Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GRAÇA AMARAL | ||
Descritores: | PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA UNIÃO DE FACTO INSUFICIÊNCIA DE MEIOS ECONÓMICOS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/17/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ANULADA | ||
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Sumário: | I - O direito às prestações por morte de um beneficiário da Segurança Social, não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, dependerá, para além da alegação e prova da convivência com o mesmo em situação análoga à dos cônjuges, há mais de dois anos, da alegação e prova, da carência de alimentos e de os não poder obter, quer da herança do falecido, quer dos familiares indicados no art. 2009º do CC. II – Mostra-se suficiente para caracterizar a situação de necessidade para efeitos de obtenção de pensão de alimentos a circunstância da autora litigar com apoio judiciário e a mesma ter junto aos autos certificado de insuficiência económica. (G.A) (Sumário da Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, I - Relatório Partes: M (Autora/Recorrente) Centro Nacional de Pensões (Réu/Recorrida) Pedido: - Ser declarado que a Autora, à data do óbito de A, vivia com ele em união de facto há mais de dois anos, de forma ininterrupta; - Ser declarada a não concessão de alimentos da herança do falecido à Autora, por inexistência de bens; - Ser reconhecida à Autora a protecção a que tem direito pela aplicação do regime da Segurança Social, designadamente, o pagamento por parte da Ré das prestações por morte do identificado Aníbal. Fundamentos Ter vivido ininterruptamente, durante mais de 40 anos, em união de facto com o falecido A o qual fora beneficiário da Ré e, bem assim, o facto de se encontrar em situação de necessidade e de impossibilidade de prover o seu sustento e de obter alimentos das pessoas legalmente vinculadas a tal ou da herança do falecido. Contestação Impugnação dos factos articulados por estarem em causa factos de que não se lhe impõe ter conhecimento. Sentença Julgou a acção improcedente, absolvendo o Réu do pedido. Conclusões da apelação (em súmula) 1. A prova dos requisitos necessários à obtenção das prestações por morte do companheiro com quem viveu em união de facto pode ser feita em qualquer altura do processo, designadamente na fase de julgamento; 2. O tribunal a quo não detinha, na fase do saneador, os elementos necessários para, independentemente de produção de prova, decidir do mérito da causa; 3. A lei não proíbe que após os articulados, na fase de produção de prova, se proceda à junção de documentos com vista a demonstrar as condições económicas e sociais da Autora, factualidade que igualmente pode ser demonstrada através de prova testemunhal, 4. O despacho saneador deve ser declarado nulo uma vez que se mostra necessária a realização de audiência de julgamento para produção de prova relativamente aos requisitos necessários à procedência da acção. Não foram apresentadas contra alegações II - Apreciação do recurso 1. Os factos: O tribunal a quo deu como provado o seguinte factualismo: ü A faleceu em 10.10.2007; ü A era pensionista da ré recebendo uma pensão de reforma anual de 14.547,61 euros. 2. O direito Questão a conhecer (delimitada pelo teor das conclusões do recurso e na ausência de aspectos de conhecimento oficioso – art.ºs 690, n.º1, 684, n.º3, 660, n.º2, todos do CPC) Através da presente acção pretende a Autora que lhe seja reconhecido o direito a auferir as prestações por morte do companheiro com quem viveu em união de facto e que era beneficiário da Segurança Social. 1. Dos requisitos exigidos por lei para que possa ser reconhecida à Autora a qualidade de titular da pensão de alimentos nos termos peticionados 1.1 O DL 322/90, de 18/10, “define e regulamenta a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral da segurança social”[1], protecção consubstanciada no direito à atribuição de pensões de sobrevivência e subsídio de morte (art.º 3, n.º1, do referido DL), direito que nos termos do art.º 8, n.º1, do mesmo diploma, é extensivo às pessoas que se encontrem na situação prevista no n.º1 do art.º 2020º do Código Civil. O Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18/1, veio, em cumprimento do art.º 8, n.º2, do DL 322/90 citado, regulamentar o processo de prova das situações referidas no n.º1 - direito à pensão de sobrevivência e subsídio de morte por parte das pessoas que se encontrem na situação prevista no n.º1 do art.º 2020 do CC. Nos termos do referido Decreto Regulamentar, a atribuição de tais prestações depende do reconhecimento, por sentença judicial, do direito a alimentos da herança do falecido. Em caso de insuficiência ou inexistência de bens na herança, o direito a tais prestações dependerá do reconhecimento da qualidade de titular das mesmas, obtido através de sentença judicial proferida em acção interposta contra a instituição de segurança social – art.º 3, n.º2. De acordo com as disposições citadas, constituía entendimento jurisprudencial que o direito às prestações por parte da pessoa que, à data da morte do beneficiário do regime geral da segurança social, com ele vivia há mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges, dependia não só da prova da união de facto, como da situação de carência de alimentos (art.º 2004, do CC) e, bem assim, da circunstância de não poder obter alimentos dos familiares referidos nas alíneas b), c) e d) do n.º1 do art.º 2009 do CC. Nos casos em que, como o dos autos, a acção é endereçada contra a instituição de segurança social, embora não fosse pacífico, defendia-se a necessidade de, igualmente, se provar que a herança não dispunha de bens ou que, havendo-os, os mesmos não eram suficientes para tal pretensão[2]. Ainda quanto a este aspecto, a jurisprudência vinha entendendo que as disposições acima citadas apontavam no sentido de que, para obter do Centro Nacional de Pensões prestações por morte do beneficiário da segurança social, o sobrevivente de união de facto não necessitava de propor duas acções, uma contra a herança e outra contra aquele Centro[3]. Segundo este posicionamento, assentando o direito à pensão de sobrevivência em caso de união de facto num reconhecimento judicial, a atribuição do mesmo, quando se verificasse inexistência ou insuficiência de bens da herança, dependia da instauração de acção contra a respectiva instituição, impondo-se ao interessado o ónus de alegação e prova dos elementos constitutivos do respectivo direito[4] (de verificação cumulativa), a saber: 1. que o falecido era pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens; 2. que o falecido era beneficiário da segurança social; 3. que o autor com ela convivia, há mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges; 4. ser o autor pessoa carecida de alimentos; 5. não poder o autor obter alimentos através dos familiares referidos nas alíneas a), b), c) e d) do n.º1 do art.º 2009 do C. Civil, ou seja, impossibilidade de obter alimentos do cônjuge ou ex-cônjuge, dos descendentes, ascendentes ou irmãos. 1.2 Com a entrada em vigor da Lei n.º 135/99, de 28.08[5], diploma que regulamenta a protecção jurídica das uniões de facto, com duração superior a dois anos (art.º 1, n.º1), aderimos ao entendimento que, neste âmbito e repensando o posicionamento jurisprudencial acima referido, fez acento tónico no art.º 3, al. f), da citada Lei 135/99 (nos termos do qual se atribuiu a cada membro da união de facto, entre outros direitos, o correspondente à protecção decorrente do regime geral da segurança social e da lei, em caso de morte do respectivo beneficiário) conjugado com o disposto nos art.ºs 6, n.º1, da LUF, passando a defender que os requisitos exigíveis ao membro sobrevivo da união de facto para lhe poder ser atribuído o direito às prestações por morte do respectivo beneficiário (no âmbito do regime da segurança social, sempre que fosse proposta acção contra a instituição incumbida da atribuição das prestações sociais) reconduziam-se tão só “à prova relativa ao estado civil do beneficiário falecido e à existência de uma relação para familiar de união de facto, que perdure há mais de dois anos – art.º 2º do Dec. Reg. N.º 1/94 -, não impendendo, portanto, sobre o respectivo interessado o ónus da prova, quer da sua necessidade de alimentos – art.º 2004 do CC -, quer da impossibilidade para os pagar por parte da herança ou dos familiares indicados nas als. a) a d) do art. 2009 daquela codificação”[6]. Todavia, esta posição jurisprudencial veio a mostrar-se isolada no STJ que, sistematicamente, tem vindo a decidir no sentido de que a atribuição do direito a tais prestações (subsídio de morte e pensão de sobrevivência) pressupõe a verificação de todas as condições previstas no art.º 2020, n.º1, do C. Civil[7]. Assim sendo e porque estamos conscientes de que a defesa de uma equiparação do regime do casamento à união de facto neste âmbito assume dificuldades de hermenêutica no domínio do quadro normativo actual, levando em conta a interpretação que vem igualmente sendo seguida no Tribunal Constitucional relativamente a este aspecto, há que repensar, mais uma vez, a questão e, em abono da uniformidade das decisões que, nestes casos, se considera ética e socialmente justificada[8], entende-se ser de retomar o anterior posicionamento. Desta forma, o direito às prestações por morte de um beneficiário da Segurança Social, não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, dependerá, para além da alegação e prova da convivência com o mesmo em situação análoga à dos cônjuges, há mais de dois anos, da alegação e prova, da carência de alimentos e de os não poder obter, quer da herança do falecido, quer dos familiares indicados no art. 2009º do CC. 2. Da prolação de decisão precipitada, por inconsideração de factualismo alegado Definidos que se encontram os pressupostos necessários procedência da acção, coloca-se-nos agora a questão de saber se saber se o tribunal a quo podia ter decidido a acção na fase do saneador. A sentença recorrida julgou a acção improcedente com fundamento no facto de não se encontrarem invocados todos os requisitos de que depende a procedência da acção. Nesse sentido refere-se na decisão recorrida que, relativamente ao requisito carência de alimentos, a Autora havia apenas feito “uma alegação genérica de que não tem capacidade material para suportar as despesas normais com a renda de casa, alimentação, vestuário, medicamentos, consumos de electricidade e água, não tendo em momento algum discriminado as suas despesas, sendo que no que toca a receitas, na versão inicial da petição inicial, referiu ter uma pensão de sobrevivência no montante de 230,16 euros”. No que se reporta ao requisito de não poder obter alimentos de nenhuma das pessoas referenciadas nas alíneas a) a d) do art.º 2009 do Código Civil, afirma-se na sentença que “a mesma apenas faz referencia que não tem pais vivos, que os seus irmãos vivem com dificuldades, e que os seus dois filhos não têm condições financeiras para a auxiliar, sendo que, segundo transparece da primeira versão da p.i., o seu filho, maior, vive com ela, dizendo nessa ocasião que o filho teve um acidente e recebe uma pensão de 150 euros e posteriormente que o filho é jardineiro mas se encontra desempregado. Quanto à filha, na segunda p.i. apresentada refere-a como sendo casada, tendo dois filhos menores e um rendimento global de 14.913,60 euros, nada alegando, quanto às despesas desta a não ser que paga um empréstimo bancário.” Concluiu o tribunal a quo que tais factos são manifestamente insuficientes justificando que “Por um lado desconhecem-se quais são as despesas da autora, por outro, desconhecem-se os seus rendimentos, pois tanto quanto alega vive com o filho e não se sabe afinal, se este tem ou não algum rendimento, pois primeiro é referido que terá uma pensão, mas posteriormente que está desempregado (aufere algum subsídio de desemprego?). Por outro, a autora não alega factos donde possa extrair-se que os seus irmãos não lhe podem prestar alimentos, sendo que o único facto que alega é que vivem com dificuldades, mas esse facto, isolado, não chega, sendo que era necessário saber quais os agregados familiares dos irmãos, quais os seus rendimentos e despesas para poder concluir que não estão em condições de lhe prestar alimentos. É que a alegação da Autora consubstancia, em nossa opinião, apenas uma afirmação genérica, e não se traduz, rigorosamente, na alegação de que os irmãos não lhe possam prestar alimentos.” As transcrições levadas a cabo permite-nos evidenciar o âmbito do entendimento assumido pelo tribunal a quo quanto à (in)verificação dos elementos constitutivos do direito da Autora. Com efeito, a improcedência da acção teve por fundamento a falta de alegação da situação de carência económica por parte da Autora e dos requisitos constantes das alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 2009, do Código Civil. Vejamos. No que se refere ao primeiro, ao invés das dúvidas que são suscitadas na sentença, há que considerar suficientemente alegada a circunstância da Autora ser pessoa carenciada de alimentos. Com efeito, na primeira petição[9] a Autora alegou no artigo 5º que à data do óbito de A este auferia uma pensão de reforma no valor anual de € 14.547,61, referindo no artigo 6º que “Sendo com ela, dado que não tinha outros rendimentos, que provia ao seu sustento e ao da A”, referindo no artigo 7º que “A Autora aufere exclusivamente uma pensão de sobrevivência no valor de € 230,16”. Na 2ª petição a Autora, relativamente à carência de alimentos, alegou nos artigos 8º e 14º que “vive com o filho C, este é solteiro tem a profissão de jardineiro e actualmente encontra-se desempregado ” e “(…) atento os seus reduzidíssimos recursos materiais, não tem capacidade material de suportar mensalmente as suas despesas normais e necessárias à sua subsistência, designadamente, renda da casa de morada de família, alimentação, vestuário, medicamentos, consumos de electricidade, água”. Juntou com a petição atestado de insuficiência económica, passado pela Junta de Freguesia da área da respectiva residência onde se encontra declarado “(…)QUE O AGREGADO DA REQUERENTE É COMPOSTO POR: A PRÓPRIA, APOSENTADA; SEU FILHO, C, DE 45 ANOS DE IDADE, SOLTEIRO, JARDINEIRO - DESEMPREGADO”. Juntou ainda duas certidões emanadas do Serviço de Finanças de Lisboa onde se encontra consignado que quer relativamente à Autora, quer a C, não foi entregue qualquer declaração de rendimentos, a que se refere o art.º 57, do Código do IRS, bem como não consta que a obtenção pelos mesmos de quaisquer rendimentos sujeitos à obrigação de entrega da competente declaração. Decorre ainda dos autos que, por insuficiência económica para efeitos de custear a acção, foi concedido à Autora apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos e nomeação e pagamento de honorários a patrono. Tendo presente tais elementos e ao invés do defendido na sentença, somos de entender que se encontra suficientemente invocada a situação de carência de alimentos por parte da Autora para efeitos de obter a pretendida pensão[10]. Importa, porém, analisar se a Autora conseguiu minimamente alegar nos autos o outro elemento constitutivo do seu direito - impossibilidade de obtenção de alimentos das pessoas a tal obrigadas e que se reportam aos parentes indicados nas alíneas a) a d) do art.º 2009 do Código Civil, isto é, cônjuge ou ex-cônjuge e descendentes.. Quanto a este aspecto, porque a inexistência de parentes em condições de prestar alimentos constitui um facto negativo de especial dificuldade probatória para o autor, a jurisprudência tem vindo a defender a necessidade de uma maior maleabilidade por parte do julgador quanto à exigência de demonstração de tal requisito[11], tendo mesmo chegado a defender-se que “Sendo o réu uma entidade pública (Centro Nacional de Pensões) com amplas possibilidades de se informar sobre as situações de facto que subjazem aos pedidos de prestações por morte dos seus beneficiários e atento o princípio da cooperação que informa o processo civil, no quadro do art.º 2020 do CC, o autor deve alegar que não tem parentes a quem possa exigir alimentos, cabendo ao réu alegar e provar que os tem em condições de lhos prestar (prova do facto positivo)”[12]. Na petição inicial e relativamente a este requisito foi alegado pela Autora nos artigos 3º, 4º, 5º, 7º, 8º, 9º, 10º e 11º da petição inicial “A A. é solteira”, “Já não tem ascendentes”; “E tem dois irmãos que vivem com muitas dificuldades, não tendo contacto com eles”; “A A. tem dois filhos maiores”; “Sendo que, vive com o filho C, este é solteiro tem a profissão de jardineiro e actualmente encontra-se desempregado”; “A filha, A, é casada, tem três filhos, dois são menores e encontram-se a estudar, pagam um empréstimo à habitação”; “Para fazer face às despesas o agregado familiar auferiu no ano anterior o valor global de 14.913,60”; “Pelo que, não dispõem, qualquer um dos filhos da A. de possibilidades económicas de lhe prestar alimentos ”. Juntou ainda documento que constitui o modelo 3 respeitante à declaração de rendimentos da filha, relativamente ao ano de 2007[13]. Na contestação o Réu limitou-se a referir “Por não serem factos pessoais ou de que deva ter conhecimento dão-se aqui por impugnados nos termos e para efeitos do art.º 490º, n.º3 do CPC.”. Verifica-se pois que face ao circunstancialismo alegado na petição, a sentença recorrida constitui uma decisão precipitada, desde logo por ter conhecido a pretensão da Autora descurando o articulado da mesma o qual, ainda que com alguma deficiência de alegação, invoca, na sua essencialidade, elementos que a serem demonstrados integram-se nos requisitos necessários à pretensão visada com a instauração da acção. Desta forma e ainda que quanto aos factos o juiz se encontre dependente do factualismo introduzido no processo pelas partes (sem prejuízo, conforme já referido, dos poderes que lhe foram concedidos no art.º 264), cabe-lhe seleccionar e fixar a matéria de facto trazida ao processo segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (cfr. 511, n.º1, do CPC). Por conseguinte, tendo em linha de conta o factualismo constante da petição inicial, pese embora o pouco rigor técnico quanto à forma como a factualidade se encontra alegada, impunha-se ao tribunal a quo o dever de atender aos factos articulados para o conhecimento da acção, (fixando o factualismo a dar por assente e submetendo à apreciação de prova os factos controvertidos). Não o fazendo, o tribunal a quo precipitou o conhecimento da mesma sem se inteirar de todos os elementos necessários para o efeito já que, não obstante ter convidado previamente a parte nos termos do art.º 508, n.º1, alínea b), do CPC, para corrigir o seu articulado, cabia-lhe levar em linha de conta o entendimento jurisprudencial que defende um adequado grau de exigência de alegação e prova quanto ao requisito do direito do autor traduzido na impossibilidade de prestação de alimentos por parte das pessoas vinculadas a tal, de acordo com as alíneas a) a d) do art.º 2009 CC. Deste modo, tendo presente o factualismo alegado no que se reporta a este último requisito, impunha-se ao tribunal a quo ter elaborado base instrutória para viabilizar (em sede de julgamento e ainda que, para o feito tivesse de utilizar os poderes que lhe são conferidos na alínea f) do n.º2 do art.º 650 do CPC[14]) a demonstração da impossibilidade dos irmãos e dos descendentes da Autora lhe prestarem alimentos, por tal se mostrar essencial para a definição do direito a aplicar no caso concreto, As conclusões da apelação têm, por isso, de proceder. IV – Decisão Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em anular a sentença recorrida, determinando o prosseguimento dos autos com a elaboração da matéria assente e do factualismo relevante a integrar a base instrutória, a fim de se conhecer da acção. Custas pelo vencido a final. Lisboa, 17 de Fevereiro de 2009 Graça Amaral Ana Maria Resende Dina Monteiro _______________________________________________________ [1] Art.º 1, n.º1. [2] Em sentido contrário veja-se o Acórdão do STJ de 13.02.2001, revista n.º 23/01, 1ª secção (Sumários do STJ de 2001) onde se considerou que o interessado que opte pela acção consignada no n.º 2 do mencionado art.º 3 (acção contra a instituição de segurança social que seja a competente para satisfazer a prestação em questão) somente caberá fazer a demonstração do seu direito a alimentos, não tendo a obrigação de alegar e provar a existência ou inexistência de bens da herança. [3] Conforme foi decidido no Acórdão do STJ de 06.07.2000, para intentar a acção contra o Centro Nacional de Pensões, nos termos do art.º 8, n.º 1 do DL 322/90 de 18/10 e 3 do DR 1/94, de 18/1, não se torna necessário intentar previamente acção contra a herança, se o autor alegar, desde logo, que a herança não tem bens, ou que estes não são suficientes para a prestação alimentar - Revista n.º 456/00, 1ª Secção, Sumários do STJ, ano 2000. No mesmo sentido, Acórdão do STJ de 11.12.2001, Revista n.º 3462/01, 1ª Secção, Sumários do STJ, ano 2001. [4] Neste sentido e entre outros, Acórdão do STJ de 29.03.01, Revista n.º 545/01, 2ª secção. [5] E, posteriormente, a Lei 7/2001, de 11 de Maio. [6] Nesse sentido acórdão do STJ de 20.04.2004 no qual se refere “Na verdade, decorrente da publicação da Lei n.º 135/99 (LUF), foi estabelecida, em matéria de protecção social do companheiro, uma total equiparação da união de facto ao casamento, através da aplicação, a ambas aquelas situações, dos mesmos princípios existentes relativamente à protecção do cônjuge – art. 3º, als. b), c), f) g) e h). Por outro lado, tal tendência de equiparação dos casais que vivessem naquelas duas indicadas situações, relativamente às prestações concedidas em razão da morte dos beneficiários do regime geral da segurança social, decorria já do preceituado no DL n.º 322/90 – arts. 1º, 3º, 7º e 8º , bem como do Dec. Reg. N.º 1/94, em cujo preâmbulo se pode ler, a dado passo: «Em matéria de pensões de sobrevivência, o acolhimento do princípio da relevância das uniões de facto de alguma forma equiparáveis, para efeitos sociais, à sociedade conjugal tem por objectivo a harmonização dos regimes internos de protecção social, bem como a adequação a recomendações formuladas no âmbito de instâncias internacionais». Ora, no que se reporta às prestações decorrente do decesso dos beneficiários do regime geral da segurança social – pensão de sobrevivência e subsídio por morte -, a atribuição ao cônjuge do falecido não está dependente das necessidades económicas do mesmo, nem da existência de familiares cuja situação económica seja susceptível de lhe poderem prestar alimentos – arts. 24º, 25º, 32º do DL 322/90 e arts 26, 27º e 40º, n.º1, al. a) do Estatuto das Pensões de Sobrevivência - , o que se adequa à natureza dos referidos benefícios, que, quanto às pensões de sobrevivência, se traduzem numa prestação pecuniária, de natureza continuada, destinada a compensar os familiares do beneficiários da perda dos rendimentos do trabalho, decorrente do óbito daquele, enquanto que, pró seu turno, o subsídio por morte tem a finalidade de minorar o acréscimo de encargos decorrentes de tal evento, facilitando, dessa forma, a reorganização da vida familiar – art. 4º do DL n.º 322/90 -, situações estas das quais se mostra totalmente excluída qualquer eventual correlação com os meios económicos do cônjuge do beneficiários ”. Segundo este posicionamento, cabia interpretar restritamente as condições previstas no n.º1 do art.º 2020, do C. Civil, no sentido de apenas ser exigível a demonstração de que no momento do falecimento o beneficiário da Segurança Social não era casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, bem como a situação de união de facto durante mais de dois anos. Segundo este entendimento, o preceito assumia aplicabilidade plena (exigindo, igualmente, a demonstração dos requisitos: ser o autor pessoa carecida de alimentos e não os poder obter através dos familiares referidos nas alíneas a), b), c) e d) do n.º1 do art.º 2009 do C. Civil) nas acções intentadas contra a herança em que fosse peticionada pensão de alimentos onde se impõe. [7]Cfr. Acs do STJ de 27/5/08 (Pº 08B1429), 28/2/08 (Pº 07A4799), 23/10/07 (Pº 07A2949), 20/9/07 (Pº 07B1752), 13/9/07 (Pº 07B1752), 13/9/2007 (Pº 07B1619), 24/5/07 (Pº 07A1655), 5/12/06 (Pº 06A3871), 14/11/06 (Pº 06A3361), 29/6/06 (Pº 06B1976) e 25/6/06 (Pº 96A341), acessíveis em www.dgsi.pt. [8] Mostrar-se-ia destituída de sentido social o proferimento de uma decisão criando expectativas ao autor que, necessariamente, seguiriam goradas face ao entendimento que o STJ tem vindo a assumir neste âmbito. [9] Após a contestação o tribunal, nos termos do art.º 508, n.º3 ex vi do art.º 266, n.º2, do CPC, convidou a Autora a suprir imprecisões e insuficiências na exposição da matéria alegada relativamente aos requisitos exigidos pelo art.º 2020, do C. Civil, referindo para o efeito “… devendo alegar quais os seus rendimentos e quais as suas despesas, que os não pode obter das pessoas a que alude o artigo 2009º do CC, devendo identificar se tem pais e irmãos e quais os rendimentos e despesas dos mesmos e dos respectivos agregados familiares, e quanto à sua filha a composição do seu agregado familiar, rendimentos e despesas.” [10] Conforme se decidiu no Acórdão do STJ de 06.07.00, Revista n.º 456/00, 1ª secção, “Se a autora requereu, com êxito, apoio judiciário, e se juntou aos autos certificado de outros processos onde se concluiu pela insuficiência económica da autora, tal é suficiente para caracterizar a situação de necessidade para efeitos de obtenção de pensão”. [11] Neste sentido Acórdão do STJ de 23.10.01, Revista n.º 2337/01, 1ª secção - “Na medida em que a inexistência de parentes em condições de prestarem alimentos constitui um facto negativo de especial dificuldade probatória para o autor, deveria a prova caber à ré; pelo menos, o julgador deve ser menos exigente na prova”. [12] Acórdão do STJ de 23.04.02, Revista n.º 47/01, 1ª secção. [13] A acção deu entrada em 21-02-2008. [14] Sendo certo que o poder-dever do juiz quanto à ampliação da matéria de facto no decurso da audiência a que alude o preceito em referência, reporta-se não apenas aos factos articulados pelas partes e que por lapso não foram incluídos na base instrutória (), mas também de factos essenciais não articulados que se mostrem concretizadores da matéria alegada e que emergem da própria discussão da causa – neste sentido cfr. Lopes do Rego em comentário aos artigos 650º e 264, ambos do CPC, respectivamente pág. 429, 430 e 200 a 203. Relativamente à possibilidade de aquisição processual dos factos concretizadores da alegação pela parte, refere o mesmo autor que a mesma “carece de ser conexionada com os mecanismos de aperfeiçoamento dos articulados (...) ultrapassada a fase da audiência preliminar e a possibilidade de formulação de um convite ao aperfeiçoamento da matéria articulada, não é possível provocar e obter tal “aperfeiçoamento” em sede de pura alegação de factos, admitindo-se apenas que, quando os factos omitidos venham a ser revelados ou adquiridos através da prova produzida em julgamento, o tribunal os tome em consideração na sentença, com respeito integral pelos princípios dispositivo e do contraditório” |