Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Descritores: | RETRIBUIÇÃO SUBSÍDIO DE AGENTE ÚNICO DESCANSO COMPENSATÓRIO | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Nº do Documento: | RL | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Data do Acordão: | 07/01/2015 | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Votação: | UNANIMIDADE | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Texto Integral: | N | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Texto Parcial: | S | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão: | ALTERADA A DECISÃO | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Sumário: | I - A remuneração de prestações como o subsídio de agente único, o trabalho suplementar e o trabalho noturno, possui natureza retributiva, desde que paga regular e periodicamente (pelo menos durante 6 meses por ano) e se destine a compensar o trabalhador por uma dada atividade desenvolvida fora ou dentro do seu período normal de trabalho, por uma determinada operação funcional, claramente inserida na sua normal e habitual laboração profissional ou pelas condições particulares em que a execução das tarefas daquele se desenvolve (maior desgaste psicológico e emocional e onerosidade em termos da sua disponibilidade pessoal e familiar), numa conexão direta com o serviço por ele desempenhado e a forma particular do seu desempenho. II - As prestações referidas no Ponto anterior só devem integrar, atento o regime previsto no CCT (e que é coincidente, na sua essência, com a LCT e Códigos do Trabalho sucessivamente aplicáveis) a retribuição de férias, o correspondente subsídio e o subsídio de Natal (sendo que quanto a este último, somente até 30/1/2003) desde que verificados os requisitos descritos em I. III – Os factos constitutivos do direito ao recebimento das referidas prestações têm de ser devidamente alegados e concretizados pelo trabalhador na sua Petição Inicial, não podendo, em regra, essa alegação ser substituída pelos documentos juntos com a mesma ou por via da mera remissão para o seu teor, atenta a sua natureza de meios de prova de tais factos. IV – O subsídio de agente único é calculado em função das horas de serviço efetivo desenvolvido pelo motorista, quando desacompanhado de cobrador bilheteiro, e não na razão da remuneração mensal pelo mesmo percebida, o que impõe a sua alegação concretizada no âmbito da Petição Inicial, para efeitos da sua qualificação como retribuição e posterior integração da sua média anual na remuneração de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal, ou para simples confronto de valores (diferença entre o efetivamente devido e o pago, na prática, pela empregadora). V – Os motoristas das empresas dos transportes públicos de passageiros, no quadro dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009 (antes da alteração introduzida pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, com entrada em vigor a 1 de Agosto de 2012) e por força do trabalho suplementar prestado em dias úteis, feriados ou dias de descanso complementar, tinham direito ao correspondente descanso compensatório, que seria substituído pela remuneração correspondente, caso não fosse cumprido no prazo de 90 dias após o seu vencimento. (Sumário elaborado pelo Relator) | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão Texto Parcial: | ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I – RELATÓRIO: AA, motorista, contribuinte fiscal n.º (…), residente na Praça (…) Loures veio em 16/05/2013, propor a presente ação declarativa de condenação com processo comum laboral contra RODOVIÁRIA DE LISBOA, SA, pessoa coletiva n.º 503 418 455 e com sede na Avenida do Brasil, n.º 45, 1.º Andar, 1749-053 Lisboa, pedindo, em síntese, a condenação da Ré na integração, nos subsídios de férias e de natal, da média anual do subsídio de agente único e do trabalho noturno e suplementar prestado e no pagamento das correspondentes quantias de € 1.804,23 € e 10.107,72 €, bem como, finalmente, na quantia de 3.295,01 € relativa ao descanso compensatório não gozado. Mais reclama a quantia de 1.000,00 €, relativa a danos não patrimoniais e os juros de mora, até integral e efetivo pagamento. * Alega o Autor, no essencial, que, para além do vencimento base, das anuidades e do subsídio de refeição, também recebia da Ré importâncias a título de trabalho suplementar, trabalho noturno e subsídio de agente único que a mesma não considerou na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal, não tendo, no que toca a trabalho suplementar, conferido o direito ao inerente descanso compensatório. * Foi agendada data para a realização da Audiência de partes (despacho de fls. 54), tendo a Ré sido citada para o efeito, por carta registada com Aviso de Recepção, como resulta de fls. 55 e 58. Mostrando-se inviável a conciliação das partes (fls. 60 e 61), a Ré, que foi notificada para contestar a ação, veio a fazê-lo, em tempo devido e nos termos de fls. 62 e seguintes, onde, em síntese, excecionou a prescrição dos juros moratórios, contestou a interpretação que o Autor efetua dos normativos convencionais e legais aplicáveis ao caso e, apesar de reconhecer a realização do trabalho suplementar e noturno, alega que que o Autor não consubstanciou, como devia, a respetiva causa de pedir e descansou em várias datas do mês de julho, agosto e setembro de 2013, pelo que, tal descanso compensatório não lhe é devido. Mais alega que o Autor não invocou quaisquer factos que sustentem o pedido de danos morais pelo que propugna pela integral absolvição do pedido. * O Autor veio responder a tal contestação, nos moldes constante de fls. 136 a 140, pugnando pela improcedência da exceção de prescrição dos juros moratórios. * Foi proferido despacho saneador, no qual se fixou o valor da ação - € 16.206,51 - considerou regularizada a instância, não se determinou a realização da Audiência Preliminar, dispensou-se o estabelecimento da matéria de facto assente e a elaboração da base instrutória, admitiu-se a prova documental e os róis de testemunhas das partes, se fixou os temas de prova a debater e se manteve a data da Audiência de Discussão e Julgamento, que já havia sido marcada em Audiência de Partes. No início da Audiência de Discussão e Julgamento, houve acordo entre o juiz do processo e as partes relativamente à possibilidade de julgar de direito e sem a produção de qualquer prova testemunhal o litígio dos autos, tendo só havido lugar à proferição de alegações (fls. 153 e 154). Foi então proferida a fls. 156 a 172 e com data de 3/11/2014, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes: “O Tribunal, considerando a ação parcialmente procedente porque parcialmente provada decide: a) Condenar a Ré a pagar ao Autor a média das quantias devidas a título de trabalho suplementar e noturno realizado, incluindo-as nos subsídios de férias e de Natal relegando o seu apuramento para a execução de sentença, conforme peticionado; b) Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de 3.295,01 € a título de descansos compensatórios não gozados; c) Absolver a Ré do pedido de danos morais formulados; d) Considerar improcedente a exceção de prescrição dos juros moratórios e condená-la a proceder ao seu pagamento, a incidir sobre as quantias em dívida, desde a data do seu vencimento, até integral e efetivo pagamento. Custas a cargo do Autora e Ré na proporção do respetivo decaimento. Valor: 16.206,51 €. Registe e Notifique.” * O Autor AA, inconformado com tal sentença, veio, a fls. 178 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 196 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. * O Apelante apresentou, a fls. 179 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões: (…) * A Ré RODOVIOÁRIA DE LISBOA, SA, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 183 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 196 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. * A Apelante apresentou, a fls. 184 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões: (…) * O Autor não apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, apesar de notificado para o efeito. * O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da improcedência dos dois recursos de Apelação (fls. 204 e 205), não tendo as partes se pronunciado acerca do mesmo, dentro do prazo de 10 dias, apesar de notificadas para o efeito. * Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir. II – OS FACTOS O tribunal da 1.ª instância considerou provados os seguintes factos nos seguintes termos: «Do cotejo dos articulados e da prova documental produzida nos autos ficaram provados os seguintes factos: 1.º - O Autor encontra-se sindicalizado no STTRUP, filiado na FESTRU, agora FECTRANS, por extinção e incorporação mediante fusão na federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações; 2.º - O Autor foi admitido ao serviço da Ré, para desempenhar as funções de motorista de transporte de passageiros em 16/07/1996; 3.º - O Autor aufere, como contrapartida do seu trabalho, a remuneração mensal de 610 € acrescida do valor diário de 38,31 a título de anuidades e 5,88€ de subsídio de refeição diário; 4.º - Ao serviço da Ré exerceu funções de motorista de pesados de passageiros em regime de agente único, sob a sua autoridade, fiscalização e direção sem ser acompanhado de qualquer outro trabalhador que desempenhe os serviços próprios de cobrador-bilheteiro; 5.º - É a Ré quem lhe indica o traçado rodoviário e os destinos a atingir dentro dos horários e escalas por ela estabelecidos; 6.º - O Autor tem um horário de 40h semanais, distribuídos por 5 dias, cumprindo os serviços de carreiras que lhe são impostos pela Ré em chapas numeradas/escalas de serviço diárias que variavam conforme a vontade e o interesse desta; 7.º - A Ré apenas começou a integrar aquele subsídio de agente único no subsídio de férias e de natal do Autor, a partir do ano de 2001; 8.º - No que respeita ao Autor em 2001 a Ré pagou-lhe o subsídio de agente único no mês de férias, em 2002 pagou-lhe no mês de férias e em 2003 pagou-lhe no mês de férias, no subsídio de férias e no subsídio de Natal (cfr. Doc. 6 a 12); 9.º - Em Julho de 2001, a Ré pagou ao Autor a importância de € 105,45 a título de subsídio de agente único na remuneração do mês de férias; 10.º - Em Julho de 2002, a Ré pagou ao Autor a importância de € 82,80 a título de subsídio de agente único na remuneração do mês de férias; 11.º - Em Dezembro de 2002 a Ré pagou ao Autor a importância de € 82,80 a título de subsídio de agente único no subsídio de Natal; 12.º - Em Fevereiro de 2003 a Ré pagou ao Autor a importância de € 68,15 a título de subsídio de agente único no subsídio de férias. 13.º - Em Maio de 2003 a Ré pagou ao Autor a importância de € 68,15 a título de subsídio de agente único na remuneração do período de férias; 14.º - E em Dezembro de 2003 a Ré pagou ao Autor a importância de € 68,15 a título de subsídio de agente único no subsídio de natal; 15.º - No ano de 2004, a título de remuneração do período de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal, e em cada uma dessas prestações, a Ré pagou ao Autor a importância de € 86,91 de subsídio de agente único; 16.º - Em 2005, a título de remuneração do período de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal, e em cada uma dessas prestações, a Ré pagou ao Autor a importância de € 100,77 de subsídio de agente único; 17.º - Em 2006, a título de remuneração do período de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal, e em cada uma dessas prestações, a Ré pagou ao Autor a importância de € 153,21 de subsídio de agente único; 18.º - Em 2007, a título de remuneração do período de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal, e em cada uma dessas prestações, a Ré pagou ao Autor a importância de € 137,46; 19.º - Em 2008, a título de remuneração do período de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal, e em cada uma dessas prestações, a Ré pagou ao Autor a importância de € 122,34 de subsídio de agente único; 20.º - Em 2009, a título de remuneração do período de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal, e em cada uma dessas prestações, a Ré pagou ao Autor a importância de € 117,97 de subsídio de agente único; 21.º - Em 2010, a título de remuneração do período de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal, e em cada uma dessas prestações, a Ré pagou ao Autor a importância de € 145,56 de subsídio de agente único; 22.º - Em 2011, a título de remuneração do período de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal, e em cada uma dessas prestações, a Ré pagou ao Autor a importância de € 128,67 de subsídio de agente único;. 23.º - E em 2012 a título de remuneração do período de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal, e em cada uma dessas prestações, a Ré pagou ao Autor a importância de € 116,59 de subsídio de agente único; 24.º - O valor assim pago pela Ré ao Autor correspondeu, sempre, à média por ele auferida no ano anterior a título de subsídio de agente único; 25.º - Entre 2004 e 2012, a Ré pagou ao Autor as quantias discriminadas nos documentos de fls. 12 a 48 a título de trabalho suplementar e noturno, num total de 3532, 75 h; 26.º - A Ré exerce a atividade de transporte público rodoviário de passageiros em todo o território nacional e no estrangeiro, realizando serviços regulares, serviços regulares especializados e serviços ocasionais; 27.º - No que respeita aos serviços regulares (carreiras) a Ré exerce a sua atividade nos concelhos de Lisboa, Loures, Odivelas e Vila Franca de Xira; 28.º - Os transportes públicos são considerados serviço público e são explorados em regime de concessão; 29.º - As carreiras exploradas pela Ré destinam-se a satisfazer necessidades de transporte de centros urbanos, de aglomerações urbanas ou de aglomerados populacionais geograficamente contíguos, desenvolvendo-se o respetivo percurso através de vias urbanas; 30.º - A atividade da Ré é marcada por uma forte pendularidade, há uma forte concentração de meios humanos e materiais em dois períodos distintos do dia: o primeiro na ponta da manhã (06h30m/10h) e que correspondente às deslocações casa/emprego; o segundo, na ponta da tarde (16h30m/20h/30m) e que corresponde às deslocações emprego/casa; 31.º - Em cada um desses períodos a Ré é obrigada a afetar a totalidade dos meios humanos e materiais disponíveis para poder satisfazer as necessidades de transporte das populações; 32.º - Daí que, nesses períodos, a Ré tenha de empregar todos os motoristas e todos os autocarros disponíveis; 33.º - Fora desses períodos de ponta, a Ré apenas necessita de afetar entre 40% a 60% dos seus motoristas e autocarros, dependendo da hora e da zona de tráfego; 34.º - Em Dezembro de 1996 a Ré, então denominada INOTRANGE – GESTÃO E INOVAÇÃO DOS TRANSPORTES S.A., incorporou, por fusão, a sociedade denominada RODOVIÁRIA DE LISBOA S.A.; 35.º - A sociedade incorporada tinha sido constituída em 31 de Janeiro de 1991 por cisão da RODOVIÁRIA NACIONAL INVESTIMENTOS E PARTICPAÇÕES SGPS S.A.; 36.º - A RODOVIÁRIA DE LISBOA S.A., cinditária da RODOVIÁRIA NACIONAL, celebrou um Acordo de Empresa com o SITRA — SINDICATO DOS TRABALHADORES DOS TRANSPORTES RODOVIÁRIOS E AFINS (BTE, 1.ª Série, n.º 18/92, alterado posteriormente nos termos que constam dos BTE, 1.ª Série, n.ºs 35/96, 30/98, 30/99 e 30/2001) ao qual aderiu posteriormente o SINDICATO NACIONAL DOS MOTORISTAS (tendo o AE sido revisto com esta associação sindical nos termos que constam dos BTE, 1.ª Série, n.ºs 15/99 e 30/2001). *** Factos Não Provados: Arts. 142.º e 143.º da contestação da Ré.[1]» * III – OS FACTOS E O DIREITO: É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC). * A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente acção ter dado entrada em tribunal em 16/05/2013, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, somente em 1/01/2010. Esta acção, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjectivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor (que ocorreu no dia 1/1/2008) das alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, e que só se aplicaram aos processos instaurados a partir de 01/1/2008 (artigos 12.º e 11.º do aludido diploma legal) bem como depois da produção de efeitos das mais recentes alterações trazidas a público pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20/11 e sucessivamente em vigor desde 31/03/2009, mas este regime, centrado, essencialmente, na acção executiva, pouca ou nenhuma relevância tem para a economia deste processo judicial. Importa ponderar a aplicação do regime resultante do Novo Código de Processo Civil à fase de interposição e julgamento deste recurso, dado a sentença impugnada ter sido proferida após a entrada em vigor de tal diploma legal (1/9/2013) e o artigo 5.º do diploma legal que aprovou a lei processual civil em vigor determinar a aplicação do correspondente normativo às ações declarativas pendentes, não cabendo a situação que se vive nos autos nos números 2 a 6 da referida disposição[2], nem no número 2 do artigo 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26/6 (procedimentos cautelares), não se aplicando o número 1 desta última disposição a esta Apelação, dado a respetiva ação ter dado entrada em juízo em 03/07/2012[3]. Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho, da reforma do processo civil de 2007 e do NCPC como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação. Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2013 e Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, com início de vigência a 1 de Setembro de 2013 –, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data. Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido na vigência da LCT e diplomas complementares e do Código do Trabalho de 2003 (que começou a vigorar em 1/12/2003), assim como no quadro do Código do Trabalho de 2009, que entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, os regimes derivados desses diplomas que, sem prejuízo da regulamentação colectiva aplicável, aqui irão ser chamados à colação, em função da factualidade considerada. B – DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO Realce-se que os Recorrentes não impugnaram a decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos dos artigos 80.º do Código do Processo do Trabalho e 640.º e 662.º do Novo Código de Processo Civil (tanto mais que os factos dados como assentes resultaram, aparentemente do acordo das partes refletido na Ata de Audiência de Discussão e Julgamento de fls. 153 e 154), não tendo, por seu turno, os recorridos requerido a ampliação subsidiária do recurso nos termos dos artigos 81.º do Código do Processo do Trabalho e 636.º do segundo diploma legal referenciado, o que implica que, sem prejuízo dos poderes oficiosos que são conferidos a este Tribunal da Relação pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil, temos de encarar a atitude processual das partes como de aceitação e conformação com os factos dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância. C – REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA APLICÁVEL Às relações profissionais entre as partes é aplicável, segundo a sentença recorrida, que nessa parte não mereceu contestação por parte de Autor e Ré[4], o CCTV celebrado entre a ANTROP – Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários e Pesados de Passageiros e a FESTRU – Federação dos Sindicatos Rodoviários e Urbanos publicado nas seguintes datas e Boletins de Trabalho e Emprego (encontrando-se o Autor sindicalizado numa das Associações Sindicais subscritoras de tal instrumento de regulamentação coletiva, tal dispensa-nos de averiguar e indicar as Portarias de Extensão referentes a tal Contrato Coletivo de Trabalho e correspondentes alterações): 1) BTE n.º 8/80 (CCT); 2) BTE n.º 27/80 (retificação do texto do CCT); 3) BTE n.º 14/81 (Alteração salarial); 4) BTE n.º 14/82 (Alteração salarial); 5) BTE n.º 14/83 (Alteração salarial); 6) BTE n.º 29/83 (Integração em níveis de qualificação); 7) BTE n.º 10/85 (Alteração salarial); 8) BTE n.º 15/86 (Alteração salarial); 9) BTE n.º 15/87 (Alteração salarial); 10) BTE n.º 18/87 (Retificação da alteração salarial); 11) BTE n.º 23/88 (Alteração salarial); 12) BTE n.º 15/90 (Alteração salarial); 13) BTE n.º 20/99 (Alteração salarial). D – OBJECTO DOS RECURSOS DE APELAÇÃO DO AUTOR E DA RÉ A única questão que é suscitada no âmbito do recurso de Apelação do Autor é, em síntese, a respeitante ao subsídio de agente único auferido entre Julho de 1996 e Dezembro de 2009[5] e à sua integração nas retribuições das férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal, que o tribunal requerido não deferiu, pelos fundamentos constantes da sua sentença[6]. Por seu turno, a Ré no seu próprio recurso de Apelação suscita as seguintes questões: a) Natureza retributiva da contrapartida do trabalho suplementar e trabalho noturno que o Autor recebeu entre Julho de 1996 e Dezembro de 2011; b) Sua inclusão nas retribuições de férias e nos subsídios de férias e de Natal dos anos correspondentes; c) Condenação da Ré no pagamento da remuneração correspondente os dias de descanso compensatório não gozados, relativos aos anos de 2004 a Julho de 2012. E – NATUREZA RETRIBUTIVA DAS PRESTAÇÕES AUFERIDAS PELO AUTOR Conforme ressalta da matéria de facto descrita e dada como provada, o Autor, entre 1996 e 2012, para além da retribuição-base e de outras prestações que não estão em discussão nesta acção, auferiu montantes variáveis a título de: 1) Trabalho suplementar (horas extraordinárias); 2) Trabalho nocturno; 3) Subsídio de agente único. Ora, a única questão que, verdadeiramente, está em causa nos presentes autos respeita à qualificação jurídica de tais prestações como retribuição, nos termos e para os efeitos dos artigos 82.º e seguintes da LCT, 249.º e seguintes do Código do Trabalho de 2003, Código do Trabalho 2009 e Cláusulas aplicáveis da Regulamentação Coletiva que se foram sucedendo ao longo desse período de 16 anos, de forma a considerar a obrigatoriedade, por parte da Ré, da integração das mesmas nas correspondentes retribuições e subsídios de férias e subsídios de Natal. F - PONTO DA SITUAÇÃO DOS AUTOS Importa, contudo e previamente, fazer o ponto da situação relativamente às matérias que caem dentro das fronteiras do recurso de Apelação interposto pelo Autor e pela Ré e que, nessa medida, delimitam o julgamento que é consentido a este Tribunal da Relação de Lisboa, daquelas que extravasam os referidos limites e que, por isso, por já terem transitado em julgado, já não podem ser alvo da nossa apreciação. O Autor, como sabemos, pediu que a Ré fosse condenada na integração, nos subsídios de férias e de natal, da média anual do subsídio de agente único e do trabalho noturno e suplementar prestado e no pagamento das correspondentes quantias de € 1.804,23 € e 10.107,72 €, bem como, finalmente, na quantia de 3.295,01 € relativa ao descanso compensatório não gozado. Mais reclamou a quantia de 1.000,00 €, relativa a danos não patrimoniais e os juros de mora, até integral e efetivo pagamento. Por seu turno, a Ré arguiu a exceção da prescrição dos juros de mora peticionados pelo trabalhador e quer foi julgada improcedente pelo tribunal da 1.ª instância. Ora, se atentarmos no teor dos dois recursos interpostos pelas partes, facilmente concluímos que caiu o pedido de danos não patrimoniais e correspondentes juros de mora, assim como a referida exceção perentória da prescrição. O Tribunal do Trabalho de Lisboa relegou para incidente de liquidação a média das quantias devidas a título de trabalho suplementar e noturno realizado, não tendo igualmente o Autor levantado obstáculos quanto a tal postura, não obstante o teor do artigo 75.º do Código do Processo do Trabalho e a circunstância de ter quantificado tais prestações na sua Petição Inicial. Será, portanto, dentro de tais fronteiras que nos iremos mover, enquanto tribunal da 2.ª instância. G – REGIMES JURÍDICOS SUBSTANTIVOS SUCESSIVAMENTE APLICÁVEIS Entremos então na abordagem das diversas questões suscitadas pela Ré no seu recurso de Apelação. Julgamos pertinente, face à sucessão de regimes legais que ocorreram ao longo dessas quase duas décadas e às diferenças que, nesta matéria, ressaltam dos mesmos, analisar autonomamente a problemática em questão ao abrigo de cada um deles. Relativamente ao primeiro período temporal indicado, em que esteve em vigor o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24/11/1969 e demais legislação complementar, importa, por um lado, atentar que, segundo o artigo 6.º do Decreto-lei n.º 874/76, de 28/12, “a retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efetivo” (número 1) e que “além da retribuição mencionada no número anterior, os trabalhadores têm direito a um subsídio de férias de montante igual ao dessa retribuição” (número 2), sendo certo que, quanto ao subsídio de Natal, o Decreto-Lei n.º 88/96, de 3/07, no seu artigo 2.º, número 1, “os trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que será pago até 15 de Dezembro de cada ano” (cf. também e respetivamente as cláusulas 20.ª e 21.ª (férias), 44.ª (subsídio de férias) e 45.ª (subsídio de Natal) do Contrato Coletivo de Trabalho, que nestas matérias, não sofreu alterações posteriores, até 1999). Já o Código do Trabalho de 2003, no que concerne a tais prestações refere que «a retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo» (número 1 do artigo 255.º), ao passo que o subsídio de férias, que deverá acrescer aquela retribuição, teria um montante que compreenderia «a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho» (número 2 do mesmo dispositivo legal, regime esse que foi mantido no Código do Trabalho de 2009, com o artigo 264.º (retribuição e subsídio de férias, muito embora este último com referência ao período mínimo de 22 dias de férias). H – SUBSÍDIO DE NATAL Importa referir que a cláusula 45.ª do CCT determina que o subsídio de Natal corresponde a um mês de retribuição (sem mais), não tendo os motoristas direito inicialmente ao recebimento de diuturnidades, segundo a cláusula 41.ª, mas percebendo atualmente o Autor, segundo o Ponto 3.º da Matéria de Facto Provada, anuidades no montante mensal de € 38,31. Ora, a ser assim, impõe-se chamar à colação, no que toca a tal prestação, os artigos 254.º e 250.º do Código do Trabalho de 2003 e 263.º e 262.º do Código do Trabalho atualmente em vigor, que para a quantificação de tal prestação e na falta de disposição legal, convencional ou contratual que não disponha em contrário, só referem a retribuição-base e as diuturnidades. Não se ignora que a Ré tem integrado, entre 2001 e 2012, no subsídio de Natal, a média anual do subsídio de agente único, mas o mesmo não se acha demonstrado quanto a quaisquer outras prestações (como é o caso do trabalho suplementar e noturno). Também não podemos olvidar a regra de cariz transitório que se achava consagrada no artigo 11.º, número 1 da Lei n.º 99/2003, de 27/08 (norma que contudo não conhece irmã gémea na Lei n.º 7/2009, de 12/2, que aprovou o atual Código do Trabalho) e que, singelamente, estatui que «a retribuição auferida pelo trabalhador não pode ser reduzida por mero efeito da entrada em vigor do Código do Trabalho», mas afigura-se-nos que a nossa jurisprudência maioritária não refere tal preceito a todo o tipo de prestações de cariz retributivo (como, por exemplo, o subsídio de Natal, que tem excluído do âmbito de aplicação do mesmo) mas, ao que julgamos e por semelhança ao que acontece com o princípio da irredutibilidade da retribuição, tão-sómente à retribuição modular ou de base, sendo que a disposição em causa faz ainda depender tal proibição da condição referida na sua parte final, o que não é manifestamente o caso dos autos, pois a Ré nunca integrou no subsídio do Natal as prestações aqui reclamadas pelo Apelado[7]. Logo, a sentença da 1.ª instância ao extravasar quanto ao subsídio de Natal a fronteira de 1/12/2003, sempre terá de ser revogada. I – 16 DE JULHO DE 1996 A 30 DE NOVEMBRO DE 2003 – RGCIT E LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR Passemos então, com vista a aferir da natureza jurídica das diversas prestações liquidadas pela Apelante ao Apelado, a transcrever as normas jurídicas de carácter geral que, constando, à época, da LCT, nos podem auxiliar nessa tal qualificação: Artigo 82.º (Retribuição) 1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho. 2. A retribuição compreende a remuneração de base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie. 3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador. Artigo 84.º (Retribuição certa e retribuição variável) 1. É certa a retribuição calculada em função do tempo de trabalho. 2. Para determinar o valor da retribuição variável tomar-se-á como tal a média dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber nos últimos doze meses ou no tempo da execução do contrato, se este tiver durado menos tempo. 3. Se não for praticável o processo estabelecido no número anterior, o cálculo da retribuição variável far-se-á segundo o disposto nas convenções coletivas ou nas portarias de regulamentação de trabalho e, na sua falta, segundo o prudente arbítrio do julgador. Artigo 86.º (Remuneração de trabalho extraordinário) Não se considera retribuição a remuneração por trabalho extraordinário senão quando se deva entender que integra a retribuição do trabalhador. Artigo 90.º (Fixação judicial da retribuição) 1. Compete ao julgador fixar a retribuição quando as partes o não fizeram e ela não resulte das normas aplicáveis ao contrato. 2. Compete ainda ao julgador resolver as dúvidas que se suscitarem na qualificação como retribuição das prestações recebidas da entidade patronal pelo trabalhador. J – 1 DE DEZEMBRO DE 2003 A 16 DE FEVEREIRO DE 2009 - CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003 A partir de 1 de Dezembro de 2003, entrou em vigor o Código do Trabalho de 2003, que, quanto a esta matéria, determinava o seguinte: Artigo 249.º Princípios gerais 1 - Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho. 2 - Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie. 3 - Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador. 4 - A qualificação de certa prestação como retribuição, nos termos dos nºs 1 e 2, determina a aplicação dos regimes de garantia e de tutela dos créditos retributivos previstos neste Código. Artigo 251.º Modalidades de retribuição A retribuição pode ser certa, variável ou mista, isto é, constituída por uma parte certa e outra variável. Artigo 252.º Retribuição certa e retribuição variável 1 - É certa a retribuição calculada em função do tempo de trabalho. 2 - Para determinar o valor da retribuição variável toma-se como tal a média dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber nos últimos 12 meses ou no tempo da execução do contrato, se este tiver durado menos tempo. 3 - Se não for praticável o processo estabelecido no número anterior, o cálculo da retribuição variável faz-se segundo o disposto nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e, na sua falta, segundo o prudente arbítrio do julgador. 4 - O trabalhador não pode, em cada mês de trabalho, receber montante inferior ao da retribuição mínima garantida aplicável. Artigo 265.º Fixação judicial da retribuição 1 - Compete ao julgador, tendo em conta a prática na empresa e os usos do sector ou locais, fixar a retribuição quando as partes o não fizeram e ela não resulte das normas de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável ao contrato. 2 - Compete ainda ao julgador resolver as dúvidas que forem suscitadas na qualificação como retribuição das prestações recebidas pelo trabalhador que lhe tenham sido pagas pelo empregador. K - 17 DE FEVEREIRO DE 2009 A 31 DE JULHO DE 2012 - CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009 A partir de 17 de Fevereiro de 2009, entrou em vigor o Código do Trabalho de 2003, que, quanto a esta matéria, determinava o seguinte: Artigo 258.º Princípios gerais sobre a retribuição 1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho. 2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie. 3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador. 4 - À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código. Artigo 260.º Prestações incluídas ou excluídas da retribuição 1 - Não se consideram retribuição: a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador; b) As gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa; c) As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respetivos, não esteja antecipadamente garantido; d) A participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador esteja assegurada pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho. 2 - O disposto na alínea a) do número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição. 3 - O disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 não se aplica: a) Às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele; b) Às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no respetivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante. Artigo 261.º Modalidades de retribuição 1 - A retribuição pode ser certa, variável ou mista, sendo esta constituída por uma parte certa e outra variável. 2 - É certa a retribuição calculada em função de tempo de trabalho. 3 - Para determinar o valor da retribuição variável, quando não seja aplicável o respetivo critério, considera-se a média dos montantes das prestações correspondentes aos últimos 12 meses, ou ao tempo de execução de contrato que tenha durado menos tempo. 4 - Caso o processo estabelecido no número anterior não seja praticável, o cálculo da retribuição variável faz-se segundo o disposto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou, na sua falta, segundo o prudente arbítrio do julgador. Artigo 262.º Cálculo de prestação complementar ou acessória 1 - Quando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário, a base de cálculo de prestação complementar ou acessória é constituída pela retribuição base e diuturnidades. 2 - Para efeito do disposto no número anterior, entende-se por: a) Retribuição base, a prestação correspondente à atividade do trabalhador no período normal de trabalho; b) Diuturnidade, a prestação de natureza retributiva a que o trabalhador tenha direito com fundamento na antiguidade. Artigo 272.º Determinação judicial do valor da retribuição 1 - Compete ao tribunal, tendo em conta a prática da empresa e os usos do sector ou locais, determinar o valor da retribuição quando as partes o não fizeram e ela não resulte de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável. 2 - Compete ainda ao tribunal resolver dúvida suscitada sobre a qualificação como retribuição de prestação paga pelo empregador. Será, portanto, com tais quadros legais sucessivos que iremos procurar enquadrar juridicamente a factualidade dada como assente, tudo sem olvidar o que também a esse propósito se acha determinado na Regulamentação Coletiva aplicável. L – ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA RETRIBUIÇÃO O Dr. António Monteiro Fernandes em “Direito do Trabalho”, 13.ª Edição, Janeiro de 2006, Almedina, Coimbra, págs. 453 e seguintes, a propósito da noção legal de retribuição e dos problemas de índole jurídica que acerca da mesma se podem suscitar, refere o seguinte: “O problema da qualificação de cada uma das atribuições patrimoniais feitas pelo empregador ao trabalhador, por referência ao conceito de retribuição, ganhou uma acuidade singular com a amplificação do leque daquelas atribuições, na contratação colecltiva e na prática das empresas. É sabido que, por razões diversas - desde as que se relacionam com propósitos de aligeiramento da fiscal e parafiscal até às derivadas da intenção de ladear limitações governamentais em matéria de política de rendimentos -, se registou, sobretudo a partir dos anos oitenta do século passado, uma considerável proliferação de «títulos» pelos quais são efectivadas vantagens económicas aos trabalhadores. Essa proliferação originou uma nebulosa de conceitos (subsídios, abonos, compensações, indemnizações, prémios, complementos de prestações de segurança social, valor de uso de bens da empresa) que, referidos ou não ao pilar central do «sistema» remuneratório (a retribuição «certa» ou «de base» que o empregador está contratualmente obrigado a pagar por mês ou com diferente periodicidade), transportam consigo uma certa indeterminação quanto ao nexo de correspectividade com a prestação de trabalho. Em muitos casos, com efeito, o trabalhador não recebe apenas da entidade patronal a quantia certa, paga no fim de cada semana, quinzena ou mês, que vulgarmente se designa salário, ordenado ou vencimento (e a que, tecnicamente, se costuma aplicar o rótulo de «retribuição-base»). Certo é que essa prestação regular e periódica é aquela que não só pretende corresponder directamente a uma certa «medida» da prestação de trabalho, mas também acompanha um dado «ritmo» de satisfação de necessidades - a das necessidades correntes, do dia-a-dia - do trabalhador e sua família. No entanto, várias razões explicam que, além dessa prestação básica, sejam hoje devidas, não só por efeito da lei, mas até sobretudo por imposição dos IRC, outras prestações pecuniárias de diversa natureza e periodicidade (quando esta existe). (…) Em terceiro lugar, no próprio desenvolvimento da relação de trabalho, e em estreita conexão causal com a prestação de serviços, ocorrrem situações que implicam para o trabalhador a realização de despesas (deslocações em serviço, transferência do local de trabalho), uma particular penosidade e perturbação da vida privada (trabalho nocturno, extraordinário, por turnos ou efectuado em dia de descanso semanal), etc.. Também dessas situações decorrem para o empregador obrigações pecuniárias específicas para com o trabalhador. Significa isto que, durante a vigência do contrato individual de trabalho, são ou devem ser efectuadas diversas atribuições patrimoniais pelo empregador ao prestador de trabalho, sem que se torne imediatamente clara a sua inclusão no binómio trabalho-salário. (...) Esse mesmo autor, na obra e local citados, abordando depois o critério legal de retribuição para efeitos da aferição das prestações pagas pela entidade patronal ao trabalhador diz depois o seguinte: “O critério de qualificação retributiva tem que extrair-se da conjugação dos «princípios gerais» contidos no art. 249.°, e das aplicações feitas perante certas atribuições patrimoniais típicas, nos arts. 260.° a 262.°. A noção legal de retribuição, conforme se deduz do art. 249.°, será então a seguinte: o conjunto dos valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade de força do trabalho por ele oferecida).(...) Em terceiro lugar, requer-se uma certa periodicidade ou regularidade no pagamento - muito embora possa ser diversa de umas prestações para outras (mensal quanto ao salário-base, anual relativamente a gratificação de Natal, trimestral para a comissão nas vendas, etc.). Essa característica tem um duplo sentido indiciário: por um lado, sugere a existência de uma vinculação prévia (quando se não ache expressamente consignada) e, por conseguinte, de uma prática vinculativa; por outro, assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele. A repetição (por um número significativo de vezes, que não é possível fixar a priori) do pagamento de certo valor, com identidade de título e/ou de montante, cria a convicção da sua continuidade e conduz a que o trabalhador, razoavelmente, paute o seu padrão de consumo por tal expectativa - uma expectativa que é juridicamente protegida. Enfim, é necessário que exista correspectividade entre as prestações do empregador e a situação de disponibilidade do trabalhador - ou seja, noutros termos, que essas prestações não tenham causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho. (…) É, em suma, necessário que se possa detectar uma contrapartida específica - diferente da disponibilidade da força de trabalho - para certa prestação do empregador, a fim de que esta se coloque à margem do salário global. O que, dito de outro modo, envolve a existência da presunção de que qualquer atribuição patrimonial efectuada pelo empregador em benefício do trabalhador, salvo prova em contrário, constitui parcela da retribuição (art. 249.°/3).” O Professor António Monteiro Fernandes, contudo e de uma forma certeira, alerta para o uso pouco rigoroso e indiscriminado da dita presunção: “Face à existência de um conjunto articulado de proposições normativas como o do art. 249.°, sedimentou-se, na prática das relações laborais, o convencimento de que o problema da qualificação retributiva comporta uma abordagem unidireccional, ou seja, pode resolver-se de um só ponto de vista para todos os efeitos. No limite, tal perspectiva envolveria a ideia de que a atribuição de índole retributiva a certa prestação do empregador conduziria, de modo rectilíneo, a uma multiplicidade de resultados operatórios: como exemplos, o de que o valor dessa prestação deveria ser integrado na base de cálculo de todas as prestações subordinadas ao montante da «retribuição» - desde a remuneração do trabalho suplementar até aos salários devidos por despedimento ilícito; - o de que a mesma prestação seria insusceptível de redução ou eliminação por vontade unilateral do empregador; e até o de que o seu valor deveria ser pago com a mesma pendularidade que o contrato estabeleça para a «retribuição-base. Essa perspectiva tem prosperado na prática: o critério do art. 249.° CT (e, anteriormente, do art. 82.° LCT) tem sido utilizado para os mais diversos fins que implicam a determinação (qualitativa ou quantitativa) da retribuição - e, ademais, alguma jurisprudência considera que esse critério é insusceptível de «modificação», genérica ou pontual, por parte dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.(...) Significa isto, em suma, que a aplicação do critério geral do art. 249.° a um certo tipo de prestação não permite, sem mais, fornecer um tratamento pré-determinado às vicissitudes dessa prestação. A hipótese do desenvolvimento linear de um «regime homogéneo», da retribuição para todos os efeitos seria, de resto, insuportavelmente absurda. Conduziria, desde logo, a um emaranhado de círculos viciosos no conjunto dos processos de cálculo das prestações derivadas da retribuição (que, por um lado, seriam determinadas com base nela, mas, por outro, seriam nela integradas); traduzir-se-ia, depois, na neutralização das diferentes causas explicativas e legitimadoras dos elementos da retribuição, e, por esse caminho, no desvirtuamento dos produtos da autonomia privada, individual e colectiva, que têm neste domínio um espaço de actuação incontestável. Há, pois, que assentar no seguinte: a qualificação de certa atribuição patrimonial como elemento do padrão retributivo definido pelo art. 249.° CT não afasta a possibilidade de se ligar a essa atribuição patrimonial uma cadência própria, nem a de se lhe reconhecer irrelevância para o cálculo deste ou daquele valor derivado «da retribuição.” Os excertos doutrinários acima transcritos, com os quais concordamos, procuram fazer uma interpretação juridicamente rigorosa e objectiva do regime legal da retribuição, nas suas diversas vertentes e facetas, significando, em suma, que não basta o mero recebimento regular e periódico de uma dada prestação para lhe atribuir a natureza de retribuição, por força da presunção (ilídivel, recordemos) constantes dos números 3 dos artigos 82.º da LCT e 249.º do Código do Trabalho de 2003, importando ainda aferir da sua génese legal ou convencional, conteúdo, alcance e sentido. Bastará pensar, por exemplo e para uma melhor compreensão do que se deixou referido, nas ajudas de custo que o empregador paga mensalmente ao trabalhador, como contrapartida das despesas efectivas por ele feitas ao serviço daquele ou mesmo, embora em situações certamente raras, de pagamentos parcelares de alguma dívida de natureza particular do primeiro relativamente ao segundo - pense-se numa viatura da entidade patronal que bateu, inadvertidamente, no veículo particular do empregado, tendo este mandado reparar o mesmo e tendo aquele, por razões económicas e devido ao valor avultado envolvido, ficado de o liquidar em seis ou mais prestações -, para se perceber que a mera percepção repetida de uma dada quantia pelo empregado não é suficiente para se qualificar a mesma como tendo índole retributiva. M - PRESTAÇÕES RETRIBUTIVAS E SUA INTEGRAÇÃO NA RETRIBUIÇÃO DE FÉRIAS, RESPECTIVO SUBSÍDIO E SUBSÍDIO DE NATAL Chegados aqui, importará perguntar se, atenta a sua razão de ser, deverão todas as prestações caracterizadas como retribuição, integrar o cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal. Ouçamos a propósito desta questão o que diz Monteiro Fernandes, obra e local citados: «Uma segunda equação é a que se refere, especificamente, ao esquema temporal de cumprimento das prestações remuneratórias. Tratar-se-á de encontrar resposta para esta pergunta: a prestação x deve ser paga, anualmente, catorze vezes (integrando, portanto, os subsídios de férias e de Natal), doze vezes (sendo computada na remuneração do período de férias) ou só onze (isto é, correlacio¬nando-se apenas com o tempo de serviço efectivo)? (...) A questão fundamental é aqui a da regularidade e periodicidade dos benefícios patrimoniais auferidos pelo trabalhador. Ora é sabido que, por natureza, alguns desses beneficios têm uma pendularidade diversa da chamada «retribuição base». Pode ser, por exemplo, que um «prémio de assiduidade» tenha sido convencionado como prestação trimestral; ou até que uma outra prestação apareça regulada em correlação estrita com o tempo de trabalho efectivo (excluindo-se do seu ciclo anual o período de férias). Já se torna claro que o problema releva da interpretação das normas legais ou cláusulas que instituem e regulam cada prestação; e que essa interpretação, para além de ter como ponto de partida os termos de tais normas ou estipulações, deve tomar em consideração o perfil funcional de cada prestação - não se quedando, pois, no apriorismo da qualificação retributiva com base no art. 249.° CT. Isto significa, em suma, que uma atribuição patrimonial pode ter que qualificar-se como elemento de retribuição (face ao art. 249.°) e, não obstante isso, merecer o reconhecimento de uma pendularidade diferente da que caracteriza os restantes elementos, nomeadamente a chamada «retribuição base». (...) O critério legal constitui, assim, o instrumento de despiste dos valores que, no seu conjunto, têm um nexo de correspectividade com a posição obrigacional do trabalhador, encarada também na sua globalidade. Ele serve, então, para definir a posteriori uma base de cálculo para certos valores derivados. Mas isso não legitima que o mesmo critério seja linearmente utilizado como chave-mestra de todo o regime jurídico da retribuição. Uma prestação abarcável no amplo padrão retributivo definido pelo art.º 239.° pode ter que ser afastada do campo de aplicação deste ou daquele preceito referente à retribuição. Pode ser, por exemplo, que um certo subsídio, embora pertencente à estrutura retributiva de harmonia com o art.º 249.°, não tenha que ser incluído no cálculo do subsídio de férias ou de Natal; ou deva ser pago apenas em períodos de serviço efectivo. Já vimos que isso corresponde a dados do direito positivo.» A tese deixada exposta, que vem ao encontro do que já acima sustentámos, reforçando mesmo a sua necessidade e relevância jurídicas, obriga-nos, portanto, a uma análise da origem, função, periodicidade e fim visado por cada uma das prestações reclamadas pelo Autor no quadro desta acção e às quais a Ré, em sede de recurso, nega a sua índole retributiva ou, pelo menos, a sua integração como parcela obrigatória nas retribuições de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal. Por outro lado, importa atender às cláusulas do CCT que se referem à remuneração de férias e ao subsídio de férias e de Natal, sem perder de vista o regime geral relativo a tais realidades, já acima mencionado. N – SUBSÍDIO DE AGENTE ÚNICO – APELAÇÃO DO AUTOR A prestação qualificada convencionalmente com «subsídio de agente único» encontra-se prevista e regulada na cláusula 16.ª do CCT acima identificado, rezando a mesma o seguinte: Cláusula 16.ª (Agente único) 1 - É agente único o motorista que em carreiras de serviço público presta serviço não acompanhado de cobrador-bilheteiro e desempenha as funções que a este cargo incumbem 2. A não aceitação por parte dos trabalhadores do Estatuto de Agente Único não pode dar origem a sanções disciplinares. 3 - A todos os motoristas de veículos pesados de serviço público de passageiros que trabalhem em regime de agente único será atribuído um subsídio especial de 25% sobre a remuneração da hora normal durante o tempo efetivo de serviço prestado naquela qualidade, com o pagamento mínimo correspondente a quatro horas de trabalho diário nessa situação» A ideia com que ficamos, desde que tal cláusula veio a lume, é da que já muita água correu sob as pontes, que é como quem diz, houve desde o longínquo ano de 1980, uma profunda alteração na forma de prestação funcional dos motoristas de veículos pesados de serviço público de passageiros, tendo o regime de agente único, que conheceu uma grande resistência por parte dos trabalhadores no início da sua consagração, indo se alargando a cada vez maior número de trabalhadores e empresas ao longo destes 35 anos até constituir a regra nos nossos dias, tendo tal cenário tido como contrapartida o progressivo desaparecimento do “Pica do Sete”, tema musical da autoria de Miguel Araújo e que é agora cantado por António Zambujo. Esta “impressão” nada jurídica que deixámos exposta radica-se na maneira particular como está redigido o número 2 da cláusula 16.ª aqui em análise e que insinua um sistema misto ou parcial de recurso ao agente único ou, se quisermos, numa outra perspetiva, o desempenho “simultâneo” de funções pelos motoristas em questão, quer com cobrador, quer sem este último, pois só assim se compreende e justifica o esquema de cálculo do correspondente subsídio especial (de agente único): «… de 25% sobre a remuneração da hora normal durante o tempo efetivo de serviço prestado naquela qualidade, com o pagamento mínimo correspondente a quatro horas de trabalho diário nessa situação». Muito embora seja duvidoso que ainda hoje haja fundamento plausível para uma regra como esta, quando o regime de cobrança por empregado diferente do motorista é verdadeiramente excecional, certo é que é a mesma que está em vigor e que se aplica ao contrato de trabalho dos autos, mantendo-se, portanto, a determinação de tal prestação especial na razão das horas efetivas de prestação de funções como agente único por parte do Autor e colegas e não por referência à remuneração mensal, como seria talvez mais lógico e natural acontecer na atualidade. Nesta matéria também não será despiciendo olhar para os documentos juntos pelo Autor com a sua Petição Inicial e que em termos de tal subsídio especial registam os seguintes montantes anuais (só relativamente aos anos de 2011 e 2012 foram juntos recibos mensais de remuneração): 1) 1996 – 938,00, para 667,13 horas efetivas de condução (fls. 12); 2) 1997 – 1.338,15, para 962,20 horas efetivas de condução (fls. 13); 3) 1998 – 1.758,00, para 1292,36 horas efetivas de condução (fls. 14); 4) 1999 - 1.829,00, para 1.345,03 horas efetivas de condução (fls. 15); 5) 2000 – 1.731,00, para 1.266,04 horas efetivas de condução (fls. 16); 6) 2001 – 1.279,30, para 986,24 horas efetivas de condução (fls. 17); 7) 2002 – 997,00, para 741,11 horas efetivas de condução (fls. 18); 8) 2003 – 1.224,30, para 872,42 horas efetivas de condução (fls. 19); 9) 2004 – 1.380,00, para 991,27 horas efetivas de condução (fls. 20); 10) 2005 – 2.040,45, para 1.482,13 horas efetivas de condução (fls. 21); 11) 2006 – 1.779,55, para 1.400, 43 horas efetivas de condução (fls. 22): 12) 2007 – 1.541,21, para 1.355,13 horas efetivas de condução (fls. 23); 13) 2008 – 1.442,54, para 1.252,49 horas efetivas de condução (fls. 24); 14) 2009 – 1.742,36, para 1.480,20 horas efetivas de condução (fls. 25); 15) 2010 – 1.523,00, para 1.300,10 horas efetivas de condução (fls. 26). Verificam-se diferenças quantitativas, quer em valores globais de tal subsídio de agente único, quer em horas efetivas de condução praticadas pelo Autor ao longo de todos esses anos, o que indica que a empresa demandada nunca liquidou a esse título montantes certos e iguais de ano para ano (e certamente, de mês para mês, em cada um desses 15 anos), dando efetivo cumprimento à referida cláusula 16.ª. Não será despiciendo referir ainda o facto confessado pelo demandante de que o seu período normal de trabalho era de 40 horas semanais (artigo 7.º da Petição Inicial e Ponto 6.º da Factualidade Assente), o que implica que, com referência a 48 semanas anuais, terá desempenhado as suas funções durante 1.920 horas anuais, o que significa, por confronto com as acima indicadas horas efetivas de condução, que o trabalhador teve uma percentagem considerável de horas em que não conduziu qualquer autocarro ou, se o fez, não o terá sido, possivelmente, em regime de agente único (não se considerando aqui as horas de trabalho suplementar também executadas pelo Autor e cuja quantidade não se acha comprovada nos autos). Importa ainda realçar o que se ficou assente nos Pontos 7.º a 23.º da Factualidade dada como Assente – onde se enumera os pagamentos feitos pela Ré das médias anuais do subsídio de agente único no quadro da retribuição de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal entre os anos de 2001 e 2012 -, para se compreender que, a partir de 2001 e até 2009, estão em causa essencialmente diferenças quantitativas ao nível de tal prestação, o que reforça a necessidade acima expressa de alegação concretizada relativamente a esse período temporal. O raciocínio exposto só não colhe relativamente aos anos de 2001 e 2002, pois tendo a Ré liquidado ao Autor em tais anos a média do subsídio em análise apenas na retribuição de férias (2001 e 2002) e subsídio de Natal (2002) e havendo acordo entre as partes quanto ao valor correspondente à sua média anual (€ 105,45 e € 82,80, respetivamente), possuindo tal prestação, de forma inequívoca, natureza retributiva (o que se espelha, designadamente, na circunstância da Ré liquidar a sua média desde 2003 em diante na retribuição de férias, corresponde subsídio e, muito significativamente, também no subsídio de Natal[8]), não pode este tribunal deixar de dar razão ao Autor e condenar a Ré a liquidar os valores de € 210,90 e € 82,80 no que concerne a tais anos e aos 13.º e 14.º meses (2001) e 13.º mês (2002). Tudo isto para concordar com a sentença recorrida (com exceção dos anos de 2001 e 2002), quando afirma que a Petição Inicial peca por uma alegação insuficiente nessa matéria do subsídio de agente único, pois importava aferir do número de horas efetivas de condução mensais e da sua distribuição durantes todos os meses do ano em que o Autor laborou (embora por razões diversas, no que toca aos anos de 1996 a 2000 e 2004 e seguintes, respetivamente), o que não foi feito, convindo realçar que os documentos não substituem a alegação dos factos essenciais à edificação da correspondente causa de pedir, servindo apenas como meios de prova e como suporte complementar daqueles factos. A decisão impugnada, a este respeito e como resulta da Nota de Rodapé, faz menção ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/2/2007, processo n.º 06S3753, relator: Fernandes Cadilha de que se mostra publicado, com o seguinte Sumário, emwww.dgsi.pt: »I - O subsídio de agente único, previsto na cláusula 16.ª do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ANTROP e a FESTRU para o Transporte Rodoviário de Pesados de Passageiros, destinado a compensar os motoristas pelo exercício cumulativo de funções de cobrador-bilheteiro, é calculado por referência ao efetivo tempo de condução em que o motorista atue nessa condição; II - Nesses termos, mesmo que o motorista desempenhe sempre as suas funções em regime de agente único, o referido subsídio é atribuído por referência ao tempo de condução efetiva, e não à remuneração mensal.»[9] Veja-se igualmente o Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 26/3/2008, processo n.º 08S009, relator: Sousa Peixoto, publicado no mesmo local e com o seguinte Sumário (muito embora relativo ao Acordo de Empresa firmado entre a Rodoviária Nacional e a FESTRU e outros): «1. O subsídio de agente único previsto na cláusula 83.ª[10] do A.E. celebrado entre a Rodoviária Nacional a FESTRU e outros, publicado no BTE n.º 45/83, na redação que lhe foi dada pela alteração publicada no BTE n.º 12/85, só é devido relativamente aos períodos de tempo em que os motoristas efetivamente exercem a atividade de condução em regime de agente único e não em relação a todo o seu período normal de trabalho diário. 2. A cláusula 83.ª do A.E. referido não estabelece qualquer presunção a favor do trabalhador no que toca ao número de horas prestadas em regime de agente único. Por isso, compete ao trabalhador alegar e provar o número de horas de condução prestadas em regime de agente único. 3. O subsídio de agente único tem natureza remuneratória e, por isso, integra a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal, quer antes quer depois da entrada em vigor do C.T., uma vez que o n.º 1 do art.º 250.º do mesmo diploma permite que disposições convencionais, como no referido AE acontece, disponham em contrário. 4. O D.L. n.º 421/83, 2/12, nomeadamente no que toca aos descansos compensatórios devidos pela prestação de trabalho suplementar, não se aplica às empresas concessionárias de transportes públicos». Também o já referenciado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29.01.2014, processo n.º 737/12.1TTLSB.L1-4, relator: Jerónimo Freitas, publicado no sítio www.dgsi.pt (Sumário), se refere a tal matéria: «I. O subsídio de agente único, previsto na cláusula 16.ª do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ANTROP e a FESTRU para o Transporte Rodoviário de Pesados de Passageiros, destinado a compensar os motoristas pelo exercício cumulativo de funções de cobrador-bilheteiro, é calculado por referência ao efetivo tempo de condução em que o motorista atue nessa condição. II. Arrogando-se o A. no direito a reclamar o pagamento das diferenças entre o que lhe foi pago, nos anos de 2002, 2003, 2005 e 2010 e o que lhe deveria ter sido pago, o fundamento para sustentar o pedido teria que assentar na existência duma discrepância entre os tempos de prestação de trabalho considerados pela R. e aqueles em que eventualmente, o A. tenha atuado efetivamente na condição de agente único, isto é, competindo-lhe cobrar ou/e verificar os títulos de transporte. III. Significa isso que, nos termos gerais do ónus de prova (art.º 342.º 1 do CC), sobre o A. recaía o ónus de alegar e provar os factos necessários para demonstrar esse desfasamento. IV. A disciplina legal sobre o direito a descanso compensatório pela prestação de trabalho suplementar em dia útil, estabelecida no CT 03 (art.ºs 202.º e 203.2) e no CT 09 (Art.º 229.º e 230.º 2, na versão anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho) aplica-se ao caso, não sendo afastada pelo Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ANTROP e a FESTRU para o Transporte Rodoviário de Pesados de Passageiros, aplicável. V. A lei não estabelece qual a consequência jurídica em caso de incumprimento do empregador, quando o trabalhador adquire o direito ao descanso compensatório e não vê esse direito ser satisfeito, quer através do gozo desse descanso, quer pela substituição por prestação de trabalho remunerado com acréscimo não inferior a 100%, em qualquer caso no prazo de 90 dias fixado na lei para o cumprimento dessa obrigação. VI. A posição da Ré, escudando-se na falta do acordo exigido na Lei para recusar pagar ao Autor qualquer acréscimo não pode ser acolhida, nem mesmo sob o argumento de que se verifica uma situação de mora, apenas devendo ser reconhecido ao Autor direito ao gozo do descanso compensatório. VII. O A. pretende é ser pago e não gozar o descanso compensatório relativamente aos períodos já vencidos, o que bem se compreende, pois não só se esgotou o prazo para a R. ter cumprido sucessivamente as suas obrigações, como até já decorreram anos. VIII. A finalidade deste direito é assegurar ao trabalhador o direito ao repouso (art.º 59.º n.º 1 al. d) da CRP), que pela prestação do trabalho suplementar foi reduzido. Por isso mesmo, a lei fixa um prazo curto de 90 dias, para que o descanso compensatório seja gozado. IX. No fundo, a posição do Autor equivale à declaração que faltava (mas que também não lhe foi solicitada) para complementar a posição que a Ré assumiu na prática, exigindo-lhe a prestação de trabalho quando lhe deveria conceder o descanso compensatório. X. Em contrapartida, a nossos ver, a posição da Ré reconduz-se ao abuso de direito (art.º 334.º do CC), escudando-se numa norma legal para se esquivar às consequências do incumprimento da obrigação legal que sobre ela impendia.» Sendo assim, concordando-se apenas em parte, pelos fundamentos expostos e que são apoiados na jurisprudência transcrita, com a decisão judicial impugnada, julga-se o recurso de Apelação do Autor parcialmente procedente, alterando-se, nessa medida, tal sentença, quanto à média do subsídio de agente único devida pela Ré nos anos de 2001 e 2002, com referência apenas aos subsídios de férias (2001 e 2002) e de Natal (2001). O – TRABALHO SUPLEMENTAR (HORAS EXTRAS) – APELAÇÃO DA RÉ Comecemos por abordar a remuneração referente ao trabalho suplementar prestado pelo Autor para a Ré. O Apelado apresenta o seguinte panorama, na sua Petição Inicial, no que concerne ao trabalho suplementar e trabalho noturno desenvolvido nos anos de 1996 a 2011: «16.º - Da análise dos citados Docs. 1 a 37, é possível retirar que o Autor prestou, igualmente, trabalho suplementar e receberam um subsídio de trabalho noturno com carácter de regularidade e periodicidade em todos os meses de atividade do ano, pelo que a média dos valores recebidos pelo Autor, a esse título, deve integrar o conceito de retribuição para os efeitos de cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e Natal, nos termos dos artigos 82° e 86° do Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969, artigo 6° do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, artigo 2° do Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho, artigos 250°, 254° e 255.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, e artigos 263.º, 264.º e 270.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, 17.º - Sendo, aliás, tal entendimento pacífico na jurisprudência, conforme, entre muitos outros, o Acórdão do STJ, de 16/12/2010 e o Acórdão da RP, de 14/06/2010, ambos disponíveis in www.dgsi.pt. 18.º - Face ao exposto, a este título, deve a Ré ao Autor na retribuição de férias e dos subsídios de férias e Natal dos anos de 1996 a 2011 a quantia de 10.107,27€, nos termos seguidamente discriminados:
São estes os únicos factos alegados pelo Autor com referência ao trabalho suplementar e ao trabalho noturno, que depois o trabalhador procura sustentar no conteúdo dos documentos n.ºs 1 a 37. Ora, o trabalho suplementar para o artigo 2.º, número 1, do DL n.º 421/83, de 2/12 é “todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho”, sendo que a cláusula 21.ª, número 1, do CCT de 1980, numa noção mais rigorosa, o define como aquele que é “prestado fora do período normal de trabalho” (sendo o período normal de trabalho o número de horas de trabalho que o trabalhador é obrigado a prestar em cada dia ou em cada semana e que, no caso dos autos, é de 40 horas semanais e 8 horas diárias, nos termos do Ponto 4 dado como Provado) estando, ao nível do CCT de 1980, regulado nas cláusulas 20.ª, 21.ª, 23.ª, 24.ª, 42.ª e 43.ª e ainda e em termos gerais, nos artigos 1.º, número 1, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 10.º, 11.º, 23.º, 24.º, 35.º, 37.º, 38.º do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27/09, artigos 1.º a 4.º da Lei n.º 21/96, de 23/07, artigos 2.º a 6.º e artigos 1.º a 7.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2/12, artigos 197.º a 204.º e 258.º do Código do Trabalho de 2003 e 226.º a 231.ºe 263.º do atual Código do Trabalho. Tendo este quadro jurídico como pano de fundo, ouça-se o que a nossa doutrina e jurisprudência referem, muito sintomaticamente, a propósito de tal instituto e da exceção contida na segunda parte do transcrito artigo 86.º da LCT. Segundo F. Tomás Resende, “a razão de ser de a lei, em princípio, não considerar como retribuição a remuneração devida e paga por trabalho extraordinário, reside no facto de tal remuneração corresponder a uma eventualidade de ganho e não apresentar, portanto, as características de predeterminação e garantia que tem a retribuição normal, sendo certo também que é esta que tende a satisfazer necessidades permanentes ou periódicas do trabalhador”. (“As prestações das partes”, Revista de Estudos Sociais e Corporativos, 32.º, 26 - referido por Abílio Neto, Contrato de Trabalho, Notas Práticas, 13.ª Edição, 1994, EDIFORUM, Lisboa, pág. 243, Nota 1). O trabalho suplementar, de acordo com as normas acima referenciadas e o autor citado, tem carácter excepcional, extraordinário (como expressivamente o classifica a LCT), eventual, ocasional, fortuito, intermitente, não devendo – nem podendo – ser executado com uma natureza permanente, continuada, habitual, duradoura. Quando, à revelia do regime legal, “as horas extraordinárias revistam as características de normalidade, regularidade ou permanência, a remuneração do trabalho suplementar, integra-se no salário a que deve atender-se para o cálculo da pensão” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10/12/1985, BMJ, 352.º, 434), no mesmo sentido indo o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 5/03/1987, CJ, 1987, Tomo 2.º, 319, quando afirma que “consideram-se integradas no conceito de retribuição, para todos os efeitos legais, as importâncias recebidas durante anos regular e continuamente por trabalho extraordinário e em domingos, desde a data da admissão do trabalhador até à data do seu despedimento”. Como diz o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/7/987, em Acórdãos Doutrinais, 312.º, 1617, “integram-se no domínio das retribuições todos os benefícios outorgados e que se destinam a integrar o orçamento normal do trabalhador, conferindo-lhe justa expectativa do seu recebimento”. Tenha-se ainda em atenção o que afirma Bernardo Xavier, no seu estudo, Introdução ao Estudo da Retribuição no Direito de Trabalho Português, na RDES, 1.º, 2.ª Série, n.º 1, pág. 90, relativamente à segunda parte do artigo 86.º da LCT: “ (...) Com essa fórmula perturbadora deve-se pretender dar cobertura a situações em que a habitualidade na prática de horas extraordinárias e a percepção das respectivas remunerações leva o trabalhador a contar com os respectivos quantitativos como complemento salarial”, e que é confirmado por António Menezes Cordeiro, Manual do Direito do Trabalho, 1997, Almedina, págs. 727 e 728: “Também aqui deve ser feita a distinção entre o maior trabalho efectivo, isto é, aquele que surge de modo inabitual ou não foi procurado pelas partes quando celebraram o contrato ou que não é permanente, e que obriga de facto a entidade empregadora a um pagamento também suplementar, e o trabalho regular. Neste último caso, a retribuição surge como um complemento à retribuição-base e não como verdadeira retribuição por maior trabalho” (cf., finalmente, António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, obra citada, pág. 471). Aliás, este último autor, muito significativamente, defende o seguinte: “O saber-se se uma certa prestação tem carácter retributivo interessa, em primeiro lugar, para a determinação do âmbito de vinculação do empregador com base no contrato de trabalho. Trata-se de responder, fundamentalmente, a esta primeira pergunta: está o empregador obrigado a cumprir tal prestação enquanto vigorar o contrato? Esta pergunta visa, no seu momento lógico, separar a obrigação da liberalidade (o devido do facultativo); e, num segundo momento, concretizar o âmbito da irredutibilidade que, nos termos do artigo 21.º, n.º 1, alínea c) da LCT, protege a retribuição. Aquilo que, nesta primeira perspectiva, houver que considerar retribuição será insusceptível de modificação unilateral do empregador. Tal insusceptibilidade dirá respeito não só ao valor, mas também ao título da atribuição patrimonial (que não poderá, assim, deixar de ser autonomamente mantido no esquema remuneratório do trabalhador), no caso de ter o seu suporte na lei, em instrumento de regulamentação colectiva ou em estipulação individual; e respeitará apenas ao valor da prestação (podendo o empregador alterar ou eliminar o respectivo título) se ela assentar na regulamentação interna ou na prática continuada da empresa (como sucede com certos prémios e comissões).” Impõe-se, finalmente, chamar à colação o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/12/2007[11] e com o qual tendemos a concordar, em termos de critério delimitador ou definidor do cariz regular e periódico deste tipo de prestação laboral ou de outras de índole similar: “(…) num período de um ano o exercício de trabalho suplementar e consequentemente a respectiva remuneração é prestado em menos de seis meses, em rigor não se pode afirmar que a prestação tenha carácter regular em termos que justifiquem a aplicação da 2.ª parte do citado artigo 86.º da LCT. Em nosso entender qualquer prestação que não tenha uma periodicidade certa e pré-determinada só poderá considerar-se regular se for prestada com alguma frequência, que terá de ser pelo menos de metade do ano. Menos do que isso não lhe permitirá deixar de ser uma prestação esporádica, e portanto, sem carácter retributivo”.[12] Perante tal quadro legal, doutrinário e jurisprudencial, não nos parece estar suficientemente provada a verosimilhança do direito alegado pelo Autor, dado não resultar dos autos as concretas circunstâncias de tempo, modo e lugar em que o mesmo, nos anos de 1996 a 2011, foi prestado, por forma a aferirmos com o rigor, certeza e objetividade juridicamente reclamadas pelas normas acima transcritas e indicadas, que tal aconteceu de uma forma regular e periódica, para efeitos da sua qualificação jurídica como retribuição[13]. Como já antes referimos, a respeito do subsídio de agente único, a mera remissão para os resumos anuais ou recibos mensais de vencimento não substituem a referida alegação, sendo certo que tais sínteses ou resumos se limitam a enumerar valores globais anuais, ficando-se sem saber ao certo quantas horas foram mensalmente executadas, em que meses e em quantos por cada ano em presença, já para não falar dos montantes pagos a esse título em cada 30 dias do calendário. P – TRABALHO NOCTURNO – APELAÇÃO DA RÉ Apreciemos agora o trabalho nocturno (que é convencionalmente definido como o que é executado, total ou parcialmente, entre as 20 horas de um dia e as 8 horas do dia seguinte) efectuado pelo Autor e que, em termos legais, se mostrava previsto nos artigos 29.º e 30.º do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27/09 (tendo a última norma indicada sido alvo de interpretação pelo Decreto-Lei n.º 348/73, de 11/07) e 7.º da Lei n.º 73/98, de 10/11, 192.º a 196.º e 257.º do C.T./2003 e 223.º a 225.º e 266.º do atual C.T./2009 (não encontramos nenhuma cláusula do CCT referenciada ao trabalho noturno). Verifica-se também, aqui que o Autor, ao longo dos referidos 16 anos, prestou trabalho noturno em condições de tempo, modo e lugar que não foram mínima e devidamente alegadas e provadas, não substituindo os documentos n.ºs 1 a 37 para onde o trabalhador remete, tal alegação, sendo que a documentação relativa aos anos de 1996 a 2010 é inconclusiva nessa matéria, por se traduzir em valores globais anuais e a do ano de 2001, pelos motivos antes expostos, não evidencia os 6 meses considerados por nós como o mínimo juridicamente relevante (só foi liquidado em 5 meses). Logo, pelos motivos jurídicos já expostos para o trabalho extraordinário, não pode ser igualmente considerado nesta sede e para efeitos da atribuição à execução desse trabalho noturno e da liquidação do respetivo subsídio da natureza jurídica de retribuição. Q – DIAS DE DESCANSO COMPENSATÓRIO NÃO GOZADOS – COMPENSAÇÃO – ANOS DE 2004 A 2012 – APELAÇÃO DA RÉ Debrucemo-nos sobre a última temática abordada pela recorrente nesta segunda Apelação e que se traduz na divergência com a sentença que, acolhendo a última pretensão do Autor, a condenou a «pagar ao Autor a quantia de 3.295,01 € a título de descansos compensatórios não gozados».[14] Impõe-se, acerca deste assunto, fazer como fizemos relativamente ao trabalho suplementar/noturno e reproduzir a alegação do Autor produzida na Petição Inicial: «19.º - Além das importâncias supra referidas, nos termos previstos no artigo 202.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, e artigo 229.º do Código do Trabalho do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, o trabalho suplementar prestado em dias úteis, feriados e descanso semanal complementar confere aos trabalhadores o direito a um descanso compensatório remunerado, correspondente a 25% das horas de trabalho suplementar prestado, que se vence e deve ser gozado nos noventa dias seguintes. 20.º - Porém, nunca a Ré concedeu ao Autor os descansos compensatórios devidos pelo trabalho suplementar realizado. 21.º - Trabalho esse que consta nos recibos de vencimento e acumulados anuais do Autor, cit. docs. 1 a 37, donde consta a discriminação do número de todas as horas suplementares realizadas, reconhecidas pela própria Ré, já que é esta que elabora os referidos documentos. 22.º - Assim, entre janeiro de 2004 e julho de 2012 o Autor realizou 3.532,75 horas de trabalho suplementar a que correspondem 880,93 horas de descanso compensatório, ou seja, 110,12 dias, conforme se discrimina:
- Cfr. Docs. 1 ao 37 23.º - Pelo que, a esse título, deve a Ré ao Autor a quantia total de 3.295,01€». A questão que se coloca aqui, à imagem do que, aliás, aconteceu com o subsídio de agente único, o trabalho suplementar e o trabalho noturno é se o Autor alegou os factos necessários e suficientes à procedência jurídica da sua pretensão de pagamento dos descansos compensatórios que não lhe foram concedidos. Impõe-se para isso atentar na circunstância do demandante alegar que prestou trabalho suplementar em dias úteis, feriados e dias de descanso complementar, tendo-o feito durante os referidos 9 anos ao longo de 3.532,75 horas e fundando tal número nos resumos anuais – 2004 a 2010 – e nos recibos de vencimento dos anos de 2011 e 2012. Sendo esse o período temporal em análise, são os artigos 202.º e 258.º do Código do Trabalho de 2003 e os artigos 229.º e 268.º do Código do Trabalho de 2009 (na sua versão original, antes da introdução das alterações pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, com entrada em vigor a 1 de Agosto de 2012), que são aplicáveis, possuindo os mesmos a seguinte redação: Artigo 202.º Descanso compensatório 1 - A prestação de trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar e em dia feriado confere ao trabalhador o direito a um descanso compensatório remunerado, correspondente a 25% das horas de trabalho suplementar realizado. 2 - O descanso compensatório vence-se quando perfizer um número de horas igual ao período normal de trabalho diário e deve ser gozado nos 90 dias seguintes. 3 - Nos casos de prestação de trabalho em dia de descanso semanal obrigatório, o trabalhador tem direito a um dia de descanso compensatório remunerado, a gozar num dos três dias úteis seguintes. 4 - Na falta de acordo, o dia do descanso compensatório é fixado pelo empregador. 5 - O descanso compensatório do trabalho prestado para assegurar o funcionamento dos turnos de serviço das farmácias de venda ao público é objeto de regulamentação em legislação especial. Artigo 258.º Trabalho suplementar 1 - A prestação de trabalho suplementar em dia normal de trabalho confere ao trabalhador o direito aos seguintes acréscimos: a) 50% da retribuição na primeira hora; b) 75% da retribuição, nas horas ou frações subsequentes. 2 - O trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado confere ao trabalhador o direito a um acréscimo de 100% da retribuição, por cada hora de trabalho efetuado. 3 - A compensação horária que serve de base ao cálculo do trabalho suplementar é apurada segundo a fórmula do artigo 264.º, considerando-se, nas situações de determinação do período normal de trabalho semanal em termos médios, que n significa o número médio de horas do período normal de trabalho semanal efetivamente praticado na empresa. 4 - Os montantes retributivos previstos nos números anteriores podem ser fixados em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. 5 - É exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador. Artigo 229.º Descanso compensatório de trabalho suplementar 1 - O trabalhador que presta trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em feriado tem direito a descanso compensatório remunerado, correspondente a 25 % das horas de trabalho suplementar realizadas, sem prejuízo do disposto no n.º 3. 2 - O descanso compensatório a que se refere o número anterior vence-se quando perfaça um número de horas igual ao período normal de trabalho diário e deve ser gozado nos 90 dias seguintes. 3 - O trabalhador que presta trabalho suplementar impeditivo do gozo do descanso diário tem direito a descanso compensatório remunerado equivalente às horas de descanso em falta, a gozar num dos três dias úteis seguintes. 4 - O trabalhador que presta trabalho em dia de descanso semanal obrigatório tem direito a um dia de descanso compensatório remunerado, a gozar num dos três dias úteis seguintes. 5 - O descanso compensatório é marcado por acordo entre trabalhador e empregador ou, na sua falta, pelo empregador. 6 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que estabeleça a compensação de trabalho suplementar mediante redução equivalente do tempo de trabalho, pagamento em dinheiro ou ambas as modalidades. 7 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.ºs 1, 3 ou 4. Artigo 268.º Pagamento de trabalho suplementar 1 - O trabalho suplementar é pago pelo valor da retribuição horária com os seguintes acréscimos: a) 50 % pela primeira hora ou fração desta e 75 % por hora ou fração subsequente, em dia útil; b) 100 % por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado. 2 - É exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador. 3 - O disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho nos termos do n.º 6 do artigo 229.º. 4 -Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 1. Ora, sendo este o quadro legal que regulou a situação dos autos entre 1 de Janeiro de 2004 e 31 de Julho de 2012 (sendo certo que o Autor sustenta as suas pretensões apenas em tal regime legal e não também no regime convencional, mesmo que se revelasse porventura mais favorável – cfr. Cláusula 43.ª do CCT[15]) e verificando-se, nesta matéria, uma uniformidade regulatória, no que toca aos diversos tipos de trabalho suplementar (dia útil, feriado e dia de descanso complementar) e por referência ao direito ao descanso compensatório (equivalente a 25% do tempo prestado em moldes extraordinários), assim como a alegação do número de horas totais que, a esse título, foram executadas nos cerca de 7 anos e meio que aqui estão em causa, resta saber se tal quantificação encontra suporte probatório suficiente nos resumos e recibos juntos como documentos n.ºs 9 a 37 (fls. 20 a 48). Ora, salvo melhor opinião, apenas os recibos de 2001 e 2012 consentem o apuramento concreto e exato das horas de trabalho suplementar, dado não conseguirmos descortinar nos resumos ou sínteses anuais o número de horas alegado pelo Autor e aceite pelo tribunal da 1.ª instância, sendo certo que a Ré impugnou tais elementos quantitativos (número de horas e valores pecuniários devidos), que segundo as nossas contas, se traduzem em 177,04 horas e em 45,56 horas de trabalho suplementar, peticionado o trabalhador, a esse respeito, nos anos de 2011 e 2102 175 horas e 6 minutos e 31 horas e 9 minutos (logo, períodos temporais inferiores aos por nós determinados). Quanto aos anos de 2004 a 2010, muito embora não se possa aferir, a partir de tais documentos e em concreto, o número de horas de trabalho suplementar desenvolvido nos mesmos, não existem dúvidas de que o Apelado em todos eles executou trabalho extraordinário em dia útil, em feriados e em dias de descanso semanal suplementar, o que lhe confere o direito a 25% dessas horas a título de descanso compensatório, que, não tendo sido cumprido no prazo legalmente fixado de 90 dias (e que é obrigatório, dado o legislador falar em “deve ser gozado”) após o seu vencimento, deve e pode ser compensado em termos pecuniários, relegando-se, contudo, a sua quantificação, para posterior incidente de liquidação, não obstante o disposto no artigo 75.º do Código do Processo do Trabalho e nos termos dos artigos 609.º, n.º 2 e 358.º e seguintes do NCPC. Logo, julga-se parcialmente procedente o recurso de Apelação da Ré nesta sua última vertente jurídica, com a inerente alteração da sentença recorrida. IV – DECISÃO: Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, no seguinte: a) Em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto por AA, nessa medida se alterando a sentença recorrida, no que concerne ao subsídio de agente único, condenando-se, nessa medida, a Ré a pagar ao Autor o montante de € 293,70, a título de média anual da referida prestação, nos anos de 2001 e 2002, com referência aos subsídios de férias (2001 e 2002) e subsídio de Natal (2001), acrescida dos juros de mora legais desde a data do vencimento de cada uma das quantias parcelares (€ 105,45 + € 105,45 + € 82,80) até ao seu integral pagamento. b) Em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto por RODOVIÁRIA DE LISBOA, SA, nessa medida se alterando a sentença recorrida, com a absolvição da Ré no que toca aos pedidos relativos ao trabalho suplementar e noturno contra ela formulados pelo Autor e a sua condenação em termos ilíquidos, no que concerne ao pagamento dos dias de descanso compensatório não gozados pelo Autor nos anos de 2004 a 31 de Julho de 2012, cujo número e/ou respetivo montante se relega, contudo e em termos de quantificação, para futuro incidente de liquidação, de acordo com o disposto nos artigos 609.º, n.º 2 e 358.º e seguintes do NCPC. Custas da ação e dos dois recursos de Apelação a cargo do Autor e da Ré, na proporção do decaimento, fixando-se em 80% e 20% aquele respeitante à ação e ao recurso de Apelação da Ré - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil. Registe e notifique. Lisboa, 01 de julho de 2015 José Eduardo Sapateiro Sérgio Almeida Jerónimo Freitas [1]«142.º - Do dia 02/07/2013 até ao dia 12/09/2013 a Ré concedeu ao Autor um total de 37 dias completos de descanso remunerado, o que fez a título e por conta dos descansos compensatórios por ele reclamados na presente ação. 143.º - Concretizando, o Autor gozou os referidos descansos compensatórios nas seguintes datas: a) Mês de Julho de 2013: dias 02, 04, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 19, 23, 24, 25, 26, 30 e 31; b) Mês de Agosto de 2013: dias 01, 02, 13, 14, 15, 16, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 30 e 31; c) Mês de Setembro de 2013: dias 03, 04, 05, 06, 09, 10, 11 e 12.» [2]O artigo 5.º da Lei n.º 21/2003, de 26/06, que aprovou o Novo Código de Processo Civil estatui, em termos de direito transitório, o seguinte: Artigo 5.º Ação declarativa 1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, é imediatamente aplicável às ações declarativas pendentes. 2 - As normas relativas à determinação da forma do processo declarativo só são aplicáveis às ações instauradas após a entrada em vigor do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei. 3 - As normas reguladoras dos atos processuais da fase dos articulados não são aplicáveis às ações pendentes na data de entrada em vigor do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei. 4 - Nas ações que, na data da entrada em vigor da presente lei, se encontrem na fase dos articulados, devem as partes, terminada esta fase, ser notificadas para, em 15 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que hajam apresentado, seguindo-se os demais termos previstos no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei. 5 - Nas ações pendentes em que, na data da entrada em vigor da presente lei, já tenha sida admitida a intervenção do tribunal coletivo, o julgamento é realizado por este tribunal, nos termos previstos na data dessa admissão. 6 - Até à entrada em vigor da Lei de Organização do Sistema Judiciário, competem ao juiz de círculo a preparação e o julgamento das ações de valor superior à alçada do tribunal da Relação instauradas após a entrada em vigor do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, salvo nos casos em que o Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 129, de 28 de dezembro de 1961, excluía a intervenção do tribunal coletivo. [3]O artigo 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26/6, possui a seguinte redação: Artigo 7.º Outras disposições 1 - Aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações agora introduzidas, com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei. 2 - O Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, não é aplicável aos procedimentos cautelares instaurados antes da sua entrada em vigor. [4]Na sequência, aliás, da posição adotada pela RODOVÁRIA DE LISBOA, SA nos artigos 9.º a 30.º da contestação e que se opunha aquela subscrita pelo Autor no artigo 2.º da Petição Inicial. A sentença recorrida invoca para o efeito o Acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, de 29.01.2014, processo n.º 737/12.1TTLSB.L1-4, relator: Jerónimo Freitas, publicado no sítio www.dgsi.pt, ao qual voltaremos no decurso deste Aresto. [5]A alegação do Autor nesta matéria não é clara, pois que no artigo 14.º da P.I. parece induzir o intérprete no sentido de só pretender reclamar tal subsídio de agente único entre 1996 e 2000, ao afirmar que a média do mesmo passou a ser integrado pela Ré na retribuição de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal a partir de 2001, para depois, no quadro do artigo seguinte exigir tal prestação entre 1996 e 2009, ao mesmo tempo que só a dá como liquidada nos moldes anteriormente referidos, a partir de 2004, sendo certo que omite ainda os anos de 2003, 2006, 2007 e 2008 a esse respeito. [6]«A Cláusula 16.ª do CCTV aplicável estabelece o seguinte: «1 - É agente único o motorista que em carreiras de serviço público presta serviço não acompanhado de cobrador-bilheteiro e desempenha as funções que a este cargo incumbem 2. A não aceitação por parte dos trabalhadores do Estatuto de Agente Único não pode dar origem a sanções disciplinares. 3 - A todos os motoristas de veículos pesados de serviço público de passageiros que trabalhem em regime de agente único será atribuído um subsídio especial de 25% sobre a remuneração da hora normal durante o tempo efetivo de serviço prestado naquela qualidade, com o pagamento mínimo correspondente a quatro horas de trabalho diário nessa situação» No tocante à interpretação deste normativo, a jurisprudência do STJ havia definido o seguinte entendimento: «I - O subsídio de agente único, previsto na cláusula 16ª do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ANTROP e a FESTRU para o Transporte Rodoviário de Pesados de Passageiros, destinado a compensar os motoristas pelo exercício cumulativo de funções de cobrador-bilheteiro, é calculado por referência ao efetivo tempo de condução em que o motorista atue nessa condição; II - Nesses termos, mesmo que o motorista desempenhe sempre as suas funções em regime de agente único, o referido subsídio é atribuído por referência ao tempo de condução efetiva, e não à remuneração mensal [proferido no processo n.º 06S3753, FERNANDES CADILHA, disponível em www.dgsi.pt]. Nesse pressuposto, revertendo ao caso, o que em primeiro lugar importa ter presente, é que essa incidência só poderá resultar da média dos valores que forem pagos – ou fosse devido o pagamento - mensalmente a esse título ao longo de cada ano. Assim, arrogando-se o A. no direito a reclamar o pagamento das diferenças entre o que lhe foi pago, nos anos de 1996 a 2002 e o que lhe deveria ter sido pago, o fundamento para sustentar o pedido teria que assentar na existência duma discrepância entre os tempos de prestação de trabalho considerados pela R. e aqueles em que eventualmente, o A. tenha atuado efetivamente na condição de agente único, isto é, competindo-lhe cobrar ou/e verificar os títulos de transporte. Significa isso que, nos termos gerais do ónus de prova (art.º 342.º 1 do CC), sobre o A. recaía o ónus de alegar e provar os factos necessários para demonstrar esse desfasamento. Isto é, os factos teriam que evidenciar que em determinados dias o A. atuou efetivamente na condição de agente único, mas sem que a Ré lhe tenha pago, no final do mês, pelo menos o subsídio calculado em conformidade com o estabelecido na cláusula 16.ª, observando pelo menos o mínimo ai estabelecido. Só a partir dessa prova é que, num passo seguinte, se poderia então concluir que a média dos valores pagos em cada mês a título de subsídio de agente único, destinada a integrar a retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, era inferior ao que pelo menos seria devido caso em cada um dos meses tivessem sido pagos os valores devidos. Com efeito, o número de horas diárias que tenham sido prestadas pelo autor no exercício efetivo da atividade de condução, em regime de agente único, é um facto constitutivo do direito ao subsídio de agente único por ele invocado para integrar as prestações retributivas em causa. E, sendo um facto constitutivo desse direito, sobre o autor impendia o ónus, nos termos do citado n.º 1 do art.º 342.º do CC, o ónus de alegar e provar os factos necessários. Porém, o Autor nada alegou a esse propósito, pois, como bem se percebe, inclusive pelas contra-alegações, não foi essa a interpretação que fez da cláusula 16.º do CCTV aplicável. O seu pedido alicerça-se no pressuposto de que seria bastante exercer funções de motorista em carreiras de serviço público em regime de agente único (a 100%), independentemente de tal pressupor, em concreto, o desempenho efetivo dessa condição (competindo-lhe efetivamente cobrar ou/e verificar os títulos de transporte). Ora, pelas razões que se vieram expondo, essa interpretação da cláusula 16.ª não é a correta e, consequentemente, atento o elenco factual apurado, não existe fundamento para sustentar o pedido, pelo que improcede a ação nesta parte.» [7]Ainda que não se concorde com a interpretação que fizemos de tal norma (restrita à retribuição-base) esse sustente que a menção aí feita respeita a todas as prestações retributivas auferidas pelos trabalhadores em 1/12/2003, afigura-se-nos, ainda assim, que tal ponderação tem de ser global, com referência aos montantes retributivos recebidos num determinado período (ano?) e não cirúrgica ou parcelar, quer em termos de modo como de tempo. [8]Ainda que o tenha começado a fazer em cumprimento da Cláusula 15.ª do CCT ANTROP/SITRA, que considera aplicável à relação laboral dos autos, assim se explicando também o pagamento faseado nos anos de 2001 e 2002. De qualquer forma, ainda que assim não fosse, tal subsídio de agente único representa manifestamente a contrapartida pecuniária de um modo de execução do trabalho de motorista mais oneroso e complexo em termos profissionais, por fazer cumular as tarefas próprias da condução dos autocarros de passageiros com a cobrança de bilhetes e manuseamento de dinheiro, que antes eram próprias do cobrador (que assim foi, como categoria profissional, progressivamente eliminada e reconvertida), o que lhe confere, inequivocamente, cariz retributivo, sendo que a Ré, no artigo 2.º, alínea a) da sua contestação confessa expressamente o seguinte: «Também se aceita como verdadeiro: a) que o Autor prestou trabalho em regime de agente único, sempre que a sua atividade se concretizou na realização de carreiras, o que significa que, nesse período e nesse tipo de serviço, conduziu desacompanhado de cobrador bilheteiro (parte dos artigos 5.º e 8.º PI)». Encaramos mesmo tal subsídio, após se ter generalizado e sedimentado como prática habitual, como uma componente genuinamente remuneratória que se veio adicionar à retribuição-base dos motoristas, como meio de compensação desse acrescento de funções e responsabilidade às originalmente convencionadas, sendo espelho da modificação da natureza jurídica de tal prestação (antes acessória, eventual ou complementar) em principal ou nuclear, a transcrita cláusula 15.ª do referido CCT ANTROP/SITRA, com efeitos desde 2001 (artigo 47.º da contestação – fls. 72 e 73). [9]Relatado pelo mesmo Juiz Conselheiro, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/4/2005, processo n.º 04S4453, publicado em www.dgsi.pt, possui o seguinte sumário: «I - O subsídio de agente único, previsto na cláusula 16.ª do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a D e a E para o Transporte Rodoviário de Pesados de Passageiros, destinado a compensar os motoristas pelo exercício cumulativo de funções de cobrador-bilheteiro, é calculado por referência ao efetivo tempo de condução em que o motorista atue nessa condição; II - Nesses termos, mesmo que o motorista desempenhe sempre as suas funções em regime de agente único, o referido subsídio é atribuído por referência ao tempo de condução efetiva, e não à remuneração mensal; III - Tendo o trabalhador recebido, sistematicamente e durante vários anos, suplementos remuneratórios a título de subsídio de agente único e de trabalho suplementar, essas verbas devem considerar-se como parte integrante da retribuição, relevando, em termos médios, para efeito do pagamento de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal (artigos 82.º e 84.º da LCT).» [10]Cujo número 4 possui uma redação idêntica à do número 3 da cláusula 16.ª do CCT dos autos. [11]Cfr., ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/02/2011, processo n.º 547/09.3TTGDM.P1, relatado pelo Juiz-Desembargador Eduardo Petersen Silva e publicado em www.dgsi.pt, quando sustenta, no seu Sumário, que «a remuneração por trabalho noturno, compensação especial, compensação por horário incómodo, compensação especial distribuição e diuturnidade especial, desde que pagas em pelo menos 6 dos 12 meses que antecederam a retribuição de férias e do subsídio de férias e de Natal integram a retribuição, devendo a respetiva média mensal integrar o pagamento da retribuição de férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal». [12]Não se ignora naturalmente a progressiva inversão de posição que nesta matéria o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a adotar (com especial incidência nos processos em que estão em causa as relações laborais estabelecidas entre a TAP e os seus empregados) e no quadro da qual só reconhece a existência da regularidade e periodicidade legalmente previstas, quando as prestações em apreço foram liquidadas ao trabalhador durante 11 meses/ano, mas tal tese continua a não merecer a nossa adesão, por se nos afigurar excessivamente exigente na interpretação que faz das normas legais aplicáveis, restringindo incompreensivelmente e distorcendo dessa forma o sentido e alcance das menções legais que impõem tal periodicidade e regularidade, transformando tais conceitos em constância e permanência, convindo, finalmente, recordar que algumas prestações laborais têm um ritmo diverso do mensal, podendo ser mesmo pagas de uma só vez, em termos anuais. Não obstante essa nossa divergência, seguro é que tal crivo bastante mais exigente do Supremo Tribunal de Justiça reforça a necessidade de uma alegação cuidada, quantificada temporalmente e discriminada por meses e anos, por parte do trabalhador que pretende a qualificação como retribuição de prestações como o pagamento do trabalho suplementar ou noturno. [13]Dir-se-á que, mesmo quanto ao ano de 2011, em que o Autor juntou recibos mensais de remuneração, a sua consideração por remissão, nos moldes procurados pelo trabalhador, não lograria o desiderato perseguido pelo mesmo, pois de tais documentos ressalta que somente em 5 meses foram liquidadas quantias a título de trabalho suplementar e subsídio noturno, o que não atinge os mínimos temporais de 6 meses acima sustentados (não se ignora que o recibo de Junho de 2011 – fls. 32 – refere uma hora extraordinária, mas quere-nos parecer que a mesma, pelo seu cariz pontual e isolado, não pode ser ponderada para efeitos da pretendida média do trabalho suplementar). Tal conclusão poderia eventualmente ser diversa, caso se tivesse a noção exata do que se tinha passado a esse respeito nos anos anteriores e imediatos, o que não é o caso (o ano de 2012 não tem todos os recibos juntos, entre Janeiro e Julho, que é o período alegado nos autos). [14]Tendo para o efeito desenvolvido a seguinte argumentação jurídica: «b) Do pagamento da quantia de 3.295,01 € relativa ao descanso compensatório não gozado; A noção de trabalho suplementar é-nos dada pelo n.º1 do art.º 197.º do CT 03, bem como pelo correspondente n.º 1 do art.º 226.º do CT 09, dai decorrendo considerar-se como tal o que é “prestado fora do horário de trabalho”. No que respeita ao descanso compensatório, o art.º 202.º do CT 03 dispõe o seguinte: [1]A prestação de trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar e em dia feriado confere ao trabalhador o direito a um descanso compensatório remunerado, correspondente a 25% das horas de trabalho suplementar realizado. [2]O descanso compensatório vence-se quando perfizer um número de horas igual ao período normal de trabalho diário e deve ser gozado nos 90 dias seguintes. [3]Nos casos de prestação de trabalho em dia de descanso semanal obrigatório, o trabalhador tem direito a um dia de descanso compensatório remunerado, a gozar num dos três dias úteis seguintes. [4]Na falta de acordo, o dia do descanso compensatório é fixado pelo empregador. [5]O descanso compensatório do trabalho prestado para assegurar o funcionamento dos turnos de serviço das farmácias de venda ao público é objeto de regulamentação em legislação especial. Para além disso, importa ainda considerar o n.º 2, do art.º 203.º, este dispondo: [2]«Quando o descanso compensatório for devido por trabalho suplementar não prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, pode o mesmo, por acordo entre o empregador e o trabalhador, ser substituído por prestação de trabalho remunerado com um acréscimo não inferior a 100%». Iremos seguir, nesta decisão, a solução preconizada na sentença acima referida, que passamos a citar: “Correspondem àquelas disposições, no CT/09, o art.º 229.º [Descanso compensatório de trabalho suplementar] e o n.º 2, do art.º 230.º, que na versão aqui aplicável, ou seja, a anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, dispunham o seguinte: [1]O trabalhador que presta trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em feriado tem direito a descanso compensatório remunerado, correspondente a 25 % das horas de trabalho suplementar realizadas, sem prejuízo do disposto no nº 3. [2]O descanso compensatório a que se refere o número anterior vence-se quando perfaça um número de horas igual ao período normal de trabalho diário e deve ser gozado nos 90 dias seguintes. [3]O trabalhador que presta trabalho suplementar impeditivo do gozo do descanso diário tem direito a descanso compensatório remunerado equivalente às horas de descanso em falta, a gozar num dos três dias úteis seguintes. [4]O trabalhador que presta trabalho em dia de descanso semanal obrigatório tem direito a um dia de descanso compensatório remunerado, a gozar num dos três dias úteis seguintes. [5]O descanso compensatório é marcado por acordo entre trabalhador e empregador ou, na sua falta, pelo empregador. [6]O disposto nos n.ºs 1 e 2 pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que estabeleça a compensação de trabalho suplementar mediante redução equivalente do tempo de trabalho, pagamento em dinheiro ou ambas as modalidades. [7]Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.ºs 1, 3 ou 4. [Art.º 230.º] [2]O descanso compensatório de trabalho suplementar prestado em dia útil ou feriado, com exceção do referido no n.º 3 do artigo anterior, pode ser substituído por prestação de trabalho remunerada com acréscimo não inferior a 100 %, mediante acordo entre empregador e trabalhador. Em suma, no que para aqui releva, destas normas, sem que haja alteração de relevo entre o CT 03 e o CT 09 (relembramos, na versão anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho), resulta o seguinte: A prestação de trabalho suplementar em dia a útil confere ao trabalhador o direito a descanso compensatório remunerado, correspondente a 25 % das horas de trabalho suplementar realizadas; ii) O descanso compensatório vence-se quando o número de horas acumuladas, segundo aquela regra, for igual ao período normal de trabalho diário; iii) Atingido esse ponto, o descanso compensatório deve ser gozado nos 90 dias seguintes à data de vencimento. iv) Nesse período de 90 dias, o gozo do descanso compensatório será definido por acordo, mas caso não o haja prevalece o poder de direção do empregador, que o marcará. Permite-se que esse descanso compensatório, dado ser reportado a trabalho prestado em dia útil, possa ser substituído por prestação de trabalho remunerado com um acréscimo não inferior a 100%, mas exigindo-se, para isso, que haja acordo entre o trabalhador e o empregador. Não tendo sido gozado o descanso compensatório no prazo devido nem tendo sido substituído por prestação de trabalho remunerado com acréscimo não inferior a 100%, por falta do acordo, não estabelece a lei qual a consequência jurídica que decorre desse facto para o empregador. Cabe agora indagar se este regime legal, estabelecido no CT 03 e no CT 09 (até às alterações introduzidas pela Lei n.º 12/2012),pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. Arrima-se a recorrente no CCTV aplicável, isto é, o celebrado entre a ANTROP – Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários e Pesados de Passageiros e a FESTRU – Federação dos Sindicatos Rodoviários e Urbanos, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 8, de 29.02.1980, com as alterações publicadas nos BTE, 1.ª série, n.ºs 14/1981, 14/1982, 14/1983, 10/1985, 15/1986, 15/1987, 23/1988, 15/1990 e 20/1999, argumentando que nele não se prevê o direito a descanso compensatório por trabalho suplementar prestado em dia útil (cláusula 43.º n.ºs 5 e 6). Vejamos, então. Consta dos aludidos números o seguinte: [5]Se o trabalhador prestar serviço em qualquer dos seus dias de descanso semanal terá direito a descansar obrigatoriamente um dia completo de trabalho num dos três dias úteis seguintes por cada dia de serviço prestado, independentemente do disposto no n.º 1 e 2 desta cláusula» (o n.º 1 estabelece o valor da retribuição adicional devida pelo trabalho extraordinário prestado; e, o n.º 2, estabelece o método de cálculo do valor hora para efeitos de trabalho extraordinário). [6]Por cada dia de descanso semanal ou período em serviço no estrangeiro, o trabalhador, além do adicional referido nos n.ºs 1 e 2 desta cláusula, tem direito a um dia de descanso complementar, gozado seguido e imediatamente à sua chegada”. É indiscutível que esta cláusula não contempla as situações de prestação de trabalho suplementar em dia útil (nem qualquer outra, como se constata percorrendo o CCTV aplicável). Contudo, tal não pode significar, sem mais, que se devam ter por afastadas aquelas normas legais. Desde logo, note-se, o CCTV apenas não prevê as situações de prestação de trabalho suplementar em dia útil, ou seja, é omisso quanto a isso, o que é diferente de afirmar não haver lugar a descanso compensatório ou o direito a descanso compensatório num regime mínimo inferior. Para além disso, a redação da cláusula do CCTV é anterior ao CT 03, mantendo-se inalterada, o que evidencia que esta matéria não foi sequer objeto de negociação coletiva que tenha tido em conta o estabelecido no CT 03 quanto ao direito a descanso compensatório por trabalho prestado em dia útil. Por último, atento o conteúdo das normas legais em causa, o seu afastamento por IRCT em sentido desfavorável, isto é, contrariando um regime legal mínimo de descanso compensatório, não é admissível (art.º 4.º 1 e 2 do CT/03 e 3.º 1 e 3, do CT 03). Note-se que apenas o CT/09 veio permitir que o direito ao descanso compensatório estabelecido nos n.ºs 1 e 2, do art.º 229.º possa ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, mas desde “que estabeleça a compensação de trabalho suplementar mediante redução equivalente do tempo de trabalho, pagamento em dinheiro ou ambas as modalidades” [n.º 6, do mesmo artigo]. A recorrente procura ultrapassar esse obstáculo apelando ao art.º 1.º n.º 3, do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, argumentando que o mesmo afasta expressamente a aplicação daquele regime do CT 03 e 09, para fazer prevalecer o CCTV. O artigo 1.º do invocado diploma, dispõe o seguinte: [1]O presente decreto-lei regula determinados aspetos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em atividades de transporte rodoviário efetuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, adiante referido como regulamento, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos Que Efetuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), aprovado, para ratificação, pelo Decreto n.º 324/73, de 30 de Junho. [2] O presente decreto-lei transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem atividades móveis de transporte rodoviário. Não se justifica aqui grandes considerações sobre o diploma, mas desde logo importa saber se o mesmo se aplica à situação em causa. A questão é pertinente, na medida em que, como se elucida no Acórdão da Relação de Coimbra de 11-03-2010, o diploma em causa apenas se aplica à regulação dos tempos de trabalho das pessoas que exercem atividades móveis de transporte rodoviário ou afetos à exploração de veículos automóveis, dispensados da utilização do aparelho de registo previsto no REG (CE) nº 381/85; enquanto que para condutores sujeitos à utilização do tacógrafo, vigora o Regulamento (CE) nº 561/2006, o qual estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros. Mas para melhor elucidação atente-se no respetivo sumário (na parte aqui relevante): - «III – O Dec.-Lei n.º 237/07, de 19/06, não padece do vício de inconstitucionalidade orgânica. IV – O Dec.-Lei nº 237/07, de 19/06, procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva nº 2002/15/CE de 11/03, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas (trabalhadores) que exerçam atividades móveis de transporte rodoviário efetuado em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) nº 3820/85, de 20/12, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que Efetuem Transportes Internacionais Rodoviários (AETR) aprovado, para ratificação, pelo Dec. Lei n.º 324/73, de 30/06. V – A Diretiva n.º 2002/15/CE apenas abrange os trabalhadores móveis que trabalham para uma empresa de transportes estabelecida num Estado-Membro e que participam em atividades móveis de transporte rodoviário abrangidas pelo Regulamento (CEE) nº 3820/85 ou, quando aplicável, pelo Acordo AETR. VI – A Diretiva 2002/15/CE ao referir-se apenas às atividades abrangidas pelo REG 3820/85, exclui do seu âmbito a atividade de transporte rodoviário sujeita ao regime do REG 3821/85, de 20/12, pelo que o Dec. Lei nº 237/07 apenas se aplica à regulação dos tempos de trabalho das pessoas que exercem atividades móveis de transporte rodoviário ou afetos à exploração de veículos automóveis, dispensados da utilização do aparelho de registo previsto no REG (CE) nº 381/85. VII – Para condutores sujeitos à utilização do tacógrafo, vigora o Regulamento (CE) nº 561/2006, que estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros. [proferido no processo n.º 608/09.9TTVIS.C1 Felizardo Paiva, disponível em www.dgsi.pt]. Ora, conforme decorre da al. b) do n.º 1, do artigo 2.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu do Conselho, de 15 de Março de 2006, o regulamento aplica-se ao transporte rodoviários “De passageiros, em veículos construídos ou adaptados de forma permanente para transportar mais de nove pessoas, incluindo o condutor, e destinados a essa finalidade”. Assim sendo, parece forçoso concluir que o Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, nem sequer tem aplicação no caso concreto, dado que atividade desenvolvida pela Ré é a de transporte de passageiros, acrescendo, como é facto público e notório, que é prosseguida com o recurso a “veículos construídos ou adaptados de forma permanente para transportar mais de nove pessoas, incluindo o condutor, e destinados a essa finalidade”. Mas mesmo que assim não fosse, a disposição invocada apenas diz que “O disposto nos artigos 3.º a 9.º prevalece sobre as disposições correspondentes do Código do Trabalho”. Ora, no essencial, essas disposições respeitam às matérias seguintes: [3.º]Respeita ao dever de informação do empregador, dizendo que sem prejuízo do disposto nos artigos 97.º a 101.º do Código do Trabalho, inclui ainda os limites à duração do trabalho, os intervalos de descanso e os descansos diário e semanal. [4.º]Dispõe, no caso de trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20 de Dezembro, alterado pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, ou previsto no AETR, sobre as indicações que devem conter o registo do número de horas de trabalho prestadas a que se refere o artigo 162.º do Código do Trabalho (1); a forma a que deve obedecer o registo (2); e, deveres do empregador relativos à manutenção dos registos e entrega ao trabalhador (3). [5.º]Dispõe que o tempo de disponibilidade, cuja noção é dada na alínea c) do artigo 2.º, não é considerado tempo de trabalho. [6.º]Rege sobre os limites de duração do trabalho semanal dos trabalhadores móveis, incluindo trabalho suplementar. [7.º]Estabelece exceções aos limites da duração do trabalho. [8.º]Disciplina os intervalos de descanso dos trabalhadores móveis. [9.º]Disciplina o regime de descanso diário e descanso semanal dos trabalhadores móveis. Assim, como facilmente se alcança, nenhuma delas se ocupa da regulação do regime de descanso complementar por prestação de trabalho suplementar, o que vale por dizer que em caso algum estariam afastadas as disposições do CT 03 e CT 09 acima enunciadas. Concluindo, a disciplina legal sobre o direito a descanso compensatório pela prestação de trabalho suplementar em dia útil aplica-se ao caso, não sendo afastada pelo CCTV aplicável. Passemos à segunda linha de argumentação da recorrente, que consiste na afirmação de que os CT 03 e CT 09 não reconhecem o direito a ser recebida a retribuição correspondente ao dia de descanso compensatório não gozado. E, com efeito assim acontece. O que a lei reconhece ao trabalhador que preste trabalho suplementar em dia útil, é o direito a gozar o descanso compensatório nos 90 dias seguintes ao vencimento desse direito; ou, em alternativa, mas desde que haja acordo entre o empregador e o trabalhador, admite que o descanso compensatório seja substituído por prestação de trabalho remunerado com um acréscimo não inferior a 100%. Porém, não estabelece a lei qual a consequência jurídica em caso de incumprimento do empregador, quando o trabalhador adquire o direito ao descanso compensatório e não vê esse direito ser satisfeito, quer através do gozo desse descanso, quer pela substituição por prestação de trabalho remunerado com acréscimo não inferior a 100%, em qualquer caso no prazo de 90 dias fixado na lei para o cumprimento dessa obrigação. É essa a precisamente a situação aqui configurada, sendo de ter presente que no caso não existia qualquer acordo entre a Ré empregadora e o trabalhador visando a substituição do descanso compensatório por trabalho remunerado com acréscimo não inferior a 100%. É, pois, nesse quadro que o Autora vem pedir uma compensação pecuniária correspondente aos descansos compensatórios não gozados, devidos pela prestação de trabalho suplementar em dias úteis a título de descanso compensatório não gozado nem pago. E, como provado, na verdade prestou trabalho suplementar em dias úteis, sem que tenha gozado descanso compensatório, o que significa que a Ré, contrariamente ao dever que sobre ela recaía, não lhe concedeu o gozo dos períodos de descanso compensatório correspondentes ao trabalho suplementar prestado em dias úteis, por acordo ou, caso não o houvesse, determinando-lhe o cumprimento, nos 90 dias seguintes ao vencimento do direito. Mas significa também, em termos lógicos, que se não gozou o descanso compensatório, então necessariamente o Autor trabalhou nos dias em que o devia ter gozado, isto é, nos 90 dias seguintes ao vencimento do direito, por imposição da Ré. E, se trabalhou, naturalmente recebeu a correspetiva retribuição, embora sem o acréscimo legal. Ora, se a situação é essa, tal equivale a dizer, na prática, que a Ré exigiu ao Autor a prestação de trabalho - sem lhe conceder os descansos compensatórios dentro do prazo de 90 dias – atuando como se houvesse acordo de substituição do descanso compensatório por prestação de trabalho remunerado com o acréscimo de 100%, pois só nesse caso o descanso pode deixar de ser gozado nos 90 dias seguintes ao vencimento desse direito, para ser substituído por trabalho remunerado com acréscimo, o que também deverá ocorrer no mesmo prazo. Neste quadro, a posição da Ré, escudando-se na falta do acordo exigido na Lei para recusar pagar-lhe qualquer acréscimo não pode ser acolhida, nem mesmo sob o argumento de que se verifica uma situação de mora, apenas devendo ser reconhecido ao Autor direito ao gozo do descanso compensatório.” Fim de citação. Por estas razões o Autora tem direito a haver o pagamento reclamado nos autos relativo à quantia de 3.295,00€ a título de descanso compensatório não gozado.» [15]Importa dizer que estamos absolutamente de acordo com a sentença recorrida no que toca à aplicação de tal regime legal e ao seu não afastamento pelas Diretivas Comunitárias e pelos diplomas nacionais que virem dar corpo e expressão às mesmas, limitando-nos, nessa matéria, a reiterar o que ali se deixou dito e que se mostra transcrito numa Nota de Pé de Página anterior. | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Decisão Texto Integral: |