Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DA GRAÇA DOS SANTOS SILVA | ||
Descritores: | REINCIDÊNCIA PRESSUPOSTOS REQUISITOS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/07/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | 1.–A repetição de crimes não determina sempre uma situação de reincidência, ainda que verificados os pressupostos formais a que se reporta o artº 75º/CP. 2.–Apenas a pluriocasionalidade fica atestada face à mera constatação da “sucessão” de crimes. 3.–A pluriocasionalidade é um menos em relação à reincidência, cuja certificação está dependente de concreta apreciação em sede de decisão judicial, dos pressupostos materiais a que alude a referida norma. 4.–A reincidência implica que, além da verificação dos respectivos pressupostos formais, haja factualidade demonstrativa de que o arguido não sentiu as anteriores condenações como suficiente advertência para não delinquir (trata-se fundamentalmente de prevenção especial), exigindo-se ainda que, atentas as circunstâncias do caso, ocorra uma íntima conexão entre os crimes reiterados, adequadamente relevante em termos de censura e de culpa. (Sumário elaborado pela Exma. relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal: *** I–Relatório: Em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, ..., filho de José P...F... e de Júlia M...B..., natural de S. J. A. – L..., nascido a 15/12/1980, solteiro, residente na Est.M..., n.º... ..., A..., e ... B... Jau, filho de S...S...J... e de A...B..., natural da Guiné-Bissau, nascido a 22/09/1988, solteiro, residente na R. R. D. L., n.º..., 1.º...., P..., foram julgados e condenados nos seguintes termos: – O arguido Pedro, pela co-autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 25º/ a) e 21º, da Lei 15/93, de 22/01, com referência à tabela I – C, anexa ao referido diploma, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante regime de prova; – O arguido ..., como reincidente, pela co-autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 25º/ a) e 21º, da Lei 15/93, de 22/01, com referência à tabela I – C, anexa ao referido diploma, conjugados com os artigos 75º e 76º, do Código Penal (CP), na pena de dois anos de prisão. *** Ambos os arguidos recorreram. O arguido ... concluiu as alegações nos termos que se transcrevem: «A–O Recorrente reconhece a prática dos factos que lhe são imputados, muito embora não prescinda da possibilidade de prova que requereu ao abrigo do direito de defesa. B–Com efeito, após a comunicação da alteração não substancial dos factos, o Recorrente viu- lhe indeferido o requerimento enviado precisamente no âmbito da preparação da defesa que havia sido deferida, impossibilitando a inquirição das testemunhas arroladas (prova testemunhal) seriam testemunhas essenciais à boa decisão da causa, por conhecerem dos motivos subjacentes à actuação do Arguido, na factualidade introduzida pelo tribunal, o que configura a nulidade suscitada nos termos do disposto no art. 120º, nº 2, alínea d), do Código Processo Penal, porquanto foi dada a possibilidade de defesa e, quando esta foi oferecida, foi prontamente negada remetendo o despacho judicial então proferido a possibilidade de defesa apenas com a notificação da marcação de julgamento — facto que, como é patente, esvaziou, por completo, a faculdade de defesa que foi dada ao Arguido e por este exercida em tempo. Assim, reconhecendo-se a nulidade de despacho proferido em primeira instância, deve possibilitar-se, tal como havia sido previamente deferido ser permitida a apresentação de defesa, que o Arguido apresente os seus meios de prova face à alteração comunicada no decurso do processo. C –O despacho que nega a apensação com o proc. nº 41/17.9PCLSB, que corria termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, Juiz 2, o qual respeitava à mesma matéria, tráfico de estupefacientes de menor gravidade - e se encontrava também na fase de julgamento, sendo que a apensação levaria a discussão de apenas um crime (continuado), o que seria bem mais favorável ao aqui Recorrente - é nulo por violação do disposto no art,. 119º, alínea e) do Código de Processo Penal. D –O Arguido considera que o douto despacho que negou a apensação de processos, ao abrigo da competência por conexão, colocou em causa a sua liberdade de defesa, sendo que a interpretação tácita dada às disposições legais que levaram ao indeferimento é manifestamente inconstitucional, por violação do disposto do art. 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade cujo conhecimento se requer. E–Após ser notificado, por despacho, de alteração não substancial dos factos constantes da acusação, o Arguido requereu a seu tempo a preparação da defesa, o que lhe foi deferido. No entanto, quando quis concretizar o exercício da defesa deferida, tal pretensão foi-lhe negada, vendo-se o Arguido que então indicou testemunhas cujo depoimento seria essencial para a descoberta da verdade material, impossibilitado de produzir essa prova, sendo certo, ao contrário do que é afirmado no despacho de indeferimento, a prova respeitava apenas aos factos resultantes da alteração não substancial e não a toda a matéria da acusação. A interpretação tácita dada ao direito de defesa estatuído no art. 358º do Código Processo Penal é manifestamente inconstitucional, por violação nomeadamente do art. 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa. F– Nos termos do disposto no art. 71º do Código Penal, a pena aplicada é desproporcionada face às condições do agente, à gravidade diminuta do ilícito e da actuação do Recorrente, o modo de execução e às exigências diminutas de prevenção da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, pelo que a mesma deverá ser reduzida, sem prejuízo da desconsideração da reincidência. G –De igual modo, não houve cumprimento rigoroso do disposto no art. 40º do Código Penal porque a pena em nada contribui, antes pelo contrário e pelo deficiente acompanhamento do Recorrente pelos organismos públicos, como visto, para a ressocialização urgente do mesmo, pessoa de idade ainda jovem e que, por este andar (sem poder trabalhar, sem qualquer acompanhamento e com sentenças duras perante casos simples), corre o sério risco de permanecer anos a fio na prisão, logo agora que tinha conseguido encontrar trabalho ainda que “ilegal" por não lhe ter sido atribuída autorização de residência pelo SEF. H–O Arguido não deverá ser considerado como reincidente, nos termos dos artigos 75º e 76º, ambos do Código Penal Relativamente aos pressupostos formais da reincidência, considerou o douto Tribunal a quo que os mesmos se encontram totalmente preenchidos, algo que merece reparo em relação ao requisito material da reincidência. I –Para a verificação deste requisito material, tal como estatuído no artigo 75º, nº 1 do Código Penal, deve a conduta do agente, de acordo com as circunstâncias do caso, ser particularmente censurável, na medida em que as condenações de que foi anteriormente alvo não lhe tenham servido como suficiente advertência contra o crime. Não se assume com critério fundamental, no que à verificação deste pressuposto material diz respeito, a natureza dos diversos crimes praticados pelo agente, tanto mais que é possível, com maior ou menor dificuldade, fazer a ponderação de tal verificação, quer estejam em causa crimes de natureza igual ou diferente. J–No presente caso, o Recorrente, que anteriormente fora condenado pela prática de diversos crimes, na sua maioria de roubo, foi agora condenado por um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, estando assim em causa crimes de diferente natureza, conforme se afere, desde logo, pelos bens jurídicos em causa (respectivamente, património e integridade física). Muito estranha, portanto, o Recorrente, que perante uma situação em que esta íntima conexão entre os diversos crimes praticados se torna consideravelmente mais difícil de demonstrar, o douto Tribunal a quo se baste com o período decorrido (cerca de nove meses) entre o momento em que o Recorrente é colocado em liberdade condicional e aquele em que pratica os factos em apreço! L–Recaía sobre o douto Tribunal a quo uma particular responsabilidade de exigência e rigor na aferição de factos que pudessem indiciar uma conexão entre os crimes pelos quais o Recorrente foi condenado, responsabiíidades essas que o Tribunal a quo não respeitou devidamente, sendo relevante a consideração de que o Recorrente tem vivido uma situação socioeconómica bastante complicada desde que abandonou o estabelecimento prisional onde se encontrava a cumprir pena, como visto supra. M –O crime em causa é completamente diferente daqueles petos quais havia já sido anteriormente condenado, em virtude do bem jurídico, das motivações e do método utilizado. Assim, no âmbito da distinção entre o reincidente e o mero delinquente multiocasional, considera o Recorrente que se enquadra no segundo caso, algo que o momento em que o seu crime foi cometido não é o suficiente para desmentir. De resto, de toda a factualidade dada como provada não constam factos dos quais se pode retirar a ilação que a sua recidiva se explica por o Recorrente não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado, afastando-se uma eventual situação de delinquência pluriocasional, resultante de factores exógenos, como por exemplo a sua degradação económica. Não existem factos dados como provados, designadamente a nível da motivação para a prática dos factos, de ausência voluntária de hábitos de trabalho e sobre a personalidade do Recorrente, que permitam concluir que entre os crimes pelos quais cumpriu prisão até 11/01/2016, e o crime de tráfico de estupefacientes aqui em apreciação, existe uma íntima conexão, nomeadamente a nível de motivos e forma de execução, relevantes do ponto de vista da censura e da culpa, que permita concluir que a reiteração radica na personalidade do Recorrente, onde se enraizou um hábito de praticar crimes, e a quem a anterior condenação em prisão efectiva não serviu de suficiente advertência contra os mesmos, e não um simples multiocasional na prática de crimes em que intervêm causas fortuitas ou exógenas. N–Tudo isto, à luz de uma interpretação do artigo 75º, nº 1 do Código Penal que se coaduna, não apenas com a orientação predominante da nossa doutrina e jurisprudência, mas também com a sensibilidade da matéria em questão, e a exigência e rigor que devem ser empregues na aferição da existência, ou não, de uma íntima conexão entre os vários crimes pelos quais o agente é condenado, para efeitos de aplicação da figura da reincidência. O–Por outro lado, uma interpretação deste mesmo preceito segundo a qual a demonstração da existência de tal conexão se baste com uma justificação meramente superficial, baseada em elementos circunstanciais, como é o caso da apresentada na douta sentença recorrida, além de ir contra o referido entendimento predominante, é mesmo inconstitucional, por violação, nomeadamente, dos artigos 18º, nº 2 e 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa. Deve o Recorrente ser absolvido do julgamento como reincidente, com os efeitos que daí advêm. P–Deverá excluir-se a aplicação ao Recorrente do artigo 76º, n-1 do Código Penal, sendo a ponderação da medida da pena a aplicar àquele feita no âmbito da normal moldura penal respeitante ao crime em questão (um a cinco anos), tal como sucedeu com o co-arguido .... Deverá verificar-se uma maior igualdade, entre os dois co-arguidos, para efeitos de suspensão da pena a aplicar. Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deverá o presente recurso ser considerado procedente, reconhecendo-se as nulidades e inconstitucionalidades suscitadas e, se estas não forem de proceder, ser fixada pena ao Recorrente mais reduzida e, sobretudo, não privativa da liberdade, por forma a não impedir a ressocialização que é um dos objectivos máximos a que preside a lei penal(…) ». *** O arguido ...concluiu as alegações nos termos que se transcrevem: «1.–A jurisprudência tem admitido a hipótese de condenação por crime de tráfico sem apreensão e/ou exame laboratorial do produto estupefaciente por recurso à livre convicção do julgador quanto à prova produzida através outros meios não proibidos. 2.–Meios [de prova] esses que, em ilícitos desta natureza, se reconduzem a videovigilâncias e investigações de longa duração, testemunhos de compradores, denúncias, antecedentes criminais ou mera conotação com conhecidos agentes/locais de tráfico. 3.–Salvo melhor opinião, deve ter-se por insuficiente para dar por provado o crime de tráfico o testemunho de dois agentes à civil que terão presenciado os factos a 5-7 metros de distância afirmando tão só ter visto uma “embalagem pequena contendo algo de cor castanha” de aspecto semelhante a outras apreendidas a um dos arguidos. 4.–A detenção dos arguidos não tem o suporte de actos de vigilância, escutas, nem sobre eles recaía a suspeita normalmente atribuída a indivíduos referenciados ou cadastrados por crimes desta natureza. 5.–Verifica-se pois insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, devendo os factos provados vertidos na sentença recorrida com os n.° 1 e 4 ser considerados não provados, absolvendo-se consequentemente o recorrente da prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelos arts. 25° al. a) e 21° da Lei 15/93 de 22 de Janeiro com referência à tabela I - C. 6.–Assim não se considerando, haverá que reconhecer a desproporção da pena concretamente aplicada contra o disposto nos art. 40° e 71° do Código Penal Português. 7.–Registando-se uma simples transacção de 20,00€, que não é sequer o valor da vantagem económica, sendo o produto haxixe, estando o recorrente integrado familiarmente, não tendo ele a posse do produto apreendido e não tendo antecedentes criminais registados desta ou de outra natureza, haverá que reconhecer a reduzida ilicitude e diminutas exigências de prevenção geral e especial. 8.–A desproporção da condenação do recorrente torna-se mais evidente quando comparada com a pena aplicada ao co-arguido, condenado como reincidente numa pena de 2 anos de prisão. 9.–Não sendo dada por provada qualquer problemática aditiva ao recorrente, inexistem razões para que se faça depender a suspensão da pena de uma sensibilização para uma tal problemática. Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão a quo, substituindo-se a mesma por outra que: - altere a matéria de facto dada como provada e que absolva o recorrente da prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade (…); Ou, caso assim não se entenda, o que apenas por cautela de patrocínio se admite: - altere a medida da pena aplicada por outra sobre o limite mínimo, suspensa na execução sem regime de prova, (…)». *** Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações no sentido da improcedência do recurso. *** Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer dizendo que: «Digamos apenas em síntese conclusiva que, como aliás resulta do teor do despacho ora sindicado ( cf. fls. 259/260), a prova testemunhal que se pretendia produzir não tinha virtualidade para esclarecer os factos com relevância criminal nos termos em que estavam imputados através do despacho acusatório, para além de que, a confirmar-se a versão alternativa, poderia até vir a ficar agravada a situação jurídico processual/ responsabilidade penal concreta do arguido ..., o que seria, isso sim, inadmissível. Já quanto à pretendida apensação de processos, como parece evidente não poderia proceder tal pretensão, em razão da diferente fase processual em que se encontravam, e portanto por óbvias razões de gestão - n.° 2 do artigo 34.° do C. P. P. Com efeito, quando o requerimento foi apresentado pela Defesa (em 5 de Setembro de 2017) já o julgamento nestes autos estava em curso desde 21 de Junho p.p. As penas aplicadas revelam adequação e proporcionalidade, de modo algum se podendo queixar o arguido ...de severidade ou sequer desnecessidade do acompanhamento mediante regime de prova, sobretudo atento a sua problemática aditiva. Igualmente a pena de 2 anos de prisão aplicada ao arguido ... apresenta- se como necessária, pois que é preciso ver que cometeu o crime destes autos, em pleno período de liberdade condicional, menos de um ano depois de ter cumprido grande parte da pena de 10 anos e 6 meses de prisão que lhe fora aplicada no âmbito do processo 378/07.5PHAMD. Pelo exposto vai o nosso parecer no sentido da improcedência do recurso, confirmando-se integralmente a douta sentença condenatória de fls. 261/280». *** II–Questões a decidir: Do artº 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso ([1]), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso ([2]). As questões colocadas pelo recorrente Pedro, arguido, são: - Vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; - Desproporção da pena aplicada; - Inexistência de fundamento para fazer depender a suspensão da pena de uma sensibilização para o consumo de droga. As questões colocadas pelo recorrente ..., arguido, são: - Nulidade e inconstitucionalidade, nos termos do disposto no artº 120º/2, alínea d), do CPP, e 32º/1, da CRP, em face do indeferimento do requerimento de prova em face da alteração não substancial comunicada; - Nulidade e inconstitucionalidade, nos termos do disposto no artº 119º/e), do CPP e 32º/1, da CRP, do despacho que negou a apensação com o proc. nº 41/17.9PCLSB; - Desproporção da pena aplicada; - Falta de verificação dos pressupostos de que depende a consideração do arguido como reincidente, nos termos dos artigos 75º e 76º, do CP. *** III–Fundamentação de facto: Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes os factos: 1.– Em data que não se logrou apurar, mas anterior a 08.09.2016, ... e ...decidiram proceder à obtenção, detenção e venda de haxixe a consumidores de tal produto. 2.– Em execução de tal plano, no dia 08.09.2016, pelas 20h00, os arguidos ...encontravam-se na via pública, no cruzamento da R. Dr. L. A. e A. com a R. M. S., em L.... 3.– Nessas circunstâncias, o arguido ...contactou com um indivíduo que não se logrou identificar, que pretendia adquirir-lhe haxixe. 4.– Tendo ...retirado do bolso das calças que envergava uma bolsa preta, recolhendo do interior da mesma um pedaço de haxixe que entregou ao referido indivíduo. 5.– Em seguida, o referido indivíduo entregou ao arguido ..., uma nota com valor facial de €20,00, a qual de imediato o arguido ...guardou no interior de uma bolsa que trazia à cintura. 6.– Nessa ocasião, o arguido ...tinha na sua posse, no interior da referida bolsa preta, vários pedaços de resina de canábis, separados e embalados em plástico, com o peso líquido de 30,270 gramas. 7.– Nessa mesma ocasião, o arguido ... tinha consigo, no interior da bolsa que trazia à cintura, a quantia de € 135,00, sendo que desses, uma nota com valor facial de €20,00 estava acondicionada em divisória à parte. 8.– Os arguidos conheciam a natureza e característica estupefaciente do produto que detinham, destinando-o à venda a consumidores, bem sabendo que tal conduta os fazia incorrer em responsabilidade criminal. 9.– Actuaram os arguidos em conjugação de esforços e vontades, de acordo com um plano comum e com o propósito de obterem vantagem económica. 10.– Agiram os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. 11.– Por acórdão transitado em julgado em 7.05.2012, proferido no âmbito do processo n.º 378/07.5PHAMD, foi o arguido ... condenado em cúmulo jurídico na pena única de dez anos e seis meses de prisão, na qual foram englobadas as penas aplicadas no âmbito dos processos n.º 1326/06.5PYLSB, 9/06.0GHSNT, 340/07.8PILRS, 1806/07.5PASNT, 693/06.5SYLSB, 530/06.0PBAMD, 680/05.0PAVFX, 99/07.9PAVFX, 273/06.5S7LSB e 917/06.9PKLSB, que foram as seguintes: - no processo n.º 378/07.5PHAMD, 2 anos de prisão, pela prática em 3.06.2007 de um crime de roubo; - no processo n.º 1326/06.5PYLSB, 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática em 21.10.2006 de um crime de roubo; - no processo n.º 9/06.0GHSNT, 8 meses de prisão, pela prática em 7.01.2006 de um crime de furto de uso de veículo; - no processo n.º 340/07.8PILRS, 8 meses de prisão, pela prática em 11.09.2007 de um crime de condução sem habilitação legal; - no processo n.º 1806/07.5PASNT, 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática em 11.10.2007 de 6 crimes de roubo, um deles na forma tentada; - no processo n.º 693/06.5SYLSB, 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática em 1.12.2006 de um crime de roubo; - no processo n.º 530/06.0PBAMD, 2 anos de prisão, pela prática em 18.04.2006 de um crime de furto, um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, um crime de condução sem habilitação legal e um crime de resistência e coacção sobre funcionário; - no processo n.º 680/05.0PAVFX, 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática em 20.11.2005 de três crimes de roubo; - no processo n.º 99/07.9PAVFX, 4 anos e 9 meses de prisão, pela prática em 16.02.2007 de dois crimes de roubo; - no processo n.º 273/06.5S7LSB, 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, pela prática em 26.04.2006 de um crime de roubo; - no processo n.º 917/06.9PKLSB, 3 anos de prisão, pela prática em 6.10.2006 de um crime de roubo. 12.– O arguido ... esteve preso ininterruptamente desde 11.10.2007 até 11.01.2016. 13.– No âmbito do processo n.º 3003/10.3TXLSB-A, foi concedida liberdade condicional ao arguido ... em 11.01.2016 e até ao dia 07.05.2018, data prevista para o termo da pena. 14.– O arguido ... demonstra, com o seu percurso de vida e sucessivas condenações penais, até em penas que o privaram da liberdade por vários anos, que não adequou o seu comportamento às regras sociais e normas penais em vigor. Mais se provou que: 15.– O arguido ...vive em Portugal desde os 2 anos de idade, onde a família organizou a sua vida de forma estruturada e economicamente estável. 16.– Contudo, o meio comunitário em que se inseria o agregado era caracterizado por conflituosidade social, tendo as figuras parentais dificuldades em incutir regras e valores devido às suas ausências prolongadas por motivos laborais. 17.– Contribuindo para a adesão do arguido a grupos de pares desviantes, iniciando consumos de álcool em excesso e haxixe. 18.– Foi-lhe aplicada medida tutelar educativa, tendo estado internado em centro educativo onde veio a concluir o 6.º ano de escolaridade, sendo que após a saída retomou contactos com pares desviantes. 19.– Na data dos factos o arguido vivia a maioria das vezes sozinho, uma vez que a progenitora e a irmã se encontram a trabalhar em Inglaterra. 20.– O arguido não tem a sua permanência em Portugal regularizada, por ter caducado a autorização de residência, tendo realizado diligências já em liberdade para a sua revalidação, encontrando-se o processo suspenso aguardando a definição da sua situação jurídico-penal. 21.– Em liberdade condicional foi comparecendo junto dos serviços da DGRSP, mas o facto de se encontrar indocumentado inviabilizou a inscrição em centro de emprego, tendo trabalhado com grande irregularidade na construção civil, beneficiando de algum apoio económico de sua mãe e irmã. 22.– O arguido apresenta-se como um indivíduo dotado de fraca capacidade crítica, registando várias condenações anteriores que não comportaram alterações positivas no seu curso de vida. 23.– No certificado de registo criminal do arguido ..., para além das condenações supra referidas, consta ainda uma condenação na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pela prática em 9.04.2007 de um crime de condução sem habilitação legal, pena que já se encontra extinta. 24.– O arguido ... desenvolveu-se num contexto familiar disfuncional, em bairro socialmente degradado, convivendo com grupos de pares que desde cedo assumiram registo comportamental desviante, iniciando consumos de estupefacientes aos 14 anos e pouco mais tarde consumo excessivo de álcool. 25.– Na data dos factos residia no agregado familiar de origem, de onde nunca se desvinculou, sendo sua mãe a figura familiar de referência e apoio. 26.– Mantinha-se profissionalmente inactivo, com um quotidiano desestruturado. 27.– O arguido apresenta um funcionamento permeável à influência de terceiros e do meio social envolvente, evidenciando fraca motivação para um modo de vida socialmente integrado. 28.– O arguido possui o 4.º ano de escolaridade. 29.– Já esteve integrado em meio prisional na sequência de condenações por crimes de condução sem habilitação legal e roubo. 30.– Todavia, presentemente não tem qualquer condenação averbada no seu certificado de registo criminal. *** Factos não provados: Com relevância para a decisão a proferir, não se provou que: a)- Foi o arguido ...quem recebeu do indivíduo não identificado referido nos factos provados a nota com valor facial de €20,00; b)- Na data dos factos o arguido ...não mantinha actividade profissional remunerada. *** IV–Fundamentação probatória: O Tribunal a quo justificou a aquisição probatória nos seguintes termos: «(…). No caso em apreço, o tribunal fundou a sua convicção quanto à factualidade apurada na análise crítica da prova documental constante dos autos, designadamente o auto de notícia de fls. 2-3, os autos de apreensão de fls. 10 e 11 (devidamente assinados pelos arguidos), a certidão judicial de fls. 68-88, os relatórios sociais de fls. 202-203 e 207-210, bem como os CRC de fls. 184-200 e 201, prova essa que foi conjugada com o relatório pericial de exame toxicológico de fls. 102, através do qual foi possível apurar a concreta quantidade e natureza da substância apreendida ao arguido ... Jau. O arguido ... optou por não prestar declarações, sendo que ...prestou no final da produção de prova, negando que estivesse a vender o produto estupefaciente que detinha, afirmando que se destinava apenas ao seu consumo pessoal e de amigos (o que só por si já era crime, considerando que o tipo legal basta-se com a cedência gratuita). Todavia, as declarações do arguido não nos mereceram qualquer credibilidade, tendo sido claramente infirmadas pelos depoimentos de R...S... e S...D..., agentes da PSP. Com efeito, as identificadas testemunhas prestaram depoimentos seguros e que se reputaram isentos, explicando com rigor e encadeamento lógico a acção de vigilância que efectuaram nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação, observação que perdurou por cerca de cinco minutos a partir de local com visibilidade para o ponto por onde circulavam os arguidos, situado a cerca de 5-7 metros. Descreveram de forma clara a postura adoptada por cada um dos arguidos durante esse período, circulando por ambas as ruas, afastando-se e aproximando-se um do outro e por várias vezes, trocando algumas palavras, explicando ainda que nesse período foram abordados alguns transeuntes, até que a dado momento um transeunte que encetou diálogo com o arguido ...foi com este até junto do arguido .... Neste ponto, ambas as testemunhas descreveram de forma encadeada e minuciosa o que viram ... entregar ao referido indivíduo – uma embalagem pequena contendo algo de cor castanha, que esse arguido retirou de uma pequena bolsa preta, embalagem essa em tudo semelhante àquelas que, pouco depois, apreenderam ao arguido ..., dentro da referida bolsa – sendo que esse indivíduo de imediato entregou ao arguido ...um papel dobrado em tons azul, que aparentava ser uma nota de € 20, “papel” que o arguido ...guardou na bolsa que trazia à cintura, sendo que aquando da sua detenção e revista tinha uma nota de € 20 nesse mesmo local, afastada da restante quantia monetária, que também concretizaram, explicando que foi essa actuação dos arguidos com o referido indivíduo que levou a que os interpelassem, não tendo sido possível reter o referido comprador, porquanto eram apenas dois agentes, optando, naturalmente, por reter os dois suspeitos, como se impunha perante aquele número de efectivos policiais. Para além do exposto, explicaram ainda o que foi apreendido a cada um dos arguidos e como procederam à sua identificação, tudo vertido nos elementos documentais constantes dos autos, não se suscitando qualquer reserva quanto ao facto de serem os arguidos as pessoas que foram vigiadas e depois detidas pelos referidos agentes. Por outro lado, também nenhuma dúvida subsistiu quanto ao facto de a embalagem entregue pelo arguido ... ao indivíduo não identificado conter efectivamente haxixe (resina de canábis). Com efeito, importa ter presente o quadro de normalidade e as regras da experiência comum que devem pautar o pensamento judiciário e o comportamento social, sendo que não se apresentaria minimamente lógico que o arguido detivesse numa bolsa várias embalagens em tudo idênticas àquela que entregou ao referido indivíduo em troca de uma nota de € 20,00, que todas as embalagens que conservou consigo contivessem resina de canábis e apenas a única que não foi possível apreender – pelas razões já expostas – com características em tudo semelhantes, não contivesse idêntica substância. Assim, e ainda que tal não se afigurasse essencial para o preenchimento do tipo legal (pois que bastaria a mera detenção com intenção de cedência a “amigos”), nenhuma dúvida subsistiu quanto ao facto de os arguidos, de conluio entre si e em concertação de condutas, estivessem a dedicar-se à venda daquela substância estupefaciente, tendo efectuado pelo menos um concreto acto de venda, o que determinou a decisão do tribunal quanto à factualidade dada como provada. Acresce que ambos os arguidos sabiam, como é evidente, que a cedência e venda de resina de canábis a terceiros configura uma conduta proibida e criminalmente punida, o que se concluiu de acordo com um juízo de verosimilhança, assente nas regras da experiência comum, no confronto com a demais factualidade objectiva apurada, pois como refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4.05.1994 (disponível em www.dgsi.pt), o dolo não é susceptível de apreensão directa por pertencer ao foro íntimo de cada um, pelo que só poderá ser captado através de presunções legais, em conexão com o princípio da normalidade e as regras da experiência que permitam inferi-lo a partir de factos materiais comuns, entre os quais avulta o preenchimento da materialidade da infracção. No que concerne à factualidade dada como não provada, resultou a mesma de se ter provado realidade diversa quanto ao constante da alínea a), e da insuficiência probatória verificada quanto à alínea b).» *** V–Fundamentos de direito: 1–Da nulidade e inconstitucionalidade, nos termos do disposto no artº 120º/2, alínea d), do CPP, e 32º/1, da CRP, do despacho que indeferiu o requerimento de prova em face da alteração não substancial comunicada e da nulidade e inconstitucionalidade, nos termos do disposto no artº 119º/e), do CPP e 32º/1, da CRP, do despacho que negou a apensação com o proc. nº 41/17.9PCLSB: O recurso interposto pelo arguido ... visa apenas, e como ele próprio referiu, a «douta sentença proferida em primeira instância que julgou a acusação procedente». As questões em análise foram decididas por despacho, proferido a folhas 259 e 260, datado de 5/9/2017, sendo que, uma vez arguida a inconstitucionalidade do despacho, esta foi indeferida por despacho de 6/9/2018 - tudo conforme consta do processo - sendo que na sentença proferida nada se decide acerca do assunto. Daqui resulta que o recurso em causa não abrange o despacho onde foram proferidas as decisões agora questionadas, pelo que este Tribunal está impedido de se pronunciar sobre as mesmas. *** 2–Do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada: O recorrente ...entende que por não se terem provado os factos contidos nos pontos 1 a 4 dos factos considerados provados, a sentença padece do referido vício. E entende que não se provaram tais factos porque «in casu, o tribunal a quo esteve limitado no tocante a meios de prova, podendo apenas socorrer-se da descrição de quem observava os arguidos à distância. Por mais precisos que se considerem os testemunhos, eles descrevem apenas uma embalagem em tudo semelhante àquelas que, pouco depois, apreenderam ao arguido .... Sendo essa semelhança atestada por quem assistia 5-7 metros de distância. Note-se que arguidos não estão sequer conotados com essas práticas nem têm antecedentes criminais dessa natureza.(…) O Tribunal a quo não tem onde alicerçar qualquer certeza, para lá da dúvida séria e insanável por recurso aos meios de prova oferecidos e produzidos, o que, em obediência ao princípio "in dubio pro reo", corolário do princípio constitucionalmente consagrado da presunção de inocência do arguido (art° 32° n.° 2 da Constituição da República), sempre impediria que se considerasse provada a prática de tais factos pelo(s) arguido(s). Verifica-se, pois, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Mais concretamente, insuficiência para que se dê por provados os factos 1 e 4 vertidos na sentença recorrida». A alegação é manifestamente improcedente porque: - Os fundamentos da impugnação não se adequam à conclusão. O facto de a transacção ter sido presenciada a 5/7 metros não inquina a validade dos depoimentos dos agentes que a viram e que, depois de abordados os arguidos, verificaram que um deles tinha consigo as embalagens de haxixe para vender e o outro, o recorrente, o dinheiro da venda, estando os 20 euros que o viram receber apartados do demais dinheiro que continha consigo. - O Tribunal não demonstrou qualquer dúvida na fixação de tais pontos do provado, mediante fundamentação perfeitamente adequada, sendo que o princípio do in dubio apenas significa que, na dúvida sobre a ocorrência de determinado facto desfavorável ao arguido, o Tribunal tem que o considerar não provado. Não se revelando a existência de qualquer dúvida quanto aos factos descritos, quer na instância recorrida quer em sede de adequação do provado à fundamentação, impõe-se a consideração de que o princípio foi respeitado, em toda a sua dimensão. - Uma pretensa violação do in dubio não é fundamento da verificação do vício da insuficiência da prova para a decisão sobre a matéria de facto. Quanto muito, a verificar-se, seria fundamento para um erro notório na apreciação da prova, vício que tem a ver com a aptidão da fundamentação da aquisição probatória à consideração sobre se determinados factos se encontram, ou não, provados. Existe erro notório na apreciação da prova quando, considerado o texto da decisão recorrida, por si, ou conjugado com as regras de experiência comum, se evidencia um erro de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum ou do jurista com preparação normal (artº 410º/2-c), do CPP). Ocorre o vício apenas quando se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica normal, traduzam uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta ([3]), quando se violam as regras sobre prova vinculada ou de «leges artis» ([4]), ou quando resulta do próprio texto da motivação da aquisição probatória que foram violadas as regras do «in dubio» ([5]). - O pretenso defeito na apreciação da prova, nos termos exarados pelo recorrente, jamais poderia integrar o vício que invocou, da insuficiência da prova para a decisão sobre a matéria de facto, porque esse vício não tem que ver com um erro de julgamento mas, pelo contrário, com a situação em que, em face do texto da decisão recorrida, de per se, ou em conjugação com as regras de experiência comum, a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito encontrada. Isto pode ocorrer porque não foi investigada toda a matéria de facto com relevo para a decisão da causa (matéria essa que se confina à factualidade colocada à apreciação do julgador, por estar contida na acusação, no pedido civil ou nas contestações aduzidas ou resulte da discussão da causa) ou ainda porque não se investigaram factos que deviam ter sido apurados na audiência, tendo em vista a sua importância para a decisão (por exemplo, para a escolha ou determinação da pena). Ou seja, o vício ocorre quando o Tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa materialidade não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à sua apreciação, por faltarem elementos necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição ([6]). Por outras palavras, aí, os factos provados são insuficientes para fundamentar a solução de direito encontrada, sendo que, no cumprimento do dever da descoberta da verdade material, o Tribunal poderia e deveria ter procedido a mais profunda averiguação, de modo a alcançar, justificadamente, a solução legal e justa ([7]),([8]). Ora o que o recorrente entende é que, tendo sido produzida toda a prova necessária e adequada os factos não deveriam ter sido provados – o que é realidade oposta à falta de produção de toda a prova adequada à investigação dos factos contidos na acusação. *** 3–Da falta de verificação dos pressupostos de que depende a consideração do arguido ... como reincidente, nos termos dos artigos 75º e 76º, do CP: O recorrente ... entende que não pode ser condenado como reincidente porque «de toda a factualidade dada como provada não constam factos dos quais se pode retirar a ilação que a sua recidiva se explica por o Recorrente não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado, afastando-se uma eventual situação de delinquência pluriocasional, resultante de factores exógenos, como por exemplo a sua degradação económica. Não existem factos dados como provados, designadamente a nível da motivação para a prática dos factos, de ausência voluntária de hábitos de trabalho e sobre a personalidade do Recorrente, que permitam concluir que entre os crimes pelos quais cumpriu prisão até 11/01/2016, e o crime de tráfico de estupefacientes aqui em apreciação, existe uma íntima conexão, nomeadamente a nível de motivos e forma de execução, relevantes do ponto de vista da censura e da culpa, que permita concluir que a reiteração radica na personalidade do Recorrente, onde se enraizou um hábito de praticar crimes, e a quem a anterior condenação em prisão efectiva não serviu de suficiente advertência contra os mesmos, e não um simples multiocasional na prática de crimes em que intervêm causas fortuitas ou exógenas. Tudo isto, à luz de uma interpretação do artigo 75º, nº 1 do Código Penal que se coaduna, não apenas com a orientação predominante da nossa doutrina e jurisprudência, mas também com a sensibilidade da matéria em questão, e a exigência e rigor que devem ser empregues na aferição da existência, ou não, de uma íntima conexão entre os vários crimes pelos quais o agente é condenado, para efeitos de aplicação da figura da reincidência. Por outro lado, uma interpretação deste mesmo preceito segundo a qual a demonstração da existência de tal conexão se baste com uma justificação meramente superficial, baseada em elementos circunstanciais, como é o caso da apresentada na douta sentença recorrida, além de ir contra o referido entendimento predominante, é mesmo inconstitucional, por violação, nomeadamente, dos artigos 18º, nº2 e 205º, nºl da Constituição da República Portuguesa. Motivos pelos quais esteve duplamente mal o Tribunal a quo, ao condenar o Recorrente como reincidente pela prática do crime que lhe foi imputado, e ao fazê-lo sem a apresentação de adequada justificação». O Tribunal justificou a condenação do arguido como reincidente nos seguintes termos: «Resulta, pois, daquele preceito legal que constituem pressupostos formais da reincidência, para além da prática de um crime, por si só ou sob qualquer forma de participação: a)- Que o crime agora cometido seja doloso; b)- Que este crime, sem a incidência da reincidência, deva ser punido com pena de prisão superior a seis meses; c)- Que o arguido tenha sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efectiva superior a seis meses, por outro crime doloso; d)- Que entre a prática dos dois crimes não tenham decorrido mais de cinco anos, impondo-se, todavia, descontar nesse período o lapso temporal em que o arguido tenha estado privado de liberdade. Além destes requisitos formais cumulativos, é ainda necessário a verificação do pressuposto material da reincidência, ou seja, exige-se que de acordo com as circunstâncias do caso, seja de censurar o agente por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime. Conclui-se, pois, que não se trata de um efeito automático das condenações anteriores, pois tem de assentar em factos concretos, dos quais se possa concluir que o condenado não interiorizou a advertência contida na anterior condenação nem se inibiu no seu propósito de voltar a delinquir. Na verdade, deve resultar a convicção de que a anterior censura não teve qualquer relevância na determinação posterior do arguido, apelando-se às regras de experiência comum para concluir, em face do comportamento revelado, que não se verificou qualquer inflexão na opção pela prática de novo ilícito. Esta ponderação poderá ser feita quanto a uma criminalidade homogénea (quando estamos na presença de crimes da mesma natureza ou tipo) ou heterogénea (crime diverso, caso em que, consoante as circunstâncias, poder-se-á afirmar a possibilidade de uma descontinuidade, ou fragmentação do sinal consubstanciado na decisão anterior, pois que o contexto em que foi produzida poderá ser substancialmente distinto). A este respeito, tal como é sustentado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.02.2012 (processo n.º 999/10.9TALRS.S1, disponível em www.dgsi.pt), “estando em causa uma reincidência homogénea, ou específica, é lógico o funcionamento da prova por presunção em que a premissa maior é a condenação anterior e a premissa menor a prática de novo crime do mesmo tipo do anteriormente praticado (…) se o arguido foi condenado anteriormente por crimes do mesmo tipo e agora volta a delinquir pela mesma prática é liminar a inferência de que foi indiferente ao sinal transmitido, não o inibindo de renovar o seu propósito de delinquir”, sendo que nos casos em que a reincidência for heterogénea tais premissas poderão falir para o funcionamento da presunção, exigindo-se, então, uma prova acrescida, entendimento jurisprudencial que se sufraga inteiramente. Ora no caso que nos ocupa, apurou-se que o arguido incorreu agora na prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, crime doloso e punido com pena de prisão superior a 6 meses, sendo que já anteriormente fora condenado pela prática de diversos crimes de distinta natureza, na sua maioria crimes de roubo, todos eles perpetrados entre os anos 2005 e 2007 e que levaram a que o arguido fosse condenado numa pena única de 10 anos e 6 meses de prisão efectiva, por acórdão cumulatório proferido no âmbito do processo n.º 378/07.5PHAMD, como se alcança da certidão de fls. 68 e seguintes. É certo que o crime em que agora vai condenado foi perpetrado em 8.09.2016, mas importa aqui considerar que o arguido esteve privado de liberdade entre 11.10.2007 e 11.01.2016, data em que lhe foi concedida liberdade condicional, lapso temporal que não poderá ser considerado para o apuramento do referido período de cinco anos, como resulta do disposto no artigo 75.º, n.º 2 do Código Penal. Resulta, assim, evidente, que estão verificados os pressupostos formais da reincidência. Por outro lado, o requisito material também se mostra preenchido, pois que logo após o cumprimento de uma pena de prisão efectiva (e longa), pela prática de diversos crimes, o arguido reiterou essa conduta criminosa, em pleno período de liberdade condicional, o que evidencia, de forma manifesta, que o arguido denota desrespeito e insensibilidade à advertência que constituíram todas as anteriores condenações, não tendo interiorizado devidamente o juízo de censura subjacente às mesmas, não se inibindo de renovar o seu propósito criminoso menos de um ano após ser colocado em liberdade condicional. Em face do exposto, conclui-se que estão preenchidos todos os pressupostos formais e material da reincidência (…)». Em face do transcrito resulta evidente que o Tribunal recorrido considerou o arguido reincidente apenas e exclusivamente em face de ter voltado a delinquir menos de um ano depois de ter beneficiado de liberdade condicional. Não cremos que tal fundamentação seja suficiente e adequada à conclusão retirada – tal como refere o recorrente – o que não quer dizer que não ocorram factos efectivamente determinantes da existência de uma situação de reincidência. Senão vejamos: Nos autos, ocorrem todos os pressupostos formais de que depende a verificação da reincidência. Quanto ao pressuposto material a acusação limita-se a referir qual a natureza dos crimes pelos quais o arguido foi condenado, em cúmulo, na pena de 10 anos e 6 meses de prisão, pena essa que estava a cumprir já em fase de liberdade condicional. Neste capítulo transcrevemos, em adaptação ao caso, aquilo que a propósito se referiu no acórdão do STJ ([9]), o que torna fácil a percepção não só do raciocínio subjacente à decisão, mas também a adequação da mesma a uma jurisprudência desde há tanto firmada. A punição agravada pela reincidência só tem lugar «se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime». Como refere Figueiredo Dias, ob. cit., 268, «é no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente». E, continua o mesmo Mestre, «o critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa [homogénea ou específica], exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa. Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias (…) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de actuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores. Mas já relativamente a factos de diferente natureza [reincidência polítropa, genérica ou heterogénea] será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível. Desta maneira, …, é… a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel». Esta doutrina tem sido sufragada, sem dissidências, pelo Supremo Tribunal de Justiça. Assim é que se tem julgado que, podendo a reiteração criminosa resultar de causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas – caso em que inexiste fundamento para a especial agravação da pena por, então, não se poder afirmar uma maior culpa referida ao facto – e não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da intima conexão entre os crimes não se basta com a simples história criminosa do agente, antes exige uma «específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor» (cfr. entre outros, os Acórdãos de 28.02.07, Pº 9/07-3ª, 16.01.08, Pº 4638/07-3ª, de 26.03.08, Pºs 306/08-3ª e 4833/07-3ª, de que foi retirado o trecho transcrito, de 04.06.08, Pº 1668/08-3ª e de 04.12.08; Pº 3774/08-3ª)». Veja-se ainda, a título meramente exemplificativo, o que a propósito se tem considerado na jurisprudência e doutrina: - «A agravante da reincidência, que jamais pode ser aplicada de forma automática, assenta, essencialmente, numa maior culpabilidade e censurabilidade do agente peio facto de, apesar de já ter sido anteriormente condenado, insistir em praticar novo crime, persistindo em delinquir. Deverá poder concluir-se que o agente foi insensível à censura contida na(s) anterior(es) condenação(ões) e, por isso, deve ser mais severamente punido. A jurisprudência é uniforme no sentido de que, para poder operar a reincidência, se exige uma "específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor. Há que distinguir o reincidente do delinquente multiocasional. Este reitera na conduta devido a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não radicam na sua personalidade. Aquele tem personalidade propensa à prática de determinado tipo de factos ilícitos e típicos, sendo indiferente às condenações judiciais» ([10]). - «Como advertem os Cons. Simas Santos e Leal Henríques, “a prática do segundo crime pode não indiciar desrespeito peia condenação anterior, a reiteração criminosa pode ficar a dever-se a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas. Em tal caso não deve haver lugar a agravação, uma vez que não pode afirmar-se uma maior culpa referida ao facto. Por esta via de agravação ope judieis, exclui-se a delinquência pluriocasional do âmbito da reincidência". Dito de outro modo, podendo a reiteração criminosa resultar de causas meramente fortuitas, ou exclusivamente exógenas e não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da intima conexão entre os crimes não se basta com a simples remissão para o CRC do arguido, «exigindo-se uma «específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor» ([11]). - «Quando, pois, a reiteração fique a dever-se a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas não deve ter lugar a agravação»; «Este elementos material deve ser provado de acordo com as regras gerais do processo, não havendo qualquer presunção, mesmo ilidível, de que a anterior condenação não serviu ao delinquente de prevenção contra o crime» ([12]). Para proceder a reincidência será, então, necessário, além da verificação dos respectivos pressupostos formais, que haja factualidade demonstrativa de que o arguido não sentiu as anteriores condenações como suficiente advertência para não delinquir (trata-se fundamentalmente de prevenção especial), exigindo-se que, atentas as circunstâncias do caso, ocorra uma íntima conexão entre os crimes reiterados, adequadamente relevante em termos de censura e de culpa. Faz-se assim a exigência da concreta verificação do funcionamento desta qualificativa, o que implica indagação da correspondente matéria de facto. Só através da análise do caso concreto, do seu específico enquadramento, de uma avaliação judicial concreta das circunstâncias que enformam a vivência do arguido no período em causa, se poderá concluir estarmos, ou não, perante um caso de culpa agravada, ou antes, face a uma falta de fundamento para a agravação da pena, por se estar perante simples pluriocasionalidade. A pluriocasionalidade ocorre quando a reiteração na prática do crime seja devida a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não radicam na personalidade do agente. Trata-se de repetição, de renovação da actividade criminosa meramente ocasional, acidental, esporádica, em que as circunstâncias do novo crime não revelam maior culpabilidade e em que, consequentemente, desaparece a indiciação de especial perigosidade, normalmente resultante da reiteração dum crime. Apenas a pluriocasionalidade fica atestada, certificada, face à mera constatação da “sucessão” de crimes, o que é um menos em relação à reincidência, cuja certificação está dependente de concreta apreciação em sede de decisão judicial. Revertendo ao caso concreto, o recorrente invoca como causa do cometimento deste crime a vontade de conseguir um lucro, em face da debilidade da sua situação económica. Na verdade, a de uma vantagem patrimonial é o motivo determinante da prática dos crimes de tráfico. Obtenção ilícita, criminalmente punida. Precisamente da mesma forma que o roubo que, também ele, visa a obtenção de uma vantagem patrimonial. Este é o motivo - e o motivo comum, pelo qual o recorrente reclamou - subjacente a ambos os tipos de crime. Para o caso é indiferente o facto de o recorrente ter dificuldade de arranjar emprego perante a sua permanência no país sem autorização, ou não, porque tal se deve a responsabilidade sua. Por um lado, deixou caducar a autorização de residência, por outro, cometeu crimes tais que determinaram a suspensão do processo de legalização, que, conforme resulta do provado, aguarda a definição da sua situação jurídico-penal. O arguido só de si se pode queixar. Tivesse cuidado da sua legalização permanente e do respeito pelas regras sociais mais básicas dos país que o acolheu desde tenra idade e nenhum obstáculo se lhe colocava à integração laboral e social. Temos assim por assente que o arguido deve ser considerado reincidente. A reincidência implica o agravamento do limite mínimo da pena em um terço, desde que tal não exceda a medida da pena mais grave aplicada em condenações anteriores, porque neste caso será esse o agravamento a considerar (artº 76º/CP). No caso do arguido temos que a pena aplicável ao crime é 1 a 5 anos de prisão e a pena agravada pela reincidência é de 1 ano e 4 meses a 5 anos de prisão, sendo que os 4 meses de agravação são inferiores à pena mais grave aplicada nas condenações anteriores, objecto de cúmulo, que implicam a existência dessa reincidência. *** 4–Da desproporção das penas aplicadas: Ambos os recorrentes entendem que as penas que lhes foram aplicáveis são desproporcionadas. O recorrente ...fundamenta dizendo que «haverá que considerar que: - só ficou registada uma única transacção; - o produto transaccionado seria haxixe (produto de menor toxicidade), sendo por isso reduzida a ilicitude; - o valor da transacção foi de 20,00€, que não poderá sequer considerar-se benefício económico (na vertente de lucro ou mais-valia) pois desconhece-se o valor de aquisição do produto; - a integração familiar do recorrente; - o nível de participação do recorrente: apenas recebeu a nota de 20,00€; - inexistência de condenações averbadas no registo criminal do recorrente. A desproporção desta condenação torna-se mais evidente quando comparada com a pena aplicada ao co-arguido [também ela já excessiva, diga-se]. À data dos factos, o co-arguido encontrava-se em liberdade condicional após o cumprimento de mais de 8 (oito) anos de prisão. Tendo sido condenado como reincidente, a sua pena é de 2 anos de prisão [efectiva]. Acresce que penas suspensas na execução são, por norma, cumpridas na sua totalidade enquanto que uma pena de prisão admite liberdade condicional: ou seja, em teoria, o co-arguido reincidente poderá até ser restituído à liberdade bem antes do aqui recorrente se “libertar” do seu regime de prova. Inexistem razões para que a pena se afaste do limite mínimo em tão grande medida». O recorrente ... refere que «atendendo à quantidade e à natureza do produto estupefaciente em causa canábis (resina) - cujo grau de pureza, refira-se, não foi determinado, (…)- afigura-se diminuta a gravidade do crime cometido, pelo que a aplicação de uma sanção de privação de liberdade é manifestamente excessiva e torna o caso como uma situação de "pescadinha de rabo na boca", porquanto, não sendo permitida a ressocialização, do Arguido volta ao caminho de regresso: a prisão, com tudo o que de mal tem esse resultado para o futuro de um jovem como é o Arguido que, a ser assim, corre o sério risco, de permanecer eternamente preso. Há que sancionar o Arguido, mas fazendo-o em demonstração do que fez de errado, não recambiá-lo de imediato, perante uma caso que se afigura de gravidade muito reduzida, para a prisão, quando se conhecem, por serem do domínio público, casos muito graves de branqueamento de capitais, peculato, mesmo tráfico de droga, em que os arguidos são condenados a 4 ou 5 anos de prisão com a suspensão da respectiva execução... Parece que a prevenção especial fica apenas para casos simples como aquele pelo qual o Recorrente foi condenado, o que destorce o sentimento jurídico de necessidade de efectiva punição de quem pratica verdadeiros casos graves, mas que vêm a sua pena elevada suspensa na sua execução». A sentença recorrida fundamentou as penas aplicadas nos seguintes termos: «em concreto, contra os arguidos depõe: o grau de ilicitude do facto, que se situa num nível mediano (sopesando a quantidade de estupefaciente, sua toxicidade e a existência de concreto acto de venda); a culpa assumiu a modalidade de dolo directo e intenso. Contra ...depõem ainda os seus antecedentes criminais, sendo certo que quanto ao arguido ... não tem neste momento condenações averbadas. A favor dos arguidos milita apenas a ténue inserção familiar de que beneficia ... Jau, que recebe algum apoio económico de sua mãe e irmã, residentes no estrangeiro, acompanhamento familiar que se mostra mais consistente quanto ao arguido ..., que integra o agregado familiar de sua mãe, que o apoia no dia-a-dia. Nestes termos, tudo visto e ponderado, tendo presente as concretas necessidades de prevenção geral e especial relativas a cada um dos arguidos, as agravantes e atenuantes referentes a cada um, impondo-se ainda considerar as diferentes molduras penais decorrentes da condenação de ...como reincidente, tem-se por justo e adequado condenar os arguidos nas seguintes penas: - O arguido ...na pena de 2 (dois) anos de prisão; - O arguido ... na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão». Nos termos do artº 40º/CP, «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» (nº 1), sendo que «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» (nº 2). Com efeito, a partir da revisão do Código Penal, de 1995, a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena. É este o critério da lei fundamental – artº18º/ 2, da CRP – e que foi assumido pelo legislador penal ([13]). O limite máximo da pena fixar-se-á, necessariamente, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que, social e normativamente, se imponham. O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos. Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para dar resposta às necessidades da reintegração social do agente. Refere Claus Roxin, em consonância com os princípios basilares no nosso direito penal, que «a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação revelem como desenlace uma detenção mais prolongada. A sensação de justiça, à qual corresponde um grande significado para a estabilização da consciência jurídico-penal, exige que ninguém possa ser castigado mais duramente do que aquilo que merece; e “merecida” é só uma pena de acordo com a culpabilidade. Certamente a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, que também limita a pena pela medida da culpabilidade, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva. A pena serve os fins de prevenção especial e geral. Limita-se na sua magnitude pela medida da culpabilidade, mas pode fixar-se abaixo deste limite em tanto quanto o achem necessário as exigências preventivas especiais e a ele não se oponham as exigências mínimas preventivas gerais» ([14]). Ou seja, a culpa estabelece o máximo inultrapassável de pena concreta que é possível aplicar. A moldura de prevenção, por sua vez, é definida entre o limiar mínimo - abaixo do qual não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr em causa a sua função tutelar de bens jurídicos e a estabilização das expectativas comunitárias - e a medida máxima e óptima de tutela dos bens jurídicos e das mencionadas expectativas. Dentro desses limites relevam as exigências de prevenção especial de socialização, visando atingir a desmotivação adequada para evitar a recidiva por parte do agente, bem como a sua ressocialização ([15]). Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, adequada à culpa revelada – que fixa o máximo inultrapassável – ela deve corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade. Há que ter em atenção, porém, que aquilo que é “merecido” não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral ([16]). Ao definir a pena o julgador deve procurar entender a personalidade do arguido, para mais adequadamente determinar o seu desvalor ético-jurídico e a desconformidade com a personalidade suposta pela ordem jurídico-penal, exprimindo a medida dessa desconformidade a medida da censura pessoal do agente, e, assim, o critério essencial da medida da pena. Na sub-moldura da prevenção geral pesa, de sobremaneira, a importância dos bens jurídicos a proteger, desempenhando uma função pedagógica através da qual se procura dissuadir as consequências nocivas da prática de futuros crimes e conseguir o reforço da crença colectiva na validade e eficácia das normas, em ordem à defesa da ordem jurídica penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva. Por sua vez, a prevenção especial positiva ou de socialização responde à necessidade de readaptação social do arguido. Isto é, abstractamente a pena é definida em função da culpa e da prevenção, intervindo, ainda, circunstâncias que não fazem parte do tipo, mas que atenuam ou agravam a responsabilidade do agente – art. 71º/1 e 2 do C. P. Ora, explicitados os procedimentos próprios da aplicação de uma pena, que carecem de transparecer do texto da decisão, para que de verdadeira fundamentação se possa tratas, vejamos o que se passa no caso dos autos. Ambos os arguidos agiram em co-autoria e mediante dolo directo. A actividade de venda a que se dedicavam não era restrita à embalagem vendida. Tinham os arguidos em seu poder várias embalagens, com um peso líquido total de cerca de 30 gramas de haxixe e 155 euros que, atenta a respectiva situação económica, só podem ser imputados ao lucro de vendas já efectuadas. Os antecedentes criminais do arguido ..., uma vez considerados para efeitos de reincidência, não podem ser aqui duplamente valorados, a não ser no reporte à medida da pena que lhe é aplicável. Contudo, há que perceber que o arguido ... aos 28 anos de idade tinha cumprido cerca de 8 anos de uma pena de prisão por uma série de crimes, que praticou desde os 17 anos de idade, ou seja, mal atingiu a maioridade penal. O arguido ...já tinha estado preso, sendo que há data tinha 36 anos de idade. Ambos os arguidos são economicamente desfavorecidos, o que não afectando o dolo mitiga a culpa em crimes em que está, unicamente, em causa a obtenção de lucro. Acerca de ambos se prova que nunca estiveram laboralmente activos, tendo o arguido ... estado sujeito a medida tutelar educativa de internamento em centro educativo, enquanto menor, o que indicia que já passou uma boa parte da sua vida em situação de privação de liberdade pela prática de ilícitos. Em face do exposto, relativamente a ambos os arguidos entende-se que as penas aplicadas são inteiramente adequadas, quer à culpa manifestada na execução do crime, quer às necessidades de prevenção geral e especial, aferidas em face do provado quanto à respectiva personalidade. Tais penas já se encontram suficientemente perto do mínimo da moldura penal aplicável a cada um para poder sofrer de redução. *** 5–Inexistência de fundamento para fazer depender a suspensão da pena de uma sensibilização para o consumo de droga. Entende o arguido ...que não há fundamento para fazer depender a suspensão da pena de uma sensibilização para o consumo de droga. Esquece-se, seguramente, do que se provou a tal propósito, descrito no ponto 24 do provado. O que aí se descreve não é uma qualquer problemática aditiva mas uma séria problemática aditiva, na vertente de estupefacientes e álcool, que dura desde os 14 anos de idade e que, vista pela perspectiva da normalidade, ou seja, da experiência comum, é, provavelmente, o factor decisivo para a sua não integração no mundo laboral. Pretende-se que funcione, neste particular, a função restauradora das medidas penais, impondo ao agente a possibilidade de perspectivar a sua conduta segundo parâmetros de normalidade social que, se é que alguma vez equacionou, não logrou assumir como forma de controle da sua dessocialidade. *** VI–Decisão: Acorda-se, pois, negando provimento ao recurso, em manter a decisão recorrida nos seus precisos termos. Custas de cada recurso por cada um dos recorrentes, com taxa de justiça de 3 ucs. *** Lisboa, 07/ 02/2018 (Maria da Graça M. P. dos Santos Silva) – (Texto processado e integralmente revisto pela relatora). (A.Augusto Lourenço) [1]Cf. Germano Marques da Silva, em «Curso de Processo Penal», III, 2ª edição, 2000, pág. 335, e Acs. do S.T.J. de 13/5/1998, em B.M.J. 477-º 263; de 25/6/1998,em B.M.J. 478º-242 e de 3/2/1999, em B.M.J. 477º-271. [2]Cf. Artºs 402º, 403º/1, 410º e 412º, todos do CPP e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R., I – A Série, de 28/12/1995. [3]Cf. Ac. do STJ, de 24.03.2004, proferido no processo nº.03P4043, em www.dgsi.pt. [4]Cf. AC RP de 2/2/2005, no proc. 0413844; da R.G, de 27/6/2005, no proc. 895/05-1ª. [5]CF ac. STJ 3/3/99, proc. 98P930, da RG. de 27/4/2006, proc. 625/06. [6]Cf. Ac. STJ de 15.1.98, proc.1075/97, acessível em www.dgsi.pt. [7]Cf. Acs. do STJ de 20.04.2006, no proc.nº.06P363, e de 16.04.1998, em www.dgsi.pt; [8]Cf. Ac.STJ de 2.6.99, proc.288/99, acessível em www.dgsi.pt. [9]Cfr acórdão do STJ no proc. 159/08.9PQLSB.S1, de 18/06/2009. [10]Cfr Ac. do TRP, de 06/02/2013, no processo 623/12.5PPPRT.P1. [11]Cfr. TRC, de 30/05/2012, processo nº 68/10.1GAVGS.Cl [12]Eduardo Correia, em Actas do CP, 1965 b, 146 a 148. [13]Cf. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal (2001), 104/111. [14]Cf. Derecho Penal- Parte General, I, (tradução da 2ª edição Alemã e notas por Diego-Manuel Luzón Pena, Miguel Díaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas),, pág. 99/101 e 103. [15]Cf. Figueiredo Dias, em As consequências jurídicas do crime, 1993, p. 238 e ss. [16]Cf. Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevencion En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98. |