Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6898/11.0TBCSC.L1-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
TRANSACÇÃO JUDICIAL
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
VALIDADE
COMISSÃO DE CREDORES
CONSENTIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/12/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA
Sumário: I- Sobre a transacção judicial terá de recair uma sentença homologatória, sem o que o acordo das partes não produz efeito (art.º 300.º, n.º 3 do C.P.C);
II- Todavia, a função dessa sentença não é decidir a controvérsia substancial, mas apenas fiscalizar a regularidade e a validade do acordo. Por isso, pode afirmar-se que a verdadeira fonte da resolução do litígio é o acto de vontade das partes e não a sentença homologatória proferida pelo Juiz;
III- A transacção (como negócio das partes) vale por si, sendo a intervenção do Juiz de mera fiscalização sobre a legalidade do objecto desse contrato e da qualidade das pessoas que o celebram, não conhecendo do mérito, antes sancionando a solução que as partes encontraram para a demanda;
IV- A homologação judicial deste tipo de acordo não traduz a resolução do litigio, mas tão-somente, o sindicar da validade da transacção, quer na perspectiva da legitimidade dos outorgantes, quer da substância do objecto;
V- A homologação da transacção, necessária apenas para apreciação da legalidade dos seus pressupostos quanto ao objecto e à qualidade dos intervenientes, não lhe retira, contudo, o carácter e natureza contratual, pelo que, como contrato que é (art.º 1248.º do Código Civil), a transacção está sujeita ao respectivo regime geral (arts. 405.º e segs do Cód. Civil) e ao regime geral dos negócios jurídicos (arts. 217.º e segs. do mesmo diploma);
VI- Por isso, o trânsito em julgado da sentença proferida sobre a transacção não obsta a que se intente acção destinada à declaração da sua nulidade ou à sua anulação, sem prejuízo da caducidade do direito a esta última (art. 301.º, n.º 2, do C.P.C);
VII- De qualquer modo, o recurso da sentença homologatória duma transacção apenas pode incidir sobre um vício da própria decisão homologatória e não sobre o mérito da transacção homologada, a validade intrínseca do contrato de transacção celebrado entre as partes;
VIII- Assim sendo, o recurso a interpor da sentença homologatória duma transacção não constitui a sede própria para se pôr em causa a validade substantiva do contrato de transacção;
IX- Além disso, não estavam em causa na presente acção declarativa de condenação quaisquer direitos de natureza indisponível, uma vez que o objecto da transacção incidiu sobre direitos de indemnização que estão na livre disponibilidade das partes;
X- A transacção foi celebrada por quem detinha poderes para o efeito, porquanto o Administrador de Insolvência que outorgou a transacção (em representação da Ré/Apelada) está legalmente munido de legitimidade para tal (art.º 81.º, n.º 4 do C.I.R.E);
XI- O art.º 163.º do C.I.R.E. estatui, expressamente, que a não obtenção, pelo Administrador de Insolvência, do consentimento prévio da Comissão de Credores, quando exigível, não constitui, em caso algum, causa de ineficácia dos actos praticados pelo Administrador de Insolvência;
XII- O disposto no art.º 161.º, nºs 4 e 5, do C.I.R.E., não tem qualquer aplicabilidade ao caso concreto, contemplando tão só as situações em que esteja eminente uma venda por negociação particular (mas já não os casos – como o dos presentes autos - em que se esteja perante a celebração duma transacção judicial, no âmbito da qual não existe qualquer venda).
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa:
F e D, na qualidade de sócios da sociedade “S, LDA., EM LIQUIDAÇÃO”, inconformados com a Sentença proferida em .../2012 -  na acção declarativa de condenação intentada contra esta sociedade por “SM, S.A.” – que homologou a transacção constante do requerimento conjunto apresentado em 20/11/2012 pela Autora daquela acção e pelo Administrador de Insolvência da Ré/Reconvinte, interpôs recurso da mesma decisão - que foi recebido como de apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (arts. 691º, nº 1, 691º-A, nº 1, al. a), e 692º, nº 1, todos do Código de Processo Civil [na redacção introduzida pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto, aplicável por força do disposto no artigo 11º, nº 1 do mesmo diploma]), tendo rematado as alegações que apresentaram com as seguintes conclusões:
«A) A sentença objecto do presente recurso é nula por violação do estatuído no n.º 3 do art. 300º do CPC, conjugado com o n.º 8 do art. 55º do CIRE e art. 161º do CIRE;
B) A sentença objecto do presente recurso deverá ser considerada ineficaz, nos termos do art. 163º do CIRE, no sentido de não ser permitido ao A. e R, na pessoa do actual administrador de insolvência, transacionarem como o fizeram, violando com isso os deveres de defesa dos interesses dos credores do insolvente, do devedor e dos ora recorrentes na sua qualidade de sócios do devedor, correspondendo a mesma a uma actuação dolosa e a um uso anormal do processo, tal como se encontra previsto no art. 665º do CPC, violando os deveres previstos na al. b) do n.º 1 do art. 55º do CIRE e art. 161º do CIRE. Devendo o processo continuar até ao julgamento, produção de prova e decisão de direito.»
A parte contrária (a sociedade SM, S.A. – Autora/Reconvinda na referida acção) contra-alegou, pugnando pela improcedência do aludido recurso  e pela consequente manutenção da decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões:
«1. Através do presente recurso a Recorrente invoca uma pretensa nulidade da sentença homologatória da transacção objecto do recurso a que ora se responde.
2. Todavia, o que a Recorrente põe verdadeiramente em causa nas suas alegações é a validade da própria transacção homologada - não da sentença homologatória.
3. O recurso da sentença homologatória apenas pode incidir sobre um vício da própria decisão homologatória e não sobre o mérito da transacção homologada.
4. Conforme resulta do artigo 301.º do C.P.C., a validade da transacção homologada só pode ser posta em causa através de acção de anulação intentada para o efeito, podendo a sentença homologatória ser revista caso venha a proceder a anulação de decisão homologada.
5. Resulta então que, a sede própria por em causa a decisão de transigir e os termos desta, qualquer que seja o motivo, não é através do presente recurso.
6. Acresce que, a sentença que homologou a transacção celebrada não enferma de nenhum vício, muito menos de nulidade.
7. Porquanto, nos termos do disposto no Art. 300.º, n.º 3 do CPC, ao Juiz que homologa a sentença cumpre avaliar se estão preenchidos os seguintes requisitos:
i) Legalidade do objecto da transacção,
ii) Qualidade das pessoas que nela intervieram.
8. Ao Juiz não cabe assim uma apreciação de mérito do conteúdo da transacção.
9. De facto, a doutrina e jurisprudência são unânimes no sentido de que “A transacção sobre o objecto de uma causa é um contrato processual, sendo a intervenção do juiz, quando a homologa, de mera fiscalização da legalidade do objecto desse contrato e da qualidade das pessoas que contrataram.(…)”(Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15.1.1975, disponível em BMJ, 244.º - 331).
10. No mesmo sentido, e a titulo de um entre tantos outros exemplos, se esclarece em Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 27-05-2010 (disponível em www.dgsi.pt) o seguinte:
A sentença que homologa a transacção – embora seja considerada como sentença de mérito – não conhece da substância da causa e a sua função é apenas a de fiscalizar a regularidade e validade do acto (art. 300º, nº 3), de tal forma que, como refere o Prof. Alberto dos Reis[5], “…a verdadeira fonte da solução do litígio é o acto de vontade das partes e não a sentença do juiz”.
Ou seja, a sentença que homologa a transacção limita-se a apreciar e validade e regularidade do negócio celebrado pelas partes e, concluindo pela sua validade, confirma os termos e efeitos desse contrato, absolvendo ou condenando nos termos que resultam da transacção.”
11. No caso em apreço resulta evidente que se encontram cumpridos os requisitos formais para a homologação da transacção em causa.
12. Não estão em causa direitos de natureza indisponível.
13. O objecto da transacção incide sobre direitos de indemnização que estão na livre disponibilidade das partes.
14. O conteúdo da transacção é lícito, pois não viola qualquer disposição legal ou direito subjectivo.
15. A transacção foi celebrada por quem detinha poderes para o efeito, porquanto o Administrador de Insolvência que outorgou a transacção em representação da Recorrida, está legalmente munido de legitimidade para tal.
16. Durante a pendência da acção, na sequência de pedido de insolvência requerido pelos trabalhadores da Ré (sem qualquer intervenção da aqui Autora, ora Recorrida), a Ré foi declarada insolvente, por sentença datada de 26/04/2012.
17. Por este motivo, imediatamente o Administrador de Insolvência substituiu a Insolvente na presente acção, independentemente da apensação ao processo de insolvência ou do acordo da parte contrária.
18. A privação do Insolvente da administração e disposição dos seus bens é, aliás, um dos efeitos imediatos da insolvência, cabendo ao Administrador de Insolvência a representação do devedor para qualquer acto de carácter patrimonial, nos termos do art. 81.º do C.I.R.E.
19. A legitimidade do administrador de insolvência para celebrar a transacção decorre claramente do Art. 81.º, n.º 4 do C.I.R.E.
20. Bem como do Art. 85.º, n.º 3 do mesmo CIRE.
21. Dúvidas não restam de que os requisitos legais para a validade da sentença homologatória foram devidamente cumpridos pelo Mmo. Juiz a quo.
22. No entanto, e à cautela, sempre se dirá que a decisão de transigir foi validamente tomada por quem tinha competência e interesse.
23. Na verdade, logo na primeira reunião da comissão de credores, empossada pelo tribunal em assembleia da credores de 29/06/2012 foi discutida a situação da presente acção judicial, tendo a comissão, estando presentes todos os seus membros e o administrador de insolvência, deliberado, por unanimidade, pela desistência do pedido reconvencional deduzido contra a Recorrente, conforme Acta n.º 1, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzida sob Doc. 1.
24. Foram, pois integralmente cumpridos todos os requisitos legalmente impostos no tocante às deliberações da comissão de credores, nos termos e para os efeitos do artigo 69.º do C.I.R.E.
25. Assim, não só o Administrador de Insolvência, quando desistiu da presente acção, fê-lo em conformidade com a deliberação da comissão de credores, respeitando assim os termos do disposto no art. 55.º, n.º 8 do C.I.R.E., como agiu de modo a evitar que a massa insolvente tivesse custos acrescidos com a pendência da acção.
26. A Administrador de Insolvência agiu assim dentro daquelas que eram as suas estritas competências e de acordo com a vontade dos maiores credores.
27. No que concerne à alegação dos Recorrentes relativa à necessidade de um crivo judicial do Juiz, nos termos do n.º 4 e 5 do Art. 161.º do CIRE, tal carece de qualquer fundamento.
28. Trata-se de um argumento que não tem qualquer relevância para a decisão do presente recurso.
29. De facto, o que mais uma vez a o que a Recorrente pretende por em causa é a validade da decisão da comissão de credores que esteve subjacente à transacção e não a validade da sentença homologatória.
30. A disposição invocada não tem qualquer aplicabilidade ao caso concreto
31. O disposto no art. 161.º, n.º 4 e n.º 5 destina-se às situações em que esteja eminente uma venda por negociação particular e não aos casos em que se esteja perante a celebração de uma transacção judicial, no âmbito da qual não existe qualquer venda.
32. Acresce que, o que se pretende com a disposição do art. 161.º, n.º 5, não é um consentimento judicial do acto de venda em si, mas apenas a possibilidade de demonstrar que a alienação a outro interessado seria mais vantajosa: está em causa o sujeito activo do negócio e não o negócio.
33. Na melhor das hipóteses, sempre se poderia invocar o artigo 161.º, n.º 1 do C.I.R.E. sobre a necessidade de consentimento da comissão de credores no tocante à prática de actos jurídicos de especial relevo, consentimento que foi efectivamente deliberado pela comissão de credores, como supra melhor se expôs.
34. Deste modo, tal alegação não faz qualquer sentido e consequentemente não deve ser atendida.
35. Alegam ainda os Recorrentes que “é estranho que o administrador de insolvência não tenha apensado ao processo de insolvência os presentes autos” e de que só se a apensação tivesse ocorrido é que “os restantes credores estariam atentos àquilo que o administrador considerasse adequado”.
36. Em primeiro lugar, a apensação não é uma obrigação decorrente do artigo 85.º, n.º 1 do C.I.R.E., pelo contrário: a apensação é uma faculdade conferida ao administrador de insolvência, “com fundamento na conveniência para os fins do processo”.
37. Em segundo lugar, não houve qualquer intenção em esconder dos demais credores nenhuma actuação, porquanto, reitere-se, a actuação derivou da vontade dos próprios credores sendo, naturalmente, o Administrador de Insolvência apenas o instrumento com competência para agir em conformidade com o que tiver sido decidido pela comissão de credores.
38. Assim, em resultado, se a comissão de credores tinha pleno conhecimento do processo e, nesses termos, decidiu desistir do pedido reconvencional, deixou de existir qualquer interesse para a massa que o processo viesse a ser apensado.
39. Uma vez mais, não existe aqui nenhuma violação nem do artigo 85.º, n.º 1, nem do artigo 161.º do C.I.R.E.»
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
A  DECISÃO  RECORRIDA
A Decisão que constitui objecto do presente recurso de apelação é do seguinte teor :
«Atento o objecto e a qualidade das partes, homologo a transacção constante do requerimento que antecede, condenando-se as partes a cumpri-la nos seus precisos termos, incluindo em sede de custas, sem prejuízo da isenção peticionada.
Registe e notifique.».
O OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2).
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelos ora Apelantes que o objecto do presente recurso está circunscrito a uma única questão:
1) Se é inválida a transacção celebrada pelo Administrador de Insolvência duma empresa, nos termos da qual a sociedade insolvente por ele representada desiste, sem mais, do pedido reconvencional por si formulado na acção, visando o reconhecimento dum crédito sobre a autora da mesma acção, no montante de € 6.855.446,72, sem que, para tanto, o Administrador da Insolvência tenha obtido o consentimento prévio da Comissão de Credores.
FACTOS  PROVADOS
 Mostram-se provados os seguintes factos, com relevância para o julgamento do mérito do recurso:
1) Na presente acção declarativa de condenação, a Autora [“SM, S.A.”] formulou contra a Ré [“S, LDA.”] os seguintes pedidos:
a) ser a Ré condenada no pagamento de € 695.451,14 a título de pagamento do preço dos produtos fornecidos e não pagos;
b) ser a Ré condenada no pagamento de € 1.483.375,50 (um milhão quatrocentos e oitenta e três mil, trezentos e setenta cinco euros e cinquenta cêntimos) a título de lucros cessantes pelo incumprimento dos termos do Acordo de distribuição celebrado entre a Autora e Ré;
c) ser a Ré condenada no pagamento de € 214.024,12 (duzentos e catorze mil e vinte e quatro euros e doze cêntimos) a título de lucros cessantes pelo incumprimento dos termos do Acordo de distribuição verbal celebrado entre as partes;
d) ser a Ré condenada no pagamento de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), a título de danos de imagem, acrescidos de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
2) Por sua vez, a Ré deduziu reconvenção contra a Autora, formulando contra esta os seguintes pedidos condenatórios:
a) A título de violações do contrato e aplicação de cláusula penal, a quantia de € 4.262.961,18, ou em alternativa caso o tribunal entende que o valor a considerar na aplicação da cláusula penal, é o valor da maior factura, a quantia de € 1.062.711,48;
b) A título de indemnização por lucros cessantes, a quantia de € 1.129.399,00;
c) A título de indemnização por danos emergentes, a quantia que provisoriamente se liquida em € 500.000,00, sem prejuízo de em execução de liquidação de sentença o valor ser alterado em conformidade com os danos efectivamente incorridos pela R;
d) A título de indemnização de clientela, a quantia de € 312.279.00;
e) A título de retoma de stock, a obrigação de readquirir o stock vendido à R., quer o que se encontra na sua posse quer o que se encontra arrestado, mas a que a R. valoriza em € 375.807,54, sem prejuízo da devida aferição do material retomado em relação ao valor facturado;
f) A título de danos não patrimoniais, a quantia de € 250.000,00;
g) A título de litigância de má fé, a quantia de € 25.000,00 e em multa que o tribunal entender adequada.
3) Por sentença proferida em .../2012, no Proc. nº ... do 1º Juízo do Tribunal do Comércio de L..., a aqui Ré “S, LDA.” foi declarada Insolvente;
4) Em requerimento conjunto apresentado em 20 de Novembro de 2012 e subscrito pela Mandatária da Autora, munida de procuração com poderes especiais para desistir, e pelo Administrador da Insolvência da Ré, as partes vieram aos autos declarar o seguinte:
- Sem prejuízo do crédito já reconhecido à Autora sobre a massa insolvente da Ré, a Autora desiste da instância quanto ao pedido deduzido contra a Ré, constante da alínea a) da petição inicial, de pagamento do preço dos produtos fornecidos pela Autora á ré, e não pagos, no montante de € 695.451,14, acrescido de juros de mora<<<<<<<,
- A Autora desiste dos demais pedidos formulados contra a Ré nas alíneas b) a e) da petição inicial;
- A Ré desiste do pedido reconvencional formulado contra a Autora;
- Ambas as desistências são efectuadas sob a condição de homologação mútua e em simultâneo;
- Mais se requer, ao abrigo do artigo 5º da Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro, a dispensa de pagamento das taxas de justiça e dos encargos que sejam devidos a juízo, prescindindo ambas as partes de custas de parte e procuradoria na parte disponível.
Termos em que requerem a V. Exª se digne homologar as desistências com a consequente extinção da acção;
5) Por sentença proferida em ... de 2012, a transacção constante do requerimento aludido em 4) foi homologada, atento o respectivo objecto e a qualidade das partes, tendo as partes sido condenadas a cumpri-lo nos seus precisos termos, incluindo em matéria de custas, sem prejuízo da isenção tributária peticionada.
O  MÉRITO  DO  RECURSO
1) É inválida a transacção celebrada pelo Administrador de Insolvência duma empresa, nos termos da qual a sociedade insolvente por ele representada desiste, sem mais, do pedido reconvencional por si formulado na acção, visando o reconhecimento dum crédito sobre a autora da mesma acção, no montante de € 6.855.446,72, sem que, para tanto, o Administrador da Insolvência tenha obtido o consentimento prévio da Comissão de Credores ?
Os Apelantes (que, apesar de não serem partes na causa, fundam a sua legitimidade recursória na alegação de que a decisão recorrida lhes causa um prejuízo directo e efectivo, nos termos e para os efeitos do art. 680º, nº 2, do CPC de 1961, dada a sua qualidade de qualidade de sócios da sociedade S, LDA, EM LIQUIDAÇÃO, visto que sentença homologatória, objecto de recurso, é, por si só, atentatória dos direitos dos recorrentes,  já que prescinde de um litígio que, a ser procedente, iria permitir pagar aos credores da sociedade insolvente e ainda permitir pagar aos recorrentes as quantias indemnização a que eles se julgam com direito) alegam – nuclearmente - que a sentença homologatória da transacção celebrada (na presente acção declarativa de condenação) entre, de um lado, a Autora (representada pela respectiva Mandatária, munida de procuração forense com poderes especiais para transigir) e, do outro, o Administrador de Insolvência da sociedade Ré - pela qual a Ré desistiu, sem mais, do pedido reconvencional por si deduzida na contestação contra a Autora (no montante de € 6.855.446,72) - não seria substantivamente válida, nos termos e para os efeitos do art. 300º, nº 3, do Cód. Proc. Civil de 1961, por isso que o Administrador de Insolvência não obteve o consentimento prévio da Comissão de Credores da Insolvente, exigido pelo art. 161º, nºs 1 e 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.), visto essa desistência constituir um acto jurídico dotado de especial relevância para o processo de insolvência.
Quid juris ?
«É certo que sobre a transacção judicial terá de recair uma sentença homologatória, sem o que o acordo das partes não produz efeito - art. 300º, nº. 3 do C.P.C. Todavia, a função dessa sentença não é decidir a controvérsia substancial, mas apenas fiscalizar a regularidade e a validade do acordo. Por isso, pode afirmar-se que a verdadeira fonte da resolução do litígio é o acto de vontade das partes e não a sentença homologatória proferida pelo Juiz.» - Acórdão do STJ de 30/10/2001 (Proc. nº 01A2924; Relator – AZEVEDO RAMOS), acessível (o texto integral) in www.dgsi.pt.
«A transacção (como negócio das partes) vale por si. A intervenção do juiz é de mera fiscalização sobre a legalidade do objecto desse contrato e da qualidade das pessoas que o celebram, não conhecendo do mérito, antes sancionando a solução que as partes encontraram para a demanda, como que absorvendo o acertamento que esses sujeitos processuais deram ao litígio, no âmbito da autonomia privada e dentro dos limites da lei, convencionando o que bem entenderam quanto ao objecto da causa.
Portanto o que vale é o que as partes acordaram quanto à relação substantiva objecto desse litígio, solução que a sentença homologatória sancionou como válida, quanto ao objecto da causa e quanto à qualidade das pessoas que nela intervieram» - Acórdão da Relação do Porto de 21/12/2006 (Proc. nº 0633635; Relator – JOSÉ FERRAZ), acessível (o texto integral) in www.dgsi.pt.
De todo o modo, a homologação judicial deste tipo de acordo não traduz a resolução do litigio, mas tão somente, o sindicar da validade da transacção, quer na perspectiva da legitimidade dos outorgantes, quer da substância do objecto – Acórdão do STJ de 29/4/2008 (Proc. nº 08A1097; Relator – SEBASTIÃO PÓVOAS), acessível (o texto integral) in www.dgsi.pt.
É claro que a homologação da transacção, necessária apenas para apreciação da legalidade dos seus pressupostos quanto ao objecto e à qualidade dos intervenientes, não lhe retira o carácter e natureza contratual. Como contrato que é (art. 1248.º do Código Civil), a transacção está sujeita ao respectivo regime geral (arts. 405º e segs do Cód. Civil) e ao regime geral dos negócios jurídicos (arts. 217º e segs. do mesmo diploma).
Por isso, o trânsito em julgado da sentença proferida sobre a transacção não obsta a que se intente acção destinada à declaração da sua nulidade ou à sua anulação, sem prejuízo da caducidade do direito a esta última - art. 301º, nº. 2, do C.P.C.
De qualquer modo, o recurso da sentença homologatória duma transacção apenas pode incidir sobre um vício da própria decisão homologatória e não sobre o mérito da transacção homologada, a validade intrínseca do contrato de transacção celebrado entre as partes.
Assim sendo, o recurso a interpor da sentença homologatória duma transacção não constitui a sede própria para se pôr em causa a validade substantiva do contrato de transacção.
É que, desde o momento que a intervenção do juiz – quando tem de decidir se homologa ou não a transacação - é de mera fiscalização sobre a legalidade do objecto desse contrato e da qualidade das pessoas que o celebraram, tudo quanto pode pôr-se em crise – no recurso a interpor duma sentença homologatória duma transacção – é se o litígio versava ou não sobre direitos na livre disponibilidade das partes (já que, nos termos do artigo 1249.º do Código Civil, as partes não podem transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor, nem sobre questões respeitantes a negócios jurídicos ilícitos) ou se as pessoas que intervieram na transacção detinham ou não poderes para o efeito.
Ora, no caso dos autos, é patente que estavam cumpridos ambos os requisitos formais exigidos para a homologação da transacção em causa.
Por um lado, não estavam em causa  - na presente acção declarativa de condenação – quaisquer direitos de natureza indisponível. O objecto da transacção incidiu sobre direitos de indemnização que estão na livre disponibilidade das partes.
Por outro lado, a transacção foi celebrada por quem detinha poderes para o efeito, porquanto o Administrador de Insolvência que outorgou a transacção (em representação da Ré/Apelada) está legalmente munido de legitimidade para tal.
Efectivamente, durante a pendência da presente acção, a Ré foi declarada insolvente, por sentença datada de .../2012, motivo pelo qual o Administrador de Insolvência substituiu imediatamente a empresa Insolvente na presente acção, independentemente da sua apensação ao processo de insolvência ou do acordo da parte contrária, nos termos do Art. 85.º, n.º 3, do cit. CIRE.
A legitimidade do administrador de insolvência para celebrar a transacção decorre cristalinamente do Art. 81.º, n.º 4 do C.I.R.E. (“4 – O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência.”).
Por isso, ainda mesmo que – como sustentam os Apelantes – o Administrador da Insolvência carecesse, porventura, do consentimento prévio da Comissão de Credores da Insolvente para poder desistir (sem mais) da reconvenção deduzida (na sua contestação) pela empresa Insolvente contra a Autora/Apelada (visto essa desistência constituir, alegadamente, um acto jurídico dotado de especial relevância para o processo de insolvência, nos termos e para os efeitos previstos no art. 161º, nºs 1 e 2, do C.I.R.E.), a eventual falta desse consentimento nunca poderia obstar à homologação da transacção celebrada entre a Autora e o Administrador da Insolvência da sociedade Ré.
A isto acresce que o Art. 163º do C.I.R.E. estatui, expressamente, que a não obtenção, pelo Administrador de Insolvência, do consentimento prévio da Comissão de Credores, quando exigível, não constitui, em caso algum, causa de ineficácia dos actos praticados pelo Administrador de Insolvência.
Sustentam – por fim – os ora Apelantes que, de qualquer modo, mesmo que a actuação do Administrador de Insolvência (ao desistir da reconvenção deduzida pela Insolvente contra a Autora) estivesse suportada por decisão da comissão de credores, sempre o acto jurídico em causa, pelo seu relevo, estaria sujeito ao crivo judicial do Juiz do processo, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do cit. art. 161.º do CIRE.
Todavia, este argumento também não procede, porquanto a disposição invocada (art. 161º, nºs 4 e 5, do C.I.R.E.) não tem qualquer aplicabilidade ao caso concreto, contemplando tão só as situações em que esteja eminente uma venda por negociação particular (mas já não os casos – como o dos presentes autos - em que se esteja perante a celebração duma transacção judicial, no âmbito da qual não existe qualquer venda).
Como assim, o recurso improcede, quanto à única questão suscitada pelos Apelantes.
Eis por que a presente apelação improcede, in totum.
DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em negar provimento à Apelação, confirmando integralmente a sentença homologatória recorrida.
Custas da Apelação a cargo dos Apelantes, em partes iguais.
Lisboa, 12/12/2013
Rui Torres Vouga (relator)
Maria do Rosário Barbosa (1º Adjunto)
Maria do Rosário Gonçalves (2º Adjunto)
[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).