Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
289/10.7TVLSB.L1-7
Relator: LUÍS LAMEIRAS
Descritores: ADVOGADO
MANDATO
RESPONSABILIDADE CIVIL
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/22/2012
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Pelo contrato de mandato forense o advogado assume o vínculo de desenvolver a sua actividade com diligência e zelo, orientada no sentido da salvaguarda do interesse do seu cliente; mas sem se obrigar por atingir um êxito certo;
II – Faz parte desse vínculo a competência profissional e a preparação técnica adequada ao acompanhamento da questão que lhe seja incumbida;
III – Se no exercício da tarefa do mandato o advogado estiver confrontado com uma alternativa entre procedimentos processuais e, em seu critério, optar por prosseguir um deles, não viola o seu vínculo de mandatário se a opção assim escolhida for, num juízo de prognose e do ponto de vista técnico, razoável e plausível para acautelar os interesses do cliente;
IV – O insucesso na lide, na hipótese referida em III –, não comporta responsabilidade, ainda que se mostre que, tendo o advogado seguido outra escolha, seria previsível o res-pectivo êxito.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

1.
1.1. S(…) propôs, em 8.2.2010, acção declarativa, com forma ordinária, contra M(…) e L(…), ambos advogados, pedindo a sua condenação solidária no pagamento da indemnização de 87.389,48 €, acrescida de juros de mora, vencidos desde 17.2.2003 e que em 8.2.2010 somam 24.966,81 €, num total de 112.356,29 €, e nos vincendos até efectivo pagamento.
Alegou, em síntese, que em Junho de 1995 instaurou acção de indemnização contra a seguradora A Social por causa de danos sofridos em consequência de acidente de viação, de que foi vítima, ocorrido em Novembro de 1990 e ocasionado por veículo seguro naquela; aí pedindo a indemnização de 13.360.356$00 (66.641,17 €) e juros. Nessa acção foram seus mandatários os advogados réus. Acontece que, aí agendada a audiência para 28.5.2002, na véspera, a ré comunicou a impossibilidade de comparecer e pediu o adiamento; requerimento que foi indeferido, realizando-se o julgamento sem a presença de mandatário do (aí) autor. Depois, foi proferida sentença final a julgar a acção improcedente; e nela julgaram-se provados danos; mas entendeu-se ainda que, não obstante a presunção de culpa por o veículo lesante ser conduzido por conta de outrem, falhava o nexo causal entre a actuação do condutor e o acidente, por se ignorar a forma como esse ocorrera. A sentença foi notificada à ré por registo de 3.2.2003. Ora, confrontada aquela presunção com a julgada improcedência, era certo os seus fundamentos serem opostos à decisão; o que tornava nula a sentença (artigo 668º, alínea c), do CPC); portanto, passível de recurso de apelação. E este recurso devia ter sido interposto por algum dos réus mandatários, para que a nulidade fosse suprida e substituída a sentença por outra que, aplicando a presunção não ilidida, considerasse responsável o condutor lesante e acolhesse o pedido do autor; condenando a ré seguradora em conformidade com os danos dados co-mo apurados. Mas nenhum dos réus (ali) mandatários o fez; deixando que a referida sentença transitasse em julgado e se volvesse definitiva, impedindo que o autor recebesse indemnização alguma por danos (aí) julgados provados. Era porém evidente o vício da sentença e o êxito da procedência do recurso, conhecendo os mandatários a essencialidade da apelação para conseguir a respectiva alteração; e assim ao omiti-la agiram os (aí) mandatários sem a diligência que lhes era exigida e de que eram capazes; faltando culposamente a deveres que os vinculavam; e tornando-se responsáveis pelos prejuízos gerados ao (aqui) autor. É que precisamente por causa daquela omissão o autor perdeu a indemnização dos danos sofridos com o acidente, e dados por provados na acção, sendo os patrimoniais (emergentes) de 8.103.198$00 (40.418,58 €) e computando os futuros (lucros cessantes) em 3.000,00 €, bem como os não patrimoniais em 1.800.000$00 (8.978,36 €); a tudo acrescendo os juros de mora a contar da citação da seguradora até ao trânsito da sentença (em 17.2.2003), no valor de 34.992,54 €. Ou seja, por causa da conduta dos réus, sofreu o autor prejuízos de 87.389,48 €; que eles solidariamente lhe devem restituir.

1.2. Os réus contestaram a acção.
            Defenderam a tese da respectiva improcedência.
Ao que mais importa, disseram que a estratégia processual da acção que patrocinaram foi sempre articulada com o autor. Na véspera da audiência, em reunião participada por este e pelo advogado réu, assentou-se que seria a advogada ré a ter a direcção do processo; sendo aí aventada a falta à audiência do dia seguinte, para viabilizar o seu adiamento, já que se receava a impossibilidade de comparência de testemunhas arroladas, com consequente prejuízo da prova que cabia de ser feita. Foi então, com a concordância do autor, que foi preparado e entregue o requerimento da advogada ré. Estavam os advogados réus convictos, à face desse requerimento, da razoabilidade de a audiência se não realizar sem a sua presença; não prevendo, à face do quadro legal aplicável, que tal pudesse vir a acontecer. Pelo que foi com surpresa que souberam que, de facto, o julgamento se realizara. Ora, entendendo incorrecta a aplicação da lei, a advogada ré apresentou recurso (da decisão que mandou proceder à audiência); é que estava ela convicta de que entendimento que viabilizasse a audiência sem a sua presença representava intolerável restrição ao direito de livre escolha de mandatário pelo mandante. Contudo, o tribunal superior confirmou a decisão (que viabilizou o julgamento naquelas circunstâncias). Seja como for, o mandato, apenas sustentado em substabelecimento de anterior mandatário, não permite encontrar acto concludente do advogado réu de aceitação do patrocínio. Por outro lado, não merece censura o comportamento prosseguido por qualquer dos réus. À audiência faltaram também todas as testemunhas arroladas pelo autor. A sentença absolutória fundou-se na inexistência de factos reveladores do nexo causal; e a prova deles cabia ao autor. Entendeu a advogada ré que, nessas circunstâncias, o que melhor servia o interesse do autor não era a apelação da sentença, que estava sustentada em défice probatório, e cuja viabilidade se lhe não afigurava; mas antes a possibilidade de ver repetido o julgamento de maneira a poder apresentar (aí) as testemunhas (antes faltosas) que pudessem (então) confirmar os factos que (na sentença) haviam sido (precisamente) reconhecidos em défice. Verdadeiramente, nem a sentença enferma da nulidade que lhe aponta o autor, menos ainda com evidência; apenas reconhece a culpa, excluindo o nexo causal. E daí a opção em agravar da decisão que mandou prosseguir o julgamento (para viabilizar outro, com produção de prova testemunhal consistente), ao invés de interpor a apelação (o que se não afigurava viável). Em suma; agiram os réus sem preterição do mandato; não estando reunidos os pressupostos geradores da obrigação de indemnizar.
            Os réus também suscitaram a intervenção (principal) provocada das seguradoras A(…) Ltd e O(…) Seguros SA. Invocaram, para a hipótese da sua responsabilidade profissional, que a primeira chamada tem contrato de seguro de responsabilidade civil com a sociedade de advogados a que pertencem e, ainda, que são titulares de cartão de crédito que tem associado seguro assumido pela segunda chamada.

1.3. O autor apresentou réplica.
Sublinhou que havendo substabelecimento no advogado réu, que não renunciou, subsistem sobre ele as obrigações decorrentes do mandato. Por outro lado, que a falta das testemunhas à audiência não é decisiva; antes o sendo a circunstância de a sentença, depois de reconhecer a presunção de culpa, vir a decidir pela absolvição do pedido; sendo essa a exigir o (omitido) recurso de apelação.

2. A instância declaratória desenvolveu-se.

            2.1. A respeito do chamamento, foi proferida decisão que não admitiu a intervenção principal das seguradoras, mas admitiu a sua intervenção acessória (provocada) (fls. 131 a 134); sendo citadas para contestar.
Ambas o fizeram, pronunciando-se, essencialmente, no sentido de estarem eximidas do vínculo de indemnizar e, ademais, de ser improcedente a acção de responsabilidade interposta pelo autor contra os réus advogados.

            3. Foi, depois, proferida sentença.
            E nesta, à luz dos factos (já) inquestionavelmente apurados, decidido que a acção não procede, com a consequente absolvição dos réus do pedido.

4.
4.1. Mas o autor inconformou-se e interpôs recurso de apelação.
Alegou e formulou os seguintes trechos conclusivos:

i. Pela procuração forense passada aos anteriores mandatários e subsequente substabelecimento passado aos réus, estabeleceu-se um contrato de mandato forense escrito entre estes e o autor (artigo 1157º do CC);
ii. Por via do referido mandato o autor conferiu aos réus poderes forenses gerais e especiais para o representarem na acção de indemnização então em curso na 1ª secção da 16ª vara cível de Lisboa, pelo proc.º 422/95;
iii. Nos termos do disposto nos artigos 1157º, 1161º, 762º, nº 1, 406º, nº 1, do CC, 83º, nº 1, alínea d), do Estatuto da Ordem dos Advogados, e 36º do CPC, incum-bia aos réus praticar os actos compreendidos no mandato forense, estudar com cuidado e tratar com zelo a questão, utilizando para o efeito os recursos da sua experiência, saber e actividade de acordo com a legis artis exigível ao caso, agindo com a diligência do bonus pater familiae na condução dos interesses do autor;
            iv. Ao ter instaurado a acção 422/95 o autor tinha em vista receber de A Social Companhia de Seguros SA, seguradora da responsabilidade civil automóvel do condutor do veículo QD--, a indemnização pelos danos sofridos em consequência do acidente de viação ocorrido em 25.11.1990;
            v. De harmonia com a prova produzida sobre o acidente e danos dele resultantes, e pela aplicação da presunção de culpa que recaía sobre o condutor / comis-sário do veículo QD--, nos termos do artigo 503º, nº 3, do CC, verificavam-se todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, conforme consta da respectiva sentença;
            vi. Pelo que devia o condutor da viatura QD--ter sido considerado cul-pado pela produção do acidente, nos termos do disposto nos artigos 483º, nº 1, 487º, nº 1, e 503º, nº 3, do CC;
            vii. E ser responsabilizado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados ao autor e, com ele, solidariamente, a seguradora A Social, para a qual estava transferida a sua responsabilidade civil automóvel pelos danos causados a terceiros resultantes da circulação da viatura QD--, pela apólice ..., do ramo automóvel, em vigor à data do acidente;
            viii. Devendo a referida seguradora ré, na acção 422/95, ter sido condenada a indemnizar o autor pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que se provaram na acção, nos termos dos artigos 483º, nº 1, 487º, nº 1, 496, nº 1, 497º, 503º, nº 3, e 562º e seguintes do CC;
            ix. Todavia, veio a acção a ser julgada improcedente, por se ter considerado na sentença que não se mostravam reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, como que imputando ao autor o ónus da prova dos factos causais do evento, quan-do dele estava isento, nos termos dos artigos 344º, nº 1, 350º, nº 1, e 487º, nº 1 do CC;
            x. Tal conclusão resultou da circunstância de, a final, não ter sido tida em conta nem aplicada a presunção de culpa do condutor do veículo QD--”, em contraponto com a própria sentença, por haver já dado como assente essa presunção;
            xi. Ao assim ter sido decidido, a decisão da improcedência da acção estava em oposição com os respectivos fundamentos, o que gerou a nulidade da sentença, conforme estabelecido no artigo 668º, nº 1, alínea c) do CPC;
xii. Vício que, salvo melhor opinião, ressaltava da respectiva leitura;
xiii. Sendo a decisão recorrível, nos termos dos artigos 668º, nº 3, parte segunda, 676º, 678º, nº 1, e 691º, nº 1, do CPC;
xiv. Daí que, notificada a douta sentença aos réus por carta de 3.2.2003, in-cumbia-lhes a sua análise e, face à existência de fundamento jurídico da improcedência, impugnar a decisão de mérito, interpondo o necessário recurso de apelação;
xv. Pugnando pela revogação da sentença por outra decisão que reapreciasse a responsabilidade civil pelo acidente e aplicasse a presunção de culpa, considerando responsável pelo evento o condutor do veículo QD---, fixasse os danos patrimoniais dados como provados e valorasse os danos não patrimoniais igualmente dados como provados e, a final, condenasse a seguradora a indemnizar o autor por esses danos e juros de mora, como fôra pedido;
xvi. Todavia, conscientes da necessidade de ser alterado o fundamento jurí-dico da decisão, os réus limitaram-se a interpor recurso de agravo, que de antemão sabiam não ter condições de procedência, negligenciando o dever de impugnar a decisão através do necessário recurso de apelação; 
xvii. Por não terem interposto o recurso de apelação da sentença, e nada se tendo provado que os impedisse de o fazer, os réus agiram sem a diligência que lhes era exigível e de que eram capazes, em incumprimento dos deveres estabelecidos nos arti-gos 1157º, 1161º, 762º, nº 1, e 406º, nº 1, do CC, 83º, nº 1, alínea d) do Estatuto da Ordem dos Advogados, e 36º do CPC;
xviii. Tendo determinado com o seu comportamento o trânsito em julgado da decisão nos termos dos artigos 671º, nº 1, e 677º, do CPC;
xix. Causando ao autor o prejuízo pela perda da indemnização correspon-dente aos danos patrimoniais e não patrimoniais provados, mas não acolhidos por via da improcedência, na acção 422/95, no montante de 52.396,94 € e respectivos juros de mora no valor de 34.992,54 €, perfazendo o total de 87 389,48 €;
xx.  Tais factos integram, assim, o nexo de causalidade existente entre os danos peticionados e o facto que os produziu,
xxi. Não devendo a responsabilidade civil indemnizatória por esses danos ficar dependente de um facto virtual ou hipotético - procedência ou improcedência do recurso - que realmente não foi apresentado;
xxii. Na verdade, a questão de saber se o desfecho do recurso de apelação da sentença da acção 422/95 produziria o dano consistente na improcedência da acção e na absolvição da seguradora do pedido do autor, se a omissão havida o não tivesse cau-sado, consubstancia uma causa virtual ou hipotética que funciona, no caso em apreço, como excepção – facto impeditivo ou extintivo - ao peticionado na presente acção, nos termos do art. 342º, nº 2 do CC;
            xxiii. Daí que, tratando-se de matéria de excepção, incumbia aos réus, e não ao autor, alegar e provar factos donde pudesse ser deduzido que, caso tivessem interpos-to o recurso de apelação da sentença da acção 422/95, o recurso teria sido julgado improcedente e a sentença mantida inalterada;
xxiv. Todavia, os réus não alegaram quaisquer factos integradores dessa causa virtual, pelo que se conclui que a causa concreta e operante dos danos sofridos pelo autor foi a omissão cometida pela falta de interposição do recurso;
xxv. Atento o que antecede, conclui-se também que o autor cumpriu o ónus de alegar os factos constitutivos que integram a causa de pedir, conforme estabelecido nos artigos 342º, nº 1, do CC, e 264º, nº 1, do CPC;
xxvi. Não recaindo sobre si o ónus de alegar e provar factos atinentes ao desfecho do recurso de apelação da acção 422/95;
xxvii. Estando o autor dispensado de provar os factos relativos à culpa dos réus, por beneficiar da presunção estabelecida no artigo 799º, nº 1, do CC, ex vi do dis-posto nos artigos 344º, nº 1, e 350º, nº 1, do mesmo Código;
xxviii. De harmonia com os factos considerados provados, o autor fez prova dos fundamentos do pedido, nos termos do 342º, nº 1, do CC, verificando-se todos os pressupostos da responsabilidade civil profissional dos réus e da consequente obrigação de indemnizar o autor;
xxix. Pelo que assiste ao autor o direito a ser indemnizado pelos réus, pelo prejuízo causado com a omissão do dever de interposição do recurso de apelação da sentença da acção 422/95, no montante de 87.389,48 €, nos termos dos artigos 1157º, 1161º, 798º, nº 1, 799º, 406º, nº 1, e 562º e seguintes, do CC;
xxx. Ao decidir-se em contrário, como se decidiu, foi desrespeitado o preceituado nos artigos 342º, nºs 1 e 2, 344º, nº 1, 350º, nº 1, 406º, nº 1, 562º e seguintes, 798º, 799º, 1157º, 1161º, alínea a), do CC, 36º do CPC e 83º, nº 1, alínea d) do Estatuto da Ordem dos Advogados.

            Em suma; a sentença absolutória deve ser revogada e substituída por outra que julgue a acção procedente e condene os réus a pagar ao autor a indemnização de 87.389,48 €, com juros vencidos de 24.966,81 €, num total de 112.356,29 €, e nos vin-cendos até efectivo pagamento.

4.2. Os réus responderam.
Ofereceram contra-alegação, onde concluíram:

            i. Nas alegações e conclusões, o recorrente não questiona, afronta ou impu-gna o decidido pelo tribunal “a quo”, e limita-se a reproduzir ad nauseam uma opinião jurídica, aliás, destituída e qualquer fundamento – a de que os réus deviam ter interposto recurso de apelação da sentença proferida no proc.º 422/95 e que, devendo tê-lo feito, não o fizeram;
            ii. Atenta a matéria factual assente pelo tribunal “a quo” no âmbito do proc.º 422/95, designadamente, na falta de prova sobre um dos elementos integradores da responsabilidade civil, não o fizerem;
iii. Entenderam os recorridos que, apelando da sentença, o recorrente não lo-graria alterar o sentido da sentença proferida, por falta de prova desse elemento que integra a responsabilidade civil;
iv. A ausência de prova de tal elemento não é imputável aos recorridos, pois cabia ao recorrente ter apresentado, na data da audiência de discussão e julgamento naquele processo as testemunhas arroladas, o que este não fez;
v. A opção processual assumida, após conhecimento da sentença (agravo da decisão de prossecução do julgamento, sem presença do mandatário, não obstante a respectiva comunicação ao tribunal, prévia à audiência, de impossibilidade de estar presente naquela audiência) pretendeu, isso sim, assegurar a repetição do julgamento, e, assim, dar ao recorrente a possibilidade de ele poder provar esse elemento da responsabilidade civil;
vi. Uma opção legítima conforme a legis artis, como expressou a sentença; independentemente da apreciação feita, então, pelo tribunal superior sobre o agravo interposto.

Em suma; a sentença apelada deve ser mantida.

5. Delimitação do objecto do recurso.

            A decisão recorrida delimita o objecto do recurso (artigo 684º, nº 2, final, do CPC); e é nesse âmbito que as conclusões do recorrente circunscrevem depois o mesmo objecto (artigo 684º, nº 3, do CPC).

Nesse enfoque, a hipóteses dos autos pode assim ser enunciada.

            Os réus, advogados, patrocinaram o autor em acção judicial a coberto de mandato forense; na acção foi, em 1ª instância, produzida sentença absolutória; os ali mandatários não interpuseram recurso para a 2ª instância.
            Comporta este procedimento omissivo um efeito gerador da obrigação de indemnizar a cargo dos (ali) mandatários, e em benefício do (ali) mandante?

            II – Fundamentos

            1. O tribunal “a quo” discriminou a seguinte matéria de facto:[1]

i. Em 9.6.1995, o autor instaurou acção declarativa de condenação pa-ra efectivação de responsabilidade civil, contra (…) SA, para ressarcimento dos danos sofridos em consequência de acidente de via-ção, ocorrido em 25.11.1990, envolvendo o veículo QD(…), seguro na referida seguradora, mediante a apólice (…) do ramo automóvel (doc fls. 13 a 20).
            ii. Esta acção foi distribuída e correu termos na (…) vara cível de Lis-boa, 1ª secção, sob o nº (…).

            iii. Por procuração datada de 3.2.1995, o autor constituiu os advogados Drs. (…) e (…) seus mandatários, para o patrocinarem no âmbito dessa acção, conferindo-lhes para tanto “os poderes forenses gerais, em direito permitidos, e os especiais para confessar, desistir ou transigir, poden-do requerer e assinar tudo o que for necessário aos referidos fins” (doc fls. 21).
            iv. Em 16.4.2001, os advogados Drs. (…) e (…) substabeleceram, sem reserva, no Dr. P(…), os poderes forenses gerais e especiais, que lhe tinham sido conferidos pelo autor (doc fls. 23).
            v. Este substabelecimento foi junto ao proc.º nº (…), por requeri-mento de 12.6.2001 (doc fls. 22).
            vi. Em 21.5.2002, o Dr. P(…) substabeleceu, sem re-serva, nos réus, os poderes forenses que lhe tinham sido conferidos pelo autor (doc fls. 24).
            vii. Este substabelecimento foi junto ao proc.º nº (…), por requeri-mento datado de 27.5.2002, subscrito pela 1ª ré (doc fls. 25).
            viii. A audiência de julgamento no proc.º nº (…) estava designada para o dia 28.5.2002.
            ix. A 1ª ré remeteu requerimento datado de 27.5.2002, ao proc.º nº (…), a informar da sua impossibilidade de comparecer à audiência agendada para 28.5.2002 e a solicitar a designação de nova data para a sua realização (doc fls. 26).
            x. No dia designado para julgamento (28.5.2002), o juiz do processo proferiu despacho onde considerou que a falta da mandatária não era razão de a-diamento e ordenou a respectiva e imediata realização (doc fls. 27 a 29).
            xi. Em consequência, o julgamento realizou-se sem a presença dos réus, tendo sido inquirida a única testemunha presente, arrolada pela aí ré segu-radora.
            xii. Na referida audiência faltaram todas as testemunhas arroladas pelo autor, as quais eram a apresentar.
            xiii. No proc.º nº (…) foi, após, proferida sentença datada de 3.1.2003, que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido (doc fls. 32 a 38 e 241 a 247).
            xiv. A referida sentença foi notificada à 1ª ré por carta de 3.2.2003 (doc fls. 30).
            xv. Os réus não apresentaram requerimento de interposição de recurso de apelação da sentença proferida no proc.º nº (…).
            xvi. Recebida a notificação, em 18.2.2003, a 1ª ré apresentou requeri-mento ao proc.º nº (…), nos seguintes termos (doc fls. 248):

« S(…) (...) vem expor e requer a V.Ex.ª o seguinte:

Considerando que:
- No passado dia 6 de Fevereiro foi notificado da sentença proferida;
- A sentença vem na sequência da realização do julgamento na 1ª data agendada;
- A audiência de discussão e julgamento foi realizada na ausência da sua mandatária, não obstante ter sido comunicada a respectiva impossibilidade de comparência;
- Facto só agora levado ao seu conhecimento através da notificação da sentença.

Não se podendo conformar com o despacho de não adiamento e da rea-lização do julgamento nestas condições, vem, por estar em tempo e reunidos todos os pressupostos legais, requerer a V. Ex.ª se digne admitir a interposição do recurso que deve ser processado e julgado como recurso de agravo, com efeito suspensivo, subindo imediatamente nos próprios autos. »
            xvii. Por despacho proferido em 27.2.2003 foi admitido o referido recurso como sendo de agravo, com subida imediata nos próprios autos e efeito suspensivo (doc fls. 249).
            xviii. Por acórdão proferido em 21.10.2003, pelo tribunal da Relação de Lisboa, foi negado provimento ao agravo (doc fls. 250 a 258).
            xix. Com data de 13.11.2003, o autor por intermédio da 1ª ré, apresen-tou requerimento de interposição de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual foi admitido por despacho de 21.11.2003 (docs fls. 259 e 260).
            xx. Recebido o processo no Supremo Tribunal de Justiça, pelo juiz conselheiro relator foi proferido despacho datado de 28.3.2004, que não admitiu o recurso de agravo, com fundamento em o acórdão recorrido não admitir recurso (doc fls. 261).
            xxi. Pelo autor, por intermédio da 1ª ré, foi apresentada reclamação deste despacho, em 21.4.2004 para o conselheiro presidente do STJ, tendo sido proferido acórdão em 16.12.2004, de não admissão do agravo (docs fls. 262 a 267 e 268 a  269).

xxii. Entre a (…) SA e o Banco (…) SA foi celebrado um contrato de seguro de grupo, contributivo, anual e renovável, do ramo de responsabilidade civil, actualmente titulado pela apólice nº R(…), e anteriormente pela apólice nº R(…).
xxiii. O referido seguro tem por objecto a garantia da responsabilidade que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao segurado enquanto na qualidade ou no exercício da actividade expressamente referida nas respectivas condições especiais e particulares (artigo 2º, nº 1).
xxiv. De harmonia com o artigo 1º das condições gerais da apólice, o presente contrato tem por fim a cobertura de responsabilidade civil legal imputável ao segurado por danos causados a terceiros no exercício da profissão de advogado (ponto 1.1 da condição especial seguro de responsabilidade civil profissional de advogado).
xxv. Através dessa apólice, garantiu-se os danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, exclusivamente decorrentes de lesões corporais e/ou materiais de harmonia com o estipulado nas condições especiais e particulares (artigo 2º, nº 2).
            xxvi. Os clientes do tomador do seguro, acima identificado, que fossem, concomitantemente, advogados e subscrevessem o cartão (…) Ordem dos Advogados passariam a ser pessoas seguras do citado contrato de seguro, a partir da data de adesão a este cartão.
xxvii. A ré M(…) aderiu ao cartão B(…) Ordem dos Advogados em 24.5.2007.
            xxviii. O réu L(…), aderiu ao cartão B(…) Ordem dos Advogados em 15.3.1999.
            xxix. Nos termos do artigo 3º, alínea a), das condições gerais do aludido seguro, ficam absolutamente excluídos do presente contrato, os danos decorrentes de actos ou omissões dolosas do segurado ou de pessoas por quem este seja civilmente responsável.
            xxx. Nos termos do artigo 10º das condições gerais da apólice, a responsabilidade da seguradora é sempre limitada à importância máxima fixada nas condições particulares da apólice, seja qual for o número de pessoas lesadas por um sinistro.
            xxxi. Em Fevereiro de 2003, o capital máximo seguro era de 50.000,00 € (cinquenta mil euros).
            xxxii. Através deste contrato de seguro foi acordado que a cargo do segurado fica a franquia de 4.987,98 € em todo e qualquer sinistro (ponto 3 da condição especial seguro de responsabilidade civil profissional de advogado).

            xxxiii. Entre a A(…) e a Sociedade de Advogados (…) Sociedade de Advogados (tomador do seguro) foi celebrado contrato de seguro, nos termos das condições particulares, gerais e espe-ciais, de responsabilidade civil profissional, designado apólice nº E(…).
            xxxiv. Mediante o qual transferiu para a seguradora, o risco decorrente de acção ou omissão não dolosa de todos os advogados que desempenhem funções na supra referida sociedade com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão e na sua actuação por conta do tomador de seguro.
            xxxv. A referida apólice tinha como data de início 7.6.2009 e data de vencimento 7.6.2010.
            xxxvi. Foi estipulada a duração de 12 meses, retroagindo os seus efeitos de cobertura a sinistros ocorridos até 1.1.1996.
            xxxvii. Foi acordado como limite de indemnização o capital de 250.000,00 € (duzentos e cinquenta mil euros), por sinistro e agregado anual de sinistros por segurado.
            xxxviii. Foi estipulada a franquia de 10% (dez por cento) do valor reclama-do, com um mínimo de 1.500,00 € e máximo de 6.000,00 €, ficando esta a cargo dos segurados (artigo 8º das condições especiais do seguro de responsabilidade civil).
            xxxix. No ponto 13. § 1 do artigo 1º das condições especiais desta apólice considera-se reclamação qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado, ou contra a seguradora como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice.
            xl. Estipula o artigo 4º § 1 das condições especiais da apólice E(…), com a epígrafe Exclusões, que ficam expressamente excluídas da cobertura da apólice as reclamações por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação.
            xli. No âmbito do artigo 13º das condições especiais da apólice E(…), se qualquer segurado for titular, individualmente ou através de sociedade de advogados, de outra apólice de responsabilidade civil que proporcione cobertura idêntica, fica estabelecido que esta funcionará apenas na falta ou insuficiência daquela, entendendo-se aquela como celebrada primeiro.

2. O mérito do recurso.

            2.1. Enquadramento preliminar.
            A vertente acção é de responsabilidade civil de advogado.
            Com ela se pretende o reconhecimento de uma obrigação de indemnizar, na esfera do advogado, com o correspectivo crédito, na esfera do cliente.

            É o seguinte o contexto onde se há-de proceder a um tal escrutínio.
            Os advogados réus eram mandatários do autor; circunstância inequívoca, por via do disposto no artigo 36º, nº 3, do CPC (facto vi.); afirmada na sentença recorrida (fls. 312 a 313); e que, aqui e agora, não vem posta em causa.
            Na acção judicial em crise a audiência de julgamento fôra agendada para o dia 28 de Maio de 2002; na véspera, a 27 de Maio, a mandatária do (aí) autor dera entrada a um requerimento informando “que, em virtude de outra diligência anteriormente agendada, estará impossibilitada de comparecer à audiência de discussão e julgamento” e, nessa conformidade, a requerer ao tribunal “lhe seja relevada a respectiva falta e agendada nova data para a realização da diligência” (factos viii. e ix.)
            No dia agendado, o juiz do processo proferiu despacho, de onde se extraem os seguintes trechos (facto x.):
            “ (…) o julgamento foi agendado em Fevereiro de 2002, tendo a referida marcação sido feita com observância no disposto no nº 2 do artigo 155º do C.P.C.. (…) nenhum dos mandatários comunicou o seu impedimento de comparência por ter já agendada para a mesma data outra diligência judicial. (…) a falta da digna mandatária não constitui fundamento de adiamento (artigo 651º, nº 2, do C.P.C.), em conformidade ordeno que se proceda a julgamento (…)”
            A audiência de julgamento realizou-se (factos xi. e xii.).
            E foi após, em 3 de Janeiro de 2003, proferida sentença final que julgou a acção improcedente (facto xiii.).
Em sede de factos provados a sentença elencou que no dia 25 de Novembro de 1990 o automóvel conduzido pelo autor e um outro, propriedade de sociedade comercial, conduzido por pessoa no interesse dela e por sua conta, se haviam embatido (factos 1. a 4.); depois, que o condutor deste outro tinha presença de álcool no sangue na percentagem de 7 décimas (facto 5.); por fim, que houvera estragos no automóvel do autor, impossibilidade de circular e parqueamento a aguardar reparação (factos 6. a 8.); bem como ainda, ferimentos no autor, fracturas, traumatismos, hospitalização, tratamentos médicos, período de recuperação, afectação de incapacidade (factos 9. e 11. a 32.); enfim, que a responsabilidade havia sido assumida pela (aí) ré seguradora (facto 10.).
            Em sede de enquadramento jurídico escreveu-se nessa sentença:
            “ (…)
            No caso concreto, temos que sendo o veículo em causa conduzido por conta de outrem. (…)
            Há pois no caso concreto presunção de culpa, presunção esta que não foi elidida, pelo que terá o tribunal que concluir que o condutor agiu com culpa (…).
            Entre o evento (acidente) danoso e a actuação do condutor do outro veículo interveniente no acidente haverá nexo de causalidade? Do factualismo assente ignora-se a forma como ocorreu o acidente, apenas se sabendo que dois veículos colidiram e que o condutor de um deles apresentava a taxa de álcool de 0,7. Só por si, sem outros elementos não pode concluir-se que esse facto (condução com a taxa de álcool de 0,7) é causa adequada do acidente em causa, o que releva da experiência comum (…). Não basta que o condutor se encontre no momento do acidente em estado de alcoolémia, sendo necessário demonstrar-se que esse estado foi causa do acidente, o que não acontece no caso presente.
Não pode pois entender-se que entre a condução do condutor do outro veículo interveniente no acidente de viação e este (acidente) existe qualquer nexo causal, pelo que não se mostram verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil.
A sentença foi notificada por registo de 3 de Fevereiro de 2003 (facto xiv.); e dela não foi interposto recurso de apelação (facto xv.).
Contudo; recebida a notificação, foi apresentado requerimento ao pro-cesso, em 18 de Fevereiro de 2003, interpondo recurso de agravo do despacho de não adiamento e da realização da audiência (facto xvi.).
Este agravo não foi provido (facto xviii.).
Em 13 de Novembro de 2003 foi interposto recurso de revista (facto xix.); que foi rejeitado no Supremo Tribunal de Justiça (facto xx.).
E em 21 de Abril de 2004 foi apresentada reclamação desta decisão de rejeição (facto xxi.).

            Vejamos então se estes factos permitem sustentar o efeito pretendido.

2.2. O quadro jurídico-normativo.
            Os factos mostram que são comportamentos tidos lugar entre Maio de 2002 e Abril de 2004 aqueles que interessa escrutinar e avaliar. Era um período em que as normas reguladoras do exercício da profissão de advogado principalmente se continham no Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março, com todas as alterações subsequentes.[2]  Ademais dessas, havendo ainda a considerar as contidas nos diplomas gerais, civil e processual civil; e até o regime da organização e funcionamento dos tribunais judiciais.[3]

            Dito isto; é inequívoco para o caso concreto dos autos a existência do contrato de mandato forense, a unir o autor (como mandante) e os réus (como mandatários).
No geral, o mandato acha-se definido no artigo 1157º do Código Civil; o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outra. A especificidade do mandato forense é a de que os actos a praticar são actos no processo (artigo 36º, nº 1, do CPC).[4]   E como aque-le se sustenta em procuração, o mandato é, aqui também, representativo (artigo 262º, nº 1, do Código Civil).

            Ainda no geral, é vínculo do mandatário o de praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante (artigo 1161º, alínea a), do Código Civil). A acentuada tecnicidade da intervenção forense exige porém, aqui, algum ajustamento; e assim ao advogado deve permitir-se uma margem de liberdade, própria da sua autonomia profissional e independência técnica. Por outro lado, é comummente sublinhado que a prestação devida pelo mandatário é uma prestação de meios, que não uma prestação de resultados; o que o advogado se dispõe é a atender os interesses do mandante, seu cliente, e a utilizar os meios possíveis e ajustados, mas não se obriga pelo sucesso da demanda.
            Escreve, a este respeito, PAULO CORREIA:[5]

            “Aquilo que pode oferecer ao mandante são os seus conhecimentos, o seu trabalho, esforço, prudência, sagacidade e apego na satisfação da pretensão.
            O advogado, tal como o médico, não promete a cura do paciente, mas sim o tratamento adequado, segundo as normas de prudência, perícia, diligência e padrão de conduta ético por parte do profissional no sentido de obter os melhores resultados.
            Logo, não se pode imputar ao patrono nenhuma responsabilidade pelo insucesso da causa, se o mesmo agiu correctamente no patrocínio da mesma.”

            Ao advogado vincula o cumprimento pontual e escrupuloso dos deveres consignados no respectivo estatuto, bem como todos aqueles que a lei, usos, costumes e tradições lhe imponham, designadamente, para com os clientes (artigo 76º, nº 3, do EOA). Em particular, na relação com o seu cliente, onera-o o vínculo do estudo cuidado e do tratamento com zelo da questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade (artigo 83º, nº 1, alínea d), do EOA). Impõe-se-lhe assim que exerça o mandato com a diligência de um bom pai de família, na consideração da diligência do homem médio, mas também do tipo de mandato e das circunstâncias em que é executado.[6]

            A preterição desses seus deveres pode fazer incorrer em responsabilidade civil (artigo 92º, nº 1, final, do EOA); sendo, segundo cremos, corrente a jurisprudência no sentido de que a responsabilidade do advogado pelos danos causados ao seu cliente, no âmbito e exercício do mandato forense, tem natureza contratual, uma vez que decorre da violação de deveres jurídicos emergentes do contrato com ele firmado.[7]  Nesse particular, o facto ilícito constituir-se-á do comportamento consistente na preterição de vínculos decorrente do contrato fir-mado (artigo 798º do Código Civil); o juízo de censura presumir-se-á (artigo 799º, nº 1, do Código Civil); e o prejuízo, consistente na quebra que se faça sentir na esfera do lesado, há-de ter sido adequadamente gerado por aquele comportamento (artigo 563º do Código Civil).

            2.3. A hipótese concreta dos autos.
            O apelante, como lesado, sustentou a sua tese essencialmente na circunstância de a sentença produzida no processo patrocinado pelos apelados estar viciada de nulidade; por isso se impondo o recurso de apelação.

            Verdadeiramente essa sentença não era nula.
            O vício apontado pelo apelante era o prevenido no artigo 668º, nº 1, alínea c), do CPC; isto é, estarem os fundamentos em oposição com a decisão. É um vício de cariz estritamente formal, no sentido de que as premissas tidas em conta se mostram formalmente incompatíveis com a conclusão tirada, em termos de relação de exclusão lógica e recíproca; e de tal maneira que sobre os dois ter-mos excludentes nem possível seja formular qualquer juízo de mérito ou deméri-to. É, nesta óptica, uma preterição de tal modo grave, da regra estabelecida no artigo 659º, nº 2, do CPC, que corrompe decisivamente a sentença na sua própria estrutura constitutiva.[8]
            Ora, a sentença do processo patrocinado pelos apelados não está assim insuprivelmente corroída. É ela, apesar de tudo, passível de algum juízo avaliativo, ainda que (porventura) de demérito; já que o que nela consta é a ideia de, por falhar o nexo causal, não poder haver obrigação de indemnizar, embora também se reconheça haver culpa do lesante.

            Ademais; a óptica do apelante centra-se apenas num segmento da realidade, omitindo outro; que, porém, nos parece, para o exacto escrutínio da hipótese concreta, também dever ser tomado em linha de conta.

            Centremo-nos, então, no que constitui o núcleo decisivo dos factos.

            O tribunal de 1ª instância produziu duas decisões no processo patrocinado pelos apelados; (1) em 28 de Maio de 2002, o despacho interlocutório a ordenar a feitura da audiência (doc fls. 28); (2) em 3 de Janeiro de 2003, a sentença final a absolver a ré seguradora do pedido (doc fls. 32 a 38 e 241 a 247).
            Sem querer aprofundar o assunto, para além do estritamente neces-sário, dir-se-ia não ser, qualquer delas, de acerto indiscutível ou, pelo menos, de inequivocidade clara; antes parecendo, uma e outra, merecedoras de reservas.
            Para lá disso; percebe-se que foi com a notificação, por registo de 3 de Fevereiro de 2003, que se tomou conhecimento (em simultâneo) de ambas (artigo 685º, nº 2, do CPC).

Avançando um pouco acerca do concernente conteúdo.
            Em primeiro. A mandatária, na véspera da data agendada, avisara da sua não comparência no julgamento e pedira o adiamento (doc fls. 26). Era, no mínimo, concebível, com ajustada razoabilidade, que essa pretensão pudesse ser acolhida, por via da articulação das normas contidas nos artigos 155º, nº 5, e 651º, nº 1, alínea d), do CPC.[9] 
            Em segundo. A sentença dera como provados os factos consistentes no embate entre os automóveis, a condução de um deles por conta de outrem e os estragos no outro, como ainda o acervo de ofensas físicas e padecimentos na pessoa do condutor deste; reconheceu a culpa do primeiro;[10] mas partiu do desconhecimento da dinâmica do acidente, para concluir quebrado o elo causal entre o comportamento do primeiro condutor (e a taxa de álcool no sangue, também provada, de sete décimas que comportava)[11] e o embate que aconteceu. Em bom rigor, o nexo de causalidade que importava era o que podia unir o embate dos automóveis aos estragos, perdas e padecimentos suportados; a este se referindo o artigo 563º do CC; e, ao que se intui, verificado;[12] distintamente se reflectindo a imputação do facto (o embate) ao agente, no juízo de censura a este assacável.

A ajustada atitude à face destas decisões é o que compete escrutinar.
E as opções de reacção eram, nesse quadro, as três intuitivas. Ou inter-pôr recurso, em simultâneo, de ambas as decisões; ou apelar (apenas) da sentença; ou agravar (apenas) do despacho.
Sem margem de dúvida, a ilação de que a (completa) inércia do advogado do autor, no referido contexto, retrataria preterição das obrigações do exercício do patrocínio assumido; e decorrentemente de responsabilidade.
Porém; e quanto ao mais? Isto é; nota-se no exercício (efectivo) de alguma daquelas opções semelhante preterição? Ou ainda; viola os vínculos do mandato a opção (apenas) pela terceira das alternativas, afinal a concretamente escolhida no caso dos autos (e agora posta em crise pelo apelante)?

Obviamente fora de causa a interposição (apenas) de recurso da sentença; que é a atitude reclamada pelo apelante; e que, não tomada, sustenta a constituição, que ele afirma, do seu crédito indemnizatório.
Identicamente a interposição simultânea de agravo e de apelação; aqui com a nota particular de que, fôra esta a opção seguida, e, na (virtual) hipótese do agravo ser provido, necessariamente prejudicada ficaria a apelação, por acarretar aquele a supressão dos trâmites subsequentes ao despacho que era revogado.[13]

            A opção concretamente feita foi (apenas) pela interposição do agravo.
Quer dizer; o que se revela, e aliás os factos provados aqui ilustram, é que não houve atitude, comportamento, de desapego, de indiferença ou de abandono no acompanhamento do processo judicial em causa. A conotação negativa que habitualmente acompanha as situações fácticas, na génese da geração de alguma responsabilidade não é aqui reconhecível. Vejamos. O agravo foi interposto, mediante requerimento (particularmente) fundamentado, desde logo notando o segmento de discordância do ali decidido (doc fls. 248). É verdade, porém, que não logrou sucesso (facto xviii.). Em face do insucesso, a mandatária não se recolheu em inércia, mas reagiu, e interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (doc fls. 259). Também sem sucesso (facto xx.). O que a levou, outra vez, ao invés da conformação e da inércia, a reclamar para o conselheiro, presidente daquele Supremo Tribunal (doc fls. 262 a 267).

            Ora, diante deste comportamento, pode questionar-se porque não terá a mesma mandatária (também ou em alternativa) apelado da sentença, que fôra desfavorável ao seu mandante, e como este agora propugna dever ter sido feito?
            Assim terá acontecido por desleixo, lapso, erro, incúria ou inépcia?
            A atitude processual prosseguida mostra, na nossa óptica com muita clareza, que não terão sido estas as (censuráveis) razões; mas outrossim uma questão de consciente opção na gestão do caso e no tratamento do assunto.[14]
            Rememoramos o nosso ponto de vista do provável provimento do agravo, na medida de nos parecer razoável, aceitável, que a audiência não pudesse ter sido realizada, nas circunstâncias que antes foram descritas. Formulando, neste particular, um juízo sobre o juízo acerca das probabilidades do êxito daquela pretensão,[15] afigura-se-nos admissível que o advogado, nas concretas circunstâncias, e no exercício do patrocínio no quadro da sua (conveniente) autonomia técnica e profissional, pudesse raciocinar, e optar, como concretamente ali aconteceu. Mais ainda; como vem provado, e está documentado (doc fls. 27), à audiência, na data agendada, nenhuma das testemunhas arroladas pelo autor, que eram a apresentar, compareceu; e, por outro lado, como o próprio apelante reconhece, mesmo nesta sede recursória (v fls. 345 a 346), nem todos os factos (reportados aos danos a indemnizar), que alegara na petição, haviam sido dados por provados na sentença produzida. E tais circunstâncias, conjugadas com o efeito anulatório desse julgado final, decorrente da procedência do agravo e da (necessária) repetição da audiência de julgamento, e termos subsequentes, concorrem também para alicerçar um juízo, pelo menos, de inverificada preterição de vínculos contratuais gerados pelo mandato forense que (ali) unia apelante e apelados.

            Resta a dúvida sobre se será aqui reconhecível algum tipo de erro de ofício,[16] entendido este como situação de imperícia técnica ou de incapacidade profissional conducente, porventura, à má opção em não recorrer da sentença proferida. A respeito do vínculo (que cremos emergente do mandato forense) de o advogado haver de estar habilitado com a necessária preparação para a assunção e o acompanhamento do caso que lhe é entregue pelo cliente, escrevia ANTÓNIO ARNAUT, no domínio do quadro legal aplicável, que aquele “deverá ser responsabilizado se praticar um erro palmar, por incompetência, pois é seu dever recusar uma causa para a qual não tenha capacidade. O artigo 83º impõe-lhe estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido. Se não tem preparação, ou não dispõe de tempo para o fazer, não deve aceitar o mandato”.[17]  Este dever não estava, na época, previsto no EOA, se bem que já constituísse imperativo ético, aflorado na alínea d), do nº 1, do ali citado artigo.[18]
            Pois bem. Também a esse não reconhecemos preterido na hipótese dos autos. Se é verdade que o julgado da sentença era merecedor de reservas, o certo é que se não tratou de passivamente, num contexto omissivo merecedor de reparo, deixar passar o prazo de interposição de recurso. Não foi isso que aconteceu. O que houve foi, naquele mesmo prazo, fazer incidir a intervenção sobre o precedente despacho, provavelmente inadequado, e cuja revogação acarretava necessariamente a anulação daquela; suprimindo-se (não só, mas também) a sentença por essa via adjectiva. E, como dissemos, opção aceitável; já que, ao advogado, como técnico, se faculta, à face de hipóteses processuais alternativas, razoáveis e previsivelmente adequadas, poder optar por uma; sem que o seu subsequente inêxito – só reconhecível a posteriori – possa significar erro de ofício ou então falta indesculpável. É que ao advogado não se impõe o dever concreto de agir exactamente deste ou daquele modo; o advogado deve apenas actuar segundo a sua consciência, a praxe forense e a leges artis;[19] sempre no cumprimento de uma obrigação de meios, dirigida e orientada para um certo objectivo, mas certamente sem nunca garantir um resultado que seja assertivamente obtido.[20]

            Em impressiva passagem da sua obra,[21] refere MOITINHO DE ALMEIDA, a respeito da omissão de interposição de recurso (como falta atribuída ao advogado encarregue de conduzir o processo a bom fim), entender “que se o advogado não interpõe recurso de decisão desfavorável, não comete ilícito nenhum, nem age com culpa, porque só a ele, o técnico de direito «in casu», compete decidir, ponderadas as circunstâncias, se o recurso deve ou não ser interposto»; complementando esta nota com outra, a de que “se o tribunal, apreciando o êxito do recurso que deixou de ser interposto, verificar que este poderia ser ganho, achou um critério de apreciação do valor da álea perdida e, consequentemente, do prejuízo sofrido”.

            São ideias que podem ser transpostas para a hipótese dos autos; e que radicam, no fundo, naquilo que se revele como solução ou escolha plausível do advogado, em face das concretas condicionantes que ocorram. Pois se, em juízo de prognose, for claro que a postura do advogado é que potencia (com toda a probabilidade) o inêxito do processo que conduz, certamente que a atitude comportará censura; mas se, no mesmo prognóstico, essa evidência se não manifestar, ao invés se revelar até provável que o comportamento daquele viabilize o objectivo a que a condução forense se mostra orientada, então já essa postura se haverá de ter por comportada nos adequados limites dos vínculos do mandato.

            A pretensão formulada, na hipótese dos autos, de anulação da audiência de julgamento, tida lugar, e sua repetição em outra data, mostra com clareza que se tinha em vista a supressão da sentença proferida, naquela hipótese prejudicada. Nota-se, aliás, não ter sido (apenas) uma outra sentença, que se visou conseguir, mas também salvaguardar os outros, e precedentes actos, aí se comportando a própria audiência e (naturalmente) o julgamento da decisão de facto.
            O insucesso dessa estratégia processual, que se começou a desenhar com a decisão do acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Outubro de 2003 (doc fls. 250 a 258), acabou por se tornar decisivo. Mas não significou que essa estratégia, assim prosseguida, fosse inepta, pouco zelosa, descuidada ou, sequer, temerosa e provavelmente apta ao insucesso.
Pelo contrário, era razoável (também do nosso ponto de vista) alimentar expectativas de êxito; mesmo sem apelação imediata da sentença, esta (provavelmente) prejudicada (a própria apelação) pela (antevista) repetição do julgamento; pelo que, nessa consonância, previsivelmente dispensável (também) a respectiva interposição (ao menos numa certa óptica, que era plausível, aceitável).

            E assim, em face disso, sem vislumbrar incumprimento contratual (artigo 798º do Código Civil).

Ao mesmo tempo, e por decorrência, sem vislumbrar (também) o dano de perda de oportunidade desse emergente; quer dizer, de algum modo o advogado, nos autos, viabilizou (ou pugnou por viabilizar) a oportunidade de o seu cliente poder ver reapreciado o caso (consonantemente à estratégia processual prosseguida); desde logo, em primeira instância, como seria se o agravo (que interpôs) houvesse sido (como se esperava) provido; e para lá do recurso que da (nova) sentença ainda se pudesse (se disso fosse caso) interpor, se ela assim (como igualmente era expectável) viesse a ser proferida.[22]
            A (nova) chance era, nesse sentido (porque viabilizada a duas instâncias), até reforçada.

            Em suma; foi, como dissemos, o insucesso do agravo que decidiu.
            E sendo o vínculo do mandatário forense apenas de meios, não há lugar a responsabilidade, e emergente obrigação de indemnizar o dano do inêxito da causa, desde que a actividade se haja prosseguido nos limites circunscritos pelas regras da profissão (principalmente contidas no concernente estatuto).
Que foi, segundo pensamos, o que na hipótese concreta aconteceu.

            Com o que, improcede a acção; como decidiu o tribunal “a quo”.
            E, por decorrência, também o recurso de apelação interposto.

            3. As custas da apelação seriam, por isso, responsabilidade do apelan-te, que foi vencido no recurso (artigo 446º, nº 1 e nº 2, do CPC). Entretanto, e porque beneficia do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (fls. 122 e 123), carece de fundamento a sua condenação no respectivo pagamento (artigo 29º, nº 1, alínea d), do Regu-lamento das Custas Processuais, na redacção, aqui aplicável, dada pela Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro).

            4. Síntese conclusiva.
            É a seguinte a síntese conclusiva que pode ser feita, a propósito do que fica de essencial quanto ao mérito do presente recurso:

            I – Pelo contrato de mandato forense o advogado assume o vínculo de desenvolver a sua actividade com diligência e zelo, orientada no sentido da salva-guarda do interesse do seu cliente; mas sem se obrigar por atingir um êxito certo;
            II – Faz parte desse vínculo a competência profissional e a preparação técnica adequada ao acompanhamento da questão que lhe seja incumbida;
            III – Se no exercício da tarefa do mandato o advogado estiver confron-tado com uma alternativa entre procedimentos processuais e, em seu critério, o-ptar por prosseguir um deles, não viola o seu vínculo de mandatário se a opção assim escolhida for, num juízo de prognose e do ponto de vista técnico, razoável e plausível para acautelar os interesses do cliente;
            IV – O insucesso na lide, na hipótese referida em III –, não comporta responsabilidade, ainda que se mostre que, tendo o advogado seguido outra es-colha, seria previsível o respectivo êxito.


III – Decisão

            Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente e em confirmar a sentença recorrida.

O apelante não suportará custas (por delas estar dispensado, a coberto do apoio judiciário e na modalidade que lhe foi concedida).

Lisboa, 22 de Maio de 2012

Luís Filipe Brites Lameiras)
Jorge Manuel Roque Nogueira)
José David Pimentel Marcos) - vencido pelas razões que seguem:

Votei vencido por entender que os RR actuaram de forma negligente na condução do processo instaurado pelo autor e por eles patrocinado, resultante de um acidente de viação em que este foi interveniente.
Tendo em consideração que o acórdão se encontra devidamente fundamentado, limitar-me-ei a expor minha discordância (numa pequena parte, mas da maior importância para a eventual procedência, embora parcial, da acção)
Vejamos.
1. Os então mandatários do autor foram notificados, no âmbito do processo n.º 422/95 (simultaneamente) da sentença e do despacho que decidiu que não havia razões para o adiamento da audiência de julgamento.
Por isso, para defesa dos interesses do mandante tinham eles ao seu dispor três hipóteses: recorrer apenas do despacho que decidiu pela realização da audiência de julgamento, sem a presença do mandatário do autor; recorrer em simultâneo de ambas as decisões; recorrer apenas da sentença.
Os ora RR optaram por recorrer apenas daquele despacho.
Em teoria, com esta solução era possível satisfazer o interesse do autor, pois se o agravo fosse provido seria anulada a sentença e repetido o julgamento.
Mas, ao agravo assim interposto foi negado provimento nesta Relação e não foi admitido o recurso no STJ.
E, em minha opinião, nada poderia garantir o seu sucesso, até porque, por um lado, o despacho recorrido tinha sido amplamente fundamentado e, por outro, não se tratava duma decisão que “à vista desarmada” se afigurasse desde logo errada.
2. Na tese que fez vencimento foi salientado a propósito do modus operandi  dos advogados, ora RR:
Se é verdade que o julgado da sentença era merecedor de reservas, o certo é que se não tratou de passivamente, num contexto omissivo merecedor de reparo, deixar passar o prazo de interposição de recurso. Não foi isso que aconteceu. O que houve foi, naquele mesmo prazo, fazer incidir a intervenção sobre o precedente despacho, provavelmente inadequado, e cuja revogação acarretava necessariamente a anulação daquela; suprimindo-se (…) a sentença por essa via adjectiva. E, como dissemos, opção aceitável; já que, ao advogado, como técnico, se faculta, à face de hipóteses processuais alternativas, razoáveis e previsivelmente adequadas, poder optar por uma; sem que o seu subsequente inêxito – só reconhecível a posteriori – possa significar erro de ofício ou então falta indesculpável. É que ao advogado não se impõe o dever concreto de agir exactamente deste ou daquele modo; o advogado deve apenas actuar segundo a sua consciência, a praxe forense e a leges artis; sempre no cumprimento de uma obrigação de meios, dirigida e orientada para um certo objectivo, mas certamente sem nunca garantir um resultado que seja assertivamente obtido.

Salvo sempre o maior respeito devido aos meus distintos colegas, no essencial não posso estar de acordo.
O julgamento realizou-se sem a audiência dos ora RR porque estes não estiveram presentes, apresentando para tanto uma justificação que não foi aceite pelo tribunal de 1º instância e depois pela Relação.
Se não podia haver a certeza de que o agravo seria provido, por que razão não se haveria de recorrer também da sentença?
A interposição do recurso de agravo em nada prejudicaria o recurso de apelação, e vice-versa.
Se o agravo fosse provido, a apelação perderia a sua razão de ser, uma vez que o julgamento seria repetido. No caso de o agravo ser julgado improcedente (como foi) a apelação manteria todo o interesse. Esse mesmo recurso de apelação poderia (pelo menos em tese) levar à repetição do julgamento.
Mas, ainda que se entendesse que não haveria razões para a repetição do julgamento sempre haveria, pelo menos, a possibilidade de a sentença ser alterada e o autor ressarcido de parte dos danos, ainda que a apurar em execução de sentença.

3. A este respeito consta deste acórdão:
«Em sede de factos provados a sentença elencou que no dia 25 de Novembro de 1990 o automóvel conduzido pelo autor e um outro, propriedade de sociedade comercial, conduzido por pessoa no interesse dela e por sua conta, se haviam embatido (factos 1. a 4.); depois, que o condutor deste outro tinha presença de álcool no sangue na percentagem de 7 décimas (facto 5.); por fim, que houvera estragos no automóvel do autor, impossibilidade de circular e parqueamento a aguardar reparação (factos 6. a 8.); bem como ainda, ferimentos no autor, fracturas, traumatismos, hospitalização, tratamentos médicos, período de recuperação, afectação de incapacidade (factos 9. e 11. a 32.); enfim, que a responsabilidade havia sido assumida pela (aí) ré seguradora (facto 10.).
Em sede de enquadramento jurídico escreveu-se nessa sentença:
“ (…)
No caso concreto, temos que sendo o veículo em causa conduzido por conta de outrem. (…)
Há pois no caso concreto presunção de culpa, presunção esta que não foi elidida, pelo que terá o tribunal que concluir que o condutor agiu com culpa (…).
Entre o evento (acidente) danoso e a actuação do condutor do outro veículo interveniente no acidente haverá nexo de causalidade? Do factualismo assente ignora-se a forma como ocorreu o acidente, apenas se sabendo que dois veículos colidiram e que o condutor de um deles apresentava a taxa de álcool de 0,7. Só por si, sem outros elementos não pode concluir-se que esse facto (condução com a taxa de álcool de 0,7) é causa adequada do acidente em causa, o que releva da experiência comum (…). Não basta que o condutor se encontre no momento do acidente em estado de alcoolémia, sendo necessário demonstrar-se que esse estado foi causa do acidente, o que não acontece no caso presente.
Não pode pois entender-se que entre a condução do condutor do outro veículo interveniente no acidente de viação e este (acidente) existe qualquer nexo causal, pelo que não se mostram verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil.”».

Num caso, como este, em que existe presunção de culpa por parte do outro condutor (conduzindo com uma taxa de alcoolemia de 0,7%) e, tendo a acção sido julgada improcedente com fundamento na falta de nexo de causalidade (sempre muito discutível), entendo que, salvo sempre melhor opinião em sentido contrário, havia fortes razões para o autor, em sede de recurso, poder ser ressarcido de parte dos danos. Assim nada recebeu.
Em minha opinião não havia qualquer justificação para não ser interposto recurso da sentença. Nem sequer poderia ser invocada a eventual condenação do autor em custas, pois foi-lhe concedido o apoio judiciário.

Escreve-se na decisão que fez vencimento, citando PAULO CORREIA:[23]
            «Aquilo que pode [o mandatário] oferecer ao mandante são os seus conhecimentos, o seu trabalho, esforço, prudência, sagacidade e apego na satisfação da pretensão.
            O advogado, tal como o médico, não promete a cura do paciente, mas sim o tratamento adequado, segundo as normas de prudência, perícia, diligência e padrão de conduta ético por parte do profissional no sentido de obter os melhores resultados.
            Logo, não se pode imputar ao patrono nenhuma responsabilidade pelo insucesso da causa, se o mesmo agiu correctamente no patrocínio da mesma.»
Concorda-se, obviamente, com esta doutrina.
Mas foi também dito logo a seguir: Impõe-se-lhe [ao advogado] assim que exerça o mandato com a diligência de um bom pai de família, na consideração da diligência do homem médio, mas também do tipo de mandato e das circunstâncias em que é executado.[24]
Naturalmente que também esta afirmação não merece qualquer reparo.
Mas, e é aqui que a questão se coloca, pois, em minha opinião, os ora RR não agiram com a diligência que in casu se impunha. O bonus pater família não agiria como os RR. Tendo ao seu alcance dois meios que podiam utilizar simultaneamente, e compatíveis entre si, não consigo ver que razões poderiam ser invocadas para se recorrer apenas do despacho.
E não se invoquem razões de ordem técnia; já seria diferente se, por exemplo, apenas pudessem optar por um dos meios. Aqui sim teria que se aceitar a estratégia seguida, até porque não se poderia saber se a outra solução seria viável.
É certo que ao advogado não se impõe o dever concreto de agir desta ou daquela maneira, face à sua independência técnica; o advogado deve actuar apenas segundo a sua consciência, a praxe forense e a leges artis, como foi afirmado.
Mas aqui não está em causa seguir uma determinada estratégia em detrimento doutra. Os RR podiam perfeitamente ter utilizado ambos os meios, uma vez que os argumentos a invocar em cada um deles seriam completamente diferentes.
É que não vejo qualquer justificação para não se recorrer da sentença, até porque, pelas razões referidas, não era evidente que não pudesse ser, pelo menos, alterada. Estamos longe duma sentença em que, a priori, se afigurasse que não podia ser revogada (no todo ou em parte). Bem longe disso.
Consta do sumário deste acórdão:
«Se no exercício da tarefa do mandato o advogado estiver confrontado com uma alternativa entre procedimentos processuais e, em seu critério, optar por prosseguir um deles, não viola o seu vínculo de mandatário se a opção assim escolhida for, num juízo de prognose e do ponto de vista técnico, razoável e plausível para acautelar os interesses do cliente.»
Ora, em minha opinião, a opção escolhida pelos RR não foi, num juízo de prognose e do ponto de vista técnico, razoável e plausível para acautelar os interesses do cliente. Tudo aconselhava que se recorresse também da sentença, pois nada seria pedido e alguma coisa podia ser ganha. Repete-se: o recurso da sentença, por um lado, eram totalmente independente do agravo e, por outro, não havia qualquer incompatibilidade entre eles.
E os RR não apresentaram qualquer justificação plausível para a opção tomada. Por isso entendo que cometeram uma falta grave e indesculpável, porquanto lhes era exigível um comportamento diferente. E a preterição desses seus deveres pode fazê-los incorrer em responsabilidade civil (artigo 92º, nº 1, final, do EOA), sendo a doutrina e jurisprudência correntes no sentido de que a responsabilidade do advogado pelos danos causados ao seu cliente, no âmbito e exercício do mandato forense, tem natureza contratual, uma vez que decorre da violação de deveres jurídicos emergentes do contrato com ele firmado.
Tal como consta da alínea xvii das conclusões do recorrente, por não terem interposto o recurso de apelação da sentença, e nada se tendo provado que os impedisse de o fazer, os réus agiram sem a diligência que lhes era exigível e de que eram capazes, em incumprimento dos deveres estabelecidos nos artigos 1157º, 1161º e 762º do C. Civil.
E o autor está dispensado de provar os factos relativos à culpa dos réus, por beneficiar da presunção estabelecida no artigo 799º, nº 1, do CC, ex vi do disposto nos artigos 344º, nº 1, e 350º, nº 1, do mesmo Código;
Nesta conformidade julgaria a apelação procedente nesta parte, condenando-se os RR em conformidade.
José David Pimentel Marcos
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[1] Os factos não seguem exactamente a ordenação contida na decisão apelada; como também a respectiva redacção é agora (em moldes que se nos afiguram mais ajustados) pontualmente reformulada.
[2] A última das quais, segundo cremos, implementada pela Lei nº 49/2004, de 24 de Agosto; se bem que ao caso concreto dos autos mais releve a redacção precedente a essa, concedida ao EOA pela Lei nº 80/2001, de 20 de Julho. Seja como for, aquele Estatuto foi revogado pelo aprovado, entretanto, pela Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro, e actualmente em vigor (já com alterações).
[3] Aprovado pela Lei nº 3/99, de 3 de Janeiro, e subsequentemente modificado; e cujo artigo 6º, referindo-se aos advogados, comete, além do mais, que no exercício da sua actividade, eles gozam de discriciona-riedade técnica e se encontram apenas vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da profissão (nº 2).
[4] Acerca do mandato forense, veja-se o artigo 2º da Lei nº 49/2004, de 24 de Agosto (diploma relativo ao sentido e alcance, além do mais, dos actos próprios dos advogados), já antes referida.
[5] “Da responsabilidade civil do advogado pelo incumprimento dos deveres de competência e de zelo” na Revista do Ministério Público nº 119, ano 30 (Jul-Set 2009), página 149.
[6] Manuel Januário da Costa Gomes, “Contrato de mandato” em “Direito das Obrigações”, 3º volume, 1991 (sob a coordenação de António Menezes Cordeiro), página 345; e Acórdão da Relação de Lisboa de 5 de Dezembro de 2002 na Colectânea de Jurisprudência XXVII-5-91.
[7] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Setembro de 2010, proc.º nº 171/2002.S1, da Relação de Guimarães de 23 de Fevereiro de 2010, proc.º nº 8/04.7TBEPS.G1, da Relação de Lisboa de 9 de Novembro de 2004, proc.º nº 6127/2004-7, de 15 de Maio de 2008, proc.º nº 3578/2008-6, e de 24 de Junho de 2010, proc.º nº 9195/03.0TVLSB.L1-6, e da Relação do Porto de 1 de Junho de 2006, proc.º nº 0631913, e de 14 de Julho de 2010, proc.º nº 2555/07.3TBVNG.P1, todos em www.dgsi.pt.
[8] Sobre o vício em questão, Acórdãos da Relação de Lisboa de 25 de Maio de 2000 e da Relação de Évora de 14 de Julho de 2005, respectivamente, na Colectânea de Jurisprudência XXV-3-99 e XXX-4-262.
[9] Sobre o assunto, Acórdãos das Relações de Lisboa de 7 de Novembro de 2002 e de 28 de Setembro de 2004 e de Évora de 16 de Janeiro de 2003, na Colectânea de Jurisprudência, respectivamente, XXVII-5-71, XXIX-4-100 e XXVIII-1-237.
[10] Veja-se o artigo 503º, nº 3, do Código Civil, interpretado pelo assento do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/83, de 14 de Abril de 1983 (DR, I série, de 28 de Junho de 1983).
[11] Diríamos que, provavelmente, a sentença foi influenciada pelo Acórdão (uniformizador de jurisprudên-cia) do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2002, de 28 de Maio de 2002 (DR, I série-A, de 18 de Julho de 2002); mas cujo âmbito de aplicação se reporta a hipótese completamente diversa.
[12] No quadro da doutrina da causalidade adequada e, ao que nos parece, em qualquer uma das suas for-mulações, positiva ou negativa.
[13] É o que pode inferir-se, ademais, da disciplina que o artigo 710º do CPC, então em vigor, continha.
[14] Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Janeiro de 2003 na Colectânea de Jurispru-dência (STJ) XXVIII-1-18.
[15] Veja-se Paulo Correia, texto citado, página 171.
[16] Referindo-se a este erro de ofício, Moitinho de Almeida, “Responsabilidade civil dos advogados”, 2ª edição, páginas 30 a 31.
[17] “Iniciação à advocacia (história – deontologia, questões práticas”, 6ª edição, página 131. Na mesma linha, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2011, proc.º nº 9195/03.0TVLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt.
[18] António Arnaut, obra citada, página 133, nota (9). O referido dever de competência foi acrescentado ao actual estatuto, constando hoje expressamente no artigo 93º, nº 2.
[19] António Arnaut, obra citada, página 130.
[20] Acórdãos das Relações de Évora de 24 de Janeiro de 2002 e de Lisboa de 15 de Maio de 2008 na Colectânea de Jurisprudência, respectivamente, XXVII-1-261 e XXXIII-3-84.
[21] Obra citada, página 23.
[22] O dano da perda de chance ou perda de oportunidade, ainda não se mostra amadurecido e consolidado na nossa ordem jurídica. Ainda assim, vai havendo já crescente consciencialização acerca da respectiva temática. Sobre o assunto podem ver-se, entre mais, Paulo Mota Pinto, “Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo”, volume II, nota 3103, páginas 1103 a 1107; Júlio Vieira Gomes, “Sobre o dano da perda de chance” na revista “Direito e Justiça”, volume XIX (2005), tomo II, páginas 9 a 47; e Paulo Correia, texto citado, páginas 171 a 176. Na jurisprudência, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Outubro de 2010, proc.º nº 1410/04.0TVLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt, e das Relações de Lisboa de 15 de Maio de 2008, este na Colectânea de Jurisprudência XXXIII-3-84, de 4 de Março de 2010, proc.º nº 1.410/2004.0TVLSB.L1-8, e do Porto de 30 de Janeiro de 2012, proc.º nº 202/10.1TVPRT.P1, estes em www.dgsi.pt.
[23] “Da responsabilidade civil do advogado pelo incumprimento dos deveres de competência e de zelo” na Revista do Ministério Público nº 119, ano 30 (Jul-Set 2009), página 149.
[24] Manuel Januário da Costa Gomes, “Contrato de mandato” em “Direito das Obrigações”, 3º volume, 1991 (sob a coordenação de António Menezes Cordeiro), página 345; e Acórdão da Relação de Lisboa de 5 de Dezembro de 2002 na Colectânea de Jurisprudência XXVII-5-91.