Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SOUSA PINTO | ||
Descritores: | SEGURO DE VIDA CRÉDITO À HABITAÇÃO IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO ABUSO DE DIREITO CADUCIDADE ANULABILIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/01/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Cumpre ao segurado, como é óbvio, segundo os princípios da boa fé contratual, declarar com verdade os factos que interessem à determinação da qualidade e da intensidade ou extensão do risco, só existindo anulabilidade do contrato de seguro quando as declarações inexactas ou reticentes possam ter influência na determinação do mesmo risco, por os factos ou circunstâncias referidos com inexactidão ou omitidos por reticência serem susceptíveis de tornar o sinistro mais provável ou mais amplas as suas consequências.
Não exige, porém, aquele art.º 429º, que, para haver anulabilidade, os factos ou circunstâncias constantes incorrectamente de tais declarações inexactas ou omitidos nas reticentes, se fossem conhecidos pela seguradora, teriam efectivamente determinado a celebração do contrato em termos diferentes daqueles em que o foi: ao dizer “teriam podido influir”, e não “teriam influído”, ou “tenham influído”, contenta-se com a susceptibilidade de as declarações, factos ou circunstâncias em causa, influírem sobre a existência ou condições do contrato, sem exigir que efectivamente as influam, ou seja, considera suficiente que as declarações possam influir, não exigindo que forçosamente influam, até porque não chegou a haver formação de vontade da seguradora com base nesses factos ou circunstâncias desconhecidos por não declarados ou incorrectamente declarados. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: |
I – RELATÓRIO
AS, CS e AR intentaram a presente acção contra L – Companhia de Seguros, SA, pedindo que esta seja condenada a pagar à Caixa Económica Montepio Geral as quantias em dívida, à data de 02/10/2006, decorrentes dos empréstimos contraídos pela 1.ª A e A para aquisição da fracção autónoma devidamente identificada nos autos, sita no Carregado, Alenquer, bem como a pagar os montantes referentes a prestações, juros, despesas judiciais e extrajudiciais que se venceram após a referida data e reclamados no processo de execução que corre termos no Tribunal Judicial de Alenquer. Invocam, para tanto, a celebração de contrato de seguro de vida entre A e a R para fazer face à quantia mutuada caso ocorresse a morte daquele e tendo como beneficiário a Caixa Económica Montepio Geral, o que veio a verificar-se, conforme foi comunicado à R. Esta, no entanto, recusa cumprir a obrigação assumida de pagamento do capital em dívida. A R, por seu turno, opõe-se à pretensão das AA, sustentando que, aquando a subscrição do seguro, A omitiu informação relevante atinente ao seu estado de saúde, o que contende com a validade do referido contrato de seguro. Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal, tendo sido proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, tendo absolvido a R dos pedidos contra si formulados. Inconformadas com tal decisão vieram as AA recorrer da mesma tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteram as seguintes conclusões: «I Confrontadas com a defesa por excepção invocada pela Recorrida as recorrentes replicaram, pedindo que fosse reconhecido, em ultima análise, que a actuação da Recorrida configura manifesto Abuso de Direito na modalidade de "Venire Contra Factum Proprium." (artigos 18º a 38º da Réplica apresentada). II Analisada a Sentença, constatamos que o Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre se considerava ou não existir Abuso de Direito no comportamento da R. ao vir agora invocar a nulidade do contrato de seguro celebrado; III No caso Sub Júdice o Tribunal deixou de se pronunciar sobre se os factos dados como provados permitiriam ou não concluir que a actuação da R. configurava um Abuso do Direito, pelo que, encontra-se a Sentença proferida ferida de nulidade por omissão de pronúncia nos termos dos artigos 608º, n.º2 e 615º, n.º1, alínea d) do C.P.C., nulidade que desde já se argúi para todos os efeitos legais; IV A Sentença proferida pelo Tribunal "a quo" é, ainda, nula por falta de fundamentação; V No caso Sub Júdice o Tribunal "a quo" limitou-se tão somente a reproduzir a matéria de facto dada como provada, sem fundamentar, em que prova se baseou para, em concreto, dar como provados os factos que elencou, não tendo efectuado qualquer exame crítico da prova; VI O Tribunal "a quo" ao elaborar a Sentença nos termos em que o faz impossibilita as recorrentes de indagarem se determinada prova poderia ou não dar como provado o facto A, B, ou C; VII Termos em que deve a Sentença proferida pelo tribunal “a quo” ser declarada nula, nos termos dos artigos 154º, 608º, n.º 2 e 615º, n.º 1, alíneas b) e d) do C.P.C., com as legais consequências; VIII A Recorrida nos presentes autos não nega a existência do contrato de mútuo nem do contrato de Seguro, contudo requer a improcedência do pedido das recorrentes, argumentando que aquando da celebração das propostas de Seguro: primeiro o falecido Aprestou conscientemente falsas declarações no que ao seu estado de saúde diz respeito, segundo que as propostas de seguro foram celebradas/ assinadas em 06/03/2000 e nessa data já o falecido Atinha conhecimento que padecia de diabetes Melittus, tipo 2, terceiro que a causa de morte de Aresultou do facto do mesmo padecer de diabetes Mellitus, tipo 2; IX "O princípio da livre apreciação da prova ou do livre convencimento do julgador, que se encontra estatuído no art.º 655º, n.º1, do C.P.C., significa que é necessário um grau de convicção profundo e forte, um grau de certeza tão suficiente que afaste a dúvida ou a interrogação sobre o acontecimento aí relatado, não bastando uma quase certeza sobre a verdade do facto afirmado." (Negrito e Itálico Nossos) Rui Rangel, in "O Ónus da Prova No Processo Civil, 2ª edição, Almedina, pág. 120 X Para que a contestação invocada pela recorrida obtivesse provimento era essencial que ficasse provado: 4. Em que data, em concreto, foi preenchida a proposta de adesão do Seguro de vida. 5. Em que data, em concreto, e por quem foi preenchido o questionário médico. 6. Qual a causa, concreta, que levou à morte de A; XI O ónus da prova de tais factos, porque impeditivos do direito invocado pelas Recorrentes, pertencia à Recorrida. Ao não ser apurado sequer, por quem, e em que condições, foram preenchidos os formulários de Seguro como pode a responsabilidade da Recorrida pelo pagamento do empréstimo ficar afastada? XII O tribunal, "a quo", ao decidir como decidiu dando provimento à contestação da Recorrida violou os artigos 342º do C. Civil e bem assim os artigos 414º e 607º do C.P.C. XIII Os factos vertidos nas alíneas "U", "V", "A1", "B1", "C1", "D1", "E1", "F1" e "L1", da matéria de facto dada como provada deveriam ter sido dados como NÃO PROVADOS. XIV Não foi produzida qualquer prova que permitisse dar como provados tais factos, sendo certo que nenhum daqueles factos foi aceite ou confessado pelas Recorrentes, bem pelo contrário, os referidos factos foram sempre contestados; XV Com base na prova constante dos autos e produzida na audiência de discussão e julgamento, no nosso entendimento não se alterou o campo da dúvida razoável para os mesmos serem dados como provados; XVI Submetidos a perícia forense, os questionários clínicos que instruíram o pedido de Seguro de vida, cujo relatório se encontra a fls. 328 e seguintes dos autos, foi possível, desde logo concluir: "Admite-se como muito provável que a escrita suspeita aposta no local da identificação das pessoas a segurar doc.1, não seja da autoria de AS." (fls. 330 do Relatório) XVII Em relação ao preenchimento da proposta com questionários clínicos o relatório pericial concluiu que a caneta utilizada para colocar as assinaturas de "A" é diferente daquela que foi utilizada para preencher todos os restantes elementos, nomeadamente, do questionário clínico; XVIII Da audiência de discussão e julgamento e da prova testemunhal produzida, resultou que o processo para aquisição do imóvel terá sido um processo que se prolongou durante vários meses, até anos, depoimento da testemunha Helena, prima e vizinha da recorrente, ouvida na audiência de discussão e julgamento do dia 14/01/2015 cujo depoimento se encontra gravado no CD único com inicio às 09:53:09 e termo às 10:18:11, passagens 02:40 a 03:50: XIX O depoimento da testemunha Helena, conjugado com o depoimento da testemunha Alexandre, e com o relatório pericial junto aos autos, permitem, salvo o devido respeito por opinião diversa, questionar por um lado quem foi o Autor do preenchimento dos formulários clínicos juntos aos autos e por outro se os referidos formulários foram preenchidos antes ou depois de Junho de 1997, data em que foram diagnosticados diabetes ao falecido A; XX Bastante importante para se compreender o modo como o questionário clínico poderia ter sido preenchido é o depoimento da testemunhaAlexandre, bancário, arrolado pela recorrida, cuja assinatura consta em alguns dos formulários em causa enviados para o seguro, prestou depoimento no dia 14/01/2015, pelas 15:50:23, e terminado ás 16:17:59, conforme ata da audiência de discussão e julgamento. XXI A testemunha Alexandre, foi a única ouvida em Tribunal que teve contacto directo com a celebração do Contrato de Seguro em apreciação nos presentes autos; XXII Do depoimento desta testemunha é possível concluir: 1. Que a data de 06/03/2000 colocada na proposta de Seguro de Vida foi colocada por este, por ser a data em que foi celebrada a Escritura de Mútuo, contudo, não se pode minimamente afirmar que tenha sido a data em que foram preenchidos os questionários clínicos, bem pelo contrário; 2. Que apesar da assinatura deste constar da proposta de Seguro de vida enviada à Seguradora não foi o mesmo que acompanhou o preenchimento dos formulários, nomeadamente, médicos; 3. Que poderia acontecer, e acontecia com bastante frequência os formulários serem entregues e preenchidos quer pelos funcionários do banco quer pelas mediadoras imobiliárias; XXIII Não existe no processo nenhuma prova que permita concluir que foi o falecido Aque preencheu os referidos formulários e ou prestou declarações falsas ou inexactas sobre o seu estado de saúde; XXIV Pelo que, sempre com o devido respeito por opinião diversa, em face do que acima se encontra exposto, somos forçados a concluir que não foi produzida qualquer prova que permitisse ao Tribunal "a quo" dar como provado que a proposta a que se faz referência na alínea U da matéria de facto dada como provada tivesse sido subscrita no dia 06/03/2000." XXV Uma coisa é certa ficou claro que quem apôs essa data no documento foi a testemunha Alexandre, sem que o falecido Aestivesse sequer presente; XXVI Assim, como nenhuma prova foi feita, e as Recorrentes expressamente impugnaram essa matéria, que permitisse dar como provado que: A1 - Adeclarou expressamente não sofrer nem ter sofrido, até à data, de qualquer das doenças mencionadas no questionário clínico que preencheu – doc. fls. 383. B1 - Especificamente à pergunta sofre ou sofreu de diabetes (ponto 14 pergunta 3 do questionário clínico) Arespondeu “não” – doc. de fls. 383. F1 - Na eventualidade da Seguradora Ré ter tido conhecimento do facto omitido por A, não teria aceite a adesão de Ae AS ao seguro de grupo. XXVII De facto, se a Recorrida não conseguiu sequer demonstrar em que circunstâncias foram preenchidos os formulários médicos e por quem, como é que se pode concluir que Aafirmou ou declarou, pela sua voz ou punho, o que quer que fosse, ou que omitiu ou mentiu; XXVIII E quanto ao ponto: C1. "A, à data da subscrição da proposta de adesão, padecia de Diabetes Melitus tipo 2 – doc. fls. 296.", também o referido facto nunca poderia ser dado como provado; e L1 - Sendo a proposta preenchida segundo as informações prestadas, após o preenchimento de todos os campos da proposta de adesão, a mesma é entregue para confirmação do teor e para assinatura, caso tudo esteja conforme." É entendimento da Recorrente que, nos termos em que os referidos factos vêm alegados os mesmos configuram matéria puramente conclusiva; XXIX Pela análise das expressões utilizadas pelo tribunal “a quo” facilmente constatamos que não estamos perante “ocorrências concretas da vida real”, estamos sim perante meros juízos conclusivos do Tribunal, pelo que, devem os pontos C1 e L1, ser retirados da matéria de facto; XXX Contudo, mesmo que se considerasse que estamos perante factos então, em face da ausência de prova os mesmos teriam que ser dados como não provados, isto porque do depoimento conjugado das testemunhas acima referidas, Helena e Alexandre, é forçoso concluir que todo o processo se arrastou durante bastante tempo, se os questionários médicos foram preenchidos antes de Junho de 1997 ou depois desta data, nada no processo nos permite afirmar com um grau mínimo de certeza, que permita dar como provado o facto alegado. XXXI O Tribunal "a quo" deu como provado que: M - No dia 02/10/2006, pelas 05h35m, o marido da 1ª A., A, faleceu no Hospital de São Francisco Xavier, constando do certificado de óbito como causa directa da sua morte: “Cardiopatia Isquémica devida ou consecutiva a diabetes mellitus” – doc. de fls. 160. ... V – Com data de 17/10/2006, o Sr. Dr. J, na qualidade de médico assistente de Adesde 27/12/1993, declarou que este faleceu por tromboembolismo pulmonar, o que está ligado a primitivas condições mórbidas de diabetes tipo 2 com início em Junho de 1997 – doc. de fls. 95 XXXII Tanto o médico que elaborou o documento de fls. 160, Dr. João, como o médico que elaborou o documento de fls. 95, Dr. Jorge, ouvidos em audiência de discussão e julgamento disseram coisa oposta àquela que se encontra espelhada nos documentos que elaboraram; XXXIII De facto, com base no depoimento dos dois médicos, ouvidos na audiência de discussão e julgamento, chegámos à conclusão que não foram os diabetes que provocaram a morte de A, ou pelo menos tal não pode ser afirmado. XXXIV Sobre esta matéria pronunciou-se o médico de família do falecido A, Dr. Jorge, cujo depoimento foi prestado na audiência de discussão e julgamento no dia 14/01/2015, depoimento com início às 14:21:29 tendo o mesmo terminado às 14:54:07, conforme ata de audiência de discussão e julgamento, passagens 15:30 a 16:20 e bem assim Dr. João, cujo depoimento foi prestado no dia 14/01/2015, entre as 14:54:54 e as 15:15:41, passagens 16:10 a 17:00. XXXV Pelo que, em consequência do depoimento destas testemunhas o tribunal "a quo" deveria ter considerado na matéria de facto dada como provado que: "O arguido não faleceu por causa da diabetes" XXXVI O referido facto é instrumental e resultou da instrução da causa; XXXVII Em face da matéria que o Tribunal "a quo" deveria ter dado como provada e não provada deveria a Recorrida ter sido condenada nos exactos termos do pedido. XXXVIII Ao contrário do entendimento sufragado pelo Tribunal "a quo" o direito da Recorrida invocar a anulabilidade do Contrato de Seguro, para se eximir ás suas responsabilidades hà muito que havia caducado; XXXIX A Recorrida foi informada em 17/10/2006 conforme refere a págs. 8 da sua contestação, de todo o processo clínico do falecido A; XL Sendo certo que, salvo o devido respeito por opinião diversa, o negócio celebra-se com as sucessivas renovações da Apólice e não com o pagamento da indemnização; XLI O pagamento da indemnização pretendida não pode ser vista como o cumprimento do negócio em si mas apenas e tão só uma consequência jurídica de um negócio já anteriormente celebrado; XLII No caso Sub Júdice a Recorrente havia já pago o preço e a Recorrida emitido a respectiva Apólice de Seguro, pelo que, o negócio jurídico há muito que se encontrava completo; XLIII Assim, sempre terá que se considerar caducado o direito da Recorrida pedir a anulação do contrato, como o fez na sua contestação, pelo que, ao não reconhecer esta realidade o tribunal "a quo" violou o artigo 287º, n.º2 do C. Civil. XLIV A Recorrida impôs, desde logo, e antes de aceitar a proposta, como condição poder “… contactar quaisquer entidades médica ou hospitalar que me tenha tratado ou examinado a fim de obter toda a informação que julgue necessária para determinar o meu estado de saúde.” XLV Pelo que, conforme também resulta da matéria de facto dada como provada, ponto "J1" quando foi informada que a Recorrida havia aceite a proposta de seguro apresentada, tanto o falecido A, como a ora recorrente,AC, ficaram perfeitamente convencidos que a Recorrida nunca iria invocar qualquer anulabilidade do referido contrato, como o faz presentemente. XLVI Em face das expectativas criadas, nomeadamente, que nunca viria a ser colocado em causa o contrato de seguro celebrado, o falecido A procedeu atempadamente ao pagamento dos respectivos prémios de seguro, conforme ponto "K1" da matéria de facto dada como provada; XLVII No caso presente há manifesto abuso de direito por parte da Recorrida, que quer exercer o seu direito em contradição com a sua conduta anterior em que fundamentadamente as Recorrentes e o falecido A confiaram. XLVIII Pelo que, ao decidir como decidiu violou igualmente o Tribunal "a quo" o artigo 334º do C. Civil. Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas., Exmos. Desembargadores mui doutamente suprirão deve o presente recurso ser recebido e obtendo provimento deve, a Sentença do tribunal “a quo” ser substituída por douto Acórdão que condene a Recorrida a pagar ao Banco CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, todas as quantias em divida em 02/10/2006 decorrentes dos empréstimos contraídos pela 1ª A. e Apara aquisição da fracção autónoma designada pela letra “A”, a que corresponde o Rés do Chão Direito do Prédio urbano, sito na Rua Fernão Mendes Pinto, lote 33, freguesia do Carregado, concelho de Alenquer, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alenquer, sob o número noventa, freguesia do Carregado, estando o regime de propriedade horizontal registado pela inscrição F-Um, inscrito na matriz sob o artigo 794, assumindo nos referidos empréstimos a posição de devedora. Deve igualmente a Recorrida, porque foi atempadamente informada do falecimento de A, ser condenada a pagar todos os montantes referentes a prestações, juros, despesas judiciais e extra judiciais que se venceram após a referida data, e reclamados no âmbito do processo de execução n.º 988/08.3TBALQ, que corre termos no 1º Juízo do tribunal Judicial de Alenquer. Assim decidindo farão v. Exas. a tão costumada JUSTIÇA.» A recorrida, por sua vez apresentou contra-alegações, nas quais exibiu as seguintes conclusões: «1. O presente recurso vem interposto da douta Sentença proferida no âmbito do processo supra identificado o qual, tendo julgado improcedente a acção instaurada pelas Autoras, ora Recorrentes, veio absolver, nomeadamente, a R., ora Recorrida, dos pedidos contra si formulados. 2. No entanto, atendendo à matéria considerada como assente, assim como à matéria dada como provada, e, ainda, ao direito aplicável ao caso dos presentes autos, entende a ora Recorrida não assistir qualquer razão aos Recorrentes. 3. Ora, alegam as Autoras que analisada a Sentença, constatam que o Tribunal não se pronunciou sobre se considerava ou não existir Abuso de Direito no pedido de nulidade do contrato invocado pela Ré. 4. Entendendo, por isso, as ora Recorrentes, ser nula a douta Sentença ora proferida por violação do disposto no artigo 608º, nº 2 do CPC, uma vez que a mesma alegadamente não se pronuncia sobre questões que devia apreciar. Maria Marta Ferreira (04-06-2015 16:42:31) Página 282 de 293 17/25 16 5. Na verdade consta do referido artigo: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão seja prejudicada pela solução dada ou outras…” (negrito e sublinhado nosso) 6. Sendo que, no caso em apreço é claro e cristalino que a questão do Abuso de Direito invocada pelas AA., ora Recorrentes, fica em tudo prejudicada atento o resultado final da presente demanda, de que ora as recorrentes, inclusivamente, pretendem recorrer. 7. A acção foi julgada totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se a ora Recorrida dos pedidos contra si formulados, nomeadamente concluindo a douta sentença ser desprovida de efeito a adesão de Aao contrato de seguro de grupo por via da anulabilidade. Motivo pelo qual tem, necessariamente, de entender-se que tal decisão prejudica, consequentemente, o alegado, abuso de direito da Ré no tocante ao pedido de nulidade do contrato de seguro, conforme alegado pelas AA. 8. Já no que respeita à alegada falta de fundamentação, sempre se dirá que não deverá, igualmente, proceder, na medida em que não corresponde à verdade que a Sentença se tenha limitado tão somente a reproduzir a matéria de facto dada como provada, sem qualquer fundamentação adicional. 9. Na verdade, conforme resulta de uma leitura atenta da douta sentença proferida, a mesma é clara no que respeita à sua motivação, nomeadamente fazendo referência aos depoimentos e documentos nos quais se alicerçou o Tribunal para proferir a sentença de que ora as AA. recorrem. 10. Assim, entende a ora Recorrida não existir qualquer omissão de pronúncia ou de fundamentação da douta Sentença, não devendo, por isso, ser a mesma considerada nula, conforme pretendem as Recorridas. 11. Conforme resulta da douta sentença recorrida, bem como do depoimento prestado pelo Dr. Jorge, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, gravado em CD com ínicio às 14:21:29 e fim às 14:54:07 de dia 14.01.2015, o mesmo foi peremptório em afirmar que A sabia que era diabético desde que lhe foi diagnostica a doença, em 1997. 12. Tendo a referida testemunha confirmado o teor da declaração constante dos autos a fls. 296. 13. Motivo pelo qual, sempre teria de resultar como provada a matéria constante dos pontos C1 e D1 supra descritos, nomeadamente que à data da subscrição da apólice o falecido Apadecia de Diabetes Melitus tipo 2 e que conhecia tal facto desde Junho de 1997, data em que tal doença lhe foi diagnosticada. 14. Não tendo as ora Recorrentes alegado sequer quaisquer provas factuais que levassem a entender em sentido contrário, nomeadamente que o falecido não padecia de Diabetes Melitus desde Junho de 1997. 15. Mais, no que respeita à data da subscrição da apólice, a douta sentença é clara sendo a fundamentação aí constante em tudo coincidente com o depoimento prestado pela testemunha Alexandre Almeida Silva, funcionário do Montepio. 16. Efectivamente, a sentença esclarece que a testemunha admitiu que a data de 06.03.2000 (data da celebração do contrato de mútuo) constante da proposta de adesão pudesse não ser precisa. No entanto, analisada a documentação junta aos autos, o Tribunal entendeu que, não obstante, era claro que tal proposta de adesão havia sido subscrita e apresentada à Ré em Março de 2000, uma vez que a mesma apresenta carimbo de entrada na seguradora em 23.03.2000. 17. Motivo pelo qual, não existe, no que a esta questão diz respeito, qualquer erro de decisão da douta sentença, não relevando a referida data para qualquer alteração factual que pudesse conduzir à, consequente, alteração da decisão já proferida. 18. Já no que respeita à autoria do preenchimento da proposta de adesão, entendeu o douto tribunal não ter sido produzida qualquer prova atinente ao preenchimento clínico pelos funcionários do Montepio Geral, cujo ónus da prova cabia às ora Recorrentes. 19. Acresce que, conforme resultou do depoimento prestado pela testemunha Dr. Luís Faisca, cabendo ao proponente prestar as informações versadas no questionário clínico, ainda que não seja ele a preencher tal questionário, cabe-lhe sempre conferir as respostas aquando da aposição da respectiva assinatura. 20. Ora, tendo o falecido Aaposto a sua assinatura na proposta de adesão, confirmou livre e conscientemente toda a informação ali constante, nomeadamente que gozava de boa saúde, não estando sob controlo médico regular devido a doença ou acidente e que não sofria ou havia sofrido de diabetes (pontos Z e A1 da matéria considerada provada nos autos). 21. Na verdade, mesmo que efectivamente tivesse sido um funcionário do Banco (o que não resultou provado atenta a prova produzida nos autos) a verdade é que o mesmo preencheu a proposta totalmente de acordo com as informações prestadas pela A. e pelo falecido marido. 22. Acresce que, após o preenchimento de todos os campos da proposta de adesão, a mesma é entregue aos segurados para que confirmem o teor da mesma e, caso esteja tudo conforme, a assinem. 23. Pelo que após o preenchimento, as propostas foram, efectivamente, entregues aos segurados, A. e falecido marido, para que confirmassem todas as informações aí constantes. E caso todo o conteúdo das propostas estivessem conforme, os segurados deveriam assinar as mesmas, o que efectivamente sucedeu. 24. Pelo que, nenhuma relevância tem, para o caso dos autos, se o preenchimento das propostas de adesão foi feita pela A. e pelo falecido marido ou pelo funcionário, uma vez que as informações prestadas foram posteriormente todas lidas e confirmadas pelos próprios. 25. Conforme resulta dos depoimentos prestados pelos médicos presentes em Audiência de Julgamentos, o facto de o falecido padecer de diabetes aumenta exponencialmente o risco de poder sofrer um enfarte por miocárdio, conforme efectivamente sucedeu. 26. Sendo que, e conforme resultou provado pelo depoimento do Dr. Luís Faísca, à data da apresentação da proposta de adesão em questão nos autos, não era ainda prática da seguradora aplicar agravamentos nas apólices de seguro. Motivo pelo qual, a informação de que o proponente sofria de diabetes implicaria a recusa da celebração do contrato pela seguradora. Nomeadamente atento o facto do elevado risco que tal doença acarreta de ocorrência de enfartes do miocárdio, conforme ocorreu precisamente com o falecido A. 27. Nenhuma prova nos autos foi produzida que conduzisse à possibilidade de dar como não provado o facto de a doença de que Apadecia ter conduzido à sua morte, nomeadamente atento o que resultou dos depoimentos prestados pelos médicos presentes em Audiência de Julgamento e toda a documentação clínica junta aos autos. 28. Na verdade, o depoimento das testemunhas presentes em Audiência de Julgamento foi claro e preciso, não resultando dos mesmos qualquer possibilidade de alteração da matéria de facto dada como provada, conforme e nos termos em que pretendem agora as Recorridas. Encontrando-se a douta sentença devidamente fundamentada quanto à decisão proferida com base em toda a prova produzida nos autos, quer testemunhal quer documental. 29. Invocam as ora Recorrentes a caducidade do direito de invocar a anulabilidade do negócio, argumento este que deverá, à semelhança dos anteriores, improceder, bem como o invocado abuso de direito. 30. Ao Juiz é atribuído o poder de livre apreciação da prova, mas não o poder de julgar factos sem prova. É-lhe apenas concedido o poder de livre apreciação dos meios de prova e do valor probatório da prova efectivamente produzida. 31. Ora, “de qualquer modo, ainda que o questionário não fosse preenchido pelo A. marido e este se limitasse a assinar o boletim de adesão, “a assinatura do documento tem de significar e fazer presumir o conhecimento e a aprovação do seu conteúdo e a assunção da paternidade do documento pelo assinante/subscritor” (Ac. do S.T.J. de 27/03/2014, com o nº de proc.2971/12.5TBBRG.G1.S, publicado na Internet, em www.dgsi.pt/jtrp). 32. Pelo que, não têm razão os ora Recorrentes no que alegam agora em sede de recurso, nomeadamente no que respeita ao invocado abuso de direito por parte da Ré, ora Recorrida. 33. Na verdade, não tendo o segurado declarado durante o questionário clínico que padecia de diabetes, a mesma não é, nem poderia ser, detectável por mera observação médica! 34. Bem como não é detectável por mera observação médica qualquer problema de álcool de que o observado possa sofrer. 35. Acresce referir que, à Seguradora não é exigido que solicite ou realize quaisquer exames médicos aos segurados aquando da celebração dos contratos de seguro, pois este é celebrado com base nas declarações de cada Pessoa Segura no Boletim de Adesão. 36. Ora, tendo o falecido Adeclarado que se encontrava de boa saúde e não padecia ou tinha padecido de qualquer doença, a Seguradora aceitou as declarações do segurado que, inclusivamente, declarou expressamente ter respondido com veracidade, exactidão e sem omissão às perguntas relativas ao seu estado de saúde tendo conhecimento que falsas declarações, inexactidão ou omissões levam à anulação do Boletim de Adesão, e celebrou o contrato com base em tais declarações. 37. Assim, não se trata de ligeireza ou facilidade na celebração dos contratos de seguro, e muito menos de abuso de direito, trata-se, apenas e só, de um contrato que a Seguradora, de boa-fé, celebrou com a A. e o marido com base em declarações por este (falsamente, sabe-se agora) prestadas e de posteriormente ter tomado conhecimento de que tal contrato se encontrava ferido de nulidade por falsas declarações do próprio segurado. 38. Pelo que, cabe à Seguradora o direito de, perante tais situações como a dos autos, declinar a responsabilidade de sinistros que se encontram cobertos ao abrigo de um contrato de seguro nulo, ainda que, anteriormente a tal conhecimento, os segurados tivessem procedido, e bem, ao pagamento dos prémios de seguros que eram legalmente devidos, pelo que não colhe o argumento ora usado pelas Recorrentes. 39. Sendo que, no momento em que a Seguradora teve conhecimento de todo o processo clínico do falecido A, após a participação da sua morte, remeteu à A. uma carta, data de 31.10.2006, na qual a Seguradora informou, nos termos legais, da anulabilidade do contrato a partir da referida data, atentas as falsas, inexactas ou incompletas declarações prestadas pelo falecido A. 40. Por tudo quanto se acabou de expor, resulta, salvo melhor opinião, que à data da celebração do contrato de seguro o A. marido omitiu que padecia de diabetes melitus tipo 2 desde 1997, bem sabendo que seria um factor determinante para avaliação do risco por parte da seguradora que poderia ter como consequência a recusa da celebração do contrato, pelo que a douta sentença proferida deverá manter-se inalterada. 41. Acresce que, e conforme também refere a douta sentença ora recorrida, por força do disposto no nº 2 do art. 287º do C.C., por não estar ainda cumprido o negócio (pois não foi paga a indemnização pretendida pelas AA.), a anulabilidade pode ser arguida sem dependência de prazo. 42. Assim, enquanto não for paga pela seguradora qualquer indemnização pelo óbito do segurado, o negócio não se considera cumprido, para os efeitos do nº 2 do artigo 287º C.C. Podendo a anulabilidade ser arguida sem dependência de prazo. Nestes termos e nos demais de direito, requer-se a V. Exas. que seja negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a douta Sentença recorrida, só assim se fazendo JUSTIÇA.»
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO;
Corridos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações. Vejamos então quais as questões a conhecer:
a) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia – artgs. 615.º, n.º al. d) e 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil b) Nulidade da sentença por falta de fundamentação – artgs. 615.º, n.º al. b) e 154.º do Código de Processo Civil c) Impugnação da matéria de facto – factos dados como provados que os apelantes entendem que deveriam ser dados como não provados d) Caducidade do direito da Apelada a invocar a anulabilidade do contrato de seguro e) Abuso de direito
III - FUNDAMENTOS
1. De facto São os seguintes os factos que foram dados como provados na sentença recorrida: A – A 1.ª A. e Acontraíram casamento católico em 14/02/1982 – doc. de fls. 130. B - Na constância do casamento nasceram as 2.ª e 3.ª Autoras, sendo ambas filhas da 1.ª A. e do Senhor A– doc. fls. 134 e 135. C - Em 02 de Outubro de 2006, pelas 05h35 minutos, faleceu, na freguesia de São Francisco Xavier, A– doc. de fls. 132. D - As Autoras são as únicas e legítimas herdeiras de A– doc. de fls. 134 e 135. E - Por escritura pública datada de 06/03/2000, lavrada de fls. 112 a 114, do livro de escrituras diversas número 178-F do 2º Cartório Notarial de Vila Franca de Xira e documento complementar a CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL declarou emprestar à 1ª A. e ao seu então marido o montante de 15.500.000$00 (Quinze Milhões e Quinhentos Mil Escudos), a que correspondem 77.313,67€, contrato de crédito n.º 218.21.100115-9 – doc. de fls. 137 e ss. F - Para garantir o cumprimento das suas obrigações contratuais, a 1ª A. e o seu então marido, constituíram hipoteca sobre o imóvel: fracção autónoma designada pela letra “A”, a que corresponde o rés-do-chão direito do prédio urbano, sito na Rua Fernão Mendes Pinto, lote 33, freguesia do Carregado, concelho de Alenquer, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alenquer, sob o número noventa, freguesia do Carregado, estando o regime de propriedade horizontal registado pela inscrição F-Um, inscrito na matriz sob o artigo 794 – doc. de fls. 150 e ss. G - Da escritura melhor identificada na al. E) faz parte integrante o denominado “Documento Complementar” (v. doc. de fls. 143 e ss) do qual consta, além do mais, na cláusula 8.ª que: “1 – Todos os pagamentos a que a PARTE DEVEDORA fique obrigada pelo presente contrato serão efectuados através da conta de depósito à ordem n.º 218.10.1625- 0, constituída no balcão da CEMG em Forte da Casa, em nome da PARTE DEVEDORA, obrigando-se esta a manter a citada conta com provisão suficiente para o efeito. 2 – A CEMG fica desde já autorizada a debitar na citada conta de depósito à ordem as quantias correspondentes às prestações mensais referidas na cláusula relativa ao reembolso, as quantias necessárias ao pagamento dos prémios de seguro e do plano Garantia de Pagamento de Encargos (PGPE) ou, em alternativa, do plano Protecção ao Crédito à Habitação (PPCH) e, ainda, de quaisquer outras despesas decorrentes deste contrato, bem como as importâncias destinadas ao pagamento de quaisquer créditos da CEMG sobre a PARTE DEVEDORA. 3 – As importâncias despendidas pela CEMG para pagamento das despesas mencionadas no número anterior, não reembolsadas por insuficiência de provisão na referida conta de depósito à ordem, vencem desde o desembolso, juros à taxa contratual em vigor na altura, acrescida da taxa a titulo de cláusula penal prevista na cláusula relativa ao incumprimento do presente contrato.” H - Nos termos da Cláusula 9ª alínea e) do documento: “A PARTE DEVEDORA obriga-se a: … e) efectuar o pagamento dos prémios referentes às alíneas d) e e) através da conta de depósito à ordem atrás referida ou outra nos termos já anteriormente estipulados, autorizando desde já a CEMG, caso não estejam devidamente provisionadas, a pagar esses mesmos prémios, ficando o reembolso assegurado pela presente hipoteca e constituindo os respectivos recibos prova de pagamento de prestações futuras para os efeitos do artigo 50º (cinquenta) do Código de Processo Civil. … 2 – Quaisquer indemnizações devidas no âmbito das alíneas d) e e) só podem ser fixadas com intervenção da CEMG a favor de quem reverterá o produto respectivo até ao limite do seu crédito.” I - Após a assinatura de toda a documentação foram remetidos ao marido da 1ª A. e a esta última os certificados de Seguro de Vida n.º 0073950 e 0073951 da GE FINANCIAL INSURANCE PORTUGAL, os quais referem o seguinte: “CONDIÇÕES DE COBERTURA Pessoa Segura é todo o mutuário, subscritor do contrato acima, cuja proposta de seguro foi aceite pela Seguradora e enquanto tiver uma idade compreendida entre os 18 e os 70 anos. GARANTIAS Em caso de Morte ou Invalidez Absoluta e Definitiva a indemnização corresponde ao capital em dívida à data dessa ocorrência. Existe Invalidez Absoluta e Definitiva sempre que a Pessoa Segura esteja total e permanente incapaz de exercer qualquer actividade lucrativa e, além disso, tenha de recorrer a uma terceira pessoa para efectuar os actos essenciais da vida corrente, não sendo possível qualquer melhora de saúde, de acordo com os conhecimentos médicos à data da confirmação clínica da invalidez. CESSAÇÃO DAS GARANTIAS As garantias seguras cessarão nas seguintes situações: mediante pedido escrito por parte da Pessoa Segura; por extinção do contrato de crédito à habitação; quando a Pessoa Segura atingir a idade de 70 anos; quando se encontrem em dívida duas mensalidades, sem prejuízo da sua eventual reposição em vigor se o pedido da Pessoa Segura for feito até seis meses após a data de anulação. Relativamente ao risco de Invalidez Absoluta e Definitiva esta cobertura cessa 5 anos antes da idade normal da reforma. EXCLUSÕES Suicídio ocorrido durante os primeiros dois anos após a data início da cobertura, actos de guerra, terrorismo, levantamento militar, riscos atómicos, actos ou omissões dolosas da Pessoa Segura. PROCEDIMENTO EM CASO DE SINISTRO A Financial Assurance deverá ser informada da ocorrência do sinistro, no prazo de 60 dias, mediante o preenchimento de impresso próprio, por um representante da Pessoa Segura ou, no caso de morte, por um seu sucessível. A liquidação de qualquer indemnização será efectuada directamente à Caixa Económica Montepio Geral na qualidade de Beneficiário do contrato. A Pessoa Segura na qualidade de mutuário ou quem o represente, deverá manter em dia os seus pagamentos à CEMG, enquanto o sinistro estiver a ser apreciado.” – docs. de fls. 157 e 158. J - Em 03 de Janeiro de 2005 o Banco dirigiu uma carta ao marido da 1ª A. nos seguintes termos: Assunto: Plano de Protecção ao Crédito à Habitação “PPCH” – transferência de carteira da Financial Assurance Comapny Limites “FACL” para a L, Companhia de Seguros, S.A. Contrato n.º 218.21.100115-9 Estimado cliente, No âmbito da contratação do seu Crédito à Habitação com o Montepio Geral, foi igualmente constituído o Seguro de Vida “PPCH” – Plano de Protecção ao Crédito à habitação. O PPCH, oferecido aos Balcões do Montepio Geral, era gerido pela FACL – Financial Assurance Company Limited. Em 1 de Janeiro de 2005, toda a carteira de Seguros de vida ligados ao Crédito à Habitação foi transferido para Seguradora do Ramo Vida do grupo Montepio Geral: L, Companhia de Seguros, S.A. Av. Eng. Duarte Pacheco, Torre 2, 12º Andar – 1070 – 102 Lisboa Telef.: 213 814 860. Desta transferência não resulta qualquer alteração, nem do preço, nem das características ou garantias do produto. Esta comunicação serve apenas para lhe dar conhecimento da transferência, enquanto titular de um Seguro de vida “PPCH” - doc. de fls. 159. L - O Seguro de Vida subscrito pela 1ª R. e seu então marido foi transferido pelo Banco CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, para a R. (Apólice 02.000.266), assumindo esta a posição que caberia à GE Financial Assurance Company Limited. M - No dia 02/10/2006, pelas 05h35m, o marido da 1ª A., A, faleceu no Hospital de São Francisco Xavier, constando do certificado de óbito como causa directa da sua morte: “Cardiopatia Isquémica devida ou consecutiva a diabetes mellitus” – doc. de fls. 160. N - A 1ª A. participou o óbito ao Banco e à Ré. O - A 1.ª Autora e o seu falecido marido entre o ano 2000 e o ano de 2006, data do falecimento deste, sempre liquidaram todos os prémios de seguro. P - Por carta datada de 31 de Outubro de 2006, a R. informou as Autoras nos seguintes termos: “Exmos. Senhores, Com os nossos melhores cumprimentos, no seguimento dos relatórios e informação clínica enviados à companhia e de acordo com o nosso departamento clínico, vimos por este meio informar que quando foi subscrita a proposta de adesão de seguro de vida ao Plano de Protecção ao Crédito à Habitação, que deu origem ao respectivo certificado de Seguro, foram prestadas pelo 1º mutuário e Pessoa Segura – Sr. A, declarações falsas, inexactas ou incompletas, tendo o mesmo agido de má fé. Mais se informa que prestando tais declarações, o mutuário tomou conhecimento e aceitou, que as mesmas tornaram nulo e sem efeito o seguro de vida. Assim, informamos que a companhia refuta qualquer responsabilidade e não procederá ao pagamento da indemnização. Mais informamos que idêntica informação foi prestada à Caixa Económica Montepio Geral.” – doc. de fls. 161. Q - A Caixa Económica Montepio Geral celebrou com a Ré um contrato de seguro de vida grupo tendo em vista a inclusão no mesmo dos clientes da Caixa Económica (a beneficiária do contrato de seguro de grupo) com os quais esta venha a celebrar contrato de mútuo. R - Ae a esposa, AS vieram a ser integrados como pessoas seguras no contrato de seguro de grupo celebrado entre a Ré e a Caixa Económica Montepio Geral. S – O que teve lugar o em consequência da circunstância de ter celebrado contrato de mútuo com a Caixa Económica Montepio Geral e pelos valores por esta mutuados a Ae a AS. T - A Caixa Económica Montepio Geral, dando uso ao contrato de seguro de grupo que a une à Ré, propõe a esta a inclusão no contrato de seguro de grupo dos seus mutuários a fim de poderem passar a configurar no mesmo como pessoas seguras. U - Ae a esposa, AS, no dia 06/03/2000, subscreveram a proposta de adesão ao seguro de grupo celebrado entre a Caixa Económica Montepio Geral e a Ré, conforme documento de fls. 90 a 94. V – Com data de 17/10/2006, o Sr. Dr. J, na qualidade de médico assistente de Adesde 27/12/1993, declarou que este faleceu por tromboembolismo pulmonar, o que está ligado a primitivas condições mórbidas de diabetes tipo 2 com início em Junho de 1997 – doc. de fls. 95 W – Do impresso relativo ao questionário clínico individual anexo à proposta de adesão ao plano de protecção ao crédito à habitação – seguro de vida, consta, para além do mais, o seguinte: “TENHO CONHECIMENTO que a garantia coberta por esta apólice só terá efeito se o boletim de Adesão for aceite pela Seguradora. AUTORIZO a Seguradora a contactar quaisquer entidades médica ou hospitalar que me tenha tratado ou examinado a fim de obter toda a informação que julgue necessária para determinar o meu estado de saúde.” X - Em face do óbito do seu marido, e em função da subscrição do Seguro de Vida, a 1ª A. deixou de pagar as prestações mensais resultantes do crédito à habitação. Y - Convicta que, a partir desse acontecimento, o crédito ficaria totalmente liquidado pela Ré. Z - Conjuntamente com a subscrição da proposta, Adeclarou gozar de boa saúde, não estando sob controlo médico regular devido a doença ou acidente – doc. fls. 383. A1 - Adeclarou expressamente não sofrer nem ter sofrido, até à data, de qualquer das doenças mencionadas no questionário clínico que preencheu – doc. fls. 383. B1 - Especificamente à pergunta sofre ou sofreu de diabetes (ponto 14 pergunta 3 do questionário clínico) Arespondeu “não” – doc. de fls. 383. C1 - A, à data da subscrição da proposta de adesão, padecia de Diabetes Melitus tipo 2 – doc. fls. 296. D1 - O que Aconhecia desde Junho de 1997. E1 - A Ré Seguradora aceitou a adesão ao seguro de grupo celebrado com a Caixa Económica Montepio Geral desconhecendo que Apadecia de diabetes melitus – doc. fls. 383. F1 - Na eventualidade da Seguradora Ré ter tido conhecimento do facto omitido por A, não teria aceite a adesão de Ae AS ao seguro de grupo. G1 - Ae a AAS colocaram as suas assinaturas nos impressos que lhes foram apresentados – doc. fls. 383 e 383 vs. H1 - A informou que media 165 cm e pesava 90 kg – doc. fls. 383. I1 - A informou que sofria de problemas de pulmões, tendo sido submetido a intervenção cirúrgica – doc. fls. 383. J1 - Quando foi informada que a R. havia aceite a proposta de seguro apresentada, tanto o falecido A, como a ora A.,AS, ficaram convencidos que a R. nunca iria invocar qualquer anulabilidade do referido contrato. K1 – Foi em face dessas expectativas criadas que A procedeu atempadamente ao pagamento dos respectivos prémios de seguro. L1 - Sendo a proposta preenchida segundo as informações prestadas, após o preenchimento de todos os campos da proposta de adesão, a mesma é entregue para confirmação do teor e para assinatura, caso tudo esteja conforme. Os factos não provados A matéria factual que não mereceu acolhimento supra, designadamente a seguinte: - aquando da celebração da escritura o Banco exigiu que a 1ª A. e o seu marido efectuassem um Seguro de Vida de Grupo PPCH, apólice 20.04.0021, celebrado com a GE FINANCIAL INSURANCE PORTUGAL, sendo beneficiário o BANCO CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL – v. al. E), doc. fls. 90 e 91; - com a morte do seu marido, a 1ª A. deixou de ter condições económicas para poder liquidar as prestações do referido empréstimo; - motivo pelo qual, em 11 de Julho de 2008, o Banco Caixa Económica Montepio Geral intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Alenquer uma acção Executiva no montante de 89.263,34€, a qual corre termos sob o n.º 988/08.3TBALQ no 1º Juízo do tribunal Judicial de Alenquer; - a R teve conhecimento, aquando da apresentação da proposta de seguro, que Asofria de diabetes melitus – doc. fls. 383; - todos os impressos foram preenchidos pelos funcionários do Montepio Geral; - o campo referente à doença de diabetes não foi preenchido – doc. fls. 383; - A, aquando do preenchimento do referido questionário, informou a funcionária que sofria de diabetes, tipo 2.
2. De direito
Apreciemos agora as questões suscitadas pelas Apelantes.
a) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia – artgs. 615.º, n.º al. d) e 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil Sustentam as apelantes que a sentença se encontra ferida da nulidade prevista na alínea d), do n.º 1 do art.º 615.º, conjugado com o art.º 608.º, ambos do Código de Processo Civil, pois que tendo invocado na sua petição que a Ré terá agido com abuso de direito, tal questão não foi apreciada na sentença. Efectivamente as recorrentes na sua réplica e sob os artgs. 18.º a 38.º pediram que fosse reconhecido que a actuação da Ré configurava manifesto Abuso de Direito na modalidade de "Venire Contra Factum Proprium." A sentença não apreciou especificamente a questão do invocado abuso de direito. Há porém que ter presente o estipulado no art.º 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil que diz: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras…». Poderemos afirmar que o facto de a sentença ter considerado que a omissão por parte do falecido A de que padecia de diabetes melitus tipo 2 desde 1997, era um factor determinante para avaliação do risco por parte da seguradora e que assim teve como consequência a anulação do contrato, excluiria a apreciação da alegação do abuso de direito por parte da Ré? Afigura-se-nos que tal como as AA. configuraram tal questão a resposta é negativa, isto é, impunha-se a apreciação da mesma. Com efeito, na tese das recorrentes, expressa na sua réplica, considera-se que o facto de no “Questionário Clínico Individual” que integrava o “Boletim de Adesão” ao seguro se estipular que a Ré poderia confirmar a situação de saúde do segurado, tal levaria a que se entendesse que a mesma ao ter aceite a proposta de seguro e recebido ao longo de 6 anos os prémios do seguro, teria inculcado a ideia no falecido e sua esposa (aqui A.), de que a R. não iria invocar qualquer anulabilidade baseada nessa factualidade, considerando o contrato válido. Entendem aí as AA. que haverá abuso de direito na sua vertente de “venire contra factum proprium”, pois que a R. terá manifestado a intenção de não pôr em causa o contrato, vindo depois a fazê-lo. Com efeito, face a este enquadramento, mesmo com a factualidade dada como provada, não se poderia afirmar que esta questão se mostrava prejudicada face ao facto de se ter entendido que a R. estaria em tempo e poderia arguir a anulabilidade do contrato, pois que a posição das AA. quanto a esta questão admitia até esse circunstancialismo. Importava assim que na sentença se conhecesse da mesma. Nesta medida, entende-se que há a registar a nulidade da sentença apontada, prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, o que se declara. Tendo presente o estipulado no art.º 665.º, do Código de Processo Civil, cumprirá porém a este tribunal de recurso conhecer de tal questão, o que se fará mais adiante.
b) Nulidade da sentença por falta de fundamentação – artgs. 615.º, n.º al. b) e 154.º do Código de Processo Civil Sustentam as AA. que a sentença se encontra ainda ferida da nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, com referência ao art.º 154.º do mesmo diploma, dado que a factualidade dada como provada e não provada não se mostra fundamentada. Referem expressamente nas suas conclusões V e VI: «V- No caso Sub Júdice o Tribunal "a quo" limitou-se tão somente a reproduzir a matéria de facto dada como provada, sem fundamentar, em que prova se baseou para, em concreto, dar como provados os factos que elencou, não tendo efectuado qualquer exame crítico da prova; VI O Tribunal "a quo" ao elaborar a Sentença nos termos em que o faz impossibilita as recorrentes de indagarem se determinada prova poderia ou não dar como provado o facto A, B, ou C; (…)». Ora, analisando a sentença, verificamos que a afirmação em causa não corresponde à realidade. Na verdade, em sede de “Motivação”, registamos que a Exma. Senhora Juíza apresenta os fundamentos da sua decisão de facto. Na realidade, são aí mencionados os documentos que alicerçam a sua posição e indicados os testemunhos que condicionaram a decisão. É pois manifestamente infundada a arguição de tal nulidade, a qual, nesta medida, tem de se considerar improcedente.
c) Impugnação da matéria de facto – factos dados como provados que os apelantes entendem que deveriam ser dados como não provados Entendem as apelantes que a Exma. Senhora Juíza terá feito inadequada apreciação da prova produzida, dando como provados factos que, na óptica das recorrentes, deveriam ser considerados não provados, por sobre os mesmos não ter sido feita a respectiva prova. Tal afirmação reporta-se às alíneas U, V, A1, B1, C1, D1, E1, F1 e L1, da matéria provada. Convirá ter presente que “(…) o recorrente que impugne a matéria de facto deve procurar demonstrar o erro de julgamento dessa matéria, demonstração que implica a produção de razões ou fundamentos que, no seu modo de ver, tornam patente tal erro “(…). “(…) não parece excessivo exigir ao apelante que, no curso da alegação, exponha, explique e desenvolva os fundamentos que mostram que o decisor de 1.ª instância errou quanto ao julgamento da matéria de facto, exposição e explicação que deve consistir na apreciação do meio de prova que justifica a decisão diversa da impugnada, o que pressupõe, naturalmente, a indicação do conteúdo desse meio de prova, a determinação da sua relevância e a sua valoração. Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente …, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor, caso contrário, a impugnação da matéria de facto banaliza-se numa mera manifestação inconsequente de inconformismo.”[[1]] Ainda no tocante às situações que permitem a modificabilidade da decisão de facto haverá que ter presente que tal reapreciação não poder subverter o princípio da livre apreciação das provas consagrado no art.º 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil, devendo a decisão da Relação focar a sua actuação nos casos de patente desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e os concretos pontos questionados. Ora, analisando a prova produzida, encontramo-nos de acordo com a apreciação feita pela Exma. Senhora Juíza sobre a mesma. Com efeito, no tocante ao ponto U), a mesma sustentou-se no doc. de fls. 90 a 94 – “Plano de Protecção ao Crédito à Habitação” - que representa a proposta de subscrição de adesão ao seguro de grupo celebrado entre a Caixa Económica Montepio Geral e a Ré, sendo certo que tal documento se mostra subscrito pela falecido A e a A., sua esposa. É manifesto que as assinaturas apostas em tal documento seriam destas pessoas, pelo que há que manter o decidido. O ponto V), mostra-se comprovado não só pelo que consta do Relatório Médico de fls. 95, como pelo teor do depoimento da testemunha, Dr. J, que sendo o médico assistente do falecido, elaborou o indicado relatório médico. Quanto aos pontos A1 e B1, mostra-se comprovado pelo teor do doc. de fls. 383, de onde constam as respostas ao questionário clínico individual do falecido A, que aquele terá respondido não sofrer nem ter sofrido, até então, de qualquer das doenças mencionadas no questionário clínico e que não sofria ou sofrera de diabetes. Esse circunstancialismo mostra-se para nós assente, por via desse documento. Ressalve-se no entanto que não se pode considerar comprovado que tenha sido Aa preencher o questionário clínico em causa (vejam-se os Relatórios da PJ a tal propósito), pese embora tal circunstancialismo não afecte a validade e eficácia jurídica do mesmo, dado encontrar-se assinado por ele (assinatura indubitavelmente dele), sendo que “a assinatura do documento tem de significar e fazer presumir o conhecimento e a aprovação do seu conteúdo e a assunção da paternidade do documento pelo assinante/subscritor”[2]. Assim, o facto integrante do ponto A1 passará ter a seguinte redacção: «A1 - Adeclarou expressamente não sofrer nem ter sofrido, até à data, de qualquer das doenças mencionadas no questionário clínico.» No tocante aos pontos C1 e D1, consta do doc. de fls. 296 (e foi confirmado em audiência pela testemunha J, que o subscreveu) que o A à data da subscrição da proposta de adesão ao seguro de grupo padecia de diabetes Melitus tipo 2 e era conhecedor dessa situação desde Junho de 1997. Com efeito, o médico assistente do falecido confirmou essa factualidade, sem que dúvidas ficassem. Relativamente aos pontos E1, F1 e L1, resultou claro a forma como a seguradora aceitava as propostas de adesão, confiando no que lhes era declarado pelos segurados, sendo que nenhuma prova foi feita de que saberia da situação médica do indicado A. Resultou ainda inequívoco que se o soubesse, não teria aceite o seguro em causa (testemunha Luís Faísca). Pelo que se deixa dito temos pois de concluir que apenas haverá que modificar o ponto A1 da matéria provada, nos termos supra descritos, improcedendo no mais as razões avançadas pelas apelantes para que se alterasse a matéria de facto.
d) Caducidade do direito da Apelada a invocar a anulabilidade do contrato de seguro
No âmbito desta questão as apelantes sustentam que teria já caducado o direito da Ré a requerer a anulabilidade do contrato de seguro. Estribam a sua posição no facto de, face à possível situação de anulabilidade do contrato (que para este efeito aceitam), o art.º 287.º, n.º 1 do CC, estipular que as pessoas em cujo interesse a lei estabelece legitimidade para a arguir (no caso, a Ré) o deveriam ter feito dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento, sendo certo, adiantam ainda, que tendo sido dado conhecimento à Ré, em 17/10/2006, de toda a situação clínica do falecido A, mostrava-se já caducado o direito desta a arguir a anulabilidade do contrato no momento em que o fez – na contestação desta acção. Vejamos. Tal como se referiu (e bem) na sentença, os pressupostos de validade do contrato do contrato de seguro em causa são regidos pelo Código Comercial, designadamente as constantes dos artgs. 425.º a 462.º. Com efeito, pese embora hoje vigore o Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16/04, que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro e revogou expressamente aquelas normas do Código Comercial (veja-se o seu art.º 6.º), o que é facto é que por via do estipulado nos seus artgs. 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 1 ela é aplicável ao conteúdo de contratos celebrados em data anterior que subsistam à data do seu início de vigência e relativamente aos contratos de seguro com renovação periódica, a partir da primeira renovação posterior à data da sua entrada em vigor (que ocorreu em 01/01/2009), pelo que não sendo o caso do contrato em apreço, ser-lhe-á aplicável o regime inserto no Código Comercial, aliás de acordo com o princípio geral inserto no art.º 12.º, n.º 1 do CC - as condições da sua validade (capacidade, vícios do consentimento, forma etc.) bem como os efeitos da sua invalidade – é regulado pela lei vigente ao tempo em que foi celebrado. Aqui chegados, importará também salientar, tal como foi sustentado nos autos, que o vício da alegada declaração inexacta ou reticente será geradora da possível anulabilidade do contrato e não da sua nulidade. Com efeito, hoje, é esse o entendimento maioritário da jurisprudência e da doutrina[3], pois que pese embora a «letra do preceito pareça levar à conclusão de que, havendo declarações inexactas (no sentido de declarações não conformes com a realidade) ou reticentes (no sentido de que omitem factos com interesse para formação da vontade contratual da outra parte), o contrato padece de nulidade, e não de mera anulabilidade, encontramo-nos perante uma anulabilidade do contrato de seguro, sendo aquela designação literal simples fruto de uma imperfeição terminológica, que também viciava o Código Civil de Seabra, quando se estabelecia a distinção doutrinal entre nulidade absoluta e nulidade relativa, sendo ambas sempre nulidade, mesmo que apenas relativa, esta hoje correspondente à figura da anulabilidade.»[4] Na realidade, «não existem quaisquer razões que imponham, para a hipótese dos autos, um regime tão drástico como o da nulidade: a natureza particular dos interesses em jogo e a inexistência de violação de qualquer norma imperativa determinam que deva ser a anulabilidade a consequência ligada à emissão de declarações inexactas ou reticentes do segurado ou de quem fez o seguro, susceptíveis de influir na existência ou condições do contrato respectivo. É que o regime mais severo da nulidade encontra o seu fundamento teleológico em motivos de interesse público, enquanto as anulabilidades se fundam na infracção de requisitos dirigidos à tutela de interesses particulares, como é o caso, em que a seguradora, se o entender, pode preferir manter o contrato como válido apesar das inexactidões ou reticências. A interpretação referida é a que se mostra mais em harmonia com a unidade do sistema jurídico, que, como regra, qualifica de anulabilidade a invalidade dos negócios por vício na formação da vontade (art.ºs 247º, 251º, 252º, 254º, 256º e 257º do Cód. Civil), sendo que o art.º 429º do Cód. Comercial constitui um afloramento do erro vício que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, previsto naqueles art.ºs 251º e 247º.[5] Importante é também ter a noção de que nem todas as declarações inexactas ou reticentes dão azo à possibilidade de anulação do contrato. Na realidade, para que possam ser aceites como viciantes do mesmo elas terão de ter a potencialidade de influírem sobre as condições ou a existência daquele. Como se refere ainda no ac. do STJ de 24.04.2007: «Cumpre ao segurado, como é óbvio, segundo os princípios da boa fé contratual, declarar com verdade os factos que interessem à determinação da qualidade e da intensidade ou extensão do risco, só existindo anulabilidade do contrato de seguro quando as declarações inexactas ou reticentes possam ter influência na determinação do mesmo risco, por os factos ou circunstâncias referidos com inexactidão ou omitidos por reticência serem susceptíveis de tornar o sinistro mais provável ou mais amplas as suas consequências. Não exige, porém, aquele art.º 429º, que, para haver anulabilidade, os factos ou circunstâncias constantes incorrectamente de tais declarações inexactas ou omitidos nas reticentes, se fossem conhecidos pela seguradora, teriam efectivamente determinado a celebração do contrato em termos diferentes daqueles em que o foi: ao dizer “teriam podido influir”, e não “teriam influído”, ou “tenham influído”, contenta-se com a susceptibilidade de as declarações, factos ou circunstâncias em causa, influírem sobre a existência ou condições do contrato, sem exigir que efectivamente as influam, ou seja, considera suficiente que as declarações possam influir, não exigindo que forçosamente influam, até porque não chegou a haver formação de vontade da seguradora com base nesses factos ou circunstâncias desconhecidos por não declarados ou incorrectamente declarados.» No caso em apreço, as declarações do falecido falsearam a realidade, sendo esta dele conhecida, tendo-se apurado igualmente que a seguradora não realizaria o seguro se tivesse tido conhecimento dessa realidade. Trata-se assim, indubitavelmente, de vício relevante passível de gerar a anulabilidade do contrato como foi requerido pela Ré. Importa agora ver se perante tal vício de anulabilidade se se verifica a caducidade do direito da Ré à sua arguição. Também aqui acompanhamos o entendimento vertido na sentença. Efectivamente, consideramos que o negócio não se mostra cumprido, pois que tal só aconteceria com o pagamento do montante seguro. Sendo a finalidade do contrato em causa o cobrimento do risco que se pretende acautelar, o seu cumprimento só se verificará, ou no final do período de vigência da mútuo, ou do pagamento do montante seguro. A ser assim, como é, não seria de aplicar ao caso o prazo previsto no art.º 287.º, n.º 1 do CC, antes o disposto no n.º 2 de tal preceito legal. Por essa forma, a anulabilidade podia ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção, como por via de excepção, sendo certo que, no caso em apreço, o foi na contestação. Há pois que concluir que tal arguição foi tempestiva o que implica que não assiste razão às apelantes nesta questão.
e) Abuso de direito Defenderam as apelantes que o facto de no “Questionário Clínico Individual” que integrava o “Boletim de Adesão” ao seguro se estipular que a Ré poderia confirmar a situação de saúde do segurado, levaria a que se entendesse que a mesma ao ter aceite a proposta de seguro e recebido ao longo de 6 anos os prémios do seguro, teria inculcado a ideia no falecido e sua esposa (aqui A.), de que a R. não iria invocar qualquer anulabilidade baseada nessa factualidade, considerando o contrato válido. Por via desse circunstancialismo consideram as AA. que haverá abuso de direito na sua vertente de “venire contra factum proprium”, pois que a R. terá manifestado a intenção de não pôr em causa o contrato, vindo depois a fazê-lo. Afigura-se-nos não assistir razão às apelantes, não tendo a seguradora agido de forma abusiva. A este propósito, veja-se o que foi dito no acórdão desta mesma Relação de 26/03/2009[6] a propósito duma situação muito semelhante à aqui vivenciada: «(…). Na figura do abuso do direito, existe um direito, que nas concretas circunstâncias em que é exercido pelo seu titular, merece reprovação no plano ético-jurídico se violar não só os princípios da boa-fé, que é exigida socialmente, mas também quando o concreto proceder colide com o fim económico e social do direito (cfr. art. 334º do Código Civil). O instituto do abuso do direito visa obtemperar a situações em que a invocação ou exercício de um direito que, na normalidade das situações seria justo, na concreta situação da relação jurídica se revela iníquo e fere o sentido de justiça dominante[7]. A parte que abusa do direito, actua a coberto de um poder legal, formal, visando resultados que, clamorosamente, violam os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes, ou pelo fim económico ou social do direito. Uma das vertentes em que se exprime tal actuação, manifesta-se, quando tal conduta viola o princípio da confiança, revelando um comportamento com que, razoavelmente, não se contava, face à conduta anteriormente assumida e às legítimas expectativas que gerou – “venire contra factum proprium”. Para que se possa considerar abusivo o exercício do direito que afectou o Autor, importa demonstrar factos, através dos quais se possa considerar que a Ré ao exercê-lo, excedeu, manifestamente, clamorosamente, o seu fim social ou económico, ou que com a sua actuação, violou sérias expectativas incutidas no Autor, assim traindo o investimento na confiança, o que exprime violação da regra da boa-fé. (…).» Ora, no caso em apreço é patente que o comportamento da Ré não configura minimamente essa postura abusiva. A aceitação do contrato de seguro por parte da seguradora alicerçou- se nas declarações (tidas como verdadeiras) prestadas pelo falecido e sua esposa (aqui A.), não sendo por isso razoável vir argumentar-se que tal situação teria criado a convicção na pessoa dos segurados de que jamais iria aquela suscitar a questão da anulabilidade do contrato. Por outro lado, a seguinte estipulação constante do “Questionário Clínico”: “Tenho conhecimento que a garantia coberta por esta apólice só terá efeito se o Boletim de Adesão for aceite pela Seguradora. Autorizo a Seguradora a contactar qualquer entidade médica ou hospitalar que me tenha tratado ou examinado a fim de obter toda a informação que julgue necessária para determinar o meu estado de saúde”, não representa (como as apelantes pretendem fazer crer) uma qualquer obrigatoriedade da Seguradora realizar tal actividade investigatória sobre as pessoas a segurar antes de celebrarem. Trata-se duma prorrogativa, mas não duma obrigação. Assim sendo, a aceitação do seguro não poderia nunca representar uma alienação do direito da seguradora a, perante situações como a presente em que não se terá respondido com verdade ao questionário clínico, arguir a anulabilidade do contrato de seguro. Improcede assim também esta questão referente à excepção do abuso de direito.
IV – DECISÃO
Desta forma, por todo o exposto, os juízes desembargadores que integram este colectivo, acordam em julgar a presente apelação improcedente e, nessa medida, confirmam a sentença recorrida. Custas pelas apelantes. Lisboa,
(José Maria Sousa Pinto) (Jorge Vilaça Nunes) (João Vaz Gomes) _______________________________________________
[1] Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, “dos Recursos”, Quid Júris, Pág. 253 e 254. No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, 3.ª Ed., Almedina, pág.153 e Luís Filipe Brites Lameiras, “Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil”, Almedina, 2008, pág. 80. |