Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | CATARINA ARÊLO MANSO | ||
| Descritores: | BRISA AUTO-ESTRADAS DE PORTUGAL ACIDENTE DE VIAÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL LENÇOL DE ÁGUA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 03/24/2011 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | I - Com a publicação da Lei n.º 24/2007, de 18-07, decorrendo do art. 12.º que, em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, designadamente em razão de “líquidos na via” (al. c) do n.º 1), o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária. II - A Brisa, enquanto concessionária, está obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto – estradas, quer tenham sido por si construídas, quer lhe tenham sido entregues para a conservação e exploração, sujeitas ou não ao regime de portagem. III - Consagra-se aqui o dever da concessionária assegurar a circulação em boas condições de segurança e comodidade, a implicar a responsabilidade, nomeadamente, por pavimento irregular, manchas de óleo, etc. IV - A responsabilidade civil que daí pode emergir para a Brisa, enquanto concessionária, deve ser aferida, segundo uns, à luz das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito, enquanto, segundo outros, tal responsabilidade deve ser aferida à luz das regras da responsabilidade civil contratual. V- No caso, a responsabilidade da Brisa por danos sofridos pelos utentes das auto-estradas de que esta é concessionária situa-se no campo da responsabilidade extracontratual. VI - No auto – estradas não deve haver lençóis de água, mas a brisa só reponde se houver defeito de concepção, deficiência do pavimento ou dos sistemas de drenagem, de falta de manutenção do sistema de escoamento em boas condições. (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I – A…, representado pela sua mãe B…, e C…, representado pela sua mãe D… intentaram acção declarativa de condenação, com processo comum, na forma ordinária, contra E…, S.A., Sociedade Anónima, com sede na …, e F…, S.A., com sede no …, peticionando a condenação das RR. no pagamento de: - € 75.000,00 a título de dano de perda de vida; - € 25.000,00 a título de danos morais sofridos pelo menor A …; - € 25.000,00 a título de danos morais sofridos pelo menor C…; - € 26.700,00 a título de pensão de alimentos que o menor A… deixou de receber; - € 50.600,00 a título de pensão de alimentos que o menor C… deixou de receber; Actualização destas quantias de acordo com os índices de inflação do INE desde a data do acidente até à citação, e acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento. Alegaram que: no dia 22.10.2002, na A1, ao km 42,5, ocorreu um acidente de viação em consequência do qual faleceu G..., pai dos AA. A... e C..., ambos menores. A R. E…,SA foi a construtora da A1 e é a concessionária do Estado para a construção, conservação e exploração da mesma, cabendo-lhe assegurar a circulação na A1 em condições de segurança e comodidade A R. E…,SA transferiu por contrato de seguro efectuado com a R. F…,SA a responsabilidade civil por danos causados a terceiros na sua qualidade de concessionária da A1. No dia do acidente, G…, ao entrar na A1, na Guarda, muniu-se de título destinado ao pagamento de portagem, pagamento que só não fez devido ao acidente em causa nos autos. No dia do acidente choveu regularmente ao longo do dia, tendo chovido mais intensamente nas 2 ou 3 horas que antecederam o acidente. No dia 22.10.2002, pelas 16.10 horas, G… circulava na A1 sentido Norte/Sul, a uma velocidade de 90 a 100 km/hora, do lado direito da faixa de rodagem, ao chegar ao km 42,5 da A1, local onde a via em que seguia tem três faixas de rodagem e descreve uma curva para a esquerda, atento o sentido de circulação de G…, a qual é pouco acentuada e se desenvolve por mais de 600 metros. Quando se encontrava a efectuar uma manobra de ultrapassagem, na curva mencionada, G… tomou a faixa esquerda da via e no km 42,5 perdeu o domínio da viatura que conduzia e entrou em hidroplanagem.Tal facto ocorreu em virtude de uma camada de água proveniente das chuvas se ter acumulado na via criando um poça ou lençol de água que abrangia toda a faixa de rodagem esquerda, pelo que a viatura em que seguia G… passou a circular sobre a mesma com os quatro rodados, deixando de ter A viatura …NG saiu do lençol de água descontrolado, atravessou transversalmente a via e saiu da faixa asfaltada, galgou a berma direita atento o seu sentido de circulação, embatendo no morro junto a essa berma, tendo, consequentemente o veículo capotado várias vezes ao longo da berma vindo a ficar imobilizado no rail de protecção, a cerca de 50 metros do local do 1.º embate, sendo que G… foi projectado da viatura ficando imobilizado a cerca de 30 metros do local onde o carro ficou imobilizado A culpa do acidente deve ser imputada à R. E…,SA que omitiu as suas obrigações de manter a via em boas condições de segurança de circulação e de desenvolver as necessárias intervenções para que se possa circular sem perigo de acidente. A acumulação de águas pluviais na via derivou de deficiente escoamento e drenagem daquela água, sendo que a R. E…,SAa nada fez para, perante tal acumulação de água, proceder ao imediato escoamento da água acumulada em poça ou até ao encerramento da via, de forma a evitar o acidente. A R. E…,SA violou o dever de cuidado a que se encontra obrigada, de assegurar as boas condições de utilização com segurança e comodidade da circulação da A1, violando o disposto no DL n.º 315/91, de 20.08, pelo que é civilmente responsável quer em termos de responsabilidade contratual quer de responsabilidade extracontratual, no pagamento aos AA. da indemnização requerida. Em consequência do acidente em apreço, G… sofreu as lesões descritas nos autos que lhe determinaram a morte. O G… tinha 37 anos quando faleceu e era saudável, alegre, empresário empreendedor de sucesso e tinha um ambiente familiar feliz e harmonioso, bem como alegria de viver e um bom futuro à sua frente. Pelo direito à vida deve ser fixada uma indemnização no valor de € 75.000,00, direito que é transmissível aos filhos AA. por via sucessória. Os AA., filhos de G…, menores, após a morte do pai tornaram-se crianças tristes, melancólicas, isoladas e apáticas e passaram a ter graves problemas a nível psicológico e do sistema nervoso e perturbações a nível de sono e de descanso e na sua vida escolar, danos que devem ser ressarcidos através do pagamento de uma indemnização no valor de € 25.000,00 a cada um dos AA. Atenta a data de falecimento de G… e a data de maioridade de A…, considerando o valor da pensão de alimentos que recebia, no valor de € 250,00, com as actualizações anuais, temos que o mesmo pagaria a título de pensão de alimentos a quantia global de € 26.700,00 e ao menor C…, atentos os mesmos critérios, a quantia global, a título de pensão de alimentos, de € 50.600,00; Tais quantias devem ser actualizadas de acordo com os índices de inflação do INE desde a data do acidente e até à citação das RR., acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento. Os AA. requereram, ainda, a citação prévia das RR., que foi deferida. A R. F…,S.A. apresentou contestação, pugnando pela improcedência da acção. Veio defender que nenhuma responsabilidade na produção do sinistro é de assacar à R. E…,SA, pois o piso da via encontrava-se em perfeitas condições de conservação e utilização e a sua configuração não provocava a formação de lençol de água, pelo que o acidente, se existiu, deveu-se à intensidade da chuva. A R. E…,SA procede ao patrulhamento constante da A1, o que aconteceu no dia dos factos, sendo que durante esse patrulhamento não foi detectada qualquer anomalia ou obstáculo na via; A GNR BT também procede ao patrulhamento permanente da auto-estrada e não comunicou à R. Brisa qualquer lençol de água na via; Nenhum facto ilícito pode ser imputável à R. E…,SA. A R. E…,SA apresentou contestação, invocando a nulidade da citação por a mesma não ter sido feita para a sua sede, e pugnando pela improcedência da acção. Impugnou todos os factos que não sejam do seu conhecimento pessoa. Não é foi a construtora da A1, sendo apenas concessionária para a construção, conservação e exploração da mesma. É falso que não existissem rails de protecção pois foi a viatura em que seguia G… que os destruiu. Alegou que o acidente não ocorreu em consequência de um lençol de água existente no pavimento da A1, mas sim em consequência de excesso de velocidade imprimida pelo condutor da viatura. A culpa na produção do acidente cabe ao condutor da viatura que não adaptou a velocidade da viatura às condições climatéricas que se faziam sentir. Não existia qualquer lençol de água na via uma vez que não existe qualquer erro, vício ou defeito de construção, uma vez que a mesma estava construída de acordo com as regras técnicas legais aplicáveis, sendo que a água existente na via era a decorrente das chuvas. Nas auto-estradas concessionadas existem sistemas de drenagem de águas pluviais que comportam pluviosidade máxima em toda a rede da A1, com eficiente escoamento de água através de caleiras e sarjetas, que são periodicamente limpos e desobstruídos. A R. E…,SA não é responsável pela ocorrência do sinistro. O seu pessoal da assistência que patrulham as auto-estradas concessionadas 24 horas por dia não detectaram nada de anormal na via nesse dia, que pudesse provocar o acidente, tal como as Brigadas da GNR BT, que também patrulham as vias, nada detectaram de anormal que perigasse a circulação. A responsabilidade da concessionária é extracontratual por factos ilícitos, pelo que o ónus da prova cabe aos AA. e não à R., não havendo responsabilidade contratual da E…,SA pelos danos resultantes de sinistros ocorridos na auto-estrada, pelo que não tendo os AA demonstrado qualquer omissão culposa ou negligente por parte da R. E…,SA que fosse causa adequada e eficiente do sinistro não pode a mesma ser condenada ao pagamento de qualquer indemnização. Por despacho de fls. 158 foi decretada a nulidade da citação da R. E…,SA que se considerou efectuada com a notificação do despacho. A R. E…,SA apresentou nova contestação, invocando a prescrição do eventual direito à indemnização dos AA., uma vez que só se considera citada em 05 de Dezembro de 2005, em face da declaração de nulidade da primitiva citação, sendo que o acidente em apreço nos autos ocorreu em 22.10.2002, pelo que já haviam decorrido os três anos do prazo prescricional. A R. E…,SA pugnou, ainda, pela improcedência da acção, repetindo tudo o que já havia consignado na primeira contestação que apresentou e que se resumiu, supra, para aí se remetendo, na íntegra. Os AA. apresentaram réplica à contestação da R. E…,SA alegando que, sendo os AA. menores, a prescrição não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade, ou seja, um ano após os AA. atingirem a maioridade, mas ainda que assim se não considerasse, a R. E…,SA foi inicialmente citada em 21.10.2005, sendo que a anulação posterior daquela citação não impede, nos termos do art. 323.º, n.º 3, do CPC, o efeito interruptivo daquela citação anulada. Por fim, alegaram ainda que, no caso concreto, o prazo de prescrição é de 20 anos por se tratar de responsabilidade civil contratual. Por despacho de fls. 201 e segs. foi corrigido o valor da causa, dispensada a realização de audiência preliminar, e julgada improcedente a arguida excepção de prescrição. Foi proferido despacho saneador a fls. 203 a 210, com selecção da matéria de facto assente e a Base Instrutória. AA. e RR. apresentaram reclamações sobre a Base Instrutória. Procedeu-se a julgamento e a acção foi julgada improcedente. Não se conformando com a decisão os autores interpuseram recurso e nas suas alegações concluíram: - a matéria alegada pelos AA no artigo 46º da petição inicial é relevante e decisiva para a descoberta da verdade já que, se provada, contribuiria decisivamente para o Tribunal formar a convicção de que o acidente dos autos se deveu à existência de um lençol de água na via e, nessa medida, decidir no sentido de a Ré E…,SA a ter violado as suas obrigações de segurança e consequentemente ser culpada na produção do acidente; - indeferida a Reclamação dos AA no sentido de não incluir tal matéria na Base Instrutória, privou os AA de fazerem prova sobre factos relevantes e decisivos para a sua pretensão, privando-os de exercer o seu acesso ao direito previsto no art. 20º da C.R.P. e violando o disposto no art. 511º do C.P.C; - consequentemente deve tal despacho ser substituído por decisão que ordene a inclusão dessa matéria artigo 46º da petição inicial na Base Instrutória, anulando-se todo o processado subsequente, designadamente a douta Sentença recorrida com todas as consequências legais; - os quesitos 23º e 25º contém e consistem em matéria conclusiva e conceitos de direito pelo que devem considerar-se como não escritos, quer o teor desses quesitos, quer a resposta que lhes foi dada; - para além dos factos atrás referidos, os recorrentes consideram incorrectamente julgados os concretos pontos de facto constantes dos quesitos 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º e 14º da Base Instrutória, impugnando-se a decisão que sobre os mesmos recaiu, já que a esses quesitos deveria ter sido dada resposta positiva no sentido de “provado” a cada um dos quesitos, sendo os concretos meios probatórios que impunham tal resposta, os depoimentos das testemunhas M... e O... - art. 690º-A nº 1 do C.P.C.; - a Ré Brisa, é concessionária para a construção, conservação e exploração da auto-estrada A-1 nos termos que se estabelecem no Decreto-lei nº 294/97 e de 14.10 (alínea B dos Factos Assentes); - como tal, está obrigada a assegurar, de modo continuado e permanente a sua conservação, devendo proceder às adequadas e necessárias intervenções para que, salvo casos de força maior devidamente verificados, nela se possa circular sem perigo; - provada que seja a matéria dos quesitos 8º a 14º da BI nos termos expostos e requeridos na Conclusão VI, verifica-se que o acidente dos autos se ficou a dever à existência de lençol de água na via que foi causa e provocou o despiste da viatura e, consequentemente, a Ré E…,SA violou os deveres legais de conservação e segurança na A-1 a que está obrigada, sendo por isso responsável pelo acidente e ressarcimento dos prejuízos dai advindos; - nos termos do disposto no artigo 12º da Lei nº 24/2007 de 18/7, em caso de acidente rodoviário em auto-estradas que tenham origem em algumas das situações ali previstas, nomeadamente existência de líquidos na via quando não resultantes de condições climatéricas anormais, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança compete à concessionária, estabelecendo-se uma inversão do ónus de prova na situação ali tipificadas; - nas auto-estradas com portagens, a responsabilidade da concessionária da auto-estrada baseia-se na responsabilidade civil contratual, pelo que contra a Ré E…,SA funciona a presunção de culpa a que alude o art. 799º do C.C. pelo que caberia a esta a prova de que agiu sem culpa, impondo-se assim a presunção juris tantum imposta por lei nos termos do art. 342º, 344º nº 1 e 350º do C.C; - caso se opte pela responsabilidade civil extracontratual com aplicação do art. 493º do C. Civil, como os recorrentes entendem, haverá também inversão do ónus da prova, cabendo igualmente à Ré E…,SA a prova de que o acidente não procedeu de culpa sua; - os recorrentes demonstraram nos autos, pela factualidade provada, que o acidente em questão ocorreu devido à existência de acumulação de água na via onde circulava o infeliz G…, sendo que foi em virtude de existir essa água que os rodados da viatura perderam aderência ao piso levando a que o condutor perdesse o controlo da viatura e nessa sequência se desse o embate; - competia à Ré E…,SA alegar e provar factos que demonstrassem não ter tido culpa na produção do acidente e que demonstrassem ter cumprido todas as regras de manutenção, conservação e segurança da via que lhe são impostas, o que a Ré E…,SA a não logrou fazer; - deveria o Tribunal “a quo” ter julgado a acção provada e procedente e condenada as RR nos pedidos; - não o tendo feito, e antes tendo julgado a acção improcedente, na douta Sentença recorrida, o Tribunal “a quo” violou e/ou fez errada interpretação dos artigos 20º da C.R.P. e artigos 511º, 646º do C.P.C., 342º, 344º nº 1, 350º, 493º nº 1 e 799º do C. Civil e art. 12º da Lei nº 24/2007 de 18-07, na medida em que deveria ter aplicado tais normativos legais no sentido da procedência da acção; - deve ser revogada a douta Sentença recorrida, substituindo-a por decisão que julgue a acção provada e procedente e consequentemente condene as RR nos pedidos formulados. Factos 1.No dia 22 de Outubro de 2002 ocorreu um acidente de viação na Auto-estrada do Norte – A1 ao km 32,5, no Concelho e Comarca de Alenquer, no qual perdeu a vida G… (Alínea A). 2.No dia 22 de Outubro de 2002, G…, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca …, matrícula …-NG, entrou na A1, circulando no sentido norte-sul (Alínea D). 3.Na altura do acidente chovia (Alínea E). 4.No local do acidente a via direita (sentido norte/sul) da A1 tem três faixas de rodagem com a largura de 10,5 metros e berma com 2,5 metros (Alínea F). 5.Cerca do km 32,5 da A1, sentido Norte/Sul, a via da direita tem três faixas de rodagem e descreve uma curva para a esquerda, atento o mesmo sentido, a qual é pouco acentuada (Resposta ao artigo 3.º da Base Instrutória). 6.G… conduzia a referida viatura a uma velocidade não inferior a 90 km/hora (Resposta ao artigo 4.º da Base Instrutória). 7.Cerca das 16 h 10 m e em plena curva referida em 5.º, o G… iniciou uma manobra de ultrapassagem de um veículo que seguia na faixa central dessa via (Resposta ao artigo 6.º da Base Instrutória). 8.(…) pelo que tomou a faixa esquerda da mesma via (Resposta ao artigo 7.º da Base Instrutória). 9.Em virtude de existir na via uma camada de água proveniente das chuvas, os pneus do rodado do veículo …-NG deixaram de ter contacto directo com o asfalto, passando o mesmo a circular com os quatro rodados sobre a água existente na via, entrando em hidroplanagem (Resposta aos artigos 9.º, 10.º, 12.º e 13.º da Base Instrutória). 10.Em consequência directa dos factos descritos em 9.º o condutor do veículo …-NG perdeu o controlo sobre o mesmo, o qual saiu de cima da água descontrolado (Resposta aos artigos 8.º e 14.º da Base Instrutória). 11. (…) atravessou transversalmente a via (Resposta ao artigo 15.º da Base Instrutória). 12.(…) saiu da faixa asfaltada e galgou a berma direita da via, atento o sentido norte/sul (Resposta ao artigo 16.º da Base Instrutória). 13.(…) embatendo no morro sito junto dessa berma (Resposta ao artigo 17.º da Base Instrutória). 14.Na sequência e em consequência desse embate o veículo capotou várias vezes ao longo da berma, colidindo em vários pontos do terreno nesse percurso (Resposta ao artigo 18.º da Base Instrutória). 15.(…) e vindo a ficar imobilizado no “rail” de protecção desse lado, a cerca de 50 metros do local do primeiro embate (Resposta ao artigo 19.º da Base Instrutória). 16.No local do primeiro embate não existiam rails de protecção (Resposta ao artigo 20.º da Base Instrutória). 17.Em consequência do acidente referido G… sofreu as seguintes lesões: escoriações múltiplas da região dorso-lombar, fractura exposta dos ossos do crânio com perda de massa encefálica na região biparietal; fractura da clavícula esquerda, dos ossos do braço e da perna direitos, rinorragia e otorragia bilateral; edema cerebral difuso; perda de massa encefálica; fígado congestionado; que foram causa da sua morte (Resposta ao artigo 27.º da Base Instrutória). 18.No local onde se deu o acidente não era, à data do mesmo, visível qualquer vício, erro ou deficiência de construção da Auto-Estrada (Resposta ao artigo 23.º da Base Instrutória). 19.O piso da via aparentava boas condições de conservação e utilização (Resposta ao artigo 25.º da Base Instrutória). 20.Em toda a rede da A1 existem sistemas de drenagem de águas pluviais (Resposta ao artigo 46.º da Base Instrutória). 21.A velocidade do escoamento das águas pluviais depende da quantidade de água a escoar (Resposta ao artigo 47.º da Base Instrutória). 22.O pessoal da Assistência a Utentes da Ré E…,SA que patrulham as auto-estradas concessionadas 24 horas por dia, no dia do acidente nada de anormal detectaram (Resposta ao artigo 24.º da Base Instrutória). 23.Ao entrar na A1, o G… muniu-se no título destinado a efectuar o pagamento da utilização dessa via (Resposta ao artigo 2.º da Base Instrutória). 24.A Ré E…,SA é concessionária para a construção, conservação e exploração da A1, nos termos do que se estabelece no Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro (Alínea B) dos Factos Assentes); 25.A R. F…, S.A. é seguradora da responsabilidade civil extracontratual da Ré E…, S.A., nos termos da apólice n.º ... (Alínea C) dos Factos Assentes). 26.G… nasceu no dia 06.02.1966 e faleceu no dia 22.10.2002, no estado civil de divorciado com B… (Alínea I) dos Factos Assentes). 27.O G… era uma pessoa saudável, bem constituída fisicamente (Resposta ao artigo 29.º da Base Instrutória) 28.(…) e praticante de vários desportos (Resposta ao artigo 30.º da Base Instrutória). 29.Era uma pessoa extrovertida, alegre, dinâmica, e tinha uma grande alegria em viver (Resposta ao artigo 31.º da Base Instrutória). 30.Para além da sociedade referida em 33.º, G… era sócio maioritário da empresa H…, Lda., ligada às telecomunicações e telemóveis, possuindo vários estabelecimentos comerciais (Resposta ao artigo 32.º da Base Instrutória). 31.Era sócio maioritário da empresa I… Lda., representante e fabricante em exclusivo para Portugal dos equipamentos GPS/ GSM (Resposta ao artigo 33.º da Base Instrutória). 32.Em 06.10.2002 o G…, na qualidade de sócio da I…, Lda., havia formado um contrato com a J…, através do qual a referida sociedade fornecia em exclusivo, a todos os proprietários de táxis filiados na J…, equipamentos GPS/GMS, software e serviços (Resposta ao artigo 34.º da Base Instrutória). 33.O G… tinha um ambiente familiar feliz e harmonioso constituído com a A. D… e o filho de ambos C… (Resposta ao artigo 35.º da Base Instrutória). 34.(…) e viajava frequentemente para todo o país com a companheira e filhos (Resposta ao artigo 36.º da Base Instrutória). 35.G… auferia da sua actividade profissional uma quantia média mensal não inferior a € 3.000,00 (Resposta ao artigo 44.º da Base Instrutória). 36.O autor A… nasceu no dia 26.06.1992 e é filho de G…e de B… (Alínea G) dos Factos Assentes). 37.O autor C… nasceu no dia 08.04.1997 e é filho de G…e de D…(Alínea H) dos Factos Assentes). 38.À data do acidente G… pagava quantia não inferior a 250 Euros por mês de pensão de alimentos ao seu filho A… (Resposta ao artigo 1.º da Base Instrutória). 39.A… e C… eram antes da morte de G…, crianças alegres, efusivas, extrovertidas com uma grande alegria de viver e conviver com amigos e familiares (Resposta ao artigo 37.º da Base Instrutória). 40.Após a morte do G… tornaram-se crianças tristes, melancólicas, soturnas, isoladas, solitárias, apáticas, perdendo a vontade que sempre tinham de brincar e conviver com colegas e amigos (Resposta ao artigo 38.º da Base Instrutória). 41.Em consequência da morte do pai C… passou a ter perturbações a nível do sono e do descanso (Resposta ao artigo 39.º da Base Instrutória). 42.E o C… passou a ter incontinência urinária nocturna (Resposta ao artigo 40.º da Base Instrutória). 43.A… perdeu o ano lectivo de 2003/2004 (Resposta ao artigo 41.º da Base Instrutória). 44.(…) perderam a capacidade de aprendizagem e concentração, sentindo grande dificuldade na aquisição de novos conhecimentos, necessitando de acompanhamento escolar extraordinário para além das aulas normais (Resposta ao artigo 42.º da Base Instrutória). 45.O A… e o C…, depois da morte do pai, têm necessidade de acompanhamento médico e psicológico especializado (Resposta ao artigo 43.º da Base Instrutória). Houve contra alegações defendendo a manutenção da decisão da E…,SA e F…,SA. Corridos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento II – Apreciando O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (art. 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido. O objecto do presente recurso está circunscrito à seguinte questão: se, a Ré E… S.A., como concessionária da auto-estrada onde ocorreu o acidente de viação, é responsável pelo seu ressarcimento dos danos causados aos autores pela morte do pai (e, também, a Ré seguradora por força do contrato de seguro que celebrou com a outra Ré). 1.1. A Recorrente pretende a alteração da matéria de facto e, após tal desiderato, a revogação da decisão. Vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre (art.º. 655º do C.P.C.), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. De acordo com este princípio, que se contrapõe ao princípio de prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas. Acresce que o princípio da livre apreciação das provas só cede perante situações de prova legal, que fundamentalmente se verificam nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais. No domínio da prova testemunhal, vigora o princípio da livre apreciação das provas – art. 396º do CC – segundo a convicção que o julgador tenha formado acerca de cada facto – art. 655º, nº1 – sem embargo, naturalmente, do dever de as analisar criticamente e especificar os fundamentos decisivos para a convicção adquirida – art. 653º, n.º 2, do CPC. Embora seja permitida a reapreciação dos elementos de prova constantes do processo, podendo a 2ª instância adquirir uma convicção diferente daquela a que chegou a 1ª instância, e expressá-la em concreto, alterando a decisão do tribunal inferior nos pontos questionados, quanto a nós, semelhante ampliação de poderes, não se impõe a realização de novo e integral julgamento nem admite recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto. Na verdade, mantendo-se em pleno vigor os princípios da oralidade, da imediação, da concentração e da livre apreciação das provas, e orientando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de absoluta certeza, o uso pela Relação dos poderes de alterar a decisão da 1ª instância acerca da matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão nos concretos pontos questionados. A tudo acresce que a prova testemunhal é apreciada livremente pelo Tribunal – cf. art. 396º do CC – e, bem assim, os depoimentos de parte, ainda que contendo confissão não reduzida a escrito – cf. art. 358º, nº4, do CC e 563º, nº1 –, porquanto só a confissão judicial escrita goza de força probatória plena – cf. art. 358º, nº1, do CC. Nos Ac. STJ, de 13.3.2002 e de 27.9.2005; decidiu-se que: a análise da prova gravada não importa a assunção de uma nova convicção probatória, mas tão só a averiguação da razoabilidade da convicção atingida pela instância recorrida, com a avaliação do julgador perante a mediação da prova testemunhal. A acrescer a isto, há que ter em conta que o julgador não pode apenas ter em linha de conta este ou aquele depoimento, este ou aquele documento. Deve formular um juízo de valor sobre todos os meios de prova apresentados em juízo e, depois, ponderadamente, responder aos factos que compõem a matéria da base instrutória. Em face da impugnação da matéria de facto importa apreciar se procede a sua pretensão com a requerida ampliação e alteração das respostas à matéria de facto. 1.2 Defendem os apelantes que o art. 46 da pi devia constar da BI. O art. 46 tinha a seguinte redacção: “No dia do acidente (22.10.2002) e sensivelmente no mesmo local e também pelo mesmo motivo de acumulação de água na via, ocorreu pelo menos um outro acidente (e crêem os AA que terão ocorrido até mais acidentes) provocando o despiste de veículos e pelo menos a morte de duas pessoas”. Foi indeferida tal pretensão pelo juiz de 1ª instancia quando reclamaram da sua não inclusão na BI dessa matéria de facto. Foi considerado que esta matéria seria circunstancial. Aliás, não afirmaram que correu, mas constava. Por outro lado, não indicaram ninguém que tivesse conhecimento de tal ocorrência. As testemunhas ouvidas não tiveram conhecimento e também na Brisa os funcionários ouvidos, nada sabiam, nem tomaram conhecimento de qualquer ocorrência. E, o elemento da autoridade policial competente que tomou conta deste acidente, ao ser ouvido referiu que aquele não era local de aquaplaning e não teve conhecimento de outros acidentes naquele local e naquele dia. Mas, seguramente que não compete ao tribunal, apurar responsabilidades na produção de outros acidentes e indagar da sua ocorrência, quando não foram indicados quaisquer intervenientes, nem mesmo a certeza de que ocorreram. Aliás, seria fácil essa pesquisa junto das autoridades policiais ou outras. Não seria credível que tivessem ocorrido dentro da sua área e a Brisa deles não tivesse tomado conhecimento, nas circunstâncias em que este acidente ocorreu. O mesmo acontecendo com a autoridade policial que elaborou a participação do acidente e referiu que o local onde ocorreu o acidente não era um local de aquaplaning. Podemos concluir, não se tratar de facto com relevância para se incluir na B.I., o que leva à improcedência desta pretensão dos apelantes. Mas, mesmo que pudessem ter ocorrido, em nada adiantava para o apuramento deste acidente, a não ser que ainda lá estivessem os carros e se tratasse de uma situação recorrente e sucessiva. Tal não foi alegado. E, os autos seguramente relatariam esses factos se tivessem ocorrido, naquele local e nas circunstâncias que referem poder ter ocorrido. Nem os apelantes tiveram em concreto notícia dos mesmos. No entanto, e na hipótese de tais ocorrências serem verdadeiras, nada adiantavam para se estabelecer o nexo causal desses acidentes com o ocorrido nestes autos. A autoridade policial que tomou conta deste acidente disse: que não havia acumulação de água no local quando chegou. Aliás, como referiram várias testemunhas a deslocação da água para os taludes de escoamento depende do caudal da precipitação, uma verdade sem necessidade de prova. Não se provando a referida acumulação em lençol de água e, também que a água não tivesse local de escoamento. Apenas se sabe que chovia intensamente e a via tinha a água da chuva que se movimentava para o talude de escoamento. E tal versão foi confirmada pelos funcionários da E… que foram ouvidos e não tiveram conhecimento dessas ocorrências, basta ouvir os depoimentos gravados das testemunhas L…, M…, N… e O…. Em suma, não merece provimento esta pretensão dos apelantes de verem alargada a BI, nos termos que foram requeridos, apesar de invocarem a violação do art. 20 da CRP. Este art. dispõe que: 1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos. O art. 20 não pode ser interpretado como a consagração de um Estado judiciário ou Estado de justiça, entendido como um Estado em que o direito se realiza apenas através do recurso dos tribunais ou através da solução judicial de litígios. O direito de acesso aos tribunais ou o direito à via judiciária é uma das dimensões — porventura a mais importante, mas não é a única de acesso ao direito. Como consta na C.R.P. anotada de Gomes Canotilho e Vital Moreira fls. 410 “ A garantia do acesso ao direito e aos tribunais (n.º 1), embora esteja inserida no capítulo relativo aos direitos fundamentais, não se restringe naturalmente à defesa dos direitos fundamentais. O direito à protecção jurídica estende-se a todos e quaisquer direitos e interesses legalmente protegidos (n.º 1). O anterior enunciado textual constante deste preceito — «defesa de direitos e interesses legítimos» — já não estava em consonância com outras formulações mais rigorosas da Constituição, onde se falava já de «interesses legalmente protegidos»), como se revelava redutor e antiquado, pois poderia prejudicar a interpretação constitucionalmente mais conforme, que era a de entrar no âmbito de protecção da norma vários interesses juridicamente protegidos: públicos ou privados, individualizados ou difusos, individuais ou colectivos, simples ou qualificados (cf. art. 52, 202 e 268-3, 4 (.., 5). O novo enunciado linguístico é susceptível ainda de favorecer uma interpretação do preceito não reconduzível à ideia de o direito de acesso ao direito engloba o direito à informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário (n.º 2). A Constituição não delimita, ela mesma, o âmbito deste direito, remetendo para a lei a sua concretização. Não ocorreu qualquer violação do art. 20 da CRP, com a não introdução de factos na BI que não foram julgados relevantes para a decisão e em nada adiantavam para a decisão do acidente em causa nos presentes autos. 1.2 Continuando com a sua discordância, defendem os apelantes que os art. 23 e 25 contêm matéria conclusiva e consequentemente devem ser dadas como não escritas as respostas que obtiveram. Estes art. foram respondidos da seguinte forma: 18.No local onde se deu o acidente não era, à data do mesmo, visível qualquer vício, erro ou deficiência de construção da Auto-Estrada (Resposta ao artigo 23.º da Base Instrutória); 19.O piso da via aparentava boas condições de conservação e utilização (Resposta ao artigo 25.º da Base Instrutória); Mas, será que as expressões “ qualquer” “vício” “erro”“deficiência de construção” “perfeitas conservação e utilização” são conceitos de direito e/ ou conclusivas? Na selecção da matéria de facto impõe o art. 511 do CPC porque se consideram não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito, a selecção só deve conter factos materiais. São factos materiais as ocorrências da vida real, os eventos materiais e concretos, as mudanças operadas sem critérios fixados pela ordem jurídica -cf. Conselheiro Rodrigues Bastos, Notas ao CPC. Vol. III, pag.72. A distinção entre matéria de facto e de direito é muito difícil de fazer na prática há conceitos que usamos em simultâneo, quer no dia a dia quer nos conceito, veja-se entre outra a palavra “Erro”, pode ser de escrita de concepção ou até em sentido técnico jurídico. Ora no caso vertente quando se perguntava se havia erro não há dúvida que não o foi no sentido jurídico, qualquer pessoa sabe que se reportava a qualquer deficiência de construção. Mesmo acontece com “vício” “ perfeita conservação e utilização” ou “deficiência de construção”. Tais vocábulos foram usados como expressões que têm um emprego e significado vulgares ou correntes na linguagem do dia a dia de qualquer pessoa. Na verdade, é inquestionável que constitui questão de índole jurídica saber se determinada resposta a um item da «base instrutória» tem, ou não, natureza conclusiva e se, tendo-o, deverá ela ter-se por não escrita, ponderando o preceituado no nº 4 do art. 646º do Código de Processo Civil (na redacção anterior à emergente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto). Não porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum. Ora, numa aceitação (aliás não isenta de dúvidas) de que aquilo que se contém nas respostas aos art.23 e 25 da BI) deve ser perspectivado como matéria integrada no thema decidendum do presente pleito, entende-se que a factualidade ali retratada não pode, sem mais, ser tida por conclusiva. Podiam tais expressões ser integradas na BI e como tal constar nas respectivas respostas, “ qualquer” “vício” “erro”“deficiência de construção” “perfeitas conservação e utilização”, são factos do conhecimento geral e como tal com dupla aplicação e estão bem integrados nas respostas como factos correntes. Assim sendo, não sendo matéria de direito e muito menos conclusivos devem manter-se. Qualquer pessoa sabe o seu significado e seguramente não representam qualquer conceito de direito e, assim sendo, leva ao indeferimento desta pretensão dos apelantes. Em suma, não merece deferimento esta parte do recurso. 1.3 Defendem também os apelantes a alteração das respostas da matéria de facto – art. 8 a 14. Importa apreciar se procede a sua pretensão com a requerida alteração das respostas à matéria de facto. Insurgiram-se os apelantes contra as respostas dadas aos art. 8 a 14 Vejamos Os art. 8 e 14 obtiveram uma reposta restritiva: Em consequência directa dos factos descritos em 9.º o condutor do veículo …-NG perdeu o controlo sobre o mesmo, o qual saiu de cima da água descontrolado (Resposta aos artigos 8.º e 14.º da Base Instrutória. Os art. 9,10,12, e 13 também foram respondidos em conjunto os seguintes termos: Em virtude de existir na via uma camada de água proveniente das chuvas, os pneus do rodado do veículo …-NG deixaram de ter contacto directo com o asfalto, passando o mesmo a circular com os quatro rodados sobre a água existente na via, entrando em hidroplanagem (Resposta aos artigos 9.º, 10.º, 12.º e 13.º da Base Instrutória); A única testemunha presencial do acidente foi a que acompanhava o condutor desde a cidade da Guarda, o Sr. P…. Sabemos que choveu sempre desde o início da viagem na Guarda, pararam em Aveiras e após, o reinício da viagem o condutor que seguia a pelo menos 90/100Km/h, iniciou uma ultrapassagem e passou a ocupar a via mais à esquerda. Ai perdeu o controle do veículo. Mas, no seu depoimento referiu que choveu sempre e a viagem foi feita com “algum cuidado” palavras suas. No entanto quando iniciou a ultrapassagem, além de estar a chover “havia a neblina que os outros carros deitavam”. Não chovia torrencialmente. E referiu que sentiu um tremor no carro, não vendo o lençol de água concluiu que estava lá. E, justificou tal facto, com a ocorrência de uma situação similar que lhe aconteceu. O carro só perdeu o controle na sua versão quando quis retomar a 2ª faixa de rodagem e inclina-se para lá saindo da 3ª via onde estava a fazer a ultrapassagem. Perdeu o controle e foi parar fora da via após ter capotado. Também, estão escritas as suas declarações no auto de participação e na altura do acidente referiu que o condutor perdeu o controle do veículo, entrou em despiste para a direita, embateu na barreira lateral capotando. Ai consta que a chuva era intensa, e a autoridade que tomou conta da ocorrência referiu que a chuva era intensa, como consta do auto de notícia. Q…, guarda da GNR/BT, no seu depoimento referiu que esteve no local e não se apercebeu de qualquer poça. E referiu também que aquele local não era de acidentes por aquaplaning. Fez constar que chovia intensamente, no auto de participação do acidente. Nem os bombeiros que foram ouvidos e que naquele dia foram ao local do acidente, se recordaram de nada e, seguramente que se lá estivesse uma poça de água refeririam tal facto. Veja-se o depoimento das testemunhas R…, S… e T…. Por outro lado, os funcionários da brisa referiram que no local assinalado do acidente não era possível estar um lençol de água. E mais declararam que nos patrulhamentos feitos, nada foi assinalado de anormal. E, tinha ocorrido um há uma hora e dez minutos atrás. É sabido que a chuva caindo intensamente se acumula rapidamente e também desaparece se houver escoamento. A patrulha feita antes nada registou, nem qualquer outro acidente no local. A verdade, é que já existiram acidentes por aquaplaning na A1 e vão ocorrer mais infelizmente, por múltiplas e variadas situações. No seu depoimento, U…, operador do Centro de Comunicações da E..,SA, referiu que: naquele dia foram feitos os patrulhamentos normais e pelos seus apontamentos terá passado pelo local do acidente uma patrulha cerca de 1 hora e 10 minutos antes do mesmo; não foi relatada qualquer ocorrência naquele patrulhamento, nem acidente, nem acumulação de águas, apenas que estava a chover; não tem conhecimento de qualquer outra situação naquele dia. W…, engenheiro civil da R., descreveu a configuração da via onde o acidente ocorreu, bem como o sistema de patrulhamentos da R. E…,SA. Referiu, ainda, que: esteve no local após o acidente; o local tem uma berma revestida à direita, com talude em que as águas da estrada escorrem na caleira junto à berma; o piso está em bom estado; não há acumulação de água no local há órgãos de drenagem; as valetas são em forma triangular e revestidas a betão com escoamento bastante razoável; não foi relatada qualquer situação anómala nos patrulhamentos ao local, tendo o último ocorrido 1 hora e 10 minutos antes; quanto muito pode haver pontos com escoamento mais demorado; pode atestar do estado da via de Sacavém a Santarém; já ocorreram muitos acidentes por aquaplaning na A1, mas pode ser pela velocidade, estado dos pneus, muita chuva – em caso de muita chuva o escoamento é mais lento e por isso deve adequar-se a velocidade; pode haver água na estrada mas não em lençol de água, não estagnada, mas sim em circulação para as vias de escoamento. Saliente-se que esta testemunha referiu a inclinação transversal da via naquele local com um declive de 20 cm, sendo certo que a via tem aproximadamente 10 metros. Chovia intensamente e, por outro lado, no local a via descreve uma curva à esquerda com ligeira inclinação transversal a descer da direita para a esquerda e ligeira inclinação longitudinal a subir atento o sentido de marcha de G…, a água que caia teria de correr pela via mais à esquerda e descia em sentido contrário ao que circulava o falecido G…. O facto, é que a A1 também é patrulhada pela GNR-BT, e esta autoridade também não fez qualquer participação de existência de um lençol de água na via, aquele dia. E esta entidade seguramente que não tem interesse no desfecho da acção. Os apelantes insurgem-se contra os depoimentos levados em consideração, por serem quase todos funcionários da ré. Mas, sem razão, são essas pessoas que estão nos patrulhamentos, segurança da via e vigilância que têm conhecimento dos factos. Não se podem inventar testemunhas, quem toma conta das ocorrências tem conhecimento dos factos, mas como vimos ninguém referiu que estava lá no momento do despiste a não ser o acompanhante do falecido condutor. Podia acontecer que alguém da E…,SA estivesse por perto e presenciasse. Temos também o depoimento da testemunha P…, que no seu entender era devido à inclinação da via, que a água tinha tendência a acumular-se naquela zona. Ora, se estavam a subir a água não sobe desce. E foi nessa escorrência para os taludes da chuva intensa que o condutor ao acelerar e a mudar de faixa de rodagem perdeu o controle do veículo. Também como referiu esta testemunha havia nevoeiro produzido pelos outros carros com a chuva. É sabido que com estas condições atmosféricas a visibilidade é quase nula. Ou seja, condições ainda mais delicadas para quem inicia uma manobra de ultrapassagem, em curva, manobra que se efectua a acelerar, para obter uma velocidade superior ao veículo que se pretende ultrapassar. Se iniciou uma manobra de ultrapassagem havia outros veículos a circular nas vias mais à direita e não há notícia de que tivessem sofrido qualquer acidente com o lençol de água aí existente, naquele momento. No caso vertente a mudança de faixa de rodagem a acelerar, foi suficiente naquelas circunstâncias para a perda de controlo de veículo. Não se fez prova, de modo algum que existia um lençol de água na via. Se fosse verdade e a existir quando socorreram o sinistrado tinham encontrado os outros veículos também. Nada foi encontrado ou relatado pelas testemunhas. Mas a testemunha que foi ouvida, fez a participação e como referiu chovia intensamente e no local não havia lençol de água acumulada. Foi ao local logo a seguir ao acidente. Chovia intensamente e a estrada tinha água que escorria para os taludes, sendo certo que se escoa mais ou menos lentamente dependendo da abundância com que cai. Como referiu “o carro deu um solavanco, como se fosse um tremor” e continuou que o carro estava com falta de tracção. E já não foi possível ao condutor o seu controlo. O carro dirigiu-se em ângulo recto para o morro, até embater, deu cambalhotas e só parou quando embate num rail que entrou no carro. Tal falta de tracção ocorreu logo que mudou de faixa para iniciar a ultrapassagem. Sabemos que o condutor perdeu o controlo do veículo, nas circunstâncias descritas, mas não podemos concluir como pretendem que havia um lençol de água e por causa dela se verificou o acidente. Que perdeu o controle é seguro, e podemos concluir que nas circunstâncias descritas aconteceu essa perda de controlo após ter iniciado uma manobra de ultrapassagem sem visibilidade e numa curva. Na verdade, quantas vezes os condutores perdem o controle dos veículos sem causa conhecida. No caso vertente, o condutor tinha feito uma paragem, numa viagem longa e logo no reinício da mesma com chuva naquelas circunstâncias não permitiam a normal aderência do veículo. Não havia visibilidade e além da chuva, havia o “nevoeiro dos outros veículos”. Ou seja, não tinha visibilidade estava a entrar numa curva pouco acentuada acelerou e passou a circular à direita perdendo de imediato o controlo do veículo. Não sabemos se foi consequência da velocidade ou perda de aderência, ou de ambas. Podemos questionar se o condutor se mantivesse a circular à esquerda não entrava em despiste, como aconteceu aos outros condutores. Uma certeza há nos autos, em face da prova, podemos concluir que o despiste não foi consequência da água acumulada, naquele local, prova que não foi feita. Aliás, como vem provado imobilizou-se 40 a 50 m após o primeiro embate – art. 15. E assim sendo, as respostas da matéria de facto neste particular, não podem, de modo algum, ser alteradas. 1.2 Se a causa de pedir na petição inicial foi a existência de um lençol de água na via, não se provando esse facto bem se andou em julgar a acção improcedente. Se na altura chovia, não havia no local vício de construção, as patrulhas nada registaram quando aí passaram. Existiam no local sistemas e drenagem, para onde escorria a água, o que era normal num dia de chuva intensa. Ora, em face da prova, documental e testemunhal, temos de concluir que foi bem ponderada e nada impõe a sua alteração. Sem a requerida alteração da matéria de facto, podíamos remeter para a decisão, que está bem fundamentada e fez um apanhado das várias correntes doutrinais e jurisprudências sobre a imputação de responsabilidades à E…,SA. Para o efeito, haverá que reconhecer que a Ré E…,SA é concessionária da A1 (auto-estrada onde ocorreu o acidente) – Base I do anexo ao DL n.º 294/97 –, via na qual os utentes só circulam mediante o pagamento de uma prestação, a denominada “portagem”. Atenta a data do acidente (22.10.2002) tem aplicação o DL n.º 294/97, de 24/10 (com as alterações introduzidas pelo DL n.º 287/99, de 28/07), que modifica o contrato de concessão celebrado entre o Estado Português e a E…,SA, antes ao abrigo do DL n.º 315/91, de 20/08 (Anexo I). Foram variadas as teses defendidas pela jurisprudência e pela doutrina para saber a que título responde a E…,SA por danos causados nas auto-estradas de que é concessionária, nos casos de introdução de animais, arremesso de objectos ou existência de lençóis de água. Dentro da corrente contratualista, o Prof. Sinde Monteiro considerou que as regras da responsabilidade civil extracontratual não dão solução cabal ao problema, defendendo existir entre a concessionária e o utente uma relação jurídica com eficácia protectora de terceiros, existindo ou não pagamento de portagem, sendo, também, aplicável a regra do artigo 493º, nº1 do Código Civil.- in RLJ, Ano 132, pág.95. Ainda, o mesmo Prof. veio defender a existência de um contrato a favor de terceiro, mesmo não havendo lugar ao pagamento de portagem, sendo aplicável, também, o disposto no artigo 493º, nº1 do Código Civil - in RLJ, Ano 133, pág.66. O Dr. Cardona Ferreira defende que estamos em presença de responsabilidade contratual (contrato a favor de terceiro) na sua obra Acidentes de Viação em Auto-Estradas, Casos de Responsabilidade Civil Contratual?. Do lado da responsabilidade civil extracontratual situa-se o Prof. Menezes Cordeiro que, na sua obra Igualdade Rodoviária e Acidentes de Viação nas Auto-Estradas, Estudo de Direito Civil Português, 2004, apresenta as seguintes conclusões: “1ª. A circulação em auto-estrada pauta-se pelos princípios do padrão elevado e da igualdade rodoviária. 2ª. Em especial quanto à igualdade rodoviária: em todos os troços (concluídos pela Brisa ou pelo Estado e com portagem ou sem ela) e para todos os utentes (topos de gama, veículos antigos, automóveis particulares ou autoridades isentas de portagem) vigoram as mesmas regras de circulação e operam as mesmas responsabilidades, por exigência legal e de ordem pública. 3ª. Não é possível construir um contrato inominado por pagamento de portagens: não há liberdade de celebração nem de estipulação, não há concorrência de declarações (vg.: o passageiro vai a dormir) e ele implicaria a quebra de igualdade rodoviária; além disso não se aplica qualquer regime contratual (vg.: a recusa do pagamento da portagem não isenta a Brisa dos seus deveres). 4ª. O regime do artigo 493º/1, do Código Civil, só opera perante danos causados pelo imóvel: não no imóvel. 5ª. O contrato com protecção de terceiros não é necessário no Direito português; além disso, ele assenta em prestações compartilhadas pela parte e pelo terceiro (vg.: arrendamento) que, de todo, aqui não ocorrem e dá azo, quando opere, a uma responsabilidade mais próxima da delitual (a “terceira via”). 6ª. O contrato a favor de terceiro tem um regime que, de todo, aqui não se aplica; além disso, ele só poderia dispensar uma protecção ao condutor (e não a passageiros ou aos titulares dos veículos), violentando, ainda, o princípio da igualdade rodoviária. 7ª. A solução justa permite fazer apelo à segunda modalidade de responsabilidade aquiliana: a que decorre da violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios – 483º/1, do Código Civil. 8ª. A “disposição” é constituída pelas normas das bases da concessão, aprovadas pelo Decreto – Lei nº294/97,de 24 de Outubro, que tutelam os utentes. 9ª. Compete ao interessado provar o incumprimento dessas normas, a razoável conexão entre esse incumprimento e o dano verificado e isso em circunstâncias que permitam o juízo de culpa.” (pág.55, e 56). Já anteriormente havia afirmado: “O interessado terá de fazer prova: - que a E…,SA não cumpriu algum ou alguns dos seus deveres (o facto ilícito): a prova será evidente, nalguns casos, resultando da própria ocorrência (res ipsa loquitur); por exemplo: um buraco duradouro no asfalto; noutros, será mais difícil, mas não impossível; por exemplo: buraco na vedação; - que, em consequência provável desse incumprimento, houve danos (causalidade); - que, no seu conjunto, há circunstâncias que permitam um juízo de censura (culpa).” (pág.52) Com interesse para uma tomada de posição perante a polémica suscitada, importa ter presente as seguintes normas das Bases Anexas ao Decreto – Lei nº294/97, de 24 de Outubro. Base XXXIII 1- A concessionária deverá manter as auto-estradas que constituem o objecto da concessão em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, realizando, nas devidas oportunidades, todos os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinam, em obediência a padrões de qualidade que melhor atendam os direitos do utente. Como se referiu a corrente maioritária vai para a responsabilidade civil extracontratual para o utente da via poder demandar a E…,SA, como concessionária da auto-estrada. Pois: “Estranhos ao contrato de concessão, os utentes da via não podem exigir da E…,SA o cumprimento das obrigações assumidas naquele contrato, nomeadamente a obrigação de – “assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas”, conforme Base XXXVI, nº2, do Anexo ao DL 294/97. Deste preceito resulta para a entidade concessionária uma obrigação legal de manutenção das auto-estradas em bom estado de conservação, de segurança e comodidade de circulação, para cujo cumprimento se estabelece um conjunto de regras de construção, de reparação e de vigilância. Em caso de inobservância das mesmas só, o Estado pode exigir o seu cumprimento e aplicar as sanções pecuniárias previstas no Anexo aludido, não se estipulando nele qualquer responsabilidade da concessionária perante terceiros utentes dessas vias. Tem-se também entendido que a presunção instituída no art. 493º, nº1, se reporta apenas a danos causados pelo imóvel e não no imóvel”. - Ac. do STJ, de 14 de Outubro de 2004, www.dgsi.pt. Preceitua o nº1 do artigo 483º do Código Civil que: “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.” Daqui decorre que: A responsabilidade pelo risco (objectiva) é excepcional e só existe nos casos em que a lei o determina. O que não ocorre no caso presente. E que se torna necessário a verificação dos seguintes pressupostos: a) o facto; b) a ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) um nexo de causalidade entre o facto e o dano. O facto deve ser um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana, pois só quanto a facto desta índole tem cabimento a ideia de ilicitude, os requisitos da culpa e a obrigação de reparar o dano, nos termos em que a lei impõe (Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil, Anotado, vol. I, pág.471). Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito: o lesante, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo (Antunes Varela, RLJ, Ano 102º, 35 e segs.). “A culpa exprime um juízo de reprobabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor. Pode revestir duas formas distintas: o dolo – também denominada algumas vezes má fé - e a negligência ou mera culpa – culpa em sentido restrito” (Prof. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª edição, pág.587). Por outro lado, “as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outro requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido” (artigo 486º do Código Civil). Na responsabilidade civil extracontratual, o ónus da prova da culpa recai sobre o lesado (nº1 do artigo 487º do Código Civil) e dado que no caso presente não existe qualquer presunção de culpa – cf., ainda, artigo 342º do Código Civil. E, tendo presente, os ensinamentos do Prof. Menezes Leitão (in obra atrás citada), cumpre ao lesado a prova de que a Brisa não cumpriu algum dos seus deveres que visam a protecção dos utentes – “normas de protecção” - artigo 483º, nº1 do Código Civil – que houve danos em função de tal omissão (causalidade) e que os factos demonstram ter agido com culpa. Como se decidiu no Ac do STJ de 01-10-2009, acessível em www.dgsi: 1.A responsabilidade da BRISA por danos sofridos pelos utentes das auto-estradas de que esta é concessionária situa-se no campo da responsabilidade extracontratual. 2. Devendo considerar-se a auto-estrada uma coisa imóvel, sobre a qual – com todo o contexto envolvente, os acessórios de que a concessionária é detentora, integrando vedações, estruturas para a cobrança das portagens, placas de sinalização, separadores de sentido de trânsito, sinalização de emergência, etc. – detém um poder de facto, com o dever de a vigiar, a E…,SA responde por culpa presumida, nos termos do n.º 1 do art. 493º do C. Civil. 3. Ponto é que se possa afirmar a existência de um nexo de causalidade entre a coisa, a auto-estrada, e o dano, sendo, pois, necessária a constatação de um defeito, de uma anomalia ou anormalidade no seu funcionamento, v.g., um defeito de construção, de manutenção, de sinalização ou de iluminação. A existência de um destes vícios objectivos faz presumir não só a culpa da concessionária como também a ilicitude (violação de um dever), já que estamos perante deveres de agir para evitar danos para terceiros e, portanto, perante delitos de omissão, sendo que a violação do dever é aqui elemento da ilicitude. 4. Ao lesado caberá provar, num plano puramente objectivo, a existência do vício e o nexo de causalidade entre este e o dano. 5. O art. 12º, n.º 1 da Lei 24/2007, de 18 de Julho – que faz recair sobre a concessionária o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança nas auto-estradas, em caso de acidente rodoviário – tendo natureza interpretativa, não veio dirimir a querela sobre a natureza contratual ou extracontratual da responsabilidade civil, não podendo ver-se em tal norma a clarificação como contratual da natureza dessa responsabilidade. 6. A formação de um lençol de água no pavimento da auto-estrada, em condições de fazer com que os veículos entrem em hidroplanagem por falta de aderência dos pneumáticos, constitui um evento que obriga a concessionária a tomar as medidas necessárias para evitar a causação de danos aos condutores, designadamente pela sinalização adequada do local. 7. O ónus da prova da formação de um lençol de água, em condições de provocar a entrada em hidroplanagem do veículo sinistrado e o consequente despiste para fora da via – matéria cuja objectiva demonstração era, no caso concreto, necessária para que pudesse presumir-se quer a violação, pela E…,SA, do dever de assegurar a circulação em condições de segurança, quer a culpa na violação desse dever – impendia sobre os lesados, os autores. Não provada, por estes, a anomalia, nem, consequentemente, o nexo de causalidade entre esta e o dano, não chega a colocar-se a questão da ilicitude da conduta da ré nem a sua culpa na produção dos danos verificados. 8. Para haver obrigação de indemnizar, nos termos do art. 483º do CC, exige-se, além do mais, a prática de um acto ilícito ou antijurídico, que se revela ou através da violação de um direito de outrem ou através da violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios. 9. Neste segundo tipo de ilicitude, para que o lesado tenha direito à indemnização, é necessária a verificação de três requisitos: a) que à lesão dos interesses do particular corresponda a violação de uma norma legal, ou seja, a não adopção de um comportamento definido em termos preciso pela norma; b) que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada; c) que o dano se tenha registado no âmbito do círculo de interesses privados que a lei visa proteger. 10. As Bases XXXVI, n.º 3 e XXXVII, n.º 1 do anexo ao Dec-lei 294/97, de 24 de Outubro (diploma que estatui sobre as bases da concessão), impõem à E…,SA deveres que obrigam à implementação dos mecanismos necessários para garantir a monitorização do trânsito, a detecção de acidentes e a consequente informação de alerta aos utentes, bem como a assegurar-lhes a assistência, incluindo a vigilância das condições de circulação, visando assegurar a satisfação cabal e permanente, pelas auto-estradas, do fim a que se destinam, permitindo aos que as usam (aos utentes) a circulação em boas condições de segurança e de comodidade. 11. São, pois, os utentes das auto-estradas, os titulares dos interesses que estas normas visam proteger. 12. No caso em apreço, os autores não pertencem ao círculo de pessoas titulares do interesse cuja protecção as citadas normas visam assegurar; as normas de conduta em causa, que a E…,SA está obrigada a respeitar, não têm como finalidade a protecção do bem lesado. O dano não patrimonial dos autores, traduzido no sofrimento e angústia por eles suportados durante cinco dias, até ao aparecimento dos corpos dos progenitores, e decorrente de não saberem estes vivos ou mortos, admitindo a existência de rapto e sequestro ou homicídio de que tivessem sido vítimas, não se efectivou no próprio bem jurídico ou interesse privado tutelado pelas normas constantes das aludidas Bases. 13. Não pode, assim, haver-se por verificado, na conduta da E…,SA, o requisito da ilicitude, inexistindo, por isso, obrigação de indemnizar o referido dano não patrimonial. É essencial que se possa afirmar a existência de um nexo de causalidade entre a coisa, a auto-estrada, e o dano. Estando em causa uma coisa inerte ou imóvel, para que se lhe possa, em termos jurídicos, atribuir a verificação do dano, ou seja, para que se possa falar daquele nexo de causalidade, é necessária a constatação de um defeito, de uma anomalia ou anormalidade no seu funcionamento, v.g., um defeito de construção, de manutenção, de sinalização ou de iluminação ou outro. A ocorrência de um destes vícios objectivos faz presumir não só a culpa como também a ilicitude (violação de um dever), já que estamos perante deveres de agir para evitar danos para terceiros («deveres de prevenção do perigo» ou «deveres de segurança no tráfego») e, portanto, perante delitos de omissão, sendo que a violação do dever é aqui elemento da ilicitude. “Ao lesado caberá provar, num plano puramente objectivo, a existência do vício e o nexo de causalidade entre este e o dano. Constatada objectivamente a presença de um defeito, presume-se a violação culposa de um dever de segurança no tráfego, isto é, a omissão do cuidado necessário para evitar que a coisa de que se tem o controlo cause danos a terceiros”. O dever de assegurar a circulação em condições de segurança impõe a remoção de obstáculos ou outras fontes de perigos, ainda que devidos a um acontecimento natural ou a facto de terceiro. Esta tese, veio a ser vertida na Lei 24/2007, de 18 de Julho, que define direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, e que estabelece, no n.º 1 do seu art. 12º: Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a: a)Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; b) Atravessamento de animais; c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.” E no n.º 3 são excluídos da responsabilidade da concessionária “ os casos de força maior que directamente afectem as actividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de: a) condições climatéricas manifestamente excepcionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos; b) Cataclismos epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio; c) tumulto subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra. A publicação desta lei ocorreu em data posterior ao acidente. Sendo esta lei quanto ao ónus de prova posterior a jurisprudência tem entendido que é de aplicação imediata. Dispõe o art. 12.º, n.º 1, do CC, as normas, em regra, não têm aplicação retroactiva, razão porque não se deveria aplicar, em princípio, à situação em causa, já que ocorreu antes da entrada em vigor do dito preceito. As leis interpretativas, nos termos do artigo 13.º, n.º 1, do CC, devem integrar-se na lei interpretada e, consequentemente, têm aplicação imediata. A lei interpretativa deve considerar-se como tendo a data da lei interpretada. A retroactividade neste âmbito resulta de as leis interpretativas fazerem corpo com a lei interpretada, constituindo uma única lei. Não contêm nenhum princípio novo de direito. Consequentemente, os tribunais aplicando as leis interpretativas, estão, no fundo, a empregar a lei interpretada. Outras, porém, terão que ser dessa forma qualificadas, através do recurso à interpretação. Sobre esta questão, VAZ SERRA, (Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 107.º, pp. 174 e 175, alerta: “…Uma lei só é interpretativa, com eficácia retroactiva, quando ela própria ou outra lhe atribua essa natureza: a eficácia retroactiva de uma lei depende de uma vontade legislativa nesse sentido, cabendo, por conseguinte, ao intérprete apreciar se a nova lei quer, ou não, atribuir-se tal eficácia, ou se esta lhe é porventura atribuída por outra lei. Ora, o simples facto de uma lei consagrar uma solução que já na lei anterior certa jurisprudência ou certa doutrina julgava consagrada não é suficiente para se atribuir natureza interpretativa àquela lei, pois não é indício seguro de que esta queira ter eficácia retroactiva, o que, dada a sua gravidade, não pode, sem mais, presumir-se”. Quanto ao critério definidor das leis não qualificadas legislativamente como interpretativas, têm-se vindo a aceitar depender da existência cumulativa de dois elementos: a) a lei regular um ponto de direito acerca do qual se levantam dúvidas e controvérsias na doutrina e jurisprudência; b) a lei consagrar uma solução que a jurisprudência pudesse tirar do texto da lei anterior, sem intervenção do legislador (vide Emídio Pires da Cruz, obra citada, p. 246). No mesmo sentido, BAPTISTA MACHADO (Sobre a Aplicação no Tempo do novo Código Civil, 1968, pp. 286 e ss.) sustenta que, para a lei ser considerada como interpretativa, exige-se: “1º – Ela intervém para decidir uma questão de direito cuja solução era controvertida ou incerta no domínio da vigência da L.A (lei antiga). Significa isto, antes de tudo, que, para que a LN (lei nova) possa ser interpretativa de sua natureza, é preciso que haja matéria de interpretação. Se a regra de direito era certa na legislação anterior, ou se a prática jurisprudencial lhe havia de há muito atribuído um determinado sentido, que se mantinha constante e pacífico, a LN que venha resolver o respectivo problema jurídico em termos diferentes deve ser considerada uma lei inovadora…. 2º – A lei interpretativa, para o ser, há-de consagrar uma solução que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado no domínio da lei anterior. Significa este pressuposto, antes de mais, que se a LN vem na verdade resolver um problema cuja solução constituía até ali matéria de debate, mas a resolve fora dos quadros de controvérsia anteriormente estabelecida, deslocando-o para um terreno novo ou dando-lhe uma solução que o julgador ou o intérprete não estavam autorizados a dar-lhe, ela será indiscutivelmente uma lei inovadora…. Para que a LN possa ser concebida como uma lei interpretativa, será preciso que ela consagre uma forte corrente jurisprudencial ou doutrinal anterior? Não necessariamente… A LA não tem de consagrar uma corrente doutrinal prevalecente, sendo suficiente a adopção de uma interpretação defendida anteriormente”. Face a estes pressupostos, a norma é interpretativa, consagrando uma das soluções controvertidas pela doutrina e jurisprudência. Resolveu um problema, cuja solução constituía até ali matéria de debate, dando-lhe uma solução dentro dos quadros de controvérsia anteriormente estabelecida. Este mesmo entendimento teve o Acórdão deste Supremo Tribunal de 13.11.2007 (www.dgsi.pt, relator Conselheiro Sousa Leite). E os Ac de de 1.10.2009 e de 8.2.2011, cujos sumário transcrevemos. Como lei interpretativa, a mesma deve ter aplicação imediata e, por conseguinte, deve aplicar-se ao caso vertente. Ou seja, desta disposição resulta que em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, em razão de líquidos na via, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária. Colocou-se um ponto final na polémica relativa ao ónus da prova. No mesmo sentido o acórdão do STJ de 8.2.2011, acessível em www.dgsi. -I Relativamente à responsabilidade civil da Brisa, enquanto concessionária de auto-estrada, por acidente de viação aí ocorrido, existem, no essencial, três teses: a) uma, que considera que a responsabilidade é contratual, colocando a concessionária na veste de devedor da prestação de serviço proporcionado ao utente, fazendo impender sobre ela a presunção de culpa do art. 799.º do CC; b) outra, que sustenta ser tal responsabilidade civil extracontratual, o que implica caber ao lesado a prova da culpa do autor da lesão; c) uma terceira, que considera que a responsabilização da concessionária assenta no facto de ter à sua guarda coisa imóvel, o que remeteria para a sua culpa presumida, por via da regra do art. 493.º, n.º 1, do CC, entendendo-se que esta norma estabelece uma inversão do ónus da prova quanto ao requisito da culpa, competindo à concessionária provar que agiu sem culpa. II - Esta discussão ficou desvalorizada, com a publicação da Lei n.º 24/2007, de 18-07, decorrendo do art. 12.º que, em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, designadamente em razão de “líquidos na via” (al. c) do n.º 1), o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária. III - Considera-se que esta norma é interpretativa, consagrando uma das soluções controvertidas pela doutrina e jurisprudência, e que, como tal, deve ter aplicação imediata. IV – Nas auto-estradas não se devem verificar situações de criação de lençóis de água, capazes de induzirem a hidroplanagem. Porém, só é legítimo inferir que a concessionária não cumpriu os deveres que lhe incumbiam, se tal ocorrência derivar de defeito de concepção, deficiência do pavimento ou dos sistemas de drenagem, de falta de manutenção do sistema de escoamento em boas condições operacionais, falta de sinalização ou de iluminação. Ora, no caso vertente, ficou por provar o nexo causal do acidente ocorrido a qualquer conduta da E…,SA, na sua produção. Falta de manutenção da via, acumulação de água, sem escoamento, ou mesmo o dever de informação ou sinalização. Se não havia lençol de água também seria impossível pensar que pudesse ser assinalado. Aliás a E…,SA seria responsável se ficasse provada a existência de água acumulada e não tivesse tomado providências para os acidentes não se verificarem. Tinha uma conduta censurável e passível de responsabilização. Admitindo que a formação de um lençol de água no pavimento da auto-estrada, em condições de fazer com que os veículos entrassem em hidroplanagem por falta de aderência dos pneumáticos (aquaplanning), constitui um evento que obriga a concessionária a tomar as medidas necessárias para evitar os danos aos condutores, designadamente pela sinalização adequada do local. Dos factos apurado, não resultou provado que essa situação de facto – existência de um lençol de água tivesse ocorrido. E tratava-se de matéria necessária para que pudesse presumir-se quer a violação, pela E…,SA, do dever de assegurar a circulação em condições de segurança, quer a culpa na violação desse dever. Ou, também que o traçado da via não permitia o escoamento da água da chuva, levando a uma acumulação de líquidos. E o respectivo ónus probatório impendia sobre os autores. Ao lesado cabe provar, num plano puramente objectivo, a existência do vício e o nexo de causalidade entre este e o dano. E os autores não lograram provar a existência do vício, a anomalia nas condições do pavimento, sem a qual não se configurava o dever da ré Brisa – o dever de agir para evitar danos a terceiros, ao pai dos autores; o nexo de causalidade entre o vício ou anomalia e o dano. A E…,SA provou que: 1.No local do acidente não era visível qualquer vício, erro ou deficiência de construção da auto-estrada; 2. O pessoal da assistência a utentes da ré que patrulham as auto-estradas 24h por dia nada de anormal detectaram naquele dia; 3. O piso aparentava estar em bom estado de conservação e utilização. Ou seja, a ré afastou a sua responsabilidade na produção do acidente por culpa sua. Podemos partir para a afirmação de que o condutor não adequou a condução da sua viatura às condições climatéricas que se faziam sentir, às condições de visibilidade de que dispunha, desrespeitando, assim, o artigo 24.1do Código da Estrada que impõe: 1-O condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outra circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente. E, assim, concluir que circulava a uma velocidade que não era adequada às condições meteorológicas que se faziam sentir, se estava a entrar numa curva para a sua esquerda, não tinha visibilidade quer pela chuva que caia na altura, quer pelo nevoeiro provocado pela circulação dos outros veículos. Situação de facto que impunha uma circulação prudente e defensiva e não agressiva de aumento de velocidade para iniciar a ultrapassagem e mudança de faixa de rodagem, quando não tinha visibilidade e chovia intensamente. Seguro, é que, perdeu o controlo do veículo e só se imobilizou 50m depois do primeiro ponto de embate. E, também não se provou que a acumulação de águas pluviais na via se deveu a deficiente escoamento e drenagem da água – art. 21 da BI que se considerou não provado. E também não se fez prova de que após o acidente a brisa tivesse actuado para que tal situação não se verificasse resposta negativa ao art.22. Também é verdade que não se provou que a configuração da via não provocava a formação de lençol de água. Mas não releva tal facto não provado quando não se provou existirem águas acumuladas na via. Aliás a configuração da via no local, não o permitia, havia apenas a água da chuva em circulação. Aliás, seria impossível tal acumulação atenta a inclinação da via e o sentido de marcha do veículo. Se por um lado está afastado o nexo de causalidade entre a camada de água que existia na via no momento do acidente e a ocorrência deste, também não se provou que a Brisa incumprisse na sua prestação - facultar o uso da auto-estrada com comodidade e segurança, uma vez que para além de elidir essa presunção a via tinha sistemas de drenagem de águas pluviais, que no momento estavam em bom funcionamento como confirmou a brigada que fez a vigilância uma hora antes. As testemunhas e a autoridade policial. A concessionária só seria responsável se tivesse conhecimento da ocorrência de um lençol de água e não diligenciasse pela remoção não efectuasse qualquer tipo de vigilância ou se esta fosse insuficiente. Improcedem, assim as conclusões da apelação. Concluindo 1. Com a publicação da Lei n.º 24/2007, de 18-07, decorrendo do art. 12.º que, em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, designadamente em razão de “líquidos na via” (al. c) do n.º 1), o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária. 2.A E…,SA, enquanto concessionária, está obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto – estradas, quer tenham sido por si construídas, quer lhe tenham sido entregues para a conservação e exploração, sujeitas ou não ao regime de portagem. 3.Consagra-se aqui o dever da concessionária assegurar a circulação em boas condições de segurança e comodidade, a implicar a responsabilidade, nomeadamente, por pavimento irregular, manchas de óleo, etc. 4.A responsabilidade civil que daí pode emergir para a E…,SA, enquanto concessionária, deve ser aferida, segundo uns, à luz das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito, enquanto, segundo outros, tal responsabilidade deve ser aferida à luz das regras da responsabilidade civil contratual. 5. No caso, a responsabilidade da E…,SA por danos sofridos pelos utentes das auto-estradas de que esta é concessionária situa-se no campo da responsabilidade extracontratual. 6. No auto – estradas não deve haver lençóis de água, mas a brisa só reponde se houver defeito de concepção, deficiência do pavimento ou dos sistemas de drenagem, de falta de manutenção do sistema de escoamento em boas condições. III – Decisão: julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a decisão impugnada. Custas pelos apelantes sem prejuízo do AJ concedido Lisboa, 24 de Março de 2011 Maria Catarina Arêlo Manso Maria Alexandrina Branquinho António Valente |