Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ONDINA CARMO ALVES | ||
Descritores: | DIREITO DE PERSONALIDADE LIBERDADE DE IMPRENSA REAPRECIAÇÃO DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/21/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Sumário (art.º 663º nº 7 do CPC) 1. Muito embora o exercício da liberdade de expressão e do direito de informação sejam potencialmente conflituantes com o direito ao bom nome e reputação de outrem, tendo em consideração o que decorre da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), o Tribunal Europeu dos Direito do Homem (TEDH), tem vindo a dar particular relevo à liberdade de expressão, enquanto fundamento essencial de uma sociedade democrática. 2. Estando em causa juízos de valor, o TEDH tem adoptado uma posição de intervenção máxima e de sobreposição dos seus critérios aos das decisões nacionais. 3. A vinculação dos juízes nacionais à CEDH e a necessário ponderação da jurisprudência consolidada do TEDH implica uma inflexão da jurisprudência nacional, assente no entendimento, até há pouco dominante, de que o direito ao bom nome e reputação se deveria sobrepor ao direito de liberdade de expressão e/ou informação. 4. O TEDH tem acentuado que a liberdade de imprensa constitui um dos vértices da liberdade de informação, não se podendo impedir o jornalista de investigar e recolher informações, com interesse público, e de as transmitir, o que é inerente ao funcionamento da sociedade democrática. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
CRISTINA ……, residente ao …….. intentou, em 02.02.2009, contra EDUARDO …. , JORGE ….. todos com domicílio profissional em ….. e EMPRESA JORNALÍSTICA, LDA., com sede em ……, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, através da qual pede a condenação dos réus a pagarem, solidariamente, à autora, a título de indemnização por danos não patrimoniais, o montante global de € 150.000,00, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da prática dos ilícitos e até integral pagamento.
Visando a autora a reparação dos danos que lhe foram causados devido à publicação de notícias no quinzenário “G.”, fundamentou, no essencial, esta sua pretensão da seguinte forma:
Citados, os réus apresentaram contestação, em 05.06.2009, alegando, em síntese, o seguinte:
Pugnaram, assim, pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.
Notificada, a autora apresentou articulado de réplica, em 28.07.2009, no qual alegou que: 1. Os factos falsos em que sustenta o seu pedido se resumem à afirmação de que o Ministério Público teria recolhido prova suficiente da prática de crimes pela autora; 2. Entre essa prova estava um CD apreendido com dois balanços contabilísticos um real e outro fictício e que uma empresa que fornece material de papelaria à “ET.” teria fornecido mais de 500 mil contos em lápis e canetas, para dizer que toda a história da concessão da exploração do porto do ….e sua gestão é irrelevante para a acção; 3. Os réus não podem justificar a invocada convicção de veracidade das notícias, com base noutros trabalhos jornalísticos; 4. O interesse público das notícias seria o conhecimento da forma como é gerido o porto do F…., o que não está em causa nos autos; 5. Independentemente da natureza satírica ou não do estatuto editorial do “G.”, os jornalistas devem abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência.
Procedeu-se à realização da audiência preliminar, em 11.01.2010 e, em 12.01.2010, foi proferido despacho saneador, fixada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória.
Foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, em 09.01.2015, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte: Nestes termos e com tais fundamentos decide este Tribunal julgar parcialmente procedente, por provada, a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário e, em consequência: a. condenar os réus Eduardo …, José …. e P., Lda. solidariamente, no pagamento à autora de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 2 500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4% desde a data da citação e até integral pagamento, absolvendo-os do demais peticionado; b. absolver o réu Gil …. do pedido contra ele dirigido. Custas a cargo da autora e dos réus Eduardo …., José …. e P…, Lda., na proporção do respectivo decaimento. Registe e notifique.
Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.
São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente: “adv- Olhe eu o que queria que explicasse muito rapidamente ao tribunal é relativamente a este artigo “ O Porto já está a arder”, que esteve agora a ler aqui antes de…. Réu Gil - sim, para lembrar… Adv- este artigo resultou de um trabalho seu? Réu Gil - sim, sim. Adv- pode dizer qual foi o trabalho que teve? Réu Gil - bem isto é um trabalho que já desde 1993 que eu analiso a questão do … até porque já era jornalista do Diário de Noticias, sobre o Porto do F….. E a minutos 4:40: Adv- então e este artigo como é que surgiu? Réu Gil - isso surgiu.. bem no fundo….. Adv- (imperceptível)… para se lembrar Réu Gil - isto foi no seguimento de uma investigação que o Ministério Publico fez ao Porto do …., entretanto o Sol adiantou essa notícia e nós replicámos essa notícia aqui, mas acrescentámos alguns pontos, porque tínhamos mais contacto aqui com a região e tínhamos as nossas fontes cá e foi muito mais fácil, nós até… além de replicarmos essa notícia, também adiantámos mais pormenores que não existiam por exemplo no SOL, mas foi só isso.
Pede, por isso, a apelante, que seja revogada a sentença recorrida, na parte em que absolveu o réu Gil …., e substituída por outra que considerando provada a responsabilidade deste réu na edição da noticia “ O Porto já está a arder!”, o condene solidariamente com os restantes réus no pagamento da indemnização que vier a ser fixada e deve ainda a decisão recorrida ser alterada no que concerne ao montante da indemnização, devendo todos os réus ser condenados no pagamento de uma indemnização de montante não inferior a 25 mil euros.
Os réus apresentaram contra-alegações e, formularam as seguintes CONCLUSÕES:
Interpuseram também os réus, recurso subordinado, no qual formularam as seguintes CONCLUSÕES:
A autora respondeu ao recurso subsidiário, propugnando a manutenção da sentença, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II . ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões, as quais serão apreciadas tendo em consideração a sua precedência lógica:
i) DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da impugnação da matéria de facto (RECUSO SUBSIDIÁRIO);
E, venha ou não a ser alterada a decisão de facto, ponderar sobre:
ii) A SUBSUNÇÃO JURÍDICA FACE À MATÉRIA APURADA E À PRETENSÃO FORMULADA PELA AUTORA (RECURSO PRINCIPAL E RECUSO SUBSIDIÁRIO)
O que implica a análise:
a) DO CONFRONTO ENTRE A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO E A TUTELA LEGAL DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE;
b) DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACTO ILÍCITO.
III . FUNDAMENTAÇÃO
1. O jornal o “G.” é um quinzenário que se publica na Região Autónoma …. e que se auto intitula de jornal “cruel” (alínea A)). 2. Os réus Eduardo ….e Gil ….são, respectivamente, director e director adjunto do referido jornal, e responsáveis pela sua edição, pela sua linha editorial, bem como pela maioria das respectivas peças que são publicadas sem autoria assumida (alínea B)). 3. Ao longo da vida do jornal estes dois réus têm sido sempre os responsáveis pela respectiva publicação alternando entre si nos cargos de director e director adjunto (alínea C)). 4. A empresa Jornalística, Lda. é a entidade proprietária do referido jornal (alínea D)). 5. No dia 15 de Dezembro de 2006, o jornal “G.” publicou um artigo intitulado “O Porto já está a arder!”, junto a fls. 62 e que aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea E)). 6. Nesse artigo reportado a um processo de inquérito, que se encontrava à época em segredo de justiça, afirmava-se no essencial que o Ministério Público já teria recolhido prova suficiente da prática de crimes na administração da “ET.”, entre outras pessoas também pela aqui autora, e que face a essa prova recolhida o Ministério Público se aprestava a produzir acusação (alínea F)). 7. No artigo é dito que “o G. teve conhecimento que a Polícia Judiciária recebeu um CD com material altamente comprometedor, onde aparecem dois balanços contabilísticos da empresa, um fictício, para apresentar nas finanças, outro, real, para orientação interna dos administradores” (alínea G)). 8. Em caixa autónoma subscrita por um tal Jorge …. intitulada “Canetas e lápis” afirma-se “canetas e lápis é o nome de uma rubrica que está inscrita num processo instaurado pelo Ministério Público que custou 500 mil contos à Empresa de Trabalho Portuário, que gere a mão-de-obra portuária.” (alínea H)). 9. O inquérito foi arquivado (alínea I)). 10. A “ET.” não gere o Porto do …., tarefa cometida à APRAM, entidade de natureza pública (alínea J)). 11. Na primeira página do jornal de 19 de Outubro de 2007, em destaque megalítico afirma ““OP.” APANHADA – Afinal o despacho de arquivamento do MP, relativo ao caso do porto, ainda tem muito “pedra” para roer. Sousas voltam a meter a viola no saco” (alínea L)). 12. A reportagem jornalística intitulava-se “BALDE DE ÁGUA – Afinal nem tudo são rosas no arquivamento do caso do “Porto do Funchal”. O MP manda extrair certidões da “OP.” e entala os “S., P. & Companhia.” (alínea M)). 13. A ilustrar a notícia podia-se vislumbrar uma imagem de uma grande pedra – denominada M.P. que caía em direcção ao Porto do F…. (alínea N)). 14. Do corpo da notícia podiam ler-se afirmações como: “o famoso processo do porto do … ainda não acabou. Agora é que vai começar. É verdade que o MP mandou arquivar o processo relativamente à “ET.” e aos respectivos administradores e funcionários, mas no despacho da magistrada que analisou o caso, são mandadas extrair certidões que encalacram a “OP.” do Grupo Sousa e de familiares de David …”. (alínea O)). 15. “Desta forma, os galos que cantaram antes de alvorada, bem podem baixar o pio, que, neste caso, ainda há muita “pedra” para moer e “milho em grão” para digerir” (alínea P)). 16. “[] agora é que se vai iniciar uma verdadeira “roda dos tormentos” para a “OP.” e seus administradores: o MP voltou a remeter para a PJ a prova recolhida para mais investigações e, como, sabem os arguidos “S., P. & Companhia”, a PJ não é para graças” (alínea Q)). 17. “A Gest …., de que eram sócios o arguido David ….e esposa, Luís … e consorte, Cristina …, meteu também a mão na “saca do cacau” (alínea R)). 18. Acresce que na crónica, dessa mesma edição, intitulada “Editorial”, da autoria de Gil …., podem ler-se afirmações como “Há cerca de seis anos, o Diário de Notícias, sentindo um apelo da própria sociedade madeirense, iniciou a maior investigação jornalística que há memória e na qual se revelaram publicamente inúmeras “maroscas”, que levaram o MP a abrir um inquérito, tal era a gravidade dos factos noticiados.” (alínea S)). 19. “[] na Madeira existe uma atrevida e cruel ave que sobrevoou o dito despacho de arquivamento e descobriu que a “OP.”, os S.s, os P. & Cia. Lda. estão bem presos nas garras da Justiça. Foram-se as chorudas indemnizações, chegaram as dores de cabeça.” (alínea T)). 20. Em 2 de Novembro de 2007, o quinzenário “G.” volta ao tema publicando uma notícia intitulada “a montanha move-se”, junta a fls. 158, que aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea U)). 21. Nesta notícia podia ler-se “um dos casos que deverá ser avaliado é o do polémico arquivamento do processo do porto do F….., que investigou as actividades da “ET.” e da “OP.”.” A polícia judiciária propôs que fosse proferida acusação contra os principais envolvidos mas o MP decidiu arquivar o processo contra uma dessas empresas, a “ET.”, por entender que o facto de ela não ter renovado o estatuto de utilidade pública impedia a acusação pelos crimes em causa, entre os quais o de peculato. A PJ, porém alertava no relatório final que “não renovação da utilidade pública poderá ter servido precisamente para fugir à justiça” conclui o artigo. E termina “tudo razões, que reforçam a tese do “G.” de que os S. e P. cantaram “de galo” demasiado cedo, pois parece que muita água ainda vai correr por debaixo das pontes, ou melhor neste caso por debaixo dos cascos dos navios” (alínea V)). 22. A autora - directora técnica da “ET.” e, nessa qualidade, a responsável pela conformidade dos procedimentos contabilísticos, é filha de David …… (alínea X)). 23. “A participação dos familiares de David P. na “OP.” faz-se através da empresa “Regra ….”, a qual detém 8,69% do capital do operador portuário, que é um milhão de contos. A “Regra Simples” tem como único gerente Cristina (filha de David …) e o seu capital é detido integralmente pela sociedade offshore “….”. De referir que Cristina …. é directora de contabilidade da “ET.” e o seu marido, Luís …., desempenhava funções de director de informática da mesma empresa. David … esposa, filha e genro são também sócios das empresas “Gest ….”, “Soft ….” e “S.House”, as quais facturam à “ET.” cerca de 500 mil contos por ano, pela aquisição de bens diversos (lápis, canetas, material de escritório, etc.) e por serviços de informática e contabilidade []” – in DN de 05 de Julho e 29 de Junho de 2001 (alínea Z), com a correcção determinada a fls. 1049 dos autos). 24. A “ET.” foi constituída no âmbito e na sequência da reestruturação portuária, na modalidade jurídica de associação de direito e sem fins lucrativos e tendo como sócios únicos o Governo Regional, os Sindicatos e a “OP.”, tendo por objectivo ou fim a gestão da mão-de-obra portuária na …., e assim, ficar instituído o organismo de gestão e mão-de-obra previsto no Dec. Lei n.º 151/90, de 15 de Maio (alínea AA)). 25. O Jornal da Madeira publicou um texto da autoria de ….., Secretáriogeral do PSD – Madeira, de 5.7.2001, sob o título “Santa Paciência”, de que se transcrevem as seguintes partes (com sublinhado dos R.R.): “DN” local – que teve o mérito de abrir um debate que há muito se exigia... ter o Governo Regional decidido... autoria externa ao funcionamento da “ET.” ... penso que poderia e deveria tê-lo feito mais cedo, impedindo deste modo que a economia da região fosse prejudicada por comportamentos que indicam práticas passíveis de uma firme actuação judicial ao mais alto nível... o Governo Regional não pode mais, a partir de agora, tolerar a degradação, o oportunismo, a pouca vergonha que parece caracterizar alguns aspectos da gestão do porto do Funchal,.. o lado mais desconhecido da actividade portuária regional, pelos vistos caracterizada por uma teia muito complicada de interesses cruzados... falamos de um polvo cujos tentáculos – que estranhamente sobreviveram durante anos sem que ninguém se tenha incomodado ou intervindo – gerarem rendimentos inexplicáveis e riquezas que ofendem a maioria esmagadora dos madeirenses e nada têm que ver com o lucro empresarial... na Madeira há apenas um porto regional com movimento de mercadorias, situação que impede qualquer perspectiva de concorrência, na medida em que o “status quo” permite o recurso a atitudes abusivas e quiçá inexplicáveis formas de exploração e de especulação... pouca vergonha que se passa no porto... efeitos de uma libertinagem... nem o Ministério Público pode ficar indiferente”“... Considero que o Governo Regional não pode encarar da mesma forma o que se passa no porto... não pode ficar refém de interesses, de comportamentos indignos, de actos de duvidosas legalidade ou do primado do lucro fácil, obviamente sempre à custa do bolso dos madeirenses... não pode haver paninhos quentes... ou se actua perante a evidência... ou acaba por ser arrastado para uma situação de cumplicidade...” (alínea BB). 26. Com a afirmação constante da notícia publicada em 15-12-2006 referida em 5. de que o Ministério Público se aprestava a produzir acusação e com a menção do facto referido em 8. era possível aos leitores do “G.” admitir que a “ET.”, os seus administradores, directores e funcionários haviam forjado os balanços contabilísticos que vieram a ser apresentados às Finanças (ponto 1. da base instrutória). 27. Com essa afirmação era possível aos leitores do “G.” implicar a autora, directora técnica da “ET.” e responsável pela conformidade dos respectivos procedimentos contabilísticos, conforme referido em 22., na falsificação de registos contabilísticos e nos pagamentos injustificados referidos em 8. (ponto 3. da base instrutória). 28. Os artigos referidos em 11. a 21. visaram manter viva a suspeita da existência de irregularidades contabilísticas na gestão do porto (ponto 5. da base instrutória). 29. Em 15 de Dezembro de 2006 ainda não existia despacho final no âmbito do processo de inquérito n.º 711/01.3TAFUN (ponto 6. da base instrutória).
30. No âmbito do inquérito n.º 711/01.3TAFUN não foi apreendido qualquer CD com um balanço que não existe (ponto 7. da base instrutória). 31. Os fornecimentos de material de papelaria foram efectuados pela Gest ….,. (ponto 10. da base instrutória). 32. Como procedimento normal a funcionária da “ET.” efectua a requisição de material, confere os materiais recebidos, assina a factura e envia para a contabilidade para pagamento (ponto 12. da base instrutória). 33. Do “anexo recapitulativo de fornecedores, anexo P” entregue nas finanças (em que todos os fornecimentos superiores a 50 000 euros têm de ser declarados) relativamente aos exercícios de 2001, 2002 e 2003 não se encontra relacionada a firma Gest ….. (ponto 13. da base instrutória). 34. A empresa “ET.”-RAM não consta dos “Anexos O” das declarações anuais de informação contabilística e fiscal dos anos de 2001, 2002 e 2003 apresentadas pelo sujeito passivo “Gest …..” (ponto 14. da base instrutória). 35. A “ET.”-RAM dispõe de contabilidade organizada e relativamente aos anos de 2001, 2002 e 2003 foi objecto de certificação legal das contas sem reservas (ponto 17. da base instrutória). 36. A autora é economista de formação e tem experiência na direcção financeira de várias empresas (ponto 19. da base instrutória). 37. A autora é tida como pessoa profissional e exigente na direcção financeira de empresas (ponto 23. da base instrutória). 38. Na publicação das notícias referidas em 5., 8., 11. a 19., 20. e 21. os réus actuaram sem investigação prévia e não contactaram a autora para confirmarem os factos nelas vertidos (ponto 25. da base instrutória). 39. A publicação das referidas notícias visou atingir a pessoa da autora e afectá-la na sua reputação (pontos 30. e 33. da base instrutória). 40. A autora, como consequência directa e necessária destes factos, sentiu indignação, ansiedade, perturbação e irritação (pontos 35. e 36. da base instrutória). 41. A autora receou as implicações negativas que tais notícias teriam nos juízos de valor que os leitores fariam do seu carácter (ponto 37. da base instrutória). 42. Os réus sabiam que as afirmações constantes das notícias em referência poderiam atingir a honra e consideração da autora (ponto 46. da base instrutória). 43. O “G.” era, à data dos factos, um quinzenário conforme referido em 1. (ponto 47. da base instrutória); 44. David ….era, à data dos factos, administrador da “ET.” em representação do Sindicato dos Estivadores Marítimos …. e do Sindicato Livre dos Carregadores e Descarregadores dos Portos …. (ponto 48. da base instrutória). 45. Sindicatos que, conjuntamente com a empresa “OP.”. e a Região Autónoma da …. constituíam o núcleo de sócios da “ET.” (ponto 49. da base instrutória). 46. As notícias referidas em 23. estiveram na origem da queixa-crime e acusação particular deduzidas por David …. contra …..director do Diário de Notícias da Madeira que originaram o inquérito n.º 1184/01.6TAFUN que findou por desistência de queixa do aí assistente David … (ponto 50. da base instrutória). 47. Pelo menos a partir do mês de Junho de 2001, alguns trabalhadores eventuais do porto do Funchal denunciaram publicamente, designadamente, junto de órgãos da comunicação social, mediante queixa junto do Ministério Público e de grupos parlamentares, um conjunto de situações praticadas pela “ET.” no que àqueles trabalhadores dizia respeito e que contendiam com a alegada falta de pagamento de subsídios de férias e de Natal, discriminação na sua contratação; não entrega de certificados de formação e sua contratação para realização de trabalhos em obras particulares (ponto 51. da base instrutória). 48. A administração da “ET.” e a autora tinham conhecimento que trabalhadores eventuais eram contratados para a execução de obras particulares (da própria e do administrador David …) (ponto 52. da base instrutória). 49. Os trabalhadores eventuais denunciaram situações como as referidas em 47. e reuniram com os grupos parlamentares da Assembleia Legislativa Regional, cujos representantes se pronunciaram publicamente acerca do porto do F.… mencionando a existência de “indícios fortes de graves irregularidades”, de “situação de podridão e promiscuidade”, ser “escandaloso que o Presidente do Governo diga que se está a divertir com o que se passa no porto do Funchal” e “em admitir ser necessário alterar a legislação portuária” (ponto 53. da base instrutória). 50. Os trabalhadores portuários eventuais fizeram participações, nomeadamente à Inspecção Regional de Trabalho na sequência do que vieram a receber valores relativos a subsídio de férias e de Natal que lhes eram devidos (ponto 54. da base instrutória).
51. Relativamente à operação portuária a comunicação social, designadamente o Diário de Notícias da …, acompanhou a evolução da situação e de acordo com notícia publicada na edição de 20 de Julho de 2001, o Secretário do Equipamento Social à data afirmou que o modelo da operação portuária na Madeira estava esgotado, tendo sido pedida uma auditoria externa e a realização de um estudo acerca do porto do Funchal; em notícia publicada na edição de 22 de Março de 2002 refere-se que o Conselho do Governo Regional da Madeira decidiu alienar a participação pública de 33% no capital da “ET.”, cessando funções o administrador, seu representante; em notícia publicada na edição de 5 de Julho de 2001 foi publicitada a abertura de inquérito pelo Ministério Público e na Assembleia Legislativa Regional da RAM foi requerida a realização de um inquérito (ponto 56. da base instrutória).
Factos demonstrados e a atender nos termos do art. 607º, n.º 4 do CPC: 52. “Jorge ….” é um pseudónimo do réu José …. (admissão). 53. Na sequência do envio das certidões extraídas do processo n.º 711/01.3TAFUN e remetidas à DSIFAE – Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Acções Especiais foram desencadeados os procedimentos julgados adequados à análise da situação não tendo a entidade “ET.”-RAM sido objecto de qualquer procedimento de inspecção desencadeado por aquela Direcção (documento de fls. 1188 p.p.).
AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ARTº 607º, Nº 4, APLICÁVEL EX VI DO ARTº 663º, Nº 2 DO CPC 54. A reportagem jornalística referida em 11. a 16., na sua integralidade, é do seguinte teor: O famoso processo do Porto do Funchal ainda não acabou, como afirmou o Diário de Notícias. Agora é que vai começar. É verdade que o MP mandou arquivar o processo relativamente à “ET.” e aos respectivos administradores e funcionários, mas no despacho da magistrada que analisou o caso, são mandadas extrair certidões que encalacram a “OP.” do Grupo Sousa e de familiares de David P. Desta forma, os galos que cantaram antes da alvorada, bem podem baixar o pio, que, neste caso, ainda há muita "pedra" para moer e "milho em grão" para digerir Segundo a magistrada, quem "detém interesse público" não é a “ET.”, é a “OP.”, pelo que, face aos muitos indícios constantes do processo, "interessa investigar em autónomo, os eventuais ilícitos penais" cometidos na actividade da “OP.” Assim, "a fim de ser instaurado procedimento criminal autónomo relativamente à “OP.”", a magistrada mandou extrair certidões do relatório da Polícia Judiciária e de outras diligências efectuadas no âmbito deste processo, nomeadamente dos interrogatórios realizados aos arguidos Sousa, David e Cristina, …….., e das inquirições aos presidentes dos sindicatos, ……. Agora é que se vai iniciar uma verdadeira "roda dos tormentos" para a “OP.” e seus administradores: o MP voltou a remeter para a PJ a prova recolhida para mais investigações e, como sabem os arguidos "S., P. & Co", a PJ não é para graças. Mas mais. Parece que os cofres do estado terão também sido prejudicados pela “OP.” nesta marosca, pelo que foram ainda extraídas certidões visando também a parte fiscal. “ET.” ainda na berlinda Mesmo relativamente à “ET.” "o calvário" ainda não terminou, porque embora se tenha safado à custa de uma razão de direito, a de que, na versão do MP - à “ET.” não é pessoa colectiva de utilidade pública (matéria muito discutível e que muita tinta ainda fará correr nos corredores dos tribunais), a magistrada entendeu mandar novamente extrair certidões do relatório da PJ e do despacho final e remeter a "broa" aos "Serviços Centrais da Direcção Geral de Impostos de Lisboa", para investigação; "dado que o sistema de acessórias na “ET.” é prática contínua, ocorrendo eventualmente a verificação de crime fiscal" (sic). Foi tudo provado. Um pormenor muito importante do despacho do MP é o de ter considerado que todos os factos investigados pelo PJ efectivamente ocorreram, ou seja, que cerca de 20 empresas virtuais facturaram milhões de euros em serviços inexistentes, tudo com o objectivo de sacar dinheiro à “ET.”, uma associação sem fins lucrativos, que tem dado muito dinheiro a ganhar a muita gente. Na verdade, a magistrada MP considera que a análise contabilística e financeira realizada pela Judiciária confirmou que os arguidos constituíram várias empresas para arrancar dinheiro da “ET.”, tipo pulgas em cima de um vampiro argentino (e eram muitas: Ecoo, F.e C., F. e J., Gest…, G. Teixeira., J. Consultores., J.A. Lda., Op., “OP.”, Oper. P.e Costa, Regra …. Regra S., S House, Soft.L., Trim.) Por exemplo, a "Trim" de Marcos e Sousa, desde 1998 a 2000, facturou cerca de 40 mil contos em "acessorias" à “ET.”. A "P. e C.", de David, Fátima e Cristina e Nuno, facturou aproximadamente 54 mil contos. Somente Silva, entre 1998 e 99, recebeu 15600 contos em honorários, por funções exercidas na “ET.” em representação do Governo, e, posteriormente, até Novembro de 2000, cedeu mais cerca de 12 contos, agora na qualidade de acessos jurídico. Quem não ficou fora deste verdadeiro "El dourado" foi a empresa "Gri…., do conhecido nacionalista João ….. Só à pala de supostas assessorias no âmbito dos seguros, saltou para fora da “ET.” a bonita quantia de 67 mil contos. Entre várias irregularidades, o relato rio detectou que João …, na situação de reformado, era uma espécie de "assessor" virtual, pois o "trabalho" era quase sempre realizado pelos presidentes dos sindicatos. A Gest Líder, de que eram sócios o arguido David …e esposa, Luís e consorte, Cristina …, meteu também a mão na "saca do cacau". Apurou-se que, ao período compreendido entre 1998 a 2001, a “ET.” pagou à Gest … mais de 300.000 contos, a título de assistência contabilística que não terá sido efectuada, pois, conforme referem as investigações, a “ET.” tinha a sua própria secção de contabilidade. Assim se percebe, que descarregar um navio na Madeira custa 6 vezes mais do que descarregar o mesmo navio nos Açores. Tudo à custa de milhares de pategos submissos e bons contribuintes de verdadeiras fortunas das arábias. Agradeçam todos ao Dr. J.. 55. No relatório final da investigação criminal levada a cabo pela Polícia Judiciária - Departamento de Investigação Criminal do Funchal (Inquérito nº 711/01.3TAFUN, no qual foram constituídos arguidos, António, David, Cristina, Rui, Luís, Carlos e José e investigadas 20 empresas e entidades com ligações entre si) mostra-se referido que, com base na notícia publicada no Diário de Notícias da M….., do dia 26.06.2001, o Digno Magistrado do Ministério Público procedeu à abertura de inquérito e determinou a realização de uma busca às instalações da “ET.”, tendo em vista a apreensão de documentação, dado existirem factos indiciadores da prática do crime de PECULATO e, efectuada a investigação, foi elaborada a seguinte conclusão, em 18.10.2006, pelo Inspector Chefe da P.J.: “Parece-nos ter sido amplamente demonstrada existência da utilização abusiva e indevida de mão-de-obra portuária, por trabalhadores eventuais, situação que esteve na génese deste Inquérito e cujos contornos foram acima descritos de forma pormenorizada. Saliente-se que pagamento dessa mão-de-obra foi feito depois de ter surgido uma denúncia pública, tudo levando a crer que o mesmo nunca teria sido concretizado, caso tal denúncia não fosse feita. De resto, apurou-se que, posteriormente, esta situação se manteve, sem que tenha sido efectuado qualquer pagamento, tal corno aliás admite a directora financeira da “ET.”. Uma outra vertente desta investigação, de inegável relevância e complexidade, prende-se com a análise pericial, de natureza contabilística, efectuada às sociedades que mantiveram relações comerciais com a “ET.” e de outras empresas pertencentes ao mesmo núcleo de indivíduos. O Relatório Pericial XIX, no seu capítulo "Síntese Conclusiva", permite, através da sua leitura, uma melhor compreensão da natureza e valores envolvidos nas relações comerciais mantidas entre as várias sociedades e indivíduos. Tendo por base a informação recolhida e o resultado da perícia, foram elaborados os fluxogramas e organigramas constantes de fls. 1187 a 1193. A análise incidiu nas empresas que prestaram serviços ou forneceram bens à “ET.”, algumas das quais pertencentes a membros dos corpos sociais ou a representantes dos sócios da “ET.”. Não obstante esta Associação constituir apenas uma base de recrutamento de trabalhadores portuários, obteve proveitos muito significativos, atendendo a que a “ET.” não tem fins lucrativos, não se justificando, deste modo, os preços elevados praticados pela cedência de mão-de-obra portuária. De sublinhar que os lucros poderiam ser ainda mais elevados, caso a “ET.” não tivesse suportado custos referentes a assessorias técnicas e outras prestações de serviços que, conforme se apurou, designadamente através dos vários depoimentos recolhidos, não se traduziram numa contraprestação efectiva de um qualquer serviço. Com efeito, embora alicerçados em contratos – de teor idêntico - celebrados ao abrigo de uma cláusula do CCT, o que é certo é que não existe evidência de qualquer serviço prestado, sendo certo que quando uma empresa faz uma despesa, espera-se que essa mesma despesa tenha algum tipo de retorno ou mais valia, o que parece não ter acontecido no caso vertente. Da análise pericial efectuada a outras sociedades, que pertencerem ao mesmo grupo de indivíduos, apurou-se a existência de contratos de prestação de serviços entre elas, proporcionando lucros avultados aos seus sócios. Não obstante se encontrarem relevados nos registos contabi1ísticos, tudo indica que os serviços ali discriminados não foram efectivamente prestados, quer porque não se vislumbra interesse económico, na perspectiva empresarial, na sua execução, quer pelo perfil de alguns dos indivíduos que, supostamente, os teriam concretizado, tal como aliás decorre do teor dos depoimentos prestados. Sobre esta temática, é de realçar a postura adoptada pelos arguidos que, aquando do seu interrogatório, optaram, no uso dos seus direitos, por não se pronunciarem sobre a actividade de algumas das suas empresas (relativamente às quais não foram contabilizados custos na “ET.”), por considerarem que tal constituiria uma intromissão na actividade das mesmas. Ainda sobre este assunto, permitimo-nos realçar que, se é normal que uma empresa, no âmbito da sua actividade, estabeleça contratos de prestações de serviços com outras, a inexistência da prestação do serviço contratado não se afigura como sendo normal, certo que, apesar de terem sido relevados na respectiva contabilidade e, tudo o indica, objecto de tributação, permitiram a arrecadação, por parte das empresas e indivíduos envolvidos de montantes substancialmente elevados, ao longo de vários anos, de forma diluída e dispersa. Note-se que algumas das empresas objecto de averiguação foram constituídas em datas relativamente próximas – anterior ou posteriormente - à constituição da AGMOP/RAM - “ET.”, em 29/04/91, com a particularidade de duas das empresas, pertencentes aos dois presidentes dos sindicatos, terem sido constituídas no mesmo dia (15/03/91). Este facto, permite-nos afirmar que os lucros da actividade dessas empresas e consequentemente os ganhos auferidos pelos indivíduos a elas ligados, só foram possíveis de alcançar através de vários actos de gestão praticados pelos arguidos, enquanto responsáveis pela “ET.”. Outra das questões que julgamos ser de realçar, por se nos afigurar poder tratar-se de uma consequência da forma de organização e gestão da operação portuária, prende-se com o facto do custo da operação portuária, no porto do Funchal, ser excessivo, referindo-se de forma explícita, no estudo encomendado pela ACIF, acima mencionado, não estarem reunidas condições de concorrência que permitam adoptar medidas para atenuar tal situação, uma vez que existe neste porto um único operador. O facto de fazer parte da administração da “ET.” um elemento do único operador portuário, a que acresce a representação, por parte dos sindicatos, de um elemento com interesses económicos em várias sociedades cuja actividade depende, em grande medida, do negócio da operação portuária, condicionou de forma efectiva a concretização de uma alternativa a este modelo, apesar dos esforços feitos nesse sentido, designadamente pela empresa "Madeira Tráfego", nos moldes acima descritos. Os dados recolhidos, salvo melhor opinião, apontam no sentido de que poderá existir uma prática anti-concorrencial, com reflexos negativos num sector estratégico da economia desta Região, como é a operação portuária, matéria que extravasa o âmbito da presente investigação e que se nos afigura poder ser objecto de apreciação pelas entidades competentes, designadamente pela Autoridade da Concorrência. Face às razões aduzidas no ponto 11., que aqui se dão por reproduzidas, afigura-se-nos que o objecto prosseguido pela “ET.”, de cuja administração fez parte, desde a sua criação, um elemento designado pelo Governo Regional da M…., é de interesse público”. 56. No despacho do arquivamento do Inquérito referido em 55., elaborado pelo Ministério Público, datado de 31.07.2007 consta o seguinte: “ (…) Os presentes autos tiveram origem numa notícia publicada no Diário de Notícias da M…. de 26/6/2001 dando conta que trabalhadores eventuais da “ET.”, associação responsável pela gestão de mão-de-obra portuária dos portos da RAM, teriam sido utilizados para diversos trabalhos nas residências particulares de um dos seus Administradores, David …. bem como na casa de sua filha, Cristina …., também profissionalmente ligada à empresa. Os trabalhadores eventuais teriam igualmente executado trabalhos para o genro do Administrador David …, Luís …, (casado com a arguida Cristina …) na pintura de uma igreja situada em … e ainda em obras num armazém da “OP.” situada no Porto do … e ainda em casa do presidente de um sindicato. Para além dos factos que deram origem ao presente inquérito, a investigação, teve também em consideração, a notícia veiculada pelo Diário de Notícias da M., nomeadamente artigos publicados nos dias 29 de Junho e 5 de Julho de 2001, dando conta da existência de pagamentos de montantes muito elevados efectuados pela “ET.” a diversas sociedades, algumas das quais criadas para o efeito, pertencentes a administradores ou seus familiares, bem como presidentes dos sindicatos de trabalhadores portuários, relativos a consultorias, assessorias que alegadamente não teriam sido prestadas. Foi deste modo efectuada uma perícia contabilista e financeira levada a cabo pelo Departamento de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária tendo por base o período compreendido entre 1998 e 2001 visando a “ET.” e as outras empresas que alegadamente teriam sido constituídas para celebrar negócios jurídicos de molde a absorver, sem fundamento, os lucros provenientes da “ET.”. A “ET.” é uma associação de direito privado sem fins lucrativos, (cujo objecto é o exercício da actividade de cedência temporária de trabalhadores portuários nos Portos da Região Autónoma) cujos sócios fundadores foram os dois Sindicatos Portuários, o Governo da RAM e a “OP.” (constituída em 18/3/1988 de que é sócia única a OPERMAD SGPS, Lda, sendo por seu turno sócios da Oper.., Regra …,., Trim., Empresa de Transportes Lda, BSol, Lda, Ar,Lda, Transitários Lda, Navegação e Comércio Lda.) que recruta trabalhadores à “ET.” e os coloca onde entende necessário. Foram constituídos arguidos nos presentes autos: 1 – António …Presidente do Conselho de Administração da “ET.”, nomeado em representação do Governo pela Resolução n.° 1205/99 de 5/8 e nomeado Presidente do Conselho de Administração por Acta Perícia volume I A doc. 1 a 302). 2 –David …. Presidente do Conselho de Administração da “ET.” nomeado em representação dos Sindicatos em 2/1/99 e 2/1/2002 (Acta n° 98 e Acta n° 117 – Relatório pericial volume 1 A doc. A1 a 302). 3 - Cristina …., Directora Financeira e Directora Técnica da “ET.”, 4 – Rui …, Administrador da “ET.” em representação da “OP.” até 1998. 5 – Luís …., Administrador da “ET.” em representação da “OP.”, da qual era Presidente, desde finais de 1998, nomeado Presidente do Conselho de Administração por Acta n.° 108 de 2/1/2001 - relatório pericial volume I A doc. n.° 1 a 302) 6 – Carlos …., trabalhador portuário que desempenha funções administrativas nos escritórios da “ET.” e efectuava a contabilidade do SLCD. 7 – José …., Presidente do Sindicato do SLCD, trabalhador portuário com a categoria de Superintendente. Das diligências investigatórias realizadas nos autos veio a confirmar-se que vários trabalhadores eventuais da “ET.” prestaram trabalho para os arguidos David e Cristina … na construção de duas moradias, bem como no arranjo de dois apartamentos pertencentes aos mesmos arguidos, bem como na igreja de Santo Amaro e ainda nas instalações da “OP.”. Apurou-se ainda que o arguido David … procedeu a pagamento de mão-de-obra recebida da “ET.”, em 26 de Junho de 2001, desconhecendo-se se o pagamento correspondeu ao total da dívida até então ou se ficaram parcelas por pagar. É certo que a prestação de trabalho por parte de funcionários da “ET.” para David e Cristina …se prolongou até meados de Agosto de 2002, conforme escutas operadas, data posterior ao do pagamento acima referido e depois de a comunicação social ter veiculado a situação descrita nos autos, seja a utilização de mão-de-obra da “ET.” em proveito dos arguidos. Também na casa de José … foi utilizada mão-de-obra da “ET.”. Da análise contabilística e financeira realizada confirmou-se igualmente que os arguidos dos autos constituíram ou se associaram a diversas sociedades nomeadamente a (…), de que eram igualmente sócios ou seus familiares, com quem, em representação da “ET.”, vieram a celebrar diversos negócios jurídicos, nomeadamente a prestação de assessorias quanto às quais não existe prova cabal da sua realização, não tendo eventualmente sido todas prestadas, mas tendo sido determinado o seu pagamento aos administradores da “ET.” ora arguidos e seus familiares e ainda a outras sociedades, ainda também por intermediação dos sindicatos, e que envolvem montantes muito elevados conforme resulta da perícia realizada. O relatório pericial inserto nos autos contém a descrição de todas as operações financeiras havidas não só com a “ET.” mas também com as outras sociedades, de que os arguidos não quiseram genericamente prestar esclarecimentos por estarem fora do âmbito da “ET.”, empresa que se encontrava em investigação. Ainda aos arguidos: 1 – António …, Presidente do Conselho de Administração da “ET.”, nomeado em representação do Governo pela Resolução n.° 1205/99 de 5/8 e nomeado Presidente do Conselho de Administração por Acta Perícia volume I A doc. 1 a 302). 2 – Rui ….. (que exerceu funções no Conselho de Administração até 1998 em representação da “OP.” e 3 – Luís ….., (que exerceu funções no Conselho de Administração em finais de 1998 em representação da “OP.”) foram pagas assessorias através de empresas acima referenciadas (…), que foram também indicadas pela comunicação social entre o mais, como empresas constituídas para absorver os lucros da “ET.”. Assim a Tri. entre 1/1/98 e 31/12/2000 facturou à “ET.” 39930.332$00 pela assessoria prestada aos arguidos Rui … e Luís …., tendo por base um contrato celebrado em 15/7/93. A assessoria prestada a António … foi prestada pela Eco., tendo o mesmo prescindido no primeiro ano de remuneração solicitando depois que lhe fosse prestada assessoria através da Eco., passando a ser advogado desta sociedade. Veio assim a apurar-se que estas assessorias foram pagas em substituição da remuneração mensal que os arguidos poderiam auferir pela contrapartida do trabalho prestado no Conselho de Administração da “ET.”. (…) Também o arguido David … recebeu assessorias provenientes da “ET.”. Com efeito a “ET.” pagou à P.e C. 53.926.560$00 por assessoria técnica prestada por David ….. A P.e C. foi constituída em 6/12/90, sendo sócios, o arguido David …(Administrador da “ET.”), Regra …. (da qual é sócia a V.T.Limited sendo gerente da mesma Cristina …), Maria …., Luís …., e a arguida Cristina …, Directora Financeira e Técnica da “ET.”. A sociedade tem como objecto social a prestação de serviços em matéria de contabilidade, fiscalidade, auditoria, gestão de empresas informática e venda de equipamento informático. O pagamento de assessorias ao arguido David … foi efectuado no mesmo contexto que aos outros membros do Conselho de Administração da “ET.”, prescindindo da sua remuneração e passando a receber assessoria técnica, fornecida pela sociedade de que é sócio. (…) Através da análise contabilística deu-se também conta da existência na “ET.” de irregularidades em assessorias no âmbito dos seguros. Em 15/12/93 a Gris …. ofereceu os seus serviços de assessoria e consultadoria no âmbito de acidentes de trabalho ao Sindicato Livre dos Carregadores e Descarregadores, sendo celebrado o respectivo contrato (fls. 1454 e 1455) e na mesma data propôs a celebração de contrato ao Sindicato dos Estivadores Marítimos, sendo o mesmo celebrado, (fls. 1469, 1470, 1471). Nas próprias cláusulas sextas do contrato prevê-se que a Gris … receba a avença dos Sindicatos após pagamento pela AGMOP -”ET.” ao Sindicato. Assim a Tri….recebeu da “ET.”, com intermediação dos Sindicatos e da Gris … o montante de 61.551.168$00 por assessoria técnica no âmbito dos seguros. Nesta operação os Sindicatos nada ganharam lucrando a Gris … 5072344$00 (conforme ponto 4.4 de fls. 8 do relatório pericial). Nos termos do artigo 135° do CCT (fls. 1460 a 1461 do volume I E documentos anexos) para o Sector dos Trabalhadores Portuários, os Sindicatos, Sindicato Livre dos Carregadores e Descarregadores dos Portos da RAM (relativamente ao qual é arguido José ….) e Sindicato dos Estivadores Marítimos do Arquipélago da Madeira (relativamente ao qual é responsável José ….) cobravam à “ET.” um determinado montante. Através da cláusula 137° do mesmo contrato a Gris …. Lda., cobrava o mesmo valor aos Sindicatos. A Tri…… invocando a realização de trabalhos especializados cobrou à Gris … um valor praticamente igual ao recebido dos Sindicatos pela “ET.”. A Gris … lucrou o diferencial entre o que recebeu dos Sindicatos e o que pagou à Tri…no valor global de 5.072.344$00 (cfr. fls. 8 do relatório pericial VI inserto no relatório pericial volume I- conclusões). Contudo a alegada assessoria prestada aos Sindicatos para orientação e aconselhamento dos sinistrados de acidente de trabalho não foi efectuada em moldes pertinentes. Com efeito a Gris …, através de João …., pai de um dos sócios da firma, profissional de seguros da companhia de seguros B. e após a sua reforma passou a prestar ”assessoria” aos Sindicatos limitando-se a apurar se a companhia prestava um bom serviço e regularizava a tempo e horas os sinistros; se as taxas aplicadas eram as mais correctas; se o sinistrado era bem acompanhado e se a prestação de serviços médicos era a mais adequada; tentava ainda obter as melhores condições e garantias em caso de acidente; aconselhava os advogados aceitarem ou não as percentagens de incapacidade atribuídas aos sinistrados. Estas alegadas assessorias foram sempre verbais, não existindo relatórios ou informações sendo os casos directamente tratados pelos presidentes dos sindicatos SLCD e SEM. Era emitida pelo acima referenciado João …..uma factura mensal em nome da Gris …. pela prestação de serviços a cada um dos sindicatos. A “ET.” pagou com estas “alegadas assessorias” o valor global de 67.243.720$00. No âmbito da “ET.” apurou-se igualmente a existência de pagamento de serviços de contabilidade não justificadas. Também a “ET.” pagou à Gest Líder, de que era sócio o arguido David Pedra montantes relativos à realização de contabilidade que não terá sido efectuada ou de que não se justificará a sua prestação. A Gest … foi constituída em 6/12/1990 tendo por objecto a prestação de serviços em contabilidade, fiscalidade, informática, auditoria e gestão de empresas e compra e venda de acessórios e equipamento informáticos, de escritório) electrónico, designadamente relativos a rádio e som, electrodomésticos. Eram sócios David …., Maria … (mulher do 1.º), Luís …(engenheiro da “ET.”) e mulher, a arguida Cristina …. A “ET.” pagou à Gest … o montante de 35.474.512$00 (com Iva) a título de assistência contabilística a troco de uma avença mensal de 13.681.404$00 – no período compreendido entre 1998 a 2001. (…) Segundo os seus Estatutos a OGMOP/RAM é uma pessoa colectiva de direito privado (artigo 1.º e n.° 2), tendo com o objecto a gestão de mão-de-obra portuária dos portos da RAM (artigo 2.º), sendo a única estrutura legalmente constituída para a gestão dos trabalhadores portuários da RAM (com excepção das enumeradas na 2.ª parte do artigo 5.º) e não tem fins lucrativos; a RAM detém na Assembleia Geral tantos votos quantos os sócios da categoria mais numerosa; o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal são formados por três membros, sendo um designado pela RAM. Pelo DRR n.° 23/90/M de 22/12 esta Associação foi classificada como pessoa colectiva de carácter associativo de direito privado e de utilidade pública administrativa, sem fins lucrativos (artigo 11.º n.° 1). Em 2/11/94 a Associação passou a designar-se "Associação Portuária da M…..-Empresa de Trabalho Portuário" perdendo o seu Estatuto de Pessoa Colectiva de Utilidade Pública, nos termos dos artigos: 12° n.° 3 do DL 280/03 de 13/8 e 15° n.° 1 do Decreto Regulamentar n.° 2/94 de 28/1, por não ter solicitado a confirmação do estatuto de utilidade público de que beneficiava. Convém referir que face à publicação da nova legislação para o sector designadamente o DL n.° 280/03 de 13/8 que estabelece o regime jurídico do trabalho portuário, foram introduzidas várias alterações que terão estado na génese da alteração do estatuto da AGMOP/RAM. O artigo 12° do diploma citado, que prevê a transformação dos organismos de gestão de mão-de-obra portuária, refere no seu n°3 que tais organismos conservam o estatuto de utilidade pública se cumprirem os requisitos constantes das alíneas a) e b). O Decreto Regulamentar n° 2/94 de 28/1 no artigo 15° sob a epígrafe “MANUTENÇÃO DO ESTATUTO DE UTILIDADE PÚBLICA” prevê: as empresas de trabalho portuário sem fins lucrativos, abrangidas pelo artigo 12° n° 3 do DL 280/93 de 13/8, devem entregar no ITP (Instituto do Trabalho Portuário) dentro do prazo estabelecido no n° 1 do citado artigo requerimento dirigido ao Ministério do Mar, solicitando a confirmação do estatuto de utilidade pública de que beneficiam. No caso vertente a pessoa colectiva “ET.” não fez este pedido de confirmação de utilidade pública pelo que deixou de ter esta qualidade, apesar da actividade que desenvolve e das condições que detém para ser qualificada como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, em si insuficientes, para que por si só lhe advenha tal qualidade. Pelo exposto atento que os factos apurados pressupõem a natureza pública da pessoa colectiva e ou a condição de funcionário, determina-se o arquivamento dos autos, na parte tocante aos actos ilícitos praticados no âmbito da “ET.”, nos termos do artigo 277.° n° 1 do CPP. Cumpra o disposto no artigo 277° n° 3 do CPP. (…) O DL 298/93 de 28 de Agosto estabeleceu o regime jurídico da operação portuária, definindo as respectivas condições de acesso e de exercício. Nos termos do artigo 2° do diploma entende-se por operação portuária a actividade de movimentação de cargas a embarcar ou desembarcadas na zona portuária, compreendendo as actividades de estiva, desestiva, conferência, carga, descarga, transbordo, movimentação e arrumação de mercadorias em cais, terminais, armazéns e parques, bem como de decomposição de unidades de carga, e ainda de recepção, armazenagem e expedição de mercadorias. No artigo 3° n.° 1 sob a epigrafe "interesse público" a lei considera que "a prestação ao público da actividade de movimentação de cargas é considerada de interesse público". A “OP.” constituída em 7/6/88 (apresentação n.° 83734) tem por objecto a execução na área dos Portos da RAM e respectivos "hinterlands" de operações portuárias, considerando-se como tais as relativas a estiva, desestiva, conferência, carga, descarga, transbordo, movimentação e arrumação em cais, terraplenos, armazéns e terminais, formação e decomposição de unidades de carga, grupagem, armazenagem e entrega, operações complementares e, em geral, todas as operações que requeiram as mercadorias desembarcadas ou destinadas a embarque.(cfr. Pacto social actualizado-1991-anexo 24 página 9). A referida sociedade detém assim interesse público, ou melhor dizendo, utilidade pública, pelo que interessa investigar em autónomo os eventuais ilícitos penais que tenham sido cometidos na sua actividade. Assim extraia certidão, despacho final, relatório da PJ, síntese conclusiva do relatório do DPFC (volume XIX), relatórios periciais II, III, V, VI, VII, VIII, IX, X, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVIII relatório do NAT, interrogatórios dos arguidos e inquirições dos Presidentes dos Sindicatos (José …. e José ….) a fim de ser instaurado procedimento criminal autónomo relativamente à “OP.” visando também a parte penal fiscal consoante resulta do relatório do NAT. A certidão será remetida à PJ para aí ser investigada. Dado que o sistema de assessorias na “ET.” é prática continua ocorrendo eventualmente a verificação de crime fiscal extraia certidão do relatório da PJ e do despacho final e remeta aos Serviços Centrais da Direcção Geral dos Impostos em Lisboa, mais precisamente DSIFAE para investigação. Comunique-se: à ExMa Procuradora Geral Distrital; à Ex.Ma Procuradora Geral Adjunta Directora do DCIAP. -à Alta Autoridade para a Concorrência com cópia do relatório da Polícia Judiciária e Informação do NAT. Cumpra o artigo 277° n.° 3 do CPP”.
57. Na informação nº 44/NAT/2007 levada a efeito pelo Núcleo de Assessoria Técnica da PGR, datada de 18.07.2007, concluiu-se que: Em face da análise efectuada ao conteúdo dos relatórios da PJ remetidos ao NAT, parece poder concluir-se o seguinte: Encontra-se comprovado nos autos a utilização abusiva, para fins particulares e alheios à movimentação de cargas, de diversos trabalhadores portuários eventuais, cujos vencimentos e encargos patronais foram pagos pela “ET.”/RAM ao longo dum período temporal, que se supõe bastante alargado, e que se prolongou para além do início da presente investigação. Caso a Associação mantenha o estatuto de utilidade pública, poderá ser qualificado como crime a apropriação abusiva e ilegítima de avultados recursos monetários da “ET.”/RAM que foram desembolsados para pagamento desses trabalhadores "desviados"; Necessita de maior aprofundamento a avaliação da eventual atribuição de benefícios ilegítimos ou excessivos relacionados com seguros por parte da “ET.”/RAM, em violação de regras de uma gestão criteriosa e racional, que devem nortear as entidades de utilidade pública; Merece igualmente ser analisada, sob o ponto de vista jurídico, a alegada obrigação da “ET.”/RAM assumir os encargos decorrentes da cláusula consignada no CCT dos trabalhadores portuários da RAM, denominada "Apoio ao sistema de trabalho portuário"; A “OP.” é a única empresa de estiva a operar nos portos da RAM, e tem vindo a praticar, de forma livre, tarifas das mais altas do País, o que lhe vem proporcionando a Obtenção de lucros elevados. Em consequência, e desde o início da sua actividade; que a “OP.” delineou uma estratégia concertada de dissimulação de lucros, procurando empolar os custos através da celebração de contratos de assessoria e consultoria técnica, de forma articulada com um grupo de empresas pertencentes aos presidentes dos sindicatos do sector portuário, à família de David … e ao denominado grupo S.. Podendo estar-se perante eventuais ilícitos de natureza tributária, associados à contabilização de sobre custos e/ou operações simuladas, e considerando que esta estratégia de dissimulação de lucros por parte da “OP.” deverá ter características continuadas, afigura-se pertinente propor que este conjunto alargado de empresas seja objecto de uma acção de fiscalização por parte da Administração Fiscal. 58. No jornal Diário de Notícias do F….. de 30.10.2014, foi divulgada a seguinte notícia: Tribunais da …. passam a ter Conselho Consultivo em 13 membros (…) O geógrafo e ambientalista …. e a dirigente associativa Cristina …. estão entre as personalidades que foram escolhidas para integrar o Conselho Consultivo da Comarca da …., que acaba de ser constituído. De acordo com uma nota divulgada esta menhã pelo presidente da Comarca da …, o novo órgão é presidido pelo próprio juiz-desembargador …., o procurador-geral adjunto …., o secretário de Justiça …., a juiz …., o procurador-adjunto …., o escrivão de direito …., o advogado …., a agente de execução …., os presidentes de câmara …. E ….. Por estes membros, foram cooptados mais três personalidades: a presidente da ACIF Cristina …. o geólogo e ambientalista ….. e a psicóloga …. (fls. 1201-1202). 59. Do Estatuto Editorial do jornal “G.” consta o seguinte: “G.” é um órgão de informação não diário e regional, que informa utilizando os géneros literários e jornalísticos do humor, da ficção e da sátira, através de instrumentos de critica como o sarcasmo, a caricatura e a hipérbole. “G.” estabelece, assim, um compromisso óbvio e inequívoco de natureza humorística, ficcional e satírica entre si e os seus leitores. “G.” utiliza a ficção, o humor e a sátira com o objectivo de divertir, consciencializar e incentivar o debate de ideias e de participação cívica dos cidadãos e o respeito pelos princípios que presidem a uma sociedade aberta, plural e democrática. “G.” é apartidário, não dependendo de nenhuma ordem ou poder ideológico, religioso, social, político e económico, nem de qualquer interesse particular. “G.” é, por natureza, um jornal contra o poder e o sistema instalados, irreverente e em permanente desassossego. “G.”, sem prejuízo da sua óbvia e predominante natureza humorística, ficcional e satírica, informa, também, a título excepcional, segundo critérios de objectividade, rigor e transparência, sempre com respeito pelas liberdades, direitos e garantias individuais de cidadãos e instituições”. 60. Notícias e opiniões relacionadas com o Porto do …. e com as actividades desenvolvidas pela empresa (“OP.”) e pela Empresa (“ET.”) foram objecto de tratamento jornalístico por parte de distintos meios de comunicação social, desde 2001 e, pelo menos até 2007, nomeadamente, pelos jornais Diário de Notícias da Madeira, Público, e semanário Sol, como por exemplo nos juntos por cópia, a fls. 219 a 224, 278 a 301, 1036 a 1039 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
i. DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da impugnação da matéria de facto (RECUSO SUBSIDIÁRIO)
O Novo Código de Processo Civil, no seu artigo 662º, veio reforçar os poderes do Tribunal da Relação relativamente à modificabilidade da decisão de facto, os quais se mostram ampliados no seu nº 2.
Estatui agora o citado normativo que: a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
No que concerne ao ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelece o artigo 640º, do Novo Código Processo Civil (preceito corresponde ao artigo 685º-B do anterior Código Processo Civil, com a inovação da alínea c) do nº. 1) que: Há que aferir da pertinência da alegação da apelante, ponderando se, in casu, se verifica a ausência da razoabilidade da respectiva decisão em face de todas as provas produzidas, conduzindo necessariamente à modificabilidade da decisão de facto.
Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito da Exma. Juíza do Tribunal a quo, a qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto directo com a prova testemunhal que, em regra, melhor possibilita ao julgador a percepção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas.
Há, pois, que atentar na prova gravada e na supra referida ponderação, por forma a concluir se a convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância é, ou não, merecedora de reparos.
Þ Vejamos:
Consta do nº 6 dos Factos dados como Provados:
Consta do nº26 dos Factos dados como Provados:
Consta do nº 27 dos Factos dados como Provados:
Consta do nº 38. dos Factos dados como Provados:
Consta do nº 39. dos Factos dados como Provados:
Fundamentou a Exma. Juíza do Tribunal a quo, da seguinte forma as decisão sobre a matéria de facto: (…)
Defendem, em suma, os réus/apelantes, que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova, no que concerne aos depoimentos das testemunhas por si arroladas, nomeadamente quanto às testemunhas Baltasar, Paulo, Norberto e ainda tendo em consideração o teor dos depoimentos das testemunhas da autora, Carlos, Maria..
Importa, então, analisar os depoimentos prestados em audiência, indicados pelos recorrentes como relevantes, a propósito dos artigos da Base Instrutória aqui em causa, em confronto com a restante prova produzida, designadamente documental, para verificar se a decisão deveria corresponder ao preconizado pelos apelantes, ou se, ao invés, tal decisão não merece censura, atenta a fundamentação aduzida pela Exma. Juíza do Tribunal a quo.
De todo o modo, é sempre relevante relembrar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.
De harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais.
Nos termos do disposto, especificamente, no artigo 396.º do C.C. e do princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5 do NCPC o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência – v. sobre o conteúdo e limites deste princípio, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A livre apreciação da prova em processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII (1984), 115 e seg.
A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr. a este propósito ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 435-436.
É certo que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade. Mas, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que essa realidade seja mais provável que a ausência dela.
Ademais, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente.
Porém, a convicção probatória, sendo um processo intuitivo que assenta na totalidade da prova, implica a valoração de todo o acervo probatório a que o tribunal recorrido teve acesso – v. neste sentido, Ac. STJ de 24.01.2012 (Pº 1156/2002.L1.S1).
No caso vertente, e face ao teor dos depoimentos das testemunhas ouvidas, globalmente analisado e ponderado, entende-se, tendo em conta as considerações antes aduzidas, que importa proceder a algumas alterações relativamente aos factos impugnados.
Vejamos:
Ø Nº 6 dos Factos dados como Provados: Assiste razão aos apelantes quando afirmam que a matéria aí descrita se trata de uma conclusão, posto que na realidade o que o Tribunal tem de dar como provado consiste na expressa menção do teor do artigo em causa, sendo que, quanto ao mais, haverá que atentar ao que consta do Nº 29 dos Factos Provados.
Assim, os factos Nºs 5, 6 e 7 passarão a integrar um único ponto – Nº 5. - com a seguinte redacção que corresponde ao teor integral do artigo aqui em causa, na parte em que é compreensível, atenta a circunstância de se encontrar junto aos autos, não o original do artigo do jornal em causa, mas uma fotocópia pouco legível:
5 No dia 15 de Dezembro de 2006, o jornal “G.” publicou o seguinte artigo intitulado “O PORTO JÁ ESTÁ A ARDER !”: O semanário Sol noticiou no seu último número, que o famoso processo de investigação criminal iniciado em 2001 pelo MP, ao Porto do F…., tem 7 arguidos, sendo os mais importantes, Luís …., David ….. e Cristina …... Agora falta formalizar a acusação e provavelmente será alargado o número de arguidos, existindo mesmo fortes probabilidades de Cunha e Silva integrar o lote dos convocados. O “G.” foi a correr ouvir a opinião dos homens que iniciaram este verdadeiro furacão. Para eles “era bom que o MP não se esquecesse de Cunha …, Pereira ….. Marcos …e Sérgio ….”. Em 2001, cerca de três dezenas de trabalhadores eventuais do porto do F…. iniciaram uma luta laboral, alegadamente para que lhes fossem reconhecidos os seus direitos. Estavam fartos de assinarem diariamente contratos temporários de não terem direito a subsídios de férias e ao 13º mês e viveram numa situação de total precariedade laboral, ao sabor dos caprichos da “ET.”. Esta empresa a gestão de mão de obra própria, sem fins lucrativos (!) tinha uma administração tripartida, era administrada, era administrada inicialmente por Cunha … (depois deu lugar a B….), em representação do Governo Regional, por Luís, em representação da “OP.” e por David …., em representação de dois sindicatos de estivadores e … pelos trabalhadores eventuais … outras coisas, de recorrer a eles para efectuarem trabalhos fora do porto, como carregar mobiliário para a nova sede do Porto …Line, pintar a recuperar oficinas do “OP.”, pintar varandas e portões do sindicalista José …. e, mais escandalosamente serem utilizados como uma espécie de criados nas residências particulares de David … e sua filha Cristina …., em ….. Fernandes, trabalhador eventual na … contou ao “G.” que os eventuais faziam de tudo nas casas dos P., pintávamos camas de ferro, mesas de pingue-pongue, paredes, móveis, candeeiros, cadeiras …, fazíamos trabalhos de jardinagem e manutenção da casa, como encerar pavimentos agir como criados de copa e de mesa nas festas e chegámos a retirar telhas de meia cana de habitações antigas para levar para a cada de P., e mordaz concluiu “estamos fartos de aturar os caprichos deles, mas a pior era a Cristina P., era a mais mandona, chegava lá e dizia: - Até às cinco da tarde quero este candeeiro pintado, sem falta – e lá tínhamos de cumprir com as ordens de sua senhoria” A Investigação Foram estas denunciadas aliadas a outras situações anormais relatadas na altura pelo DN que levaram o MP a intervir. Depois de cinco anos de investigação, o “G.” teve conhecimento que a Polícia Judiciária recebeu um CD com material altamente comprometedor, onde aparecem dois balanços contabilísticos da empresa, um fictício, para apresentar nas finanças, outro, real, para orientação interna dos administradores. Através desse CD as autoridades descobriram que na factura apresentada pela “ET.” à “OP.” os eventuais recebiam altos salários, como se fossem estivadores efectivos. Ao longo da investigação, foram também realizadas escutas telefónicas aos principais suspeitos, e segundo uma nossa fonte, as mesmas são altamente comprometedoras e mostram o clima de impunidade e atrevimento que envolvia os responsáveis por estas empresas. O que mais surpreendeu os especialistas financeiros mobilizados para esta mega operação foram as enormes quantias movimentadas com o dinheiro a partir da empresa filão a “OP.” e a ser depois derramado pelas dezenas de empresas do grupo Sousa, não só por estratégia de ambição ….., mas também para branquear e camuflar a rota do dinheiro, servindo muito dele, já em nota viva, para financiar partidos políticos regionais e organizações partidárias. E “ET.”, sendo uma sociedade sem fins lucrativos, mas gerando grandes quantias monetárias, necessitava também de empresas “fantasmas” para dispersar o dinheiro, sendo a maioria delas detidas por David …. e sua filha Cristina …. também arguida neste processo, para além dos presidentes dos dois sindicatos dos estivadores. Entretanto o “G.”sabe, por fontes ligadas a este processo, que existem fortes probabilidades de João …. vir a ser constituído arguido. Só o não foi nesta primeira fase, graças ao seu actual estatuto de governante e ex.deputado. Aliás, não faria qualquer sentido constituir arguidos dois administradores da “ET.”, David …. e Luís ….., e deixar de fora os ex.administradores ligados ao Governo Regional. Os três mosqueteiros Para os três eventuais com quem falámos, Fernandes …., Norberto …. e o líder do grupo, Paulo …. a notícia do SOL foi a maior alegria que tiveram desde que iniciaram esta luta, “é um verdadeiro presente de Natal e vem confirmar aquilo que pusemos a nu na altura”. Unânimes, referem, que “se os resultados desta investigação fossem divulgados mais cedo, o desfecho do nosso processo no Tribunal de Trabalho seria outro”, contudo, o nosso processo relativo ao Contrato Colectivo de Trabalho, ainda se arrasta no Tribunal, quando temos colegas a passar grandes dificuldades económicas”. Sobre o desvio de € 15 milhões para empresas fantasmas de David …. e família, bom como dos dois presidentes dos Sindicatos, consideram estes eventuais que esse valor é baixíssimo, “é preciso não esquecer que estes senhores andam a mamar desde que começou o trabalho eventual em 1993, e também sabemos que o grupo Sousa sempre lhes encheu os bolsos para estarem caladinhos e manterem firme o monopólio”. Esperam agora que o MP não deixe ninguém para trás na acusação, “o actual eurodeputado Sérgio …. tem culpas no cartório, foi ele um dos artífices do labirinto jurídico desta marosca, o Marcos …. foi o estratega e Cunha … pactuou com estes senhores, juntamente com o ex. secretário Pereira ….”, acusam. Vamos meter novo processo Esta boa notícia também lhes dá novo alento para a luta, “vamos avançar agora com um novo processo de indemnização cível, visto que a acusação do MP irá dar origem a um novo cenário, que nos é favorável”, defendem entusiasmados. “Mas a nossa maior felicidade é que embora estes senhores tenham muito dinheiro para se safarem, não escapam da vergonha pública, nem conseguem queimar o processo, como fizeram com os nossos contratos de trabalho que Cristina …. fez arder numa fogueira, durante uma tarde inteira”, concluem, felizes, como crianças à volta do pinheirinho de Natal.
Por absoluto rigor, em face do artigo também publicado no Jornal “G.” do dia 15.12.2006, igualmente se altera o que consta no Nº 8 dos Factos Provados, tanto mais que tal artigo tem relevância para a análise do impugnado Nº 38 dos Factos dados como Provados.
Ø Nº 8 dos Factos Provados passará a ter a seguinte redacção, transcrevendo-se integralmente o aludido artigo: Em caixa autónoma subscrita por um tal Jorge …. intitulada “Canetas e lápis” afirma-se: Este título bem podia ser o nome de uma empresa, o nome de um programa de rádio ou televisão, o nome de uma peça de teatro, ou qualquer coisa que implicasse criatividade ou crítica. No entanto canetas e lápis é o nome de uma rubrica que está inscrita num processo instaurado pelo Ministério Público que custou 500 mil contos à Empresa de Trabalho Portuário, que gere a mão-de-obra portuária, e onde tinha assento um representante do GR, um representante dos sindicatos dos estivadores, David …e Luís ….., enquanto representantes da “OP.”. O Ministério Público descobriu que foram desviados 15 milhões de euros na gestão ruinosa do porto do F…. O Dr. João …. está de parabéns, porque tem sido a voz pública incómoda contra os corruptos desta terra. O deputado do PS/M…. eleito por …. tem tido a coragem de denunciar vários casos de corrupção na M…., e não tem deixado o Ministério Público sossegado. O Dr. João …. para além de denunciar a corrupção em vários sectores da nossa sociedade, tem criticado a inércia do Ministério Público na M….. Estou convencido que se não fosse a persistência do deputado, aquela investigação do Ministério Público tinha sido mandada para as calendas gregas, ou tinha sido arquivada como tanto outros processos de corrupção na M…... É por isso que os políticos corruptos (felizmente não são todos) ficam seriamente incomodados com o discurso do Dr. João …. no parlamento, onde até a maioria PSD já teve a desfaçatez se lhe passar um atestado de loucura e de problemas mentais. O mais incrível nesta investigação ao Porto do F….. foi que ele teve início em 2001, e foram necessários 5 anos para deduzir acusação. Por aqui se vê como é que o Ministério Público funciona. Foi preciso o Dr. João …. fazer as declarações que fez sobre a paralisia do Ministério Público na Região na investigação aos poderosos desta terram para alguém na República mandar um Procurador vir investigar as denúncias do deputado. Bem-haja Dr. João …... A entrada do novo Procurador-Geral da República também tem deixado muita gente corrupta com as cuecas na mão. Espero que olhe pela corrupção na Madeira. Ø Nº 26 dos Factos dados como Provados: Em resultado da análise da notícia publicada no jornal “G.”, em 15.12.2006 e integralmente reproduzida nos nºs 5 a 7, e de toda a prova testemunhal produzida, haverá que reformular a redacção dada ao aludido facto, já que apenas se poderá considerar, como objecto imediato da notícia, a actuação da “ET.”, pelo que apenas se deverá dar como provado que: Com a notícia publicada em 15-12-2006, na parte em que referia que o Ministério Público se aprestava a produzir acusação era possível aos leitores do “G.” admitir que na “ET.”, haviam sido forjados os balanços contabilísticos que vieram a ser apresentados às Finanças.
Ø Nº 27 dos Factos dados como Provados: Conforme resultou dos depoimentos das testemunhas, a autora desempenhava as funções de directora técnica da “ET.” mas não era ela que elaborava ou dirigia a contabilidade na “ET.”. § A testemunha Noémia …. referiu que organizava a documentação, nomeadamente as facturas, e depois enviava todos esses documentos para a empresa Gest Líder e que seria esta empresa que prestava serviços para a “ET.”, elaborando a contabilidade da mesma. § Por sua vez a testemunha Carlos …., também confirmou que a contabilidade da “ET.” era efectuada pela empresa Gest … e que as contas são supervisionadas por um Roc, sendo a testemunha o Revisor Oficial de Contas de algumas das empresas com ligações à família P., nomeadamente a Gest …., não se recordando dos nomes das restantes. Referiu também que efectuava uma análise documental, não sabendo se os serviços foram prestados, mas que havendo facturas é porque foram prestados, nelas constando os respectivos descritivos. Confirmou ainda o que consta de fls. 150, que subscreveu, por lhe ter sido solicitado, salientando que considerava a “ET.” uma das empresas mais organizadas que conhecera durante a sua longa experiência. § A testemunha Maria….., empregada da empresa Gest …. igualmente confirmou que era a sua entidade patronal que elaborava a contabilidade da “ET.”. Verificavam os lançamentos, faziam toda a documentação fiscal, faziam as reconciliações das contas. Referiu ainda que o depósito das contas na Conservatória do Registo Comercial com relação à “ET.” não era efectuado. E, com efeito, apenas consta dos autos comprovativos dos depósitos de contas da Gest …., na Conservatória do Registo Comercial. Não tendo a autora a específica função de elaboração da contabilidade da “ET.”, a qual é prestada pela empresa Gest …, sem prejuízo de superintender nos procedimentos contabilísticos, efectuados de uma forma incipiente na “ET.”, e explanados pela testemunha Noémia …., não pode afirmar-se como possível aos leitores do “G.” implicar a autora na falsificação de registos contabilísticos e muito menos nos pagamentos referidos em 8., pelo que não poderá considerar-se provado o facto enumerado no Nº 27, o qual se terá de considerar NÃO PROVADO.
Ø Nº 38. dos Factos dados como Provados: Os depoimentos das testemunhas Norberto ….., Paulo …… e as próprias declarações de parte do réu Gil …. (claras e credíveis na parte aqui em apreciação), levam a concluir que, se é certo que os réus não contactaram a autora para confirmarem os factos consignados nas notícias aqui em causa, não se pode afirmar que os réus actuaram sem investigação prévia, pois as testemunhas acima mencionadas esclareceram os contactos que tiveram com os jornalistas do “G”, o que foi confirmado pelo réu, Gil …., nas suas declarações de parte, e existem mesmo fotografias que acompanharam as publicações no jornal aqui em causa onde estão retratados os trabalhadores que denunciaram a situação que ocorria no Porto do F….., sendo certo que notícias a este propósito vinham sendo veiculadas por diversos meios de comunicação social desde 2001.
De resto, a própria testemunha Edgar ….., esclareceu que, na qualidade de deputado da Assembleia Legislativa Regional, propôs por duas vezes, que a situação do Porto do F….. fosse alvo de inquéritos parlamentares, que foram inviabilizados. A situação em causa, atentos os elevados custos decorrentes da organização portuária, por se tratar de uma relação clientelar, tinha grande relevo regional. Os custos portuários demasiado elevados não serviam os interesses da região.
Mais referiu que, por diversas vezes, falou com trabalhadores que denunciaram a exploração do trabalho dos eventuais, os quais inclusivamente prestavam serviços em áreas que nada tinham ver com serviço portuário. Os fundos europeus para justificar as acções de formação tinham pouca transparência e rigor. Existiam muitos serviços prestados por outras empresas que ajudavam a justificar os custos elevados, o que levava a considerar que existia grande opacidade na operação financeira das empresas que operavam no porto do F…...
Segundo esta testemunha, o próprio grupo parlamentar do PSD recorrentemente anunciava a necessidade de alteração do processo de gestão portuária.
Pode, pois, concluir-se também das afirmações desta testemunha, que a situação relacionada com o porto do F….. já era do domínio da comunicação social, de intervenções parlamentares, o que levou a testemunha igualmente a publicar, em Agosto de 2003, um artigo de opinião, intitulado “Expressões da Corrupção” e cuja fotocópia consta de fls. 299.
Assim, o Nº 38 dos Factos Provados passará a ter a seguinte redacção: Na publicação das notícias referidas em 5., 8., 11. a 19., 20. e 21. os réus não contactaram a autora para confirmarem os factos nelas vertidos.
Ø Nº 39. dos Factos dados como Provados: Não foi produzida nenhuma prova testemunhal ou documental da qual fosse susceptível de inferir o que consta deste Nº 39 dos Factos Provados, i.e., que “A publicação das referidas notícias visou atingir a pessoa da autora e afectá-la na sua reputação “.
O Tribunal a quo alicerçou a sua posição, para dar como provado tal facto, tão somente nas declarações de parte do réu Gil …., mas sem razão.
É que, dessas declarações apenas resulta que o réu descreveu o jornal “G.” como um jornal de pequena tiragem, em regra 700 a 800 exemplares, qualificando-o como um jornal anti-sistema, destinado a afrontar quer o sistema político, quer o sistema económico, denunciando situações relacionadas com membros do regime “jardinista” e os beneficiários do mesmo.
Enumerou ainda a testemunha o trabalho que vinha desenvolvendo desde 2003, na análise da questão do Porto do F…... § Chegou a escrever para o Diário de Notícias do F…. sobre o assunto. § Os artigos em causa surgiram na sequência das investigações do Ministério Público e das notícias que sobre o assunto foram publicadas pelo jornal “Sol” e que depois complementou com os contactos havidos com os trabalhadores. § Recebeu na caixa do correio do escritório um CD, que abriu, e apesar de não ter conhecimento de contabilidade viu que se trataria de contas numa base interna e a sua convicção na altura era que as contas existentes no CD não eram aquelas que os técnicos oficiais de contas faziam. § Segundo apurou das notícias já vindas a público e do contacto com os trabalhadores, o negócio da “ET.” gerava grandes quantidades de dinheiro, sobretudo com o trabalho dos eventuais que eram pagos com valores mais baixos do que aqueles que eram pagos aos efectivos, muitos dos quais estavam de baixa e que, portanto, eram pagos pela Segurança Social e a empresa facturava como valor contratado, pagando menos aos eventuais. § Quis confrontar este CD com aquele que a testemunha Paulo …. teria em seu poder, mas este afirmou-lhe que já o havia entregado à Polícia Judiciária. § Nos contactos que teve, nomeadamente com a testemunha Paulo ….. concluiu que, sendo a “ET.” uma associação sem fins lucrativos, haviam sido criadas determinadas empresas de prestação de serviços para retirarem dinheiro e não resultarem lucros.
Ora, as declarações de parte do réu Gil ….., não podem ser tidas como relevantes para se concluir, como se concluiu na sentença recorrida, já que das mesmas não resulta que a publicação das notícias do jornal “G.” visasse especificamente atingir a pessoa da autora e afectá-la na sua reputação, como também se mostra compreensível alguma revolta contida nas declarações do réu, decorrente do facto de o jornal ter sido forçado a fechar, o que, segundo o próprio, se ficou a dever aos vários processos de que foi alvo, com prejuízo para a sociedade madeirense.
Perante o teor dos depoimentos das testemunhas ouvidas, globalmente analisado, concomitantemente com a análise dos documentos juntos aos autos, em conformidade com o que acima ficou dito, entende-se que a convicção criada no espírito do julgador do tribunal recorrido é merecedora de reparo, quanto à matéria impugnada pelos réus, no seu recurso subordinado.
Nestes termos, e sintetizando, julga-se procedente o recurso subordinado, no que concerne à reformulação da factualidade apurada na 1ª instância nos termos pretendidos pelos réus/apelantes, no que concerne à reapreciação da prova, razão pela qual se altera, por conseguinte, e nos termos sobreditos, o que consta dos Nºs 6., 8., 26., 27., 38. e 39. dos Factos Provados.
Importa, portanto, enumerar os Factos que resultam provados. (…) iii) DA SUBSUNÇÃO JURÍDICA FACE À MATÉRIA QUE VIER A SER APURADA E À PRETENSÃO FORMULADA PELA AUTORA (RECURSO PRINCIPAL E RECUSO SUBSIDIÁRIO
a) O CONFRONTO ENTRE A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO E A TUTELA LEGAL DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE
A liberdade de expressão e de informação tem, como é sabido, consagração constitucional, dispondo o artigo 37º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa que, “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações”.
Por seu turno, dispõe o nº 1 do artigo 38º da CRP que: “é garantida a liberdade de imprensa, que implica, como decorre da alínea a) do seu nº 2, “a liberdade de expressão e criação dos jornalista e colaboradores, bem como a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional”.
Segundo J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª edição revista, 2007, 572 e 573, o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento é, desde logo e em primeiro lugar, a liberdade de expressão, isto é, o direito de não ser impedido de exprimir-se e de divulgar ideais e opiniões. Neste sentido, enquanto direito negativo ou direito de defesa, a liberdade de expressão é uma componente da clássica liberdade de pensamento.
O direito de informar, por outro lado, integra, segundo os citados autores, três níveis: o direito “de informar”, o direito “de se informar”, e o direito “de ser informado”. O primeiro consiste, desde logo, na liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de as difundir sem impedimentos (…). O direito de se informar consiste, designadamente, na liberdade de recolha de informação, de procura de fontes, isto é, no direito de não ser impedido de se informar (…). Finalmente, o direito a ser informado é a versão positiva do direito de se informar, consistindo num direito a ser mantido adequadamente e verdadeiramente informado, desde logo, pelos meios de comunicação social (…).
Salienta JÓNATAS E.M. MACHADO, Liberdade de Expressão, Interesse Público e Figuras Públicas ou Equiparadas, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXXXV, 2009, 74, que: “A doutrina constitucional sublinha que o princípio democrático tem como subprincípio o princípio da democracia comunicativa, estruturado em torno das noções de opinião pública e comunicação cívica e política democrática”, mais afirmando que: “Pretende-se, por esta via, sublinhar o facto de que a existência no seio da comunidade política de uma opinião pública autónoma funciona como garantia substantiva da democracia”.
Mas, defendem, por outro lado, J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit. 575, que: “do nº 3 do artigo 37º da CRP se pode concluir que há certos limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento, cuja infracção pode conduzir a punição criminal ou administrativa. Esses limites visam salvaguardar os direitos ou interesses constitucionalmente protegidos de tal modo importantes que gozam de protecção, inclusive, penal. Entre eles estarão designadamente os direitos dos cidadãos à sua integridade moral, ao bom nome e reputação (cfr. art. 26º); a injúria e a difamação ou o incitamento ou instigação ao crime (que não se deve confundir com a defesa da descriminalização de certos factos) não podem reclamar-se de manifestações da liberdade de expressão ou de informação”.
De harmonia com o disposto no artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, o direito de expressão, tal como os demais direitos, liberdades e garantias, são passíveis de sofrerem limitações ou restrições impostas pela lei ordinária, nos casos previstos na própria lei fundamental, devendo, contudo, as restrições se limitarem ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Como expressamente se prevê no nº 3 do artigo 37º da Constituição da República Portuguesa, as infracções cometidas no exercício da liberdade de expressão e do direito de informação ficam submetidas aos princípios gerais do direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação da competência, respectivamente, dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente.
As infracções cometidas no exercício da liberdade de expressão e do direito de informação são, em regra, aquelas que atingem a honra, o bom nome e a reputação de outrem.
O direito ao bom nome e reputação mostra-se constitucionalmente consagrado no artigo 26º, nº 1 da C.R.P.. Aí se estatui que: A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra e à reserva da intimidade da vida privada e familiar.
O direito ao bom nome e reputação consiste, essencialmente, em a pessoa não ser ofendida ou lesada na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a correspondente reparação.
Segundo MARIA PAULA G. ANDRADE, Da Ofensa do Crédito e do Bom Nome, Contributo para o estudo do artigo 484º do C.C., Tempus Editores, 1996, 97, “a honra é um bem da personalidade, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor a que a Constituição atribui a relevância de fundamento do Estado Português. E enquanto bem da personalidade, trata-se de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividade económica, com repercussões no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso”.
A honra em sentido amplo, segundo RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, 303-305, inclui também o bom nome e reputação, enquanto sínteses de apreço social pelas qualidades determinantes de cada indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político.
A nível infraconstitucional e, no plano do Direito Civil, a protecção da pessoa humana tem consagração nos artigos 70º a 81º do Código Civil.
O Código Civil não contém uma definição de direito de personalidade ou, sequer, uma definição geral, abrangendo, como refere RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, A Constituição e os Direitos de Personalidade, Estudos sobre a Constituição II, 1978, 93, todos aqueles direitos subjectivos, privados, absolutos, extra patrimoniais, inatos, perpétuos, intransmissíveis, relativamente indisponíveis, tendo por objecto os bens e as manifestações interiores da pessoa humana, visando tutelar a integridade e o desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos os sujeitos de direito a absterem-se de praticar ou deixar de praticar actos que ilicitamente ofendam ou ameacem ofender a personalidade alheia sem o que incorrerão em responsabilidade civil e/ou na sujeição às providências cíveis adequadas a evitar a ameaça ou a atenuar os efeitos da ofensa cometida. Os direitos de personalidade, incluindo-se nestes, os direitos à honra e ao bom nome, pertencem, pois, à categoria de direitos absolutos, como direitos de exclusão, oponíveis a todos os terceiros, que os têm de respeitar.
Prescreve o nº 1 do artigo 70º do Código Civil que “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”, o que significa a assunção e um reconhecimento da existência de um direito geral da personalidade, onde se insere o direito ao bom nome e reputação – v. a propósito da evolução o direito de personalidade na civilística portuguesa, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Inocêncio Galvão Teles, Vol. I, 21-45.
Na honra estão pois incluídos o bom-nome e a reputação que integram o apreço social pelas qualidades determinantes de cada indivíduo e os respectivos valores pessoais, no plano moral, ético, intelectual, profissional ou político, constituindo o direito ao bom-nome e reputação, basicamente, no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social, mediante imputação feita por outrem – J.J. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, ob. cit., 461 e 466.
Muito embora a Constituição Portuguesa não estabeleça formalmente qualquer hierarquia entre o direito ao bom nome e reputação, e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26º, nº 1) e o direito à liberdade de expressão e informação, através da imprensa (artigos 37º e 38º), reconhece, como acima ficou dito, a existência de limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento, bem como ao exercício do direito de informar.
Mas, a prevalência do direito à honra e ao bom nome, relativamente a afirmações lesivas do mesmo não pode ser sobreponível face a situações em que tais afirmações, embora potencialmente ofensivas, servem um fim legítimo do direito de informar.
Tem sido entendimento doutrinário e jurisprudencial que a existência dessa relação tendencialmente conflituante entre estes dois direitos constitucionalmente garantidos - o direito de liberdade de expressão e ou de informação e o direito à honra e ao bom nome – implica a necessidade de dirimir o conflito de direitos daí decorrente, através da sua harmonização mediante critérios metódicos abstractos, de que fala J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, 660 - “princípio da concordância prática” ou a “ideia do melhor equilíbrio possível entre os direitos colidentes”, por forma a atribuir a cada um desses direitos a máxima eficácia possível - cfr. tb. a este propósito, Ac. STJ de 05.03.96, CJ/STJ 1996, 1, 122-129.
Impõe-se a observância do princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, vinculante em matéria de direitos fundamentais de que fala FIGUEIREDO DIAS, Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português, RLJ Ano 115º, 102.
Para resolução do aludido conflito de direitos, ao nível da lei ordinária, tem sido frequente o recurso ao disposto no artigo 335º do Código Civil, que estipula que, caso sejam iguais os direitos em conflito ou da mesma espécie, deve cada um deles manter o seu núcleo principal, cedendo o estritamente necessário para que ambos produzam o seu efeito; se os direitos em questão forem desiguais ou de espécie diferente, deverá prevalecer aquele que for considerado superior. No conflito entre o direito de liberdade de expressão e/ou informação e o direito à honra e ao bom nome, não obstante ambos merecerem dignidade constitucional, tem-se entendido que o primeiro, devido às restrições e limites a que está sujeito, não poderá atentar contra o bom nome e reputação de outrem, salvo se estiver em causa um relevante interesse público que se sobreponha àqueles, defendendo-se frequentemente que a informação veiculada terá de se cingir à verdade dos factos. Também o artigo 10º da Convenção de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH), que entrou em vigor no nosso país, em 9 de Novembro de 1978, garante o direito à liberdade de expressão, estatuindo que “toda a pessoa tem direito à liberdade de expressão” que “compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de comunicar informações ou ideias sem que possa haver ingerência de autoridades públicas”.
Afirma-se, por conseguinte, no parágrafo 1º, como liberdade fundamental, a liberdade de expressão com um conteúdo próprio: compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e comunicar informações ou ideias.
Estabelece, todavia, o parágrafo 2º limitações, ao prever que o exercício do direito a exprimir-se livremente, o direito de opinião e de informação comporta deveres e responsabilidades e pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções previstas na lei, que constituem medidas necessárias numa sociedade democrática.
A liberdade de expressão, consagrada no citado artigo 10º do CEDH, tem sido densificada de forma muito relevante pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH).
Tem aquele Tribunal considerado a liberdade de expressão, assente no pluralismo de ideias e opiniões livremente expressas, como um direito essencial cuja protecção é condição para a existência de uma democracia pluralista necessária ao desenvolvimento do homem e ao progresso da sociedade.
A opinião veicula, em regra, uma convicção, uma apreciação ou um ponto de vista, e pode ser integrada por juízos directos e juízos de valor, estando a liberdade de opinião intrinsecamente ligada à liberdade de informação.
O direito de expressão consiste, portanto, no direito de manifestar e divulgar, livremente, o pensamento, enquanto o direito de informação tem um âmbito normativo mais extenso, englobando opiniões ideias, pontos de vista ou juízos de valor sobre qualquer assunto ou matéria, quaisquer que sejam as finalidades, não pressupondo um dever de verdade perante os factos.
Doutrina e jurisprudência estão de acordo que os limites da crítica são mais amplos em relação a actuações ou afirmações de personalidades e figuras públicas, do que em relação a um simples particular, o que acaba por garantir uma maior margem de actuação na expressão da crítica e nas intervenções publicadas.
O pluralismo, a tolerância e o espírito da abertura implicam a consagração da liberdade de expressão, inerente a uma sociedade democrática, enquanto princípio fundamental, amplamente defendido na jurisprudência do TEDH, conquanto as restrições à liberdade de expressão são excepções que carecem de uma interpretação estrita e podem traduzir-se, efectivamente, na necessidade de protecção da reputação ou de outros direitos de outrem.
Mas, esses direitos ao pluralismo, à tolerância e ao espírito da abertura pressupõem e implicam, correlativamente, deveres e responsabilidades.
Como refere JÓNATAS E.M. MACHADO, ob. cit., 80, tem-se verificado uma nítida dessintonia entre o entendimento dos tribunais nacionais e o do TEDH, que tende a afirmar o seu direito de supervisão europeia e a reduzir a margem de apreciação dos Estados, apontando claramente para uma interpretação dos direitos de personalidade de uma forma restritiva, que não comprometa o papel central da liberdade de expressão, de informação e de imprensa numa sociedade democrática.
Face à aludida dessintonia, o Estado Português tem, com efeito, sofrido sucessivas condenações no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) – pelo menos treze entre 2000 a 2011 – com base na interferência no direito à liberdade de expressão, concretizada numa condenação judicial de natureza civil e penal que visava, em muitos desses casos, a protecção de uma figura pública, tendo o Estado português sido condenado por não ter conseguido provar que a restrição ao exercício da liberdade de expressão correspondia a uma necessidade social imperiosa – cfr. a propósito dessas condenações, FRANCISCO TEIXEIRA DA MOTA, O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a Liberdade de Expressão.
Nessas decisões (cuja tradução para português pode ser consultada no sítio do Gabinete de Documentação e Direito Comparado - http:www.gddc.pt) o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem reiteradamente afirmado que “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sob reserva do n.º 2 do artigo 10.º, é válida não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há «sociedade democrática». Tal como estabelece o artigo 10.º da Convenção, o exercício desta liberdade está sujeito a excepções que devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente. A condição do carácter «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal averiguar se a ingerência litigiosa correspondia a uma «necessidade social imperiosa». Os Estados Contratantes gozam de uma certa margem de apreciação para determinar se existe uma tal necessidade, mas esta margem anda de par com um controlo europeu que incide tanto na lei como nas decisões que a aplicam, mesmo quando estas emanam de uma jurisdição independente (vide Lopes Gomes da Silva c. Portugal, n.º 37698/97, § 30, TEDH 2000-X)” - v. tb. a título meramente exemplificativo, caso Colaço Mestre e SIC – Sociedade Independente de Comunicação, S.A. c. Portugal, queixas n.ºs 11182/03 e 11319/03, sentença de 26 de Abril de 2007, n.º 22.
Importa ainda salientar uma das mais recentes condenações do Estado Português, decisão de 2014/01.04 do TEDH – nº 37840/10, Amorim Giestas e Jesus Costa Bordalo c. Portugal, no qual se continua a seguir a jurisprudência firmada, assente na liberdade de expressão que constitui um dos fundamentos essenciais de qualquer sociedade democrática.
Assevera-se no parágrafo 24 da aludida decisão acessível em http://hudoc.echr.coe.int/sites/fra/pages/search.aspx?i=001-142084, que: “La Cour rappelle que, selon sa jurisprudence bien établie, la liberté d’expression constitue l’un des fondements essentiels de toute société démocratique, l’une des conditions primordiales de son progrès et de l’épanouissement de chacun. Sous réserve du paragraphe 2 de l’article 10, elle vaut non seulement pour les « informations » ou « idées » accueillies avec faveur ou considérées comme inoffensives ou indifférentes, mais aussi pour celles qui heurtent, choquent ou inquiètent. Ainsi le veulent le pluralisme, la tolérance et l’esprit d’ouverture, sans lesquels il n’est pas de « société démocratique ». Telle qu’elle se trouve consacrée par l’article 10 de la Convention, cette liberté est soumise à des exceptions, qu’il convient toutefois d’interpréter strictement, la nécessité de toute restriction devant être établie de manière convaincante. Ainsi le veulent le pluralisme, la tolérance et l’esprit d’ouverture, sans lesquels il n’est pas de « société démocratique ». Telle qu’elle se trouve consacrée par l’article 10 de la Convention, cette liberté est soumise à des exceptions, qu’il convient toutefois d’interpréter strictement, la nécessité de toute restriction devant être établie de manière convaincante (…) ».
As implicações decorrentes da CEDH e a ponderação da jurisprudência do TEDH impõe a necessidade de proceder a uma profunda reflexão e inflexão na jurisprudência nacional, o que, aliás, tem vindo a suceder paulatinamente, já que sempre foi entendimento jurisprudencial dominante, como acima ficou dito, de que o direito ao bom nome e reputação se deveria sobrepor ao direito de informação - cfr. entre muitos, Acs. STJ de 30.04.94, C.J./STJ, II, t. 2, pg. 54 e de 08.03.2007 (Pº 07B566), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt.
E, muito embora o exercício da liberdade de expressão e do direito de informação seja potencialmente conflituante com o direito ao bom nome e reputação de outrem, a verdade é que, quando está evidenciado um conflito de direitos, o TEDH dá particular relevo à liberdade de expressão, o que resulta do citado artigo 10º da Convenção dos Direitos do Homem (CEDH), em detrimento do direito à honra. Daí as diversas condenações do Estado Português.
Como bem refere ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, A influência da CEDH no diálogo interjurisdicional, Revista Julgar, Nº 7- 2009, os juízes nacionais estão vinculados à CEDH e em diálogo e cooperação com o TEDH. Vinculados porque, sobretudo em sistema monista, como é o português (artigo 8º da Constituição), a CEDH, ratificada e publicada, constitui direito interno que deve, como tal, ser interpretada e aplicada, primando, nos termos constitucionais, sobre a lei interna. E vinculados também porque, ao interpretarem e aplicarem a CEDH como primeiros juízes convencionais, devem considerar as referências metodológicas e interpretativas e a jurisprudência do TEDH, enquanto instância própria de regulação convencional.
Urge, pois, tomar em consideração a jurisprudência do TEDH, não podendo os Tribunais nacionais deixar de ponderar nas soluções jurisprudenciais decorrentes daquele Tribunal, já que a jurisprudência relativa à liberdade de expressão construída na interpretação e aplicação do artigo 10º do CEDH oferecem critérios de grande utilidade para os tribunais nacionais.
Infere-se, de resto, no acórdão do STJ de 30.06.2011 (Pº 1272/04.7TBBCL-G1.S1), acessível no citado sítio da Internet, que, de acordo com o artigo 10º do CEDH, o intérprete terá de seguir o caminho consistente, não a partir da tutela do direito à honra e considerar os casos de eventuais ressalvas, mas a partir do direito à livre expressão, e averiguar se têm lugar algumas das excepções do nº 2 do citado artigo 10º do CEDH, caminho que saí reforçado pelo texto da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que, no seu artigo 11º, igualmente consagra a liberdade de expressão e de informação. A liberdade de expressão pode, assim, ser sujeita a excepções mas estas, no entender do TEDH, devem ser interpretadas de forma restritiva e a necessidade de quaisquer restrições tem de ser estabelecida de forma convincente.
Sustenta no mesmo sentido, JÓNATAS E.M. MACHADO, ob. cit., 81 ao referir que: Para o Tribunal Europeu, a centralidade da liberdade de expressão e de imprensa, como elementos constitutivos de uma sociedade democrática, obriga a que todas as restrições às mesmas devam ser objecto de uma interpretação restritiva e a sua necessidade estabelecida de forma de modo convincente. Para o TEDH, as condutas expressivas são dignas de protecção, mesmo quando sejam ofensivas, perturbadores, chocantes e inquietas.
No que respeita à protecção da reputação como critério de justificação da ingerência, o TEDH enunciou o princípio de que os limites da crítica admissível são mais amplos em relação a personalidades públicas visadas nessa qualidade, do que em relação a um simples particular.
Ao abordar a relevância que o TEDH atribui à função da comunicação social, ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, Liberdade de Expressão: o artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Uma leitura da Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, 698, salienta que o TEDH enunciou o seguinte princípio fundador: os limites da crítica admissível são mais amplos em relação a personalidades públicas visadas nessa qualidade, do que em relação a um simples particular. Diferentemente destes, aquelas expõem-se, inevitável e conscientemente, a um controlo apertado dos seus comportamentos e opiniões, tanto pelos jornalistas como pela generalidade dos cidadãos, devendo, por isso, demonstrar muito maior tolerância. Esta perspectiva garante uma extensa margem de actuação na expressão crítica e nas intervenções publicadas.
O direito fundamental à liberdade de expressão protege quer as opiniões e juízos de valor, mas também informações e afirmações de facto – cfr. quanto à distinção nem sempre fácil entre juízo de valor e afirmações de facto, JÓNATAS E.M. MACHADO, Liberdade de Expressão – Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social, Boletim da Faculdade de Direito, 425-426, 786 a 789 e ainda FILIPE MIGUEL CRUZ DE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, 263-303.
Estando em causa juízos de valor, nos quais, ao contrário da imputação de factos, não poderá ser exigida prova da verdade, o TEDH adopta uma posição de intervenção máxima e de sobreposição dos seus critérios aos das decisões nacionais, nada deixando praticamente à margem de apreciação nacional.
Mas, mesmo nesta matéria de juízos de valor, sempre terá de haver uma base factual suficiente, pois quando não tem qualquer sustentabilidade em factos não podem tal juízos de valor deixar de se considerar excessivos – v. neste sentido IOLANDA RODRIGUES DE BRITO, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, 79.
Constituindo, como é unanimemente reconhecida, a liberdade de expressão um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e uma das condições primordiais do seu progresso, e do pluralismo assente na tolerância, a liberdade de expressão e opinião vale também para as informações ou ideias que melindram, chocam ou inquietam – v. neste sentido Acs. TEDH de 12.04.2011, nº 4049/08 e nº 37689/97, casos Conceição Letria e Lopes Gomes da Silva, acessíveis na Internet no sítio http://hudoc.echr.coe.int.
Mesmo sendo o visado por imputações de factos ou pela formulação de juízos de valor desonrosos, uma figura pública, e estando em causa uma questão de interesse público, o TEDH, ao aplicar o artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tem igualmente desenvolvido uma doutrina de protecção reforçada da liberdade de expressão – v. neste sentido IOLANDA RODRIGUES DE BRITO, ob. cit, 17.
A este propósito, enuncia JÓNATAS E.M. MACHADO, Liberdade de Expressão, Interesse Público e Figuras Públicas ou Equiparadas, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXXXV, 2009, 93 que no âmbito da responsabilidade civil por imputações prima facie difamatórias deve ser dada latitude suficiente para o exercício do direito à liberdade de informar, especialmente quando se esteja perante notícias de interesse público inegável ou a discussão de temas de grande relevância pública, incluindo não apenas titulares de cargos políticos, mas outras figuras de relevo económico, social, cultural, religioso, etc., dotadas de grande capacidade para influenciar o espaço público.
Entende-se, portanto, por figura pública uma pessoa que desempenha um papel determinante, nomeadamente no decurso da história política, económica, cultural, jurídica, social, religiosa ou outra, sobre a qual impende um amplo interesse público de informação, que lhe garante um acesso privilegiado aos meios de comunicação social.
As opiniões manifestadas através de uma linguagem forte e exagerada são protegidas e o âmbito de protecção depende do contexto e do objectivo da crítica, sendo que, em questões de interesse público, num contexto de controvérsia pública sobre determinado assunto, as palavras contundentes poderão ser toleradas.
Numa sociedade democrática é imperiosa a garantia de uma esfera de discurso público aberta e pluralista que assegure que os intervenientes nos debates de interesse público possam expressar livremente as suas ideias e opiniões, nomeadamente imputando factos tidos por verdadeiros e de interesse público, ainda que ofensivos da honra, designadamente, de figuras públicas, bem como formulando juízos de valor, também desonrosos, implicando o exercício do direito à liberdade de expressão a exclusão da ilicitude dessas imputações ou juízos de valor, beneficiando estes, enquanto crítica objectiva, de um âmbito de aplicação mais alargado da liberdade de expressão.
Tem sido defendido na jurisprudência do TEDH que as opiniões expressas sobre uma questão de interesse público ofensivas da honra, designadamente, de figuras públicas surgem com frequência revestidas de linguagem forte, violenta e exagerada, devendo considerar-se protegidas pela liberdade de expressão – v. casos enumerados por IOLANDA S. RODRIGUES DE BRITO, ob. cit., 165, nota 297
Após esta perfunctória análise sobre a estrutura jurídico-constitucional da liberdade de expressão e a sua conformidade com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), e ainda com a jurisprudência dimanada do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), e assente neste firmado paradigma, que importa apreciar da questão nuclear que se coloca nestes autos: - definir se, in casu, se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual ou por facto ilícito, dos réus perante a autora, maxime a ilicitude e a culpa, decorrente dos artigos publicados no jornal “G.”.
b) DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACTO ILÍCITO.
Decorre do disposto no artigo 484º do Código Civil que “Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados”.
Esta disposição prevê um caso especial de facto anti-jurídico definido pelo artigo 483.º do Código Civil, o que significa que a sua verificação está também sujeita aos requisitos gerais da responsabilidade civil por facto ilícito – cfr. neste sentido e entre muitos, Ac. STJ de 14.05.2002, C.J./STJ, Ano X, t. 2, pág. 63.
Segundo o nº 1 do artigo 483º do mesmo diploma “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, sendo que, e de acordo com o nº 2 do aludido normativo, “Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.
A responsabilidade civil por facto ilícito depende da verificação simultânea de vários pressupostos: acção/facto voluntário do agente, ilicitude do facto, nexo de imputação do facto ao agente, existência de dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano - v. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 417.
É, assim, necessário que exista um facto voluntário ilícito imputável ao lesante. Exige-se ainda que dessa violação sobrevenha dano e, que entre o facto praticado pelo lesante e o dano sofrido se verifique nexo de causalidade, de modo a poder afirmar-se que o dano resulta da violação.
Importa então analisar se se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual geradores da peticionada indemnização decorrente da alegada ofensa ao bom nome da autora.
O facto voluntário a que a lei se reporta é essencialmente a conduta controlável pela vontade do agente.
No caso vertente, estão essencialmente em causa os artigos publicados nas edições do jornal “G.”:
A intervenção e participação dos réus, enquanto jornalistas, nos aludidos artigos jornalísticos, não podem deixar de se reconduzirem a factos voluntários, condutas controláveis pela vontade dos réus, sendo, consequentemente, notória a imputação a estes de tais factos.
Mas, para que o facto possa ser imputado ao agente, é necessário que o mesmo seja ilícito, maxime, esteja em causa uma notícia difamatória, e que o jornalista tenha agido com culpa, e que haja um nexo psicológico entre o facto praticado e a vontade do lesante.
A ilicitude, enquanto pressuposto da responsabilidade civil por facto ilícito, consiste na infracção de um dever jurídico. Indicam-se, no nº 1 do artigo 483º do Código Civil, duas formas essenciais de ilicitude.
Na primeira vertente, a violação de um direito subjectivo de outrem; na segunda vertente, a violação de lei tendente à protecção de interesses alheios.
Em regra, está em causa a violação de um direito de outrem, designadamente, de um direito absoluto, como são os direitos de personalidade.
No domínio das relações de personalidade, a ilicitude advém do dever jurídico que emerge, quer da necessidade de respeitar um direito de personalidade alheio, quer da obrigatoriedade de cumprimento de lei que proteja interesses alheios de personalidade – v. neste sentido RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, 1995, 435.
Especialmente prevista no artigo 484º do Código Civil está a ilicitude decorrente da ofensa do crédito ou do bom nome. Trata-se de uma previsão de ilicitude consistente na divulgação de factos que, pela sua natureza, sejam susceptíveis de ofender o crédito ou o bom nome de pessoas, físicas ou meramente jurídicas.
Há ofensa do crédito, no caso de o facto divulgado ter a virtualidade de diminuir a confiança quanto ao cumprimento pelo visado das suas obrigações; verifica-se ofensa do bom nome se o facto divulgado tiver a virtualidade de abalar o prestígio de que a pessoa goza ou o conceito positivo em que é tida no meio social em que se integra.
O referido prestígio coincide com a consideração social, i.e., o merecimento que as pessoas, físicas ou meramente jurídicas, têm no meio social, a respectiva reputação social.
A ilicitude pode ser cometida através de acção ou de omissão. No caso da responsabilidade civil por violação dos direitos de personalidade - âmbito aqui em apreciação – as acções relevantes reconduzem-se às condutas expressivas violadoras do bom nome e reputação, sendo directamente visadas as afirmações de facto, pois só muito excepcionalmente, em situações gravíssimas de ofensa e humilhação, deverão ser admitidas indemnizações por juízos de valor – v. neste sentido JÓNATAS E.M. MACHADO, Liberdade de Expressão, Interesse Público e Figuras Públicas ou Equiparadas, 93 e Liberdade de Expressão – Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social, 767-768, aí se defendendo que nos casos duvidosos se deve considerar que se está perante juízos de valor. Como se mostra evidenciado pela análise do disposto no citado artigo 484º do C.C., dele se excluem os juízos de valor e as meras opiniões, apenas cabendo no seu âmbito normativo as afirmações ou declarações de facto – v. neste sentido FILIPE MIGUEL CRUZ DE ALBUQUERQUE MATOS, ob. cit., 263 e 301.
Por seu turno, e como é sabido, a culpa lato sensu abrange as vertentes do dolo e da culpa stricto sensu, i.e., a intenção de realizar o comportamento ilícito que o respectivo agente configurou ou a mera intenção de querer a causa do facto ilícito.
A culpa stricto sensu ou censura ético-jurídica, exprime um juízo de reprovação pessoal em relação ao agente lesante que, no caso concreto, podia e devia ter agido de modo diverso, por forma a evitar a produção do dano.
Actua com culpa, por acto praticado por acção ou omissão, quem omite o dever de diligência ou do cuidado que lhe era exigível, envolvendo, as vertentes consciente e inconsciente. No primeiro caso, o agente prevê a realização do facto ilícito como possível mas, por precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação; na segunda vertente, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, não previu a realização do facto ilícito como possível, podendo prevê-la se, como refere o Ac. STJ de 08.03.2007 (Pº 07B566), www.dgsi.pt, nisso concentrasse a sua inteligência e vontade.
Segundo o artigo 487º, nº 2, do Código Civil, a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um “bonus pater familiae”, em face das circunstâncias do caso concreto, por referência a alguém medianamente diligente, representando um juízo de reprovação e de censura ético-jurídica, por poder agir de modo diverso.
Importa ponderar se os artigos em causa estão envolvidos de ilicitude e, em caso afirmativo, se os réus actuaram com culpa, destacando-se as expressões ali proferidas, com base no enquadramento temático do jornal em causa.
É que, como consta do Estatuto Editorial do jornal “G.”, o mesmo utiliza géneros jornalísticos do humor, da sátira, através da crítica como o sarcasmo, a caricatura e a hipérbole.
Esta visão humorística e satírica é evidenciada pelos títulos e pelas cachas (utilizando o jargão jornalístico), presentes nos artigos publicados na edição do jornal de 19.10.2007 :““OP.” Apanhada”, com a imagem de uma grande pedra, “Balde de Água (…)” ou, na edição do jornal de 02.11.2007: “A montanha move-se”. O recurso à hipérbole está patente no título do artigo publicado na edição do jornal de 15.12.2006 “O Porto já está a arder” – v. Nºs 5, 9 a 14 da Enunciação dos Factos Provados na 1ª e 2ª Instâncias.
O mesmo ocorre no texto dos diversos artigos, como por exemplo: § “afinal o despacho de arquivamento do MP, relativo ao caso do porto, ainda tem muito “pedra” para roer. Sousas voltam a meter a viola no saco” - Nº 9 da Enunciação dos Factos Provados na 1ª e 2ª Instâncias. § “são mandadas extrair certidões que encalacram a “OP.” do Grupo Sousa e de familiares de David ….” - Nº 12 da Enunciação dos Factos Provados na 1ª e 2ª Instâncias. § “(…) os galos que cantaram antes de alvorada, bem podem baixar o pio, que, neste caso, ainda há muita “pedra” para moer e “milho em grão” para digerir” - Nº 13 da Enunciação dos Factos Provados na 1ª e 2ª Instâncias. § “A Gest …., de que eram sócios o arguido David … e esposa, Luís ….. e consorte Cristina ….., meteu também a mão na “saca do cacau” - Nº 15 da Enunciação dos Factos Provados na 1ª e 2ª Instâncias. § “(…) as inúmeras maroscas que levaram o MP a abrir um inquérito, tal era a gravidade dos factos noticiados” - Nº 16 da Enunciação dos Factos Provados na 1ª e 2ª Instâncias. § “na M…. existe uma atrevida e cruel ave que sobrevoou o dito despacho de arquivamento e descobriu que o “OP.”, os S., os P.& Cia. Lda. estão bem presos nas garras da Justiça. Foram-se as chorudas indemnizações, chegaram as dores de cabeça” - Nº 17 da Enunciação dos Factos Provados na 1ª e 2ª Instâncias. § “(…) tudo razões que reforçam as teses do “G.” de que os S. e P. cantaram de galo demasiado cedo, pois parece que ainda muita água vai correr por debaixo das pontes, ou melhor neste caso por debaixo dos cascos dos navios” - Nº 19 da Enunciação dos Factos Provados na 1ª e 2ª Instâncias.
Ora, goste-se ou não do estilo jornalístico em causa, da sua forma, por vezes desbragada, de relatar factos e opinar, a verdade é que um jornal com as características do jornal “G.” busca a crítica política, económica, social ou quiçá de costumes, pela via satírica e que se reflecte, como acima se exemplificou, através dos títulos e das expressões mais ou menos deselegantes e corrosivas.
Todavia, importa ter em atenção que as notícias sobre a situação do porto do Funchal era matéria de há muito abordada por diversos órgãos de comunicação social, foi suscitada na Assembleia Legislativa Regional, e levada a efeito uma longa investigação a cargo da Polícia Judiciária, cujos resultados apontam para eventuais irregularidades entre as empresas ligadas, quer à empresa “OP.”, quer à Empresa “ET.” e as quais detêm vários sócios comuns que prestam serviços e assessorias recíprocas, indiciando-se uma dissimulação de lucros – v. Nºs 51 e 53 da Enunciação dos Factos Provados na 1ª e 2ª Instâncias (relatório da P.J e Informação do Núcleo de Assessoria Técnica da PGR).
Aquando das notícias aqui em causa, o inquérito criminal encontrava-se em curso (edição de 15.12.2006) ou já havia sido alvo de arquivamento, por parte do Ministério Público (edições de 19.10.2007 e 02.11.2007).
Na verdade, considerou o Ministério Público, no seu despacho de arquivamento datado de 31.07.2007 que, uma vez que a pessoa colectiva “ET.”, por não ter efectuado o pedido de confirmação de utilidade pública, havia deixado de ter essa qualidade e, visto os factos apurados pressuporem a natureza pública da pessoa colectiva e ou a condição de funcionário, foi determinado o arquivamento dos autos, no tocante aos ilícitos praticados no âmbito da “ET.” (bold e sublinhado nossos), o que não obstou a que fossem extraídas certidões para apuramento da eventual verificação de crimes de natureza fiscal – v. Nº 51 da Enunciação dos Factos Provados na 1ª e 2ª Instâncias.
A maior parte dos artigos aqui em causa assentava em factos reais – controvérsia em torno do Porto do F…., denúncias dos trabalhadores, a pendência de um inquérito aberto pelo Ministério Público, a constituição de arguidos de determinadas pessoas identificadas nas notícias com cargos relevantes na “OP.” e na “ET.”, alguma opacidade no universo empresarial que gravitava em torno da actividade portuária do F…. e, consequentemente, nas actividades desenvolvidas entre as empresas com aquelas relacionadas, abordada, de resto, no despacho de arquivamento do MºPº – o que leva a concluir que continuava a ser manifesta a actualidade e interesse público na abordagem do tema, sendo que as notícias divulgadas a esse respeito eram, na altura, tidas como verdadeiras, o que, por isso, sempre seriam merecedoras de comentário crítico, num jornal com as características e os objectivos enunciados no Estatuto Editorial do “G.” – v. Nºs 52 e 55 da Enunciação dos Factos Provados na 1ª e 2ª Instâncias.
É certo, que os artigos publicados no jornal “G.” certamente que tiveram repercussão no espectro mais ou menos reduzido dos leitores do aludido jornal quinzenal, cuja tiragem era então relativamente pequena, tendo sido, de resto, dado como não provado que o “G.”seria um dos jornais mais lidos da M… (v. Factos Não Provados – ponto 37 da base instrutória).
Mas, o tema subjacente a todos os artigos aqui em apreciação já antes haviam sido alvo de notícias publicadas em outros jornais, porventura de maior projecção mediática, como foi o caso da notícia publicada pelo semanário Sol de 09.12.2006, que igualmente deu origem a um pedido de indemnização cível, por parte do pai da autora, o qual veio a ser julgado improcedente pelo Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 21.10.2014 (Pº 941/09.0TVLSB.L1.S1), ao entender, também com respaldo na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direito do Homem, que a prevalência do direito à honra e ao bom-nome, no confronto com o direito à liberdade de expressão e informação, relativamente a afirmações lesivas do mesmo, não se compadece com as situações em que aquelas afirmações, embora potencialmente ofensivas sirvam o fim legítimo do direito à informação e não ultrapassem o que se mostra necessário ao cumprimento da função pública da imprensa.
Importa salientar que nos artigos aqui em apreciação, a crítica assenta na forma como se organizavam as actividades, quer da “ET.” e da “OP.”, quer dos seus dirigentes, nomeadamente as famílias P. e S. Apenas num dos artigos o nome da autora é expressamente visado de forma mais corrosiva e contundente – v. Nº 15 da Enunciação dos Factos Provados na 1ª e 2ª Instâncias. Todavia, não se pode olvidar que vivemos numa sociedade plural e aberta em que o direito de informação e de liberdade de expressão do pensamento, de opinião e de crítica têm de ser por todos reconhecidos. Como salienta JÓNATAS E. M. MACHADO, na citada obra Liberdade de Expressão, Interesse Público e Figuras Públicas ou Equiparadas, 807, as afirmações de facto ou os juízos de valor que um cidadão faça sobre a conduta de indivíduos ou instituições publicamente relevantes devem ter unicamente como limite a consciência ou a suspeita fundada da falsidade das mesmas, ou a falta de quaisquer indícios sérios da sua verdade. Ele deve poder exprimir as suas suspeitas e especulações razoavelmente apoiadas, por via dedutiva, indutiva e abdutiva, em evidências circunstanciais de que algo vai mal no funcionamento das instituições socialmente relevantes.
Atento o seu substrato factual, tido na altura como verdadeiro e até indiciariamente apurado no inquérito aberto pelo Ministério Público, bem como as características de um jornal satírico como o “G.”, levam a concluir que nos artigos publicados nas suas edições de 15.12.2006, de 19.10.2007 e de 02.11.2007 - por tratarem de questões de interesse público, num contexto de controvérsia pública sobre o assunto subjacente a todos os referidos artigos - as expressões mais contundentes neles insertas podem ser toleradas, não tendo a necessária relevância, por forma a poderem ser subsumíveis como actos ilícitos.
As aludidas notícias fundaram-se e foram, aliás, antecedidas de notícias divulgadas na comunicação social escrita, em entrevistas com trabalhadores eventuais da “ET.” que, no essencial, confirmaram o que já havia sido noticiado por outros jornais, designadamente pelo Diário de Notícias da M…. e pelo semanário Sol, bem como nos autos de Inquérito Criminal levado a efeito e no subsequente despacho de arquivamento, o que leva a justificar a circunstância de a autora não ter sido previamente contactada para confirmar os factos vertidos nas notícias.
O artigo assinado por Jorge ….., pseudónimo do réu José ….. (Nºs 6 e 48 da Enunciação dos Factos Provados na 1ª e 2ª Instâncias), sendo um artigo que opina e reproduz notícias antes divulgadas na comunicação social (Nº 21 da Enunciação dos Factos Provados na 1ª e 2ª Instâncias), ainda que porventura erróneas, transmitindo a crítica do seu autor, é necessariamente um artigo de opinião que, na sequência do entendimento da jurisprudência do TEDH, que se subscreve, há que reforçar, numa sociedade aberta e democrática, a protecção da liberdade de expressão, por forma a que a mesma não possa ser suprimida ou coarctada, sendo que, como acima ficou dito, citando FILIPE MIGUEL CRUZ DE ALBUQUERQUE MATOS, da análise do disposto no artigo 484º do Código Civil, dele se excluem os juízos de valor e as meras opiniões, apenas cabendo no seu âmbito normativo as afirmações ou declarações de facto.
Numa sociedade democrática a imprensa tem de ser livre para se manifestar sobre qualquer assunto, desde que não aja de má-fé, não minta e não invente factos, não estando obrigada a exaurir investigações e nem a aguardar condenações judiciais para só então noticiar.
No caso vertente, a questão que maior relevo é dada pela autora reside no facto de se ter noticiado, no artigo publicado na edição do jornal “G.” de 15.12.2006, “O PORTO JÁ ESTÁ A ARDER” que: “Depois de cinco anos de investigação, o “G.” teve conhecimento que a Polícia Judiciária recebeu um CD com material altamente comprometedor, onde aparecem dois balanços contabilísticos da empresa, um fictício, para apresentar nas finanças, outro, real, para orientação interna dos administradores. Através desse CD as autoridades descobriram que na factura apresentada pela “ET.” à “OP.” os eventuais recebiam altos salários, como se fossem estivadores efectivos”.
E, na verdade, ficou demonstrado que, no âmbito do Inquérito Nº 711/01.3TAFUN, não foi apreendido qualquer CD com um balanço que não existe. Acresce que também ficou provado que era possível aos leitores do “G.” admitir que na “ET.”, haviam sido forjados os balanços contabilísticos que vieram a ser apresentados às Finanças – v. Nºs 5, 24 e 27 da Enunciação dos Factos Provados na 1ª e 2ª Instâncias.
Sucede que o principal alvo da notícia reportava-se à entidade “ET.”, pessoa jurídica distinta da autora e, por outro lado, não resultou provado que nunca tivessem existido dois balanços, um oficial e outro real – v. Factos não provados (nº 7 da base instrutória). Tão pouco ficou demonstrado que os réus tivessem conhecimento da inexistência do aludido CD com o conteúdo constante da notícia e que, mesmo sabendo da sua inexactidão, hajam procedido à publicação da notícia com tal conteúdo, bem pelo contrário, como resultou do depoimento da testemunha Paulo ….. e das declarações de parte do réu Gil …...
Porém, ainda que se entendesse – o que se não entende - que estávamos perante situações gravíssimas de ofensa e humilhação do bom nome e reputação da autora, o que se rejeita, a verdade é que os receios da autora quanto às implicações negativas que tais notícias teriam nos juízos de valor sobre o seu carácter, resultaram infundados, já que a mesma exerce, e continua a exercer, funções de relevo na vida económica e social da região – v. Nºs 54 da Enunciação dos Factos Provados na 1ª e 2ª Instâncias.
O circunstancialismo subjacente aos artigos em causa, o relevo social, no quadro das questões factuais da actividade do porto do F…., a relevância que têm, desde há muito na sociedade contemporânea, os assuntos atinentes ao mundo dos negócios e da economia em geral, relacionados ou não com o sector público, implica a razoabilidade da premência da sindicabilidade, pela comunicação social, e pelos próprios cidadãos, com relação às condutas praticadas pelas empresas e pessoas colectivas, sejam elas do sector público ou privado, bem como as actuações dos representantes destas, que sejam do domínio público e inerentes ao exercício das suas funções, o que sempre implicaria que o direito conflituante a prevalecer seria o da liberdade de expressão, apesar de forma mais desabrida como as críticas e juízos de valor são, em regra, formulados nos artigos em causa, atentas as características do dito jornal.
Mostram-se, portanto, preenchidos os critérios gerais de valoração apontados por IOLANDA A.S. RODRIGUES DE BRITO, ob. cit., 157-158, ou seja, a realização de um interesse público, o estatuto da visada, ligada às empresas alvo da crítica, a natureza objectiva do juízo de valor, bem como a sustentabilidade numa base factual suficiente, i.e., a existência de uma questão com foros de notícia, tida como verdadeira, divulgada na imprensa escrita.
Com efeito, a hipotética ilicitude da conduta dos réus sempre estaria excluída pelo exercício do direito à liberdade de expressão destes, face ao manifesto interesse público das questões relacionadas com o porto de F….. e com as empresas que, directa ou indirectamente, nele desenvolvem actividade económica, ocorrendo uma demanda pela exigência de transparência e de prestação de contas por parte de todas as instituições, estando sujeitos a crítica e a questionamentos os comportamentos dos seus protagonistas.
Nestes termos, sempre a exclusão da ilicitude e, consequentemente da culpa, obsta à análise dos demais pressupostos da responsabilidade civil, porque prejudicada, o que acarreta a improcedência do que, em adverso, consta da alegação da recorrente, no recurso principal.
E, assim sendo, a apelação da autora/recorrente não poderá deixar de improceder, procedendo, ao invés, o recurso subordinado dos réus, revogando-se a decisão recorrida que se substitui por outra em que se absolvem os réus do pedido formulado pela autora. A apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso principal e procedente o recurso subordinado, razão pela qual se revoga a decisão recorrida e se substitui por outra em que se absolvem os réus do pedido formulado pela autora.
Condena-se a autora/apelante no pagamento das custas respectivas.
Lisboa, 21 de Janeiro de 2016 Ondina Carmo Alves - Relatora Olindo dos Santos Geraldes Lúcia Sousa |