Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
735/15.3T8LSB.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO COM O RECURSO
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1.–A procuração é o acto pelo qual alguém confere a outrem, voluntariamente, poderes de representativos.

2.–Não viola qualquer obrigação legalmente imposta à ré quando esta entrega a terceiro, uma carta registada com aviso de recepção, na modalidade de entrega exclusiva ao destinatário, quando esse terceiro apresenta procuração com poderes conferidos pelo destinatário da carta para receber correspondência, normal ou registada.

3.–A alegação convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável susceptível de despoletar a aplicação do artigo 542º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. Para tal, necessário se torna a demonstração da inobservância dos deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé processual.

4.–A condenação da parte como litigante de má fé, sem a sua prévia audição, viola os princípios constitucionais de acesso ao direito, do contraditório e da proibição da indefesa, consagrados na Lei Fundamental.

(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


I.–RELATÓRIO:


ANTÓNIO …., residente na ….., intentou, em 09.01.2015, contra CTT – CORREIOS DE PORTUGAL, SA – SOCIEDADE ABERTA, com sede ….., acção declarativa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais, no valor de €2.700,00 e não patrimoniais de €8.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Fundamentou o autor, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de ter remetido, no âmbito da sua actividade de advogado e no mandato que exercia, uma carta registada com aviso de recepção dirigida a Maria ...., mas o funcionário da ré entregou tal carta a  Alexandra…., sem  que  esta  tivesse poderes conferidos por Maria .... para receber correspondência pessoal, permitindo assim que esta tivesse conhecimento de factos cobertos por sigilo profissional.

Alegou ainda, o autor, que essa entrega frustrou a defesa dos interesses da sua cliente, o mandato foi revogado, o que teve repercussões patrimoniais directas na esfera do mandatário, que poderia ter auferido honorários não inferiores a €2.700,00. Invocou ainda que, por força deste incidente a sua imagem e reputação foram abaladas, o que atingiu o autor na sua honra e lhe causou mal estar e revolta. Defende que a ré actuou de forma ilícita, violando os seus deveres legais e com culpa grave.

Citada, a ré apresentou contestação, em 24.03.2015, invocando, em suma, que o objecto em causa foi entregue a pessoa que tinha apresentado procuração para esse efeito, procuração em que a destinatária lhe conferia poderes especiais para receber correspondência em seu nome, pelo que a ré agiu diligentemente e sem violar qualquer dos seus deveres legais. Impugnou os restantes factos alegados pelo autor e juntou a referida procuração.
O autor, notificado do documento, nada disse.

Em 27.04.2015 foi proferido o seguinte Despacho:
Notificado do documento que a ré juntou (cópia da procuração apresentada para receber correspondência), o Autor nada disse, designadamente, impugnando o documento em questão. Não obstante, e porque o A baseia a sua pretensão na ausência de poderes de uma pessoa para receber correspondência dirigida a outra enviada por si, determino que o A se pronuncie, em dez dias, sobre o interesse no prosseguimento da causa, sem prejuízo de qualquer juízo posterior sobre a sua conduta processual.

O autor respondeu, em 30.04.2015, nos seguintes termos:
1.–Antes de mais, não foi impugnada a procuração em questão, atentas as dificuldades práticas conhecidas desta impugnação, pese embora a da representada na procuração não ser igual às que constam do seu B.I. e da procuração que outorgou ao A. (letra diferente e nome incompleto); foi outorgada após recente AVC da representada; um mês antes do facto e da própria representante ter recebido a correspondência (assinando o AR) que posteriormente se enviou (doc. nº 2 da p.i.).

2.–Quanto à outra causa de pedir – não permissão dos CTT entregarem a correspondência pessoal (com AR obrigatório) a outrem, inclusive com procuração –, a mesma mantém-se, pois
2.1.-as normas que regem as procurações (artºs 262º e ss do CC), são normas gerais e abstractas, com aplicação supletiva;
2.2.-as normas que referem o serviço postal, como os constantes da legislação focada na p.i., são especiais, que prevalecem sobre a lei geral (artº 7º do CC);
2.3.-naquela legislação, porque de interesse público, rege o brocando “tudo o que não é permitido é proibido”, face ao principio da legalidade (artº 3º do CPA) – cfr. Sérvulo Correia, in Noções de Direito  – Vol. 1, págs. 97 e 174 e Vinício Ribeiro, in “O Estudo do Direito e o Princípio da Legalidade da Administração”, 2ª ed., págs. 58;
2.4.-ora, tal legislação não permite, nestes casos de correspondência registada com entrega pessoal, a entrega a outrem com procuração;
2.5.-o que, aliás, o próprio impresso (cfr. doc. nº 11 da p.i.) o dá a entender, conforme se vê do seu verso, quando afirma “ Entrega exclusiva ao destinatário …”;
2.6.-que foi o que aconteceu numa segunda missiva enviada à representada em 03 de Setembro de 2014, cujo Comprovativo de Registo e Aviso de Recepção se juntam sob o nº 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2.7.-Tal como é entendimento correcto dos doutrinadores desta temática (cfr. José Castro Guimarães in “A Responsabilidade Civil do Operador Postal Perante o Destinatário e outros Terceiros”, Almeida e Leitão, pág. 64);
2.8.-pelo que, nestes casos, a correspondência não pode ser entregue a terceiro, mesmo com procuração irrevogável (nem com contrato de mandato, agência, trabalho, gestão de negócios, etc.), como resulta dos estudos sobre a matéria (cfr. v.g. Pedro de Vasconcelos in “A Procuração Irrevogável”, Almedina);
2.9.-pois, se assim o não fosse, tal violaria a Lei nº 24/96 de 31/07 (Lei de Defesa do Consumidor), “maxime” artºs 8º, 9º, 9º-B e 16º);
2.10.-bem como a Lei nº 23/96 de 26/07 (Lei dos Serviços Públicos), “maxime” artº 4º;
2.11.-e até o próprio Código de Publicidade, nos termos referidos na ob. cit. em 2.7 supra, pág. 96;
2.12.-para não falar já do próprio regime constante do D.L. 446/85 de 25/10 (Cláusulas Contratuais Gerais), pois que, estando-se perante um contrato de adesão, o mesmo se aplica à relação entre os CTT e os consumidores (cfr. v.g. artº 19º al. d) e 22 nº 1 al. n) e o)), conforme entendimento doutrinal e jurisprudencial (cfr. José Manuel de Araújo Barros in “Cláusulas Contratuais Gerais “Coimbra Editora, anotações a tais normas, e jurisprudência “maxime” o Ac. Do TRL de 28/06/2001, in CJ, III, 127).

3.–Pelo que se conclui pela necessidade de julgamento sobre o pedido fundado nesta causa de pedir, que mais não seja para aclarar novamente as relações entre a Ré e os consumidores em casos como o “sub judice”.

A ré pronunciou-se, em 14.05.2015, invocando:
1.-Antes de mais é certo que caso o Autor pretendesse impugnar a procuração em questão deveria utilizar os meios azados para o efeito, que existem e são do mesma conhecidos, como este demonstra no  sob resposta;
2.-Assim, se não pretendeu, conscientemente, utilizar os meios legais para o efeito não se compreende a que título vem tentar lançar dúvidas acerca de uma procuração que nunca pôs em causa…
3.-No mais, por muito que o Autor entenda que a lei peca por não se compadecer com o seu entendimento – e talvez, então, o que deverá é pugnar, junto dos organismos próprios, por uma alteração legislativa –, a verdade é que até a própria jurisprudência assume como boa a possibilidade de levantamento de correspondência de terceiro através de exibição de procuração com poderes especiais (não se conhecendo doutrina ou jurisprudência em sentido contrario);
4.-Aliás denota-se até alguma contradição na alegação do Autor que por um lado “atira para o ar” que até pensou por em causa a procuração (não fossem as tais “dificuldades praticas”) e por outro, entende que nem com uma procuração deveria ser possível levantar correspondência de terceiro…
5.-Enfim, o que se conclui é que, por certo, o Autor não contava com a diligência de Ré, que cuidou de tirar cópia e de guardar a documentação que lhe foi mostrada para levantamento da correspondência em causa nestes autos,
6.-Não fora assim e se tinha, como demonstrou, conhecimento da procuração junta pela Ré, porque não a juntou desde logo aos autos?
7.-É que, com a junção da procuração em crise - lavrada em cartório, nos termos da qual Maria ….. concedia poderes especiais, nomeadamente, para receber qualquer correspondência a Alexandra … toda a estrutura da causa de pedir do Autor claudica.
8.-Não podendo, naturalmente, no caso vertente e atendendo à legislação vigente e aplicável ao caso vertente, ser assacada qualquer à Ré, que agiu diligentemente, cumprindo escrupulosamente todas as suas obrigações.
Realizou-se audiência prévia, em 23.10.2015, dando o tribunal a oportunidade às partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de ser conhecido desde logo do mérito da causa.
Em 4.12.2015 foi proferida decisão, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte:
Em face do exposto, o tribunal decide julgar a presente acção improcedente, por não provada, absolvendo a R do pedido.
Decide condenar o autor, a título de litigância de má fé na multa correspondente a 2 Uc’s.
Custas pelo A.

Inconformado com o assim decidido, o autor interpôs, em 17.04.2015, recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente:

i.-A correspondência postal registada (com AR obrigatório) na modalidade de pessoal, não pode ser entregue a representante (procurador) que apresente procuração genérica para receber correspondência em geral.
ii.-Porque se está perante um serviço público essencial, regido pelo direito público e lei especial, para que não fosse assim, teria que existir normal legal que o previsse, e tal não acontece.
iii.-E a procuração teria que especificar que seria para receber correspondência pessoal e exclusiva, não podendo ser genérica.
iv.-Serve de analogia o art° 225º n°5 e 249° do CPC.
v.-Temos assim que foi mal interpretado o doc. n° 1 junto com a P.I, que é meio probatório, pelo que, face a tal documento e à legislação vigente, a decisão a proferir teria que ser a da impossibilidade de recebimento de registo pessoal por terceiro, ainda que munido de procuração genérica.
vi.-Não se verifica qualquer litigância de má-fé pois que não se preenchem os casos previstos no art° 542° n°2 do CPC, sendo a condenação na multa de 2 UC's multa, por em contradição com a fundamentação que condenou em 3 UC's.

A ré apresentou contra-alegações, em 04.02.2016, propugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida, e formulou as seguintes CONCLUSÕES:

i.-Adere-se in totum à fundamentação da Sentença proferida pela Mma. Juiz do Tribunal a quo, ao perfilhar o entendimento de que não há lugar a indemnização, porquanto não violou a Recorrida qualquer obrigação contratual ou legal assumida.
ii.-O facto de se tratar de correio registado pessoal, não invalida, não obsta, não exclui – à luz dos normativos legais vigentes e aplicáveis à situação sub judice – a hipótese de a entrega de correspondência ser feita a terceiro desde que, obviamente, se encontre devidamente representado – como é o caso dos autos.
iii.-Quando o Recorrente interpôs a acção e a configurou, fê-lo como se a correspondência em causa nos autos tivesse sido entregue a um terceiro não munido de procuração para o efeito, não contando que os CTT tivessem em sua posse cópia de uma procuração cuja existência não podia desconhecer.
iv.-Ao interpor a presente acção o Recorrente, partiu de um pressuposto completamente errado, como os CTT lograram provar, através da junção aos autos da procuração forense, emitida pela Cliente do Autor, a favor da pessoa que levantou a correspondência.
v.-Basta atender ao conteúdo do documento junto aos autos pela Recorrida, sob Doc. n.º 2 da Contestação, que diz respeito à referida procuração, lavrada em cartório notarial, nos termos da qual Maria ….. (destinatária) concedia taxativamente e de livre vontade poderes especiais, designadamente para receber qualquer correspondência, a Alexandra ….: “k) Receber e enviar todo o tipo de correspondência, normal ou registada, requerer o seu reencaminhamento para diferentes moradas junto de Estação de Correio e praticar todos os actos relacionados ou conexos com estes” – vide Doc. n.º 2 oportunamente junto em sede de Contestação.
vi.-O resto são considerações tecidas pelo Recorrente, sem qualquer fundamento ou prova.
vii.-Nos artigos 4.º, n.º 1 e n.º 2, alínea d), 8.º, n.º 3 e 23.º, n.º 4, do Decreto-lei n.º 176/88, de 18 de Maio, prevê-se e é acautelada a hipótese de o destinatário da correspondência registada pessoal fazer-se representar por terceiro munido dos respectivos e necessários poderes para o efeito.
viii.-Quem emite uma procuração como aquela que está em causa nos autos pretende que o procurador receba TODA a sua correspondência, aliás como pretende que o procurador trate de inúmeros outros assuntos de cariz, tão ou mais pessoal, que a recepção de uma missiva.
ix.-A outorgante poderia ter excluído os actos que entendesse da procuração, mas não, pelo contrário, a Outorgante incluiu expressamente na procuração a recepção de toda a sua correspondência e tal, por muito que o Recorrente se debata com esta factualidade, encontra-se abrangido pela liberdade negocial das partes, nomeadamente, da outorgante da Procuração.
x.-O conceito da procuração patente no artigo 262.º do Código Civil não colide, de maneira nenhuma, com o modo de actuação previsto na modalidade pessoal, no âmbito do correio registado.
xi.-As procurações, como a que está em causa nos autos, no que ao envio e recepção de correspondência dizem respeito, são e deverão ser totalmente aceites.
xii.-A Sentença proferida pela Mma. Juiz a quo, observa que “O próprio documento junto pelo A, a fls.33, na referência que faz ao “Aviso de Recepção” menciona a entrega ao destinatário ou seu representante, sendo que  na  página anterior o aviso  de recepção é incluído no serviço de entrega  pessoal de correspondência anunciado pela Ré. Não vemos como este “anúncio” pode induzir o A ou qualquer pessoa em erro e não vislumbrando também qualquer violação de norma legal.” – destaque e sublinhado nossos.
xiii.-Atente-se no “anúncio” ao qual faz referência a douta sentença: “O correio registado pessoal e os objectos com valor declarado só podem ser levantados pelo destinatário ou procurador com procuração expressa para o efeito”.
xiv.-A Sentença a quo não poderia ter sido mais assertiva e peremptória face à indiscutível admissibilidade da recepção de correspondência por parte de terceiro, enquanto representante do destinatário e munido de poderes para o efeito – como é, objectivamente, o caso dos autos.
xv.-Toda a situação em apreço subsume-se, na íntegra, à comunicação feita no “Aviso de Recepção” –junto aos autos pela ora Recorrida -, ficando, assim, dissipada toda e qualquer dúvida que possa, eventualmente, surgir.
xvi.-O Recorrente não demonstrou, por forma a valer-se de tal faculdade, que não teve possibilidade de apresentar o documento em crise até ao encerramento da discussão em 1ª instância.
xvii.-A junção de um documento nesta sede, afigura-se, claramente, despropositada e extemporânea.
xviii.-No caso dos autos não se verifica nenhuma das situações de excepção do art. 615 C.P.C. mencionadas e previstas legalmente, sendo certo que o Recorrente não logrou provar, aliás, nem sequer alegou a impossibilidade de junção do documento em causa até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento.
xix.-O documento em apreço, face à intempestividade da sua junção, não pode ser admitido desde já se requerendo o respectivo desentranhamento.
xx.-O referido documento não prova o pretendido pelo Recorrente.
xxi.-Lê-se no artigo 23.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 176/88, de 18 de maio: “A entrega das correspondências nos estabelecimentos postais é feita mediante identificação do destinatário ou seu representante.”
xxii.-No que respeita à condenação em multa por litigância de má-fé – cuja necessidade e adequação não são susceptíveis de qualquer reparo – sempre se dirá que o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC é inquestionavelmente subsumível à situação dos autos.
xxiii.-É de concluir, inevitavelmente, pela inutilidade dos presentes autos, porquanto os mesmos surgem com base em argumentos e linhas de raciocínio falaciosas e desprovidas de qualquer sentido.
xxiv.-Encontra-se integralmente preenchido o ilícito típico do referido preceito, porquanto, o Recorrente, foi por diversas vezes alertado para a inexistência de fundamento da sua pretensão, pelo que, ainda que não tenha consciência de que assim seja – o que será pouco provável, diga-se – devê-la-ia ter se houvesse cumprido os deveres de cuidado lhe eram impostos.
xxv.-A má-fé do Recorrente, assume contornos ainda mais graves, em claro abuso de processo, com a interposição do presente recurso, pois que a falta de fundamento da pretensão trazida a juízo, se já era evidente, tornou-se absolutamente incontestável aquando do conhecimento da decisão a quo, onde se frisou e salientou tal falta de fundamento – culminado, pois, com a condenação do Recorrente por litigância de má fé.
xxvi.-Não tem aplicação o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615º - dispositivo legal este do qual lança mão o Recorrente para fundamentar a nulidade da sentença a quo.
xxvii.-Ponderando os conceitos subjacentes a tal normativo, não se concebe a correlação entre a condenação peticionada pelo Recorrente – baseado num mero lapso de escrita, note-se bem – e o disposto no artigo 615,º n.º 1, alínea c) do CPC.
xxviii.-Tão exíguo lapso é facilmente rectificável, nos termos do artigo 614.º do CPC.
xxix.-Ao decidir como decidiu na sentença ora recorrida, o Mm. Juiz a quo não violou qualquer disposição legal.

O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a arguição de nulidade da sentença deduzida pelo apelante, nos seguintes termos:

Nos termos do disposto no art.617°, n°1 do CPC, pronunciando-nos sobre a nulidade da sentença suscitada na alegação da recorrente, diremos que, se tratou de um lapso de escrita no que diz respeito ao montante da multa, do qual nos penitenciamos e que, por se tratar de um óbvio lapso, não representa uma contradição que possa justificar a nulidade da sentença como um todo, mas que impõe apenas a sua rectificação, nos termos do disposto no art.614°.
Assim, procedendo a essa rectificação, determino que onde se lê, na parte decisória, "Decide condenar o A, a titulo de negligência de má fé na multa correspondente a 2 Uc's" passe a ler-se "Decide condenar o A, a titulo de negligência de má fé na multa correspondente a 3 Uc's", em conformidade com o que foi considerado adequado na fundamentação da referida sentença.
No que diz respeito à sentença propriamente dita, entendemos que a mesma não é omissa quanto à sua fundamentação, esta é clara, pelo que não existe qualquer nulidade da sentença.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO.

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

A.QUESTÃO PRÉVIA – JUNÇÃO DE DOCUMENTO COM AS ALEGAÇÕES.

O apelante, com a sua alegação de recurso, veio juntar duas fotocópias com o logotipo dos CTT Distribuição, mas sem qualquer indicação da sua origem e destinatário (se estão integradas em ordens de serviço internas, ou de divulgação ao público, se estão ou não em vigor), e que, segundo se infere do alegado, terão sido facultadas ao apelante pelos CTT.

Vejamos se pode ser admitida a pretendida junção dos documentos. 

Na 1ª instância, a possibilidade de junção de documentos que se destinem a servir de meios de prova dos factos alegados, como fundamento da acção ou da defesa, estava até à entrada em vigor da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, cronologicamente delimitada entre o momento da apresentação do articulado em que se alegam os factos correspondentes e o do encerramento da discussão.

Após o encerramento da discussão em primeira instância, a apresentação dos documentos estava condicionada à existência de recurso da decisão final, e à demonstração de não ter sido a apresentação possível até ao encerramento  da discussão em  primeira instância, que teria lugar, conforme se inferia da conjugação do disposto nos artigos 652º, nºs 2, al. e) e 5 e 653º, nº 1, 1ª parte, ambos do anterior CPC, quando terminassem os debates sobre a matéria de facto, constituindo como esclarecia LEBRE DE FREITAS, CPC Anotado, vol. 2º, pág. 424, um importante momento preclusivo.

Na fase de recurso, a junção de documentos revestia - e continua a revestir no actual Código de Processo Civil - natureza excepcional, agora com um diverso regime e um limite temporal ainda mais apertado.

Estabelece o nº 1 do artigo 651º do CPC que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

E resulta agora do citado artigo 423º do CPC que:

1—Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2—Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3—Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aquela cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

Assim, actualmente, tendo em consideração os normativos acima aludidos, as partes só podem juntar documentos, no caso de recurso, nas seguintes situações:

i)-Se a apresentação não tiver sido possível até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (superveniência objectiva ou subjectiva);
ii)-Se os documentos se destinarem a provar factos posteriores àquele momento ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior;
iii)-Se a junção só se tornar necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância.
                 
De resto, o novo regime do CPC sofreu uma relevante restrição ao que dispunha o artigo 693º-B do anterior Código de Processo Civil, na redacção decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08, que havia ampliado as situações de natureza excepcional, passando a admitir a possibilidade de instrução documental dos recursos também nas situações a que se reportavam as decisões interlocutórias constantes das alíneas a) a g) e i) a n) do nº 2 do artigo 691º do anterior CPC, o que actualmente já não sucede.

Ora, no caso vertente, não ocorre nenhuma das supra referidas situações de natureza excepcional que permita a instrução documental com a alegação de recurso.
                             
Os documentos agora pretendidos juntar aos autos destinam-se a demonstrar a factualidade que o apelante teria de alegar e provar, atempadamente, em 1ª instância, até à prolação da decisão, sendo certo que a tratar-se de alguma ordem de serviço estabelecida na ré, sempre o autor poderia ter lançado mão do disposto no artigo 429º do CPC, requerendo a notificação da ré para apresentar o aludido documento completo e com a devida identificação, o que o autor/apelante não fez, atempadamente, podendo tê-lo efectuado.

Não pode ser, nem foi invocada a superveniência objectiva ou subjectiva, com relação aos documentos apresentados, eventualmente susceptíveis de relevar para o caso em apreço e tendo em consideração a matéria em causa aquando da decisão alvo de recurso.

Por outro lado, há que concluir que a hipotética relevância dos documentos agora apresentados não surgiu com a decisão da 1ª instância, o que significa que a pretendida junção não era imprevisível antes dela.
                             
Assim sendo, e ao abrigo do disposto no artigo 651º, nº 1 do CPC, não se admite a pretendida junção dos documentos, determinando-se o seu desentranhamento e ulterior entrega ao apresentante, condenando-se o apresentante pela indevida apresentação dos documentos, em 0,5 UC, a título de multa, nos termos dos artigos 443º, nº 1 do CPC e 27º, nº 1 RCP.

B.O OBJECTO DO RECURSO.

Face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a ponderação sobre as seguintes questões:

i)-DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.
ii)-DA ACTUAÇÃO PROCESSUAL DO AUTOR – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.


III.–FUNDAMENTAÇÃO.

A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte:

1.- O A. remeteu, no dia 19 de Agosto de 2014, carta registada com aviso de receção na modalidade de entrega pessoal e exclusiva ao destinatário, de seu nome Maria ....;
2.- Esta carta foi entregue por funcionário da R. na morada indicada, mas veio contudo a ser recebida, no dia 25 de Agosto de 2014, por Alexandra (Doc. nº 2), que assinou o aviso de recepção;
3.- Face ao exposto, a 4 de Setembro de 2014, o A. apresentou reclamação escrita.
4.- A R. respondeu por carta datada de 11 de Setembro de 2014, referindo o objecto foi entregue a Alexandra ….. e que o registo pessoal pode ser entregue ao próprio ou a quem evidencie procuração para o efeito, como foi o caso.
5.- A R. disponibiliza um formulário de preenchimento onde na modalidade de entrega pessoal figura: “Entrega exclusiva ao destinatário e mediante a sua identificação”.
6.- No seu sítio na internet informa igualmente que a entrega pessoal engloba o serviço de “Entrega exclusiva ao destinatário e mediante a sua identificação”,
7.- Por procuração, com data de 4.07.2014, cuja cópia consta de fls.62 a 65 dos autos, Maria …. constituiu sua bastante procuradora sua filha  Alexandra ….., a quem conferiu os necessários e suficientes poderes para em seu nome e representação praticar, entre outros, “k) receber e enviar todo o tipo de correspondência, normal ou registada, requerer o seu reencaminhamento para diferentes moradas junto das Estações de Correio e praticar todos os atos relacionados ou conexos com estes;”
8.- A carta referida em 1. foi entregue a 25.09.2014 a Alexandra …. que se identificou e exibiu a procuração referida em 7. ficando cópia na Estação dos Correios.

AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ARTIGO 607º, Nº 4, APLICÁVEL EX VI DO ARTIGO 663º,  Nº 2 DO CPC.
9.- No impresso do aviso de recepção, na parte do “Aviso de Entrega” consta, entre outros dizeres, a seguinte menção: “O CORREIO REGISTADO PESSOAL E OS OBJECTOS COM VALOR DECLARADO SÓ PODEM SER LEVANTADOS PELO DESTINATÁRIO OU PROCURADOR (COM PROCURAÇÃO EXPRESSA PARA O EFEITO)”.

B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

i)-DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.

Considerou a sentença recorrida não se ter provado a violação de qualquer obrigação contratual ou legal, por parte de ré, razão pela qual foi julgado improcedente o pedido indemnizatório formulado pelo autor, decisão que mereceu a discordância do autor.

Vejamos se assiste razão ao recorrente,

Como é sabido, são pressupostos da responsabilidade contratual, um facto voluntário do devedor, a ilicitude resultante do não cumprimento da obrigação, a culpa, que se presume, nos termos do artigo 799º do C.C., o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Em causa nos autos está um contrato de prestação de serviços, com previsão no artigo 1154º do Código Civil, que dispõe que o “Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.

O serviço público de correios mostrava-se regulado pelo Regulamento do Serviço Público de Correios anexo ao Decreto-Lei nº 176/88, de 18 de Maio.
                             
Actualmente o regime jurídico aplicável à prestação de serviços postais, em plena concorrência, no território nacional, bem como de serviços internacionais com origem ou destino no território nacional, encontra-se previsto na Lei nº 17/2012, com sucessivas alterações, nomeadamente Decreto-Lei nº 160/2013, de 19.11 e Lei 16/2014, de 04.04.

Tem também aplicação as Bases da Concessão do Serviço Postal Universal, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 448/99, de 4 de Novembro, sucessivamente alterado, pelos Decretos-Leis nºs 150/2001, de 7.05, 116/2003, de 12,06, 112/2006, de 9.06 e Decreto-Lei nº 160/2013, de 19.11, que conformou as bases da concessão do serviço postal ao quadro legal resultante da Lei nº 17/2012.

Conforme resulta do artigo 4º, nº 1, alínea d) da Lei 17/2012, integram a actividade de serviço postal as operações de Distribuição, a qual consiste no conjunto de operações  realizadas  desde a divisão dos envios postais, no centro de distribuição da área a que se destinam, até à entrega aos seus destinatários, pessoas singulares ou colectivas a quem é dirigido um envio postal.

Estabelece o artigo 5º do mesmo diploma que:
1.-Constitui o envio postal o objecto, endereçado na forma definitiva, obedecendo às especificações físicas e técnicas que permitam o seu tratamento numa rede postal, bem como a respectiva entrega no endereço indicado no próprio objecto ou no seu invólucro, designadamente: Envio de correspondência, que consiste na comunicação escrita num suporte físico de qualquer natureza, incluindo publicidade endereçada.
2.-(…)
3.-O envio postal designa-se por envio registado quando o mesmo possui garantia de valor monetário fixo contra os riscos de extravio, furto, roubo ou deterioração, fornecendo ao remetente a seu pedido, uma prova do depósito ou da sua entrega ao destinatário.

Prevê-se no artigo 7º que na prestação de serviços postais deverão ser salvaguardados, designadamente os requisitos essenciais de inviolabilidade e o sigilo dos envios postais, a confidencialidade das informações transmitidas ou armazenadas, a protecção de dados pessoais e da vida privada, inviolabilidade e sigilo nos envios postais.

Nos termos do artigo 10º é assegurada a existência e a prestação do serviço universal, o qual consiste na oferta de serviços postais definida na lei, disponível de forma permanente em todo o território nacional, a preços acessíveis a todos os utilizadores visando as necessidades da população e das actividades económicas e sociais.

O serviço universal compreende um serviço postal, no âmbito nacional e internacional, designadamente de envios de correspondência, mas não se encontram abrangidos pelo serviço universal, como resulta do nº 2 do artigo 12º da aludida Lei nº 17/2012, os serviços de correio expresso, entendendo-se como tais os serviços de valor acrescentado, caracterizados pela aceitação, tratamento, transporte e distribuição, de um conjunto de características suplementais, tais como:
a)-Prazos de entrega predefinidos;
b)-Registo de envios;
c)-Garantia de responsabilidade do prestador, mediante seguro pelo qual o remetente conheça previamente a fórmula de ressarcimento dos prejuízos causados;
d)-Controlo do percurso dos envios pelo circuito operacional do prestador, permitindo a identificação do estado dos envios e informação ao cliente.

De harmonia com o disposto no artigo 57º, nº 1 do referido diploma legal, a CTT-Correios de Portugal, S.A., é, em território nacional, a prestadora de serviço postal universal até 21.12.2020.

Acresce que, nos termos no artigo 58º da Lei 17/2012, é determinada a manutenção das disposições do Regulamento do Serviço Público de Correios, pela Lei nº 17/2012, de 26 de Abril.

E, esse regulamento salienta, de entre a correspondência com tratamento especial, a correspondência registada e a correspondência a entregar em mão própria.

Com efeito, decorre do preceituado no artigo 28º sob a epígrafe “Correspondências registadas” que:
1Podem ser expedidas sob registo todas as categorias de correspondências postais.
2As correspondências para registo são apresentadas em mão, mediante recibo:
a)-Nos estabelecimentos postais, dentro dos horários normais e suplementares definidos para a execução deste serviço;
b)-Aos carteiros dos giros não urbanos, durante o percurso.
3As correspondências podem ser registadas nos domicílios dos remetentes, a pedido destes.

4A entrega das correspondências registadas é sempre comprovada por recibo e tem lugar:
a)-Na morada do destinatário, desde que esteja implantada a distribuição domiciliária;
b)-Nos estabelecimentos postais da localidade de destino, nos casos em que:
1.º- Não exista distribuição domiciliária;
2.º- Não tenha sido possível a entrega na morada do destinatário;
3.º- As correspondências estejam sujeitas a tratamento especial que preveja esta modalidade de entrega;
4.º- Se verifique recusa de recepção, nos termos do número seguinte.
5As correspondências registadas que tenham sido recusadas pelo destinatário por suspeita de violação são entregues ao mesmo na estação de destino, mediante a elaboração de auto de verificação.

E, o artigo 30.º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Aviso de recepção”, preceitua:
1 -O remetente de qualquer correspondência registada pode, no acto de registo, requisitar que lhe seja enviado aviso de recepção.
2 -Nas correspondências com serviço de aviso de recepção, as indicações do nome e morada do remetente são obrigatórias.

Acresce que o artigo 31.º, sob a epígrafe “Correspondências a entregar em mão própria”, prescreve:
1-A pedido do remetente, a correspondência registada com aviso de recepção pode ser entregue em mão ao próprio destinatário.
2-No caso de esta correspondência se destinar a altas individualidades, designadamente aos titulares dos órgãos de soberania, o recibo de entrega pode ser assinado pelos chefes de gabinete, secretários, ajudantes-de-campo ou outros colaboradores investidos em funções que incluam esta faculdade.

Ora, no caso vertente, provado ficou que entre o autor e a ré “CTT” foi celebrado um contrato de prestação de serviços, através do qual  a ré se vinculou  perante  o  autor  a entregar a carta  registada  com aviso de recepção que este remeteu para Maria ...., carta registada essa, na modalidade de entrega pessoal e exclusiva ao destinatário – v. Nº 1 da Fundamentação de Facto.

Ambas as partes ficaram, assim, adstritas a uma obrigação de resultado – a ré nos termos contratualizados e o autor a pagar o respectivo preço do serviço.

Como resulta do artigo 406º, nº 1, do Código Civil, o contrato deve ser pontualmente cumprido, e decorre do artigo 762º, nº 1, do mesmo diploma legal, que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.

Recai sobre quem invoca a prestação inexacta da outra parte, como fonte da responsabilidade, o ónus de demonstrar os factos que integram o incumprimento contratual - facto ilícito -  bem  como  os  prejuízos dele  decorrentes – v.  neste sentido, e a título meramente exemplificativo, Acs. STJ de 19.06.2007, (Pº 07A1454), de 05.06.2009 (Pº 257/09.1YFLSB) e ainda Ac. R.L. 12.05.2011 (Pº 2714/03.4TBSXL.L1-2), de que foi relatora a aqui igualmente relatora, todos disponíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt.

É certo que nas prestações de resultado, como acontece com o contrato aqui em causa, em que ambas as partes se encontram obrigadas a alcançar o efeito útil nele previsto, basta ao credor demonstrar a não verificação desse resultado, ou seja, incumbia in casu, ao autor provar que a carta registada não foi entregue, pessoal e exclusivamente, ao seu destinatário, de nome Maria ...., prova essa que, aparentemente, o autor fez, já que demonstrado ficou que tal carta foi entregue, por funcionário da ré, na morada indicada, tendo sido recebida por Alexandra …. – v. Nº 2 da Fundamentação de Facto.

Sucede que, Alexandra …., que recebeu a carta registada remetida pelo autor, detinha uma procuração conferida por sua mãe, Maria ….., destinatária da carta, nos termos da qual, esta conferiu àquela, os necessários e suficientes poderes para em seu nome e representação praticar, entre outros: “receber e enviar todo o tipo de correspondência, normal ou registada, requerer o seu reencaminhamento para diferentes moradas junto das Estações de Correio e praticar todos os atos relacionados ou conexos com estes”– v. Nº 7 da Fundamentação de Facto.
 
Como é sabido, e resulta do nº 1 do artigo 262º do Código Civil, a procuração é o acto pelo qual alguém confere a outrem, voluntariamente, poderes de representativos.

Trata-se, pois, de um negócio jurídico através do qual uma pessoa confere a outra poderes de representação, isto é, para, em nome dela, concluir um ou mais negócios jurídicos, tendo por consequência que, se o procurador celebrar o negócio jurídico para cuja conclusão lhe foram dados esses poderes, o negócio produz os seus efeitos em relação ao representado.

E, segundo o preceituado no artigo 258º do Código Civil, a representação traduz-se na prática de um acto jurídico em nome de outrem, para, na esfera desse outrem, se produzirem os respectivos efeitos. A representação voluntária - conceito diferente da representação orgânica ou estatutária e da representação legal - é a que se funda no acto voluntário atributivo de poderes representativos, a procuração.

Por outro lado, conforme decorre do nº 3 do artigo 23º do Decreto-Lei 178/88, a entrega das correspondências nos estabelecimentos postais é feita mediante a identificação do destinatário ou do seu representante, o que significa que a lei permite, como é evidente, que seja conferida procuração com expressos poderes para receber correspondência.

O próprio artigo 4º, nºs 1 e 2, alínea d) do mesmo diploma legal prevê igualmente a disponibilização dos objectos postais por representantes dos destinatários que disponham de poderes para o efeito.

demais, é expressamente anunciado no aviso de entrega a possibilidade de o correio pessoal registado poder ser levantado por pessoa diversa do destinatário, caso apresente procuração expressa para receber tal correspondência.

E, por ter sido exibida a aludida procuração, foi a carta entregue à detentora da mesma, ficando uma fotocópia na Estação dos Correios – v. Nº  8 da Fundamentação de Facto.

Mas, defende, em suma, o autor/apelante, que para a ré poder proceder à entrega a terceiro da carta registada com aviso de recepção que dirigiu a Maria ...., na modalidade de entrega pessoal e exclusiva a esta destinatária, teria esse terceiro de estar munido de uma procuração em que expressamente o habilitasse a receber esse tipo de correspondência – carta registada na modalidade de entrega pessoal e exclusiva ao destinatário - o que não sucedia com a procuração apresentada.

Não lhe assiste, contudo, razão, já que a procuração conferida pela referida Maria .... à filha, que recebeu a carta, não alude a qualquer restrição, permitindo-lhe receber todo o tipo de correspondência, quer normal, quer registada, nem tão pouco, quer o Regulamento do Serviço Público de Correios, quer o Regime Jurídico aplicável à prestação de serviços postais, quer mesmo das Bases da Concessão do Serviço Postal Universal, decorre tal restrição ou limitação.

Tão pouco terá qualquer aplicação ao direito postal as regras do processo civil, previstas no nº 5 do artigo 225º, relativas à citação pessoal na pessoa do mandatário, como parece propugnar o apelante.

Não resultando violada qualquer obrigação legalmente imposta à ré que impossibilitasse a entrega da carta registada a Alexandra …., posto que detentora de procuração expressa para receber tal correspondência, por demonstrar ficou a ilicitude da actuação da ré, razão pela qual não incorreu a ré em responsabilidade civil contratual, visto que, por apurar ficaram, os pressupostos da responsabilidade civil contratual em que o autor fundou a sua pretensão indemnizatória.

Soçobra, por conseguinte, nessa parte, a apelação.

Finalmente, no que concerne ao valor condenatório a título de litigância de má fé, procedeu a Exma. Juíza do Tribunal a quo a correcção do evidente lapso material cometido na fixação do valor da multa no dispositivo da sentença, não se traduzindo tal manifesto lapso em qualquer nulidade de sentença, como sem razão, se invocou na alegação de recurso.

Há, porém, que apreciar se se verificam os pressupostos para a condenação do autor como litigante de má fé.

ii)-DA ACTUAÇÃO PROCESSUAL DO AUTOR – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

Considerou o Tribunal a quo que havia ficado demonstrada a litigância de má-fé do autor, ao entender que a conduta deste era susceptível de se subsumir na previsão da alínea a) do nº 2 do artigo 542º do CPC.

Importa então apreciar se a conduta processual do autor se processou de molde a integrar o conceito de litigância de má-fé.
              
Nos termos do artigo 542º nº 2, conjugado com o que se dispõe nos artigos 8º e 9º, todos do CPC, litiga com má-fé processual a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere por acção ou omissão a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos.

A proibição da litigância de má-fé apresenta-se como um instituto destinado a assegurar a moralidade e a eficácia processual, porquanto com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça.

Nos pressupostos da litigância de má-fé há que distinguir aqueles que têm natureza subjectiva, daqueles que têm natureza objectiva.

Os pressupostos subjectivos da condenação por litigância de má-fé englobam a actuação dolosa e a actuação com negligência grosseira, consistindo esta na omissão do dever de diligência exigível a qualquer pessoa que intenta uma acção ou deduz oposição a um pedido, na medida em que a propositura de uma acção judicial deve ser entendida como um acto sério, que normalmente acarreta prejuízos e incómodos para a outra parte – v. neste sentido, a título meramente exemplificativo, Ac. R.C. de 28.09.2000 (Pº 1475/00), acessível em www.dgsi.pt.

Quanto aos pressupostos objectivos da condenação por litigância de má-fé há que distinguir a má-fé substancial, da má-fé  instrumental.

A má-fé substancial ou material - directa ou indirecta - verifica-se quando a actuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas a) e  b)   do  nº  2 do  citado  artigo   542º do CPC, ou  seja, quando se deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas (má fé material directa), se altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes (má fé material indirecta). Esta só pode ter lugar quando o tribunal profere decisão sobre a relação jurídica material que é objecto da acção.

A má-fé instrumental reconduz-se às alíneas c) e d) do apontado normativo – a omissão indesculpável do dever de cooperação ou o uso reprovável dos instrumentos adjectivos.

Mas, quer na má-fé substancial, quer na instrumental, está presente uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da actuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação ou de censura e idêntica reacção punitiva.

O juízo de censura radica, pois, na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa-fé a que as partes estão adstritas.

Frequentemente o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, no que concerne às regras consagradas nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 542º do CPC ( o que já sucedia no artigo 456ºdo aCPC), que as mesmas têm de ser  interpretadas em consonância com a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprias de um estado de direito, incompatíveis com interpretações apertadas do aludido normativo, impedindo que, por exemplo, a parte seja condenada como litigante de má-fé apenas por não se ter provado a versão dos factos por ela alegados e se ter provado a versão inversa, apresentada pela parte contrária – v. Ac. STJ de 30.01.2003 (Pº 3B3644) e, em sentido não inteiramente coincidente, Ac. STJ de 12.06.2003 (Pº 03B573), ambos acessíveis no supra mencionado sítio da Internet.

Decidiu-se igualmente no Ac. STJ de 11.12.2003 (Pº 03B3893), acessível no mesmo sítio da Internet, que só quando o processo fornece elementos seguros da conduta dolosa ou gravemente negligente deverá a parte ser sancionada como litigante de má-fé, o que pressupõe prudência do julgador.

Tal significa que a sanção por litigância de má-fé exige a verificação de dolo ou negligência grave da parte que tal conduta adopta, o que não sucederá normalmente com a dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento se verificou por mera fragilidade da prova, e da incapacidade de convencer o tribunal da realidade trazida a julgamento, ou mercê da discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos.

Refere-se também no Ac. STJ de 13.11.2003 (Pº 03B2343), acessível no mesmo sítio da Internet, que a condenação como litigante de má-fé assenta num juízo de censura incidente sobre um comportamento adoptado pela parte, inadequado à ideia de um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de Direito.

Por outro lado, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem abundantemente salientado, ainda no âmbito do anterior CPC, que o princípio da cooperação constitui um princípio fundamental e angular do processo civil e que tem reflexos no princípio da boa-fé processual com expressa  consagração  no  artigo 8º do CPC (artigo 266º-A  do  aCPC) - v. por todos e entre muitos, Ac. STJ de 12.06.2003 (Pº 03B573) e Ac.R.L. de 20.09.2007 (Pº 6114/2007-6), acessíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt.

Visam tais princípios, tantas vezes olvidados, fomentar a colaboração entre os magistrados, os mandatários e as próprias partes, com vista a obter-se, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, sendo para tal imprescindível que as partes litiguem de forma clara e verdadeira sem que deduzam oposição cuja falta de fundamento não podem ignorar ou sejam omitidos factos relevantes para a decisão da causa.

Litiga, por conseguinte, de má-fé a parte que omite factos relevantes para a decisão da causa tendo consciência de que pleiteava omitindo tais factos ou faça um uso manifestamente reprovável dos meios de prova, não podendo desconhecer que dessa forma entorpecia e protelava a acção da justiça.

Como se entendeu no Ac. STJ de 02.06.2016 (Pº 1116/11.3TBVVD.G2.S1), deve continuar-se a ser cauteloso, prudente e razoável na condenação por litigância de má fé, o que só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com grave negligência, com o fito de impedir ou a entorpecer a acção da justiça.

Entendeu a Exma. Juíza do Tribunal a quo, a este propósito, que: (…) considerando que o tribunal concedeu ao A por várias vezes a oportunidade de rever a sua posição, a R alertou o A para a falta de fundamento da sua pretensão, foi realizada audiência prévia em que mais directamente foi o A confrontado com a possibilidade de o tribunal conhecer imediatamente do mérito da causa, sem que isso tenha demovido o mesmo, não podemos deixar de sancionar a conduta do A que, advogado em causa própria, com negligência que se tem como grave (considerando a quantidade de vezes em que foi alertado para falta de fundamento) deduziu uma pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar e manteve-a quando essa falta era de tal forma evidente, tanto que não se opôs a que o tribunal conhecesse já do mérito da causa.
Assim, nos termos do disposto no art.542º do CPC, mostra-se necessário e adequado condenar o A na multa correspondente a 3Uc’s como litigante de má fé.

Sucede, porém, que como se infere do Ac. STJ de 11.09.2012 (Pº 2326/11.09TBLLE.E1.A1), acessível no supra citado sítio da Internet, a litigância de má-fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma tem consciência de não ter razão.

Ao invés, quem litiga sem direito, mas o faz convicto de que tem razão substancial, ainda que não a tenha, não comete qualquer ilícito, podendo apenas responder objectivamente pelas custas, nos termos preceituados no artigo 531º do CPC.

É que, como claramente se enunciou no Ac. STJ de 12.11.2015 (Pº 3681/12.9TTLSB.S1), o aludido normativo que consagra o princípio da taxa sancionatória excepcional, foi introduzida no CPC exactamente com o objectivo de penalizar todo aquele que, não litigando com a intensidade que a má-fé exige – do dolo ou da negligência grave - o faça nos termos aí previstos.

De resto, uma alegação convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável susceptível de despoletar a aplicação do artigo 542º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. Necessário se torna a demonstração da inobservância dos deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé processual.

No caso vertente, discorda-se do juízo formulado pelo Tribunal a quo.

Ora, se é verdade que a má-fé se traduz na violação do dever de probidade que se impõe às partes - dever de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade e não requerer diligências meramente dilatórias – não é possível concluir, sem mais, que o autor apresentou em juízo pretensão sem o mínimo fundamento.

O que se passou foi que o autor veio, pelos vistos sem razão, invocar a violação contratual por parte da ré, não tendo logrado convencer o tribunal da sua interpretação da lei postal.

Mas, daí não resulta necessariamente que o autor tivesse apresentado em juízo pretensão com a consciência da sua falta de razão. Inexistem elementos seguros para assim se entender.

Uma alegação convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável susceptível de despoletar a aplicação do artigo 542º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

In casu, não se encontra plenamente demonstrada a inobservância dos deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé processual, não se vislumbrando, assim, fundamento legal para a respectiva condenação do autor como litigante de má fé.

De resto, a parte nunca poderia ser condenada como litigante de má fé, sem a sua prévia audição, por violação dos princípios constitucionais de acesso ao direito, do contraditório e da proibição da indefesa, consagrados na Lei Fundamental, conforme tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional – v. a título meramente exemplificativo, Acs. nº440/94, de 7.6.94, II Série do DR de 1.9.94, n.° 103/95, II Série do DR de 17.6.95, n.°357/98, de 12.5.98, de 12.5.98, II Série do DR de 16.7.98 e nº498/2011, de 26.10.2011, in DR. 2ª Série, nº 231, de 2.12.2011.

Procede, pois, nesta parte, o recurso interposto pelo autor/apelante, pelo que se revoga a condenação deste, como litigante de má-fé, no pagamento da multa de 3 unidades de conta (UC), mantendo-se, no mais, a sentença recorrida.

O apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

IV.–DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes desta ...ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a)-Determinar o desentranhamento dos documentos apresentados com a apelação, e ulterior entrega ao apresentante, condenando-se o recorrente pela indevida apresentação dos documentos, em 0,5 UC, a título de multa, nos termos dos artigos 443º, nº 1 do CPC e 27º, nº 1 RCP.
b)-julgar o recurso procedente no que concerne à condenação do autor como litigante de má fé, razão pela qual se revoga, nessa parte, a decisão recorrida, não se mantendo a condenação do autor como litigante de má-fé.
c)- Confirmar, no mais, a decisão recorrida.
Condena-se o apelante no pagamento das custas respectivas, na proporção de ½.



Lisboa, 27 de Abril de 2017

Ondina Carmo Alves – Relatora 
Pedro Martins 
Lúcia Sousa