Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | FÁTIMA GALANTE | ||
| Descritores: | REPRESENTAÇÃO MANDATO PESSOA COLECTIVA MÁ FÉ | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 06/20/2013 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | N | ||
| Texto Parcial: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Sumário: | 1. A falta de poderes de representação pode derivar de uma situação de inexistência de procuração válida ou quando o representante excede os poderes dela constantes. Trata-se, nesta última hipótese, de situações em que o representante actua nos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados pelo representado, mas conscientemente os utiliza em sentido diverso do respectivo fim ou das indicações do representado. 2. Nestes casos, o negócio celebrado é ineficaz se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso (artigo 269º do Código Civil). Caso contrário, o negócio é válido e vincula o representado, independentemente de o procurador poder incorrer no dever de o indemnizar no quadro da responsabilidade civil. 3. Distinta da representação é a figura do mandato, modalidade do contrato de prestação de serviços, através do qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (artigo 1157º do Código Civil), pelo que podemos ter situações de mandato com e sem representação (representação imprópria). 4. Constituem pressupostos de existência da representação: a realização do negócio em nome do representado; declaração, em maior ou menor escala, de uma vontade própria do representante, e não, pura e simples do representado. 5. Quando a procuração não está associada a um contrato de mandato, o representante não está vinculado à prática de qualquer acto, embora se encontre habilitado a praticá-los. Se a procuração estiver associada ao mandato, o chamado mandato com procuração, então, de acordo com o artigo 1178º do Código Civil, o mandatário tem o dever de agir não só por conta mas também em nome do mandante. 6. O enriquecimento só é relevante em ordem a fazer surgir a obrigação de restituir quando carece de causa justificativa, ou porque nunca existiu, ou porque entretanto cessou, sendo esta ausência de fundamento que explica que o enriquecimento seja removido do património onde se encontra instalado 7. Do referido no artigo 458º do Código de Processo Civil deriva que, sempre que, nos casos de litigância de má fé, a parte seja um incapaz, uma pessoa colectiva ou uma sociedade, a responsabilidade pelas custas, multa e indemnização recai sobre o representante que esteja de má fé na causa. 8. A parte que pretender a condenação por litigância de má fé, sendo a outra parte uma pessoa colectiva, não poderá pedi-la acusando-a simplesmente da prática de actos que integram tal má fé: terá de referir concretamente a pessoa singular a quem imputa a actuação maliciosa, formulando um pedido, autónomo em relação à sociedade, de condenação do seu representante, indicando os actos que fundamentam esse pedido. 9. Se, ao eventual responsável pelo pagamento da multa e indemnização, por litigância de má fé, não foi dada, ainda, a possibilidade de se pronunciar, é necessário que o mesmo tenha a oportunidade de se defender, já que a eventual condenação como litigante de má fé exige que se observe, no processo, o princípio do contraditório. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – RELATÓRIO E, LDA, instaurou contra J, A e I acção em que pede seja declarada a ineficácia da compra e venda outorgada entre os 1º e 2º Réus, em 14.5 2001, e condenados estes a restituírem-lhe a fracção autónoma designada pela letra DZ descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº …, bem como o cancelamento do registo da aquisição pelos 2ºs Réus e dos registos realizados posteriormente àquele. Subsidiariamente, pedem que os Réus sejam condenados a pagar à A. a quantia de €179.567,24 correspondente à diferença entre o valor declarado pelo 2ª Réu às Finanças e o valor declarado pelos Réus na escritura pública de 14.5.2001, acrescida de juros vencidos desde esta data e vincendos até integral pagamento, acrescendo juros à taxa de 5% desde o transito em julgado da sentença. E ainda serem os Réus condenados a pagar à A. a quantia de €87.791,64, correspondente ao acerto de liquidação de IRC e estorno de liquidação 2001, acrescida de juros vencidos desde 28.12.2005 que em 22.3.2006 totalizavam €826,58 e vencidos até integral pagamento a que devem acrescer, a partir do trânsito em julgado da sentença, à taxa de 5%. Em qualquer caso, serem os Réus condenados a pagar à A. a quantia de €14.563,83, correspondente aos juros liquidados pelas Finanças acrescida de juros vencidos desde 28.12.2005 que em 22.3.2006 totalizavam €134,07 e dos juros vincendos até integral pagamento a que devem acrescer, a partir do trânsito em julgado da sentença, juros à taxa de 5%. Alega a A. como fundamento da sua pretensão ter constituído o 1º Réu seu procurador por procuração outorgada no 24º Cartório Notarial de Lisboa, através da qual lhe conferiu poderes para em nome da mandante prometer vender pelo preço máximo de quinze milhões de escudos, sob as cláusulas e condições que entender, a fracção autónoma designada pela letra DZ correspondente ao 11º andar do prédio urbano em regime de propriedade horizontal situado em Lisboa na Av. Fontes Pereira de Melo, …, receber sinais, seus reforços e preços, podendo para o efeito outorgar e assinar o respectivo contrato-promessa de compra e venda e escrituras de venda. Tendo o 1º Réu usando essa procuração, em representação da A., vendeu a fracção atrás referida, tendo ficado exarado na escritura pública, outorgada em 14.5.2001, a quantia de quinze milhões de escudos. Porém, em 19.5.2005, o 2º Réu declarou na Repartição de Finanças que o valor pelo qual adquiriu o imóvel pelo preço de €254.386,93. Do que resultou em 23.0.2005 a liquidação de imposto de SISA, no valor de €24.618,17, correspondente à diferença entre o valor pago antes e a colecta efectuada face ao valor declarado pelo 2º Réu, e acerto de liquidação do IRC no valor de €88.234,93 e juros no valor de €14.563,83. Mais alega que nunca recebeu do 1º Réu a quantia de €179.567,24 correspondente à diferença entre o preço da escritura e o valor declarado pelo 2º Réu às Finanças, concluindo ter aquele incumprido o mandato e abusado dos poderes que lhe foram conferidos ao vender a fracção por preço superior ao que constava da procuração outorgada pela A.. Citados os réus, ambos deduziram contestação. O réu J, começa por impugnar a matéria alegada pela autora, asseverando que esta desde sempre soube que o imóvel não tinha o valor constante da procuração que lhe outorgou mas sim valor muito superior, sabendo ambos que o que foi exarado na procuração não correspondia ao real valor comercial, para além de que a autora acompanhou todos os termos e condições da venda levada a cabo pelo réu, sabendo o real proveito que tinha obtido com a celebração do contrato subjacente à escritura em causa nos presentes autos, tendo outorgado deliberadamente a procuração com o citado valor para efeitos fiscais. Mais alega que a procuração outorgada pela autora tem subjacente um negócio de cessão de quotas das quais o 1º réu e a filha eram sócios nas sociedades Euro…, Lda. e Q Construções, Lda. e constituiu uma forma de pagamento de parte do preço da cessão que no total ascendia a 377.025.000$00 (€ 1.880.592,77). Sustenta ainda este réu que para pagamento desta quantia a autora e ele acordaram que este valor seria satisfeito mediante a entrega de numerário e bens móveis e imóveis, sendo que de acordo com o entre eles estabelecido, o valor da fracção DZ sita no prédio nº 35, bloco A-3 da Avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa, era de 75.000.000$00 (€ 374.098,42). Alega ainda ter sido acordado entre a autora, representada pelo sócio V e o 1º réu que as cessões de quotas das duas sociedades fossem escrituradas por 100.000.000$00 (€498.797,90), valor este declarado na escritura de cessão de quotas, não coincidente com o valor efectivamente acordado, ou seja, de 188.512.500$00 (€ 940.296,39), uma vez que a autora apenas adquiriu 50% da totalidade das quotas das duas sociedades – Euro…, Lda e Q, Lda. – tendo os restantes 50% sido adquiridos por outra sociedade – Sociedade de C, Lda. Aduz ainda o réu ter-lhe sido a referida procuração entregue acto contínuo à celebração da escritura, da qual constava não o valor acordado mas sim o de 15.000.000$00, tendo-lhe sido explicado, na ocasião, que era este o valor inscrito na contabilidade da empresa, pelo que seria de acordo com ele que teria de ‘’sair’’ da sociedade, muito embora representasse o pagamento de 75.000.000$00 devido, a titulo de preço, pela aquisição das quotas. Conclui não poder a autora invocar a ineficácia da compra e venda relativamente a si, já que a menção do preço de 15.000.000$00 na procuração foi feita no seu interesse, bem sabendo que o valor da avaliação do imóvel correspondia a 75.000.000$00, tendo apenas sido vendido por 51.000.000$00 por o 1º réu não ter logrado vender o imóvel pelo valor da avaliação, tendo sido a procuração o instrumento que adoptaram por forma a ser pago ao 1º réu parte do preço de cessão de quotas e de forma a que o valor real desta foi inferior ao realmente acordado, pelo que era do conhecimento da Autora que a venda do imóvel nunca seria feita pelo preço de 15.000.000$00 e sabe também o motivo pelo qual não recebeu nem a quantia a que alude de 36.000.000$00, nem a de 15.000.000$00, estando o 1º réu dispensado de prestar contas ao mandante. Termina o 1º réu o seu articulado, pedindo a condenação do Autora como litigante de má fé, por ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não ignorava, em multa e indemnização, a seu favor em montante, esta última, de € 15.000,00. Os 2º e 3ºs réus apresentaram contestação alegando que no decurso das negociações que mantiveram com o 1º réu se aperceberam que este não tinha titulo de aquisição nem registo a seu favor da fracção que adquiriram, foram por este informados que a fracção lhe foi entregue, ainda que sem formalização, como meio de pagamento da cessão de quotas que em conjunto com a filha havia feito à Autora e a outra sociedade e como forma de evitar transmissões sucessivas com os inerentes encargos notariais e registrais, tinha sem seu poder uma procuração que lhe dava poderes para prometer vender e celebrar a escritura de compra e venda, constando da procuração, por imposição do mandante um limite máximo de preço de 15.000.000$00, versão que lhes foi confirmada pela Autora. Tendo-se apercebido que a outorga da procuração tinha sido a forma que a Autora encontrou com vista a evitar a tributação em mais valias e em sede de IRC de acordo com o valor real da fracção, não se devendo os prejuízos que aquela invoca a incumprimento do mandato ou abuso de poderes de representação, mas sim à simulação do preço de aquisição de quotas. Aduzem também que não se locupletaram sem causa e à custa da Autora da quantia de (36.000.000$00) €179.567,24, já que liquidaram a totalidade do preço pelo qual adquiriram a fracção – 51.000.000$00 -. Sendo incongruente a pretensão da Autora, já que pretende a ineficácia do negócio de compra e venda da fracção relativamente a si alicerçada no abuso dos poderes de representação do 1º réu, por ter vendido acima do valor referido na procuração, e do mesmo passo pretende a condenação deles a pagarem-lhe a diferença entre os 15.000.000$00 constantes da procuração e o preço pelo qual adquiriram. A Autora apresentou réplica, na qual responde às excepções de simulação do preço, pagamento do preço e de ineptidão da petição inicial, reiterando o peticionado na petição inicial. Após saneamento do processo, procedeu-se à condensação, seleccionando-se os factos assentes e os controvertidos que integraram a base instrutória. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo-se proferido decisão sobre a matéria de facto que não foi objecto de reclamação. Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada, absolvendo, consequentemente, os Réus, dos pedidos contra eles formulados. A Autora foi condenada, como litigante de má fé, em 5 Ucs de multa. Na sequência do pedido de aclaração/rectificação da decisão, na parte em que condenou a A. como litigante de má fé, em multa e indemnização a favor dos RR., foi proferida decisão que condenou a Autora a pagar aos Réus, J, e aos Réus A e I, indemnização, a cada grupo de RR., no valor de € 9.862,26 acrescido de IVA sobre € 8.000,00, sendo a importância atinente aos honorários satisfeita aos seus respectivos mandatários. Recorre a A da sentença e, no essencial, formula as seguintes conclusões: 1. O teor do depoimento da testemunha A foi definitivamente abalado na sua fé e credibilidade com a contradita, tal como sucede com as declarações do 1º R. e o depoimento testemunhal da sua filha – cfr. texto nºs. 8 e 9; (…) 7. O douto Tribunal a quo incorreu em manifestos erros de julgamento na decisão da matéria de facto, não podendo manter-se as respostas aos quesitos 5º a 8º, 10º, 18º, 19º, 23º, 28º a 30º, 32º, 34º, 35º, 37º e 38º da BI, tendo violado frontalmente, além do mais, os arts. 393º, 394º, 511º, 513º, 515º, 640º, 659º, 690º-A e 712º do CP, bem como os arts. 236, 237º, 238º, 342º, 392º e segs. do C. Civil; 8. A procuração de fls. 17 e 18 dos autos conferiu poderes ao 1º R. para vender a fracção DZ pelo preço máximo de 15.000.000$00 (v. alínea B) dos FA); 9. O preço real da venda da fracção DZ celebrada entre o 1º e 2º RR, em 2001.05.14, foi superior a 51.000.000$00 (v. alínea F) dos FA); 12. O 1º R., J incumpriu o mandato e abusou dos poderes que lhe foram conferidos pela procuração outorgada, em 2000.05.16, ao efectuar a venda pelo preço real de 51.000.000$00 (v. arts. 236º, 237º, 238º, 269º e 1161º do C. Civil); 10. Os 2ºs RR foram advertidos pelo 1º R. “que a procuração que tinha em sua posse tinha sido outorgada com um limite máximo de preço de venda de 15.000.000$00” (v. alínea G) dos FA); 11. A A. nunca teria mandato o 1º Réu para vender a fracção autónoma acima identificada, nem o seu representante teria outorgado a procuração em causa se soubesse que o imóvel iria ser vendido por preço superior a 15.000.000$00 (v. art. 252º do C. Civil), não tendo sido invocado ou demonstrado pelos RR que a A. sabia e aceitou (v. arts. 264º e 342º do C. Civil); 12. No caso sub judice verificou-se o enriquecimento do património do 1º R., em consequência do recebimento, por parte deste, de 36.000.000$00 (€ 179.567,24), no âmbito da compra e venda celebrada com os 2ºs RR, em 2001.05.14, que constitui a diferença entre o valor declarado na escritura – 15.000.000$00 (€ 74.819,68) – e o montante efectivamente recebido – 51.000.000$00 (254.386,93) -, que nunca foi entregue à A.; 13. O referido valor de 36.000.000$00 (€ 179.567,24) deveria ter sido entregue à A., em cumprimento e execução do mandato conferido ao 1º R., pela procuração, de 2000.05.16, pelo que é manifesto que se verificou enriquecimento do 1º R. à custa do património da A., já que o montante em causa foi depositado nas suas próprias contas bancárias, no BES; 14. O 1º R. incumpriu as obrigações assumidas perante a A., tendo incorrido em manifesto abuso de representação, pelo que o respectivo enriquecimento carece de causa justificativa (v. arts. 280º e 294º do C. Civil; cfr. Ac. STJ de 2004.01.27, Proc. 03A3043, in www.dgsi.pt); 20. Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, o 1º R. enriqueceu ilicitamente e sem causa justificativa à custa da A., estando reunidos todos os pressupostos de que depende a pretensão formulada de restituição do valor de € 36.000.000$00 (€ 179.567,24) com que indevidamente se locupletou (v. arts. 473º e segs. do C. Civil); 15. Face ao resultado do incidente de contradita de fls. 972 e segs. dos autos, que abrange igualmente as declarações do 1º R. e da filha, que foram parte na cessão de quotas, de 2000.05.16, e na venda simulada, de 2001.05.14, na qual a A. não teve intervenção, é manifesto que, de forma diametralmente oposta ao decidido na sentença recorrida, que enferma de manifestos erros de julgamento (v. arts. 456º e segs. do CPC), foram os RR que litigaram de má fé no presente processo e não a A.; 16. A condenação da A. como litigante de má fé sempre seria manifestamente ilegal, pois esta não deduziu qualquer pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, nem, tão pouco, fez uso reprovável do processo (v. art. 456º do CPC); 17. A sentença recorrida e o despacho impugnado enfermam assim de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente o disposto nos arts. 236º a 238º, 252º, 263º, 264º, 269º, 280º, 294º, 342º, 392º e segs, 473º e segs. e 1161º do Cód. Civil e nos arts. 456º, 511º, 513º, 515º, 640º, 659º, 690º-A e 712º do CPC. Nestes termos, deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e condenando-se os RR como litigantes de má fé, com as legais consequências. Contra-alegaram os RR. para concluir pela improcedência do recurso de apelação, pugnando pela manutenção da sentença recorrida. Recorre a A. da decisão de 10/10/2010, que fixou o valor da indemnização fixada, por litigância de má fé, formulando, no essencial, as seguintes conclusões: 1. Nos termos do art. 458º do CPC, “quando a parte for um incapaz, uma pessoa colectiva ou uma sociedade, a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização recai sobre o seu representante que esteja de má fé na causa” - cfr. texto nºs. 1 e 2; 2. A ora recorrente é uma sociedade comercial, pelo que, sendo “a intenção um acto psicológico insusceptível de ser imputado materialmente a uma pessoa colectiva” (v. Ac. RL de 2011.07.06, Proc. 1584/07.8TTLSB.L1-4, in www.dgsi.pt), nunca lhe poderia ser imputada a conduta dolosa necessária à alegada, mas inexistente, litigância de má-fé - cfr. texto nº. 2; 3. O despacho recorrido violou frontalmente o disposto no art. 458º do CPC, pois a A. e ora recorrente Euro…, S.A., nunca poderia ser condenada como litigante de má fé (v. art. 458º do CPC; cfr. Alberto dos Reis, CPC Anotado, II Vol., 3ª ed., p.p. 271), e, não tendo os seus administradores “sido ouvidos quanto a essa matéria, não pode subsistir a condenação como litigante de má fé” (v. Ac. STJ de 2002.07.09, Proc. 2275/05-6, Sumários 7/2002) - cfr. texto nºs. 3 e 4; 4. Nos termos do art. 456º/2 do CPC, a condenação como litigante de má fé implica a demonstração da alteração concreta da verdade dos factos ou a sua omissão, pressupondo necessariamente a existência de dolo e utilização reprovável de meios processuais - cfr. texto nºs. 5 e 6; 5. A condenação da A. como litigante de má fé no montante de € 9.862,26, acrescido de IVA, a cada um dos recorridos, sempre seria manifestamente ilegal e absolutamente desproporcionada e injusta, pois esta não deduziu qualquer pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, nem, tão pouco, fez uso reprovável do processo (v. art. 456º do CPC), e “a verdade é que o valor foi fixado sem que ao processo fossem juntos elementos de prova do trabalho forense desenvolvido no processo, nem os recorridos juntaram ao processo laudo emitido pela Ordem dos Advogados” (v. Ac. STJ de 2007.07.10, Proc. 07B2413, in www.dgsi.pt) - cfr. texto nºs. 8 e 9; 6. O despacho recorrido enferma assim de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente, além do mais, o disposto nos arts. 32º da CRP e nos arts. 3º, 264º, 456º e segs., 458º e 664º do CPC. Nestes termos, deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se o despacho recorrido e condenando-se os RR como litigantes de má fé, com as legais consequências. Contra-alegaram os RR que no essencial concluíram pela improcedência do agravo, devendo manter-se a decisão recorrida. Adianta o Recorrente Simões que, caso assim não se entenda, poderá a sentença ter de ser objecto de reforma por forma a ser dado cumprimento ao princípio do contraditório aos legais representantes da A., mas sempre deverá a condenação (já transitada) e o valor indemnizatório (em recurso) manterem-se nos seus exactos termos. Corridos os vistos legais, Cumpre apreciar e decidir. Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio. Por outro lado, o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. Em apreço está, no essencial, a apreciação das seguintes questões: - impugnação da matéria de facto - análise dos pressupostos da simulação, cabendo analisar se os mesmos estão presentes no caso concreto. - da litigância de má fé e do valor fixado a título de multa e indemnização II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Dos factos assentes A) A A. é uma sociedade comercial que tem por objecto a administração de propriedades, compra, venda e revenda dos adquiridos para esse fim, estando que tem como Presidente … e Vogais … - (cfr. doc. de fls 12 a 15 cujo teor se dá por reproduzido, adiante junto). B) Em 2000.05.16, por procuração outorgada no Vigésimo Quarto Cartório Notarial de Lisboa, foi outorgada uma procuração em que V, na qualidade de sócio e gerente, com poderes para este acto e em representação de Euro…Limitada, declarou que constitui procurador da sociedade, sua representada, J, a quem concede os poderes necessários para em nome dele mandante prometer vender pelo preço máximo de quinze milhões, sob as cláusulas e condições que entender, a fracção autónoma designada pelas letras DZ, ou seja, o décimo primeiro andar, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado, sito na Avenida Fontes Pereira de Melo, …, receber os sinais e seus reforços, podendo para o efeito outorgar e assinar o respectivo contrato promessa de compra e venda e escrituras de venda; para na competente conservatória quaisquer actos de registo predial, provisórios e definitivos, incluindo averbamentos e cancelamentos e prestar declarações complementares - (v. Docs. De fi.s 18 e 19. C) Por escritura pública de compra e venda datada de 2001.05.14, outorgada no Terceiro Cartório Notarial de Lisboa, o 1 ° R., J, na qualidade de procurador e em representação da A., declarou vender ao 2° R., A, que declarou comprar o imóvel identificado referido em B) (cfr. doc. de fls. 20 a 22). D) Da referida escritura de compra e venda consta, além do mais, que o 1 ° R. "J, ( ... ) outorga na qualidade de procurador e em representação da sociedade comercial por quotas com a firma "EURO…, LIMITADA", NIPC …, com sede na Av. D. Vasco da Gama, …, em Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa …" (v. Doc. de fls. 19 a 22). E) Da escritura referida em C) consta ainda o seguinte: "disse o primeiro outorgante, na indicada qualidade: que, pela presente escritura, em nome da sua representada e pelo preço de QUINZE MILHÕES DE ESCUDOS, já recebido, livre de ónus ou encargos, declarou vender ao segundo outorgante, que declarou comprar a fracção autónoma designada pelas letras "DZ", correspondente ao décimo-primeiro andar direito - destinado exclusivamente a habitação -, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida Fontes Pereira de Melo, ( ... ), descrito na Oitava Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ( ... ) disse o segundo outorgante: Que aceita esta venda nos termos exarados" cfr. Doc. de fls. 19 a 22). F) Os 1 ° e 2°s RR "declararam na escritura referida em C) um preço inferior ao preço real da compra e venda" que foi não inferior a 51.000.000$00 (254.386,93 €). G) O 1° réu advertiu os aqui 2ºs réus que a procuração que tinha em sua posse tinha sido outorgada com um limite máximo de preço de venda de 15.000.000$00. H) Por certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa 1° secção encontra-se matriculada a sociedade por quotas EURO… Administração de Propriedades que, por averbamento 2°, com a apresentação 05/010411 foi transformada em sociedade anónima que tem como Presidente V e como vogais A e J (…)- cfr. doc. de fl.s 237 a 240). I) Por certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, encontra-se matriculada sob o n.º … a sociedade "Sociedade de Construções …, SA", em que está inscrito como presidente do conselho de administração, V, sociedade que anteriormente era por quotas e da qual era igualmente o sócio maioritário e único gerente que sozinho obrigava a sociedade (cfr. Documento de fls. 259 a 261). J) No dia 16 de Maio de 2000, o aqui Primeiro Réu declarou ceder, por escritura pública lavrada a fls 122 e ss do Livro 181-C do 24° Cartório Notarial de Lisboa, as quotas de valor nominal de 13.262.800$00 que detinha na sociedade "EURO…, Limitada" à "SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES …, Limitada" e renunciou à gerência e por outro lado a Ana declarou dividir a sua quota de 1.557.600$00 que detinha na sociedade "EURO…, Limitada" em duas, uma de 1.085.400$00 e outra de 472.200$00, cedendo esta última quota de 472.200$00, também, à sociedade "EURO…, Limitada" (Cfr. Documento de fls.241 a 247). K) Por escritura pública de 16 de Maio de 2000, lavrada a fls. 125 e ss do Livro 181-C do 24° Cartório Notarial de Lisboa, Ana declarou ceder as restantes quotas que detinha na sociedade "EURO, Limitada" à aqui Autora, então denominada "EURO… administração de Propriedades, Limitada" e renunciou à gerência (Cfr. Documento de fls. 264 a 266). L) Face aos factos referidos em J) e K) a sociedade "EURO… Limitada" passou a ser detida pela Autora e pela sociedade "Sociedade de Construções, Limitada". M) Na escritura pública referida em K) - lavrada a fls. 125 e ss do Livro 181-C do 24° Cartório Notarial de Lisboa - o Senhor V, na qualidade de sócio e gerente das duas sociedades detentoras da totalidade das quotas da sociedade "EURO…, Limitada" declarou unificar as quotas, sendo que esta sociedade "EURO…, Limitada" passou a ter apenas duas quotas no valor nominal de 13.735.000$00 cada uma, pertencendo uma quota à Autora e outra à "Sociedade de Construções … Limitada" (cfr. doc. de 266 a 268). N) Na escritura referida em K) V, na qualidade de representante legal da sociedade "EURO…, Limitada" declarou alterar a sua sede para a Avenida D. Vasco da Gama, …, em Lisboa (Cfr. documento de fls. 266 a 268). O) Na escritura referida em K), V, na qualidade de legal representante das únicas sócias da sociedade EURO…, Limitada elegeu como gerentes da mesma os senhores V, J e A, à data igualmente gerentes das novas sócias da "EURO…, Limitada", aliás, também sócios e gerentes da Autora e da sociedade "Sociedade de Construções …Limitada". (Cfr. Documentos de fls. 238 a 240; 242 a 247; 256 a 270). P) Ainda no acto notarial referido em K), declarou Victor Santos, legal representante das duas sócias únicas da sociedade "EURO…, Limitada", que a mesma passou a obrigar-se pela assinatura do gerente V ou pela assinatura conjunta dos outros dois gerentes (Cfr. Documento 267 a 270). Q) No dia 16 de Maio de 2000, o aqui Primeiro Réu declarou ceder, por escritura pública lavrada a fls129 e ss do Livro 181-C do 24° Cartório Notarial de Lisboa, as quotas de valor nominal de 9.270.000$00 que detinha na sociedade "Q, Limitada" à "Sociedade de Construções… Limitada", declarando renunciar à gerência que vinha aí exercendo (Cfr. Documento de fls 248 a 254). R) Na escritura referida em Q), declarou dividir a sua quota de 1.088.600$00 que detinha na sociedade "Q, Limitada", em duas, um de 758.600$00 e outra de 330.000$00; e cedeu esta última quota de 330.000$00, também, à sociedade "Sociedade de Construções… Limitada" (Cfr. Doc de fls. 249 a 254). S) No dia 16 de Maio de 2000, por escritura pública de cessão e alteração lavrada a fls. 132 e ss do Livro 181-C do 24° Cartório Notarial de Lisboa, Ana declarou ceder as restantes quotas que detinha na sociedade "Q, Limitada" à aqui Autora, então denominada "EURO… Administração, Limitada" e declarou renunciar à gerência da dita sociedade (Cfr. documento de fl.s 272 a 279). T) Face aos factos referidos em Q), R) e S) a sociedade "Q, Limitada", passou a ter apenas duas quotas no valor nominal de 9.600.000$00 cada uma, pertencendo uma quota à Autora e outra à "Sociedade de Construções Atlântico, Limitada" (Cfr. Documento 272 a 279). U) Na escritura publica referida em S) - lavrada a fls. 132 e ss do Livro 181-C do 24° Cartório Notarial de Lisboa - V, na qualidade de sócio e gerente das duas sociedades detentoras da totalidade das quotas da sociedade "Q, Limitada" declarou unificar as quotas, proceder à mudança de sede e alterar o pacto social. (Cfr. Documento de fls. 272 a 279). V) Conforme consta na escritura descrita em S) foi declarado ainda pelo legal representante das sócias da Q Lda que a sede passaria a ser na Avenida D. Vasco da Gama, …, em Lisboa (Cfr. Documento de fls. 272 a 279). X) Na escritura pública referida em S) foi ainda declarado eleger, para a sociedade "QUINTAFRA - Sociedade de Construções, Limitada", como gerentes os senhores V, J e A, à data igualmente gerentes das duas únicas sócias da "Q, Limitada" e sócios e gerentes da Autora e da sociedade "Sociedade de Construções…, Limitada" e ainda gerentes da sociedade "EURO…, Limitada" adquirida ao Primeiro Réu e sua filha (Cfr. Documentos. 238 a 240; 242 a 247; 256 a 270; 272 a 279). Y) Na escritura referida em Q), S) e U) o legal representante das sócias da sociedade "Q, Limitada", declarou que esta sociedade passou a obrigar-se pela assinatura do gerente V ou pela assinatura conjunta dos outros dois gerentes (cfr. Documento 272 a 279). Z) Conforme consta nos factos referidos em H) I) J) K) M) Q), os gerentes apenas obrigavam as sociedades em conjunto, quando o gerente V, sozinho, obriga as mesmas. AA) Nos quatro actos notariais referidos em J), K). M) e Q) a Autora e a "Sociedade de Construções …, Limitada" declaram que adquiriram a totalidade das quotas das sociedades "Q, Limitada" e "EURO…, Limitada" pelo preço global de 200.000.000$00 (997.595,79€). BB) A "Sociedade de Construções Atlântico, Limitada" declarou ter adquirido quotas com o valor nominal total de Esc.13.735.000$00 da sociedade "EURO…, Limitada" pelo preço de 50.000.000$00 (Cfr. Documento de fl.s 242 a 247). CC) A Autora declarou ter adquirido quotas com o valor nominal total de 13.735.000$00 da sociedade "EURO…, Limitada" pelo preço de 50.000.000$00 (Cfr. Documento 262 a 270). DD) A "Sociedade de Construções …., Limitada" declarou ter adquirido quotas com o valor nominal total de 9.600.000$00 da sociedade "Q, Limitada", pelo preço de 50.000.000$00 (Cfr. Documento fls. 249 a 254) . EE) E a Autora declarou, também, ter adquirido quotas com o valor nominal total de 9.600.000$00 da sociedade "Q, Limitada", pelo preço de 50.000.000$00 (cfr. Documento de fls. 271 a 279). FF) Conforme consta nos factos AA), BB), CC), DD) e EE), a A. declarou que as aquisições de quotas descritas em J), K), M) e Q), realizadas pela aqui Autora, no valor nominal de 9.600.000$00 da sociedade "Q, Limitada" e quotas, no valor nominal de 13.735.000$00 da sociedade "EURO…, Limitada" que realizou tais aquisições pelo preço total de 100.000.000$00 (498.797,90€), valor ao qual os cedentes declararam dar quitação - cfr. doe. de fl.s 238 a 240; 242 a 247; 256 a 270 e 272 a 279). GG) Por termo de declaração emitido pela Direcção Geral de Imposto de Lisboa em 2005.09.23, foi liquidado e pago o Imposto Municipal de SISA, no montante de € 24.618,17, correspondente à diferença entre o valor da SISA paga anteriormente (€ 820,52) e colecta fixada (€ 25.438,69) face ao valor declarado pelo 2º Réu Armindo Esteves – cfr doc. de fls. 23. HH) Por nota de liquidação emitida pelos Ministérios das Finanças em Novembro de 2005, em nome da Autora consta que a mesma deverá efectuar o pagamento da quantia de € 104.355,47 correspondente ao acerto de liquidação de 2001 do Imposto sobre IRC, no valor de € 88.234,93 e juros no valor de € 14.563,83 e ‘’estorno liq.2001‘’ no valor de € 1.556,71 – cfr. doc. de fls. 24. Da Base Instrutória 1. A Autora não recebeu o valor de 36.000.000$00 (€ 179.567,24) - (artº 4º) 2. A Autora não declarou ao Fisco o valor referido na resposta ao artº 1º da Base Instrutória (artº 6º) 3. A Autora pretendia que o negócio jurídico de compra e venda referido nas alíneas A), B) e C) fosse celebrado declarando-se o preço de €74.819,68 (artº 7º). 4. As duas sociedades comerciais referidas em 9º tinham, cada uma delas, integrado no seu património terrenos com capacidades construtivas (artº 10º). 5. Entre V, enquanto representante da Autora e da Sociedade de Construções …, e o primeiro Réu foram estabelecidos contactos com vista à aquisição por aquelas das posições que este e a filha eram detentores nas sociedades Euro… e Q e dos terrenos integrantes do património destas (artº 11º). 6. A Euro… tinha integrado no seu património um lote de terreno com a área de 3.685, m2 (artº 13º). 7. A Q tinha integrado no seu património um lote de terreno com a área de 3.170,m2 (artº 16º). 8. As sociedades Euro… – Sociedade Lda. e Q, Lda., tinham no seu conjunto prédios com a área total de 6.855 m2, que foram transmitidos para o património da Autora e da Sociedade Construções…, pelo menos, por preço não inferior a €374.098,42 (artº 18º). 9. Provado apenas que o pagamento do preço, pela Autora e pela Sociedade de Construções… da cessão de quotas da Euro e Q, seria feito, designadamente, através da entrega do imóvel descrito na alínea B) dos Factos Assentes, a que as partes atribuíram o valor de €374.098,42 (artºs 19º e 23º). 10. A Autora procedeu à aquisição de 50% das quotas da Euro e da Q, nos valores nominais de 13.735.000$00 e 9.600.000$00, respectivamente, pelo menos, pelo preço correspondente ao valor referido na resposta aos artºs. 19º e 23º, tendo sido declarado na escritura o preço de €498.797,90 (artºs 28º, 29º e 30º). 11. O primeiro Réu vendeu o imóvel descrito na al. B) dos Factos Assentes (artº33º). 12. A disponibilidade da fracção sita no edifício Imaviz passou para o primeiro Réu através da outorga da procuração referida em B) (artº34º). 13. A Autora disponibilizou a fracção descrita em B) e 23º ao 1º Réu quando a entregou como parte do pagamento das quotas adquiridas referidas em J), K), M) e Q) e quando outorgou a procuração referida em B) (artº38º). 14. A fracção referida em 23º e B) situa-se no centro de Lisboa, no edifício Imaviz, que se encontra localizado praticamente na rotunda do Saldanha, nas traseiras do Hotel Sheraton, em frente ao Fórum Picoas e junto à nova zona comercial do Saldanha, em edifício de escritórios e por cima de uma zona comercial, tendo valor superior a 15.000.000$00 (€ 75.000,00) (artº39º). III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A) DO RECURSO DA SENTENÇA 1. Do incidente da contradita Afirma a Recorrente que o teor do depoimento da testemunha A… foi definitivamente abalado na sua fé e credibilidade com a contradita, tal como sucede com as declarações do 1º R. e o depoimento testemunhal da sua filha, …, que confirmaram as inverdades contraditadas de António Fernandes. Vejamos. Pese embora se afigure mais curial a análise da relevância deste depoimento em sede de impugnação da matéria de facto, não pode deixar de referir-se que, nos termos do disposto no artigo 6409. do Código de Processo Civil, o incidente da contradita visa abalar a credibilidade da testemunha, o que não significa que o depoimento prestado não possa ser valorado. Outro entendimento poria em causa o princípio da livre apreciação da prova. E o certo é que o julgador a quo teve o cuidado de realçar, na fundamentação, as reservas que tinha em relação ao mencionado depoimento. Se, ainda assim, essa valoração não foi a mais correcta e consequenciou erro de julgamento da matéria de facto, é o que será apreciado mais adiante. De todo o modo, o que está em causa é e será sempre o convencimento do julgador e não da parte, desde que, claro está, a convicção se mostre justificadamente fundamentada. 2. Da Impugnação da matéria de facto 2.2. Mas, para além do disposto no art. 685º-B do CPC, importa, ainda, ter presente que a garantia do duplo grau de jurisdição não pode subverter o princípio da livre apreciação das provas, constante do art. 655º do CPC. De acordo com este princípio, a prova é apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios preestabelecidos. As provas são livremente valoradas, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação quanto à natureza de qualquer delas, respondendo o julgador de acordo com a sua convicção, excepto se a lei exigir para a prova do facto, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Só neste caso está o julgador obrigado a observar a hierarquização legal[1]. Na modificação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve actuar-se com prudência, só devendo suceder quando se demonstre através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório. Ainda assim, na reapreciação da prova, as Relações têm a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância, devendo proceder à audição dos depoimentos ou fazer incidir as regras da experiência, como efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição. E quando isso suceder e, ao reapreciar a prova ali produzida, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão[2], sem descurar, obviamente, as limitações referenciadas face ao mais favorável posicionamento do julgador da 1ª instância perante a prova produzida oralmente em julgamento. Mostram-se cumpridos os requisitos formais previstos na lei supra referidos. Ouvidos, então, os depoimentos das testemunhas que se encontram gravados, cumpre analisar a factualidade que está em causa e que foi impugnada pela Apelante. 2.3. Dos quesitos 5º a 8º, 10º, 18º, 19º, 23º, 28º a 30º, 32º, 34º, 35º, 37º e 38º da base instrutória (…) 3. Do abuso de poderes de representação A A./Recorrente fundamenta os seus pedidos no incumprimento do mandato e abuso dos poderes nele conferidos, pelo primeiro réu, J. Afirma que este incumpriu o mandato e abusou dos poderes que lhe foram conferidos pela procuração outorgada, em 16.5.2000, ao efectuar a venda pelo preço real de 51.000.000$00. Acrescenta que a A. nunca teria mandato o 1º Réu para vender a fracção autónoma acima identificada, nem o seu representante teria outorgado a procuração em causa se soubesse que o imóvel iria ser vendido por preço superior a 15.000.000$00. 3.1. Como se refere na sentença recorrida, citando Mota Pinto, a representação traduz-se na prática dum acto em nome doutrem, para na esfera desse outrém se produzirem os respectivos efeitos. Assim sendo, nada mais é necessário para que exista representação, mas será indispensável, para que seja eficaz, que o representante actue nos limites dos poderes que lhe competem conforme decorre do disposto no art. 258º do Código Civil[3]. Na representação voluntária os poderes do representante e a respectiva extensão provêm da vontade do representado manifestada na procuração, que surge como o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos, em regra sob a forma exigida para o negócio jurídico que o procurador deva realizar (artigo 262º, n.º 1, do Código Civil). A procuração assume uma vertente documental, que se distingue do próprio negócio jurídico de representação, de natureza unilateral não recipienda, e é dela que dimana o poder do representante, funcionalmente dirigido à realização de fins e interesses do representado, num quadro de relação externa assente, por seu turno, em uma relação gestória interna, em regra de natureza contratual, não raro na espécie de contrato de mandato[4]. O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último (artigo 258º do Código Civil). Ou seja, para que da representação resulte a inserção directa e imediata do acto na esfera jurídica do representado, é necessário que o representante aja em nome do representado e o acto caiba nos poderes conferidos ao primeiro pelo segundo. Logo, o negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado (artigo 268º, n.º 1, do Código Civil). A falta de poderes de representação, a que este normativo se reporta, pode derivar de uma situação de inexistência de procuração válida ou quando o representante excede os poderes dela constantes. Trata-se, nesta última hipótese, de situações em que o representante actua nos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados pelo representado, mas conscientemente os utiliza em sentido diverso do respectivo fim ou das indicações do representado. Nestes casos, o negócio celebrado é ineficaz se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso (artigo 269º do Código Civil). Caso contrário, o negócio é válido e vincula o representado, independentemente de o procurador poder incorrer no dever de o indemnizar no quadro da responsabilidade civil. Portanto, a representação com falta de poderes por parte do representante para a prática do acto respectivo, tal como o abuso de representação, neste caso se a outra parte o conhecia ou devia conhecer, têm o mesmo efeito de ineficácia em relação ao representado. Distinta da representação é a figura do mandato, modalidade do contrato de prestação de serviços, pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (artigo 1157º do Código Civil), pelo que podemos ter situações de mandato com e sem representação (representação imprópria). Constituem pressupostos de existência da representação: a realização do negócio em nome do representado; declaração, em maior ou menor escala, de uma vontade própria do representante, e não, pura e simples do representado. Quando a procuração não está associada a um contrato de mandato, o representante não está vinculado à prática de qualquer acto, embora se encontre habilitado a praticá-los. Se a procuração estiver associada ao mandato, o chamado mandato com procuração, então, de acordo com o artigo 1178º do Código Civil, o mandatário tem o dever de agir não só por conta mas também em nome do mandante. 3.2. Em causa está analisar se o 1º réu, ao celebrar o contrato de compra e venda pelo preço de 51.000.000$00 (€ 254.386,93), excedeu ou não os limites os poderes que na procuração outorgada pela autora lhe eram conferidos passa pela análise e interpretação da procuração no contexto fáctico em que foi outorgada. A sentença recorrida, aplicando o direito aos factos provados, refere o seguinte: «De acordo com o artº 236º/1 do Código Civil «A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário.» Instituindo o nº2 uma excepção à teoria da impressão do destinatário plasmada no nº1, ao estatuir: «Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante é de acordo com ela que vale a declaração emitida. Revertendo ao caso concreto a matéria de facto enunciada sob a al. J), Q), FF) dos Factos Assentes e pontos 3., 4., 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12. e 13., evidencia o conhecimento por parte do 1º Réu da vontade real do declarante, vontade essa que não se consubstanciava em conferir poderes para vender o imóvel em questão pelo preço máximo de 15.000.000$00, mas sim de que o valor declarado na escritura não fosse superior aos mencionados 15.000.000$00. É de mediana clareza que, ao provar-se a matéria de facto enunciada no parágrafo que antecede - o que mandante e mandatário pretenderam através outorga de procuração daquele teor foi erigi-la em instrumento que mais não visava do que possibilitar à Autora e à cessionária Construções…, gerida pelas mesmas pessoas físicas que as que geriam a primeira, o pagamento de parte do preço da cessão de quotas de que eram titulares o 1º Réu e sua filha nas sociedades Euro…, Lda. e Q, Lda. Mas mais, foi intuito da autora, ao mencionar na procuração o valor máximo de 15.000.000$00, evitar a incidência de impostos pelo valor real do imóvel – imposto de mais valias e IRC - para cuja alienação conferiu poderes ao 1º réu, alcançando do mesmo passo esta finalidade de fuga ao Fisco, bem como o pagamento de parte do preço da cessão de quotas, já que alienado o imóvel obteria o 1º réu o valor que pelas cessionárias era devido pela cessão das quotas das sociedade Euro… Lda. e Q, Lda.» 3.3. Portanto, face ao circunstancialismo descrito, afigura-se claro que não se encontram reunidos os pressupostos que permitiriam concluir pela existência de uma situação de abuso de representação dos poderes conferidos ao 1º réu através da procuração outorgada em 16.5.2000 pela Autora. Efectivamente, resultou da prova produzida que a procuração em causa foi, como também se afirma na sentença recorrida, «o meio que as partes encontraram para que a Autora procedesse ao pagamento de parte do preço da cessão de quotas feita pelo 1º Réu e pela filha enquanto sócios da Q, Lda. e Euro…, Lda., já que aquele foi feito, em parte, mediante a entrega de numerário, sendo a restante através da entrega de bens. E a forma encontrada pela Autora e 1º Réu, através da outorga da procuração agora em causa, servia os interesses daquela de não transaccionar a fracção supra referida por valor superior ao valor pelo qual se achava inscrita no imobilizado da empresa, com as inerentes vantagens em termos fiscais». Em conformidade com a relação subjacente ao negócio unilateral de concessão de poderes de representação da A./Apelante e se atentarmos na resposta ao questionado sob o artigo 7º da Base Instrutória, mandatando o 1º Réu para vender a fracção autónoma identificada a Autora apenas pretendia que o negócio de compra e venda referido nas als. A), B) e C), fosse celebrado, declarando-se o preço que constava da procuração. Evidenciado fica ser intuito da Autora ocultar do Fisco o preço real pelo qual efectivamente sairia do seu património o imóvel. Eis porque, aderindo á argumentação expendida na sentença recorrida, se conclui pela improcedência, nesta parte, das conclusões do recurso. 4. Do enriquecimento sem causa Cabe, por último, analisar o outro fundamento invocado pela A. /Apelante, relativo ao pedido subsidiário de condenação dos Réus na quantia de € 179.567,24 correspondente à diferença entre o valor declarado pelo 2º Réu ao Fisco (€ 254.386,33) e o valor declarado na escritura de € 74.819,68, a título de enriquecimento sem causa. De acordo com o disposto no artigo 473º, nº 1 do Código Civil, aquele que sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. Acrescenta o nº 2 do citado normativo que a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou. O princípio geral do instituto do enriquecimento sem causa, é, pois, uma das fontes das obrigações. 4.1. A análise deste instituto acha-se claramente analisada na sentença impugnada: «A obrigação de restituir fundada em enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial; ausência de causa justificativa actual; enriquecimento à custa de quem pede a restituição. (…) Analisando o primeiro dos pressupostos – enriquecimento - traduz-se ele na melhoria da situação patrimonial, através da obtenção de um ganho de carácter pecuniário. Podendo a aquisição da vantagem patrimonial ser alcançada, quer através do aumento do activo, diminuição do passivo, poupança de despesas ou intromissão em direitos ou bens alheios. Ponto é que se traduza num benefício avaliável em dinheiro e em que a comparação entre a situação em que o património do enriquecido se encontra e aquela em que se encontraria se não se tivesse verificado a deslocação patrimonial traduza um saldo a favor do enriquecido. Quanto ao segundo dos requisitos, identifica-se quando à vantagem alcançada pelo enriquecido corresponda um prejuízo suportado por quem requer a restituição, passando o seu património a valer menos do que valeria sem o facto gerador do enriquecimento. (…) O terceiro requisito implica que o enriquecimento à custa de outrem se apresente desprovido de causa justificativa – ou por nunca ter existido ou por, entretanto, ter cessado. (…) O enriquecimento só é relevante em ordem a fazer surgir a obrigação de restituir quando carece de causa justificativa, ou porque nunca existiu, ou porque entretanto cessou, sendo esta ausência de fundamento que explica que o enriquecimento seja removido do património onde se encontra instalado. (…) Finalmente o último dos requisitos consubstancia-se na inexistência de qualquer outro meio jurídico de reacção contra o enriquecimento, traduzindo-se no carácter subsidiário da restituição fundada em enriquecimento sem causa.» 4.2. Tendo presentes estas considerações fácil é concluir que não assiste razão à Apelante, quando invoca a existência de um enriquecimento sem causa, não podendo proceder o pedido de condenação dos RR/Recorridos, a pagar-lhe a quantia equivalente à diferença entre o valor declarado pelo 2º réu – € 254.386,33 – e o valor – € 74.819,68 - declarado na escritura de compra e venda através da qual adquiriu os imóvel sito na Avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa. Com efeito, a factualidade apurada evidencia que a Autora outorgou procuração ao 1º Réu através da qual lhe conferiu, entre o mais, poderes forenses para, pelo preço de 15.000.000$00, em nome dele outorgar e assinar escritura de venda da fracção autónoma designada pela letra DZ. Fracção essa que o 1º Réu alienou, utilizando a referida procuração. Mais se provou que a Autora e a Sociedade de Construções…, Lda. adquiriram a totalidade das quotas das sociedades Q, Lda. e Euro, Lda., pelo preço global de € 997.595,79 (200.000.000$00), sendo o pagamento do preço da cessão pago, entre outros bens, através da entrega do imóvel descrito na al. B) dos Factos Assentes, a que as partes atribuíram o valor de € 374.098,42. Existe uma causa para a deslocação patrimonial, o que leva a concluir pela inverificação dos pressupostos da obrigação de restituição fundada em enriquecimento sem causa. É certo que a deslocação patrimonial que o 1º Réu logrou através da venda do bem imóvel, cuja disponibilidade lhe foi deferida através da procuração outorgada pela Autora, produziu um aumento de valor do seu património. Contudo, a essa vantagem patrimonial do 1º Réu, não correspondeu um prejuízo suportado pela Autora, passando o património desta a valer menos, na medida em que parte do preço da cessão de quotas das sociedades Euro…, Lda. e Q, Lda., foi satisfeito pela A., à qual pertencia a fracção autónoma, e pela Sociedade de Construções …, Lda. através da entrega do apartamento. Sem necessidade de outras considerações, conclui-se, tal como na sentença recorrida, que a A./Recorrente não tem direito à restituição fundada no instituto do enriquecimento sem causa, do valor equivalente à diferença entre a quantia de € 74.819,68 inserido na procuração outorgada a favor do 1º Réu e o valor pelo qual este veio a alienar a fracção aos 2ºs Réus, por inverificação cumulativa dos respectivos pressupostos. 5. Da má fé: pressupostos Pese embora não resulte do intróito das alegações de recurso, a A./Recorrente vem, nas conclusões de recurso, suscitar a sua indevida condenação como litigante de má fé. Defende que não litigou de má fé, não resultando da matéria assente fundamento para a eventual condenação, por condutas processuais da ora recorrente ou dos seus representantes. Acrescenta ainda que a condenação da A. como litigante de má fé no montante de € 9.862,26, acrescido de IVA, a cada um dos recorridos, sempre seria manifestamente ilegal e absolutamente desproporcionada e injusta, sendo o valor foi fixado sem que ao processo fossem juntos elementos de prova do trabalho forense desenvolvido no processo, nem os recorridos juntaram ao processo laudo emitido pela Ordem dos Advogados. Pede, ainda a condenação dos RR. como litigantes de má-fé 5.1. Os pressupostos da litigância de má fé encontram-se regulados no art. 456º do CPCivil, podendo distinguir-se entre os que têm natureza subjectiva e os que têm natureza objectiva, sendo certo que há litigância de má fé quando estão simultaneamente reunidos pressupostos das duas mencionadas naturezas. Nos termos do art. 456º do CPCivil, deve ser condenado como litigante de má fé: - quem deduz pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar (art. 456º, n.º 2, al. a), do CPCivil); - quem tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa (art. 456º, n.º 2, al. b), do CPCivil); - aquele que tiver violado gravemente o dever de cooperação (art. 456º, n.º 2, al. c), do CPCivil). A entrada em vigor das alterações introduzidas pela Reforma de 1995/1996, operada pelo DL 329-A/95, de 12/12, fez introduzir uma nova filosofia de colaboração, dando um especial relevo ao “dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos"[5] . O princípio da cooperação constitui, a partir da reforma do CPC, um princípio fundamental e angular do processo civil, com expressão no art. 266º do Código, no sentido de fomentar a colaboração entre os magistrados, os mandatários e as próprias partes, com vista a obter-se, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. Por força dos citados princípios, devem, portanto, as partes, na sua actuação processual, agir de boa fé e observar os deveres de cooperação, resultantes do disposto no art. 266º do CPCivil. A violação destes princípios traduz a litigância de má fé [6]. Assim, os pressupostos subjectivos da litigância de má fé alargaram-se e, por isso, quem actuar com negligência grosseira também pode e deve ser condenado como litigante de má fé. Quanto aos pressupostos objectivos da condenação por litigância de má fé é de distinguir a má fé substancial da má fé instrumental: haverá má fé substancial se "o litigante usa de dolo ou má fé para obter decisão de mérito que corresponde à verdade e à justiça" e haverá má fé instrumental se "a parte procura sobretudo cansar e moer o seu adversário, ou somente pelo espírito de fazer mal, ou na expectativa condenável de o desmoralizar, de o enfraquecer, de o levar a uma transacção injusta" [7]. De todo o modo, sempre deverá estar presente ou uma intenção maliciosa, ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da actuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação ou de censura e idêntica reacção punitiva. A má fé consiste, pois, na "utilização maliciosa e abusiva do processo"[8]. Porém, no caso, não só, quem intenta a acção, não logrou provar a sua versão dos factos, como se constata que veio a juízo deduzir pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar (art. 456º, n.º 2, al. a), do CPCivil), assentando tal pretensão em factos que sabia não serem verdadeiros, alterando e omitindo a verdade dos factos relevantes para a decisão do pleito. Estamos, pois, nitidamente perante um caso de exercício abusivo do direito de acção. Ainda assim, a condenação de sociedade como litigante de má fé tem algumas especificidades. 5.3. Da litigância de má fé da pessoa colectiva Dispõe o artigo 458º do Código de Processo Civil “quando a parte for um incapaz, um pessoa colectiva ou uma sociedade, a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização recai sobre o seu representante que esteja de má fé na causa.” B) RECURSO DE AGRAVO A Recorrente, para além de repetir a argumentação já constante das conclusões do recurso de apelação, no que tange à verificação dos pressupostos de litigância de má fé, veio defender que, sendo uma sociedade comercial, nos termos do disposto no artigo 458º do Código nunca lhe poderia ser imputada a conduta dolosa necessária à alegada, mas inexistente, litigância de má-fé, além de que sempre seria desproporcionado o valor da indemnização fixada. Porém, a procedência da apelação, quanto à condenação da A como litigante de má fé, determina a prejudicialidade do agravo, visto que este tinha como objecto, sobretudo, a questão do valor fixado a título de multa e indemnização, como litigante de má fé, sendo certo que as demais questões suscitadas no agravo foram apreciadas na apelação, que é a sede própria para as conhecer. Circunscrito o âmbito do agravo, tornando-se a condenação da sociedade insubsistente, fica o seu objecto prejudicado, atento o disposto no artigo 660º, nº 2, 1 ª parte do Código de Processo Civil. Lisboa, 20 de Junho de 2013. (Fátima Galante) (Manuel José Aguiar Pereira) (Gilberto Santos Jorge)
[3] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora 1986, p. 535-537. |