Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20/2001.L1-2
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: SUB-ROGAÇÃO
SEGURO MARÍTIMO
IMPUGNAÇÃO
TESTEMUNHA
ADVOGADO
ESTRANGEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Concluiu-se efectivamente que o sinistro em causa não estaria coberto pela apólice de seguro, sendo porém certo que o facto da indemnização ter sido paga, teve repercussão no direito da seguradora de vir a ser reembolsada pelos prejuízos causados pela Ré, por via da sub-rogação legal e voluntária dos direitos da sua segurada.

O pedido de condenação da Ré no pagamento dos juros de mora vencidos não pode ser atendido, pois a liquidação do seu crédito apenas aconteceu com a presente decisão (art. 805.º, n.º 3, do CC).»

O artigo 618º, número 3, do C.P.C., por si só, impede automaticamente um advogado de depor sobre factos de que tenha tomado conhecimento no exercício das suas funções não encontra a menor sustentação na palavra do legislador, presumindo-se sempre que este se soube expressar da forma mais adequada.


«o segredo profissional do advogado não interessa apenas ao confidente e ao cliente mas à sociedade inteira, revestido assim um dever da ordem pública, tutelando o interesse geral e social, que deve ser posto na confidencialidade e secretismo, que hão-de revestir as relações havidas no exercício da profissão.» Em Itália, também se entende que o segredo profissional do advogado, mais do que um direito é um dever da ordem pública.”.

o Parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, n.º E/1027: Boletim da OA, N.º 2/96, páginas 17 e 18 que “II- O Advogado estrangeiro não poderá ser admitido a depor como testemunha desde que a matéria da inquirição esteja a coberto do segredo profissional.”.

Código de Deontologia dos Advogados Europeus, aprovado na sessão plenária do C.C.B.E., em 28 de Outubro de 1988 (vide a versão portuguesa foi aprovada por deliberação na sessão do Conselho Geral de 13 de Julho de 2007 e tornada publica pela Deliberação n.º 2511/2007, publicada no Diário da República (II série) n.º 249 de 27 de Dezembro de 2007), a lei italiana não poderia ter um teor ou sentido diferente do ora indicado.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Os juízes desembargadores que integram este colectivo, acordam,

I – RELATÓRIO

AG, S.P.A., intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra SCC S.A., que entretanto foi substituída no processo por SCC – Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, S.A. (despacho de 01 de Julho de 2013, a fls. 1259), tendo pedido a condenação desta no pagamento de PTE 49.894.135,00 (248.871,00 €), a título de capital e juros de mora vencidos desde 25 de Setembro de 1998, acrescida de juros de mora vincendos sobre o capital de PTE 38.628.520,00 (192.678,33 €), até integral pagamento, para o que alegou, em síntese, ter pago a quantia de LIT 371.000.000,00 (192.678,33 €) à sua segurada, IC, SPA, a título de indemnização pela avaria da responsabilidade da Ré verificada na cerveja que esta vendeu a essa sua segurada, nas condições FOB, e que foi transportada por via marítima entre os portos de Lisboa e Luanda, com o que ficou sub-rogada nos respectivos direitos contra a Ré.

A Ré contestou a acção, tendo alegado, em síntese:

- o contrato de seguro marítimo nos autos não cobre os riscos que extravasem o âmbito do contrato de transporte marítimo;

- a pretensa deficiente acomodação das latas de cerveja nos contentores ocorreu nas instalações da Ré em Vialonga, isto é, a causa da avaria da mercadoria produziu-se antes do início do transporte marítimo e da cobertura do seguro;

- não há fundamento para a invocada sub-rogação legal porque a A. Suportou danos que não estava obrigada a cobrir segundo o contrato de seguro;

- acresce que a A. não demonstra que tivesse assumido a posição de sua segurada por outra via;

- para além disso, a Ré não levou a cabo qualquer acção de deficiente embalagem e acomodação da mercadoria nos contentores antes do início do transporte marítimo;

- os danos resultaram de eventos ocorridos em momento posterior ao da embalagem e acomodação da carga nos contentores;

- para minorar os prejuízos sofridos pela segurada da A., a Ré acordou com a mesma conceder-lhe um desconto em futuras encomendas, o que veio a suceder, com isso se encerrando a discussão sobre a eventual responsabilidade da Ré relativamente à totalidade dos danos causados pelo sinistro dos autos;

- por outro lado, a A. não concretiza quais foram os danos sofridos pela sua segurada que foram por si ressarcidos;

- a Ré ignora quais foram os danos sofridos pela segurada da A. em virtude da avaria da mercadoria;

- a Ré também ignora se a A. pagou efectivamente à sua segurada a importância aqui reclamada;

- a Ré já reparou parcialmente os danos junto da segurada da A.; e

- não haverá mora da Ré enquanto não for liquidada a quantia eventualmente devida.

Na sua réplica a A. alegou que beneficia também da sub-rogação voluntária nos termos declarados pela sua segurada no recibo de indemnização junto aos autos com a petição inicial, tendo ainda referido que o invocado pagamento parcial não lhe é oponível porque é posterior ao conhecimento da sub-rogação operada em favor da A..

Foi elaborado o despacho saneador, onde foi desatendida a matéria exceptiva alegada pela Ré, de que foi interposto recurso que veio a ser desatendido por este Tribunal da Relação em 07-10-2003.

Na audiência de 19/04/2005 indeferiu-se o 1.º incidente de impugnação da testemunha Carlos, tendo a Ré recorrido de agravo do mesmo.

Foi proferida sentença, a qual julgou a acção improcedente.

Dessa sentença recorreu a A. mediante recurso de apelação, que veio a ser conhecido por este Tribunal da Relação, através do acórdão de 04-05-2006, tendo tido a seguinte decisão:

Pelo exposto, decide-se ordenar a formulação de novos quesitos, ao abrigo do art.º 650.º, al. f), do Código de Processo Civil, contendo a matéria factual que supra se referenciou e anular o julgamento e a sentença, a fim de, em novo julgamento, se responder não só a esses novos quesitos, mas ainda se suprir a contradição das respostas aos quesitos que igualmente se referenciaram, com o que fica, por ora, prejudicado o conhecimento do agravo.”

Inconformada com tal decisão recorreu a Ré para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo que por despacho de 06-11-2006 se decidiu não conhecer do objecto do recurso.

Na sequência do determinado pelo Acórdão deste Tribunal, aditaram-se 2 quesitos à base instrutória (3A e 18A).

As partes arrolaram testemunhas para serem inquiridas sobre essa nova matéria de facto.

Procedeu-se a julgamento, no decorrer do qual a Ré deduziu incidente de impugnação contra a admissão da testemunha Carlos, tendo alegado tratar-se de advogado da A. abrangido pelo segredo profissional, o que foi indeferido por despacho de 09/11/2007, do qual a Ré recorreu.

Proferiu-se sentença onde se decidiu: “Em face do exposto, fundamentado e escudado nos preceitos e princípios legais que no caso regem, julgo o pedido parcialmente procedente e, consequentemente, condeno a Ré SCC S.A., a pagar à A. AG, S.P.A., a quantia de 175.328,42€ (cento e setenta e cinco mil trezentos e vinte e oito euros e quarenta e dois cêntimos).

Mais condeno a Ré a pagar à A. juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal e contados a partir da citação até efectivo e integral pagamento.

(…).”

Inconformada com tal decisão a Ré recorreu da mesma.

Este tribunal da Relação, por acórdão proferido em 19 de Abril de 2012, tendo começado por apreciar o recurso de agravo relativo ao despacho de 19/04/2005 decidiu:

«Assim, face a todo o exposto, acorda-se em julgar provido o primeiro agravo e, nessa decorrência, fica prejudicada a apreciação das questões inerentes ao segundo e à apelação, havendo que realizar novo julgamento sem o cometimento da nulidade aqui apreciada.»

 Por via dessa decisão, tendo ficado parcialmente anulado o julgamento, pois que implicou a realização de audiência para produção de prova sobre os factos a que a testemunha tinha sido inquirida, prejudicado ficou (e está) a apreciação do segundo agravo que incidiu sobre o despacho proferido na audiência de 09/11/2007, pois que aquele nosso acórdão invalidou o depoimento dessa testemunha nessa audiência.  

No âmbito deste julgamento (em 01/07/2013) foi requerida a inquirição da testemunha Carlos e apresentado um documento emitido pela Ordem dos Advogados de Trieste, autorizando o depoimento de tal testemunha. Nesse acto a A. pôs em causa tal documento por o mesmo não conter a Apostilha a que alude a Convenção de de 05/10/1968. Nessa sequência o Exmo. Senhor Juiz proferiu o seguinte despacho:

«Dado que, como bem refere o Ilustre Mandatário da Ré, o documento em apreço é um documento público que, nos termos do art.º 3.º da Convenção relativa à Supressão da Exigência da Legalização dos Actos Públicos Estrangeiros, concluída em Haia a 05 de Outubro de 1968, deveria ter sido observado quanto ao mesmo a formalidade da apostilha, sob pena de não ter a validade pretendida. Por forma a suprir tal omissão, determino que se extraia cópia do documento ora apresentado a qual será incorporada na presente acta e se entregue a título devolutivo o original apresentado pela Autora, de modo a que seja nele aposta a apostilha devida, concedendo para esse efeito o prazo de 30 dias à apresentante.

Uma vez que se encontra presente a testemunha Dr. Carlos, determino ainda que a mesma seja inquirida, ficando o aproveitamento do seu depoimento sujeito à verificação da condição acima referida, ou seja, à apresentação do documento apostilhado.

Notifique

O presente despacho não foi objecto de recurso.  

Ainda no âmbito de tal audiência de julgamento, face à indicação, uma vez mais, dessa testemunha, foi pela Ré suscitado o incidente de impugnação de admissibilidade do seu testemunho.

O Exmo. Senhor Juiz proferiu então (01/07/2013) o seguinte despacho:

«A questão da admissibilidade do depoimento da testemunha Dr. Carlos não é nova e já foi suscitada em duas ocasiões neste processo, a primeira das quais no âmbito da audiência de discussão e julgamento no dia 19/04/2005.

A decisão que este tribunal então proferiu, no sentido de admitir o referido depoimento foi objecto de recurso de agravo o qual foi julgado procedente e ditou a declaração de nulidade do depoimento da testemunha Carlos. Esse acórdão, constante de fls. 1128 e segts. dos autos, tornou assentes alguns factos e considerações que, por força do caso julgado, não pode a meu ver ser contornado. A primeira conclusão a que o referido acórdão chega é a de que, sendo o Dr. Carlos advogado inscrito na Ordem dos Advogados Italianos, exercendo a sua actividade em Itália e não exercendo em Portugal, o mesmo está sujeito ao segredo profissional constante do Código Deontológico da Ordem dos Advogados Italianos.

Nesse Código resulta duas normas cuja apreciação é decisiva para a solução do incidente deduzido pela Ré. A saber: os já mencionados artgs. 9.º e 58.º do referido Código, os quais por razões de economia processual não são agora citados. Da alegação efectuada pela Autora no seu requerimento que antecede julga-se que a mesma logrou sustentar factos que preenchem a previsão das excepções previstas na al. a) do n.º 4 do art.º 9.º do referido Código. Efectivamente, e se bem se entende a norma em apreço, o depoimento do Dr. Carlos pode ser aproveitado pela Autora na actividade tendente à condução da defesa da sua pretensão. E sendo assim encontra-se preenchida a excepção ao princípio contido no n.º 1 do referido ar.º 9.º.

Para além do mais, do documento apresentado na presente audiência pela autora, alegadamente emitido pela Ordem dos Advogados de Trieste – o qual remete na íntegra para a declaração emitida pela mesma Ordem junta a fls. 887 – e nos termos da qual se atesta que não existem razões deontológicas impeditivas a que o Dr. Carlos preste depoimento como testemunha nos presentes autos, retira-se a conclusão de que o órgão competente permitiu a prestação do depoimento ora ambicionado.

Cumpre destacar ainda que o Dr. Carlos, conforme o mesmo salientou não representa actualmente a Autora nos presentes autos, o que leva à conclusão lógica de que o mesmo renunciou ao mandato. Finalmente, crê-se que não pode estar em Tribunal a afrontar o órgão deontológico competente que autorizou a dispensa de sigilo ao Dr. Carlos, sendo certo que a Autora ao arrolá-lo como testemunha também prescindiu do benefício que podia provir de tal segredo.

Nestes termos e com tais fundamentos julgo improcedente o incidente deduzido pela Ré condenando a mesma em 2 U.C. de taxa de justiça.

Notifique.»  

Inconformada com tal decisão veio a Ré recorrer da mesma, tendo apresentadas as seguintes conclusões:

«1ª – O documento junto pela Agravada foi, alegadamente, emitido pelo Conselho da Ordem dos Advogados de Trieste, em 14.06.2013.

2ª - Estando em causa um documento público alegadamente elaborado por uma autoridade italiana, a autenticidade do mesmo, o reconhecimento da assinatura do signatário que o elaborou, a qualidade em que o mesmo o emitiu e a autenticidade do selo ou do carimbo que constam do referido documento, só podem ser certificados através de apostilha. Sem a referida apostilha, o documento junto pela Agravada na audiência de julgamento do dia 1 de Julho de 2013 não tinha qualquer validade e, como tal, não podia cumprir o seu propósito de legitimar a inquirição da testemunha Carlos.

4ª – Aos processos que corram termos nos tribunais portugueses aplicar-se-á, sem margem para quaisquer dúvidas, a lei portuguesa, sendo esta, a lei que é apta a regular todos os termos do processo.

5ª - Ora, face ao n.º 3 do artigo 618.º do C.P.C, no aspecto que aqui tem relevo, devem escusar-se a depor todos aqueles que estejam abrangidos pelo sigilo profissional, o que torna imediatamente nulos os depoimentos prestados em violação de tal preceito legal.

6ª - Na verdade, o princípio geral é o de que todas as pessoas devem ser admitidas a depor em processo civil, no sentido de auxiliarem o juiz na descoberta da verdade; todavia, os advogados estão obrigados a sigilo relativamente a factos referentes a assuntos cujo conhecimento lhes advenha de serviço e em que tenham (ou tenham tido) qualquer intervenção.

7ª - Nesse mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.06.1988 onde se indica: “I- O dever de colaboração com a justiça preconizado em termos gerais no n.º 1 e parte do n.º 2 do artigo 519.º do CPC e artigo 215.º do CPP de 1929, sofre limitações excepcionalmente admitidas pelo legislador, as quais respeitam a situações em que a pessoa que devia depor está obrigada a guardar segredo de factos chegados ao seu conhecimento através do exercício da respectiva profissão (...) II- Estão nas condições referidas, entre outros profissionais, os advogados (...)”.

8ª - O número 5 do artigo 87.º do Estatuto da Ordem dos Advogados prevê também que “Os actos praticados pelo advogado com violação do segredo profissional não podem fazer prova em juízo”.

9ª - É nulo o depoimento produzido sobre os factos abrangidos pelo sigilo profissional de um advogado. Mesmo sendo a testemunha italiana, o regime do seu depoimento deveria ser aferido pela norma adjectiva portuguesa, impedindo-a, igualmente, de prestar depoimento.

11ª – Nesse sentido, lê-se no Parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, n.º E/1027: Boletim da OA, N.º 2/96, páginas 17 e 18 que “II- O Advogado estrangeiro não poderá ser admitido a depor como testemunha desde que a matéria da inquirição esteja a coberto do segredo profissional.”.

12ª - Também nesse sentido, o Acórdão da Relação de Évora de 2.11.2006(http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/5517ca1f63ab5317802572df004e0ca3?OpenDocument) refere que “O advogado – incluindo os da União Europeia (...) – é obrigado a guardar sigilo profissional, no que se refere a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços”.

13ª - Com efeito, e independentemente daquilo que determine acerca do sigilo profissional a lei italiana, sempre o preceito antes citado deverá ser interpretado no sentido de abranger pelo sigilo profissional aqueles cuja situação, se aferida face à lei portuguesa, estivesse também abrangida;

14ª - A não ser assim a norma perderia efectividade, prejudicando a igualdade material entre as partes, nos casos em que, como nos autos, uma das partes não fosse portuguesa e viesse apresentar a depor uma testemunha que, por ser estrangeira não estaria abrangida pelo sigilo profissional, coisa que não aconteceria se fosse portuguesa;

15ª - A decisão ora recorrida - ao fazer a distinção entre a admissão do depoimento de uma testemunha estrangeira (neste caso italiana) e o de uma testemunha portuguesa, para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 618.º do C.P.C - é totalmente arbitrária e irrazoável, e assim viola a regra constitucional da igualdade (cfr. artigo 13º/2 da C.R.P.);

16ª - Ou, então, é o dito n.º 3 do artigo 618.º do C.P.C que - quando interpretado no sentido em que permite que não sejam abrangidos pelo sigilo profissional cidadãos estrangeiros que, face à lei portuguesa, seriam abrangidos por tal sigilo - é inconstitucional, por violação do mesmo principio constitucional da igualdade, plasmado no n.º 2 do artigo 13º do C.R.P.;

17ª - De qualquer modo e mesmo considerando que ao dever de sigilo da testemunha referida se aplicará a lei italiana, o que não se admite, sempre a testemunha deveria ter sido impedida de prestar depoimento perante o preceito legal dessa lei.

18ª - Do artigo 9º do Código Deontológico Italiano resulta claro que constitui “dever, para além do direito, primário e fundamental do advogado manter segredo sobre as actividades prestadas e sobre todas as informações que lhe sejam fornecidas pela parte assistida ou de que tido conhecimento devido ao mandato”.

19ª - Citando o Acórdão da Relação de Lisboa de 19.04.2012 proferido nos presentes autos, lê-se que estamos “perante uma situação de dever de ordem pública e não dum mero direito, à semelhança do que se passa no nosso ordenamento jurídico, de que é paradigma a seguinte passagem do acórdão do STJ de 2.10.2003 (http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/bfd1e4364706804a 80256ef50046d125?OpenDocument): «o segredo profissional do advogado não interessa apenas ao confidente e ao cliente mas à sociedade inteira, revestido assim um dever da ordem pública, tutelando o interesse geral e social, que deve ser posto na confidencialidade e secretismo, que hão-de revestir as relações havidas no exercício da profissão.» Em Itália, também se entende que o segredo profissional do advogado, mais do que um direito é um dever da ordem pública.”.

20ª - Diga-se, aliás, que face ao teor do artigo 2.3. do Código de Deontologia dos Advogados Europeus, aprovado na sessão plenária do C.C.B.E., em 28 de Outubro de 1988 (vide a versão portuguesa foi aprovada por deliberação na sessão do Conselho Geral de 13 de Julho de 2007 e tornada publica pela Deliberação n.º 2511/2007, publicada no Diário da República (II série) n.º 249 de 27 de Dezembro de 2007), a lei italiana não poderia ter um teor ou sentido diferente do ora indicado.

21ª – Ademais, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, a excepção constante do n.º 4 do referido artigo 9.º, não pode ser apresentada pela Agravada com vista à condução da defesa da sua pretensão.

22ª – A mencionada excepção não se enquadra no âmbito do caso concreto na medida em que a prova em questão não surge no âmbito de um direito de defesa da Agravada, uma vez que tendo sido esta a mover a acção, competirá às testemunhas por si arroladas comprovar os factos constitutivos do seu direito e não visar a actividade de defesa.

23ª - Pese embora o documento emitido pelo Conselho da Ordem dos Advogados de Trieste considere que não existem razões deontológicas impeditivas para o advogado Carlos prestar depoimento, cumpre salientar que esse parecer, para além de não prejudicar a possibilidade dos tribunais portugueses se pronunciarem sobre a admissibilidade, ou não, do depoimento da testemunha Carlos, não indica quais foram os pressupostos exactos que estiverem na base de tal decisão e, nessa medida, é desprovido de qualquer fundamentação.

24ª - Pelo que não poderá um parecer, tão vago e genérico, abalar o que acima se disse, sobretudo pelo facto de o segredo profissional do advogado visar, essencialmente, garantir razões de interesse público, só podendo ser dispensado por razões excepcionais que o justifiquem, sendo que, como se constata, não é o que se verifica na situação dos autos. Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso ora interposto, sendo o despacho recorrido revogado e substituído por outro que admita o incidente e considere que a testemunha Carlos estava impedida de depor à matéria dos quesitos 3ºA, 8º, 14º, 15º, 16º, 18ºA, 19º e 27º da base instrutória, julgando nulo o depoimento prestado a essa matéria, SÓ ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»

A recorrida apresentou as suas contra-alegações nas quais verteu as seguintes conclusões:

«1. O despacho proferido pelo Tribunal a quo é modelar e inimpugnável.

2. As alegações apresentadas pela Agravante foram-no, certamente, em desespero de causa, apresentando insanáveis vícios de raciocínio e imprecisões graves.

3. O presente incidente de impugnação de testemunha é redundante, na medida em que é em tudo substancialmente idêntico aos anteriores incidentes deduzidos, nos mesmos autos, com o mesmo fundamento, quanto à mesma testemunha, sendo que um deles ainda se encontra a aguardar que sobre ele se pronuncie a Veneranda Relação de Lisboa.

4. O argumento da falta de Apostilha já estava completamente superado antes de se iniciar o prazo de alegações da Recorrente, pelo que não tem qualquer interesse a posição a este propósito desenvolvida nas alegações de recurso.

5. O artigo 618º, número 3, do C.P.C. faz depender o dever de escusa ou o impedimento de prestação de depoimento da testemunha da sua real adstrição ao sigilo profissional, remetendo a sua determinação para a lei substantiva aplicável ao caso concreto.

6. No tocante aos advogados, o segredo profissional é determinado pela lei que regula o exercício da profissão, no País onde esta é desenvolvida.

7. Ao abrigo da legislação europeia, o Dr. Carlos, cidadão italiano, com prática forense exclusivamente em Itália, sendo “Avvocato” está sujeito apenas às normas deontológicas italianas da respectiva Ordine degli Avvocati territorialmente competente.

8. As normas deontológicas aplicáveis aos advogados portugueses são inaplicáveis a advogados estrangeiros e/ou que exerçam a sua actividade forense fora de Portugal. Estes estarão sempre submetidos ao regime jurídico vigente no Estado onde exerçam as suas funções e estejam inscritos na respectiva agremiação profissional.

9. É ilegal a interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal: pretender que o artigo 618º, número 3, do C.P.C., por si só, impede automaticamente um advogado de depor sobre factos de que tenha tomado conhecimento no exercício das suas funções não encontra a menor sustentação na palavra do legislador, presumindo-se sempre que este se soube expressar da forma mais adequada.

10. As jurisprudências portuguesa e europeia têm-se manifestado favoráveis à possibilidade de a parte poder dispensar um seu mandatário – designadamente o seu advogado – do dever de sigilo, quando o depoimento deste possa ser necessário à defesa dos interesses daquela. Mais: tem considerado até que o mero oferecimento do mandatário como testemunha consubstancia ipso facto uma renúncia da parte – enquanto beneficiária desse dever profissional de segredo – a tal benefício.

11. A Recorrida, antiga Cliente do Advogado italiano, arrolou o Dr.Carlos como sua testemunha, o que equivale a uma autorização de divulgação dos factos de que este tomou conhecimento aquando da execução do mandato forense que recebeu daquela primeira. A testemunha também foi expressamente autorizada a depor nos presentes autos pela Ordem dos Advogados de Trieste em que está inscrita, tendo o respectivo Conselho declarado não haver qualquer impedimento a tal depoimento.

13. Portanto, estão devidamente salvaguardados os interesses em nome dos quais existe o dever de sigilo profissional: por um lado, os da antiga Cliente do Dr. Carlos, que expressamente o dispensou desse dever, ao arrolá-lo como testemunha nos autos, por outro os da Ordem Pública, ao ter sido expressamente autorizado a depor pela entidade que sobre ele tem poder disciplinar e que é a Ordem dos Advogados de Trieste.

14. O Codice Deontologico Forense, interpretado à luz dos princípios propugnados no Código de Deontologia dos Advogados Europeus, não permite, em momento algum, sustentar a tese da Agravante, pois expressamente abre excepções ao dever geral de sigilo dos advogados italianos, permitindo-lhes revelar factos de que tivessem tido conhecimento no exercício de um mandato, sempre que tal seja necessário à defesa dos interesses do próprio constituinte.

15. O Código de Deontologia dos Advogados Europeus expressamente impõe o dever de respeito pelas regras específicas que regem cada uma das ordens de advogados europeias.

16. A não se aceitar a competência de levantamento do sigilo profissional pela Ordem em que a testemunha se encontra inscrita como Advogada, ficaria qualquer advogado estrangeiro impedido de em Portugal prestar depoimento nestas circunstâncias, uma vez que a Ordem portuguesa não é competente para o dispensar do sigilo profissional.

17. Porém, um Advogado inscrito na Ordem dos Advogados portuguesa teria sempre a possibilidade de ver o seu dever de sigilo ser dispensado pelo Conselho de Deontologia territorialmente competente. Tal diferenciação entre Advogados em função de estarem ou não inscritos na Ordem dos Advogados portuguesa é um escandaloso atentado ao princípio constitucional da igualdade.

19. A própria Ordem dos Advogados portuguesa já deu pelo menos um parecer, reconhecendo que, em matéria de levantamento de sigilo profissional é exclusivamente competente a Ordem em que o Advogado se ache inscrito e não a Ordem do Estado em que o Advogado é chamado a depor em juízo.

20. O caso vertente integra perfeitamente a excepção ao dever de sigilo imposta pela legislação italiana. Acresce a circunstância de o Dr. Carlos já não exercer o mandato no âmbito do qual tomou conhecimento sobre os factos controvertidos nos autos e ter sido duplamente liberado de tal dever de sigilo, quer pelo seu oferecimento como testemunha pela parte que outrora patrocinou (que assim renunciou expressamente ao benefício do segredo profissional daquele causídico), quer por ter sido para tanto autorizado pelo competente órgão da Ordem em que se encontra inscrito.

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, VENERANDOS DESEMBARGADORES, DEVE O PRESENTE RECURSO SER CONSIDERADO IMPROCEDENTE E MANTIDA A MUI DOUTA DECISÃO RECORRIDA, A QUAL NÃO DEVERÁ SER REVOGADA, COM O QUE SE FARÁ A MAIS LÍDIMA, SÃ E SERENA JUSTIÇA.»

Foi proferida sentença, a qual julgou a acção parcialmente procedente, tendo condenado a Ré S.C.C. – Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, S.A. a pagar à Autora AG, S.P.A. a quantia de €175.328,42, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Inconformada com tal decisão veio a Ré recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteu as seguintes conclusões:

«1ª – Existe matéria de facto que foi incorretamente julgada e que, portanto, se impugna;

2ª - Em relação ao primeiro facto que se impugna, ou seja, aquele que refere que “A mercadoria em questão custou USD 164 160,00 à IC S.P.A.” (cfr. alínea c) da factualidade dada como provada), há que referir, antes de mais, que a prova documental na qual o Tribunal a quo se baseou para considerar este facto como provado é inidónea ou, pelo menos, insuficiente;

3ª – Desde logo, a fatura emitida pela Ré em nome da IC, junta como documento n.º 2 da petição inicial, não faz qualquer referência ao preço da mercadoria;

4ª - A fatura completa emitida pela Recorrente em nome da IC, respeitante à mercadoria objeto dos presentes autos, e que, portanto, deveria ter sido atendida para efeitos da resposta ao quesito 3º-A, é a que foi junta pela Recorrente a fls. 1211;

5ª - Deste documento resulta claramente que, ao contrário daquilo que a Recorrida pretende fazer crer, a mercadoria não custou USD 194.160,00 à IC, mas sim Esc. 21.660.000,00;

6ª - O documento junto a fls. 1211, conforme foi explicado pela testemunhaNuno (cfr. depoimento da testemunha prestado na sessão de julgamento de 26 de setembro de 2013) foi impresso em junho de 2013 e corresponde à fatura indicada, a qual consta registada informaticamente no sistema de faturação existente na SCC;

7ª - Ao contrário daquilo que é sustentado pelo Tribunal a quo, tal fatura não omite quaisquer menções essenciais que estejam apostas na fatura de fls. 12 (esta última é que, conforme vimos, omite um elemento tão essencial como o preço da mercadoria!);

8ª - Mais, não há qualquer motivo para duvidar da autenticidade de tal fatura, com base na circunstância de a mesma só, a 19 de junho de 2013, ter sido junta aos autos, pois, na verdade, só no segundo julgamento (ocorrido em 2007) é que tal matéria passou a ser questionada, sendo que estando em causa um quesito cuja prova incumbia à Recorrida, a Recorrente não sentiu a necessidade de, logo em 2007, a juntar;

9ª - Tenha-se em conta que, da forma como o quesito está formulado, a prova do mesmo pressuporia que a Recorrida fizesse prova de que a ICtinha pago o preço da mercadoria e, portanto, que a dita ICjuntasse aos autos documentação demonstrativa de tal pagamento, o que não foi feito;

10ª - Mas, mesmo que se considerasse que, para a resposta positiva ao quesito 3º- A, não era necessária a prova do pagamento acima indicado, ter-se-ia de admitir que não era com a documentação junta pela Recorrente que se obteria uma tal resposta positiva;

11ª - Não se vislumbra, por exemplo, como é que o Tribunal a quo se baseou para este efeito, entre outros, na fatura n.º 537/97 mencionada no relatório do Lloyd’s (documento n.º 7 junto com a contestação, de fls. 25 - que corresponde a um documento emitido no seio da própria IC, sem qualquer intervenção da Recorrente, e que, além do mais, tem nele aposto um valor que não corresponde, reconhecidamente, ao valor pelo qual a dita IC);

12ª - Não se vislumbra também como é que o Tribunal a quo se fundou nas telecópias da IC, de 1 de julho de 1998, que referem que o custo da mercadoria ascendeu a USD 194 160 (documento n.º 6 junto com a contestação, de fls. 103, e documento n.º 9 junto com a petição inicial, de fls. 38-39), pois, mais uma vez, estamos perante documentos emitidos pela própria IC, nos quais se faz alusão a valores (i.e., USD 194 160,00) que, reconhecidamente não dizem respeito ao preço de aquisição da mercadoria;

13ª - Refira-se, ainda, que, do facto de a Recorrente não ter impugnado especificamente, na correspondência trocada com a IC, o valor de USD 194 160,00 indicado por esta última (nomeadamente, nos indicados documento n.º 6 junto com a contestação e documento n.º 9 junto com a petição inicial, o indicado valor de USD 194 160,00), não se pode retirar a conclusão – que o Tribunal a quo precipitadamente retira – de que a Recorrente nunca pôs em causa tal valor;

14ª - Na realidade, a Recorrente não teve necessidade de impugnar especificamente tal quantia pela simples circunstância de sempre ter refutado, de forma liminar, qualquer responsabilidade pelos prejuízos alegadamente sofridos pela Recorrida a esse título (cfr., designadamente, o documento n.º 9 junto com a contestação, a fls. 108);

15ª - Quanto ao atestado de verificação da SGS (cfr. fls. 434), há que referir que o mesmo foi contratado diretamente pela IC, pelo que as informações que no mesmo constam quanto ao preço da mercadoria foram diretamente fornecidas pela dita IC, (com efeito, a SGS baseou-se para tal na fatura n.º 537/97, de 11 de dezembro de 1997, emitida pela ICem nome da sua sucursal angolana);

16ª - Aliás, de acordo com o referido relatório da SGS e de acordo com a mencionada fatura n.º 537/97, o vendedor da mercadoria, no momento do embarque, era já a IC, sendo o comprador a sucursal angolana daquela sociedade;

17ª - Ou seja, para a SGS, com base na informação que a própria IClhe transmitiu, o valor FOB USD 164 160 que aí é indicado é o valor pelo qual esta última vendeu a mercadoria à indicada sucursal e a responsabilidade até ao momento do embarque era – já não da SCC – mas da própria IC;

18ª - Quanto à prova testemunhal na qual o Tribunal a quo sustenta a resposta positiva que dá a este quesito, ou seja, ao depoimento da testemunha Carlos, há que referir que o mesmo é, salvo melhor opinião, insuficiente para o efeito;

19ª - Na realidade, do testemunho de Carlos resulta, desde logo, que o mesmo nunca teve acesso à fatura que a Recorrente emitiu em nome da IC, pelo que só teve acesso aos documentos que lhe foram fornecidos pela Recorrida (essencialmente, a fatura n.º 537/97 emitida pela ICà sua sucursal em Luanda);

20ª - Por outro lado, ao pronunciar-se especificamente sobre o documento n.º 2 junto pela Recorrida a 16 de Abril de 2007 (cfr. fls. dos autos), ou seja, sobre a fatura n.º 535/97, o Senhor Dr. Carlos não revelou ter certezas quanto ao teor deste documento, nem conhecer em que condições é que o mesmo foi emitido no seio da IC;

21ª - Deve, pois, a alínea c) da factualidade provada, ser dada como não provada;

22ª - Em relação aos segundo, terceiro e quarto factos que se impugnam, ou seja: (i) a decisão de julgar provado que “A avaria da mercadoria resultou de deficiente acomodação nos contentores em que foi transportada” (cfr. alínea m) da factualidade dada como provada – resposta ao artigo 4º da Base Instrutória); (ii) a decisão de julgar apenas provado que “A acomodação nos contentores foi feita segundo o que é habitual na R.” (cfr. alínea g) da factualidade dada como provada), não considerando, portanto, como provado que essa acomodação foi feita segundo o que é habitual “noutras empresas similares, não diferiu daquela que é utilizada em quaisquer outros fornecimentos internacionais” (cfr. resposta ao artigo 8º da Base Instrutória); e (iii) a decisão de julgar apenas provado que “Se o fecho das portas dos contentores tivesse esmagado e cortado as latas, o líquido teria escorrido das portas, facto que seria observável externamente” (cfr. alínea o) da factualidade dada como provada), não considerando, portanto, como provado que se tal tivesse ocorrido, se trataria de um “facto que seria verificado pela transportadora no momento do embarque” (cfr. resposta ao artigo 14º da Base Instrutória), entende a Recorrente que se trata de matéria que, face à prova produzia, também foi incorretamente julgada;

23ª - Não obstante o Tribunal a quo dar relevância decisiva ao relatório de vistoria elaborado pela Lloyd’s e junto pela Recorrida com a petição inicial (a fls. 23), a verdade é que a peritagem na qual este relatório se baseou teve apenas início a 5 de março de 1998, ou seja, cerca de dois meses depois da mercadoria ter chegado a Luanda, o que faz com que entre a data do desembarque em Luanda e a dita peritagem, possam ter ocorrido um sem número de factos potencialmente causadores dos danos analisados;

24ª - Ademais, afirma-se nesse relatório que “o acondicionamento foi aparentemente efetuado em boa ordem e boas condições” (cfr. respetiva página 3), o que constitui uma contradição com a conclusão vertida no mesmo relatório de que, afinal, os danos causados às latas de cerveja se ficaram a dever a uma má acomodação;

25ª - Por outro lado, o exame pericial em causa não foi sujeito à necessária contradição, pelo que muito pouco valor probatório pode ter, não sendo assim apto a demonstrar a matéria de facto cuja prova nele se baseou;

26ª - De resto, se, como se afirma no relatório, a causa da avaria tivesse sido a deficiente acomodação, resultante do facto de as latas estarem extremamente apertadas, tal facto não seria imputável à Recorrente, mas sim à IC, na medida em que foi esta que obteve junto do agente da transportadora marítima os contentores utilizados no transporte (cfr. alínea h) da factualidade dada como provada);

27ª - O relatório do Lloyd’s indica, aliás, em sede de conclusões, que “it was observed that the stuffing of the cases of beer into the container was extremely tight”, ou seja, que foi observado que a acomodação das paletes de cerveja nos contentores foi realizada em condições muito apertadas, o que aponta a responsabilidade não para o modo de acomodação em si, mas antes para a falta de adequação dos contentores;

28ª - Diga-se, de qualquer modo, que, como é referido no relatório pericial junto pela Recorrente a 29 de Junho de 2005 (relatório que a primeira sentença proferida em primeira instância considerou ser independente e, portanto, credível), o facto de a mercadoria estar apertada dentro dos contentores pode não ter resultado do acondicionamento efetuado pela Recorrente, mas sim da colocação, quer pelo transportador indicado pela segurada IC, quer mesmo por esta última, de outras mercadorias nesses contentores;

29ª - Mais, as testemunhas indicadas pela Recorrente, todas elas com elevada experiência no âmbito dos factos em discussão, afirmaram que o número de packs de 24 latas que foram acondicionados nos contentores, foi de 2.280, sendo sempre esse o número de packs que esta expedia em contentores com aquela dimensão. O número em causa é, segundo as testemunhas da Recorrente, considerado, dada a experiência obtida pela Recorrente, como o adequado;

30ª - A testemunha Vitor afirmou ainda que a acomodação foi efetuada de modo idêntico àquele que é seguido por empresas similares, não se compreendendo qual o fundamento que levou o Tribunal a quo a dar como não provado também este aspeto;

31ª - Mais, nunca ocorreu qualquer problema a esse respeito em outros fornecimentos internacionais (cfr. alínea n) da factualidade dada como provada), sendo que a testemunha Vitor referiu expressamente quais eram os cuidados observados pela Recorrente nas exportações para Angola, os quais foram observados neste caso, não se vislumbrando, portanto, também, como é que não se considerou provado que a acomodação nos contentores foi feita segundo o que é habitual “noutras empresas similares, não diferiu daquela que é utilizada em quaisquer outros fornecimentos internacionais” (cfr. resposta ao artigo 8º da Base Instrutória). A resposta dada, a este título, pelo Tribunal a quo entra em contradição com toda a prova carreada para os autos e, igualmente, com a resposta dada ao artigo 9º da base instrutória (cfr. alínea n) da factualidade dada como provada);

32ª - Tenha-se em conta, ainda a propósito de toda esta matéria, que existem diversos documentos juntos aos autos, que evidenciam que, não só foram efetuadas todas as inspeções físicas aos produtos objeto dos presentes autos, que atestaram a sua qualidade antes da expedição, como, inclusivamente, inspeções aos contentores já cheios com tais produtos que não suscitaram quaisquer questões ou nem apontaram quaisquer anomalias ao modo como a acomodação por parte da Recorrente foi efetuada (cfr., designadamente, o “Bill of Lading” junto como documento n.º 3 da petição inicial, o atestado de verificação emitido pela SGS, junto pela Recorrente como documento n.º 1 do requerimento apresentado aos autos a 3 de maio de 2005 e os documentos n.ºs 1 e 2 juntos também pela Recorrente através do requerimento de 12 de maio de 2005);

33ª - Por outro lado, caso as latas tivessem sido cortadas pelo fecho das portas, tal facto teria sido imediatamente detetado ou, pelo menos, no momento do embarque;

34ª - Com efeito, o líquido existente no interior das latas, caso estas tivessem sido cortadas, escorreria através das portas dos contentores, sendo visível a avaria por qualquer pessoa que observasse os contentores;

35ª - A testemunha Vitor referiu, a este propósito, que o escorrimento para o exterior seria imediato, na medida em que, se as latas tivessem sido cortadas pelo fecho das portas, por maioria de razão, o retrátil que as envolvia, de plástico, também seria cortado, acrescentando ainda que o retrátil de plástico não cobre a totalidade das latas que envolve, pois é aberto nas laterais;

36ª - Esta testemunha salientou, igualmente, que, mesmo que, por hipótese, nas instalações da Recorrente, após o fecho do contentor, não fosse logo percetível o escorrimento do líquido, seria impossível continuar a não observar um tal escorrimento no momento do embarque;

37ª - O depoimento do próprio Dr.Carlos não permitiria ao Tribunal a quo decidir como decidiu sobre toda esta matéria, na medida em que esta testemunha afirmou que os danos à mercadoria só foram detetados no momento da abertura dos contentores, já em Angola;

38ª - Este facto, no entender da Recorrente, só por si, afasta das causas plausíveis dos danos provocados à mercadoria, o corte das latas pelo fecho das portas dos contentores no momento da estiva, pois, por mais capacidade que o retrátil que envolvia as latas de cerveja tivesse para reter o escorrimento dos líquidos (e que, como vimos, não tinha), nunca seria possível que essa retenção se desse por um período de dois meses e se mantivesse durante uma viagem em alto mar;

39ª - Por outro lado, o próprio Dr.Carlos reconheceu que não é possível saber qual foi o momento exato em que se deu a degradação da mercadoria, sendo que, no entanto, considera que o facto de todos os contentores terem danos demonstra que tais danos não foram causados durante o transporte terreste (porque no transporte terrestre, os contentores são transportados um de cada vez), mas sim durante o transporte marítimo;

40ª - Se assim foi, é impossível concluir que os danos à mercadoria tenham sido causados pelo corte das latas no fecho das portas dos contentores no momento da estiva, na medida em que havia dez contentores e não seria plausível que no fecho de cada um deles (que é feito à vez) se tivessem produzido os danos invocados;

41ª - Deve, pois, face a todo o ora exposto, (i) a alínea m) da factualidade provada ser dada como não provada, (ii) a alínea g) da factualidade dada como provada passar a ter a seguinte redação: “A acomodação nos contentores foi feita segundo o que é habitual na R. e noutras empresas similares, não diferiu daquela que é utilizada em quaisquer outros fornecimentos internacionais” (cfr. o artigo 8º da Base Instrutória) e (iii) a alínea o) da factualidade dada como provada passar a ter a seguinte redação: “Se o fecho das portas dos contentores tivesse esmagado e cortado as latas, o líquido teria escorrido das portas, facto que seria observável externamente, facto que seria verificado pela transportadora no momento do embarque” (cfr. resposta ao artigo 14º da Base Instrutória);

42ª - Houve, igualmente, erro de julgamento na decisão de julgar não provado que “a viagem para Luanda decorreu com mar alteroso” (cfr. (resposta ao artigo 15º da base instrutória) e de julgar não provado que “essas condições de mar poderão ter acusado danos na mercadoria, por força do balançar dos contentores dentro do navio” (cfr. resposta ao artigo 16º da base instrutória);

43ª - Na realidade, da certidão emitida pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), junta pela Recorrente na sessão de julgamento do dia 1 de julho de 2013 (a fls.) resulta claro que, pelo menos nos primeiros três dias de viagem (i.e., até ao dia 19 de dezembro de 1997), o navio em questão teve de navegar em mar alteroso e tempestuoso;

44ª - Perante estas condições atmosféricas e marítimas e face àquilo que disse a testemunha Vitor, é forçoso concluir que tais condições poderão ter acusado danos na mercadoria, por força do balançar dos contentores dentro do navio (tenha-se em conta também aquilo que acima já se disse a propósito do depoimento do Dr.Carlos, que reconheceu que, à partida, os danos nas mercadorias foram provocados durante o transporte marítimo);

45ª - Diga-se que atendendo à forma como estava formulado o artigo 16º da base instrutória, a resposta positiva ao mesmo se bastava com um mero juízo de probabilidade;

46ª - Devem, pois, face a todo o ora exposto, ser dados como provados os artigos 15º e 16º da base instrutória;

47ª - Por outro lado, houve também erro de julgamento na decisão de julgar não provado que “Por efeito do calor que se faz sentir em Luanda nos meses de Dezembro a Fevereiro, durante o tempo de armazenagem no porto, poderão ter-se verificado no interior dos contentores temperaturas da ordem dos 60º C” (cfr. resposta dada ao artigo 17º da Base Instrutória) e que “Essas temperaturas elevadas poderão ter originado a dilação das latas e mesmo o seu rebentamento por força da reacção da cerveja que continham, ao ser submetidas a tais temperaturas” (cfr. resposta dada ao artigo 18º da Base Instrutória);

47ª - Assim, devem ser dados como provados os artigos 17º e 18º da base instrutória;

48ª - Houve também erro de julgamento na decisão de julgar provado que “Em Junho de 1999, a R. já tinha recebido a carta referida em z)” (cfr. alínea aa) da factualidade dada como provada – resposta ao artigo 18º-A da Base Instrutória), assim como na decisão de julgar provado que “O acordo celebrado entre a Ré e a IC S.p.A. destinou-se a cobrir os gastos em que incorreu a sucursal desta última empresa em Luanda, nomeadamente com a destruição da cerveja estragada (art. 27º da base instrutória)”;

49ª - Com uma exposição tendenciosa e falaciosa dos fundamentos com que sustentou a resposta à matéria de facto respeitante ao acordo de junho de 1999, o Tribunal a quo conseguiu não realçar um facto muito importante: o de que as negociações entre a Recorrente e a INTERFTRANSPORTS se iniciaram num momento em que, conforme resulta provado, a Recorrente não tinha qualquer conhecimento da indemnização paga à IC, nem, por maioria de razão, da sub-rogação da Recorrida nos direitos desta última. Ou seja, que, pelo menos, quando tais negociações se iniciaram, o objetivo da Recorrente era o de chegar a um acordo sobre a totalidade do diferendo que a opunha à IC;

50ª - O Tribunal a quo foi, igualmente, leviano e tendencioso ao apreciar a prova relativa ao artigo 18º-A da Base Instrutória, pois, afirma que a carta do Dr.Carlos de 26 de março de 1999, foi “remetida com aviso de receção para uma morada que posteriormente foi novamente utilizada” (sublinhado nosso), quando a Recorrida não logrou provar, como lhe competia, que a Recorrente recebeu a carta em causa;

51ª - Efetivamente, a Recorrida, que alegou ter remetido tal carta através de correio registado com aviso de receção, não juntou aos autos qualquer documento comprovativo da data da entrega da mesma à Recorrente (nomeadamente, o respetivo aviso de receção ou qualquer outro documento equivalente emitido pela “Poste Italiane”);

52ª - A prova de que a referida carta nunca chegou a dar entrada na Recorrente resulta, também, daquilo que as testemunhas Maria,Céu e Nuno disseram a propósito do modo rigoroso como é rececionada, registada e tratada a correspondência na Recorrente e do facto de nenhuma delas, apesar das buscas efetuadas no decurso do presente litígio, ter tido conhecimento da mesma;

53ª - Não é, por outro lado, suficiente para a prova do disposto no artigo 18º-A da base instrutória o facto do Dr. Carlos ter afirmado que “a carta foi recebida pela destinatário, dado que volvidos alguns dias recebeu um telefonema de um funcionário da Ré, o qual pretendia saber para que departamento devia encaminhar a carta em apreço”;

54ª - Antes de mais - além do depoimento do Dr.Carlos a respeito desta matéria ter sido absolutamente vago e impreciso - dado o envolvimento profissional que esta testemunha teve com o assunto objeto dos presentes autos, ter-se-á de admitir que a mesma não é a pessoa mais idónea para testemunhar, sobretudo, no que respeita a uma matéria, como a do artigo 18º-A da base instrutória, em que interveio na qualidade de advogado e em que através do seu depoimento poderia, inclusivamente, caso reconhecesse que não tinha enviado a missiva de 26 de março de 1999, colocar-se numa situação suscetível de implicar a sua responsabilidade civil profissional;

55ª – Diga-se, ainda, a propósito da resposta ao artigo 27º da base instrutória, que, como decorre das regras da experiência comum, se a Recorrente tivesse tido conhecimento, em data anterior a 18 de Junho de 1999, que a Recorrida tinha sido sub-rogada nos direitos da IC, tal conhecimento transpareceria do documento n.º 10 junto com a contestação (cfr. fls. 108), o que não acontece;

56ª – Bem pelo contrário, nesse documento a Recorrente expressa que “Este acordo, que a presente carta visa formalizar logo que por Exa.s aceite, com a devolução de um exemplar devidamente assinado e carimbado, resolverá definitivamente o problema, origem do diferendo que tem oposto as partes, renunciando qualquer delas a hipotéticos direitos fundamentados na atrás indicada reclamação”;

57ª – Se, nessa data, a Recorrente propôs que o acordo fosse formalizado através da “presente carta” e se em tal carta não se indica qualquer limitação ao âmbito do acordo, ter-se-á de concluir que a Recorrente pretendia que o aludido acordo abrangesse a totalidade das responsabilidades que para si pudessem vir a resultar dos danos alegadamente sofridos pela IC, respeitantes à carga expedida em 16 de Dezembro de 1997;

58ª - E, finalmente, se o acordo de junho de 1999 – como reconhece o Tribunal a quo - teve por objeto a oferta de 12 contentores por parte da Recorrente (quando a ICreclamava a perda da mercadoria correspondente a 10 contentores com o mesmo produto), é óbvio que não se visava apenas limitar esse acordo à cobertura das “higher expenses” da dita IC, nomeadamente com a destruição da cerveja estragada;

59ª - O dito acordo visou, antes, também (e não, apenas) ter em conta as ditas “higher expenses” e, por isso, teve por objeto mais dois contentores do que aqueles que tinham sido contratados em dezembro de 1997 pela IC(já agora, a expressão “higher expenses” não significa “custos adicionais suportados”, conforme alega o Tribunal a quo, mas antes e apenas “custos mais elevados”, o que é bem diferente);

60ª - Face a todo o ora exposto, devem ser dados como não provados os artigos 18º-A e 27º da base instrutória (i.e., respetivamente, as alíneas aa) e y) da factualidade dada como provada).

61ª – Por outro lado, continua a existir a contradição objetiva entre a resposta dada aos aludidos quesitos 19º e 27º, já anteriormente reconhecida pelo douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de Maio de 2006;

62ª – Com efeito, se o quesito 19º se reporta à matéria de facto invocada pela Recorrente nos artigos 105º e 106º da sua contestação, da qual resulta, de forma expressa, a alegação de que o acordo em causa visava pôr fim, sem qualquer limitação, ao diferendo decorrente da avaria da mercadoria fornecida pela Recorrente à IC, ao dar-se o mesmo como provado, está-se a confirmar a tese sustentada pela ora Recorrente nesses referidos artigos 105º e 106º da contestação;

63ª – A admissão como verdadeiros dos factos constantes do quesito 19º é, assim, inconciliável com a resposta dada pelo Tribunal a quo ao quesito 27º, na medida em não se pode admitir que, por um lado, está provado que o acordo celebrado entre a Recorrente e a ICpôs fim a todo e qualquer diferendo resultante da avaria da mercadoria fornecida pela Recorrente à ICe, ao mesmo tempo, dar como provado que esse mesmo acordo apenas se destinou a por fim ao litígio referente à indemnização alegadamente devida à IC, por força dos gastos com a destruição dessa mercadoria (resposta ao quesito 27º);

64ª – Mantendo-se a contradição insanável entre estas duas respostas, deve a decisão de facto sobre esta matéria ser, novamente, anulada, nos termos do artigo 662º do CPC;

65ª – Sem prejuízo de tudo aquilo que se acabou de dizer a propósito da matéria de facto dada como provada, nos presentes autos, a matéria de facto alegada pela Recorrida é insuficiente para que se possa concluir que estão preenchidos os pressupostos dos quais depende a responsabilidade civil da Recorrente;

66ª – Na realidade, da petição inicial apresentada pela Recorrida não resulta, ainda que implicitamente, a alegação de quaisquer danos supostamente sofridos pela IC e, naturalmente, a alegação do nexo de causalidade entre esse dano e o facto ilícito praticado;

67ª – Não resulta, nomeadamente, dos articulados apresentados pela Recorrida que a IC, tenha alegado e provado ter procedido ao pagamento à Recorrente da mercadoria objeto dos presentes autos, sendo certo que o ónus dessa alegação e prova caberia à Recorrida (cfr., a este respeito, o atual artigo 5º do CPC e, à data da apresentação da petição inicial da Apelada, o artigo 264º do anterior CPC - cfr., também a este respeito, Lebre de Freitas, in “Introdução ao Processo Civil”, Coimbra, 1996, página 130);

68ª – Não tendo a Recorrida utilizado a faculdade prevista no n.º 3 do artigo 264º do anterior CPC (correspondente, com diferenças, à al. b) do n.º 2 do artigo 5º do atual CPC), não deveria o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de Maio de 2006 (vide fls. dos autos) ter decretado a anulação do julgamento, com vista à ampliação da base instrutória e resposta a novos quesitos, nomeadamente, um novo quesito acerca desta matéria dos danos alegadamente sofridos pela IC, (vide, no sentido ora defendido, Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma de Processo Civil, Vol. I, 2ª edição, Almedina, 1999, páginas 64 a 67);

69ª – Ou seja, não tendo a Recorrida alegado quaisquer factos (para além daqueles genéricos e conclusivos que referiu) acerca dos prejuízos sofridos pela sua segurada, a presente ação nunca poderá proceder;

70ª – No caso em apreço não é possível sustentar que a Recorrida ficou legalmente sub-rogada nos alegados direitos de crédito da ICem relação à Recorrente, uma vez que a alegada causa dos danos da mercadoria – segundo a prova efetuada, relacionada com a acomodação da mercadoria pela Recorrente - não se encontrava coberta pelo seguro marítimo indicado pela Recorrida;

71ª – Efetivamente, se a acomodação ou embalagem, que saem fora do âmbito do contrato de transporte marítimo, fossem cobertas pelo seguro, este, não seria um seguro marítimo, mas antes um outro, de responsabilidade civil e que cobriria riscos que transcendem o puro risco do mar, o que não corresponde à versão apresentada pela Recorrida, como decorre daquilo que por ela é invocado, nomeadamente, no artigo II da petição inicial;

72ª – Apesar do Tribunal a quo reconhecer o que se acaba de sustentar na conclusão anterior, o mesmo pronuncia-se expressamente pela existência de subrogação legal, o que, salvo melhor opinião, é inadmissível;

73ª – Com efeito, a não inclusão do sinistro dentro do âmbito do seguro não pode permitir que a seguradora Recorrida fique sub-rogada, nos termos do disposto no artigo 441.º do Código Comercial, nos direitos da sua segurada, pois o pagamento efetuado não ocorreu ao abrigo do contrato de seguro;

74ª – Entender o contrário seria permitir que as seguradoras, unicamente, por deterem um contrato de seguro válido, ficassem sub-rogadas nos direitos das suas seguradas por quaisquer sinistros, ainda que estes estivessem totalmente fora do âmbito da cobertura, desde que as tivessem ressarcido;

75ª – É, de qualquer modo, verdade que o afastamento, no caso em apreço, da hipótese de sub-rogação legal, não implica o abandono em definitivo da questão do apuramento da eficácia e limites da sub-rogação invocada pela Recorrida perante a Recorrente, uma vez que é ainda necessário analisar se existe sub-rogação voluntária, a qual é mencionada claramente no recibo de pagamento da indemnização feita pela A. à sua segurada (doc. de fls. 43, traduzido a fls. 136);

76ª – A respeito de uma tal sub-rogação (mais precisamente da sub-rogação pelo credor, que é aquela que esta aqui em causa), estabelece o artigo 589º do CC que “o credor que recebe a prestação de terceiro pode sub-rogá-lo nos seus direitos, desde que o faça expressamente até ao momento do cumprimento da obrigação” (sublinhado nosso);

77ª – Ou seja, se a sub-rogação não ocorrer antes do cumprimento da obrigação, como sustentam Antunes Varela e Pires de Lima, “é de presumir (...) que se quis, simplesmente, extinguir a dívida e não substituir-lhe o sujeito activo” (cfr. “Código Civil Anotado – Volume I”, na anotação ao artigo 589º, Coimbra Editora, 1987, página 605);

78ª – Ora, no caso em apreço, foi expressamente invocado pela Recorrida – e resulta das alíneas dd) e ee) da factualidade dada como provada - que tal subrogação voluntária ocorreu quando, após ter recebido o valor que lhe foi entregue pela Recorrida, a segurada emitiu recibo de quitação, através do qual deu poderes à Recorrida para que a substituísse, exercendo os direitos que lhe assistiam;

79ª – Tal significa, portanto, que, nos presentes autos, resulta claro que a exigência estabelecida no artigo 589º do CC, quanto à anterioridade da sub-rogação em relação ao cumprimento, não foi cumprida e, desta feita, ter-se-á de concluir que inexistiu sub-rogação voluntária válida da Recorrida nos direitos da segurada;

80ª – Não estando, pois, a Recorrida sub-rogada nos direitos da sua segurada, não pode a presente ação proceder, não podendo a Recorrente ser obrigada a pagar-lhe qualquer valor indemnizatório.

81ª – A sentença recorrida a propósito da matéria dos juros de mora é ininteligível, pois, se, por um lado, refere que “a Ré [deve] pagar à Autora a quantia de € 175 328,42, acrescida dos juros de mora vincendo à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento”, por outro, estabelece que “o pedido de condenação da Ré no pagamento dos juros de mora vencidos não pode ser atendido, pois a liquidação do seu crédito apenas aconteceu com a presente decisão (art. 805.º, n.º 3, do CC)”;

82ª – A leitura destas duas passagens não permite, efetivamente, compreender se os juros de mora, como se afirma num primeiro momento, são devidos desde a citação ou se, ao invés, como parece resultar da segunda passagem acima transcrita, são apenas devidos, por força do disposto no artigo 805º n.º 3 do CC, a partir da sentença recorrida, na qual, segundo o Tribunal a quo, aconteceu a liquidação do alegado crédito da Apelada;

83ª – Tal ambiguidade torna a sentença do Tribunal a quo, nesta matéria, ininteligível, traduz-se, nos termos do disposto no artigo 615º n.º 1 al. c) do CPC, numa nulidade da sentença, a qual aqui se argui para todos os efeitos legais;

84ª – Sem prejuízo de tal nulidade, face ao disposto no n.º 3 do artigo 805º do CC, os juros de mora não devem ser contabilizados a partir da citação, mas antes a partir da data em que o alegado crédito da Recorrida se tornar líquido, o que acontecerá no momento em que transitar em julgado o alegado crédito da Recorrida (cfr., nesse sentido, Acórdão do STJ, de 8 de Novembro de 1983, in www.dgsi.pt) ou, quanto muito, a partir da data em que foi proferida a sentença de primeira instância de que ora se recorre (cfr., nesse sentido, o Acórdão do STJ de 30 de janeiro de 2002, relativo ao processo JSTJ00042438, in www.dgsi.pt);

85ª – Em relação à conversão do montante da indemnização em moeda nacional, o Tribunal a quo sustenta que tal conversão deve ser “segundo a cotação vigente no momento da dedução do pedido”;

86ª – O Tribunal a quo não especifica os fundamentos de direito que justificam essa sua decisão, sendo que nem sequer sustenta esta sua posição na remissão para acórdão precedente;

87ª – Desconhece-se, por conseguinte, em absoluto quais foram os fundamentos do Tribunal a quo para decidir como decidiu em relação a esta questão, pelo que, quanto à mesma e nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615º n.º 1 al. b) do CPC, é nula a sentença recorrida;

88ª – De qualquer forma, sem prejuízo de tal nulidade, sempre se dirá, a respeito desta matéria, que, não existindo porventura uma norma legal que estabeleça expressamente, para a situação em apreço, qual a data que deve ser tida em conta para efeitos de conversão da moeda estrangeira em moeda nacional, estando em causa – como vimos - uma obrigação ilíquida, a equivalência dos alegados USD 164.160,00 a euros se há de calcular pelo câmbio em vigor na data em que a obrigação se tiver tornado líquida. Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso ora interposto, sendo a sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente, tudo com as legais consequências, SÓ ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!.»    

A recorrida apresentou as suas contra-alegações, nas quais exibiu as seguintes conclusões:

«1. A douta Sentença proferida pelo Mmo. Tribunal a quo é modelar e inimpugnável, não padecendo de qualquer nulidade, nem estando ferida dos vícios que a Ré e aqui Apelante erradamente lhe aponta.

2. Mais de doze anos após a propositura da presente acção e mais de sete anos após o primeiro Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que ordenou a inclusão do quesito 3º-A na Base Instrutória, é que a Ré veio juntar uma pretensa factura, que na sua versão, seria aquela a que estaria subjacente o contrato de compra e venda celebrado com a IC de cerveja destinada a ser exportada para Angola.

3. O Mmo. Juiz a quo não deu a esta nova suposta factura o valor que a Ré

desejaria. E fez bem.

4. Para além da sua injustificada apresentação extemporânea e das, tal factura, cuja existência nunca havia sido sequer mencionada pela Ré/Recorrente, merece as maiores reservas, pois não é, assumidamente, a mesma que teria sido emitida por esta última por ocasião da referida compra e venda celebrada, que nunca apareceu, apesar de dever estar, obrigatoriamente, em arquivo aquando da citação.

5. Foi tal factura emitida dias antes da sua apresentação em juízo, em Junho de 2013, mas com aposição da data de 20 de Outubro de 1997, querendo fazer crer tratar-se da “verdadeira” factura, apenas impressa através de um novo sistema informático de facturação.

6. Mas mesmo abstraindo destas distorções temporais, é inaceitável como elemento de prova uma factura que não nomeia o seu destinatário e que dele só indica um número fiscal, ainda por cima, errado, pois não corresponde à entidade a quem a Ré/Recorrente nos autos afirma aquela destinar-se.

7. E é inaceitável igualmente por constituir uma dupla facturação, porquanto na factura da Ré/Recorrente que a Autora/Recorrida juntou à sua petição inicial e na soi-disante factura que a Apelante juntou a fls. 1211 estão apostos o mesmo número de série e a mesma data de emissão, mas os seus conteúdos são bem diferentes (numa falta o preço, noutra falta o destinatário, p. ex.)., o que compromete definitivamente o valor probatório desta segunda pretensa factura.

8. Já o valor probatório da factura emitida pela Ré/Recorrente e junta aos autos pela Autora/Recorrida, pelo contrário, está intacto, pois aquela primeira não só não o impugnou, como confessou a sua autoria.

9. Todavia, contrariamente ao que a Recorrente insinua, o Mmo. Tribunal a quo fundou a sua resposta ao quesito 3º-A, noutros documentos dos autos, entre eles avultando:

- a telecópia que, sob o número 9, a ora Recorrida juntou à sua petição inicial, emitida pela IC e dirigido à Recorrente, não tendo desta merecido censura ou contestação,

- o Relatório de Peritagem da Lloyd’s, cuja cópia constituiu o Documento 7 da petição inicial, que atesta esse valor e faz referência à factura 535/97 da IC,

- o Atestado de Verificação, de 23 de Dezembro de 1997, emitido pela SGS – SOCIÉTÉ GÉNÉRALE DE SURVEILLANCE, S.A., e junto aos autos pela Autora/Apelada em 9 de Maio de 2005, que, tão pouco foi impugnado ou contestado pela contraparte,

- a telecópia remetida à Autora/Recorrida pela IC, em 11 de Dezembro de 1997, junta pela Autora na Audiência de 7 de Dezembro de 2007, e

- a já mencionada factura número 535/97, de 11 de Dezembro de 1997, emitida pela IC e junta pela Autora/Recorrida aos autos em 16 de Abril de 2007, todos emitidos por entidades que não são partes nestes autos, nem de cujo resultado tirarão quaisquer consequências.

10. É falsa a posição sustentada pela Apelante segundo a qual o preço da mercadoria apenas estaria mencionado num mero documento interno da IC (a Factura número 535/97), destinado exclusivamente à sua sucursal de Luanda, ou noutros documentos que o citavam ou que dele logicamente dependiam.

11. Igualmente assentou a convicção do Tribunal recorrido no depoimento de Gabriele Lazzarini, que tomou conhecimento de toda a documentação atinente ao sinistro, por ter instruído o processo interno que culminou no pagamento pela AG à sua segurada IC pelo sinistro em questão nestes autos, tal como no depoimento de Carlos, que, como Advogado que foi da Autora, também conheceu os documentos e os factos essenciais em que haveria de se fundamentar a acção proposta no Tribunal Marítimo de Lisboa e que sobre eles depôs livre e esclarecidamente.

12. Esta testemunha relatou ao Tribunal a quo, pormenorizadamente, que a

Autora/Recorrida celebrara um contrato de seguro com a IC pelo valor de USD $ 194.160, correspondentes ao preço FOB da cerveja comprada à Ré/Recorrente de USD $ 164.160, acrescido do custo do frete, USD $ 30.000, o que totalizava o custo global de USD $ 194.160.

13. A resposta à questão indicada no artigo 3º-Aº da Base Instrutória só podia ser aquela que deu o Mmo Juiz a quo: PROVADO.

14. Em ambas as decisões do Tribunal Marítimo de Lisboa, este respondeu

afirmativamente ao quesito 4º da Base Instrutória, considerando provado que «a avaria da mercadoria resultou de deficiente acomodação nos contentores em que foi transportada», e pronunciou-se parcialmente favorável aos factos quesitados sob os artigos 8º e 14º da Base Instrutória, entendendo ter sido provado que «a acomodação nos contentores foi feita segundo o que é habitual na Ré» e que «se o fecho das portas dos contentores tivesse esmagado e cortado as latas, o líquido teria escorrido das portas, facto que seria observável externamente».

15. Para tanto bastará ver as elucidativas fotografias anexas ao Relatório de Peritagem da Lloyd’s, junto à petição inicial, mostrando que, ao se abrirem os contentores, os respectivos conteúdos desmoronaram e caíram, prova de não estarem devidamente acondicionados para enfrentar a longa viagem marítima de Lisboa a Luanda.

16. Pese embora o Relatório de Peritagem constituir a única prova directa sobre o estado das mercadorias que se encontravam dentro dos dez contentores de cerveja vendidos pela Ré/Recorrente à segurada da Autora/Recorrida a Autora juntou aos autos um parecer técnico que concluiu ter sido a estiva das latas mal feita dentro dos contentores, que foi parcialmente confirmado por um parecer independente apresentado nos autos pela própria Ré/Recorrente.

17. A Ré/Recorrente não logrou contradizer nem desvirtuar aquelas que foram as conclusões de técnicos especialistas, imparciais e absolutamente fidedignos, nem impor qualquer outra tese de explicação – até porque inexistente – da destruição da totalidade da mercadoria transportadas em todos aqueles dez contentores.

18. A testemunha Vitor reconheceu, expressamente, que, seguindo sempre o mesmo método de acomodação das mercadorias nos contentores, já teriam ocorrido outras avarias em contentores estivados pela Apelante, contrariamente ao que esta última afirma em flagrante oposição à verdade dos factos.

19. No que respeita à questão enunciada sob o número 14º da Base Instrutória, por duas vezes o Tribunal Marítimo de Lisboa considerou não ter ficado provado que no momento do embarque a transportadora tivesse verificado o escorrimento de líquido pelas portas, visível exteriormente, matéria que cabia à

Ré/Recorrente provar, o que não fez…

20. A resposta à questão indicada no artigo 4º da Base Instrutória só podia ser aquela que deu o Mmo Juiz a quo: PROVADO, devendo os quesitos 8º e 14º

da Base Instrutória serem dados apenas como PARCIALMENTE PROVADOS, nos termos referidos pelas duas doutas Sentenças do Tribunal Marítimo de Lisboa.

21. Que a viagem do m/v “TAGAMA” «para Luanda decorreu com mar alteroso» (artigo 15º da Base Instrutória) e que «essas condições de mar poderão ter acusado danos na mercadoria por força do balançar dos contentores dentro do navio» (artigo 16º da Base Instrutória) era matéria cuja prova cabia à Ré/Recorrente e que esta não logrou.

22. A certidão do IPMA – Instituto Português do Mar e da Atmosfera, I.P., junta aos autos pela Ré/Recorrente em 1 de Julho de 2013, não faz prova da matéria quesitada sob os número 15º e 16º, porquanto nele não se indica a posição do navio em cada dia da viagem marítima de Lisboa para Luanda (e as condições de tempo, mar e horizonte enfrentadas pelo navio em cada momento), no período entre a data em que zarpou do porto português e aquele em que entrou no porto angolano, apenas atestando qual o estado do vento e do mar durante quinze dias na rota aí indicada, que é estritamente a que liga Lisboa ao Arquipélago das Canárias e que apenas cobre os primeiros dias de viagem.

23. Aliás, como esta certidão expressamente ressalva, «a caracterização do estado do mar nos dias 16 a 30 de Dezembro de 1997 na rota Lisboa-Canárias foi obtida por reconstituição de modelos numéricos» e isto porque «não existem observações rigorosas disponíveis para o local».

24. A provar alguma coisa, provaria esta certidão precisamente o contrário do que deseja a Apelante ao vir infirmar que a avaria produzida nas mercadorias não se deveu às condições de mar e ao balanço que delas pudesse ter resultado.

25. Na verdade, mar alteroso designa o «estado do mar em que a espuma branca das vagas que rebentam começa a fazer riscos e as vagas atingem grande comprimento e altura entre 4 a 6 metros e corresponde ao estado de vento muito forte, número 8 da Escala de Beaufort.».

26. Ora, como se alcança da certidão do IPMA, IP junta pela Recorrente, os ventos nunca atingiram essa força número 8 da mencionada Escala, situando-                   -se normalmente entre as forças número 2 e número 5.

27. Também no que concerne ao estado do mar, medido pela Escala de Douglas, constata-se que os dados apresentados pelo IPMA, IP se situam, na generalidade dos períodos apontados, entre “mar cavado” e “mar grosso”.

28. Mesmo naqueles momentos em que o IPMA, IP – sempre por mera reconstituição em modelo numérico – indica vagas de altura superior a 5 metros, são situações pontuais e de curta duração, daqui não se podendo inferir que a viagem para Luanda tenha decorrido com mar alteroso que tivesse produzido a avaria da cerveja transportada pelo m/v “TAGAMA”.

29. Face ao exposto, a resposta à questão indicada no artigo 15º da Base Instrutória só podia ser aquela que deu o Mmo Juiz a quo: NÃO PROVADO, também o quesito 16º da Base Instrutória, que não se podia bastar «com um mero juízo de probabilidade» só podia merecer a decisão de NÃO PROVADO.

30. Embora várias testemunhas da Ré/Recorrente se tenham detido longamente em alusões às condições climatéricas de Luanda e às deficiências do Porto de Luanda, o certo é que sobre o caso concreto nenhuma dessas testemunhas se pronunciou ou sequer podia pronunciar-se, porquanto nenhuma delas presenciou fosse o que fosse assistiu ou pôde atestar, com verdade, qualquer vicissitude que tivesse levado à perda da totalidade das mercadorias neles transportadas.

31. Logo, as hipotéticas causas alternativas enunciadas pela Ré/Recorrente para explicar os danos produzidos não podem vingar, pois em momento algum dos autos foi provado um nexo causal entre essas circunstâncias gerais e os danos concretamente verificados.

32. Nestes termos e não se podendo aqui também o Tribunal bastar com meros juízos de probabilidade, os quesitos 17º e 18º da Base Instrutória também foram bem dados como NÃO PROVADOS.

33. Em Setembro de 1998, a Autora indemnizou a IC.

34. Em Janeiro de 1999, representantes da Ré/Recorrente e da IC reuniram com vista à discussão da avaria verificada nas mercadorias entre elas transaccionadas e à compensação pelos danos sofridos por esta última, de que sempre imputou responsabilidades directas àquela primeira.

35. Foi feita prova nos autos, de que a IC reclamou à Recorrente a quantia de USD $229.000, referindo, no entanto, já ter recebido o restante da ora Autora, a título de indemnização pelos riscos cobertos pela apólice de seguro.

36. Pelo menos desde Janeiro de 1999, a Ré/Recorrente sabia que a sua cliente havia accionado o seguro contratado com a Autora/Recorrida e esta lhe havia pago o devido ao abrigo da respectiva apólice.

37. Por carta de 26 de Março de 1999, a ora Apelada, através do Dr. Carlos, notificou a Ré do pagamento da indemnização à IC e da sua consequente sub-rogação nos direitos de crédito desta última.

38. Bem se entende o incómodo da Ré com este assunto em concreto: é que se, por um lado, invocar o acordo que celebrou com a IC equivale a reconhecer a sua culpa directa na avaria sofrida pela totalidade das mercadorias a que se referem os autos, por outro, não o invocar deita uma eventual excepção de cumprimento.

39. É falsa a afirmação da Ré/Recorrente de que o talão de registo da mencionada carta, emitido pelos serviços postais italianos, junto aos autos em 16 de Abril de 2007, não consta a data de registo de 29 de Março, logo insinuando que o talão apresentado só supostamente corresponderia ao serviço de registo da missiva enviada pelo Advogado italiano. Na verdade, consta expressamente do canto inferior esquerdo do quadrado ínsito no talão o carimbo com os dizeres “29-3-99”, o que significa, tanto em Itália, como em Portugal, dia 29 do mês de Março do ano de 99.

40. Não se pode permitir que a Ré/Recorrente desvirtue aquelas que foram as repetidas declarações de Carlos, acerca do aviso de recepção de que tinha recebido, sim, o aviso de recepção, de que se recordava de o ter visto, mas que este se teria extraviado durante a mudança do seu escritório que ocorreu na mesma altura.

41. A mesma testemunha afirmou que a Recorrente recebeu a carta, sim, pois, não só recebeu o aviso de recepção, como dias depois da sua expedição, foi contactado telefonicamente por um funcionário desta última, a propósito dessa sua carta.

42. Também o facto de a Ré, na altura, já estar a desenvolver a sua actividade nas instalações de Vialonga e não nas da Avenida ... em Lisboa é absolutamente irrelevante, na medida em que, reconhecidamente, continuou a receber correspondência na sua anterior sede de Lisboa, designadamente a carta datada de 15 de Setembro de 1999, que também consta dos autos.

43. Os depoimentos das testemunhas Nuno, Maria e Céu foram, a este respeito, vagos, titubeantes e inconclusivos e não deram quaisquer mostras do suposto rigor do tratamento da correspondência que chega às instalações da Ré/Recorrente.

44. Após a mudança da Apelante para Vialonga, em 1997, ainda era recepcionado correio em Lisboa que era recolhido por um estafeta que o levava para as novas instalações da secretaria geral, mas as testemunhas não souberam dizer se em 1999 ainda era esse o procedimento.

45. A testemunha Maria afirmou não ter visto a carta de 26 de Março de 1999 do Dr. Carlos, que, poderia ter sido encaminhada para o

departamento de Exportação ou para o Gabinete Jurídico ou talvez para a Administração.

46. Confrontada com a carta que, em 15 de Setembro de 1999, foi dirigida à Recorrente pela actual Mandatária da Autora, também declarou dela não se lembrar porque, ao ser dirigida para a Avenida...., em Lisboa, e sendo respondida por Nuno, responsável pela Exportação, não teria passado por ela.

47. Portanto, não restam dúvidas que a Ré sabia e foi efectivamente informada, por diversos meios, do pagamento da indemnização pela AG à IC e da sub-rogação que se operou por força de tal pagamento.

48. A compensação que a Recorrente eventualmente tenha feito à IC não é, por isso, oponível à Recorrida.

49. É facto assente que o valor da indemnização paga pela Recorrida à sua segurada equivaleu tão só ao custo CIF da mercadoria, nele considerados o preço da mesma, o valor do frete e o prémio do seguro.

50. Está igualmente assente que a IC reclamou junto da Apelante higher expenses (custos mais elevados, como a própria Ré/Recorrente reconhece, e que equivalem a dizer custos adicionais aos previstos) atinentes às despesas portuárias, alfandegárias, de transporte dos contentores dentro do porto de Luanda, de manuseamento dos mesmos no parque portuário, de análises sanitárias, bem como de destruição da mercadoria, custos estes, portanto, não cobertos pelo seguro.

51. Logo, não pode deixar de se concluir que a compensação feita pela Ré/Recorrente à IC visou ressarci-la de tudo aquilo que o seguro não cobriu.

52. Seria absurdo que, ciente da existência da apólice de seguro, conhecedora de que a IC já tinha feito valer os seus direitos junto da seguradora ora Recorrida e notificada da efectivação do pagamento da indemnização, a Recorrente aceitasse ressarcir a sua cliente pela totalidade dos prejuízos incorridos – inclusivamente os que beneficiavam da cobertura da apólice de seguro!

53. Nesta conformidade, os quesitos 18º-Aº e 27º da Base Instrutória foram bem respondidos, ao serem considerados, ambos PROVADOS.

54. Não existe contradição entre a prova do quesito 19º e a prova do quesito 27º.

55. Efectivamente, uma leitura cuidadosa do quesito 19º permite interpretar o seu teor no mesmo sentido do facto vertido no artigo 27º da Base Instrutória.

56. A indicação que vendedora e compradora queriam «pôr fim ao diferendo» em nada exclui que parte da avaria já tivesse sido ressarcida à ICpela indemnização da seguradora, aqui Autora e Recorrida.

57. Como esta indemnização foi, comprovadamente, paga em data anterior à do acordo celebrado entre a Ré e Recorrente e a IC, é perfeitamente plausível que, mediante a compensação que a CENTRALCER aceitou fazer em momento posterior, tivesse ficado totalmente dirimido esse assunto.

58. E esta ideia de concorrência de mais de uma entidade para o conjunto de danos sofridos pela IC também resulta da oração subordinada «como comparticipação nos prejuízos», significando que, para além da Recorrente e com a Recorrente, mais alguém tinha que ter participado nos prejuízos daquela sociedade italiana.

59. Ficando provado este facto vertido no quesito 19º, é inteiramente compatível que também possa ser dada como provada a matéria do artigo 27º da Base Instrutória.

60. Os gastos adicionais que essa compensação operada pela Ré/Recorrente visava cobrir não podiam ser outros que aqueles custos e prejuízos que tinham ficado de fora da alçada da apólice de seguro celebrada com a AG.

61. Têm de ser entendidos como preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil: a existência dos danos, suficientemente alegados e provados, e a identificação da sua responsável.

62. Para pagamento da indemnização ao abrigo da apólice de seguro contratada com a IC não carecia a Autora/Recorrida de prova do efectivo pagamento da factura emitida pela Ré/Recorrente.

63. Tão pouco poderia a Autora/Recorrida fazer, por si própria, prova de tal liquidação por se tratar de uma res inter alius, facto pessoalíssimo da Ré/Recorrente e da IC, no qual a AG não poderia ter intervenção alguma.

64. A Ré/Recorrente nem sequer alegou que o pagamento não tivesse sido feito ou mostrou qualquer comunicação ou interpelação que tivesse sido feita nesse sentido à sua cliente IC.

65. Teria cabido à Ré/Recorrente invocar a excepção de não cumprimento por parte da Segurada da Autora, que seria oponível também à Autora.

66. Mesmo a verificar-se hipoteticamente essa excepção (o que já se repudiou), ela não obstaria «ao conhecimento de mérito.

67. O teor da contestação demonstra que foi feito o pagamento das mercadorias vendidas, pelo que resulta evidente que a factura apresentada à IC já estava liquidada aquando da propositura da presente demanda.

68. Nestes termos, deve a acção ser considerada procedente também por alegados e provados nos autos os factos de que depende o desencadeamento da responsabilidade civil.

69. É inatendível a argumentação deduzida pela Ré/Recorrente sobre a matéria da sub-rogação, legal ou convencional, pela simples razão que se baseia no direito português, quando esta questão tem de ser resolvida à luz do direito italiano aplicável.

70. As partes envolvidas no contrato de seguro, do qual deriva o pagamento da indemnização e a consequente sub-rogação, ou seja a AG e a IC são pessoas colectivas de direito italiano, com sede em Itália e em tudo submetidas às normas jurídicas transalpinas.

71. A apólice de seguro foi celebrada em Itália e, não tendo remetido qualquer litígio dela decorrente para outro ordenamento jurídico, é-lhe aplicável o direito italiano.

72. Por conseguinte, o pagamento da indemnização ocorreu em Itália e todos os efeitos deste facto não podem senão subsumir-se a esse ordenamento jurídico.

73. Ao receber o valor de indemnização da sua seguradora, aqui Autora/Recorrida, a IC expressamente declarou no respectivo recibo substituir-se a AG «em todos os seus próprios direitos, razões e acções derivados do dano produzido, de modo a que pudesse, em seu lugar e vez, fazê-los valer em qualquer lugar e contra qualquerpessoa, segundo a razão e a lei».

74. Operou-se assim uma sub-rogação voluntária da compradora/segurada a favor da sua seguradora.

75. Mas mesmo que a IC não tivesse investido, por acto voluntário, a Autora nos seus direitos contra a ora Ré/Recorrente, sempre se daria a sub-rogação ope legis, nos termos estabelecidos no artigo 1916º do Código Civil italiano.

76. Sustenta unanimemente a Jurisprudência europeia que, para que se opere a sub-rogação, é suficiente que o contrato de seguro seja válido e que a indemnização tenha sido real e comprovadamente paga ao segurado.

77. Tendo ficado provado que a avaria da mercadoria se deveu à defeituosa acomodação das embalagens de cerveja dentro dos contentores feita pela Ré, é esta a causadora dos danos que a Autora foi chamada a indemnizar ao abrigo do contrato de seguro celebrado com a IC relativamente a essa mercadoria. Logo, o valor pago pela AG a título de indemnização a esta sua segurada é totalmente exigível à Ré/Recorrente.

78. Tendo a vendedora e aqui Ré/Recorrente celebrado um acordo com a IC, nos termos do qual se obrigou a lhe entregar gratuitamente mercadorias de um certo valor, a fim de cobrir os gastos em que incorreu a sua sucursal de Luanda – e esta é matéria provada nos autos -, não é tal negociação oponível à Autora.

79. Isto porque o valor e o fim da compensação acordada pela Ré são diferentes das verbas que serviram de base ao cálculo do montante indemnizatório pago pela Autora à sua segurada.

80. Mas, sobretudo, porque a Ré celebrou o acordo de compensação à ICem Junho de 1999, mais de 2 meses após lhe ter sido comunicada a sub-rogação operada a favor da Autora (em 26 de Março de 1999).

81. O acordo entre a Ré/Recorrente e a IC, embora inoponível à Autora produz o importante efeito de constituir prova evidente de que a Ré/Recorrente, efectivamente, assumiu que a indemnização ou

compensação de tais danos lhe era exigível, por ser por estes a exclusiva responsável.

82. Entende a Autora/Recorrida que o seu crédito era líquido, pelo menos, à data da propositura da presente demanda, pelo que deve a Ré/Recorrente ser condenada ao pagamento, pelo menos, dos juros vencidos a contar da data da sua citação e até integral liquidação do crédito.

83. O critério e o cálculo subjacentes à fixação do valor do capital a cujo pagamento a Ré/Recorrente é condenada têm de ser aferidos à data de entrada em juízo desta demanda, ou seja 2 de Março de 2001, pelo que também neste ponto deverá ser mantido quanto a este respeito decidido.»

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas pela recorrente, nos 2[1] recursos que importa conhecer:

1- Despacho de 01/07/2013, que indeferiu o incidente de impugnação da testemunha Carlos

2- Impugnação da matéria de facto – quanto aos quesitos 3.º-A, 4.º, 8.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 18.º-A, 19.º e 27.º

3- Danos do sinistro não cobertos pelo seguro de transporte

4- Inexistência de sub-rogação

5- Juros de mora

  

II – FUNDAMENTOS

1.     De facto

Na sentença recorrida foram os seguintes os factos dados por provados:

1 – A A. AG S.P.A. é uma companhia de seguros que exerce a sua actividade em Itália e em vários outros países, dedicando-se, entre outros, ao ramo de seguros de transportes marítimos;

2 - A R. SCC S.A. celebrou com a sociedade italiana IC S.p.A. um contrato mediante o qual lhe forneceu 22.800 paks de 24 latas de cerveja "SAGRES" (180.576 litros de cerveja), destinada a ser transportada para Luanda;

3 – A mercadoria em questão custou USD 164.160,00 à IC S.P.A.;

4 – Tal contrato foi sujeito pelas partes ao regime FOB LISBOA, obrigando-se a vendedora, ora R., a:

. fornecer a mercadoria;

. proceder à embalagem da mercadoria;

. entregá-la para embarque no navio “TAGAMA” no cais LISCONT, no porto de Lisboa;

. e a suportar todas as despesas e riscos das mercadorias até ao momento que esta passasse a amurada do navio no porto de embarque;

5 - As latas de cerveja foram acondicionadas pela R. em 10 contentores de 20', tendo sido por esta entregues no cais da LISCONT, no porto de Lisboa, e foram transportadas de seguida para o porto de Luanda no navio "TAGAMA", ao abrigo do conhecimento de embarque cuja cópia consta a fls. 13-14 dos autos e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido, no qual se textua inter alia «(…) Bill of Lading n.º. US 1187 (…) Carrier GRIMALDI & COBELFRET UNES (…) Shipper IC SPA ( ... ) Consignee TO THE ORDER OF BANCO DE POUPANÇA E CRÉDITO (...) Notify Part IC SPA SUCURSAL ANGOLA (...) Vessel TAGAMA (...) Port of Loading USBON (...) Port of Discharge LUANDA (...) Number and kind of packages: description of goods 10X20' CONTAINERS S.T.C. (...) PIER/PIER (…) SHIPPERS LOAD STOWED AND COUNT (...) AS PER ATTACHED LIST (...) FREIGHT PAYABLE AT LISBON (...) Place and date of issue LISBON 16.12.97 (...)»;

6 - A embalagem da mercadoria, em latas envolvidas em paks de cartão e plástico, foi a que é usualmente utilizada pela R. em qualquer fornecimento que efectua;

7- A acomodação nos contentores foi feita segundo o que é habitual na Ré.

8 - Foi a IC S.p.A. quem obteve junto do agente da transportadora marítima os contentores utilizados no transporte;

9 - A mercadoria foi expedida após inspecção prévia da SGS que verificou a quantidade dos lotes de cerveja e que selou os contentores;

10 – O navio “TAGAMA” chegou a Luanda em 30 de Dezembro de 1997, tendo sido descarregado em 2 de Janeiro de 1998, ficando os contentores armazenados no porto;

11 - Em 18 de Fevereiro de 1998, os contentores foram transportados para o armazém da IC em Angola;

12 - A mercadoria em causa chegou a Angola totalmente avariada e imprópria para consumo humano, o que determinou que a mesma tivesse sido destruída por ordem das autoridades angolanas;

13 - A avaria da mercadoria resultou de deficiente acomodação nos contentores em que foi transportada;

14 - Nunca houve qualquer problema decorrente da embalagem ou acomodação dos produtos efectuadas pela R. nas suas muitas transacções nacionais e internacionais;

15 - Se o fecho das portas dos contentores tivesse esmagado e cortado as latas, o líquido teria escorrido das portas, facto que seria observável externamente;

16 - A IC remeteu à R. as cartas que constam a fls. 36 e 38 a 41 dos autos, cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido, e nos quais se textua inter alia: «FIs. 36 "(...) Prato, 16 de Abril de 1998 (...) a mercadoria em epígrafe foi mal acondicionada (...) todas as latas da parte da frente chegaram rebentadas (...)”. Fls. 38 “(...) Prato, 31 de Julho de 1998 (...) 547.200 latas de vossa cerveja totalmente danificada (...) Elencamos aqui abaixo os danos para os quais pedimos o vosso imediato reembolso (...) Total a ser reembolsado: USD 788.944 (...); Fls. 40 "(...) Prato, 10th September, 1998 (...) the damage is due to poor stuffing (... you are totally and fully liable for the disaster occurred (…)»;

17 - Com referência à última dessas cartas, a R., em 28 de Setembro de 1998, respondeu através da mensagem que consta a fls. 42 dos autos, "declinando qualquer responsabilidade pelo sucedido”;

18 - Foi acordado entre a R. e a IC, com o objectivo de pôr fim ao diferendo resultante da avaria da cerveja transportada para Angola, que a ICfaria à R. uma encomenda de 24 contentores de cerveja e que esta, como comparticipação nos prejuízos, ofereceria gratuitamente 12 desses contentores;

19 - Em 18 de Junho de 1999, a R. enviou a ICa carta cuja cópia consta a fls. 108-109 dos autos e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido, no qual se textua inter alia: fls. 108 "(...) este acordo, que a presente carta visa formalizar logo que por V Exas. aceite ( .. ) resolverá definitivamente o problema, origem do diferendo que tem oposto as partes, renunciando qualquer delas a hipotéticos direitos fundamentados na atrás indicada reclamação (...)";

20 - Por comunicação via fax, datada de 24 de Junho de 1999, informou a R. aceitar a proposta de entrega "de 12x20’ grátis FOB LISBOA e 12x20' com pagamento normal, desde que seja concluída positivamente esta transacção”;

21 - Procedeu a ICde seguida a encomenda de 4 contentores de cerveja com destino a Angola, que a R. lhe enviou, cobrando-lhe apenas o valor de dois desses contentores;

22 - Posteriormente, a IC enviou à R. a carta cuja cópia constitui fIs. 114 dos autos e que aqui se dá por reproduzida, com o seguinte teor na parte relevante: «(...) Nós concordamos com a Vossa proposta mas desejamos esclarecer que a concreta satisfação do acordo depende das efectivas exigências da nossa delegação Angolana, portanto nos poderemos ser completamente satisfeitos se e quando serão embarcados todos os contentores mencionados neste acordo (…)»;

23 – E, a partir desse momento, não fez qualquer outra encomenda à R.;

24 - É de Esc. 3.348.720$00 o valor dos dois contentores de cerveja fornecidos gratuitamente pela R.;

25 - O acordo celebrado entre a R. e a IC S.p.A. destinou-se a cobrir os gastos em que incorreu a sucursal desta última empresa em Luanda, nomeadamente com a destruição da cerveja estragada;

26 - Foram remetidas à R. pelos advogados da A. de Trieste e Lisboa as cartas que constam a fIs. 44 a 46 dos autos e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido, com o seguinte teor na parte relevante: fIs. 44 “(...) Trieste, 26th March 1999 (...) Generali paid Lire 371.000.000 (see discharge and subrogation receipt encl.) for the total loss of the above mentioned goods. Consequently Generali has the right to recover the amount due from you, according to artt. 1916 and 1201 ss. of Italian Civil Code, as seller of the cargo and responsible for the stuffing of the containers and for their loading on board of the vessel “Tagama" in Lisboa Port (...)";

27 – Em 18 de Junho de 1999, a R. já tinha recebido a carta referida no ponto anterior;

28 - Com referência à última dessas cartas, a R., em 6 de Outubro de 1999, respondeu recusando o pagamento de LIT 371.000.000,00 que lhe fora solicitado, invocando o acordo celebrado sobre o assunto com a ICe não se considerando responsável pelo sucedido;

29 - A A. celebrou com a ICo contrato de seguro de transporte marítimo titulado pela apólice n.º 43391305, tendo por objecto o transporte marítimo da mercadoria referida em 2) entre Lisboa e Luanda, com o capital de risco de LIT. 371.000.000 e sujeito, além do mais, ao regime da "INSTITUTE CARGO CLAUSES (A)", nos termos do certificado de seguro cuja cópia consta a fls. 11 dos autos e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido;

30 - Em razão do contrato de seguro que celebrou, a A. indemnizou a segurada IC pelos prejuízos sofridos decorrentes da avaria da mercadoria, pagando-lhe, em 25 de Setembro de 1998, a quantia de LIT 371.000.000,00, a título de indemnização do valor de aquisição da cerveja pela IC S.p.A. e dos lucros estimados que a mesma deixou de auferir com a ulterior venda dessa cerveja;

31 - A IC subscreveu o documento denominado quietanza di dano - discharge and subrogation receipt cuja cópia consta a fls. 43 dos autos e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido Com o seguinte teor na parte relevante: "(...) The Undersigned IC SPA declare to have collected the amount of 371.000.000 from the company AG S.p.A. trough Agenzia di Prato Centro and this under the policy n.º 43391305 dt. 11/06/97 issued at Prato concerning ship M/N TAGAMA as indemnity deterioramento merce for damage. In consideration of such payment the undersigned declare to have been fully satisfied as far as the settlement of the suffered damage is concerned and to have therefore nothing to exact from the Compatry AG S.p.A. in respect of the damage itself, declaring also to subrogate to the same Company all my rights, reasons and actions rising out of the aforesaid damage so that they may in my place and lieu exert them rightfully and lawfully everywhere and against whomsoever (...) Prato 25/9/98 (...)”.

Resultaram não provados os seguintes factos:

- A viagem para Luanda decorreu com mar alteroso.

- Essas condições de mar poderão ter causado danos na mercadoria, por força do balanço dos contentores dentro do navio.

2. De direito

Apreciemos agora os recursos e as questões neles colocadas pela recorrente.

1- Do despacho que indeferiu o requerimento da Ré no sentido de não ser admitido o depoimento da testemunha Carlos, no âmbito da audiência de julgamento de 01-07-2013.

Questão idêntica foi já alvo de apreciação no seio do anterior acórdão de 19/04/2012, deste mesmo colectivo da Relação de Lisboa.

Aí estava estava também em causa o indeferimento do incidente de impugnação da testemunha Carlos, que foi indeferido pelo despacho 19/04/2005.

Decidiu-se em tal acórdão que o recurso procedia, pelo que se determinou a anulação do depoimento dessa testemunha e anulou-se a sentença, levando a que se tivesse procedido a outro julgamento para produção de prova relativamente aos quesitos a que tal testemunha tida respondido.

Sucede que a mesma testemunha tornou a ser arrolada, tendo sido inquirida e sido indeferido o incidente de impugnação de testemunha que a Ré, uma vez mais suscitou e que a levou a recorrer dessa decisão.

Certo é porém que, desta feita, a situação é distinta daquela que levou a que no nosso anterior acórdão tivéssemos julgado o recurso procedente.

Com efeito, no caso em apreço, a A. juntou documento passado pela Ordem dos Advogados de Trieste que autorizava o advogado Dr. Carlos a depor.

Tal documento que consideramos válido, pois que substancialmente pré-existia à data da inquirição, veio a ser formalmente validado com a aposição da apostilha exigida pelo art.º 3.º da Convenção de Haia, de 05/10/1968, relativa à Supressão da Exigência da Legalização dos Actos Públicos Estrangeiros.

O Exmo. Senhor juiz teve o cuidado, pelo seu despacho de 01/07/2013, de determinar que a inquirição fosse feita nesse dia (dado que a testemunha se encontrava presente) mas ficando o aproveitamento do seu depoimento sujeito à verificação da condição da A. apresentar o documento (a autorização dada pela Ordem dos Advogados de Trieste) no prazo que lhe concedeu.

Ora, por um lado, a A. apresentou tal documento apostilhado no prazo concedido e, por outro, a Ré não recorreu daquele despacho.

Daqui resulta que quanto à questão da validade formal do documento se entende que o mesmo cumpriu as exigências legais.

No tocante aos demais aspectos inerentes à possibilidade da testemunha ser inquirida e que levaram a que o Exmo. Senhor Juiz indeferisse o incidente de impugnação de testemunha, continuamos a defender o que antes expusemos no nosso anterior acórdão de 19/04/2012, que aqui damos inteiramente por reproduzido.

Ora, com base no que aí se escreveu e tendo presente que efectivamente consideramos que no que concerne aos advogados, o segredo profissional é determinado pela lei que regula o exercício da profissão, no País onde esta é desenvolvida, tendo o Exmo. Dr. Carlos, prática forense em Itália, sendo aí Advogado, está sujeito às normas deontológicas italianas da respectiva Ordine degli Avvocati territorialmente competente, no caso Trieste.

Assim sendo, secundamos o que no despacho recorrido se escreveu e que se passa a reproduzir:

«(…) exercendo a sua actividade em Itália e não exercendo em Portugal, o mesmo está sujeito ao segredo profissional constante do Código Deontológico da Ordem dos Advogados Italianos.

Nesse Código resultam duas normas cuja apreciação é decisiva para a solução do incidente deduzido pela Ré. A saber: os já mencionados artgs. 9.º e 58.º do referido Código, os quais por razões de economia processual não são agora citados. Da alegação efectuada pela Autora no seu requerimento que antecede julga-se que a mesma logrou sustentar factos que preenchem a previsão das excepções previstas na al. a) do n.º 4 do art.º 9.º do referido Código. Efectivamente, e se bem se entende a norma em apreço, o depoimento do Dr. Carlos pode ser aproveitado pela Autora na actividade tendente à condução da defesa da sua pretensão. E sendo assim encontra-se preenchida a excepção ao princípio contido no n.º 1 do referido ar.º 9.º.

Para além do mais, do documento apresentado na presente audiência pela autora, alegadamente emitido pela Ordem dos Advogados de Trieste – o qual remete na íntegra para a declaração emitida pela mesma Ordem junta a fls. 887 – e nos termos da qual se atesta que não existem razões deontológicas impeditivas a que o Dr. Carlos preste depoimento como testemunha nos presentes autos, retira-se a conclusão de que o órgão competente permitiu a prestação do depoimento ora ambicionado.

Cumpre destacar ainda que o Dr. Carlos, conforme o mesmo salientou não representa actualmente a Autora nos presentes autos, o que leva à conclusão lógica de que o mesmo renunciou ao mandato. Finalmente, crê-se que não pode estar em Tribunal a afrontar o órgão deontológico competente que autorizou a dispensa de sigilo ao Dr. Carlos, sendo certo que a Autora ao arrolá-lo como testemunha também prescindiu do benefício que podia provir de tal segredo.»

Pelo que se deixou expresso no nosso anterior acórdão (transitado em julgado) e por aquilo que aqui se expôs, temos de concluir que o presente recurso terá de improceder, sendo assim de manter o despacho recorrido que admitiu a inquirição da testemunha Carlos.

2- Impugnação da matéria de facto – Quesitos 3.º-A, 4.º, 8.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 18.º-A, 19.º e 27.º

Nesta sede de impugnação da matéria de facto a recorrente sustenta que as respostas aos quesitos supra elencados deveriam ser alterados, tendo-se registado uma inadequada interpretação da prova produzida.

Vejamos.

A resposta ao quesito 3.º-A, deu azo ao que consta do ponto 3 da factualidade supra elencada e reza assim:

«3 – A mercadoria em questão custou USD 164.160,00 à IC S.P.A.».

A recorrente tenta abalar a fundamentação em que o Exmo. Senhor Juiz se baseou, referindo que se deveria ter atendido ao teor do doc. que apresentou a fls. 1211 (alegada factura referente à venda, apresentada em 19/06/20013) e ao testemunho de Nuno, bem como ao facto da factura de fls. 12 não conter um elemento essencial - o preço da mercadoria – e do doc. de verificação emitido pela SGS (Société Générale de Surveillance, S.A.), ter sido elaborado com base em elementos apenas fornecidos pela IC, bem como pelo facto das telecópias desta empresa, de 01/07/1998, serem docs. internos da mesma e fazerem referência a valores que não respeitam ao preço de aquisição da mercadoria.

O Exmo. Juiz fundamentou a sua resposta positiva ao quesito dizendo:

«Assim, e quanto ao art. 3.º-A da base instrutória, motivaram o tribunal a factura emitida pela Ré em nome da IC S.p.A. (documento n.º 2 junto com a petição inicial, de fls. 12), o relatório da Lloyd's, o qual faz referência expressa ao "Invoice n.º 537/97 dated 11-12-1997", com o valor CFR Luanda USD 194 160 (doc. n.º 7 junto com a contestação, de fls. 25), as telecópias da IC S.p.A., de 01-07-1998 e 31-07- 1998, remetidas à Ré, que referem que o custo da mercadoria ascendeu a USD 194 160 (doc. n.º 6 junto com a contestação, de fls. 103, e doc. n.º 9 junto com a petição inicial, de fls. 38-39) e o atestado de verificação da SGS Société Générale de Surveillance, S.A. (sociedade que assistiu ao carregamento e fecho dos contentores), o qual tem o valor FOB USD 164 160 (fls. 434). Esse valor (o de USD 194 160) nunca foi posto em causa pela Ré na correspondência trocada entre as partes. Aliás, a Ré admitiu que a quantia que recebeu da IC S.p.A. é a que tem por referência a factura que emitiu em nome desta, junta como documento n.º 2 da petição inicial (cf. art. 123.º da contestação). O mesmo valor foi corroborado pela testemunha Carlo Pillinni, advogado da Autora que teve acesso à documentação diversa que esta entregou nos autos com vista à reclamação da quantia paga à sua segurada, IC, S.p.A. A factura emitida pela IC S.p.A. à sua sucursal de Luanda, junta a fls. 815, evidencia que o valor da mercadoria adquirida à Ré ascendeu a USD 164 160 FOB e USD 194 160 CFR, sendo que a razão da discrepância deriva do facto de o segundo valor já contemplar o montante do frete, alheio ao negócio ajustado com a Ré. Num outro plano, a factura emitida pela Ré, junta a fls. 1211, acabou por não convencer, pois não foi emitida na data dos factos, omite diversas menções que estão apostas na factura de fls. 12 e jamais foi referida a sua existência ao longo do processo bem como a impossibilidade real e convincente da sua apresentação anterior. Todos estes aspectos não foram esclarecidos pela testemunha Nuno, então responsável pelo pelouro da exportação, a qual limitou-se a reproduzir em juízo os dizeres do documento de fls. 1211

Encontramo-nos em perfeita sintonia com a fundamentação apresentada pelo Exmo. Juiz, a qual encontra inteiro sustentáculo na documentação dos autos e prova testemunhal a que alude.

A argumentação apresentada pela recorrente não é bastante para abalar a fundamentação aqui vertida.

Por um lado, quando alude à natureza interna dos docs. a que se faz referência esquece que a base da fundamentação não assenta só neles. Estes são apenas coadjuvantes dos demais apresentados, designadamente a inicial factura de fls. 12, sendo certo porém que sendo docs. internos são-no da ICe da SGS que não são partes na acção, reforçando por isso a credibilidade do seu conteúdo.

Acresce ainda que, na realidade, tal como é dito na fundamentação do Exmo. Juiz, o “valor (o de USD 194 160) nunca foi posto em causa pela Ré na correspondência trocada entre as partes. Aliás, a Ré admitiu que a quantia que recebeu da IC S.p.A. é a que tem por referência a factura que emitiu em nome desta, junta como documento n.º 2 da petição inicial (cf. art. 123.º da contestação).

De outro lado, tem-se a mesma posição que o Exmo. Juiz no que tange ao peso probatório da factura junta aos autos a fls. 1211, não só por apenas ter sido apresentada 6 anos volvidos sobre o surgimento do quesito (e, dir-se-á, incompreensivelmente não o foi com a contestação, se o que se pretendia com a mesma era pôr em crise a factura de fls. 12, apresentada com a petição inicial), como também pelo facto de não nomear o seu destinatário e da testemunha Nuno não ter esclarecido esses pontos.

Pelo que se deixa dito, temos pois de concluir que será de manter a resposta dada ao quesito 3.º-A.

No que concerne aos quesitos 4.º, 8.º e 14.º, relativos às causas da avaria da mercadoria entende a Apelante que o 1.º deles deveria ser dada como não provado e que os dois restantes deveriam ter respostas distintas das que foram dadas.

As respostas dadas a tais quesitos deram origem aos seguintes factos provados supra elencados:

«13 - A avaria da mercadoria resultou de deficiente acomodação nos contentores em que foi transportada;

14 - Nunca houve qualquer problema decorrente da embalagem ou acomodação dos produtos efectuadas pela R. nas suas muitas transacções nacionais e internacionais;

15 - Se o fecho das portas dos contentores tivesse esmagado e cortado as latas, o líquido teria escorrido das portas, facto que seria observável externamente.»

Para motivar essas respostas o Exmo. Juiz fundou-se quer nos relatórios periciais da Lloyd’s e da F. Salla Franco, quer ainda no depoimento das testemunhas Victor Antunes e José Henriques.

E, na nossa óptica, fê-lo bem.

Com efeito, a credibilidade de tais relatórios, resultado de perícia efectuada por peritos conhecedores da realidade que vistoriaram é de reconhecer e aceitar. As fotografias deles constantes permitem-nos corroborar (visualmente) o teor das respostas dadas e concluir pelo acerto das mesmas.   

Dos relatórios apresentados resulta que a estiva das latas terá sido mal feita dentro dos contentores (o que não chegou a ser contrariado pelo parecer apresentado pela própria Ré).

De realçar que dos relatórios resulta que este tipo de mercadoria requeria mais exigências, pelo que tal não permitirá que se diga, como pretende a apelante, que o acondicionamento foi feito como as outras empresas similares o fazem.  

Inexiste qualquer contradição entre as respostas dadas aos quesitos 8.º e 9º, pois que se reportam a situações distintas. No primeiro caso, reportando-se ao caso em concreto, dizendo-se que a acomodação foi feita segundo o que é habitual foi feito, no segundo, referindo-se que até então nenhum problema a Ré terá tido decorrente das suas transacções, nacionais e internacionais. Ora tal não é incompatível, muito menos contraditório, poderemos dizer que há sempre uma primeira vez para tudo.

No tocante ao escorrimento do líquido para o exterior, também se apurou que o mesmo não tinha de ser imediato, pois que o retráctil que envolvia as latas teria capacidade para reter o líquido, donde o mesmo poderia não ser visível exteriormente, o que aliás foi adiantado pela testemunha Antunes.

Verificamos assim que se mostram adequadas as respostas dadas pelo Exmo. Juiz aos apontados quesitos, não havendo razões para as modificar.

Considera a apelante que também as respostas aos quesitos 15.º e 16.º, deverão ser modificadas, pois que o doc. que apresentou na audiência de 01/07/2013 e o depoimento da testemunha Antunes, assim o impõem.

Trata-se de quesitos inerentes ao estado do mar a quando do transporte da mercadoria.

Na sua motivação das respostas dadas a estes quesitos o Exmo. Juiz referiu:

«No que tange aos arts. 15.º e 16.º da base instrutória, o documento do IPMA, junto pela Ré no decurso da audiência final, revelou-se manifestamente insuficiente para retratar o modo como decorreu a viagem, pois baseia-se em modelos matemáticos e não se debruça sobre a totalidade do percurso/transporte dos autos. Acresce que é desconhecido o local onde os contentores foram carregados a bordo do navio transportador, facto relevante para determinar a intensidade da exposição da carga aos movimentos do navio. O relatório da Lloyd's é totalmente omisso a respeito da matéria quesitada. Mais interessante teria sido obter o plano de carga e o diário de bordo do navio para aferir das eventuais vicissitudes e das condições meteorológicas adversas que perturbaram a viagem para Angola.»

Concordamos com tal apreciação sobre o documento junto e da sua valia probatória quanto ao que se pretendia provar.

Com efeito a Certidão do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), apenas atesta o estado do vento e do mar durante quinze dias da rota do navio, correspondendo aos primeiros dias da viagem, na ligação de Lisboa às Canárias, não atestando as sucessivas posições do navio e as respectivas condições de tempo e mar.

Da análise desse documento não se pode concluir, com um mínimo de credibilidade, que a viagem entre Lisboa e Luanda tenha decorrido com mar alteroso e que tais condições de mar teriam causado danos na mercadoria por via do balançar dos contentores dentro do navio. Com efeito, os indicadores matemáticos constantes de tal certidão, apenas pontualmente indicam vagas superiores a 5 metros, sendo que o vento nunca terá atingido a força 8 da Escala Beaufort, pelo que não se poderá afirmar que se terá feito uma viagem com mar alteroso.

Por estas razões e pelas apontadas na indicada motivação do Exmo. Juiz, entendemos que não haverá que modificar as respostas dadas aos citados quesitos 15.º e 16.º.

Veio ainda a apelante referir que os quesitos 17.º e 18.º, deveriam ser dados como provados.

Trata-se de factualidade inerente às condições climatéricas que se terão registado em Luanda e às condições do porto marítimo aí existente.

Acontece que nenhuma das testemunhas ouvidas sobre estes quesitos terá estado em Luanda a quando do aportar do navio, sendo que as suas afirmações revelam-se genéricas e hipotéticas, consequentemente insusceptíveis de poderem conduzir a que os quesitos em causa pudessem ser dados como provados.

Nesta medida mantêm-se inalteradas as respostas dadas aos quesitos 17.º e 18.º.

Quanto aos quesitos 18.º-A e 27.º, entende a recorrente que os mesmos deveriam ser dados como não provados, pois que quer os depoimentos testemunhais (Maria,Céu e Nuno), quer o doc. de fls. 108, assim o exigiriam.  

Vejamos.

A resposta dada ao art.º 18.º-A deu origem ao ponto 27 da factualidade provada supra elencada: «Em 18 de Junho de 1999, a R. já tinha recebido a carta referida no ponto anterior», (sendo que a carta em questão se reportava à informação prestada pelos advogados da A. de que a seguradora já teria pago 371.000.000 Liras pela perda total da mercadoria, pelo que face a esse pagamento a A. teria o direito de receber da Ré essa quantia paga, dado ser a vendedora da mercadoria e responsável pelo acondicionamento da carga nos contentores e do seu carregamento no navio “Tagama”, em Lisboa - ponto 26).

Por sua vez a resposta ao quesito 27.º, deu origem ao ponto 25 da factualidade provada supra enunciada: «O acordo celebrado entre a Ré e a IC S.p.A. destinou-se a cobrir os gastos em que incorreu a sucursal desta última empresa em Luanda, nomeadamente com a destruição da cerveja estragada

Na sentença o Exmo. Juiz apresentou desenvolvida motivação para as indicadas respostas.

Feita a reapreciação da prova inerente a esses quesitos, somos de concluir pelo mesmo entendimento expresso pelo Exmo. Juiz na sua motivação.

Disse ele a tal propósito:

«Relativamente ao art. 18.º-A da base instrutória, a testemunha Carlos, subscritora da missiva em apreço, não teve dúvidas em afirmar que a carta foi recebida pelo destinatário, dado que volvidos alguns dias recebeu um telefonema de um funcionário da Ré, o qual pretendia saber para que departamento devia encaminhar a carta em apreço. Acresce que esta foi remetida com aviso de recepção para uma morada que posteriormente foi novamente utilizada, agora pela Ilustre Mandatária da Autora, no envio da carta de fls. 45-46, de 15-09-1999, a qual mereceu a resposta da Ré em 06-10-1999 (carta de fls. 47-48). Logo, a Ré recebeu a dita carta de 26-03-1999. Acresce que a Autora indemnizou a IC S.p.A. no dia 25-09-1998, conforme se alcança do documento de fls. 43, e a Ré (na pessoa de Luís Fernandes) reuniu-se com a sociedade italiana (representada por Paolo Urbani) no dia 13-01-1999, (cf. documento de fls. 108-109), encontro esse que teve como objectivo "(...) chegar a um acordo tendente a pôr fim à querela suscitada" em torno da chegada da cerveja ao porto de Luanda em condições impróprias para consumo. Na sequência dessa reunião, a Ré remeteu à IC S.p.A., em 18-06-1999, a proposta de acordo com vista a compensá-la apenas e tão-somente dos custos adicionais suportados ["(...) higher expenses borne (...)"] pela sucursal de Luanda. Ora, estes custos adicionais - despesas portuárias e alfandegárias e de manuseamento e destruição da cerveja - não se confundem com a quantia paga pela Autora no âmbito do seguro ajustado, pelo que resulta indiscutível que a Ré sabia de tal pagamento em 18-06-1999. Caso contrário, não teria limitado o acordo aos "higher expenses". Logo, a Ré sabia que a IC S.p.A. havia sido parcialmente ressarcida pela Autora, o que apenas vem atestar que recebeu a carta referida em z) [ex-al. f) da matéria de facto assente]. Neste contexto foram desprezados os depoimentos das testemunhas Maria Silva e Maria de Jesus, ambas secretárias da Ré à data dos factos, e segundo as quais a carta em causa não passou pelas suas mãos, o que é diferente de não ter sido recebida pelo destinatário. Do mesmo modo, o depoimento de Nuno não convenceu, pois a testemunha referiu que se tivesse recebido a carta não teria negociado a compensação comercial com a IC S.p.A.. Ora, essa compensação não tem nada a ver com a quantia referida na missiva remetida pela Autora de 26-03-1999. Finalmente, quanto aos arts. 19.º e 27.º da base instrutória, para além dos elementos probatórios avançados a respeito da resposta dada ao art. 18.º-A da base instrutória, valeram nesta sede os documentos de fls. 38-39 e 40 (telecópias expedidas pela IC S.p.A. à Ré em 31-07-1998 e 10-09-1998), 42 (telecópia expedida pela Ré à IC S.p.A. em 28-09-1998), 44 (carta expedida pelo Dr. Carlos à Ré), 107 (carta remetida pela Ré à IC S.p.A. em 09-12-1998), 108-109 (carta remetida pela Ré à IC S.p.A. em 18-06-1999), 110 (telecópia expedida pela IC S.p.A. à Ré em 21-06-1999), 112-113 (facturas emitidas pela Ré em 23- 06-1999), 114 (telecópia expedida pela IC S.p.A. à Ré em 27-06-1999). Na carta de fls. 38-39, de 31-07-1998, a IC S.p.A. teve o cuidado de discriminar os danos concretos que pretendia ver reparados: para além de ter individualizado o valor correspondente ao preço da cerveja, agrupou numa secção as despesas suportadas pela sua sucursal de Angola com despesas portuárias, alfandegárias, de transporte dos contentores (porto/parque/porto), de manuseamento dos contentores no terminal, de enterramento da mercadoria e com análises. Tais despesas ascendiam ao montante de USD 229 201. A Ré, conforme se salientou na motivação da resposta dada ao art. 18.º-A da base instrutória, soube da indemnização paga pela Autora à sua segurada em 26-03-1999 quando recebeu a carta de fls. 44, expedida pelo Dr. Carlos. Tal indemnização referia-se à perda total da mercadoria ["(...) Generali paid (...) for the total loss of the above mentioned goods (...)"] e deixou de fora os tais custos adicionais suportados pela IC S.p.A.. É neste contexto que é ajustado o acordo apurado, o qual tem em vista, única e exclusivamente, os tais gastos extraordinários em que incorreu a sucursal de Luanda da IC S.p.A.. O carácter peremptório dos documentos acima enumerados, suportado por uma prestação honesta e circunstanciada da testemunha Carlos, em contraste com o depoimento descolado e inverosímil da testemunha Nuno (que não conseguiu explicar convincentemente porque razão a Ré se prestava a compensar a IC S.p.A. por todos os prejuízos sofridos com a oferta de doze contentores de cerveja quando sabia que a mesma já tinha sido parcialmente indemnizada pela Autora), fundaram as respostas afirmativas aos quesitos em apreço

Na realidade, calcorreando a prova produzida chegámos à mesma conclusão do Exmo. Juiz.

O depoimento da testemunha Carlos, no confronto com o de Nuno mostrou-se muito mais verosímil e assertivo, sendo que as testemunhas Maria Silva e Maria de Jesus, apenas puderam afirmar que a carta em causa não lhes passou pelas mãos, o que de facto é diferente de se afirmar que a mesma não tenha sido recebida na empresa. Se a tal adicionarmos a circunstância de Carlos, subscritor da missiva em apreço, ter afirmado que volvidos alguns dias após o envio da mesma terá recebido um telefonema de um funcionário da Ré, o qual pretendia saber para que departamento devia encaminhar a carta em apreço, teremos forçosamente de concluir que a carta terá sido recebida pela Ré.

Dir-se-á ainda que, ao contrário do que a recorrente afirma, do talão de registo relativo a tal missiva consta a data de registo (29/03/1999), a qual encontra-se no canto inferior esquerdo do mesmo.

De igual forma e pelas razões apontadas na motivação do Exmo. Juiz, se entende que ficou demonstrado que O acordo celebrado entre a Ré e a IC S.p.A. se destinou a cobrir os gastos em que incorreu a sucursal desta última empresa em Luanda, nomeadamente com a destruição da cerveja estragada, pois que o valor pago pela recorrida à sua segurada terá correspondido apenas ao custo CIF da mercadoria[2]. A “IC” o que terá reivindicado da ora recorrente foi o pagamento relativo às despesas mais elevadas que a sua sucursal de Luanda teve de suportar, com despesas portuárias e alfandegárias e de manuseamento e destruição da cerveja. Dizer-se isso ou afirmar-se que se tratou de reivindicar o pagamento de custos adicionais (como foi dito na motivação da resposta a estes quesitos) é, para nós, questão de semântica, que substancialmente não altera em nada o sentido da afirmação.

Refira-se, por fim, que não se vislumbra qualquer contradição entre as respostas dadas aos quesitos 19.º e 27.º.

Com efeito, respondendo-se ao quesito 19.º que “foi acordado entre a Ré e a IC, com o objectivo de pôr fim ao diferendo resultante da avaria da cerveja transportada para Angola, que a ICfaria à R. uma encomenda de 24 contentores de cerveja e que esta, como comparticipação nos prejuízos, ofereceria gratuitamente 12 desses contentores” (ponto 18 da factualidade provada supra elencada) e referindo-se na resposta ao quesito 27.º que “O acordo celebrado entre a Ré e a IC S.p.A. se destinou a cobrir os gastos em que incorreu a sucursal desta última empresa em Luanda, nomeadamente com a destruição da cerveja estragada” (ponto 25 da factualidade provada supra indicada), face a toda a prova produzida e contextualizando as respostas dadas, teremos de concluir que as duas respostas não só não são contraditórias, como se revelam complementares.

Delas o que se extrai é que a recorrente chegou a um acordo com a ICno sentido de que o diferendo entre ambas, referente aos gastos mais elevados que a sucursal de Luanda da ICsofrera, nomeadamente com a destruição da cerveja estragada, seria resolvido mediante a encomenda, por parte da IC, de 24 contentores de cerveja e que a recorrida ofereceria gratuitamente 12 desses contentores.

Não há assim que registar qualquer contradição.

Do que se deixa dito, há pois que concluir que não assiste razão à apelante nesta questão da impugnação da matéria de facto, sendo de manter as respostas dadas pelo Exmo. Juiz.

   3- Danos do sinistro não cobertos pelo seguro de transporte

Defende a recorrente na sua apelação que a A. não terá logrado demonstrar os prejuízos sofridos pela IC, pelo que sendo esse um dos pressupostos da responsabilidade civil, não estaria obrigada a indemnizar.

Nesta questão não assiste qualquer razão à apelante, sendo que na sentença se fez expressa referência aos prejuízos que concretamente se apuraram e até se afastou parte do pedido, por via precisamente da circunstância dos lucros cessantes se não terem comprovado.

Aqui fica a passagem do que vimos de dizer, e que nos dispensam outras considerações, pois que nos revemos nela:

«No caso vertente, a mercadoria foi adquirida à Ré pelo preço de USD 164 160 [al. c) dos factos provados] e a segurada recebeu da Autora, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos decorrentes da avaria dos bens comprados a quantia de LIT 371 000 000, correspondente ao valor de aquisição da cerveja e lucros estimados que deixou de auferir com a ulterior venda dessa cerveja [al. dd) dos factos provados]. Não resultando outros elementos dos autos, julga-se que a reparação a arbitrar deve circunscrever-se ao preço da mercadoria adquirida. Aliás, a própria razão das coisas obstaria a que se chegasse a conclusão diversa, pois, caso contrário, bem poderia suceder que o lesante ficasse sujeito aos cálculos indemnizatórios efectuados discricionariamente por segurador e segurado sem que contra eles pudesse reagir. Na sub-rogação efectuada pelo credor, o crédito transmite-se não apenas com as garantias acessórias que o fortalecem, mas também com os encargos que o enfraquecem. Assim, cabia à Autora alegar e provar os factos referentes aos lucros cessantes, dando assim cumprimento integral ao princípio da substanciação. Não o tendo feito, sibi imputet.»    

Há assim que considerar improcedente esta questão.

4- Inexistência de sub-rogação

A recorrente sustenta que o seguro que a ICcelebrara com a A. não cobria o risco que esteve na base do sinistro, pelo que por tal via não seria admissível a sub-rogação legal, dado estar em causa situação fora do seguro.

Na sentença recorrida concluiu-se efectivamente que o sinistro em causa não estaria coberto pela apólice de seguro, sendo porém certo que o facto da indemnização ter sido paga, teve repercussão no direito da seguradora de vir a ser reembolsada pelos prejuízos causados pela Ré, por via da sub-rogação legal e voluntária dos direitos da sua segurada.

Concordando nós com o teor do que na sentença se disse a tal propósito, aqui reproduzimos (fazendo nosso) o que se segue:

«Coloca-se então a questão de saber se o sinistro ocorrido - avaria da mercadoria segura por decorrente da sua deficiente acomodação - se encaixa nas coberturas do seguro ajustado entre as partes e, consequentemente, se a Autora podia ter procedido à regularização à luz de tal contrato. A resposta não pode deixar de ser negativa. Com efeito, a cláusula 1.ª das ICC A, epigrafada de "Risks covered", estabelece que " This insurance covers all risks of loss of or damage to the subject-matter insured except as provided in Clauses 4, 5, 6 and 7 below". A cláusula 4.ª das ICC A, intitulada de "Exclusions", dispõe no seu n.º 3 que "In no case shall this insurance cover loss damage or expense caused by insufficiency or unsuitability of packing or preparation of the subject-matter insured (for the purpose of this Clause 4.3 "packing" shall be deemed to include stowage in a container or liftvan but only when such stowage is carried out prior to attachment of this insurance or by the Assured or their servants)"[3]

A cláusula 8.ª, com a epígrafe de "Duration", prescreve no seu n.º 1 que "This insurance attaches from the time the goods leave the warehouse or place of storage at the place named herein for the commencement of the transit (...)”[4]

A sub-rogação corresponde a uma transmissão legal do crédito baseada num acto jurídico não negocial que é o cumprimento: o terceiro adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este cabiam. Substantivamente está prevista nos arts. 589.º e ss. do CC e consiste na situação que se verifica quando, cumprida uma obrigação por terceiro, o crédito respectivo não se extingue, mas antes se transmite por efeito desse cumprimento para o terceiro que realiza a prestação ou forneceu os meios necessários para o cumprimento[5].

A lei admite várias modalidades de sub-rogação, designadamente, a sub-rogação pelo credor, a qual pode ser voluntária – por provir de contrato entre credor e terceiro (art. 589.º do CC) - ou legal - por decorrer da lei (art. 592.º do CC).

No que diz respeito à sub-rogação voluntária pelo credor, este pode sub-rogar um terceiro que satisfaça o seu direito, desde que o declare expressamente até ao momento do cumprimento da obrigação.

Ela supõe, pois, a verificação de dois requisitos: deve ser expressa, mas não necessariamente formal (arts. 217.º, n.º 1, 1.ª parte, 219.º e 589.º do CC), e deve fazer-se em momento anterior ou simultâneo ao cumprimento da obrigação (art. 589.º do CC).

Quanto à sub-rogação legal, diz a lei que, fora dos casos de sub-rogação voluntária e de sub-rogação legal prevista especialmente na lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando estiver por qualquer outra causa directamente interessado na satisfação do crédito (art. 592.º, n.º 1, do CC).

A sub-rogação deve ser notificada ao devedor, ou por este aceite, para que possa produzir efeitos relativamente a ele (arts. 594.º e 583.º do CC), sob pena de não lhe ser oponível, a não ser demonstrando o seu conhecimento da sub-rogação (art. 583.º, n.º 2, do CC).

3.2. A sub-rogação do segurador

Os fundamentos da sub-rogação do segurador no direito de crédito do lesado/segurado contra terceiro decorrem dos princípios indemnizatório e da responsabilidade e visam, respectivamente, evitar o locupletamento do segurado (que de outro modo duplamente ressarcido, pelo segurador e pelo lesante) e a exoneração do terceiro.

Ela pode ser voluntária, nos termos acima preditos, ou legal, pois o art. 441.º do CCom29 estabelece que "O segurador que pagou a deterioração ou perda dos objectos segurados fica sub-rogado em todos os direitos do segurado contra terceiro causador do sinistro, respondendo o segurado por todo o acto que possa prejudicar esses direitos (...)".

3.3. A sub-rogação legal e convencional da Autora nos direitos da sua segurada.

Os factos provados revelam que, em razão do contrato de seguro que celebrou, a Autora indemnizou a segurada ICpelos prejuízos sofridos decorrentes da avaria da mercadoria, pagando-lhe, em 25 de Setembro de 1998, a quantia de LIT 371.000.000, a título de indemnização do valor de aquisição da cerveja pela IC S.p.A. e dos lucros estimados que a mesma deixou de auferir com a ulterior venda dessa cerveja [al. dd) dos factos provados].

Ademais, a ICsubscreveu o documento denominado quietanza di dano - discharge and subrogation receipt cuja cópia consta a fls. 43 dos autos e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido, com o seguinte teor na parte relevante: "(..) The Undersigned ICCENIRE SPA declare to have collected the amount of 371.000.000 from the company AG S.p.A. trough Agenzia di Prato Centro and this under the policy n.º 43391305 dt. 11/06/97 issued at Prato concerning ship M/N TAGAMA as indemnity deterioramento merce for damage. In consideration of such payment the undersigned declare to have been fully satisfied as far as the settlement of the suffered damage is concerned and to have therefore nothing to exact from the Company AG S.p.A. in respect of the damage itself, declaring also to subrogate to the same Company all my rights, reasons and actions rising out of the aforesaid damage so that they may in my place and lieu exert them rightfully and lawfully everywhere and against whomsoever (...) Prato 25/9/98 (...)" [al. ee) dos factos provados][6].

Estes factos demonstram indiscutivelmente que, por um lado, a Autora realizou o interesse da sua segurada com o ressarcimento dos danos que esta reclamou ao abrigo do contrato de seguro que ambas celebraram e que, por outro, a segurada declarou expressamente fazer-se substituir e investir a Autora em todos os seus próprios direitos, razões e acções decorrentes dos prejuízos sofridos com a conduta da Ré.

É certo que, conforme acima foi salientado, a Autora procedeu à reparação de um dano cujo risco não estava coberto (aliás, estava excluído) pela apólice. Porém, a Ré não pode opôr tal excepção à Autora, pela simples razão de que o contrato de seguro é res inter allios, estando-lhe assim vedada a possibilidade de colocar em causa o modo como o mesmo foi interpretado e executado entre as partes. Finalmente, a Autora notificou a Ré do pagamento da indemnização à IC S.p.A. e consequente sub-rogação do direito em momento anterior a 18-06-1999. Logo, a Autora está eficazmente sub-rogada legal e convencionalmente no direito da sua segurada contra a Ré

Como referimos supra, pelas razões ora aduzidas e que constam da sentença, afigura-se-nos não assistir razão à apelante nesta sua questão, a qual terá assim de improceder.

5- Juros de mora 

Entende a apelante que a sentença no que concerne a esta questão de juros de mora é ininteligível, pois que por um lado condena a Ré a pagar juros vincendos desde a citação e, por outro, refere não poder a Ré ser condenada no pagamento de juros vencidos “pois a liquidação do seu crédito apenas aconteceu com a presente decisão (art.º 805.º, n.º 3 do CC).” Entende assim a recorrente que a sentença se encontra ferida de nulidade por alegada ambiguidade que torna a decisão ininteligível (art.º 615.º, n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil).

Nesta questão o que efectivamente foi dito na sentença, foi o seguinte:

 «Tudo visto, deve a Ré pagar à Autora a quantia de € 175 328,42, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento. O pedido de condenação da Ré no pagamento dos juros de mora vencidos não pode ser atendido, pois a liquidação do seu crédito apenas aconteceu com a presente decisão (art. 805.º, n.º 3, do CC).»

A contradição é meramente aparente, e encontrar-se-á absolutamente dilucidada se tivermos presente o pedido de juros que foi formulado pela A. na sua petição inicial. Aí, pediu-se a condenação da Ré no pagamento de PTE 49.894.135,00 (248.871,00 €), a título de capital e juros de mora vencidos desde 25 de Setembro de 1998, acrescida de juros de mora vincendos sobre o capital de PTE 38.628.520,00 (192.678,33 €), até integral pagamento.

Foi com base nesse pedido que incidiu a decisão sobre os juros, sendo que se terá entendido que quanto aos vencidos, os mesmos eram pedidos desde 25 de Setembro de 1998, (pelo que não poderiam ser considerados desde essa data, por o crédito ser ilíquido) até à data da propositura da acção, enquanto que quanto aos vincendos se teria de respeitar o que dispõe o art.º 805.º, n.º 3 do Código Civil que expressamente refere que sendo o crédito ilíquido, os mesmos, no caso de se estar perante responsabilidade por facto ilícito ou por risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação. Quanto aos vincendos haveria assim que se ter em conta esse normativo.

Entendemos assim que inexiste qualquer ambiguidade que torne essa decisão ininteligível e que leve à nulidade da decisão.

Improcede assim esta questão.

Refere ainda a recorrente que a decisão será nula por falta de fundamentação, na parte que respeita à conversão da indemnização em moeda nacional, nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.

Na sentença, a tal propósito disse-se:

«(…).

Acresce que o pedido foi formulado em Escudos portugueses (moeda com curso legal à data), sendo que o pagamento da mercadoria foi efectuado em dólares dos Estados Unidos da América.

Dada a inexistência de disposição legal ou convencional que permita a fixação da indemnização em moeda estrangeira, o montante da indemnização deve ser convertido em moeda nacional, segundo a cotação vigente no momento da dedução do pedido. Ora, até Dezembro de 1998, as taxas de câmbio eram definidas contra o Escudo português, usando o método "ao incerto", isto é, 1 unidade de moeda estrangeira = x unidades de escudo. A partir de Janeiro de 1999, as taxas de câmbio passaram a ser definidas contra o Euro, sendo que as taxas de referência desta divisa são publicadas ao método "ao certo", isto é, 1 Euro = x unidades de moeda estrangeira. Em 02-03-2011 (data da entrada em juízo da acção), a taxa de câmbio era € 1 = USD 0,9363. Assim, USD 164 160 : 0,9363 = € 175 328,42, cujo contravalor em Escudos corresponde a € 175 328,42 x 200,482 = PTE 35 150 192.

(…).»

Ora, afigura-se-nos que no caso assiste razão à apelante, pois que nenhuma menção legal é feita, nenhuma norma é citada, para sustentar as afirmações feitas, existindo assim uma situação de nulidade por falta de fundamentação de direito, quanto à questão em apreço, o que se declara, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil.

Tendo porém presente o disposto no art.º 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil de 2013, entendemos ser possível o conhecimento da questão em substituição do Exmo. Juiz (referindo-se este preceito à substituição do todo, sempre será possível a substituição de apenas parte).

Vejamos então.

Estabelece o art. 558º do Código Civil:

«1. A estipulação do cumprimento em moeda com curso legal apenas no estrangeiro não impede o devedor de pagar em moeda com curso legal no País, segundo o câmbio do dia do cumprimento e do lugar para este estabelecido, salvo se essa faculdade houver sido afastada pelos interessados.

2. Se, porém, o credor estiver em mora, pode o devedor cumprir de acordo com o câmbio da data em que a mora se deu».

No caso, não resultou provado que entre a recorrente e a recorrida, ou mesmo entre aquela e a ICtenha sido estipulado qualquer pagamento em moeda estrangeira.

Não havendo qualquer estipulação nesse sentido entre a recorrente e a recorrida, é possível o cumprimento em euros.

A questão centra-se apenas na taxa de câmbio a considerar sendo certo que o indicado art.º 558º do Código Civil manda atender ao câmbio do dia do cumprimento[7]. O câmbio a aplicar será pois o do dia do cumprimento da obrigação de pagamento resultante da condenação. 

 

IV – DECISÂO

Assim, face a todo o exposto, os juízes desembargadores que integram este colectivo, acordam:

a) Em julgar improcedente o recurso do despacho que indeferiu o incidente de impugnação de testemunha, proferido em 01/07/2013, assim se mantendo tal despacho;

b) Em julgar em parte procedente a apelação no tocante à nulidade da decisão inerente à conversão da indemnização em moeda nacional, por falta de fundamentação de direito, sendo certo porém que se mantém a condenação da Ré S.C.C. – Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, S.A. a pagar à Autora AG, S.P.A. a quantia de USD 164 160 acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento, sendo que o câmbio referente a tal quantitativo deverá ser o da data em que a Ré vier a cumprir a condenação ora imposta.

Custas por apelante e apelada na proporção de 5/6 para a 1.ª e 1/6 para a segunda.

Lisboa,

      (José Maria Sousa Pinto)

           (Jorge Vilaça Nunes)

    (João Vaz Gomes)

_______________________________________________


[1]Como referimos supra a apreciação do recurso do despacho de 09/11/2007 ficou prejudicada por via da decisão proferida no âmbito do acórdão desta Relação de 19/04/2012 - dada ao recurso do despacho de 19/04/2005 - pois que do mesmo resultou a anulação do depoimento da testemunha e a imposição da realização de audiência para produção de prova sobre os factos a que a testemunha tinha sido inquirida, fim igual ao pretendido por aquele recurso.
[2]“Cost, Insurance and Freight”, representando o frete em que o fornecedor é responsável por todos os custos e riscos com a entrega da mercadoria, incluindo o seguro marítimo e frete. Tal responsabilidade finda quando a mercadoria chega ao porto de destino designado pelo comprador
[3]A tradução para português revela a seguinte cláusula: "Este seguro não cobre, em caso algum, perda, dano ou despesa causada por insuficiência ou inadequação de embalagem ou preparação do objecto seguro (para os fins deste n.º 4.3. "embalagem" é considerada como incluindo a estiva num contentor ou "liftvan", mas somente no caso de tal estiva ter sido efectuada antes do início do seguro ou da mesma ter sido feita pelo próprio Segurado ou empregados seus)"
[4]A tradução para português revela a seguinte cláusula: "Este seguro inicia-se no momento em que os objectos seguros deixam o armazém ou o local armazenagem na localidade indicada na apólice para o começo da viagem (...). 
[5]Cf. MENEZES LEITÃO, Direito das obrigações, Volume II, Transmissão e extinção das obrigações; Não cumprimento e garantias do crédito, Almedina, 2005, p. 33. 
[6]Em vigor à data dos factos e similar ao art.1916. do Codice Civile italiano, epigrafado de "Diritto di surrogazione dell'assicuratore", cujo § 1.º estabelece que " L'assicuratore che ha pagato l'indennità è surrogato (1203), fino alla concorrenza dell'ammontare di essa, nei diritti dell'assicurato verso i terzi responsabili (1589)".
[7] Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civl anotado, Vol I, 4ª ed, pág. 567, Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol I, 3ª ed, pág. 741, Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 5ª ed, pág. 617/618).