Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA RESENDE | ||
Descritores: | PESSOA COLECTIVA DIREITO AO BOM NOME RESPONSABILIDADE CIVIL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/08/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - As pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza, devendo-lhe ser reconhecidos alguns dos direitos especiais de personalidade que se ajustam à particular natureza e às suas específicas características, nomeadamente a prossecução do seu objeto social. II - São assim dignos de tutela jurídica, o direito ao bom nome e ao crédito. III - O facto antijurídico enunciado no art.º 484, do CC, não esgota o conceito de ilicitude no concerne aos pressupostos de responsabilidade civil genericamente traçados no art.º 483, do C, quanto violação daqueles direitos IV - Sendo ressarcíveis os danos patrimoniais indiretos, excluídos ficam os absolutamente inseparáveis da pessoa singular, no que à vertente não patrimonial respeita. V - No âmbito da reputação e bom nome de uma entidade coletiva releva, sobretudo, a projeção social em termos relacionais, que afetam, acima de tudo, a sua capacidade negocial e respetivos proventos, bem como as possibilidades aquisitivas. VI - Uma atuação desconforme com o estipulado, por parte do empreiteiro, não dando cumprimento atempado às obrigações que sobre o mesmo impendem, não constitui causa adequada à ofensa dos bens jurídicos reportados ao bom nome e crédito da entidade que aceitou realizar a fiscalização da obra. (Sumário da Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - Relatório 1. A, SA demandou B…SA, pedindo que a R. seja condenada a pagar à A. a quantia que, em respeito às regras de equidade, vier a ser determinada pelo Tribunal, por violação do direito ao bom-nome e à honra, causando-lhe com isso danos. 2. Alega para tanto que entre a A, EP, Empresa Pública e a R. foi celebrado um contrato de empreitada, que tinha por objeto a construção do Centro …, no prazo de 18 meses a contar da data da consignação. Pelo DL …, de …, a A -EP foi cindida, dando origem à A…, SA, e à Empresa Pública N,… EP, passando esta última a assumir a posição de dona do negócio na empreitada e o edifício objeto da mesma a constituir o seu património. Foi acordado entre a N…EP e a A…SA que esta assumia a responsabilidade pela fiscalização da empreitada, atuando na qualidade de representante do dono da obra, através da Direção de Infraestruturas …, e assim intimando a R. a corrigir os vícios e deficiências verificadas até à receção definitiva. A obra veio ser provisoriamente aceite em 31.07.1998 e 18.01.99, no entanto até ao 1.º semestre de 2007 subsistiam no objeto da empreitada um conjunto significativo de defeitos que impedem a receção definitiva pela N. A R. tem vindo a comprometer-se na realização dos trabalhos de reparação, mas não tem cumprido, vendo-se a A. pressionada pela N…EP no sentido que promova a resolução dos defeitos de modo a que possa ocorrer a receção definitiva da obra com a maior brevidade possível. O reiterado incumprimento por parte da R. repercute-se inevitavelmente no bom-nome e honra da A., surgindo perante o público em geral como uma má executora, diminuindo-a ao olhos de outros, sendo que é uma das três maiores contratantes de obras do país, e um pagador irrepreensível, pautando o seu comportamento pelo cumprimento das obrigações e compromissos. 3. A R. citada veio contestar, deduzindo para além do mais a exceção ilegitimidade ativa. 4. A A. veio responder. 5. Foi proferida decisão que julgou procedente a exceção da ilegitimidade ativa, decisão confirmada por Acórdão desta Relação, que veio a ser revogada por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, considerando a A. como parte legítima. 6. Realizado julgamento foi proferida decisão que julgou a ação improcedente, absolvendo a R. do pedido. 7. Inconformada veio a A interpor recurso de apelação, formulando, nas suas alegações as seguintes conclusões: · A sentença proferida pela MM.ª Juiz do Tribunal a quo enferma de grave erro de julgamento da matéria de facto por deficiente e incorreta análise e apreciação da prova produzida em Audiência de Julgamento e da demais constante dos autos. · As respostas negativas dadas pelo Tribunal a quo aos quesitos 8.º, 9.º e 10.º da base instrutória são contrárias a toda a prova carreada para os autos. · O depoimento prestado pela Eng. P… foi claro e inequívoco na demonstração da atuação da B…SA ao longo do 2.º semestre de 2006, período em que esta foi indicando à Recorrente sucessivas datas para a concretização e finalização das reparações necessárias, sem que contudo tenha respeitado essas datas ou sequer dado qualquer justificação para tal conduta inadimplente – cf. depoimento prestado a 30/03/2011, com hora de início às 11.48.36 e hora de fim às 13.38.42. · Resulta do depoimento desta testemunha que a Recorrida não só não cumpriu nenhum dos prazos para conclusão dos trabalhos de reparação a que se havia adstrito perante a A, como também, que deixou de dar resposta às sucessivas interpelações da Recorrente, remetendo-se a um incompreensível silêncio perante esta. · Tais factos são ainda integralmente corroborados pelos documentos juntos aos autos, especialmente, os documentos n.ºs 9 a 15 da petição inicial. · Ainda que se entendesse como entendeu o Tribunal recorrido – o que apenas se concebe, sem nunca conceder – ou seja, que as datas especificas constantes do quesito 8.º não tinham sido suficientemente demonstradas, sempre deveria a MMª Juiz do Tribunal a quo ter dado uma resposta restritiva a este quesito, dando como provado que “durante o segundo semestre de 2006, a B… SA indicou várias datas para a conclusão dos trabalhos de reparação” · Esta é, de resto, a conclusão que se pode retirar da fundamentação dada pela própria MMª Juiz na resposta a este quesito, em que refere expressamente que do depoimento da testemunha P resultou que “foram avançadas várias datas para conclusão dos trabalhos de reparação”. · Assim, sempre deveriam ter sido dados como provados os quesitos 8.º, 9.º e 10.º da base instrutória, pelo que se requer a alteração da decisão do Tribunal de 1ª instância sobre a referida matéria de facto, nos termos do artigo 712º/1 do C.P.C.. · Também as respostas negativas dadas pelo Tribunal a quo aos quesitos 12.º a 16.º, 24.º e 25.º da base instrutória são contrárias a toda a prova produzida. · Os depoimentos prestados pela Eng.ª P e pelo Sr. B impunham uma resposta diversa da dada pelo Tribunal a quo a estes quesitos. · A testemunha P foi perentória na afirmação de que a conduta da B…SA, especialmente, a sua conduta omissiva nas reparações e a sua ausência de resposta perante a A, que se traduziu aliás, a partir de certa altura, num total silêncio perante as sucessivas interpelações verbais e escritas desta, afetou a imagem e bom nome da A perante terceiros – cf. depoimento prestado a 30/03/2011, com hora de início às 11.48.36 e hora de fim às 13.38.42. · Da circunstância do edifício onde tinham que ser realizadas as reparações pela B…SA não se tratar de um edifício público, não se pode concluir – como pretendeu o Tribunal a quo – que o mesmo não fosse visitado por público. · O edifício era visitado por pessoas alheias à N..EP, nomeadamente, por pessoas que têm que se deslocar ao mesmo enquanto prestadores de serviços, por outras entidades que também estão ligadas à navegação aérea ou por pessoas que se deslocam ao edifício para a realização de reuniões ou apenas para visitar o centro de controlo aéreo – circunstância que foi, de resto, também relatada pelas testemunhas P e B. · Não se encontrava quesitado se a imagem da A ficou afetada perante o “público” – enquanto conceito generalista e indeterminado – mas sim se a sua imagem ficou afetada perante aqueles terceiros que contactassem com a obra – conceito determinado e preciso – circunstância que foi sobejamente demonstrada pela prova testemunhal produzida. · A N…EP é um terceiro perante a A, visto serem entidades totalmente distintas, ainda que atuantes no mesmo tipo de mercado, ou seja, no mercado ligado à navegação aérea e atividades relacionadas. · Ao ter sido dado como provado que a imagem da A ficou afetada perante a N…EP – como ficou – ficou necessariamente demonstrado que a conduta da B…SA… afetou a imagem da A perante terceiros. · A testemunha B (depoimento prestado no dia 3/04/2011, com hora de início de gravação às 10.26.59 e hora de fim de gravação às 11.54.41) explanou em Tribunal, de forma clara e precisa, a forma negativa como a atuação da B…SA afetou a imagem da A …SA perante terceiros. · O Tribunal a quo errou na resposta que deu aos quesitos 12.º a 16.º, 24.º e 25.º da base instrutória, os quais deveriam ter tido a resposta de provados, pelo que se requer a alteração da decisão da 1ª instância sobre a referida matéria de facto, nos termos do artigo 712º/1 do C.P.C.. · Em função de nova resposta aos quesitos 8.º, 9.º, 10.º, 12.º a 16.º, 24.º e 25.º da base instrutória, a aplicação do direito aos factos determinará, necessariamente, uma decisão diversa da proferida pelo MM.ª Juiz do Tribunal a quo, só assim, se repondo a plena justiça. · A omissão de correção dos defeitos, aliada ao facto de a Recorrida ignorar sistematicamente os insistentes pedidos da A..SA para levar a cabo tal reparação, traduziu-se, desde logo, num atentado à reputação profissional da A…SA, pois, conforme resultou da prova testemunhal produzida, era a A…SA que surgia como tendo sido autora de uma construção deficiente ou, no mínimo, como empresa que não sabia escolher e fiscalizar os terceiros que contrata. · Ao pôr em causa as capacidades reativas da A..SA, diminuindo-a aos olhos dos outros – quer da N…EP, quer de terceiros que contactaram com esta obra - a B…SA atentou contra a honra da Recorrente · Há responsabilidade por violação do direito ao bom-nome quando seja praticada qualquer conduta culposa e adequada a prejudicar a reputação de outrem e sobre a qual não recaiam quaisquer causas de justificação – como aconteceu com a conduta omissiva da B…SA ao não proceder às reparações necessárias na obra, apesar de sucessivamente instada para tal pela A…SA por mais de dois anos e, especialmente, ao deixar de dar qualquer resposta a tais interpelações, remetendo-se a um inaceitável silêncio. · Ao artigo 484.º não subjaz qualquer intenção limitadora ou restritiva relativamente à configuração do facto ilícito em matéria de ofensa ao crédito e ao bom-nome. · Uma ofensa à honra pode ocorrer em público ou em privado, e tanto pode consistir na formulação de afirmações ou interrogações ofensivas como em quaisquer outras manifestações de desprezo sobre a honra alheia. · A previsão do art.º 484, do C. Civil comporta todas as condutas suscetíveis de gerar um movimento negativo relativamente ao visado (in casu, a Recorrente) quer diminuindo a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações, quer diminuindo ou abalando a estima e o prestígio de que a pessoa goze junto dos demais, isto é, tudo o que objetivamente possa afetar o bom nome de qualquer pessoa, mormente, coletiva. · Ficou demonstrado que a B…SA sabia que, com o seu incumprimento reiterado, estava a lesar o bom-nome e a honra da A…SA; mais, quis, certamente, este resultado, o que se deduz, designadamente, de facto de não ter apresentado sistematicamente justificação alguma para a sua omissão. · A conduta da B.…SA foi adequada, em abstrato, à lesão do bom-nome e da honra da ora A. A…SA. · Ao contrário do pugnado na sentença recorrida, havendo violação do bom-nome e da honra de uma pessoa coletiva, deve entender-se que a mesma é indemnizável, independentemente de se demonstrar que o ente coletivo sofreu perdas de clientela ou afins em consequência da perda de reputação comercial ou profissional. · No caso do atentado bom-nome, este resultado pode justificar-se facilmente: na verdade, deve considerar-se que a reputação comercial ou profissional, o prestígio que a pessoa coletiva goza no mercado, a imagem positiva de eficiência, de lisura, de capacidade profissional que lhe anda associada, constitui um elemento do próprio património da pessoa coletiva, que condiciona o valor da respetiva empresa. face a toda a prova produzida e, consequentemente, à factualidade dada como demonstrada, não restam dúvidas que a conduta da B…SA afetou a honra e bom nome da Recorrente. · Mesmo que se considere ser o bom-nome de uma pessoa coletiva um bem não patrimonial, não pode deixar de reconhecer-se que um atentado a esse bem (o bom-nome) constitui, só por si, um dano não patrimonial, indemnizável nos termos do artigo 496.º, n.º 1 e 3 do C.C, o mesmo sucedendo em caso de lesão da honra. · É há muito pacífico na doutrina que a indemnização por danos morais no domínio da violação de direitos de personalidade, a par de uma função compensatória, tem uma função punitiva, pois visa prevenir o ilícito, desincentivando o agente e os outros membros da comunidade de repetirem a conduta prevaricadora. · Daí que não se possa deixar de considerar que uma lesão do bom-nome ou da honra, só por si, constituem danos não patrimoniais, ressarcíveis nos termos do art. 496.º, n.º 1 do CC, devendo o valor da indemnização ser fixado com recurso a critérios de equidade (cfr. o artigo 496.º, n.º 3 do CC). · A sentença Recorrida faz, assim, uma errada e não fundamentada aplicação do direito, violando o disposto nos artºs 483, 484º e 496º do Código Civil, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que procedendo a uma correta apreciação da prova produzida e direito aplicável, condene a Recorrida no pedido formulado nos autos. Assim se fazendo a costumada Justiça. 8. Cumpre apreciar e decidir. * II – Os factos Na sentença sob recurso foram considerados como provados os seguintes factos: A. Em 23 de maio de 1997, foi celebrado entre a Empresa Pública, A-EP e a ora R. B… S.A. um Contrato de Empreitada denominado “Aeroporto– Centro de Controlo …o – Construção Civil”, adiante designado por “Empreitada”. B. Nos termos da Cláusula Primeira da Empreitada, o contrato tem por objeto “a construção do Centro de Controlo …, tal como definido no projeto. Para além do edifício propriamente dito estão incluídos os trabalhos de pavimentação de acessos e parqueamento, execução dos arranjos exteriores e a vedação do pavimento do Centro”, C. Incluindo-se, ainda, “a execução de todos os trabalhos necessários à preparação e perfeito acabamento das instalações que, embora não discriminado, fazem parte integrante desta Empreitada, de forma a que sejam entregues prontas, dentro das devidas condições de funcionamento, assim como o fornecimento de todos os materiais e mão de obra necessários para a execução da empreitada, nos termos constantes do caderno de encargos”. D. De acordo com a Cláusula Terceira, número Um, da dita Empreitada, a ora R. B…SA “obriga-se a executar todos os trabalhos objeto do presente contrato no prazo de 18 (dezoito) meses, a contar da data da consignação, devendo considerar-se um prazo parcelar para conclusão da área técnica do edifício (junho de 1998)”, E. A consignação da obra teria lugar, nos termos da Cláusula Quarta, “no prazo máximo de 22 (vinte e dois) dias de calendário, contados a partir da data de assinatura do contrato”. F. Nos termos do número Dois da mesma Cláusula Terceira, “os prazos referidos no número anterior só poderão ser prorrogados, a requerimento da segunda outorgante [a R. C], se existir motivo de força maior devidamente justificado e como tal aceite pela primeira outorgante”, G. Entendendo-se como tal, de acordo com o número Três, “o facto de terceiro por que a segunda outorgante não seja responsável e para o qual não haja contribuído, e, bem assim, qualquer outro facto natural ou situação imprevisível, ou inevitável cujos efeitos se produzam independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da segunda outorgante, tais como atos de guerra ou subversão, epidemias, ciclones, tremores de terra, fogo, raio, inundações, greves gerais ou sectoriais que afetem os trabalhos da empreitada”. H. Nos termos das cláusulas supracitadas do contrato de empreitada, a obra deveria ser concluída pela B…SA no prazo de 18 meses após a sua consignação, ou seja, a deveria ser entregue em finais de 1998. I. A obra veio a ser provisoriamente aceite em 31/07/1998 e 18/01/1999, conforme autos de receção provisória juntos aos autos. J. A Autora solicitou, no 1.º semestre de 2005, a uma sociedade terceira, in casu, a sociedade “E, S.A.”, a elaboração de um relatório do Levantamento e Análise da Situação daquela obra, cujo teor se dá por reproduzido. K. Em 17/07/2006, a N…EP enviou à autora a carta junta a fls. 127 a 133, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. L. No dia 31 de maio de 2007, a Autora enviou ao Presidente do Conselho de Administração da sociedade L… S.A., com conhecimento para o Presidente do Conselho de Administração da Ré e da N…EP, a carta que se encontra junta a fls. 190 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. M. Nessa carta, a Autora informava a L…SA acerca do estado da empreitada “…– Centro de … – Construção Civil”. N. Nomeadamente, informou a L…SA acerca do facto, a 30 de junho de 2005, a obra não ter sido definitivamente recebida e da existência de um acordo com a Ré no sentido de esta iniciar, em 15 de maio de 2006, os trabalhos de reparação necessários para a receção definitiva. O. No dia 20 de junho de 2007, a Ré enviou uma carta à N…EP manifestando a sua vontade de resolver com a maior celeridade o caso da presente empreitada, disponibilizando todos os esforços para o efeito. P. Em 18 de julho de 2007, a N…EP enviou uma carta à Ré onde pode ler-se: “... Por incumbência do Conselho de Administração da N…EP Portugal, pela presente registamos com agrado o conteúdo da carta de Vexas, ref. 20/07, de 2007-06-20, nomeadamente na vontade expressa em resolver as questões pendentes referentes às obras no Edifício referido em epígrafe...”. Q. No âmbito da cisão, foi acordado entre a N…EP e a ora A. A…SA que esta última assumia a responsabilidade pela fiscalização da Empreitada, atuando na qualidade de representante do Dono da Obra, através da Direção de Infraestruturas Aeronáuticas; R. Cabendo-lhe, designadamente, intimar a B…SA para que procedesse à correção de eventuais vícios e deficiências verificadas na obra até à sua Receção Definitiva; S. Pelo menos até ao 1.º semestre de 2007, subsistiam, ainda, no objeto da Empreitada algumas infiltrações e fissuras, como melhor descrito no documento de fls. 110 e 111 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido; T. Esta situação impedia à data da propositura da ação, 18.12.2007, a Receção Definitiva da Empreitada por parte da N…EP; U. Durante a vistoria para receção definitiva efetuada em 30 de junho de 2005, foram detetadas as “deficiências” e “deteriorações” descritas no anexo único constante de fls. 50 e 51 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, tendo-se fixado um prazo até 30 de novembro de 2005 para o empreiteiro, ora Ré, proceder às modificações ou reparações necessárias, para o que foi notificado. V. Desde 30 de novembro de 2005, a A foi insistindo com a B…SA no sentido de reparação de todos os defeitos, sendo que alguns subsistiram, pelo menos até ao 1.º semestre de 2007; W. A imagem da A, enquanto entidade fiscalizadora desta obra, ficou comprometida junto da N; X. A A tem, no mercado português, uma imagem de rigor, autoridade e competência; Y. A A é uma das maiores contratantes de obras do país; Z. E é, neste contexto, um bom pagador; AA. A preocupação de rigor e eficiência refletem-se também nos procedimentos de seleção das empresas que a A incumbe da realização das suas obras: a A…SA escolhe cuidadosamente os empreiteiros que com ela trabalham, exigindo os mais altos padrões de qualidade; BB. De tal modo que é prestigiante para esses terceiros contratantes, e, em geral, para qualquer potencial contratante, o simples facto de trabalharem com ou para a A…SA; CC. A A zela igualmente pela execução das obras em termos rigorosamente conformes com os respetivos projetos, supervisionando e fiscalizando de modo constante a realização dos trabalhos; DD. A relação comercial entre a dona da obra e a Ré está de tal forma consolidada que a N…EP, em data posterior à citação adjudicou diretamente à Ré a realização de novas obras. * III – O Direito Como se sabe o objeto do recurso é definido pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, importando em conformidade decidir as questões[1] nelas colocadas, artigos 684.º, nº 3, 660.º, n.º 2, e 713.º, todos do CPC, pelo que no seu necessário atendimento, a saber está se houve erro no julgamento da matéria de facto, e incorreta subsunção jurídica, devendo, assim, contrariamente ao decidido, ser a Recorrida condenada no pedido formulado nos autos. 1. do erro no julgamento da matéria de facto. 2. Da subsunção jurídica. Insurge-se a Apelante contra o decidido, estribando-se, desde logo na pretendida alteração da matéria de facto, que como vimos não foi acolhida, considerando que a conduta da Recorrida seria adequada, em abstrato à lesão e honra da Apelante. Por outro lado diz a Recorrente que havendo violação do bom-nome e da honra de uma pessoa coletiva, deve entender-se que a mesma é indemnizável, independentemente de se demonstrar que o ente coletivo sofreu perdas de clientela em consequência da perda de reputação comercial ou profissional, constituindo qualquer violação do bom-nome de uma pessoa coletiva, maxime de uma sociedade comercial, um dano, porque indica uma redução do património dessa empresa, sendo que a matéria dada como provada é suficiente para se considerarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, e da consequente obrigação de indemnizar. Alega ainda a Recorrente, que mesmo que se considere ser o bom-nome de uma pessoa coletiva um bem não patrimonial, não pode deixar de reconhecer-se que o atentado a esse bem como um dano não patrimonial, indemnizável. Apreciando. Não se discute que as pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza, pelo que não se questiona que por força do art.º 160, nº 1, do CC, lhe devem ser reconhecidos alguns dos direitos especiais de personalidade que se ajustam à particular natureza e às suas específicas características, nomeadamente a prossecução do seu objeto social, e assim o correspondente desenvolvimento da sua atividade, na gestão das respetivas relações e inerentes interesses, dignos de tutela jurídica, nos quais se deverá incluir o direito ao bom nome e ao crédito. Na verdade, em virtude de tal atividade desenvolvida, e na sequência das relações estabelecidas pelos respetivos órgãos, acabam por projetar para o exterior uma imagem de si mesmas, granjeando, paulatinamente determinada reputação ou prestígio social, que se traduzem em bens jurídicos, merecedores de tutela, sendo que um bom nome constitui uma fonte dinamizadora de novos contactos e relações negociais[2]. Em conformidade a divulgação de factos suscetíveis de abalar a identidade sócio-económica de um ente coletivo poderá provocar-lhe prejuízos, privando-o da realização de novos negócios, ou fazendo incorrer em incumprimento de alguma obrigação já assumida, ficando assim em causa a proteção ou dimensão externa da honra, pois relativamente às pessoas jurídicas não faz sentido autonomizar a dimensão interna deste bem jurídico, onde se tem em vista basicamente a tutela do respeito, autoestima e consideração pessoal[3]. Assim, diz-nos o art.º 484, do CC, que quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa singular ou coletiva, responde pelos danos causados, na evidência que a lei expressamente prevê a ilicitude da divulgação de factos suscetíveis de ofender o crédito ou o bom-nome das referidas pessoas, físicas ou meramente jurídicas, na vertente da consideração social, artigos 26º, nº 1, da Constituição, 70.º, n.º 1 do CC, e em conformidade, protegido em termos legais o bom-nome das pessoas coletivas na vertente da credibilidade e de prestígio social. Refira-se, no que à previsão do art.º 484, do CC, respeita, que a mesma comporta não só as declarações baseadas em factos, verdadeiros, ou falsos que sejam suscetíveis de gerar um movimento negativo relativamente ao visado, traduzido em tudo o que objetivamente possa afetar o bom nome de qualquer pessoa, mas também os comentários e as opiniões informativas sempre que o juízo de valor neles contidos seja apresentado como um facto desonroso ou lhe esteja por subjacente, explícita ou implicitamente, a ideia de que à notícia transmitida se deve acrescentar algo desfavorável ao visado e ainda não revelado[4]. Configurando-se que o facto antijurídico enunciado no art.º 484, do CC, não esgota o conceito de ilicitude no concerne aos pressupostos de responsabilidade civil genericamente traçados no art.º 483, do mesmo diploma legal, quanto à violação do bem jurídico em causa, serão ressarcíveis os designados danos patrimoniais indiretos[5], sendo certo que excluídos deverão ficar os danos absolutamente inseparáveis da pessoa singular, no que à vertente não patrimonial respeita, caso dos aspetos de cariz físico ou afetivo, como as dores físicas ou desgostos. Com efeito, e reiterando o já mencionado, releva sobretudo no âmbito da reputação e bom nome de uma entidade coletiva a projeção social em termos relacionais, que afetam, acima de tudo, a sua capacidade negocial e respetivos proventos, bem como as possibilidades aquisitivas, e nessa medida, em causa estarão os prejuízos consubstanciados no abalo ou aviltamento do “lastro económico” das pessoas coletivas, ou seja, da individualidade económica autónoma ou status do respetivo ente, como elementos constitutivos do crédito, enquanto bem jurídico tutelado no art.º 484, do CC[6]. Reportando-nos aos autos, como já se referiu, não logrou a Recorrente obter a alteração da decisão sobre a matéria de facto de forma a demonstrar o factualismo vertido nos artigos em causa na enunciação de uma situação afetando o seu bom nome e crédito, em termos de imagem, numa imputação de ineficiência e incúria decorrente de uma conduta voluntária, por parte da Recorrida, com esse fim, e centrada numa atuação da sua parte, para com a Apelante, da qual resultaria tal inépcia e incapacidade, afetando necessariamente a reputação da mesma. A saber está, no atendimento da matéria apurada, se estamos ainda perante factos antijurídicos, consubstanciadores de ilicitude, que com os demais pressupostos da responsabilidade civil, sejam geradores da obrigação de indemnizar. Relevantemente estará a situação de a Recorrente ter assumido perante a N…EP a responsabilidade da fiscalização da empreitada, cabendo-lhe nesse âmbito intimar o empreiteiro, a Recorrida, para que procedesse à reparação das deficiências detetadas, sendo que apesar de a Apelante ter em tal âmbito insistido junto da Apelada com vista à reparação de todos os defeitos, alguns subsistiam, apurando-se que a imagem da Recorrente, enquanto entidade fiscalizadora da obra, ficou comprometida junto da N…EP, dona da obra. Na análise dos necessários pressupostos, desde logo, e em abstrato, não se configura, como se salienta na sentença sob recurso, que uma atuação desconforme com o estipulado, por parte do empreiteiro, não dando cumprimento atempado às obrigações que sobre o mesmo impendem, possa constituir causa adequada à ofensa dos bens jurídicos reportados ao bom nome e crédito da entidade que aceitou realizar a fiscalização da obra, na medida que nessa qualidade, sempre a sua conduta estaria limitada à função a exercer, com a devida intimação para o cumprimento[7], na mesma se esgotando, nada mais lhe sendo exigível, maxime em termos do cumprimento das prestações em falta. Em concreto, ainda assim, se poderia questionar da potencialidade do comprimento omissivo da Recorrida para a verificação de uma situação de ofensa ao bom nome e crédito da Recorrente, na medida em que tal conduta omissiva, necessariamente culposa, pudesse importar numa lesão efetiva de tais direitos, traduzida que fosse em qualquer realidade demonstrada. Ora, acontece que o apurado comprometimento da imagem da Recorrente, enquanto entidade fiscalizadora da obra em realização, junto da N…EP, tendo presente que a atividade desenvolvida resultou de um acordo entre as duas celebrado quanto à mesma obra, não se mostra de molde a produzir a lesão apontada, numa assunção de uma relevância não evidenciada, sendo certo que não resulta do provado que tenha advindo qualquer circunstância funesta ou menos favorável para a Recorrente, no concerne ao desenvolvimento do seu escopo social, de alguma forma afetando a o seu estatuto económico, ou relevo social[8]. Deste modo, e na concordância com o decidido, indemonstrados se mostram os pressupostos para que a Recorrida pudesse ser responsabilizada nos termos pretendidos pela Apelante, sendo certo, que sobre a mesma impendia o ónus da respetiva prova, art.º 342, do CC. Improcedem, assim, na totalidade, as conclusões formuladas pela Apelante. * IV – DECISÃO Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida. Custas pela Apelante * Lisboa, 8 de maio de 2012 Ana Resende Dina Monteiro Luís Espírito Santo ---------------------------------------------------------------------------------------------- [1] O Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, sendo que, quanto ao enquadramento legal, não está o mesmo sujeito às razões jurídicas invocadas também pelas partes, pois o julgador é livre na interpretação e aplicação do direito, art.º 664, do CPC. [2] Cfr. Filipe Miguel Cruz de Albuquerque Matos, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, pag. 375. [3] Citando Filipe Albuquerque Matos, obra referida, fls. 375. [4] Cfr. Ac. RL de 9 setembro de 2008, in www.dgsi.pt, também subscrito pela ora relatora, e no qual se refere que as deduções ou conclusões formuladas pelo lesante considerar-se-ão ofensivas nos termos do art. 484 quando assentem sobre factos que são do conhecimento comum, desde que sobre os mesmos se não encontre ainda formulado um juízo negativo de valor que será suscitado pela formulação da dedução ou conclusão. [5] Cfr Filipe Albuquerque Matos, obra referida, a fls. 380, indicando os prejuízos patrimoniais decorrentes da violação de bens ou valores, em si mesmos, não patrimoniais. [6] Cfr. Filipe Albuquerque Matos, obra referida, a fls. 380. [7] Que ficou demonstrado ter ocorrido. [8] A conduta da Recorrida não terá trazido também consequências gravosas para as relações de negócios estabelecidas com a N, porquanto, provado ficou, que a relação comercial entre a dona da obra e a Apelada esta de tal modo consolidada, que a N, em data posterior à citação, adjudicou diretamente àquela a realização de novas obras. |