Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
714/11.0TTALM.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: EMPRESA PÚBLICA
ESTATUTO DA APOSENTAÇÃO
REGIME DE INCOMPATIBILIDADES
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: 1- Verificando-se que a apelada, à data dos factos, era constituída por capitais maioritariamente públicos dever-se-á qualificar como empresa pública sob a forma privada ( e não empresa participada). 
         2- O 78º, nº1 do Estatuto da Aposentação ( na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 137/2010, de 28 de Dezembro) alude, de forma clara e inequívoca,  às “empresas pública” e não exige para efeitos de integração no referido preceito legal que os estatutos da empresa ou a lei prevejam que o capital social da empresa deva pertencer exclusiva ou maioritariamente a entidades públicas.
         3- Esta interpretação não viola os princípios da segurança jurídica e da igualdade.
         4- O art. 78º, nº3  do Estatuto da Aposentação ( na redacção dada pelo Decreto- Lei nº 137/2010) adopta um conceito amplo de “funções públicas”, no qual estão incluídos todos os tipos de actividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração e todas as modalidades de contratos  ( de natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços).
      5- A interpretação do regime de incompatibilidades constante dos arts.  78º e 79º do Estatuto da Aposentação ( na redacção indicada) da qual resulte a aplicação deste regime ao ora recorrente não contraria os princípios da confiança ( art. 2º da Constituição da República Portuguesa), da segurança no emprego e da proibição de despedimento sem justa causa ( art. 53º da CRP), da  irredutibilidade da retribuição, do trabalho igual salário igual ( art. 59º da CRP), da igualdade e da livre concorrência.
         (Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam os juízes na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
              
               I- Relatório
                                                                      
AA instaurou a presente acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho contra BB, S.A., alegando em síntese :
(…)
O A. concluiu, pedindo:
- Que se julgue verificada a justa causa de resolução do contrato que ligava o autor à ré;
- Que a ré seja condenada a pagar-lhe, as seguintes quantias:
a) 5.941,60 euros, a título de retribuição dos meses de Janeiro e Fevereiro de 2011;
b) 3.218,10 euros, a título de abonos não pagos de Dezembro a 2010 a Fevereiro de 2011;
c) 3.041,54 euros, a título de subsídio de férias vencidas em 01-01-2011;
d) 1.857,22 euros, a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal prestado pelo trabalho prestado em 2011;
e) 39.418,36 euros, a título de indemnização por antiguidade, nos termos do artigo 396.º do Código de Trabalho;
f) 15.000,00 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
g) Os juros legais desde a data do vencimento de cada uma das obrigações até integral pagamento.
Originariamente, interpuseram a acção igualmente JMB e HLCV, mas quanto aos mesmos a instância extinguiu-se por transacção de fls. 325 e 326.
Foi realizada audiência de partes na qual não se logrou obter a conciliação entre o  autor e a ré.
A ré apresentou contestação, alegando em síntese:  
(…)
Concluiu peticionando que seja absolvida do pedido.
*
                                                                      
       Após realização da audiência de discussão e julgamento foram considerados provados os seguintes factos :
            (…)
Com base nestes factos, o Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão:
« Pelo exposto julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Reconhece-se que resolução do contrato de trabalho realizada pelo autor foi realizada com justa causa, mas sem concessão de indemnização;
b) Absolve-se a ré dos restantes pedidos, por improcedentes.
*
Custas do pedido a cargo do autor - artigo 446º do Código do Processo Civil e
artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, por referência à tabela I-A».


            O A. recorreu e formulou as seguintes conclusões:
            (…)

A apelada contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
            (…)

A Exmª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
                                               *
II- Importa solucionar as seguintes questões:

1ª- Se a decisão sobre a matéria de facto deverá ser alterada, no que tange às alíneas i) a p);
2ª- Se a apelada, à data dos factos em apreço, deveria ser qualificada como empresa pública;
3ª - Se a apelada, à data dos factos em apreço, deveria ser qualificada como empresa pública para efeitos de aplicação do regime de incompatibilidades constante dos arts. 78º e 79º do Estatuto da Aposentação ( na redacção dada pelo Dec-Lei nº 137/2010, de 28 de Dezembro) ou se deverá ser defendida posição contrária de acordo com os princípios da segurança jurídica (por os estatutos e a lei não estabelecerem que o capital social da apelada tivesse de pertencer exclusiva ou maioritariamente a entidades públicas) e da igualdade;
4ª - Se o recorrente não exercia  “funções públicas” para os efeitos indicados, mas sim funções de natureza técnica;
5ª- Se a interpretação do regime de incompatibilidades constantes dos arts. 78º e 79º do Estatuto da Aposentação da qual resulte a aplicação deste regime ao recorrente ( que trabalhava para a apelada desde 2002) é inconstitucional,  por contrariar os princípios da confiança ( art. 2º da Constituição da República Portuguesa), da segurança no emprego e da proibição de despedimento sem justa causa ( art. 53º da CRP);
6ª- Se a suspensão do vencimento do recorrente viola o princípio da irredutibilidade da retribuição e o princípio trabalho igual salário igual ( art. 59º da CRP), bem como, no mercado empresarial, os princípios da igualdade e da livre concorrência;
7ª- Se o apelante deverá ser indemnizado, por a apelada ter violado, de forma culposa, a obrigação de pagamento da retribuição;
8ª- Se deverá ser atribuída ao apelante uma indemnização por danos não patrimoniais;
9ª- Se assiste ao apelante o direito às retribuições peticionadas.

                                                           *
III- Apreciação

Vejamos, em primeiro lugar, a primeira questão supra enunciada :  Se a decisão sobre a matéria de facto deverá ser alterada, no que tange às alíneas i) a p).
(…)
                                               *
Os factos provados são, assim, os seguintes:
(…)
                                                           *
Passemos, agora, à 2ª questão colocada : apurar, à luz do regime jurídico que regula o sector empresarial do Estado, se a apelada, à data dos factos em apreço, deveria ser qualificada como empresa pública.
Acerca da evolução histórica das empresas públicas em Portugal, refere o prof. Freitas do Amaral in “Curso de Direito Administrativo”, 3ª edição, página 389, que deveremos distinguir três períodos bem distintos:
«- Antes do 25 de Abril de 1974:
- De 25 de Abril de 1974 até 1999;
- De 1999 em diante.
Até ao 25 de Abril de 1974, as empresas publicas eram poucas e vinham do passado setecentista. Algumas foram criadas por transformação de velhos serviços públicos tradicionais, para obter ganhos de eficiência e produtividade.
Com a Revolução, muitas empresas privadas foram nacionalizadas e converteram-se, por isso, em empresas públicas. Outras foram criadas ex novo, ao abrigo de programas socializantes. Foi um período de 25 anos.
Mas com a entrada de Portugal para a então CEE, em 1 de Janeiro de 1986, com a moda das privatizações nas décadas de 80 e 90, e com a aplicação na ordem interna das directivas comunitárias e dos mecanismos de defesa da concorrência, a situação modificou-se por completo.
  No segundo período considerado, o estatuto jurídico das empresas públicas constava do Decreto-lei nº 260/76 de 8 de Abril. O terceiro período (…) começou com a revogação desse diploma e a substituição pelo Decreto-Lei nº 558/99, de 17 de Dezembro».
Recentemente, foi publicada o Decreto-Lei nº 133/2013, de 3 de Outubro ( que revogou o Decreto-Lei nº558/99). Este último diploma entrou em vigor sessenta dias a contar da sua publicação ( art. 75º).
 Conforme resulta do disposto no art. 12º, nº1 do Código Civil,  « a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular».
Os factos em apreço reportam-se ao período de vigência do Decreto-Lei nº 558/99, pelo que será este o diploma aplicável ao caso subjudice.
O Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril considerava, no artigo 1.º, como empresas públicas «as empresas criadas pelo Estado com capitais próprios ou fornecidos por outras entidades públicas, para a exploração de actividades de natureza económica ou social, tendo em vista a construção e desenvolvimento de uma sociedade democrática e de uma economia socialista» (n.º 1); eram tidas também como empresas públicas as empresas nacionalizadas ( nº2).
Conforme refere o  parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República de 18.01.2007 ( www.dgsi.pt), o Decreto Lei nº 260/76 « adoptou, pois, em primeira linha, «uma concepção restrita de empresa pública – reconduzível aos organismos de carácter empresarial expressamente criados por acto legislativo – dela excluindo todas as empresas com forma societária, ainda que o seu capital pertencesse exclusivamente ao Estado ou a outras pessoas colectivas públicas (…)
O Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, adopta um conceito de empresa pública amplo, passando a incluir no respectivo âmbito, não só as empresas de base institucional (que passam a designar-se entidades públicas empresariais), como as empresas do tipo societário, que o Decreto-Lei n.º 260/76 remetera para o regime comum do direito comercial, o que se traduziu – como é reconhecido no preâmbulo do diploma – num significativo aumento do universo das empresas abrangidas, mas também numa maior variedade de figuras jurídicas que o integram».
O Decreto-Lei nº 558/99, de 17 de Dezembro foi alterado pelo Decreto-Lei nº 300/2007, de 23 de Agosto. Este último diploma manteve, contudo, incólume o conceito de empresa pública consagrado no art. 3º do Decreto-Lei nº 558/99.
Estabelece este último artigo, sob a epígrafe, “empresas públicas” :
1 — Consideram-se empresas públicas as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam  exercer, isolada ou conjuntamente, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante em virtude de alguma das seguintes circunstâncias:
a) Detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto;
b) Direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização.
2 — São também empresas públicas as entidades com natureza empresarial reguladas no  capítulo III.

 Conforme refere o prof. Freitas do Amaral ( op. cit., pág. 390), o sector empresarial do Estado é constituído por três espécies de empresas:
«a)- As empresas públicas sob a forma privada, que são sociedades controladas pelo Estado;
b)- As empresas públicas sob a forma pública, também chamadas “ entidades públicas empresariais”, que são pessoas colectivas públicas;
c)- As empresas privadas participadas pelo Estado, que não são empresas públicas, mas integram igualmente o SEF » .
De acordo com a noção dada pelo art. 2º, nº2 do Decreto-Lei nº 558/99, as « empresas participadas são as organizações empresariais que tenham uma participação permanente do Estado ou de quaisquer outras entidades públicas estaduais, de carácter administrativo ou empresarial, por forma directa ou indirecta, desde que o conjunto das participações públicas não origine qualquer das situações previstas no nº1 do artigo 3.º».
À data dos factos, a apelada era constituída por capitais maioritariamente públicos, pelo que dever-se-ia qualificar como empresa pública sob a forma privada ( e não empresa participada). 
                                               *
Importa, agora, apreciar a terceira questão colocada, ou seja determinar se a apelada, à data dos factos em apreço, deveria ser qualificada como empresa pública para efeitos de aplicação do regime de incompatibilidades constantes dos arts. 78º e 79º do Estatuto da Aposentação ( na redacção dada pelo Dec-Lei nº 137/2010, de 28 de Dezembro) ou se deverá ser defendida posição contrária, de acordo com os princípios da segurança jurídica  ( por os estatutos e a lei não estabelecerem que o capital social da apelada tivesse de pertencer exclusiva ou maioritariamente a entidades públicas) e  da igualdade.
 Para resolução desta questão, importa atender às alterações verificadas na regulação do referido regime de incompatibilidades.
O Estatuto da Aposentação, na redacção dada pelo Decreto- Lei nº 179/2005, de 2 de Novembro tinha o seguinte teor :
«Artigo 78.o
Incompatibilidades
1—Os aposentados não podem exercer funções públicas ou prestar trabalho remunerado, ainda que em regime de contrato de tarefa ou de avença, em quaisquer serviços do Estado, pessoas colectivas públicas ou empresas públicas, excepto quando se verifique alguma das seguintes circunstâncias:
a) Quando haja lei que o permita;
b) Quando, por razões de interesse público excepcional, o Primeiro-Ministro expressamente o
decida, nos termos dos números seguintes.
2—O interesse público excepcional é devidamente fundamentado, com suficiente grau de  concretização, na justificada conveniência em assegurar por essa via as funções que se encontram em causa.
3—A decisão é precedida de proposta do membro do Governo que tenha o poder de direcção, de superintendência, de tutela ou de outra forma de orientação estratégica sobre o serviço, entidade ou empresa onde as funções devam ser exercidas ou o trabalho deva ser prestado.
4—Em caso algum pode ser tomada a referida decisão em relação a quem se encontre na  situação prevista no n.o 1 em razão da utilização de mecanismos legais de antecipação de aposentação ou em relação a quem se encontre aposentado compulsivamente.
5—A decisão produz efeitos por um ano, excepto se fixar um prazo superior, em razão da  natureza das  funções ou do trabalho autorizados.
6—O disposto no presente artigo é aplicável às situações de reserva ou equiparadas fora da  efectividade de
serviço.
Artigo 79.o
Cumulação de remunerações
1—Quando aos aposentados e reservistas, ou equiparados, seja permitido, nos termos do artigo anterior, exercer funções públicas ou prestar trabalho remunerado, é-lhes mantida a respectiva pensão ou remuneração na reserva, sendo-lhes, nesse caso, abonada uma terça parte da remuneração base que  competir àquelas funções ou trabalho, ou, quando lhes seja mais favorável, mantida esta remuneração, acrescida de uma terça parte da pensão ou remuneração na reserva que lhes seja devida.
2—As condições de cumulação referidas no número anterior são fixadas pela decisão prevista   na alínea b) do n.o 1 do artigo anterior.»

À luz deste regime foi defendido que o conceito de “empresa pública” vertido no citado art. 78º respeitava apenas às empresas públicas tal como eram consideradas pelo Decreto-Lei nº 260/76 a que correspondem as actuais entidades públicas empresariais.
Tal interpretação tinha por base o regime jurídico da Aposentação, desde o Decreto-Lei nº 498/72, de 09 de Dezembro, nos termos do qual dever-se-ia considerar como “ empresa pública” a pessoa  colectiva pública, sob a forma pública.
Para fundamentar esta interpretação restritiva, era ainda invocado o art. 40º, nº2 do  Decreto-Lei nº 558/99 que estabelecia que as remissões constantes de quaisquer diplomas para o regime do Dec-Lei nº 260/76 deveria ser entendida como efectuada para as entidades públicas empresariais.
Por último, eram apontadas razões de segurança jurídica e a necessidade do regime de incompatibilidades assentar em situações duradouras que não poderiam estar dependentes das contingências do mercado de capitais.
 Surge, então, o Decreto-Lei nº 137/2010, de 28 de Dezembro que alterou os artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação, nos seguintes termos:

«Artigo 78.º
[...]
1 — Os aposentados não podem exercer funções públicas remuneradas para quaisquer  serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o sector empresarial regional e municipal e demais pessoas colectivas públicas, excepto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excepcional, sejam autorizados pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.
2 — Não podem exercer funções públicas nos termos do número anterior:
a) Os aposentados que se tenham aposentado com fundamento em incapacidade;
b) Os aposentados por força de aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva.
3 — Consideram -se abrangidos pelo conceito de exercício de funções:
a) Todos os tipos de actividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração;
b) Todas as modalidades de contratos, independentemente da respectiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços.
4 — A decisão de autorização do exercício de funções é precedida de proposta do membro do Governo que tenha o poder de direcção, de superintendência, de tutela ou influência dominante sobre o serviço, entidade ou empresa onde as funções devam ser exercidas, e produz efeitos por um ano, excepto se fixar um prazo superior, em razão da natureza das funções.
5 — (Revogado.)
6 — O disposto no presente artigo aplica -se igualmente ao pessoal na reserva fora de efectividade ou equiparado.
7 — Os termos a que deve obedecer a autorização de exercício de funções prevista no n.º 1 pelos aposentados com recurso a mecanismos legais de antecipação de aposentação são estabelecidos, atento o interesse público subjacente, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, sem prejuízo do disposto nos números anteriores.
Artigo 79.º
Cumulação de pensão e remuneração
1 — Os aposentados, bem como os referidos no n.º 6 do artigo anterior, autorizados a exercer funções públicas não podem cumular o recebimento da pensão com qualquer remuneração correspondente àquelas funções.
2 — Durante o exercício daquelas funções é suspenso o pagamento da pensão ou da remuneração, consoante a opção do aposentado.
3 — Caso seja escolhida a suspensão da pensão, o pagamento da mesma é retomado, sendo esta actualizada nos termos gerais, findo o período da suspensão.
4 — O início e o termo do exercício de funções públicas são obrigatoriamente comunicados à Caixa Geral de Aposentações, I. P. (CGA, I. P.), pelos serviços, entidades ou empresas a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º no prazo máximo de 10 dias a contar dos mesmos, para que a CGA, I. P., possa suspender a pensão ou reiniciar o seu pagamento.
5 — O incumprimento pontual do dever de comunicação estabelecido no número anterior constitui o dirigente máximo do serviço, entidade ou empresa, pessoal e solidariamente responsável, juntamente com o aposentado, pelo reembolso à CGA, I. P., das importâncias que esta venha a abonar indevidamente em consequência daquela omissão.»
2 — O disposto nos artigos 78.º e 79.º do Decreto –Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, alterado pelo Decreto –Lei n.º 179/2005, de 2 de Novembro, tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, gerais ou excepcionais, em contrário, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 — É ressalvado do disposto no número anterior o regime constante do Decreto -Lei n.º 89/2010, de 21 de Julho, durante o período da sua vigência, que permite aos sujeitos por ele abrangidos cumular a pensão com uma terça parte da remuneração base que competir às funções exercidas ou, quando lhes seja mais favorável, cumular a remuneração base que competir a tais funções acrescida de uma terça parte da pensão que lhes seja devida » ( sublinhado nosso).

Resulta desta alteração legislativa que já não é possível defender, na nossa perspectiva, a interpretação restritiva acima indicada, dado que o art. 78º, nº1, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 137/2010 alude às empresas públicas e às entidades públicas empresariais.
Vejamos se esta interpretação colide com os princípios da segurança jurídica e da igualdade.
O princípio da segurança jurídica surge como um corolário do Estado de Direito consagrado no art. 2º da Constituição da República Portuguesa.
     Na perspectiva do apelante apenas deverá ser considerada empresa pública para efeitos de aplicação do art. 78º, nº1 do Estatuto da Aposentação a empresa cujos estatutos ou a lei determinem expressamente que o seu capital social deva pertencer exclusiva ou maioritariamente a entidades públicas, sob pena de violação do princípio da segurança jurídica.
Para fundamentar a sua posição, o apelante alegou ainda que a apelada pode ser qualificada como empresa pública ou privada em função das operações de compra e venda de acções no mercado, o que não se compadece com as regras que regem o regime de incompatibilidades. Tais regras deverão assentar em relações duradouras e bem definidas.
Consideramos que o art. 78º, nº1 do Estatuto da Aposentação ( na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 137/2010, de 28 de Dezembro) alude, de forma clara e inequívoca,  às “empresas pública” e não efectua a distinção pretendida pelo apelante.
As empresas públicas estão sujeitas a um regime especial.
Assim e de acordo com o Decreto-Lei nº 558/99 ( aplicável à situação em apreço, conforme acima referimos), na redacção dada pelo Decreto- Lei nº 300/2007, de 23 de Agosto :
- Os direitos do Estado como accionista são exercidos nos termos previstos no art. 10º do referido diploma legal pela Direcção Geral do Tesouro e os direitos de outras entidades públicas estaduais como accionista são exercidos pelos órgãos de gestão respectivos, com respeito pelas orientações decorrentes da superintendência e pela tutela que sobre elas sejam exercidas;
- O Conselho de Ministros define as orientações estratégicas destinadas à globalidade do sector empresarial do Estado ( art. 11º);
- O controle financeiro das empresas públicas compete à Inspecção Geral de Finanças ( art. 12º);
- As empresas públicas estão sujeitas a deveres especiais de informação perante o Ministro das Finanças e o Ministro responsável pelo respectivo sector ( art. 13º);
- As empresas públicas poderão exercer poderes e prerrogativas de autoridade ( atribuídos por diploma legal), nos termos do art. 14º do referido Decreto-Lei nº 558/99;
- A participação do Estado ou de outras entidades públicas estaduais, bem como das empresas públicas, na constituição de sociedades e na aquisição ou alienação de partes de capital está sujeita a autorização do ministro das Finanças e do ministro responsável pelo sector ( art. 37º).
Da especificidade deste regime resulta a possibilidade de conhecimento da natureza pública da empresa. O ora apelante poderia contar com as regras próprias que regulam o sector empresarial do Estado.
 O que significa que a qualificação da apelada como empresa pública, para efeitos de aplicação dos arts. 78º e 79º do Estatuto da Aposentação ( na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 137/2010) não ofende o princípio da segurança jurídica.
Recentemente foi publicada a lei nº 11/2014, de 6 de Março que alterou o Estatuto da Aposentação, mas deverá ser aplicada ao caso em apreço a lei vigente à data da resolução do contrato pelo apelante.
Argumenta ainda o apelante que a interpretação perfilhada implicará uma violação do princípio da igualdade, porque as diversas empresas que actuam no mercado deverão estar sujeitas a um mesmo ordenamento jurídico.
É certo que as empresas públicas regem-se pelo direito privado ( salvo no que estiver previsto no diploma que as regula e nos respectivos estatutos - art. 7º, nº1 do Decreto-Lei nº 558/99) e as nas suas relações laborais dever-se-á aplicar o regime do contrato individual de trabalho ( art. 16º, nº1 do mesmo diploma legal).
Do princípio da gestão privada decorre ainda a sujeição às regras da concorrência ( art. 8º).
 A  qualificação da apelada como empresa pública, para efeitos de aplicação dos arts. 78º e 79º do Estatuto da Aposentação ( na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 137/2010) não ofende, contudo, o princípio da igualdade e da livre concorrência entre os vários entes privados, porque não deveremos olvidar as especificidades acima indicadas que apontam para um ordenamento jurídico com regras diferenciadas das que regem as demais empresas de natureza privada que actuam no mercado e a necessidade do legislador, num contexto de crise económica, regular, conforme refere no preâmbulo do Decreto-Lei nº 137/2010, a “acumulação de  vencimentos públicos”. 
A  indicada diversidade de ordenamento jurídico é, aliás, reforçada pela própria Constituição da República que no seu artigo 165º, nº1 u) considera da reserva relativa da Assembleia da República a competência legislativa referente às Bases Gerais do estatuto das empresas públicas.
                                                           *
Passemos, agora, à análise da quarta questão colocada: Apurar se o recorrente não exercia “funções públicas” para os efeitos indicados, mas sim funções de natureza técnica.
Defende o recorrente que o regime de incompatibilidades previsto no art. 78º, nº1 do Estatuto da Aposentação ( na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 137/2010) apenas alude ao exercício de “funções públicas remuneradas”. Mais alegada que o « ora Apelante não exercia funções públicas, mas eminentemente técnicas no âmbito do objecto social da Apelada de «produção de programas para computadores» (alínea r) dos factos provados), que não eram da incumbência do Estado, nem exercidas com subordinação à direcção ou disciplina dos órgãos da Administração, nem representava um exercício de autoridade ou de soberania e que portanto não eram públicas».
Entendemos que o diploma em apreço ( Decreto- Lei nº 137/2010) não adoptou o conceito de “funções públicas” no sentido restrito defendido pelo recorrente, pelas razões que passaremos a indicar.
Em primeiro lugar, resulta do nº3 do art. 78º do Estatuto da Aposentação ( na redacção dada pelo Decreto- Lei nº 137/2010) que deverão ser consideradas abrangidas pelo conceito de exercício de funções:
« a) Todos os tipos de actividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração;
b) Todas as modalidades de contratos, independentemente da respectiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços».
Atenta a natureza ampla deste conceito, a delimitação normativa deverá ser norteada pela entidade no seio da qual serão exercidas tais funções. Esta entidade deverá estar abrangida pelo nº1 do citado art. 78º do Estatuto da Aposentação, onde se incluem, conforma já referimos, as empresas públicas.
Em segundo lugar, o próprio diploma em apreço ( Decreto-Lei nº 137/2010) prevê situações diversas e alude de forma expressa, no art. 1º,  ao exercício de funções públicas, « em qualquer modalidade de relação jurídica de emprego público dos órgãos e serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação objectivo da lei nº 12-A/2008», o que não sucede no art. 6º que introduz as referidas alterações ao Estatuto da Aposentação.
Por último, o preâmbulo do diploma em apreço refere que a finalidade destas alterações é a eliminação da « possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação» ( sublinhado nosso). As expressões “ vencimentos públicos” abrangem todas as situações contempladas no nº 1 do art. 78º do Estatuto da Aposentação e indicam também que não deverá perfilhada a interpretação restritiva defendida pelo recorrente.
Concluímos, assim, que o recorrente exercia funções públicas para os efeitos indicados no nº1 do art. 78º do Estatuto de Aposentação.
                                                           *
Vejamos, de seguida, a quinta questão colocada: Se a interpretação do regime de incompatibilidades constantes dos arts. 78º e 79º do Estatuto da Aposentação da qual resulte a aplicação deste regime ao recorrente ( que trabalhava para a apelada desde 2002) é inconstitucional,  por contrariar os princípios da confiança ( art. 2º da Constituição da República Portuguesa), da segurança no emprego e da proibição de despedimento sem justa causa ( art. 53º da CRP).
No que concerne ao recorrente já tinha sido emitido parecer, no âmbito de uma quadro legislativo diverso ( ponto u) dos factos provados), quanto à inexistência de incompatibilidade.
Este parecer aliado ao exercício da actividade durante um largo período de tempo criaram no recorrente expectativas quanto à compatibilidade entre o estatuto de aposentado e o exercício da referida actividade, pelo que alteração legislativa operada pelo Decreto-Lei nº 137/2010 violou o princípio da confiança ? 
Conforme refere o Acórdão nº 396/2011 do Tribunal Constitucional ( www.dgsi.pt), « a aplicação do princípio da confiança deve partir de uma definição rigorosa dos requisitos cumulativos a que deve obedecer a situação de confiança, para ser digna de tutela. Dados por verificados esses requisitos, há que proceder a um balanceamento ou ponderação entre os interesses particulares desfavoravelmente afectados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que justifica essa alteração. Dessa valoração, em concreto, do peso relativo dos bens em confronto, assim como da contenção das soluções impugnadas dentro de limites de razoabilidade e de justa medida, irá resultar o juízo definitivo quanto à sua conformidade constitucional».
Para correcta resolução da questão enunciada, importa considerar que o Decreto-Lei nº 137/2010 surgiu num contexto de crise económica e visava, quanto ao aspecto que ora nos ocupa, a eliminação, conforme já referimos, de acumulação de “vencimentos públicos” com pensões do sistema público de aposentação. 
A invocada expectativa do recorrente não poderá surgir como um impedimento de alteração legislativa ditada por razões de interesse público no quadro económico indicado e a ponderação dos interesses em causa permite concluir pela observância do princípio da confiança.
Acresce ainda que o art. 8º do referido diploma consagrou disposições referentes à sua aplicação no tempo que permitiram mitigar o prejuízo de interesses particulares.
Estabelecia o referido art. 8º , sob a epígrafe “Aplicação da lei no tempo” :
«1 — O regime introduzido pelo artigo 6.º do presente decreto -lei aplica -se aos pedidos de autorização de exercícios de funções públicas por aposentados que sejam apresentados a partir da entrada em vigor do presente decreto -lei.
2 — O regime introduzido pelo artigo 6.º do presente decreto -lei aplica -se a partir de 1 de Janeiro de 2011 aos aposentados ou beneficiários de pensões em exercício de funções que tenham sido autorizados para o efeito ou que já exerçam funções antes da entrada em vigor do presente decreto -lei.
3-No prazo de 10 dias contados da data referida no número anterior, os aposentados aí referidos comunicam às entidades empregadoras públicas ou à Caixa Geral de Aposentações, I. P. (CGA, I. P.), consoante o caso, se optam pela suspensão do pagamento da remuneração ou da pensão.
4 — Caso a opção de suspensão de pagamento recaía sobre a remuneração, deve a entidade empregadora pública a quem tenha sido comunicada a opção informar a CGA, I. P., dessa suspensão.
5 — Quando se verifiquem situações de cumulação e sem que tenha sido manifestada a  opção a que se refere o n.º 3, deve a CGA, I. P., suspender o pagamento do correspondente valor da pensão».

O enquadramento da situação do recorrente na parte final do nº2 deste preceito legal e o prazo de 10 dias estipulado no nº3 permitem concluir pela irrelevância da autorização.
Verificamos ainda que foi concedida a opção entre a suspensão do pagamento da remuneração ou da pensão.

Invoca ainda o recorrente a violação do direito à segurança no emprego e da proibição de despedimento sem justa causa.
Estes direitos foram consagrados no art. 53º da Constituição da República Portuguesa.
Conforme referem os professores Gomes Canotilho e Vital Moreira in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 2ª edição, pág. 291, « o significado desta garantia é evidente, traduzindo-se na negação clara do direito ao despedimento por parte das entidades patronais (…) os quais não gozam da liberdade de disposição sobre as relações de trabalho».
No caso em apreço não ocorreu despedimento do recorrente, mas sim resolução do contrato de trabalho pelo mesmo.
A questão colocada pelo recorrente quanto à segurança no emprego poderá, no entanto, colocar-se, em virtude da suspensão da retribuição pelo empregador surgir  como causa da cessação do contrato, pela via da resolução. Estamos perante um “despedimento indirecto”?
Entendemos que a alteração ao regime da aposentação não visou o despedimento do trabalhador, mas apenas regular, no exercício de uma faculdade legal do Estado, o regime de incompatibilidades entre o estatuto de aposentado e o exercício de funções públicas remuneradas nos termos do citado nº 1 do art. 78º do Estatuto da Aposentação.
É conveniente relembrar que a protecção constitucional não visa tutelar a acumulação dos indicados rendimentos e regular o indicado regime de incompatibilidades.
Concluímos, assim, que não ocorreu violação do direito à segurança no emprego e da proibição de despedimento sem justa causa.
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  A sexta questão colocada é a seguinte : A suspensão do vencimento do recorrente viola o princípio da irredutibilidade da retribuição e o princípio trabalho igual salário igual ( art. 59º da CRP), bem como, no mercado empresarial, os princípios da igualdade e da livre concorrência ?
Vejamos se o princípio da irredutibilidade da retribuição foi afectado com a suspensão do despedimento do recorrente.
Conforme refere o citado Acórdão nº 396/2011 do Tribunal Constitucional, « a norma que proíbe ao empregador, na relação laboral comum, diminuir a retribuição (artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do Código de Trabalho) ressalva os “casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva do trabalho” (…). O que se proíbe, em termos absolutos, é apenas que a entidade empregadora, tanto pública como privada, diminua arbitrariamente o quantitativo da retribuição, sem adequado suporte normativo.
Deste modo, não colhe a argumentação de que existiria um direito à irredutibilidade do salário que, consagrado na legislação laboral, teria força de direito fundamental, por virtude da cláusula aberta do artigo 16.º, n.º 1, da Constituição. Se assim fosse, o legislador encontrar-se-ia vinculado por tal imperativo, o que, como vimos, não sucede. Em segundo lugar, não se pode dizer, uma vez garantido um mínimo, que a irredutibilidade do salário seja uma exigência da dignidade da pessoa humana ou que se imponha como um bem primário ou essencial, sendo esses os critérios materiais para determinar quando estamos perante um direito subjectivo que se possa considerar "fundamental" apesar de não estar consagrado na Constituição e sim apenas na lei ordinária (..)
De resto, o legislador constituinte teve a preocupação de estabelecer uma densa rede protectiva da contrapartida remuneratória da prestação laboral, dando consagração formal, no texto da Constituição, às garantias que entendeu serem postuladas pelas exigências de tutela, a este nível, da condição dos trabalhadores. Assim é que, para além do reconhecimento do direito básico à retribuição, manda-se observar o princípio de que “para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna” (alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º), fixa-se como incumbência do Estado “o estabelecimento e a actualização do salário mínimo nacional” (alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo), acrescentando-se, na revisão de 1997, a imposição constitucional de “garantias especiais dos salários” (n.º 3 do artigo 59.º). Não é de crer que o programa constitucional, tão exaustivamente delineado, nesta matéria, só fique integralmente preenchido com a atribuição da natureza de direito fundamental legal ao direito à irredutibilidade da retribuição, qualificação para a qual não se descortina fundamento material bastante.
Direito fundamental, esse sim, é o "direito à retribuição", e direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, como é pacífico na doutrina e este Tribunal tem também afirmado (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 620/2007). Mas uma coisa é o direito à retribuição, outra, bem diferente, é o direito a um concreto montante dessa retribuição, irredutível por lei, sejam quais forem as circunstâncias e as variáveis económico-financeiras que concretamente o condicionam. Não pode, assim, entender-se que a intocabilidade salarial é uma dimensão garantística contida no âmbito de protecção do direito à retribuição do trabalho ou que uma redução do quantum remuneratório traduza uma afectação ou restrição desse direito».
A questão que ora nos ocupa não se prende com a irredutibilidade da retribuição ( prevista no art. 129º, nº1 d) do CT de 2009), mas sim com o direito à retribuição que, na perspectiva do recorrente, terá sido suprimido.
     O direito do recorrente à retribuição pelo trabalho prestado não foi, porém, retirado. O que ocorreu foi uma alteração legislativa no regime de incompatibilidades que impôs a  necessidade de opção pelo ora apelante entre a suspensão da pensão e a suspensão da retribuição, no quadro económico acima descrito, com o objectivo de impedir a acumulação dos já referidos “vencimentos públicos”.
No que respeita ao princípio constitucional trabalho igual salário igual ( art. 59º, nº1 a) da CRP), consideramos que também não foi afectado, pelas razões que passaremos a referir.
Conforme referem os professores Gomes Canotilho e Vital Moreira ( op. cit., pág. 324), « (…) a igualdade de retribuição com determinante constitucional positiva (…) impõe a exigência de critérios objectivos para a descrição de tarefas e avaliação de funções necessárias à caracterização de trabalho igual ( trabalho prestado à mesma entidade quando são iguais ou de natureza objectivamente igual as tarefas desempenhadas)  e trabalho de valor igual ( trabalho com diversidade de natureza de tarefas, mas equivalentes de acordo com os critérios objectivos fixados)».
Retornando ao caso presente, só ocorreria violação do princípio trabalho igual salário igual o se o recorrente tivesse deixado de receber retribuição idêntica a trabalhador que exercesse funções semelhantes ( em termos qualitativos e quantitativos) ou equivalentes.
Ora, tal discriminação não foi invocada e o apelante teria continuado a receber a mesma retribuição se tivesse optado pela suspensão da pensão.
Os trabalhadores da apelada que exerciam funções idênticas às funções desempenhadas pelo autor sem beneficiarem, contudo, do estatuto de aposentado não estavam numa situação que exigisse o mesmo tratamento jurídico, pelo que poderemos concluir que não ocorreu violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição da República Portuguesa.
Ocorreu no mercado empresarial violação dos princípios da igualdade e da livre concorrência ?
Já acima abordamos esta questão e foram salientadas as especificidades das empresas públicas.
A equilibrada concorrência entre empresas merece protecção constitucional ( art. 81º, f) da CRP).
Sendo certo que as empresas estão sujeitas às regras da concorrência ( art. 8º do Decreto- Lei nº 558/99), entendemos que da suspensão da retribuição do vencimento de trabalhador com o estatuto de aposentado não resulta uma violação das regras da concorrência.
Com efeito, importa considerar que as empresas públicas têm um regime jurídico próprio que permite o exercício dos poderes supra referidos por parte do Governo.
Das relações entre as empresas públicas e o Estado ou outros entes públicos não poderão, porém, resultar situações que sejam susceptíveis de impedir, falsear ou restringir a concorrência no todo ou em parte do território nacional ( art. 8º, nº2 do Decreto-Lei nº 558/99).
Resulta ainda do nº 3 deste último preceito legal, que « as empresas públicas regem-se pelo princípio da transparência financeira e sua contabilidade deve ser organizada de modo a permitir a identificação de quaisquer fluxos financeiros entre elas e o Estado ou outros entes públicos, bem como garantir o cumprimento das exigências nacionais e comunitárias em matéria de concorrência e auxílios públicos». Estas regras não foram violadas no caso presente.
Ocorreu uma suspensão da retribuição (ditada por interesses de natureza pública) de trabalhador que cumulava “vencimentos públicos”, isto é que tinham a mesma origem, uma vez que a empresa era constituída por capitais maioritariamente públicos, o que justifica um tratamento jurídico diverso do previsto para as empresas de natureza privada que exercem a actividade no mercado e nos permite ainda concluir pela inexistência de violação do princípio da igualdade.
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Vejamos a sétima questão colocada : Se o apelante deverá ser indemnizado, por a apelada ter violado, de forma culposa, a obrigação de pagamento da retribuição.
Quanto a esta questão, perfilhamos o entendimento do Tribunal a quo.
As normas contidas nos arts. 78º e 79º do Estatuto da Aposentação têm natureza imperativa.
Da resposta dada pelo ora apelante constante do ponto z) dos factos provados resulta que a suspensão não deveria incidir sobre a pensão se a apelada adoptasse posição diversa do primeiro.
A suspensão da pensão foi, desde modo, efectuada com vista ao cumprimento da obrigação legal prevista no acima citado art. 8º nºs 3 e 4 do Decreto-Lei nº 137/2010, pelo que inexiste falta de cumprimento culposo do pagamento pontual da pensão.
A sentença recorrida não violou, assim, o disposto no art. 394º do do Código do Trabalho de 2009 e o apelante não tem direito à indemnização prevista no art. 396º, nº1 do mesmo diploma legal.
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No que respeita à oitava questão colocada, verificamos que não estão reunidos os requisitos previstos no art. 396º, nº3 do Código do Trabalho de 2009, que prevê a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais.
Com efeito, a apelada não faltou, conforme já referimos, de forma culposa ao pagamento pontual da retribuição.
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Por último, importa verificar se o recorrente tem direito às retribuições peticionadas.
Também neste aspecto sufragamos o entendimento do Tribunal a quo, excepto quanto ao abono de Dezembro de 2010 e à retribuição de férias e subsídio de férias vencidas em 01.01.2011.
Quanto às retribuição referentes ao ano de 2011, a apelada actuou no cumprimento do referido artigo 8º do Decreto-Lei nº 137/2010 e a sua actuação foi esclarecida ao ora recorrente ( alíneas v) a x) e Aa) dos factos provados).
No que respeita ao abono de Dezembro de 2010 foram apurados os seguintes factos:    
- O A. auferia a retribuição base de € 3.041,54, a que acrescia um subsídio de representação de € 197,51 e ainda um “abono” de 1.072,70 ambos pagos 12 meses ao ano;
- Abono suprimido a partir de Dezembro de 2010.
O que significa que o abono foi suprimido a começar de Dezembro de 2010.
Estamos perante uma prestação que era paga de forma periódica ( 12 meses ao abono) e a apelada não elidiu a presunção ( prevista no art. 258º, nº3 do CT de 2009 ) desta prestação constituir retribuição.
Deverá, por isso, ser paga ao apelante a prestação devida a título de abono no montante de € 1072,7 ( referente ao mês de Dezembro de 2010).
No que respeita à retribuição de férias e ao subsídio de férias referente ao trabalho prestado em 2010,  verificamos que o vencimento destas obrigações ocorreu já no ano 2011 ( art. 237º, nºs 1 e 2 e art. 264º, nº3 do CT de 2009 ).
Deveremos, no entanto, distinguir o momento da aquisição do direito a férias da data em que o mesmo é exigível.
Conforme refere o Monteiro Fernandes in “Direito do Trabalho”, 15ª edição, pág. 431 e 432 “(…) a aquisição do direito a férias está legalmente conexionada à assunção da qualidade de trabalhador subordinado, o mesmo é que dizer à celebração do contrato de trabalho. Mas o facto de o trabalhador, com a celebração do contrato, se tornar desde logo titular do direito a férias não lhe oferece imediatamente a possibilidade de as gozar. A exigibilidade desse gozo depende do vencimento do direito, que ocorre segundo um ciclo anual, em 1 de Janeiro de cada ano civil ( art. 237º, nº1)».
De acordo com o nº2 deste último preceito legal, o direito a férias, em regra, reporta-se ao trabalho prestado no ano civil anterior.
Assim e considerando que este direito foi sedimentado no ano 2010, a apelada deverá pagar ao apelante a retribuição de férias e o subsídio de férias pelo trabalho prestado no referido ano.


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IV- Decisão
Em  face do exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação e condena-se a apelada a pagar ao apelante:
a)- A quantia de  €1.072,70 ( mil e setenta e dois euros e setenta cêntimos), a título de abono referente ao mês de Dezembro de 2010;
b)- As quantias, a liquidar em execução de sentença, devidas a título de férias e subsídio de férias pelo trabalho realizado no ano 2010;
c)- Juros, à taxa legal, sobre as quantias acima indicadas, desde a data do vencimento até integral pagamento.
Mantém-se no mais a decisão recorrida.
Custas em ambas as instâncias pelo A. e pela R. na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
                                         
Lisboa, 21 de Maio de 2014

Francisca Mendes
Maria Celina de J. de Nóbrega
Alda Martins
Decisão Texto Integral: