintos e que também foi um dos indivíduos que colocou a porta blindada na banca. Consequentemente, não existe prova suficiente para se concluir que os € 900 que lhe foram apreendidos fossem proventos resultantes de transações de estupefaciente efetuadas, até porque, no limite, o tribunal sempre teria que utilizar o princípio constitucional do in dubio pro reo e dar como não provada esta factualidade que desfavorece o arguido.” -- // -- // -- Cumpre apreciar. * Previamente. Entrando na apreciação do recurso logo se verifica que o teor do constante das peças processuais destinadas a fixar o objecto do processo faz intuir que alguma entorse se verificou nos presentes autos. E na verdade assim sucede. * O crime em causa, sem qualquer dissenção nos autos e independentemente do que se venha a concluir quanto à prova dos respectivos factos constitutivos, é o de tráfico de estupefacientes. “Quem, sem para tal se encontrar autorizado... vender... ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos” tal como dispõe o nº 1 do art.º 21º do Dec.- Lei nº 15/93 de 22.1. O artigo 40º daquele diploma prevê o consumo ou a detenção para consumo próprio de estupefacientes. A cocaína (designadamente) consta da tabela I-B, anexa àquele diploma. Desde o primeiro momento processual que em causa esteve a actividade de venda diária e ininterrupta de pacotes de cocaína e heroína, de Julho a ........2021, em …, na zona da Rua ... e imediações, a indivíduos que os adquiriam para seu consumo, sendo o arguido AA quem supervisionava e coordenava a actividade, dando instruções a outros indivíduos que procediam às entregas de cocaína aos consumidores, recebendo em troca a respectiva quantia monetária, exercendo também funções de vigilância, permanecendo no exterior durante as transacções. Logo, os factos penalmente relevantes seriam tão-somente aqueles que, trazidos aos autos, serviriam para preencher ou infirmar aquelas condutas típicas, na sua multiplicidade. É certo ser aquele dos tipos penais mais abrangentes, mas que ainda assim se contém em proposições apreensíveis e o mais sintéticas possível, como é característica das normas penais e não só, por razões que de tão evidentes e conhecidas dispensam outro género de explanação. Como assim e por regra, os factos a tanto ajustados não hão-de constituir um longo acervo, apto, desde logo, a penosa tramitação, julgamento e mal entendidos. E não é por constarem de peças processuais, que circunstâncias várias, ainda que conexas com o apuramento dos factos bastantes para a integração da conduta no tipo penal, passam a ser objecto do processo. Sobre o ponto a jurisprudência está firmada há muito tempo. “... Não existe violação do artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal por nem todos os factos constantes da acusação/pronúncia e da contestação terem sido enumerados como provados ou não provados. Só os factos essenciais para a decisão da causa têm de constar dessa enumeração”, Ac. S.T.J. de 11.2.1998 em B.M.J. 474, 151. E o que sejam tais factos essenciais foi, já há muito, alvo de doutrina do S.T.J. no seu Ac. de 15.1.1997, em C.J., tomo I, pág. 181: “A obrigação legal de na sentença se fazer a descrição dos factos provados e não provados refere-se aos que são essenciais à caracterização do crime e suas circunstâncias juridicamente relevantes, o que exclui os factos inócuos, irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmo que descritos na acusação ou na contestação”. Em suma: objecto do processo é constituído pelos factos capitais penalmente relevantes. Em acórdão de 2.6.2005 (procº 05P1441), o S.T.J, pela pena do Colendo Conselheiro Pereira Madeira, à margem do “thema decidendum”, tratou-se da matéria dos requisitos formais da sentença em termos que nos devem encorajar a retomar caminho interrompido há tempos por sobressaltos processuais, impensáveis quando a economia e brevidade, a par com a sua celeridade e utilidade, constituíam referências habituais na discussão forense, vindo a desaparecer paulatinamente e a dar lugar a discussões sobre descrição e prova acerca dos próprios meios de prova, da sua obtenção, ou de meios de convicção de intervenientes processuais, quantas vezes seguidas de retrocessos na marcha do processo, o qual acabava assim por ser o objecto de si mesmo, correndo ainda o risco de olvidar o crime cuja notícia lhe deu origem e única razão de ser, ainda que o tempo entretanto decorrido tenha revelado que a prática persiste, tenazmente. Transcrevendo, “(...) importa afirmar com a frontalidade exigida na “jurisdictio” de um Supremo Tribunal, que o elenco da matéria de facto, tal como foi levado avante pelas instâncias, mormente pelo tribunal recorrido, não deixa de ser tecnicamente censurável, ao misturar factos com simples meios de prova, confundindo uns com outros. Com efeito, não se vê onde buscar assento legal para, em vez de se cingir à enunciação de factos que a lei exige – art.º 374º, nº 2, do Código de Processo Penal – se haver adoptado uma postura algo próxima do floreado relato jornalístico, com a transcrição inútil do resultado de algumas escolhidas conversas objecto de escuta telefónica, em vez, como seria mister, desses elementos de prova se extraírem os factos e apenas os factos com relevo para a decisão da causa. São esses – e só esses – que a lei manda enunciar, procedendo-se, se necessário e na extensão tida por necessária, ao aparo ou corte do que porventura em contrário e com carácter supérfluo provenha da acusação ou mesmo da pronúncia, de que a sentença não é nem pode ser fiel serventuária. De resto, sempre ao juiz se impõe, sob pena de ilegalidade que se abstenha da prática de actos inúteis, como esse a que se acaba de fazer menção – art.º 137º do diploma adjectivo subsidiário.” A prova, em processo penal, tem como objecto, por definição elementar e primeira, factos que à luz da lei penal substantiva constituam crime, ou o excluam (justamente o objecto do processo). Como assim, escutas, buscas, revistas, apreensões, etc. são apenas meios de obtenção de prova de crimes, processualmente fulcrais e a analisar com todo o rigor, mas não passando por isso a objecto do processo, nem mesmo que constem como tal das peças processuais a tanto destinadas. A prova (ou se quisermos, os meios de prova) não é objecto de prova. Este é constituído por factos. É o que se retira claramente do disposto no art.º 124º do Código de Processo Penal, o qual (justamente sob a epígrafe “Objecto da prova”) dispõe que “constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis. Se tiver lugar pedido civil, constituem igualmente objecto da prova os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil.” Harmonicamente o nº 4 do art.º 339º do Código de Processo Penal estabelece que “a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência”. E coerentemente, por princípio “a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência” – nº 4 do seu art.º 339º. E note-se, de novo, que não são todos os factos. Apenas aqueles que sejam relevantes, isto é, os essenciais, tal como a jurisprudência de há muito os designou e definiu. Acrescem, apenas se necessário, os indispensáveis às questões da punibilidade e escolha e medida da pena (pois se os essenciais apurados não constituírem crime, a especificação destes últimos é inútil). Não por acaso também, dispõem os nos 1, 2 e 3 do art.º 372º do Código de Processo Penal que “concluída a deliberação e votação, o presidente ou, se este ficar vencido, o juiz mais antigo dos que fizerem vencimento, elaboram a sentença de acordo com as posições que tiverem feito vencimento. Em seguida, a sentença é assinada por todos os juízes e pelos jurados e, se algum dos juízes assinar vencido, declara com precisão os motivos do seu voto. Regressado o tribunal à sala de audiência, a sentença é lida publicamente pelo presidente ou por outro dos juízes”. E “quando, atenta a especial complexidade da causa, não for possível proceder imediatamente à elaboração da sentença, o presidente fixa publicamente a data dentro dos 10 dias seguintes para a leitura da sentença”, tal como dispõe o nº 1 do art.º 373º daquele mesmo código. Um código de processo é, por definição, um todo lógico, harmónico e sistemático, sem paradoxos, pelo que qualquer uma das respectivas normas tem sempre em linha de conta todas as demais, sem excepção. Isto para concluir que a sentença modelar do Código de Processo Penal, peça fulcral de todo o processo, deve ser proferida de imediato, o que não se compadece, de todo, com a prática há décadas sinalizada pelo S.T.J. E o Código de Processo Penal, nessa parte, corresponde à versão original, que conta já com perto de 40 anos de vigência. Como se disse a prova é fulcral, mas de diferente natureza processual da factualidade que visa demonstrar e por isso mesmo, já que constitui o fundamento desta. Daí que legalmente deva ser arrolada e especificada sob o título próprio (prova) na acusação e pronúncia, merecendo depois o exame na sentença, também na parte correspondente: a motivação relativa à factualidade apurada ou não. Nada que tenha que ver com a prática acima notada, a aglomerar e misturar provas e factos no mesmo local, bastas vezes até substituindo e assim suprimindo a alegação destes. * Vejamos então qual a factualidade que, neste caso, constitui o verdadeiro e próprio objecto do processo, à luz da norma penal incriminadora. Com alguma latitude pode ser assim descrita: De ... a ........2021, em ..., na zona da ..., Rua ...e imediações, bem como na Rua ..., um grupo de pelo menos 12 indivíduos, entre os quais o arguido, dedicou-se à venda diária e ininterrupta de pacotes de cocaína e heroína a indivíduos que os adquiriam para seu consumo, sendo o arguido AA quem supervisionava e coordenava a actividade, também a levando a cabo, dando instruções aos outros indivíduos, procedendo estes no mais às entregas de cocaína aos consumidores, recebendo em troca a respectiva quantia monetária e exercendo também funções de vigilância, permanecendo no exterior durante as transacções. No início a cocaína era escondida junto de um monte de pedras existente na via pública, passando depois a ser vendida no interior do ..., cuja porta de entrada era fechada e a partir de ........2021 substituída por porta blindada, realizando-se desde então as vendas através de postigo existente na mesma. No último dia de actividade dispunha aquele grupo para venda naquele primeiro local e com grau de pureza entre 54,1 e 61,3%: 18,754 gramas de cocaína repartidas por 60 embalagens; 7,335 gramas de cocaína repartidas por 43 embalagens; e 44,112 gramas de cocaína repartidas por 72 embalagens. Bem como, no segundo local e com grau de pureza entre 6,1 e 37,9%: 6,984 gramas de cocaína repartidas por 51 embalagens; 7,246 gramas de cocaína repartidas por 49 embalagens; 6,586 gramas de cocaína repartidas por 47 embalagens; e 2,108 gramas de cocaína repartidas por 20 embalagens. Tendo arrecadado na data e provenientes daquela actividade o total de 1.170,30 euros. O arguido conhecia as características e natureza estupefaciente da cocaína e heroína, destinando-as à venda a consumidores e sabia que a aquisição, detenção e comercialização de produtos estupefacientes é criminalmente punida por lei. Agiu de forma livre, voluntária e consciente. A este acervo e como depois fez o tribunal, haveriam de acrescer os factos atinentes à culpabilidade e personalidade do arguido. * Tudo o mais alinhado como se facto fosse, constitui repetição (das várias descrições de forma de vendas e actuação), mero meio de prova (como descrição de apreensões) ou exposição de observação testemunhal (os vários avisos de aproximação de polícia e da colocação da porta blindada) obviamente importados de relatório policial que não tem por finalidade aquela rigorosa selecção factual, além de subsunção jurídica a portaria a determinar em abstracto a quantidades de doses individuais legalmente fixadas. A eliminar, por conseguinte. * E será, portanto, desta factualidade e apenas dela que terá de arrancar a apreciação do recurso. * Atendendo às conclusões apresentadas são questões a resolver: Erro notório na apreciação da prova; Impugnação de facto; Medida da pena; e Modo de execução e cumprimento da pena. * Erro notório na apreciação da prova. Nas palavras do recurso, por “valorar os relatórios de vigilância como se efetiva prova se tratasse.” Lendo com alguma atenção todo o acórdão (e é do respectivo texto que tem de sobressair aquele erro) designadamente a correspondente motivação, notório é apenas o erro em que incorre o recurso, já que daquela resulta muito claramente que “relativamente aos relatórios de vigilância importa referir que tribunal os valorou de forma conjugada com os depoimentos dos agentes da PSP que tiveram intervenção nos mesmos, os quais confirmaram os autos de vigilância relacionados com as concretas movimentações do arguido AA e restantes indivíduos. Salienta-se que, como foram recolhidas imagens fotográficas nos presentes autos, tal reforça a validade e força probatória dos aludidos relatórios de vigilância. Assim, e no que diz respeito à prova testemunhal a mesma revelou-se clara, segura, credível e objetiva no sentido de confirmar, não só os autos de vigilância, bem como os autos de notícia, autos de apreensão e autos de busca e apreensão juntos aos autos, tal como descrito no acervo fáctico.” Donde se retira que constituindo aqueles relatórios um guião documental relativamente a parte fundamental da prova (apoiado ainda documentalmente por fotogramas) a real e decisiva fonte de prova foi a testemunhal que os confirmou, pelo peso que a esta foi conferido (e bem) pelo colectivo. * Impugnação de facto. Conforme resulta do nº 1 do art.º 428º do Código de Processo Penal “as relações conhecem de facto e de direito”. A decisão sobre a matéria de facto pode ser impugnada por duas vias: Com fundamento no próprio texto da decisão, por ocorrência dos vícios a que alude o nº 2 do art.º 410º do Código de Processo Penal (impugnação em sentido estrito, no que se denomina de “revista alargada” equivalente a “error in procedendo”); ou Mediante a impugnação ampla da matéria de facto, a que se referem os nos 3, 4 e 6 do artigo 412º do Código de Processo Penal (impugnação em sentido lato, ou ampla, equivalente a “error in judicando” na sua vertente “error facti”). Quanto aos vícios formais, também designados de vícios decisórios (impugnação em sentido estrito) - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova - sendo de conhecimento oficioso, devem resultar do texto da sentença recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, sem recurso a quaisquer provas documentadas, não se estendendo, pois, a outros dados, nomeadamente que resultem do processo mas que não façam parte daquela decisão, sendo portanto inadmissível o recurso a dados àquela estranhos para o fundamentar, como por exemplo, quaisquer elementos existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento. Tratam-se, portanto, de vícios intrínsecos da sentença que afectam a construção do silogismo judiciário, limitando‑se a actuação do tribunal de recurso à sua verificação na sentença e não podendo saná-los à determinação do reenvio, total ou parcial do processo para novo julgamento, nos termos do nº 1 do art.º 426º do Código de Processo Penal. Quanto à segunda modalidade (impugnação ampla), impõe-se, conforme resulta dos nos 3 e 4 daquela art.º 412º, que o recorrente especifique os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, bem como que indique as provas específicas que impõem decisão diversa da recorrida, e não apenas a permitam, demonstrando-o, bem como referir as concretas passagens das declarações que obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as (se a acta da audiência não faz referência ao início e termo de cada declaração gravada) ou mediante a indicação dos segmentos da gravação que suportam o entendimento divergente, com indicação do início e termo (quando aquela acta faz essa referência - o que não obsta a que, também nesta eventualidade proceda à transcrição dessas passagens). “Importa, portanto, não só proceder à individualização das passagens que alicerçam a impugnação, mas também relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova suscetível de impor essa decisão diversa com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida – face à exigência da alínea b), do n.º 3, do artigo 412.º, do C.P.P., a saber: indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida -, a demonstração desta imposição compete também ao recorrente” (Ac. do TRL de 16.11.2021, Procº nº 1229/17.8PAALM.L1-5, em dgsi.pt). A clara delimitação legal decorre da circunstância desta reapreciação da matéria de facto não se traduzir num novo julgamento, mas antes num remédio jurídico, destinado a colmatar erros de julgamento patenteados e tornados perceptíveis pelo processo descrito. Destarte, sempre que for nítido que a pretensão recursiva é a de, unicamente, substituir a leitura probatória do recorrente, total ou em pontos determinados, sobre a levada a cabo pelo tribunal recorrido dentro dos limites da livre apreciação, o recurso de facto, nessa parte, claudica, liminar e justamente por tal motivo. E se a decisão proferida for uma das soluções plausíveis segundo o princípio da livre apreciação e as regras de experiência, a mesma será inatacável, pelo que importa que o recorrente na indicação das concretas provas torne perceptível a razão da divergência quanto aos factos, dando a conhecer a razão pela qual as provas que indica impõem decisão diversa da recorrida (neste sentido e por todos, Ac. da R.L. de 9.1.2024 - procº nº 762/21.1PCAMD.L1). Donde resulta ainda que para poder, com sucesso, haver possibilidade de apreciação sobre factualidade apurada (e eventualmente modificação) necessário se torna que se indiquem os pontos incorrectamente julgados, bem como as concretas provas que forcem tal mutação e o correspondente motivo. Ou seja, em apertada síntese, o correspondente recurso de facto em ordem a ser apreciado (por isso, eventualmente a ter sucesso) tem de indicar claramente três aspectos - factos a alterar, provas concretas que impõem a modificação e porquê. Seguidamente, o tribunal de recurso aprecia este tríplice aspecto (sujeito entretanto ao contraditório e podendo ainda lançar mão a qualquer prova produzida) e conclui pela alteração ou manutenção, naturalmente motivando a opção. Com este enquadramento conceptual e analisado o recurso, evidente se torna que tirando a questão imediatamente antes analisada, no mais o recurso pretende claramente a impugnação ampla. E menos clara não é também a pretensão de substituir a leitura global da prova efectuada pelo colectivo pela sua própria, interessada e parcial, como é espectável. Para tanto ali se escolhe e transcreve algumas passagens da prova por declarações retiradas daquele total, que em seu entender permitiram aquela diferente visão. Por isso incumprindo o ónus legalmente imposto para tanto, já que nenhuma daquelas é apta a impor indubitavelmente a pretendida solução e visando ainda obliterar a base fáctica de que arrancou a presunção tirada pelo tribunal recorrido sobre o quadro factual. Contudo, esta apresenta-se perfeitamente justificada e lógica, segura portanto no sentido alcançado, improcedendo o recurso de facto. Sendo hoje maioritária (ainda que recentemente, a muito custo e depois de largas décadas de querela) a jurisprudência que aceita conduzirem as regras de experiência comum a presunções judiciais, acolhendo ainda a respectiva valia em processo penal, não se vê como aceitar que em matéria de tráfico de estupefacientes se encontre tratamento diverso. “Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua actuação pelo que, evidentemente, é frequente a ausência de provas directas. Exigir a todo o custo, a existência destas provas implicaria o fracasso do processo penal ou, para evitar tal situação, haveria de forçar-se a confissão o que, como é sabido, constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e o seu máximo expoente: a tortura” (J. M. Asencio Melado, Presunción de Inocência y Prueba Indiciária, 1992, citado por Euclides Dâmaso Simões, in Prova Indiciária, Revista Julgar, n.º 2, 2007, pág. 205). Na ainda recente falência da corrente forense reunida no dogma até há pouco reinante (“em processo penal não há presunções”) voltam-se as miras para o abater da base onde assenta aquela construção, pilar essencial da apreciação probatória judicial própria de um Estado de Direito. Por isso, a evitar. * No campo do tráfico de estupefacientes nenhuma razão existe para que nos afastemos da melhor doutrina. Menos ainda para exigir uma minúcia descritiva tal que impossibilite ou oblitere gravemente toda a factualidade ao dispor. Daí que se acuse esta de ser genérica e conclusiva. Ora, o tipo penal em causa é susceptível de ser entendido como demasiado aberto, já que tem a intenção de abarcar todas as condutas de que depende o tráfico de estupefacientes. No entanto, como sucede em muitas outras matérias e porque a lei visa regular a vida real, os conceitos utilizados não são exclusivamente jurídicos, coincidindo com noções factuais correntes. Assim se os termos ceder, por qualquer título receber, proporcionar a outrem ou ilicitamente detiver, contêm carga conceptual jurídica a necessitar de concretização factual para a respectiva integração (a retirar de factualidade vertida na acusação), já os termos plantas, oferecer, cultivar, produzir, fabricar, preparar, puser à venda, vender, distribuir, comprar, transportar, importar, exportar ou fizer transitar, têm significado factual vulgar e inequívoco. Não sofrerá qualquer dúvida sobre o carácter puramente factual da afirmação de que alguém se dedica profissionalmente, por exemplo, à importação de cereais ou ao fabrico de frutos secos (até como factualidade carreada para a caracterização da respectiva personalidade e condições sociais). Não deixa por isso mesmo de ser puro facto a afirmação de que alguém se dedica à venda dos mesmos, como à de cocaína (ou de outro tipo de estupefaciente). Trata-se, não obstante a coincidência dos conceitos legal e corrente e por isso mesmo, de simples e puro facto. Mas também de facto já por si só penalmente relevante. Daí que convenha sempre recordar que, muito claramente, constitui verificação em concreto de prática de crime à luz do art.º 21º da Lei da Droga, provar-se que durante meses indivíduos determinados se dedicaram à venda de cocaína. Convirá, sem qualquer margem para dúvida, descrever a actividade em ordem a averiguar a correspondente responsabilidade, tão precisamente quanto possível, no que a investigação e depois a acusação se deverão focar. Caberá, por prova directa, indirecta ou mesmo por posterior avaliação crítica dos factos obtidos (portanto, se necessário, no corpo da sentença destinado ao enquadramento legal) caracterizar o mais possível o volume de estupefaciente traficado ou vendido, os preços praticados e o lucro visado, a clientela envolvida e o lugar do agente na rede de traficância, por forma a se evitar a dúvida sobre semelhantes circunstâncias, cujo desconhecimento, de resto, apenas se poderá ter em favor do acusado, tomando-se pelo mínimo possível, coisa bem diversa da atitude niilista de ter como indemonstrado o facto principal, apurando-se tão somente e por exemplo algumas das suas manifestações – justamente as que resultam de prova directa, ou o que para o efeito vai dar no mesmo, dos meios de prova “provados”, normalmente coincidentes com aquelas meras manifestações. O secretismo compreensivelmente utilizado por quem se dedica a semelhantes condutas, aliado ao muro de medo e silêncio sobre as mesmas por parte de quem delas tem o melhor conhecimento conduziriam à obnubilação do quadro geral se o julgador apenas se focasse no que em determinada ocasião foi visível, correndo sério risco de cometer erro judiciário ao não levar em consideração a visão global oferecida pela apreciação de todo o material factual ao seu dispor. Mais. Perante o quadro global relevante à luz da lei, perdem virtualmente boa parte da sua utilidade os episódios visíveis por prova directa. Se podem ter alguma proficuidade descritiva no caso de nada se conseguir apurar quanto à proveniência, destino e demais circunstancialismo que rodeou determinada apreensão de estupefacientes (e ainda assim, o facto será o de determinado cidadão ter consigo aquela droga e não o de esta lhe ter sido apreendida...) perdem-na quando através da totalidade da investigação se consegue precisar a actividade total do agente. Nestas circunstâncias, os episódios isolados têm pouca importância a título factual, apenas servindo como indícios seguros daquele quadro maior, a receberem por isso tratamento em sede de fundamentação, apoiados nas provas. Se assim não suceder, corre-se sempre o risco de perder aquele de vista. Por outro lado, ainda e a levar apenas em linha de conta os factos resultantes de prova directa, nesta matéria, como de uma maneira geral, pode o intérprete ser levado a considerar o circunstancialismo “apurado” como manifestações isoladas ou ímpares por parte do agente, arriscando indevidamente a subsunção do caso a tipo penal menos grave, já sem qualquer correspondência com a verdade. Erro judiciário, portanto. Erro esse que é altamente potenciado pela técnica usada no tipo de acusações idênticas à prolatada neste processo (e que, diga-se, vai fazendo escola) pois tende a fixar o foco apenas em determinadas ocasiões (justamente nas que são descritas nos meios de prova a “provar”). Potenciação essa de puros erros judiciários, a par de outros, bem mais graves, com que vamos deparando e que consistem na desconsideração de importantes factos (como o número diários de compradores, por exemplo) ou de total impunidade de pequenos traficantes, desde que as quantidades que trazem acondicionadas em alguns pacotes de décima de grama (logo e indubitavelmente prontas para a venda a consumidores) não excedam as doses diárias abstractas como tal consideradas em Portaria que nada, rigorosamente nada, tem que ver com o tráfico de estupefacientes (como do respectivo preâmbulo resulta muito claramente). A preocupação deste tribunal na rigorosa selecção e melhor especificação da factualidade alegada (e apenas desta) tem, pois, este fito. Tendo em mente o que não se demonstrou quanto ao segundo local de venda e ainda relativamente ao alegado tráfico de heroína, o quadro a retirar do julgamento efectuado é claro e bastante, cabendo, pois, fazer o enquadramento jurídico devido. Resumindo, o quadro factual real e essencial, tal como apurado pelo tribunal recorrido, não encontra no recurso qualquer especificação de prova, menos ainda razão para ser afastado, de todo de forma impositiva, como exigido por lei, pelo que, nesta parte, o recurso de facto é manifestamente improcedente. Apenas uma observação relativamente a apontada contradição, que apenas aparentemente o é, já que a circunstância de não se ter apurado intervenção na actividade de vendas de heroína por banda do arguido, desde logo não exclui o restante da actividade tida por provada. O desencontro, se algum, está assim muito longe de ser insanável, acrescendo que dali não adveio qualquer consequência adversa para o recorrente, posto que nenhuma responsabilidade penal lhe foi assacada por tal circunstância. * Qualificação jurídica. A este propósito deliberou o colectivo como segue: “A conduta do arguido é subsumível ao crime de tráfico de estupefacientes, pois que se tratava de uma banca de venda de produto estupefaciente, no caso, de cocaína.” E na verdade, é indubitável que assim seja quando, com propriedade, se demonstra que desde de ... a ........2021, em …, na zona da ... e imediações, um grupo de pelo menos 12 indivíduos, entre os quais o arguido, de dedicou à venda diária e ininterrupta de pacotes de cocaína a indivíduos que os adquiriam para seu consumo, sendo o arguido AA quem supervisionava e coordenava a actividade, mas também a levava a cabo, dando instruções aos outros indivíduos, procedendo estes no mais às entregas de cocaína aos consumidores, recebendo em troca a respectiva quantia monetária e exercendo também funções de vigilância, permanecendo no exterior durante as transacções. No início a cocaína era escondida junto de um monte de pedras existente na via pública, passando depois a ser vendida no interior do Lote ..., cuja porta de entrada era fechada e a partir de ........2021 substituída por porta blindada, realizando-se desde então as vendas através de postigo existente na mesma. No fim daquela actividade dispunha aquele grupo para venda e com grau de pureza entre 54,1 e 61,3%: de 43 embalagens de cerca de 0,17 gramas, 60 de cerca de 0,3 gramas e 72 de cerca de 0,6 gramas, cada e tendo arrecadado à data e provenientes da mesma o total de 270,30 euros. O arguido agiu livre, voluntária e consciente, conhecendo as características e natureza estupefaciente da cocaína, destinando-a à venda e sabendo que a comercialização de produtos estupefacientes é punida por lei. * Todavia, o colectivo optou pelo enquadramento no tipo privilegiado do art.º 25º daquela citada Lei da Droga, apoiando-se essencialmente da circunstância deste decorrer “que o regime do diploma em referência (...) considera a existência de graduações quanto à punição do tráfico, distinguindo, assim, de alguma forma, a gravidade relativa dessa atuação, pressupondo uma certa tipologia de traficantes: os grandes traficantes (artigos 21.º e 22.º), e os médios e pequenos traficantes (artigo 25.º).” Salvo o devido respeito, em lado algum faz aquela lei semelhante distinção, ou aproximada. Sequer e principalmente constitui intenção daquela. Esta, como veremos, está-lhe nos antípodas. Desde logo e salvo o devido respeito, tal interpretação é extraordinariamente redutora, posto que é apta a fazer equivaler o título “tráfico” apenas ou principalmente a venda e actividades associadas, quando, de todo são apenas essas as actuações visadas pela lei, objectivamente com o fito de colocar estas (pequenos vendedores) ao abrigo de tipo privilegiado, até patamar que tende invariavelmente a subir (médios). Semelhante circunscrição e simultaneamente indefinição, conduzirão a discricionária subsunção, contudo sempre no mesmo sentido. As quantidades de droga traficadas pelo recorrente são necessariamente baixas, pois que não só não se caracterizou de outro modo a sua actividade, como até se sabe que procedia a vendas a consumidores finais, sendo ainda relativamente pequenas as (reais) doses vendidas, mas já em número considerável. Mas não basta a pequena quantidade, que aqui nem é claramente o caso. Boa parte dos vendedores finais tenta justamente manobrar por forma a poder colocar-se ao abrigo de tal normativo e prática judiciária, pelo que trazem consigo apenas a droga já pronta a vender e em pequenas quantidades. Daí que apenas transportem aquilo que contam vender muito rapidamente e sempre sem ultrapassar o que, no seu entender, não vai além do limiar do tráfico menos (ou já medianamente) grave. A regra que trata do tráfico de menor gravidade manda que o julgador pese duas ordens de factores por forma a poder concluir pela diminuição (e considerável) da ilicitude. Por um lado, pede‑se que se tenham em conta os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da detenção de estupefaciente. Por outro que se considerem a qualidade e a quantidade das drogas. A cocaína é das drogas não só das mais duras existentes, como das que maior dependência cria nos seus consumidores, tendo conduzido à destruição de inúmeros cidadãos, não sem que antes arrastem eles e bastas vezes os familiares, vivências de miséria e degradação. Mas cremos ainda se poderá com esforço e em casos limite vislumbrar possibilidade de ter a gravidade da sua traficância como atenuada, quando se destina ao angariar de parcos meios de sobrevivência e da mesma droga também para alimentar vício, por exemplo. Já ter como diminuída a gravidade de semelhante tráfico e de forma considerável, não se podendo dizer ser impossível, é seguramente de extrema dificuldade. Ainda para mais quando a cocaína se destinava à venda. É que na outra vertente legal, a das circunstâncias do tráfico, é a venda (lucrativa, à custa, pois, da miséria, saúde e vida alheias) aquela que aparecerá normalmente como das mais graves. É ainda das drogas mais lucrativas para os traficantes, sendo o seu transporte e disfarce facilitados pelo escasso volume que representa a quantidade necessária a cada dose, atenta ainda a sua larga disseminação. Cremos pois que o preceito legal privilegiador (art.º 25º) tem principalmente em vista situações que fujam à tradicional e normal inserção do traficante na respectiva cadeia, isto é, com actos isolados de detenção ou cedência de drogas leves, ou de diminutas quantidades de outras fora de esquema lucrativo de traficância, funcionando, nestas circunstâncias, como válvula de escape relativamente ao preceito base em cuja previsão de outra forma caberia. E por outro lado, esta é a única razão lógica na sistemática e intenção legais para a grande (enorme) diferença entre as molduras penais dos art.ºs 21º e 25º daquela lei. A diferença elementar e de princípio encontra‑se assim na pertença, ou não, à rede de tráfico e a diminuição da moldura encontra aqui o seu fundamento, à luz da realidade social que a lei pretende regular. Para os que à rede pertencem regem os art.ºs 21º e 24º do Dec.‑Lei no 15/93, os quais tenderão necessariamente a abranger toda aquela cadeia de tráfico lucrativo, à qual são indispensáveis os vendedores finais aos consumidores, integrando-a, pela simples razão que sem eles os estupefacientes dificilmente chegariam às ruas. Convém nunca esquecer que antes e por detrás de cada vendedor de rua há uma rede internacional de produção e tráfico de estupefacientes dele dependente em larga medida, do que bem ciente está toda a comunidade e o próprio. Isto sempre com a ressalva do art.º 26º de tal diploma, a contemplar a única circunstância de facto, de raríssima ocorrência, concretamente apta a diminuir a gravidade (ou mais precisamente, a culpa) no tráfico de estupefacientes integrado em cadeia a tanto dedicada. Mas aqui é evidente que o traficante não tem já qualquer autonomia relativamente à rede de que depende. Nem lucra o que quer que seja, pois apenas lhe permitem o seu consumo, para o que tem de vender por conta. Portanto que ainda se admite, no limite, o enquadramento no tipo privilegiado daquele art.º 25º de pessoa totalmente vulnerável que, por isso, se sujeite ao papel na base da cadeia de traficância, vendendo na rua esporadicamente. Traçado o que pensamos ser o quadro legal, a conduta do recorrente não cabe no art.º 25º do Dec.‑Lei nº 15/93 de 22.1, pois que já actua como elemento bem integrado em cadeia de traficância, sendo certo serem dos últimos da mesma aqueles que coordenava, o que o põe a ele desde logo em patamar superior e daí a constatação do que normalmente acontece em tais circunstâncias: a sua visibilidade é menor, ainda que muito longe daqueles que diariamente são totalmente “invisíveis”. Justamente os produtores, vendedores e compradores de retaguarda. Harmonicamente, no caso, também a qualidade da cocaína vendida era a habitual e expectável para o patamar de venda nas ruas. Não se procure, pois, por colocar a coberto daquele art.º 25º a venda nas ruas, sem mais, já que tanto funcionará, muito objectivamente, como forma de aumentar a probabilidade da correspondente ocorrência, pela enorme redução do risco envolvido, por isso totalmente em contrário do legalmente pretendido. Mesmo para quem, em desacerto legal e salvo o devido respeito, pretende a tanto equivaler a actividade do “dealer” de rua, detém-se na barreira da venda final com alguma organização e/ou volume, circunstâncias verificáveis nos factos em apreço, já que o arguido tinha acesso a meios e foi evoluindo para patamar mais elevado, utilizando esquema de vendas muito além do pequeno traficante que actua de forma isolada e exposta. E noutra vertente ainda, nem mesmo jurisprudência mais tolerante e benevolente do S.T.J. admite que casos idênticos sejam tomados como tráfico de estupefacientes de menor gravidade (Ac. S.T.J. de 23.11.2011, procº 127/09.3PEFUN, publicado no sítio da D.G.S.I. e ainda que se concorde com toda a argumentação do mesmo, seriamente discutível como se alcança da respectiva declaração de voto). Por uma simples razão: não há tráfico de rua que equivalha ao de menor gravidade, quando o agente não consome a substância tóxica que trafica, ainda que apenas na rua, com a excepção de total vulnerabilidade acima notada. Ora, resulta ainda indubitável da totalidade da matéria de facto disponível, vinda de declarações do próprio, que o arguido não consome cocaína. Não se deve perder de vista também que o preceito incriminador base se encontra em diploma expressamente aprovado (como do seu preâmbulo resulta) em ordem a dar cumprimento às obrigações internacionais de Portugal, com vista à paralisia mundial do tráfico de estupefacientes, a par com outros flagelos aptos a colocar em sério perigo toda a comunidade global, como o terrorismo (que daquele tráfico também se alimenta) em termos cada vez mais próximos aos melhor tratados e sedimentados, como a pirataria e o tráfico de escravos e que não se hesite em considerar que é este o patamar do grau de ameaça à comunidade mundial representado por tais actividades. Em especial, as Convenções da ONU de “Montego Bay” e de Viena, esta expressamente contra o tráfico ilícito de estupefacientes e de onde resulta, directamente e como obrigação dos estados membros, a previsão típica de toda a multiplicidade de situações patentes no art.º 21º do Dec.-Lei nº 15/93 de 22.1, mais ainda quando, precisamente junto da ONU, Portugal intenta o reconhecimento de uma plataforma continental que alargará as suas fronteiras marítimas de forma a abarcar o maior território europeu ocidental, com responsabilidades acrescidas de jurisdição, vigilância, segurança e repressão, nomeadamente das conhecidas rotas de cocaína. Fora de qualquer tipo de ponderação nesta sede está (neste, como em todos os tipos penais) consideração desviante sobre a proporcionalidade da moldura penal abstracta legalmente fixada (ao tempo de concepção, claramente orientada para obstar à suspensão da execução da pena de prisão) designadamente a discordância com a mesma para casos de médio ou pequeno tráfico. Trata-se indubitavelmente de matéria constitucionalmente reservada ao poder legislativo e em semelhante terreno apenas a desaplicação judicial, frontal e assumida, por inconstitucional violação do correspondente princípio da proporcionalidade permitiria a respectiva obliteração, ou desvio. * Concluindo, os factos apurados correspondem à prática pelo arguido de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo nº 1 do art.º 21º do Dec.- Lei nº 15/93 de 22.1. “O tribunal superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus” (Ac. 4/95 do STJ de 7.6.1995, D.R. nº 154/1995, Série I-A de 6.7). Posto que o Ministério Público não recorreu da decisão, é ponto que, no caso, não teria qualquer alcance ou utilidade prática, nem mesmo quanto à aplicação de perdão, assim errónea e definitivamente concedido. Apenas servirá, por isso, para a apreciação a fazer-se quanto às demais questões recursivas. * Medida da pena. Pelo que se vem de dizer, ao crime cometido equivaleria a pena mínima de 4 anos de prisão, que sempre teria maior expressão concreta numa moldura até 12 anos, atendendo às circunstâncias agravantes e atenuantes judiciosamente alinhadas no acórdão recorrido, pelo que com este enquadramento é manifesta a improcedência do recurso quanto a este ponto. * Modo de execução e cumprimento da pena. Pretende o recorrente, em primeiro lugar, a suspensão da execução da pena e para a eventual falência desta pretensão, o seu cumprimento domiciliário. Sobre o ponto discorreu o colectivo como segue: “Quanto ao pressuposto material de aplicação deste instituto, entendemos que o mesmo não se mostra verificado. Na verdade, não podemos olvidamos que o arguido, em momento anterior ao da prática dos factos em apreço nestes autos, já havia sofrido duas condenações pela prática de outros tantos crimes de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, ambas em penas de prisão suspensas na sua execução, as quais, conforme aludido supra, não surtiram o efeito desejado, qual seja, o de permitir ao agente uma inflexão no rumo da sua vida, afastando-se da criminalidade. Ora, não foi isso que sucedeu com o arguido AA, porquanto, não obstante essas duas condenações, certo é que o mesmo voltou a incorrer na prática de novo crime de tráfico de estupefacientes (desta feita, o terceiro), em causa nestes autos, o que é revelador, por um lado, que o arguido possui uma personalidade desconforme aos comandos penais e, por outro, que a pena de prisão suspensa na sua execução, não foi suficiente para afastar o arguido da prática de novos ilícitos criminais. Significa isto que a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada não foi suficiente para o convencer a adequar o seu comportamento aos preceitos legais vigentes, não tendo a mesma se revelado suficiente para o afastar da prática de novos ilícitos. A isto, acresce ainda considerar a postura assumida pelo arguido em julgamento, que nada fez para reparar, ainda que simbolicamente, a sua imagem perante a sociedade, não revelando qualquer arrependimento pela sua conduta (negando a sua prática, mesmo perante toda a evidência), que é também revelador que o mesmo ainda não foi capaz de interiorizar a gravidade da sua conduta, o que potencia a prática de novos ilícitos criminais, mormente, os que proíbem o tráfico de estupefacientes. Aliás, como é realçado no relatório elaborado pela DGRSP, o presente processo não teve impacto significativo a nível pessoal do arguido AA, o qual adota um discurso desresponsabilizador e vitimizador relativamente à instauração do presente processo. Daqui ressalta, pois, que o arguido não consegue manter um comportamento ajustado e consistente, revelando-se incapaz de se autodeterminar de acordo com as normas jurídicas vigentes, o que não permite fundar nenhuma confiança na capacidade do arguido em resistir à prática de futuros crimes. Deste modo, não pode o tribunal considerar que as finalidades da punição possam ser alcançadas através da simples ameaça de o arguido poder ter que cumprir uma pena de prisão. Pelo contrário, entende-se que só uma pena privativa da liberdade satisfaz as exigências preventivas, mormente de confiança da sociedade na eficácia do ordenamento penal e na sua aplicação pelos Tribunais, razão pela qual se afasta a possibilidade de lhe ser suspensa a execução da pena em que será condenado.” Como resulta do antecedente, fundou-se bem o tribunal, principalmente no passado criminal do arguido, claramente a impossibilitar o indispensável juízo de prognose positiva. Acresce que a escala e o tempo de traficância levado a cabo pelo arguido, impede igualmente a sua pretensão. “Postulam-se razões de prevenção geral de intimidação que marcam uma forte presença; sempre que um Estado enfraquece a sua reacção contra tais condutas, logo recrudesce a respectiva prática. E são também fortes as exigências da prevenção geral de integração, neste tipo de crime: tráfico de estupefacientes. A Resolução do Conselho de Ministros n.º 46/99, de 26 de Maio, que aprovou a estratégia nacional de luta contra a droga, fixou como um dos objectivos primordiais o reforço do combate ao tráfico, aliás, como opção estratégica fundamental para Portugal. E acrescentou que «as dramáticas consequências do tenebroso negócio do tráfico ilícito de drogas, empreendido tantas vezes por verdadeiras organizações criminosas, e que atinge não apenas a vida dos jovens mas também a vida das famílias e a saúde e segurança da comunidade, são de tal modo chocantes que se torna um imperativo mobilizar todos os esforços para combater o tráfico com redobrada determinação... No caso de Portugal, esse combate é particularmente difícil em razão da nossa extensa costa marítima, a que se junta a eliminação de controlos fronteiriços internos no quadro do processo de integração europeia». 8 – Assim, a suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes, em que não se verifiquem razões muito ponderosas, que no caso se não postulam, seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral” (Ac. STJ de 15.11.2007, procº nº 3761/07-5). Adianta-se que mais recentemente, aumentaram as obrigações internacionais de Portugal nesta matéria, por efeito da necessária observância judicial dos pertinentes instrumentos jurídicos de direito internacional, como se referiu, vinculativos para o Estado Português e consequentemente para os correspondentes orgãos de soberania, mormente dos comandos normativos do ponto 6 do art.º 3º da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 19.12.1988 (Viena), aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº 29/91, de 20.6.1991 e sob os pontos 5 e 9 e art.º 4.º, nº 1, da Decisão-Quadro n.º 2004/757/JAI do Conselho da União Europeia, de 25.10.2004, coincidentemente impetrantes para os Estados‑Membros no sentido da rigorosa imposição de penas de prisão efectiva aos agentes criminais de tráfico de droga, particularmente vigorosas aos que integrem atinente estrutura organizada, postulam, por regra, a cominação aos correspectivos responsáveis de medidas penais efectivamente privativas da liberdade (de prisão efectiva, portanto). Mais. Como refere Figueiredo Dias (Direito Penal Português, 344) “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável (que aqui não se verifica) à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial e socialização - a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime, pois estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade, que ilumina o instituto em análise.” É reconhecidamente o que sucede com o tráfico de estupefacientes ao nível daquele a que já se dedicava o arguido. E muito dificilmente aquele instituto se pode aplicar, com o mínimo de expectativa de sucesso, a casos de traficância de rua com alguma estrutura e organização como no caso, não se vislumbrando da factualidade apurada segurança para a conclusão inversa, como teria de suceder para o efeito. “Nenhum ordenamento jurídico suporta pôr-se em causa a si mesmo, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral – isto é conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição. Já não tolera a sua ineficácia.” (Prof. Costa Andrade, RLJ, 134º, p. 76). As exigências que se vêm de alinhar, por si, impedem também que a pena seja executada em regime de permanência na habitação, ao que acresce a circunstância de ter sido aplicada pena concreta superior a dois anos de prisão – alínea a) do nº 1 do art.º 43º do Código Penal. O perdão, como é sabido, não reduz a pena fixada, apenas altera o tempo do respectivo cumprimento. * Consequentemente, improcede o recurso. * * * * Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando na íntegra o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três UC. * Lisboa, 11 de Março de 2025 Manuel Advínculo Sequeira Alexandra Bride Veiga Rui Coelho |