Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TIBÉRIO SILVA | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA MARCAS DESENHO INDUSTRIAL PROPRIEDADE INDUSTRIAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/16/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | 1. A divulgação de desenho ou modelo comunitário feita no período dos 12 meses (prazo gracioso) que precedem a data de apresentação do pedido de registo ou a data de prioridade não tem efeitos sobre o seu carácter singular. 2. O acto de concorrência desleal deve ser contrário a normas e usos honestos de uma actividade económica, aferindo-se a deslealdade «por violação autónoma de normas sociais de conduta e não por violação de normas legais, ainda que possa haver actos desleais que possam também ser actos ilegais» (conforme refere Couto Gonçalves). 3. A lesão, que, fundadamente, se receie seja causada, deve ser grave e de difícil reparação, impondo-se, naturalmente, a alegação de factos que a caracterizem, que ilustrem, na medida do possível, a sua dimensão, até para se avaliar se o prejuízo resultante da providência não excede o dano que com ela se quer evitar. 4. É necessário demonstrar que se está perante prejuízos que dificilmente possam vir a ser ressarcidos, em tempo e com eficácia, com a prolação da decisão na acção principal. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Acórdão da Relação de Lisboa: I C, INC., sociedade comercial constituída nos termos da Lei Norte-Americana, com sede em, EUA e J, LLC, sociedade comercial constituída nos termos da Lei Norte- Americana, com sede em, EUA, intentaram a presente providência cautelar inominada contra P... S.A. pessoa colectiva nº ...., com sede na Santa Maria da Feira, pedindo que: - a Requerida cesse, imediatamente, a comercialização, distribuição, ou qualquer outra forma de utilização comercial dos sapatos que circulam sobre a marca "Beppi" e que constituam imitações dos sapatos de marca "Crocs" com as características de desenho referidas no requerimento inicial; - seja decretada a apreensão de todos os artigos de marca "Beppi" que constituam imitações dos sapatos de marca "Crocs" com as características de desenho referidas no requerimento inicial; - seja ordenado que a Requerida retire do mercado, a expensas suas, os referidos artigos; - a Requerida cesse imediatamente a comercialização, distribuição, ou qualquer outra forma de utilização comercial dos artefactos decorativos que constituam imitações dos artigos de marca "J..." e que se encontram identificados no requerimento inicial; - seja decretada a apreensão de todos os artefactos decorativos que constituam imitações dos artigos de marca "J..." e que se encontram na posse da requerida; - seja ordenado que a Requerida retire do mercado, a expensas suas, os referidos artigos. Citada, a Requerida apresentou oposição, na qual conclui pela improcedência da providência cautelar. Realizou-se audiência de julgamento e foi proferida sentença, na qual se julgou improcedente a providência cautelar. Inconformadas com essa decisão, dela recorreram as Requerentes, concluindo as suas alegações pela seguinte forma: «1. Resultando dos factos provados - mormente os factos 12, 13, 14, 15 e 17 - que (como o próprio Tribunal "a quo" diz e bem) "a 1a Requerente é titular do desenho comunitário invocado na presente providência", a Lei (regime do Código de Processo Civil, Código da Propriedade Industrial e Regulamento (CE) n.° 6/2002 do Conselho, de 12 de Dezembro de 2001 (Regulamento)) obriga a concluir estar preenchido o requisito de prova de primeira aparência da existência de um direito, ou seja, o que vulgarmente se designa por fumus bonis juris. II. O Tribunal "a quo" andou mal ao concluir que "Tal não significa, porém, que a requerida não possa pôr em causa na presente providência o desenho da Requerente (cfr. arts. 80°, 81° e 85° do Regulamento) designadamente por entender que o desenho carece de novidade ou de carácter singular", o que o levou a "desaguar" no achamento de uma suposta nulidade por falta de carácter singular, a qual: i) nem nessa configuração foi levantada pela Requerida e; ii) nem sequer foi levantada na instância onde a sorte deste registo se discute em profundidade, isto é, a IHMI, pois a decisão proferida pela Divisão de Anulação dessa entidade e que se encontra em recurso baseou-se noutros argumentos que não esse. III. Tal decisão constituiu assim clara má aplicação do princípio do fumus bonis iuris, subversão da relação cautelar/provisória vs definitiva que existe entre as providência e as acções principais e, viola, seguramente, o disposto nos artigos 338/1 do CPI, 387/1 do CPC e, mesmo, 85/1 do Regulamento, constituindo-se, ademais, como manifestamente injusta para a Requerente, que vê a providência decair com base num "argumento surpresa" que, nem ela poderia adivinhar, nem lhe poderia responder nos limitados espaços de tramitação que têm as providências cautelares. IV. Sem jamais conceder, a verdade é que a pretensa nulidade por falta de carácter singular não existe, porquanto a data de prioridade do desenho 257001-0001 é 28.05.04. Por força da supra transcrita estipulação do artigo 7/2 do Regulamento, nenhuma divulgação, que o Tribunal "a quo" considera ser a do desenho 61122-00001 em 05.08.03, feita pela própria Requerente, que é a sucessora em título do desenho 257001-0001 no período de graça de 12 meses desde 28.05.04 poderá ser considerada para efeitos do artigo 6 (carácter singular). V. Desse modo, o período de graça começou em 28.05.03. Ora, a data de entrada do registo 61122-00001 foi em 05.08.03, o que significa que foi feita dentro de período de graça pelo que não poderá ser tida em consideração para efeitos de uma pretensa falta de singularidade. VI. Ainda sem conceder, entre o desenho comunitário fundamento desta providência - 257001-0001 - e o desenho fundamento da alegada falta de singularidade - 61122-00001 (ambos da Requerente!) não existe a similitude geradora de falta de singularidade do primeiro. Com efeito, elemento poderoso diferenciador é a falta de qualquer buraco na parte de cima do sapato, ao que se acrescenta a evidência de duas aparências gerais distintas, ora um sapato com uma aparência sóbria e compacta, ora um outro sapato de ar leve e juvenil, portanto, nitidamente distintos quanto à impressão global que sugerem no consumidor. VII. Estando provada (mais do que, mas pelo menos seguramente) a probabilidade do direito invocado, fez-se prova nos autos de providência cautelar do 2° requisito - a existência (e receio de continuação) de uma lesão grave e dificilmente reparável, o qual se colhe dos factos provados 28, 29, 30, 31, 32, 33, 36, 39, 41, 43, 44, 57, entre outros - isto é, a Requerida comercializa sapatos com desenho idêntico ao do direito que serve de base à providência e com isso viola direitos da Requerente e lesa a mesma. VIII. Igualmente se contesta a parte da sentença em que esta considerou não haver concorrência desleal, posto que pelos artigos 19 a 26, verifica-se que a conduta da ora Recorrida consistiu num verdadeiro acto de aproveitamento atípico, sob a forma de concorrência parasitária, elencável na tipificação aberta do preceito do art. 317.° CPI. De facto, o referido aproveitamento de direitos de propriedade industrial registados e pertencentes a outrem por quem, para tal, carecia de um qualquer título legitimante é contrário às normas e usos honestos da actividade comercial. Pelo que consiste num verdadeiro acto de concorrência desleal atípico, nos termos da epígrafe do art. 317.° CPI, correntemente designado pela doutrina de concorrência parasitária - cfr. Carlos Olavo, PROPRIEDADE INDUSTRIAL, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 283 e ss.. IX. Deve, assim, quanto aos direitos invocados pela 1ª Requerente (Crocs) a providência ser deferida, tendo andado mal o Distinto Tribunal "a quo" na prolação da decisão em crise, a qual violou e/ou fez errada interpretação dos artigos 338/1 do CPI, 387/1 do CPC, 85/1 do Regulamento 317.° CPI e outros que, de acordo com a argumentação expedida nestas conclusões com eles se mostrem conexos.». Terminam dizendo que deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, substituindo-se a mesma por decisão de deferimento da providência em tudo o que foi requerido pela 1a Requerente (Crocs). Contra-alegou a Apelada, concluindo as suas alegações pela seguinte forma: «1. As Apelantes requereram providência cautelar não especificada no sentido de a Requerida se abster de comercializar um modelo de socas, invocando ter direitos privativos de propriedade industrial sobre o mesmo. Esses direitos fundam-se num Desenho ou Modelo Comunitário, cujo registo foi declarado nulo pela própria entidade que o concedera. 2. A C, INC. não tem o direito privativo de Propriedade Industrial a que se arroga. 3. O Desenho Comunitário n.° ..... carece de carácter singular em relação a desenhos anteriormente divulgados e que são identificados como "Dl" e "D4" na decisão de declaração de nulidade daquele registo, proferida em 12/12/2007 pela Divisão de Anulação de Desenhos do I.H.M.I. 4. O desenho comunitário de socas invocado pela C, INC. (pedido em 22/11/2004 - Facto 12: doc. fls. 219), é idêntico aos desenhos de socas divulgados anteriormente (1) na página da Internet da C, INC em 25/11/2002 e (2) no pedido de registo de marca apresentado pela C, INC. ao Instituto de Marcas e patentes dos E.U.A., em 27/05/2003. 5. A C, INC. fundamentou a sua pretensão cautelar na invocação da titularidade do Desenho Comunitário n.° ...., que foi requerido em 22/11/2004, e esse desenho é praticamente igual ao Desenho Comunitário nº ...., que foi requerido em 05/08/2003. 6. As socas a que se referem os referidos desenhos comunitários são idênticas, pois as suas características diferem apenas em pormenores insignificantes – cfr. art.° 5.0, n.9 2 do Regulamento (CE) N.º 6/2002. 7. E, entre o depósito pedido do Desenho Comunitário n.° ... e o do Desenho Comunitário n» .... (em que a Apelante C, INC. baseia a providência cautelar) decorreram mais de 12 meses - cfr. artigos 52, n.°s 1, b) e 2, 7.0, n.°s 1 e 2, b), a contrario do Regulamento (CE) N.° 6/2002. 8. Nessas circunstâncias, há-de convir-se que o desenho ou modelo da C, INC. é nulo, por não cumprir os requisitos de protecção: não é novo e não possui carácter singular cfr. artigo 4.0, n.° 1 do Regulamento (CE) N.º 6/2002. 9. Conclui-se que não se verifica in casu o requisito da providência cautelar da aparência ou verosimilhança de um direito do requerente carecido de tutela (fumus boni iuris). 10. No caso sub judice não se verifica uma situação de perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável se acaso a providência não for decretada (periculum in mora) - artigo 381.0, n.° 1 do C.P.C. 11. As Apelantes não quantificaram minimamente, nem sequer apresentaram alguma prova sumária de que estão a sofrer uma lesão grave e dificilmente reparável. 12. De entre os factos provados a respeito da Requerida destacam-se, o de que «no exercício de 2006 apresentou um resultado líquido de exercício 939.296,00 Euros» (Facto 46) e «A requerida é uma empresa conceituada que goza de boa reputação» (Facto 54). 13. A matéria de facto indiciada não permite o receio, suficientemente justificado, de que a natural demora na resolução definitiva do litígio cause prejuízo irreparável ou de difícil reparação às Requerentes. 14. Conclui-se que não se verifica o requisito da providência cautelar previsto no artigo 381º, n.° 1 do C.P.C, ou seja, não existe o perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável se acaso a providência não fosse decretada (periculum in mora).». Termina, dizendo que a apelação deve improceder. * Sendo o objecto dos recursos definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, importará, in casu, saber se, diversamente do decidido, se demonstrou a probabilidade séria da existência dos direitos invocados pela 1ª Requerente e, sendo assim, se se preenche o requisito do fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável a esse direito. * II Na decisão recorrida deram-se por provados os seguintes factos: «1 – A 1ª requerente é uma sociedade de direito norte-americano que se dedica à produção, comercialização e distribuição de artigos de calçado. --- 2 – E que está implantada em vários países, incluindo Portugal, comercializando vários modelos de calçado conforme catálogo junto a fls. 82 que aqui se dá por reproduzido. --- 3 – De entre a gama de sapatos comercializados pela 1ª requerente constam os modelos denominados "Beach" e "Cayman" representados nas fotografias juntas a fls. 119 e 120 que aqui se dão por reproduzidas. --- 4 – A 2ª requerente é uma sociedade de direito norte-americano que se dedica à produção e comercialização de acessórios para calçado. --- 5 – Produzindo nomeadamente os acessórios conhecidos como "Jibbitz" que se destinam a ser inseridos, para fins estéticos, nos buracos que existem nos modelos "cayman" e "beach", assim como noutros acessórios da 1ª requerente, tais como braceletes para braços e pernas e bolsas para telemóveis. --- 6 – Os produtos Jibbitz estão sempre associados aos produtos Crocs. --- 7 – A requerida dedica-se à importação, revenda e distribuição de acessórios de moda. --- 8 – No âmbito dessa actividade a requerida vende sapatos. --- 9 – De entre as marcas e modelos que a requerida vende em Portugal contam-se os que são comercializados com a marca "Beppi". --- 10 – A 1ª requerente é titular da marca comunitária nº .... "C", pedida em 28 de Outubro de 2003 e concedida por despacho de 22 de Abril de 2005, destinada a assinalar produtos e serviços das classes 9ª, 18ª, 25ª e 35ª. --- 11 - A 1ª requerente é titular da marca comunitária nº ... "C", destinada a assinalar produtos da classe 10ª. --- 13 – Tal desenho foi concedido com data de prioridade de 28 de Maio de 2004.- 14 – Na sequência de um pedido de declaração de nulidade do desenho apresentado por HSH Ltd., veio o mesmo a ser declarado nulo por decisão da divisão de anulação do IHMI em 12 de Dezembro de 2007, com o fundamento de carecer de carácter singular em relação a desenhos ou modelos anteriores, nos termos do art. 25º, nº 1, al. b), do Regulamento nº 6/02 do Conselho, conforme decisão de fls. 409 que aqui se dá por inteiramente reproduzida. --- 15 – Dessa decisão a 1ª requerente interpôs recurso. --- 16 – A 1ª requerente é titular da marca comunitária nº ... figurativa, destinada a assinalar produtos e serviços das classes 9ª, 14ª, 18ª, 25ª e 35ª, com a seguinte configuração: --- 17 – A 1ª requerente produz os seus modelos "Cayman" e "Beach" utilizando o desenho 000257001-0001. --- 18 – E produz e comercializa esses modelos desde o ano de 2003. --- 19 – Tendo começado a sua comercialização em Portugal em Julho de 2006. – 20 – Os modelos "Cayman" e "Beach" vêm equipados com uma tira na rectaguarda que se pode mover para a frente e são construídos num material leve conforme documento junto sob o nº 9 que aqui se dá por reproduzido. --- 21 – Os modelos "Cayman" e "Beach" apresentam algumas diferenças na parte de cima do sapato no primeiro existe como decoração uma linha direita enquanto no 2º a decoração é feita com um motivo ondulado, parecido com uma coroa. --- 22 – Ambos os modelos são vendidos em todo o mundo em sapatos de criança e adulto. --- 23 – Em Portugal no ano de 2006 foram vendidos cerca de 3000 sapatos Crocs e cerca de 5000 artigos Jibbitz. --- 24 – E em 2007 cerca de 100.000 sapatos Crocs e 300.000 artigos Jibbitz. --- […] 25 – A 2ª requerente é titular da marca comunitária nº ..."JIBBITZ", destinada a assinalar produtos da classe 26ª. --- 26 - A 2ª requerente é titular da marca comunitária nº 901949 figurativa, destinada a assinalar produtos da classe 26ª, com a seguinte configuração: --- 27 – Alguns dos desenhos incorporados nos Jibbitz são desenhos pertencentes a terceiros, entidades como a Disney, Marvel, clubes de futebol, etc. --- 28 – No ano de 2008 a requerida vendeu e distribuiu em Portugal a gama de sapatos identificados com a marca "Beppi" que correspondem aos modelos reproduzidos a fls. 256 a 259. --- 29 – Tendo as requerentes diligenciado pela compra de um desses pares de sapatos que se mostra junto como documento 13) e que aqui se dá por reproduzido. -- 30 – Os sapatos juntos como documento 9 e 13 possuem, em termos de buracos, sua distribuição, tamanho e colocação, o mesmo conjunto. --- 31 – Em ambos existe a presença de buracos distribuídos pela parte superior do sapato e pelas suas partes laterais. --- 32 – Ambos são feitos de material similar. --- 33 – E possuem um tira que em ambos exerce a mesma finalidade. --- 34 – No site da requerida os sapatos correspondentes ao documento 13) são identificados como "clogs". --- 35 – A requerida promove a venda de "pins" para inserir nos buracos dos sapatos que exercem a mesma função dos jibbitz. --- 36 – As requerentes não consentiram à requerida o direito de fabricar, vender ou comercializar sapatos correspondentes ao desenho comunitário nº .... nem de utilizar tal desenho. --- 37 – Em nome da 1ª requerente foi enviada à ASAE, à GNR – Brigada Fiscal e è PSP uma "queixa-crime" com o teor constante das cópias de fls. 266 a 268 que aqui se dão por inteiramente reproduzidas. --- 38 – Na sequência da qual vieram a ter lugar várias apreensões e instaurados processos crime. --- 39 – A requerente comercializa sob a marca "BEPPI" os sapatos juntos em audiência. --- 40 – Os sapatos Crocs são distribuídos em Portugal através de um representante exclusivo: a sociedade C Portugal, Lda.--- 41 – Sociedade essa que coloca os sapatos nos pontos finais de distribuição: lojas de calçado, cadeias de supermercado e lojas próprias. --- 42 – Em 2006 foi através desse distribuidor que a venda dos Crocs se começou a fazer em Portugal. --- 43 – Os sapatos da requerida vendem-se por todo o país, incluindo nos grandes Centros Comerciais. --- 44 – O preço de venda ao público dos sapatos "Beppi" é menor do que o dos sapatos "Crocs". --- 45 – A maior parte dos produtos da requerida são assinalados com a marca "Beppi" e vendidos em grandes cadeias de distribuição, retalhistas e lojas próprias em Portugal e noutros países como Rússia, China, Espanha, Marrocos e Jordânia. --- 46 – No exercício de 2006 a requerida apresentou um resultado líquido de exercício de 939.296,00 Euros. --- 47 – E suportou despesas com direitos e licenciamentos de propriedade industrial de 26.959,00 euros. --- 48 – A requerida é titular da marca nacional nº ... "BEPPI" pedida em 7 de Junho de 1994 e concedida por despacho de 14 de Setembro de 1995, destinada a assinalar produtos da classe 25ª.--- 49 – A requerida é titular da marca nacional nº ... "BEPPI" pedida em 3 de Novembro de 2005 e concedida por despacho de 09 de Janeiro de 2007, destinada a assinalar produtos da classe 25ª, com a seguinte configuração:--- 50 – A requerida é titular da marca comunitária nº ... "BEPPI" pedida em 17 de Maio de 2005 e concedida por despacho de 25 de Setembro de 2006, destinada a assinalar produtos da classe 25ª, com a seguinte configuração:--- 51 – A marca "Beppi" integra o clube das marcas portuguesas da "AICEP". --- 52 – Na página da AICEP pode ler-se, acerca do clube de marcas portuguesas, que "Este grupo de excelência, que teve o seu início em 2003 e integra, até à data, 92 marcas, detidas por 79 empresas"… 53 – E na ficha sobre a marca "Beppi" pode ler-se: "A marca tem notoriedade em todos os segmentos do mercado, embora com mais incidência na faixa etária entre os 15 e os 24 anos. Hoje a Beppi está presente em 22 países de vários continentes, com maior incidência em Espanha, Portugal e França.". --- 54 – A requerida é uma empresa conceituada que goza de boa reputação. --- 55 – A requerida desenha, fabrica e vende calçado em Portugal e em vários países. --- 56 – "Clog" é uma palavra inglesa que significa "soca" ou "tamanca". --- 57 – A 1ª requerente utiliza na sua página da Internet, a propósito das suas socas para homem, a expressão "clogs". --- 58 – Encontra-se no mercado em comercialização calçado tipo "socas" de vários fabricantes e comercializados sob várias marcas, conforme doc. fls. 469 a 516 que aqui se dão por inteiramente reproduzidos. --- 59 - A 1ª requerente é titular do desenho comunitário nº ..., pedido em 5 de Agosto de 2003, destinado a assinalar sapatos, com a seguinte representação: III Na douta sentença recorrida, trouxeram-se à colação os arts. 338º-I, nº1, a) e b) e o art. 338º-J, nº 2 do Cod. da Propriedade Industrial. Dispõe o art. 338º-I, nº1, a) e b): « 1 - Sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade industrial, pode o tribunal, a pedido do interessado, decretar as providências adequadas a: a) Inibir qualquer violação iminente; ou b) Proibir a continuação da violação. ». E no nº2 do art. 338º-J, estabelece-se o seguinte: «Sempre que haja violação de direitos de propriedade industrial, pode o tribunal, a pedido do interessado, ordenar a apreensão dos bens que se suspeite violarem esses direitos ou dos instrumentos que apenas possam servir para a prática do ilícito.». Por outro lado, prevê-se, no nº1 do art. 381º do CPC (aplicável subsidiariamente, ex vi do art. 338º-P do CPI), o seguinte: «Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.» E, no nº1 do art. 387º do CPC, dispõe-se: «A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.». No Ac. da Rel. de Évora, de 28/05/98, CJ, 1998, III, 262, enumeram-se, com toda a clareza, os requisitos da providência cautelar não especificada: «a) que muito provavelmente exista o direito tido por ameaçado – objecto da acção declarativa – ou que venha a emergir da decisão a proferir na acção constitutiva já proposta ou a propor; b) que haja fundado receio de que outrem, antes de proferida decisão de mérito ou porque a acção não está sequer proposta ou porque ainda se encontra pendente, cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito; c) que ao caso não convenha qualquer das providências tipificadas nos arts. 393º a 427º do CPC; d) que a providência requerida seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado; e) que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar.». Consideram as Apelantes que, resultando dos factos provados - mormente os factos 12, 13, 14, 15 e 17 - que a 1a Requerente é titular do desenho comunitário invocado na presente providência está preenchido o requisito de prova de primeira aparência da existência de um direito, ou seja, o que vulgarmente se designa por fumus boni juris. As Apelantes, conforme se retira das conclusões II a IV, discordam da decisão recorrida por nesta se ter concluído pela existência de nulidade, por carecer o desenho de carácter singular, nos termos do art. 25º, nº1, b) do Regulamento (CE) nº 06/02 do Conselho, de 12 de Dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários. Na douta sentença, depois de se fazer menção às definições de desenho ou modelo e de produto, constantes do art. 3º do citado Regulamento, referiu-se que um modelo ou desenho, para que seja concedido, tem que reunir três requisitos: carácter inovador, novidade e carácter singular. Sobre estes requisitos escreveu-se o seguinte: «O carácter inovador é exigido pelo art. 4º, nº 1, do regulamento que dispõe – Um desenho ou modelo será protegido enquanto desenho ou modelo comunitário na medida em que seja novo e possua carácter singular. --- A exigência da novidade respeita a uma outra questão. Exige-se que o modelo não tenha sido divulgado ao público, antes do pedido do registo (art. 5º do regulamento).--- O carácter singular está enunciado no art. 6º do regulamento que dispõe que se considera que um desenho ou modelo possui carácter singular se a impressão global que suscita no utilizador informado diferir da impressão global suscitada nesse utilizador por qualquer desenho ou modelo divulgado ao público. --- O titular de um desenho ou modelo comunitário registado fica com o direito exclusivo de utilizar o desenho ou modelo e de impedir que um terceiro o utilize sem o seu consentimento (art. 19º do Regulamento).». Tratando-se da problemática da titularidade, considerou-se que, tendo ficado provado que, em 22 de Novembro de 2004, a 1ª Requerente requereu o registo do desenho comunitário nº ...., destinado a identificar calçado e que tal desenho foi concedido com data de prioridade de 28 de Maio de 2004, daí resulta, à partida, que a 1ª Requerente é titular do direito que pretende fazer valer e que decorre do registo do desenho comunitário. Fez-se, depois, referência à decisão do IHMI (Instituto de Harmonização do Mercado Interno), de 12 de Dezembro de 2007, que incidiu sobre a decisão que concedeu o desenho e declarou a sua nulidade, por carecer de carácter singular em relação a desenhos ou modelos anteriores. Foi, no entanto, interposto recurso, não tendo ficado demonstrado nos autos que este, com efeito suspensivo, já tenha sido objecto de decisão. Concluiu-se, por isso, que «a decisão que declarou nulo o desenho ainda não se tornou definitiva nem produziu efeitos, ou seja, para todos os efeitos a 1ª requerente é titular do desenho comunitário invocado na presente providência». Prosseguiu-se, dizendo – e com isso se concorda – que tal não significa que a Requerida, impedida processualmente de aqui de deduzir pedido reconvencional, não possa pôr em causa, na presente providência, o desenho da 1ª Requerente (cfr. arts. 80º, 81º e 85º do regulamento) designadamente por entender que o desenho carece de novidade ou de carácter singular, impendendo sobre ela (Requerida) o ónus da prova, dada a presunção de validade do desenho (art. 85º, nº 1, do Regulamento). Entendeu-se não estar demonstrada a falta de novidade. Já no que tange à falta de carácter singular, chegou-se a diferente conclusão, expendendo-se sobre a matéria o seguinte: «Quanto à falta de carácter singular no que ao primeiro argumento respeita, a decisão de anulação, tendo sido interposto recurso e tendo este efeito suspensivo, não pode considerar-se a nulidade ali decretada nem tão pouco se podem considerar aqui provados os factos dados como assentes naquela decisão. Cabia à requerida ter carreado para os autos a prova que terá sido produzida naquele recurso (designadamente a assinalada sob a designação D1 e D4, aquela com base na qual se concluiu pela inexistência de carácter singular), o que não fez. Assim, não podendo atender-se à referida decisão, é irrelevante nesta sede a argumentação fáctica e jurídica ali expendida. --- No que ao segundo argumento respeita, alega a requerida que o desenho carece de carácter singular por haver no mercado vários sapatos do mesmo género (socas, tamancas ou chinelos), de vários fabricantes e marcas, todos eles, incluindo os da requerente, com um aspecto global muito semelhante. --- E com feito assim é. Demonstrou a requerida, com os documentos que juntou a fls. 469 e segs., que há vários modelos de "socas" no mercado, comercializadas por diferentes empresas e sob diferentes marcas. Entre estes modelos de aspecto global semelhante, como refere a própria requerida, incluem-se, sem margem para dúvidas, as socas da 1ª requerente e as da requerida. --- Demonstrou, pois, a requerida que há vários modelos no mercado de socas muito semelhantes: os materiais são idênticos, os desenhos são semelhantes, umas têm buracos em cima e de lado outras não, umas têm uma tira flexível na parte de trás outras não, umas têm objectos colocados na parte superior a enfeitar outras não. O certo é que todas elas têm, de facto, um aspecto geral muito semelhante. --- Mas esta demonstração não é bastante. O que a requerida tinha de demonstrar era que, quando foi pedido o registo do modelo, atendendo à prioridade invocada, já estes, ou alguns destes, modelos de socas estavam no mercado. E isso a requerida não demonstrou, tendo-se limitado a alegá-lo de modo conclusivo no art. 42º da sua oposição. --- Mas, se é certo que a requerida não demonstrou que os modelos de socas que existem no mercado já existiam quando foi pedido o desenho aqui em causa, o certo é que a requerida juntou aos autos o título relativo a um outro desenho de socas da 1ª requerente: o desenho comunitário nº .... --- Comparando o calçado protegido por este desenho é manifesto que o mesmo não é igual ao protegido pelo desenho nº ..... Mas para apurar do carácter singular não é necessário que haja anteriormente bens que correspondam ao desenho objecto de registo. Necessário é que entre os novos e os anteriores haja o necessário distanciamento para que a impressão global suscitada no utilizador seja diferente da causada por anteriores desenhos. --- Comparando ambos os desenhos verifica-se que em ambos estão em causa socas com a mesma forma geral, incluindo proporções e configuração: a sola e o tacão são absolutamente similares, em ambas o formato e tamanho da gáspea é praticamente igual, tendo colocada uma presilha no mesmo sítio, ambas tira na parte superior que tem a mesma finalidade, ambas têm uma tira que dá a volta ao calcanhar e que é amovível e ambas têm orifícios na parte lateral da gáspea. Em suma, a única diferença visível entre ambos os desenhos reside na existência de orifícios na parte superior da gáspea, orifícios esses que não existem no modelo mais antigo. --- Ora esta diferença entre as socas não é, no entender do tribunal e considerando designadamente o disposto nos arts. 6º, nº 2 e 10º, nº 2, ambos do regulamento, bastante para tornar a impressão global suscitada pelo modelo correspondente ao desenho ... no utilizador informado, diferente da impressão global causada pelo modelo correspondente ao desenho nº .... Logo, é forçoso concluir que o desenho em causa na presente providência carece de carácter singular. --- Assim, carecendo o desenho de carácter singular, o mesmo é nulo nos termos do disposto no art. 25º, nº 1, al. b), do regulamento. --- Sendo nulo o desenho terá que se concluir não assistir à 1ª requerente o direito que pretende fazer valer. Com efeito, no que aos sapatos respeita o pedido é fundado na violação do direito de propriedade industrial adveniente do modelo que o tribunal entende ser nulo.». Defendem as Apelantes que há, no caso, uma má aplicação do princípio do fumus boni juris e a subversão da relação cautelar/provisória vs. definitiva que existe entre as providência e as acções principais, violando, seguramente, o disposto nos artigos 338/1 do CPI, 387/1 do CPC e, mesmo, 85/1 do Regulamento, constituindo-se, ademais, como manifestamente injusta para a Requerente, que vê a providência decair com base num "argumento surpresa". Salvo o devido respeito, o conhecimento da questão da falta de carácter singular emerge da defesa feita pela Requerida na sua oposição, pois, logo no art. 4º afirma que a C..., INC. não tem o direito aos desenhos ou modelos que designa por “Beach” e “Cayman”, por não terem carácter singular em relação a modelos anteriores e o desenho comunitário nº ... foi declarado nulo, por decisão de 12/12/2007, da Divisão de Anulação do IHMI. A isso se refere, de novo, nos arts. 36º a 39º, mas também faz menção, depois, a outros desenhos e alega que o calçado C, INC., do tipo socas, tamancas ou chinelas tem um aspecto global muito semelhante ao existente no mercado, de vários fabricantes e marcas, o que tem dado azo a declarações de nulidade. Juntou documentos para ilustrar a sua alegação, entre eles surgindo o desenho nº ...., com data de registo de 05-08-2003 (fs. 456). Na sentença, fez-se a subsunção dos factos ao direito, dentro do objecto do procedimento cautelar. Defendem as Apelantes que: - a pretensa nulidade por falta de carácter singular não existe, porquanto a data de prioridade do desenho .... é 28.05.04. Por força da supra transcrita estipulação do artigo 7/2 do Regulamento, nenhuma divulgação, que o Tribunal "a quo" considera ser a do desenho ... em 05.08.03, feita pela própria Requerente, que é a sucessora em título do desenho ...., no período de graça de 12 meses, desde 28.05.04, poderá ser considerada para efeitos do artigo 6 (carácter singular); - desse modo, o período de graça começou em 28.05.03. Ora, a data de entrada do registo 61122-00001 foi em 05.08.03, o que significa que foi feita dentro de período de graça, pelo que não poderá ser tida em consideração para efeitos de uma pretensa falta de singularidade. Vejamos: No artigo 6º do aludido Regulamento dispõe-se o seguinte: «1. Considera-se que um desenho ou modelo possui carácter singular se a impressão global que suscita no utilizador informado diferir da impressão global suscitada nesse utilizador por qualquer desenho ou modelo divulgado ao público: a) No caso de um desenho ou modelo comunitário não registado, antes da data em que o desenho ou modelo para o qual é reivindicada protecção tiver sido pela primeira vez divulgado ao público; b) No caso de um desenho ou modelo comunitário registado, antes da data de depósito do pedido de registo do desenho ou modelo para o qual é requerida protecção ou, caso seja reivindicada prioridade, antes da data de prioridade. 2. Na apreciação do carácter singular, será tido em consideração o grau de liberdade de que o criador dispôs na realização do desenho ou modelo.» No art. 7º, nº2 prescreve-se: «2. Para efeitos dos artigos 5.º e 6.º, a divulgação de um produto não será tida em consideração se o desenho ou modelo para o qual é requerida protecção na qualidade de desenho ou modelo comunitário registado tiver sido divulgado ao público: a) Pelo criador, pelo seu sucessível ou por um terceiro com base em informações fornecidas pelo criador ou pelo seu sucessível ou na sequência de medidas por eles tomadas; e b) Durante o período de 12 meses que antecede a data de depósito do pedido ou, caso seja reivindicada prioridade, antes da data de prioridade.» E no art. 43º: «Por força do direito de prioridade, a data de prioridade será considerada como a data de depósito do pedido de registo de desenho ou modelo comunitário registado para efeitos dos artigos 5.º, 6.º, 7.º e 22.º, na alínea d) do n.º 1 do artigo 25.º e no n.º 1 do artigo 50.º». Concorda-se com a douta sentença no que se refere aos considerandos sobre a similaridade dos desenhos, mas, tendo em conta a data de prioridade do desenho .... – 28.05.04 – e a data do registo do desenho ... – 05.08.03 – entende-se que assiste razão às Apelantes quando referem que se está dentro do período de 12 meses (o chamado “prazo gracioso”[1]), motivo por que não se poderá ter em consideração a divulgação do produto para efeitos de afastamento do carácter singular. Daí que, com todo o respeito por opinião diversa, se considere, face aos factos provados, não haver motivos para se concluir pela nulidade e para se afastar a presunção de validade do desenho em causa. As Apelantes discordam da sentença no que se refere ainda à parte em que se considerou não haver concorrência desleal. Defendem que, pelos artigos 19 a 26, se verifica que a conduta da ora Recorrida consistiu num verdadeiro acto de aproveitamento atípico, sob a forma de concorrência parasitária, elencável na tipificação aberta do preceito do art. 317.° CPI. Na sentença recorrida, considerou-se o seguinte: «A requerente invoca ainda a concorrência desleal, alegando que a requerida procura criar confusão junto do consumidor levando-o a adquirir os seus sapatos como se "dos verdadeiros crocs se tratasse", procurando assim angariar clientela e obter lucro à custa do trabalho prévio e árduo de implementação no mercado por parte da 1ª requerente. --- Sucede que não ficou provado nem que a requerida procure criar confusão no consumidor, levando-o a adquirir as suas "socas" por julgar que as mesmas são "crocs" nem que procure por essa via angariar clientela e obter lucro à custa do trabalho da 1ª requerente. - Por conseguinte, não provou a requerente a existência de prática de actos, pela requerida, de concorrência desleal. ---». Na verdade, deu-se como não provada a matéria constante dos arts. 108º e 109º do requerimento inicial, nos quais se alegava que a Requerida, mediante a distribuição dos artigos “Beppi”, procura criar confusão junto do consumidor, levando-a a adquirir um produto como se dos verdadeiros sapatos “Crocs” se tratasse, procurando, por essa via, uma angariação efectiva da clientela e a prossecução do lucro à custa de um trabalho prévio e árduo de implantação no mercado por parte da C.... Conforme refere Couto Gonçalves, o acto de concorrência desleal deve ser contrário a normas e usos honestos de uma actividade económica, aferindo-se a deslealdade «por violação autónoma de normas sociais de conduta e não por violação de normas legais, ainda que possa haver actos desleais que possam também ser actos ilegais (v.g. violação desleal de uma marca registada). Mas os requisitos de apreciação valorativa do acto desleal são autónomos. Ainda que num caso concreto possa ter lugar o concurso de ambas as disciplinas isso acontece porque, circunstancialmente, se verificam, cumulativamente, os pressupostos autónomos de actuação do instituto legal em causa e do instituto de concorrência desleal»[2]. Tendo em atenção a resposta negativa à aludida factualidade, concorda-se com o vertido na sentença no que tange a esta matéria. Tendo-se considerado, na decisão recorrida, não haver violação do direito da marca da 1ª Requerente, para além de não se provar a concorrência desleal, concluiu-se pela improcedência da providência, por serem os requisitos cumulativos. Uma vez que, como se viu, discordamos da decisão no que se refere à questão da nulidade do desenho, importa verificar se se preenche o periculum in mora, cuja apreciação ficou prejudicada pela conclusão a que se chegou quanto ao dito primeiro requisito. Defendem as Apelantes que, estando provada a probabilidade do direito invocado […], fez-se prova nos autos de providência cautelar do 2° requisito - a existência (e receio de continuação) de uma lesão grave e dificilmente reparável, o qual se colhe dos factos provados 28, 29, 30, 31, 32, 33, 36, 39, 41, 43, 44, 57, entre outros - isto é, a Requerida comercializa sapatos com desenho idêntico ao do direito que serve de base à providência e com isso viola direitos da Requerente e lesa a mesma. A Apelada discorda deste entendimento, conforme se retira das suas conclusões nº 10 a 14 supra tanscritas. A lesão, que, fundadamente, se receie seja causada, deve ser grave e de difícil reparação, impondo-se, naturalmente, a alegação de factos que a caracterizem, que ilustrem, na medida do possível, a sua dimensão, até para se avaliar se o prejuízo resultante da providência não excede o dano que com ela se quer evitar (nº2 do art. 387 do CPC). Conforme escreve Abrantes Geraldes, «não é toda e qualquer consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva que justifica o decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da contraparte. Só lesões graves e dificilmente reparáveis têm essa virtualidade de permitir ao tribunal, mediante solicitação do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto de uma possível lesão.» (Temas da Reforma do Processo Civil, III Vol., 2ª ed., Almedina, 2000, pág. 83. Como referem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e João Redinha, Código do Processo Civil Anotado, vol. 2.0, Coimbra Editora, 2001, pág. 6, «a gravidade e a difícil reparabilidade da lesão receada apontam para um excesso de risco relativamente àquele que é inerente à pendência de qualquer acção; trata-se de um risco que não seria razoável exigir que fosse suportado pelo titular do direito.». No Ac. da Rel. de Lisboa de 16-03-2006 (Rel. Manuel Capelo), CJ, II, 2006, pág. 69, incidente sobre um caso de propriedade industrial, ponderou-se, a dado passo: «A definição do que seja lesão grave ou dano de difícil reparação remete para um juízo de previsão que aponte indiciariamente, mas com um mínimo de segurança, que a indemnização não iria ser recebida por a requerida não ter condições económico-financeiras para a suportar. […] Estando em causa unicamente prejuízos de natureza patrimonial e nada permitindo concluir que a requerida não tem condições para ressarcir os prejuízos que, eventualmente, possa vir a causar, falece o requisito necessário ao decretamento da providência e que se sustenta na verificação da lesão ter uma gravidade que não se compadece com a espera do veredicto da decisão definitiva, ou uma natureza que a espera por essa decisão torne dificilmente reparável.». No Ac. da Rel. de Lisboa de 26-06-2008 (Rel. Maria José Mouro, aqui 2ª -Adjunta), disponível em www.dgsi.pt, também atinente a um caso de propriedade industrial, alinhou-se pelo mesmo diapasão, ao considerar que: «I - Não é toda e qualquer previsível consequência susceptível de ocorrer antes da decisão definitiva que justifica o decretamento da providência no âmbito do procedimento cautelar comum – a lei refere-se, apenas, às lesões graves e dificilmente reparáveis – pelo que tendo as requerentes alegado, tão só, prejuízos materiais que não se encontram minimamente quantificados, não se sabendo a quanto ascenderiam, nada inculcando que a requerida não disponha de meios para os ressarcir após a sua apreciação na acção principal, não se encontram nos autos elementos que permitam caracterizar a aludida lesão grave e dificilmente reparável.». Ac. da Rel. de Lisboa, de 04-06-2009 (Pereira Rodrigues), também disponível em www.dgsi.pt, exarou-se o seguinte: «I. Com vista ao decretamento da providência cautelar, tem de haver-se como princípio assente que só lesões graves e dificilmente reparáveis merecem a tutela provisória que o procedimento cautelar comum visa precaver, pelo que apenas aquelas podem facultar ao tribunal, em face da pretensão do interessado, que profira uma decisão que o coloque a coberto da previsível lesão. II. O critério de avaliação do “fundado receio”, deve assentar em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. III. Ou seja, deve o critério de avaliação basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata, sob risco de total ou parcial ineficácia da acção, intentada ou a intentar.». Consideramos que o juízo feito nestes arestos se aplica ao caso que temos entre mãos. Os pontos da matéria de facto a que a Apelante se reporta têm a ver, salvo melhor opinião, sobretudo com o preenchimento do primeiro requisito, não se podendo extrair daí a conclusão, suficientemente fundada, de que estejamos perante prejuízos que não possam vir a ser ressarcidos, em tempo e com eficácia, com a prolação da decisão na acção principal. Nesta, ademais, será possível uma mais larga indagação, inclusive com a eventualidade de um pedido reconvencional por parte da Requerida sobre a referida problemática da nulidade, estando-se num terreno eivado de dúvidas, como, desde já, patenteiam estes autos. Conforme é referido pela Requerida, provou-se que esta «no exercício de 2006 apresentou um resultado líquido de exercício 939.296,00 Euros» (Facto 46) e «A requerida é uma empresa conceituada que goza de boa reputação» (Facto 54). E provou-se ainda que suportou despesas com direitos e licenciamentos de propriedade industrial de 26.959,00 euros (47). É, pois, de concluir, com todo o respeito por opinião diversa, que não foram recolhidos elementos que permitam o cabal preenchimento do requisito que temos vindo a analisar: o fundado receio de que se cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito da Requerente. E, assim, não poderia a providência em apreço ser decretada. Pelo exposto, embora por razões não coincidentes com as constantes da douta decisão recorrida, mantém-se tal decisão, julgando-se, em consequência, improcedente a apelação. Custas pelas Apelantes. Notifique. Lisboa, 16-07-2009 (Tibério Silva) (Ezagüy Martins) (Maria José Mouro) [1] José Mota Maia, Propriedade Industrial, vol. I, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 107) [2] Manual de Direito Industrial, Patentes, Marcas, Concorrência Desleal, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 347. |