Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ARTUR VARGUES | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL CONEXA COM A CRIMINAL RESPONSABILIDADE DO GERENTE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/14/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGADO PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I-A responsabilidade a que se reporta o artigo 79º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) é independente da prevista no artigo 78º do mesmo diploma, embora ambas tenham natureza delitual ou extracontratual, com subordinação aos pressupostos dos artigos 483º e 487º, do Código Civil. II-No artigo 79º do CSC (na redacção do DL nº 262/86, de 2.09) estão em causa os danos causados directamente pelo gerente aos sócios ou a terceiros, de forma delituosa, respondendo assim os gerentes perante os sócios ou terceiros pelos danos que directamente lhes causem. III-No caso do artº 78º consagra-se a responsabilidade dos gerentes para com os credores da sociedade quando, por causas que lhes sejam imputáveis, e o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos. Aqui o acto ilícito do gerente ou administrador atinge primeiro a sociedade, o seu património; só mediatamente é que os créditos dos credores acabam por ser afectados. IV-Assim, o dano patrimonial para a sociedade “depende dos seguintes requisitos cumulativos: i) que o facto do gerente constitua uma inobservância culposa de disposições legais destinadas à protecção dos interesses dos credores sociais; ii) que o património social se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos, iii) que o acto do gerente possa considerar-se causa adequada do dano”. | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam, em conferência, do Tribunal da Relação de Lisboa
I - RELATÓRIO 1. Nos presentes autos com o NUIPC 9744/03.4TDLSB, da 2ª Vara Criminal de Lisboa, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, foi o arguido AS..., por acórdão de 22/11/2012, absolvido do crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205º, nºs 1 e 4, alínea b) e nº 3, do Código Penal, por que vinha acusado e condenado a pagar ao demandante condomínio ... a quantia de 34.635,36 euros, acrescida de juros vencidos à taxa legal desde 31 de Maio de 2003 e nos juros vincendos até integral pagamento, a título de indemnização civil, sendo absolvido do restante peticionado. 2. O arguido não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso. 2.1 Extraiu o recorrente da motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1ª - Tendo sido absolvido das acusações crime, todas as restantes questões ficaram a pertencer ao domínio civilístico-comercial da lide formalizada com o pedido de indemnização civil, art. 71, 1 do C. P. Penal; 2ª - O recorrente, quer na P.I. do Condomínio da Rua Luis ..., quer no douto acórdão, foi tido e havido como o único gerente da Sociedade P... – Administração de Propriedades, Lda., e nesta qualidade, como seu representante praticou os atos apurados; 3ª - A Sociedade referida celebrou com o referido Condomínio um contrato pelo qual, como administradora desta, recebia importâncias e efetuava os pagamentos da respetiva administração; 4ª - Com a redução da matéria decidenda apenas a aspetos civilísticos, a natureza das relações criadas e existentes entre o Condomínio e a Sociedade e ou o recorrente nunca perderam a sua génese de caráter contratual; 5ª - Daí que, de todas as obrigações e direitos criados por força do contrato, era titular apenas a P..., Lda., por ser a sua outorgante, e por via disso a entidade que devia ter sido demandada e não o recorrente que por conseguinte invoca a sua ilegitimidade de harmonia com os artigos 494, e) e 495 e a sua absolvição da lide, art. 288, 1, d) e e) do C. P. Civil, questão de conhecimento oficioso; 6ª - Não é possível imputar-lhe a responsabilidade indemnizatória por via da disposição do art. 483º do C. Civil, porque a obrigação é contratual e nunca saiu da esfera jurídica da Sociedade outorgante; 7ª - Mas, ainda que se admitisse que o demando fosse responsável pela sua qualidade de gerente da P..., Lda. e pela sua gestão culposa como muito acertadamente refere o douto acórdão, sua fls. 2424 citando o art. 79, 1 do C. S. Comerciais, o certo é que a responsabilidade ali referida e como foi referida no texto, é solidária, isto é, dele e da sociedade. 8ª - Todavia para que seja exigível dele, o pagamento da indemnização aos credores da Sociedade, tem de se verificar previamente um pressuposto que está previsto no artigo 78, 1 do mesmo código, ou seja, "quando o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respetivos créditos"; 9ª - Só quando esta condição exista é que o gerente ou administrador passa a responsável solidário "para com os credores da Sociedade", como se transcreve do citado artigo 78, 1 do C. S. Comerciais; 10ª - O douto acórdão, assim como o demandante, são totalmente omissos quanto a esta matéria, pelo que é impossível dar-se como verificado o pressuposto do qual a Lei faz depender a responsabilização do recorrente pela imdemnização pedida; 11ª.- Poderia o Demandante à cautela, em face da hipotética responsabilidade solidária, demandar a Sociedade e o seu gerente conjuntamente, em obediência ao litisconsórcio necessário, dado o condicionalismo previsto no art. 78, 1 do C.S.C., mas assim não agiu, o que determina a ilegitimidade do recorrente nos termos do art. 28 do C. P. Civil; 12ª.- Não constando do douto acórdão matéria que satisfaça a exigência legal referida, torna-se inviável a condenação do recorrente em qualquer indemnização. NESTES TERMOS, e outros de direito doutamente supridos, por erradas interpretação e aplicação das disposições legais citadas, deverá ser revogada a decisão do douto acórdão no que diz respeito à decisão da matéria civil, que condenou o recorrente a indemnizar o Condomínio do Prédio demandante, e ser absolvido o recorrente do pedido civil formulado. 3. No tribunal a quo não foram apresentadas respostas à motivação de recurso. 4. Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu “Visto”. 5. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência. Cumpre apreciar e decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO 1. Âmbito do Recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995. No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação do recurso, as questões que se suscitam, são as seguintes: Ilegitimidade do arguido para ser demandado/preterição de litisconsórcio necessário. Inadmissibilidade da condenação no pedido de indemnização civil por em causa estar apenas matéria contratual. 2. A Decisão Recorrida O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição): 22 - O condomínio, nas pessoas dos proprietários das diversas fracções, entregou a AS..., na qualidade de representante legal da sociedade comercial “P... – Administração de Propriedades, Lda”, a quantia total de 34.635,36€, que se destinava a aprovisionar a conta do condomínio e posteriormente fazer face às acima referidas obras extraordinárias de conservação do prédio. (...) 51 - O agregado familiar subsiste com a reforma da mãe no valor de 274€ e do salário da companheira no valor de 540€. Quanto aos factos não provados, considerou (transcrição): Não está provado que: - a partir de data anterior a Janeiro de 2002, AS... apresentou contas relativas ao ano de 2002 nos vários condomínios, fazendo constar tais pagamentos como efectuados. – o arguido no condomínio da Avenida ... fez sua a quantia recebida de 34.635,36€, gastando-a em seu proveito pessoal. - O condomínio, nas pessoas dos proprietários das diversas fracções, entregou a AS..., na qualidade de representante legal da sociedade comercial “P... – Administração de Propriedades, Lda”, a quantia total de € 10.159,02, que se destinava a aprovisionar a conta do condomínio e fazer face às acima referidas obras extraordinárias de conservação do prédio, sendo € 3.442,82 relativos ao fundo de reserva acumulado até 31 de Dezembro de 2002. Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição): (...) O recurso versa sobre matéria de direito, não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto e, posto que se não vislumbra qualquer dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, nem nulidade alguma de conhecimento oficioso, cumpre considerar, como se considera, definitivamente fixada a matéria de facto constante do acórdão sob censura. Conforme estabelecido no artigo 129º, do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes da prática de um crime é regulada pela lei civil. E, de acordo com o consignado no artigo 71º, do CPP, “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei”, assim se consagrando o princípio de adesão obrigatória da acção cível ao processo penal. Como se salienta no acórdão do STJ de 12/11/2009, Proc. nº 448/06.7TCLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt “por força desta norma legal e da que se lhe segue, a causa de pedir na acção cível conexa com a criminal é sempre a responsabilidade civil extracontratual (pois que fundada na prática de um crime e não no incumprimento contratual) e não qualquer outra fonte de obrigações, como a responsabilidade civil contratual ou o enriquecimento sem causa”. Sendo que “do mesmo modo, uma vez deduzido o pedido cível conexo com o criminal, se o arguido vier a ser absolvido da prática do crime imputado, a sentença condena o arguido em indemnização civil, nos termos do art.º 377.º, n.º 1, do CPP, sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado (sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 82.º, isto é, do juiz remeter as partes para os meios comuns)”. Entendimento este que plasmado se mostra no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 7/99, in DR I Série-A, de 03/08/1999, onde se pode ler que “Se em processo penal for deduzido pedido civil que tenha por fundamento um facto ilícito criminal e se verificar absolvição do arguido (art.º 377.º, n.º 1, do CPP), este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual”. No que concerne à condenação em indemnização cível contra a qual o recorrente se insurge, refere-se na decisão revidenda: “Analisando primeiramente o pedido cível deduzido pela demandante Condomínio Luís .., muito embora a sociedade “P...” não se encontre demandada, o AS..., enquanto gerente da mesma, no que toca ao pedido cível deduzido pelo condomínio Avª Luís ..., por força de não haver restituído o montante que recebeu dos condóminos no valor global de 34.635,36€ para pagamento das obras que não se realizaram nessa altura, tornou-se responsável pela retenção ilícita desse montante, assim como pelo uso desses montantes para pagamento de dívidas de outros condomínios. Ora, o art. 79º nº1 do Cód. Sociedades Comerciais, não obstante o princípio da autonomia e responsabilidade do património social relativamente às dívidas societárias, permite a responsabilidade solidária dos gerentes por actos danosos que os mesmos directamente cometam de forma delitual sobre terceiros, no caso, credores sociais, como é o caso do Condomínio Avª Luís .... (…) No caso em análise, o art. 79º nº 1 do CSC, exige um acto delitual directamente perpetrado pelo gerente demandado, e que causalmente provoque danos ao demandante. A responsabilidade por factos ilícitos, pressupõe a verificação dos pressupostos enunciados no artigo 483º, n.º 1 do Código Civil, nos termos do qual aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Da matéria de facto apurada, resultam verificados os pressupostos da responsabilidade civil delitual, fonte da obrigação de indemnizar que sustenta, em abstracto, o pedido formulado. Com efeito, não obstante existir uma relação entre a conduta do demandado gerente e o incumprimento na prestação de serviços (este consubstanciado na violação dos deveres do contrato que relacionava a “P...” e a demandante, os quais eram susceptíveis de quebrar a confiança negocial), contudo, a conduta do gerente demandado assume-se, predominantemente, como um comportamento delitual que directamente causou danos sobre a demandante. Com efeito, o demandado/gerente além de não mandar executar a obra adjudicada (e neste aspecto apenas existem vectores de um incumprimento contratual, pelo qual somente a “P...” é responsável), afectou ilicitamente os montantes recebidos do condomínio e de que era depositário, ao pagamento de outras despesas desse condomínio e de outros condomínios, assim atingindo o direito absoluto de propriedade sobre o capital em causa, desse modo dissipado. Portanto, esse comportamento delitual de dissipação do capital, é distinto do incumprimento por não diligenciar pelo início da empreitada (igualmente gerador de danos patrimoniais, mas que não constituem a violação de qualquer direito absoluto). Este comportamento, embora não preencha a tipicidade do crime de abuso de confiança, não deixa de corporizar uma conduta delitual que directamente atingiu o património da demandante, concretamente no capital de 34.635,36€, que o arguido dissipou. É nesta base que emerge a obrigação de indemnizar (cfr. art. 483º do Cód. Civil), geradora que foi de danos patrimoniais que carecerão de indemnização (cfr. art. 562º do Cód. Civil). Procederá parcialmente este pedido cível, no montante de 34.635,36€, acrescidos de juros vencidos desde Maio de 2003 e nos juros vincendos até integral pagamento. Como se alcança da leitura da passagem transcrita, o tribunal recorrido considerou que a actuação do arguido que provada se mostra se enquadrava no estabelecido nos artigos 79º, do Código das Sociedades Comerciais e 483º, do Código Civil. Dispunha-se no aludido artigo 79º, na redacção do Decreto-Lei nº 262/86, de 02/09, vigente à data da prática dos factos, que: “1 - Os gerentes, administradores e directores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente lhes causarem. 2 - Aos direitos de indemnização previstos neste artigo é aplicável o disposto nos nºs 2 a 5 do artigo 72º, no artigo 73º e no nº 1 do artigo 74º”. Em causa nesta disposição legal estão os danos causados directamente pelo gerente aos sócios ou a terceiros de forma delituosa ou em violação duma obrigação e não aqueles outros danos que resultam duma gestão que os prejudique. – Cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 23/05/2002, Proc. nº 02B1152, consultável no sítio já referido. Sustenta o recorrente nas suas conclusões de recurso que “para que seja exigível o pagamento da indemnização aos credores da Sociedade, tem de se verificar previamente um pressuposto que está previsto no artigo 78, 1, do mesmo código, ou seja, “quando o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos crédito”. Mas, não tem a razão pelo seu lado neste segmento. Reza o artigo 78º chamado à colação “Os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos” – nº 1. Ora, a responsabilidade a que se reporta o artigo 79º é independente da prevista no artigo 78º, embora ambas tenham natureza delitual ou extracontratual – com subordinação aos pressupostos dos artigos 483º e 487º, do Código Civil - não obrigacional ou contratual. No caso deste último normativo (do Código das Sociedades Comerciais) “a responsabilidade só surge se o dano atingir o património social e o devedor o tornar insuficiente para a satisfação dos créditos dos credores da sociedade. Há-de ser um dano patrimonial para a sociedade. E depende dos seguintes requisitos cumulativos: - que o facto do gerente constitua uma inobservância culposa de disposições legais destinadas à protecção dos interesses dos credores sociais; . - que o património social se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos; - - que o acto do gerente possa considerar-se causa adequada do dano” –como se pode ler no Ac. do STJ de 08/07/2004, Proc. nº 05B3016, www.dgsi.pt. Quer dizer: “na hipótese do art. 78º, nº1, a responsabilidade é por danos indirectamente causados aos credores, como decorrência de dano causado à própria sociedade, consistente em o património social se tornar insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos. Do facto ilícito do administrador terá que resultar um dano que atinja o património social com tal gravidade que o tome insuficiente para a satisfação dos créditos aos credores da sociedade. O acto ilícito do administrador atinge primeiro a sociedade, o seu património; não atinge imediata e directamente o património dos credores, nem a validade e subsistência dos respectivos créditos. Só mediatamente é que os créditos dos credores acabam por ser afectados na respectiva consistência prática “ – cfr. Ac. do STJ de 23/10/2001, Proc. nº 01B2875, no mesmo sítio. Ou, nas palavras do Ac. desta Relação de 19/12/2007, Proc. nº 10384/2007-6 “consagrou-se nesta disposição legal a responsabilidade dos gerentes, administradores ou directores para com os credores da sociedade quando, por causas que lhes sejam imputáveis, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos”. Diferente se apresenta a previsão do artigo 79º, nº 1, em que, como se refere no mesmo aresto de 23/10/2001, “do facto ilícito do administrador haverá de resultar um dano que atinja directa e imediatamente os créditos dos credores, o património destes, a validade e subsistência dos créditos dos credores perante a sociedade”. No caso em apreço, está em causa o artigo 79º e não o 78º, do Código das Sociedades Comerciais, pois em passagem alguma do acórdão sob censura (quer na matéria de facto provada, quer na não provada, bem como na fundamentação de direito) se consideram factos ilícitos praticados pelo arguido no exercício das suas funções de gerente da “P... – Administração de Propriedades, Lda.”que tenham tornado insuficiente o património social desta para a satisfação do crédito do demandante Condomínio da Avenida Luís ..., nº 85. Porque assim é, carece de razão a alegada ilegitimidade do demandado por preterição de litisconsórcio necessário. Mas, importa para o preenchimento desse artigo 79º, desde logo, que se tenha provado a prática de factos ilícitos pelo gerente que directamente causem danos ao terceiro em termos que “não são interferidos pela presença da sociedade” – como ensina Menezes Cordeiro em Da Responsabilidade dos Administradores das Sociedades Comerciais, pág. 496 - ainda que esses factos tenham sido praticados pelo gerente no exercício das suas funções. Provado se encontra que: O condomínio entregou a AS..., na qualidade de representante legal da sociedade comercial “P...” a quantia total de 34.635,36 euros que se destinava a aprovisionar a conta do condomínio e posteriormente fazer face às referidas obras extraordinárias de conservação do prédio. Para pagamento dessas obras, pelos condóminos foram entregues a AS... valores em cheque, tendo sido estes emitidos à ordem da “P... e posteriormente endossados pelo seu legal representante, ficando depositados à ordem deste ou daquela sociedade. Posteriormente as obras vieram a ser realizadas e integralmente suportadas pelo condomínio, que teve de reconstituir a totalidade da verba para pagar o preço daquelas. Analisada esta factualidade, resulta que o dano sofrido pelo demandante – no valor equivalente aos 34.635,36 euros que se destinavam a fazer face às obras extraordinárias de conservação do prédio e que o condomínio teve de reconstituir para que fossem ulteriormente executadas - não é consequência directa de o recorrente ter usado o montante recebido dos condóminos para liquidar as despesas correntes dos vários condomínios que administrava, antes do facto de a sociedade “P...” não ter cumprido a sua obrigação. Assim, a não realização das obras não atinge a validade e subsistência do crédito do demandante perante a sociedade. O recorrente invoca a sua ilegitimidade por entender que “de todas as obrigações e direitos criados por força do contrato, era titular apenas a P..., Lda., por ser a sua outorgante, e por via disso a entidade que devia ter sido demandada e não o recorrente”. Nos termos do artigo 26º, do Código de Processo Civil: “1 - O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer. 2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha.[xvi] 3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”. Considerando que “o que se pretende saber através do requisito da legitimidade, é que posição devem ter as partes perante a pretensão deduzida em juízo, para que o juiz possa e deva pronunciar-se sobre o mérito da causa, julgando a acção procedente ou improcedente” – neste sentido, Ac. R. de Lisboa de 13/01/2011, Proc. nº 26108/09.9T2SNT-A.L1-2, em www.dgsi.pt – é manifesto que o demandado/recorrente tem interesse directo em contradizer, atento o prejuízo que da procedência do pedido de indemnização civil formulado lhe podia advir e bem assim que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeitos de legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo demandante, não procedendo, também aqui, por isso, a ilegitimidade apontada. Não obstante, face à posição que assumimos no que concerne à previsão do artigo 79º, do CSC, a condenação do arguido/demandado nele não se pode fundamentar, o que impede que a decisão recorrida se mantenha, cumprindo dar provimento ao recurso. III - DISPOSITIVO Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação em dar provimento ao recurso interposto por AS... e, consequentemente, revogar o acórdão recorrido nesta parte, absolvendo o arguido/demandado/recorrente do pedido de indemnização civil em que foi condenado. Sem tributação. Lisboa, 14 de Maio de 2013 (Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP) Artur Vargues Jorge Gonçalves
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Decisão Texto Integral: |